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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA UNIMAR NILTON KIYOSHI KURACHI A PARCERIA PÚBLICOPRIVADA COMO INSTRUMENTO EFETIVO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL MARÍLIA 2007

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UNIVERSIDADE DE MARÍLIA ­ UNIMAR

NILTON KIYOSHI KURACHI

A PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA COMO INSTRUMENTO

EFETIVO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

MARÍLIA 2007

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NILTON KIYOSHI KURACHI

A PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA COMO INSTRUMENTO

EFETIVO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília, como exigência parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito, sob a orientação da Profª. Drª. Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

MARÍLIA 2007

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Autor: NILTON KIYOSHI KURACHI

Título: A PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA COMO INSTRUMENTO EFETIVO DO

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

Dissertação apresentada ao Programa de Mestrado em Direito da Universidade de Marília,

área de concentração Empreendimentos Econômicos, Desenvolvimento e Mudança Social,

sob a orientação da Profª. Drª Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira.

Aprovado pela Banca Examinadora em 24 / 09 / 2007.

_______________________________________________________ Professora Doutora Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira

Orientadora

________________________________________________________ Professor Doutor Lourival José de Oliveira

_________________________________________________________ Professora Doutora Miriam Fecchio Chueiri

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Dedico este trabalho à minha amada esposa Michela, razão da minha vida e aos meus queridos filhos Eric e Bianca, razões da minha existência.

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Agradeço a Deus, pela minha saúde e por viver em paz;

À minha amada esposa Michela, pela paciência e compreensão;

Aos meus filhos, pela resistência nos momentos de ausência;

Aos meus Pais, pela minha existência e minha educação;

Aos meus Irmãos pela torcida;

Ao Rudinei, à Magali, à Luana, ao Vô Arti e à Vó Ursula, pela força;

À minha estimada orientadora Drª Jussara, pela preciosa orientação;

Aos meus Professores do Mestrado, pelos valorosos ensinamentos;

Aos meus amigos Elaine, Evandro e Cilaine, pela agradável companhia nas viagens;

Aos Colegas do Mestrado, pela companhia durante as aulas;

Aos meus colegas Procuradores do Estado de Mato Grosso do Sul, pelo apoio;

Aos meus colegas Professores e aos meus alunos, pelo incentivo;

Aos meus Amigos, pela colaboração e pelas valiosas amizades;

À UNIDERP e à Fundação Manoel de Barros pela bolsa de estudos.

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Acreditar num amanhã melhor é acreditar na sua própria capacidade de construir o futuro.

(Carlos Drumond de Andrade)

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A PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA COMO INSTRUMENTO EFETIVO DO DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

Resumo:

A presente dissertação trata da parceria público­privada (PPP), regulada pela Lei

federal nº. 11.079, de 30.12.2004, de seu conceito, de suas características, das garantias

instituídas para atrair o investidor privado, da segurança jurídica referente à forma de

contrato, da arbitragem e de outros meios de assegurar o cumprimento desta nova

modalidade de concessão de serviços públicos, distinta da prevista na Lei federal nº.

8.987/95, que veio contribuir com suas disposições para ampliar as discussões que

envolvem interesses públicos e interesses privados, antes antagônicos e agora unidos em

parceria, num processo de aproximação inevitável, na busca de investimentos em infra­

estrutura, mercê do crescimento das necessidades do Estado, pois o mesmo está cada vez

mais sem condições de investir e de prestar adequadamente os serviços públicos inerentes

à sua função. Esse novo instituto trouxe em sua concepção uma moderna relação contratual

consistente no compartilhamento de riscos entre os setores público e privado, objetivando

executar projetos que englobam vultosos aportes de receitas a médio e longo prazo. Esta

pesquisa envolve o estudo dos modelos de Estado, que marcaram historicamente o destino

do mundo, e da origem da parceria público­privada, bem como os novos desafios que

precisam ser vencidos pelo Estado contemporâneo para suprir o déficit em investimento

público, decorrente do desequilíbrio das contas públicas, que o impede de prestar serviços

públicos eficientes e adequados, conforme preconizados pela Constituição Federal de

1988, e que geram atraso no desenvolvimento econômico e social do país. Portanto,

necessária se faz a investigação das parcerias público­privadas como um possível

instrumento de desenvolvimento econômico e social, buscando investimentos privados

com a finalidade de suprir a falta de condições financeiras do Estado para cumprir o seu

mister. O Governo brasileiro volta sua atenção para o crescimento e promete retomar as

grandes obras de infra­estrutura, por meio das parcerias público­privadas. No entanto, a

aproximação dos investidores privados é cautelosa porque os mesmos mostram­se receosos

em alocar recursos no setor público, uma vez que há dúvida quanto ao retorno de seus

investimentos em função da descontinuidade das administrações. Outra preocupação

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consiste em saber se o investidor particular também honrará seus compromissos diante de

empreendimentos econômicos que necessitem de grande vulto de recursos financeiros e de

longa duração, inclusive sujeitos a inúmeras vicissitudes. Diante dessa situação, com o

propósito de acautelar os interesses dos parceiros particulares e tendo em mira incentivar a

participação desses investidores, faz­se necessário conceder maior segurança nas relações

negociais, tornando­se imprescindível saber se as garantias oferecidas são suficientes para

dar essa segurança jurídica necessária, atraindo­os para formarem parceria com o Poder

Público, no intuito de desenvolverem projetos de infra­estrutura e assim alavancarem o

desenvolvimento econômico e social.

Palavras­chave: Parceria Público­Privada, desenvolvimento econômico e social.

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THE PUBLIC PRIVATE PARTNERSHIP AS EFFECTIVE INSTRUMENT OF THE ECONOMIC AND SOCIAL DEVELOPMENT

Summary:

The present dissertation cares about the public privative partnership (ppp), regulated by the federal right nº 11.079, of the 30.12.2004, by its concept, by its characteristics, from the garanties instituted for attractor private investment, of the juridical security referent of the way from the agreement, by arbitrage and the others ways to secure the comportment of this new modality of concession of public­services, distinct by the previous federal right nº 8.987/95, which come to contributing with theirs dispositions to amply the discus whose evolve public­interesting and private­interesting, before antagonist but right now united in friendship, in a process of the uninvited proximity, in a search of the investments in infra­ structures, mercer of the development of the State needs, because the same is ever more without conditions to invest and give adequating the public­services by its inherent­ functions. This new institute broth inside its conception one modern relationship consistent agreement in the distributions from the risks between the public and the private sector, objecting execute projects witch evolve the studies of the models from the State, whose marked historically the fate of the world, and the genesis of the relation public­private , as well as the news challengers witch needs be wined by the Contemporaneous State to supply the deficit in public­investments, according of the disequilibrium of the public bills, witch block to offer adequate public­services, according recognized by the Federal Constitution of 1988, that give lateness on at the social and economic development of the country. Soon, necessary makes the investigation of the relations public­privates like a possible instrument of the development social and economic, looking for privatives investments with the finalities to supply the lack of financer conditions of the state to agree its rejoice. The Brazilian government backs its attention for the grew upping and promises return its greats builds of infra­structure, by the way of the meets public­ private. No ever, the coming around of the public investitures once that there is a doubt about the return of the investitures in function of the discontinue of the administrations. Other worry consist to know if the particular investiture also will agree his meets in front of empreendiments at the function of the economics administration, witch needs greats numbers of economics recourses and for a long time, including subjective in uncountable alteration. In the front of its situation, with the propose to prevent the interesting from the particular investiture friends and having in a aim incentive the participation from these investitures, it’s necessary concede biggest security at the negotiation relationship, turning its self impressing get to know if the offer guaranties are sufficient to give this juridical assistance, attracting to make relationships with the Public­power, in a intuit to develop projects of infra­structure and than get de real economic and social development.

Keys­ Words: public privative partnership, social and economic development

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LISTA DE ABREVIATURAS

art. — artigo

arts. — artigos

CC — Código Civil

CDC — Código de Defesa do Consumidor

CF/88 — Constituição Federal de 1988

ex. — exemplo i.e. — isto é In — em

nº. — número

nºs. — números

par. ún. — parágrafo único

PPP — Parceria público­privada

PPPs — Parcerias público­privadas

STF — Supremo Tribunal Federal

STJ — Superior Tribunal de Justiça v.g. — verbi gratia (exemplo)

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SUMÁRIO

SUMÁRIO ..................................................................................................................... 10

INTRODUÇÃO ............................................................................................................. 12

1 MODELOS ESTATAIS E ORIGEM DA PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA ...... 16

1.1 DO ABSOLUTISMO AO ESTADO LIBERAL .................................................... 16

1.2 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL................................................. 22

1.2.1 Resgate histórico do papel do Estado social nas Constituições brasileiras........ 32

1.2.2 Evolução histórica do Estado do Bem­Estar .................................................... 34

1.2.3 Desenvolvimento do Estado do bem­estar ....................................................... 37

1.2.4 Motivos da crise do Estado do bem­estar......................................................... 38

1.2.5 Distinção entre Estado social e Estado socialista. ............................................ 39

1.3 ESTADO CONTEMPORÂNEO E NEOLIBERALISMO..................................... 40

1.3.1 Estado Democrático de Direito........................................................................ 48

1.3.2 Estado Contemporâneo e o Sistema de Parceria............................................... 55

2 DA EXPLORAÇÃO DIRETA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO E

O SERVIÇO PÚBLICO................................................................................................ 59

2.1 EXPLORAÇÃO DIRETA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO...... 61

2.1.1 Da Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988 .................................. 71

2.2 PRIVATIZAÇÃO E DESESTATIZAÇÃO........................................................... 76

2.2.1 A Privatização disseminada mundialmente...................................................... 80

2.2.2 A Privatização e Desestatização no Brasil ....................................................... 87

2.3 SERVIÇO PÚBLICO ............................................................................................ 94

2.3.1 O Serviço Público e a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ... 100

2.3.2 Noções de serviço público francês................................................................. 102

2.3.3 Noções de Serviço Público Argentino ........................................................... 104

2.4 DELEGAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ........................................................... 106

2.4.1 O controle e a fiscalização do serviço público pelas Agências Reguladoras ... 110

2.5 PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.............................................. 113

2.5.1 Franquia........................................................................................................ 115

2.5.2 Terceirização ................................................................................................ 117

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11

2.5.3 Autorização................................................................................................... 119

2.5.4 Permissão...................................................................................................... 122

2.5.5 Concessão ..................................................................................................... 124

2.5.6 Outras formas de parceria.............................................................................. 127

3 PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA......................................................................... 132

3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS ................................................................ 139

3.1.1 Licitação e contratação de parceria público­privada ...................................... 149

3.1.2 Sociedade de Propósito Específico ................................................................ 151

3.2 MODALIDADES DE PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA ................................. 153

3.3 GARANTIAS PARA ATRAIR O INVESTIDOR PRIVADO............................. 158

3.3.1 A importância das garantias .......................................................................... 163

3.3.2 Garantias que o Poder Público prestará ao parceiro privado e aos financiadores

do projeto. ............................................................................................................. 164

3.3.3 Garantias que o parceiro privado prestará ao parceiro público e aos seus

financiadores ......................................................................................................... 166

3.4 SEGURANÇA JURÍDICA DOS CONTRATOS ................................................ 167

3.4.1 A arbitragem na parceria público­privada e a segurança jurídica ................... 169

3.5 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL.... 176

3.6 OS NOVOS DESAFIOS DO ESTADO CONTEMPORÂNEO E O ADVENTO

DAS PARCERIAS PÚBLICO­PRIVADAS (PPP’s) ................................................. 183

3.8 A PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA COMO INSTRUMENTO EFETIVO DO

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL ................................................. 186

CONCLUSÃO ............................................................................................................. 191

REFERÊNCIAS .......................................................................................................... 200

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INTRODUÇÃO

Em 30 de dezembro de 2004, foi publicada a Lei nº 11.079, que regula a parceria

público­privada (PPP) em âmbito nacional, sob o fundamento de que o Estado encontra­se

inapto para investimento em infra­estrutura e não tem capacidade de prestar serviço

público eficiente e adequado, o que resulta, principalmente, na incapacidade do setor

público de financiar o desenvolvimento econômico e social.

Esse novo instituto constitui­se uma nova forma de concessão, diversa da

concessão comum regulada pela Lei nº. 8.987/95, trazendo em sua concepção uma

moderna relação contratual consistente no compartilhamento de riscos entre os setores

público e privado, objetivando executar projetos que englobam vultosos aportes de receitas

a médio e longo prazo.

Essa relação amplia as discussões e alimentam o fogo em que são aquecidos os

ingredientes que fazem da mistura, interesse público e interesse privado, material

antagônico de alta combustão; porém, tais interesses, antagonizados durante séculos, já há

algum tempo vêm vivendo um processo de aproximação inevitável, mercê do crescimento

das necessidades do Estado, haja vista o mesmo estar cada vez mais sem condições de

investir e de prestar adequadamente os serviços públicos inerentes à sua função.

Essa aproximação dos investidores privados é cautelosa porque os mesmos

mostram­se receosos em alocar recursos no setor público, uma vez que há dúvida se os

investimentos devidamente corrigidos e os lucros retornarão, em razão da descontinuidade

das administrações.

Outra preocupação consiste em saber se o investidor particular, também, honrará

com seus compromissos diante dessas modalidades de empreendimentos econômicos, que

necessitam de grande vulto de recursos financeiros e são, normalmente, de longa duração,

inclusive, por esse motivo, sujeitos à inúmeras vicissitudes.

Diante dessa situação, com o propósito de acautelar os interesses dos particulares

e tendo em mira incentivar a participação do setor privado, faz­se necessário conceder

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maior segurança nas relações negociais, tornando­se imprescindível a criação de garantias

para ambas as partes, mas, principalmente, para o investidor particular que é a parte mais

vulnerável dessa relação contratual.

Nesse contexto surge a dúvida consistente em saber se as garantias instituídas pela

nova Lei nº 11.079/2004, acrescidas das garantias aplicadas aos contratos administrativos

em geral, a repartição dos riscos oriundos dos empreendimentos e as soluções

administrativas e judiciais dadas aos conflitos que eventualmente surgirem, serão

suficientes para dar segurança jurídica aos investidores do setor privado, atraindo­os para

formarem parceria com o Poder Público, no intuito de desenvolverem projetos de infra­

estrutura.

Para que essa investigação tenha sucesso, faz­se necessária pesquisa bibliográfica

das obras nacionais e estrangeiras sobre o assunto, porquanto a parceria público­privada

tem seu nascimento no Reino Unido, especificamente na Inglaterra, alastrando­se por

grande parte da Europa para, posteriormente, alcançar países africanos e latino­americanos.

Perquirir­se­á, portanto, se os dispositivos da Lei federal nº. 11.079/2004 são

suficientes para garantir o cumprimento do contrato por ambos os parceiros e se são

satisfatórias para atrair os investimentos privados a apostarem nessa nova forma de

empreendimento econômico misto, isto é, entre a administração pública e o setor privado,

deflagrando desenvolvimento econômico e social nas regiões contempladas com a obra ou

o serviço.

Destarte, a questão a ser discutida, como problemática do tema, é se essa parceria

entre o Poder Público e o setor privado será um instrumento efetivo do desenvolvimento

econômico e, se concretizado este, será automaticamente mola propulsora do

desenvolvimento social, suficiente para gerar uma mudança social no país, ou, ao

contrário, se essa aproximação entre o interesse público e o interesse privado incorrer­se­á

em mais uma forma de desvio do dinheiro público, gerado pelas práticas descomedidas de

favorecimentos políticos, corrupção ou conluio, gerando serviços ou obras inacabadas ou

resultará em complexas demandas judiciais, tão comuns no Brasil hodierno. São as

peculiaridades e a síntese reflexiva deste trabalho.

Trata­se, portanto, de pesquisa exploratória bibliográfica, utilizando­se os

métodos dedutivo, lógico, sistêmico, comparativo, axiológico e finalístico. O público alvo

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a ser atingido abarca os profissionais e acadêmicos da área do Direito, os administradores e

servidores públicos, parte do setor empresarial privado que tem potencial para

investimento em grandes empreendimentos de alto valor e de longo prazo.

O tema apresentado é extremamente atual, porquanto faz pouco tempo que a Lei

das parcerias público­privadas foi publicada (30 de dezembro de 2004), regulando essa

nova modalidade de concessão do serviço público, o que deflagra inúmeros

questionamentos e poucas respostas, haja vista terem poucos projetos em andamento no

Brasil.

Quanto à divisão do estudo, na primeira seção, visando compreender o momento

histórico em que se propiciou o surgimento das parcerias público­privadas, foi realizada

pesquisa sobre os modelos estatais como: o Absolutismo; o Estado Liberal; o Estado

Social; o Estado do Bem­Estar, o desenvolvimento deste, os motivos de sua crise e as

influências do Estado social nas Constituições brasileiras, bem como a distinção entre o

Estado social e Estado socialista; o Estado Contemporâneo e o Neoliberalismo, com

análise sistemática do Estado Democrático de Direito; incluindo o estudo da origem das

parcerias público­privadas.

A segunda seção trata das distinções entre as formas de exploração direta da

atividade econômica pelo Estado e o serviço público; sendo necessário, neste caso, o

estudo da Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988; a privatização, disseminada

mundialmente e no Brasil, além da conseqüente desestatização; o serviço público e a

aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor na relação entre o Estado e o usuário

de serviços públicos; noções de serviço público francês e argentino, como uma amostra do

direito europeu e latino americano; a delegação da prestação do serviço público, o controle

e a fiscalização dessa prestação pelas agências reguladoras; bem como as parcerias

realizadas pela Administração Pública, como a franquia, a terceirização, a autorização, a

permissão, a concessão e outras formas de parcerias.

Finalmente, a terceira seção trata do escopo maior deste trabalho, que será,

essencialmente, conhecer o conceito e as características das parcerias público­privadas,

enveredando­se pela licitação e contratação e o estudo da sociedade de propósito

específico; as modalidades de parcerias público­privadas e o modelo francês dessa espécie

de contrato; as garantias para atrair o investidor privado; a segurança jurídica dos contratos

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administrativos dessa modalidade de parceria e a arbitragem como forma de efetivar o

princípio da celeridade nos dissídios judiciais e extrajudiciais; o que se entende por

desenvolvimento econômico e desenvolvimento social; quais são os novos desafios do

Estado contemporâneo e o advento das parcerias público­privadas e, finalmente, a

compreensão da função dessa Parceria como instrumento efetivo do desenvolvimento

econômico e social.

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1 MODELOS ESTATAIS E ORIGEM DA PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA

Para se entender os fatos históricos ensejadores do surgimento das parcerias

público­privadas (PPPs), faz­se necessário conhecer os modelos de Estado e em qual deles

houve a fecundação desse novo instituto (PPP).

Nesse desiderato, torna­se inevitável uma análise, ao menos perfunctória, das

características de cada modelo de Estado que, na concepção de Paulo Bonavides, tem a

seguinte seqüência:

Primeiro, o Estado liberal; a seguir, o Estado socialista; depois, o Estado social das Constituições programáticas, assim batizadas ou caracterizadas pelo teor abstrato e bem­intencionado de suas declarações de direitos; e, de último, o Estado social dos direitos fundamentais, este, sim, por inteiro capacitado da juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que garantem estes direitos. 1

Esse estudo historicista é necessário para se vislumbrar o grau de intervenção no

domínio econômico que cada um desses modelos de Estado intensificou e,

consequentemente, em qual deles ocorreu a publicização e a despublicização

(desestatização), características pertinentes ao surgimento das parcerias público­privadas.

Malgrado o estudo historicista estar centrado no Estado liberal em diante, é

indispensável conhecer, ao menos superficialmente, o absolutismo (Estado absolutista)

para se entender o surgimento daquele modelo de Estado (liberal).

1.1 DO ABSOLUTISMO AO ESTADO LIBERAL

Após a Pré­história dos homens das cavernas, a Antigüidade dos gregos e de

outras civilizações e a Idade Média dos senhores feudais e dos servos dividida em dois

grandes períodos, a baixa Idade Média e a alta Idade Média na qual, ao final do período, há

uma aproximação com a idéia de Estado absolutista, surge a Idade Moderna, tendo como

1 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 29.

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característica principal a forma de centralização do poder em torno de um soberano,

denominada absolutismo.

O Absolutismo, desenvolvido na Idade Moderna, como forma específica de

organização do Poder, segundo Norberto Bobbio, pode ter:

[...] Surgido talvez no século XVIII, mas difundido na primeira metade do século XIX, para indicar nos círculos liberais os aspectos negativos do poder monárquico ilimitado e pleno, o termo­conceito Absolutismo espalhou­se desde esse tempo em todas as linguagens técnicas européias para indicar, sob a aparência de um fenômeno único ou pelo menos unitário, espécies de fatos ou categorias diversas da experiência política, ora (e em medida predominante) com explícita ou implícita condenação dos métodos de Governo autoritário em defesa dos princípios liberais, ora, e bem ao contrário (com resultados qualitativa e até quantitativamente eficazes), com ares de demonstração da inelutabilidade e da conveniência se não da necessidade do sistema monocrático e centralizado para o bom funcionamento de uma unidade política moderna. 2

Na concepção de Pierangelo Schiera, “[...] o Estado absolutista, de um ponto de

vista descritivo, seria aquela forma de governo em que o detentor do poder exerce este

último sem dependência ou controle de outros poderes, superiores ou inferiores [...]”. 3

Nesse modelo, o Estado era personificado na pessoa do Rei, que centralizava o

poder político e desconhecia totalmente os Direitos Fundamentais do Homem, pois a

liderança política, como foi dito, fulcrava­se no “poder de um só” (rei, soberano,

imperador, monarca) e era determinada pela hereditariedade, contrariando os anseios

democráticos da sociedade, ou seja, seguindo a tradição do poder ex parte principii e não ex parte populli.

Esse poder absoluto não tinha limitação, pois, interna ou externamente, era

insuscetível de qualquer controle, parecendo, segundo Carlos Ari Sundfeld, “[...] ao

espírito da época, que quem detinha o poder – de impor normas, de julgar, de administrar –

2 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Tradução de Carmen C. Varrialle et al. Dicionário de Política. 5 ed. Brasília: Edunb, 1993, v. 1., p. 1. 3 SCHIERA, apud STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001. p 45.

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não poderia ser pessoalmente sujeito a ele: ninguém pode estar obrigado a obedecer a si

próprio”. 4

Inclusive, corroborando o que foi afirmado, Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan

de Morais asseveram que “a base de sustentação do poder monárquico absolutista estava

alicerçada na idéia de que o poder dos reis tinha origem divina. O rei seria o ‘representante’

de Deus na Terra, o que lhe permitia desvincular­se de qualquer vínculo limitativo de sua

autoridade”. 5

Quanto ao surgimento desse primeiro modelo de Estado (absolutista), é relevante

trazer à baila a lição de Luciano Gruppi, quanto às características do Estado moderno que o

diferencia dos Estados antigos dos gregos e dos romanos:

A primeira característica do Estado Moderno é essa autonomia, essa plena soberania do Estado, a qual não permite que sua autoridade dependa de nenhuma outra autoridade. A segunda é a distinção entre o Estado e sociedade civil, que vai evidenciar­se no séc. XVII, principalmente na Inglaterra, com a ascensão da burguesia. O Estado se torna uma organização distinta da sociedade civil, embora seja a expressão desta. Uma terceira característica diferencia o Estado em relação àquele da Idade Média. O Estado medieval é propriedade do senhor, é um Estado patrimonial. O senhor é dono do território e de tudo o que nele se encontra (homens e bens). No Estado Moderno, pelo contrário, existe uma identificação absoluta entre o estado e o monarca, o qual representa a soberania estatal. Mais tarde, em fins de 1600, o rei francês (Luís XIV) afirmava “L’etat c’est moi” , no sentido de que ele detinha o poder absoluto, mas também de que ele se identificava completamente no Estado. 6

Até mesmo, ainda sobre o surgimento do Estado, para os jusnaturalistas trata­se

de uma idéia que segue desde Aristóteles e vai pontificar, também, em Jean Bodin (metade

dos anos 1500), que pouco após Maquiavel (início dos anos 1500) faz a análise do Estado.

Finalmente, a passagem de uma fase para a outra, do Estado pré­político para o

Estado político precisamente, na medida em que ocorre por um processo natural de

extensão das sociedades menores à sociedade maior, não se deve a uma convenção —ou

seja, a um ato de vontade racional—, mas por meio do efeito de causas naturais, através da

4 SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos de Direito Público. 4 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 34. 5 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 45. 6 GRUPPI, Luciano apud SPTRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 25. (grifo nosso)

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ação de condições objetivas, rebus ipsis dictandibus, como diria Vico, tais como a

ampliação do território, o aumento da população, a necessidade de defesa, a carência de

obter meios necessários à subsistência, a divisão do trabalho, entre outros. 7

Portanto, dado que os Estados não são criados mediante um ato da razão humana,

mas se formaram por meio de um processo natural, a diferença entre os Estados e as

demais relações sociais consiste apenas na independência, ou seja, num mais alto grau do

poder de liberdade. Não se poderia dizer de modo mais claro que, entre sociedades pré­

estatais e Estado, há uma diferença de grau e não uma antítese. Na cadeia finita de várias

sociedades, uma sobre a outra, é inevitável que se chegue a uma sociedade da qual outras

dependam e que, por sua vez, não depende de nenhuma outra. Essa sociedade última é o

Estado. Mas, a própria sociedade pode se tornar Estado e pode perder a qualidade de

Estado sem mudar sua própria natureza. 8

Tratando da passagem do Medievo para o Estado moderno, é relevante constar a

lição de Herman Heller:

La cuestión que se planteó fue la de cómo había que hacer para que el poder del Estado afirmar su independencia política frente las amenazas de los poderes económicos privados que habían crecido poderosamente. Puede decirse que hasta el siglo XIX los poderes de dominación política y económica estaban reunidos siempre en las mismas manos. Durante toda la Edad Media y aun en los primeros siglos de la Moderna, las clases propietarias del suelo, y al la de ellas la burguesía ciudadana poseedora del dinero, tenían también los poderes de mando político. El absolutismo, que por medio de la política mercantilista convirtió al Estado en el más fuerte sujeto económico capitalista, hizo de los medios de dominación política un monopolio del Estado y arrebató a los estamentos sus privilegios públicos de autoridad. Por no sólo dejó a los señores feudales el capital agrario sino que fomentó, lo que pronto había de ser más importante, el nacimiento de un poder económico burgués muy potente, al que el Estado liberal dio luego caso absoluta libertad de acción. 9

7 VICO apud BOBBIO, Norberto e BOVERO, Michelangelo. Sociedade e Estado na filosofia política moderna. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1996, p. 43/44. 8 BOBBIO, 1996, Idem, ibidem, p. 48. 9 HELLER, Herman. Teoria del Estado. Ciudad de México: Fondo de Cultura Econômica, 2000, p. 179/180., [...] a questão que surge é o que havia de fazer para que o poder do Estado afirmasse sua independência política frente às ameaças dos poderes econômicos privados que haviam crescido poderosamente. Pode dizer que até o século XIX os poderes de dominação política e econômica estavam reunidos sempre nas mesmas mãos. Durante toda a Idade Média e nos primeiros séculos da Idade Moderna, as classes proprietárias de terras e as da burguesia cidadã possuidora do dinheiro teriam também os poderes de mando político. O absolutismo, que por meio da política mercantilista, converteu o Estado no mais forte sujeito econômico capitalista, como um dos meios de dominação política, um monopólio do Estado que arrebatou os estamentos e seus privilégios públicos de autoridade. Por força da terra, desejou os senhores feudais o capital agrário para fomento, o que havia de ser mais importante era o nascimento de um poder econômico burguês muito potente e que o Estado liberal deu logo absoluta liberdade de ação.

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Forma­se, então, o Estado moderno, ocorrendo a institucionalização do poder, ou

seja, este funciona como “uma empresa a serviço de uma idéia, com potência superior à

dos indivíduos”, a autoridade dissocia­se do indivíduo que a exerce e o poder

despersonalizado tem como titular o Estado. Este, para existir, necessita de elementos

como: território, nação (povo) e autoridade (governo). 10

Nessa época ainda predominava o feudalismo, que encontrava suas bases

econômicas na lavoura e na criação de animais, tendo como camadas sociais os senhores

feudais e os servos. O sistema de produção era servil, pois o excedente econômico dos

servos era apropriado compulsoriamente pelos senhores feudais, que detinham elevado

patrimônio jurídico­econômico, recebendo tratamento bastante diferenciado desde o seu

nascimento, o que determinava o seu “status” de desigualdade.

Formava­se, então, o binômio absolutismo­feudalidade, no qual o rei possuía o

poder político e o feudo o poder econômico.

Economicamente, não há data precisa delimitando a passagem do feudalismo

vigente na forma estatal medieval para o capitalismo, momento em que começa a surgir o

Estado moderno em sua primeira versão, a absolutista, conforme já foi estudado.

Entretanto, a ânsia pela igualdade perante a lei e a busca pelo reconhecimento dos

direitos fundamentais caracterizaram fatores determinantes do soçobramento do

feudalismo e do surgimento do liberalismo, concomitantemente com a ascensão da classe

burguesa, que estava insatisfeita com os desmandos da Coroa.

Nesse interregno histórico, era constante a busca da efetivação dos princípios do

direito natural, do humanismo e a promoção do igualitarismo político, enfim, o povo lutava

pela valorização dos ideais comuns a todos os homens, preconizados nas teorias de John

Locke, Hobbes, Rousseau, Montesquieu, Voltaire e tantos outros. Inclusive, muitas dessas

teorias foram incentivadoras do liberalismo.

Em 12 de junho de 1776, surge a Declaração de Direitos da Virgínia, o “Bill of Rights” redigido por George Mason, especificando os direitos do homem e do cidadão.

Outrossim, como resultado da Revolução Americana, é importante citar a Declaração de

10 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 27.

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Independência de 4 de julho daquele mesmo ano, que considerou certos direitos

inalienáveis e destacou expressamente os direitos relativos à vida, à liberdade e à busca da

felicidade.

Nessa seqüência, em 26 de agosto de 1789, significando a maior conquista do

liberalismo até então, na Europa, dá­se a Declaração Francesa dos Direitos do Homem e do

Cidadão. Os princípios formalizados na Declaração de 1789 acabaram exercendo

preponderância em todos os países europeus e significaram o começo do progresso em

matéria de direitos e liberdades do homem. Inclusive, o segundo artigo daquele documento

determinava que o fim de toda associação política era a conservação dos direitos naturais e

imprescritíveis do homem, quais sejam a liberdade, a propriedade, a segurança e a

resistência à opressão.

Dessa forma, fica claro que nessa fase da história da humanidade, sob os aspectos

filosóficos e jurídicos, os valores mais consagrados foram os direitos de propriedade,

liberdade e igualdade, como direitos naturais da pessoa humana, suprimindo

definitivamente as limitações ao exercício da liberdade.

Tais idéias nortearam as Constituições do século XVIII e, também, as do século

XIX, as quais normalmente limitaram­se à organização política do Estado, dando ênfase ao

liberalismo e ao individualismo, princípios que repugnavam todo o tipo de intervenção na

vida econômica e social dos indivíduos.

Na concepção de Norberto Bobbio foi a Revolução Francesa o evento político

extraordinário que rompeu a continuidade do curso histórico, assinalando o fim último de

uma época e o princípio primeiro de outra, elevando como símbolos desses dois momentos

o dia 4 de agosto de 1789, quando a renúncia dos nobres aos seus privilégios assinala o fim

do regime feudal e o dia 26 de agosto, quando a aprovação da Declaração dos Direito do

Homem marca o princípio de uma nova era. 11

Para Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais também a nova fase do

Estado moderno foi inaugurada em 1789, com a Queda da Bastilha e a Revolução

11 BOBBIO, Norberto; Tradução de Carlos Nelson Coutinho. A Era dos Direitos. 11 ed. Rio de Janeiro: Campus, 1992. p. 113.

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Francesa, conforme corroborado pelo contratualista Rosseau, inclusive lembrando que esse

pensador foi o grande influenciador dos revolucionários franceses. 12

Destarte, fixa­se aqui o marco histórico do fim do absolutismo e início do Estado

liberal.

1.2 DO ESTADO LIBERAL AO ESTADO SOCIAL

Após a primeira metade do século XVIII, resultante das revoluções liberais que

mitigaram o poder feudal e o monárquico surge, efetivamente, o liberalismo preconizado

por Adam Smith, sustentando a intervenção mínima do Estado e defendendo a plena

liberdade do particular. 13

Para Lenio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais, é tarefa complexa

conceituar liberalismo, haja vista as constantes transformações pela incorporação de novas

situações, o que impõe utilizar o vocábulo no plural, considerando os diversos conteúdos

sob a mesma roupagem. Apesar dessa dificuldade, apresentam os autores um quadro

referencial unívoco que caracteriza o movimento liberal: “a idéia de limites” e citam

Bobbio, concluindo que “o liberalismo é uma doutrina do Estado limitado tanto com

respeito aos seus poderes quanto às suas funções”. 14

Para a compreensão do termo “liberalismo” faz­se necessário observar que, no

entender de Reinhold Zippelius, nascido em 1928, em Ansbach, atualmente exercendo a

função de Professor emérito de Filosofia do Direito e de Direito Público na Universidade

de Erlangen­Nürnberg e membro da Academia de Ciências e Literatura de Mainz,

Alemanha:

[...] é importante não confundir o conceito de liberdade do liberalismo com o conceito democrático de liberdade. Aquele designa a liberdade do status negativus, ou seja, o espaço de liberdade de actuação individual face ao Estado. Este refere­se à liberdade do status activus, ou seja, à

12 STRECK, Lenio Luiz; MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 46. 13 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. 2 ed. Direito Econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p.219. 14 STRECK, op.cit., 2001, p. 51.

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liberdade de participação na formação da vontade comum (§ 34 I). Ambas as liberdades não convergem necessariamente. 15

No Estado liberal, surge a teoria do Estado mínimo, decorrente da idéia de

intervenção mínima, mas não no sentido de abstenção total de intervenção, como entende

André de Laubadère:

Sem dúvida que não podemos, sem cambiantes, reduzir a atitude do Estado liberal à não­intervenção. Apenas se pode dizer que o princípio é o da abstenção do Estado e das colectividades locais; mas ele conhece algumas derrogações a vários títulos. 16

Odete Medauar observa que são inúmeras as expressões que aparecem na doutrina

para designar o Estado do século XIX: Estado liberal, Estado censitário, Estado burguês,

Estado nacional­burguês, État gendarme, Estado legislativo, Estado guarda­noturno, Estado neutro, Estado­máquina, Estado­aparato, Estado mecanismo, Estado­catedral,

Estado da potência e da razão, Estado garantista, Estado­autoridade, Estado

abstencionista. 17

Como já fora mencionado no capítulo anterior, o movimento principal, em França,

no ano de 1789, foi a Revolução Francesa que propalava o lema da liberdade, igualdade e

fraternidade, tornando possível a crença na vitória das idéias democráticas sobre o

absolutismo monárquico.

Esse movimento propiciou a ascensão da classe burguesa, fazendo­se acreditar

que a luta de sua classe era a luta de todos, o que não prosperou, pois a burguesia começou

a demonstrar que os seus ideais não eram ideais comuns à toda sociedade, mas de interesse

específico de sua própria classe.

Corroborando essa idéia, torna­se imprescindível transcrever a lição de Paulo

Bonavides sobre o assunto:

15 ZIPPELIUS, Reinhold; Tradução de Karin Praefke­Aires Coutinho. Teoria Geral do Estado. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. (Grifo do autor) 16 LAUBADÈRE, André de; Tradução e notas de Maria Teresa Costa. Direito Público Econômico. Coimbra: Almedina, 1985. p. 36. 17 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 78.

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[...] no momento em que se apodera do controle político da sociedade, a burguesia já se não interessa em manter na prática a universalidade daqueles princípios, como apanágio de todos os homens. Só de maneira formal os sustenta, uma vez que no plano de aplicação política eles se conservam, de fato, princípios constitutivos de uma ideologia de classe. 18

Devido às pretensões dessa nova classe que surgira, ao longo dos séculos XVII e

XVIII, na Europa, o tema “liberdade” foi associado ao problema dos direitos civis e

políticos em geral. Essa nova dimensão, que os direitos assumiram a partir das mudanças

políticas e econômicas, passou a merecer forte reivindicação com a ascensão da burguesia,

cuja reclamação pretendia a igualdade perante a lei.

As concepções liberais e individualistas da burguesia consubstanciavam,

mormente, no reconhecimento dos direitos fundamentais, especialmente os direitos de

liberdade e de propriedade, limitando e dividindo a autoridade.

Quanto ao Estado liberal, Odete Medauar ressalta que:

O Estado do século XIX agrupa indivíduos autônomos, independentes, livres, dotados de igualdade política e jurídica. Como oposição ao Estado absoluto, consagraram­se liberdades e garantias de liberdade e direitos dos indivíduos; estes, de súditos, deveriam ascender ao grau de cidadão. Daí os valores desse Estado: garantia da liberdade, da convivência pacífica, da segurança, da propriedade: o Estado é instrumento de garantia dos direitos individuais, disso decorrendo sua utilidade e necessidade [...]. 19

Para o Estado liberal ou absenteísta, o bem­estar coletivo não dependia da atuação

do Estado, mas da liberdade inerente a cada um dos indivíduos e, especificamente em

relação à economia, acreditava­se que a livre concorrência e a lei da oferta e da procura

eram as forças responsáveis pelo destino da economia e se encarregariam do

estabelecimento do equilíbrio em forma de “mão invisível” 20 , que impulsionava o mercado

econômico e suas relações, sem que o Estado precisasse intervir; ocorrendo,

consequentemente, o fenômeno da despublicização.

18 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 42. (grifo nosso). 19 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 80. 20 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Florianópolis: Momento Atual, 2003, p 78.

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Tratando desse assunto, Reinhold Zippelius assevera que a Era liberal pretendia

garantir a cada um o máximo de desenvolvimento individual e empresarial, bem como

restringir e controlar a ação do Estado. 21

Verifica­se, portanto, que em matéria de sistema econômico, o Estado liberal

encontrou muita afinidade com o capitalismo, valorizando a propriedade privada.

Portanto, tratava­se de um “Estado mínimo” (pequeno), conhecido pela expressão

francesa “Etat Gendarme” 22 , onde as grandes transformações ocorriam por meio da figura do indivíduo que, no gozo da liberdade plena, agia sem a imposição de nenhum tipo de

limitação, situação essa materializada pela conhecida expressão francesa mencionada por

diversos autores: “Laissez faire, laissez passer, lê monde va de lui­même” (deixe fazer, deixe passar, o mundo caminha por si mesmo).

No entanto, essa “plena liberdade” enveredou­se por caminhos distintos do

desejado pelo capitalismo, sem permitir ao mercado econômico se auto­regular, incorrendo

na prevalência do individualismo em detrimento do liberalismo, descumprindo os

propósitos deste em relação à igualdade e à fraternidade, evidenciando uma clara

superioridade dos mais ricos sobre os mais pobres.

Portanto, os propósitos liberais tiveram mero caráter formal, haja vista que,

atrelados aos direitos fundamentais de liberdade e de propriedade, fizeram com que a

burguesia se distanciasse dos ideais democráticos e de busca da igualdade.

Nesse sentido, em tempos remotos, já afirmava John Kenneth Galbraith que “As

idéias do capitalismo do século XIX não estimulavam o conceito de uma comunidade

igualitária. Os donos da terra ficavam ricos; os que lavravam a terra ficavam pobres, e

continuavam pobres”. 23

Para Roberto Bueno, algumas críticas ao liberalismo devem ser consideradas, haja

vista serem os motivos de sua fragilidade:

21 ZIPPELIUS, Reinhold; Tradução de Karin Praefke­Aires Coutinho. Teoria Geral do Estado. 3 ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1997, p. 380. 22 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 78. 23 GALBRAITH, John Kenneth. Tradução de F. R. Nickelsen Pellegrini. A Era da Incerteza. 2 ed. São Paulo: Pioneira, 1980, p. 35.

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Entre as críticas à teoria liberal subsistem aquelas cujo aspecto prático as torna de extrema relevância. Aqui se concentram críticas à sociedade liberal, tal como as argüições de opositores como Castoriadis, de que todavia persistem problemas como a fome, a insegurança, as drogas, as agressões ao meio­ambiente, o que demonstraria a falha da tese do triunfo liberal ideada por Fukuyama. Um outro aspecto que se costuma obstar é que apenas um sétimo da população mundial desfruta dos benefícios do progresso engendrado pelo liberalismo, enquanto outros seis sétimos padecem sob miséria e tirania que, na realidade, do alto de sua pressão sobre os espíritos, parecem não encontrar período histórico de retraimento. Se antes abordamos alguns aspectos deste tema, agora o que falta é tentar esclarecê­lo, tornando os conceitos mais precisos. 24

Não há como negar que a Revolução Francesa aperfeiçoou a ordem jurídica,

valorizou o indivíduo e afirmou a autonomia da vontade contra o poder absoluto e a tirania,

todavia, nesta fase ainda não havia como diferenciar os direitos sociais dos direitos

individuais.

No Brasil, segundo João Bosco Leopoldino da Fonseca, “o Constitucionalismo do

século XIX surgiu impregnado de liberalismo, tanto político quanto econômico”. Inclusive

assevera que “[...] as Constituições brasileiras de 1824 e de 1891 basearam­se no princípio básico do liberalismo econômico e que serve de distintivo para o capitalismo: o princípio da propriedade individual dos bens de produção”. 25

O mesmo Autor assevera ainda que, numa interpretação contextual, esse princípio

estava contido no título pertinente às “garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos

brasileiros” e no § 22, do art. 179, da Constituição de 1824, preconizando­se que “é

garantido o direito de propriedade em toda sua plenitude” e, na Constituição de 1891,

agora no § 17 do art. 72, repete­se quase o mesmo texto: “o direito de propriedade

mantém­se em toda a sua plenitude”. 26

Verifica­se, diante dessas datas, que o modelo liberal se expandiu e se consolidou

no século XIX. Inclusive, deve­se ressaltar que o processo liberal foi decisivo para a

obtenção das conquistas sociais, consequentemente foi por meio dos embates políticos que

os excessos do liberalismo proporcionaram, durante a Revolução Industrial, que foi

deflagrado o conseqüente despertar das questões sociais.

24 BUENO, Roberto. O Triunfo do Estado Liberal e os Paradoxos da Desigualdade: Elementos para a Defesa da Liberdade no Mundo Moderno. [S.l.]: Themis, [2000?], p. 19­20. 25 FONSECA, João Bosco Leopoldino da Fonseca. Direito Econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 220. (grifo do autor) 26 FONSECA, op. cit., 1998, p. 220.

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Entretanto, nas décadas finais do século XIX, na seara das liberdades, surge a

“justiça social” como um novo componente das reivindicações igualitárias, iniciando, no

entender de Lênio Luiz Streck e José Luis Bolzan de Morais, a construção do modelo do

Estado social ou do bem­estar, conhecido pela expressão inglesa Welfare State, e a consolidação das denominadas liberdades positivas. 27

Nessa época, o Estado passou a ser considerado o ente capaz de oferecer os meios

necessários para atingir a satisfação das carências sociais prementes, passou ele,

consequentemente, a ser visto como um órgão que poderia por fim às desigualdades e

garantir a todos os indivíduos o acesso ao gozo concreto dos direitos sociais. O Estado era

considerado um órgão de equilíbrio e esse fato deu início à era social.

Historicamente, não se pode afirmar que houve o soçobramento ou

desaparecimento do Estado liberal, mas a transformação do Estado Liberal no Estado

Social, conforme opinião de Paulo Bonavides, entendendo que “[...] debaixo das pressões

sociais e ideológicas do marxismo, o Estado liberal não sucumbiu nem desapareceu:

transformou­se. Deu lugar ao Estado social”. 28

Nesse sentido, também, a maioria dos doutrinadores asseveram que houve a

conjunção dos princípios socialistas aos princípios liberalistas, dando nascimento ao

Estado social.

Tratando dessa transformação, Raquel Dias da Silveira, escrevendo sobre “os

Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina”, destaca que:

Como reação às conseqüências funestas do Estado Liberal, no âmbito econômico e social, tais como o surgimento de grandes monopólios, como o aniquilamento de empresas de pequeno porte, e o crescimento da classe proletária, que passou a viver nas piores condições de exploração econômica, estampando os piores índices de dignidade de vida humana, em verdadeiro estado de doença, miséria e fome, desenvolveu­se, a partir da Segunda Guerra Mundial, o Estado Social, também chamado de Estado Empresário, Estado do Bem­Estar, Estado Providência, Estado do Desenvolvimento ou Estado Social de Direito. 29

27 STRECK, Lenio Luiz. MORAIS, José Luis Bolzan de. Ciência Política e Teoria Geral do Estado. 2 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2001, p. 59. 28 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 29 SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. [S.1.:s.n.] ]2004], p. 207.

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Diante da assertiva acima, quanto à denominação desse modelo de Estado, nota­se

que há uma grande diversidade de denominações, conforme ratifica a lição de Odete

Medauar, fazendo constar as seguintes denominações:

Estado intervencionista, Estado­providência, Estado de bem­estar, Estado assistencial, Estado pluriclasse, Estado social, Estado social­democrata, Estado de associações, Estado distribuidor, Estado nutriz, Estado empresário, Welfare State, Estado manager, Estado de prestações, Estado de organizações, Estado neocorporativo, Estado neocapitalista, Estado promocional, Estado responsável, Estado protetor, Estado pós­liberal, Estado telocrático [...]. 30

A Revolução Russa foi o fato histórico que marca o início da vigência do Estado

social, corroborado por Paulo Bonavides quando assevera que “a Revolução Russa de 1917

é o Estado social, [...]” 31

Na seara constitucional, é marco do início do Estado social o advento da

Constituição socialista de 1917 e as Constituições do México de 1918 e de Weimar de

1919 (alemã), instituidoras de direitos sociais nos moldes inclusive dos que atualmente

constam na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, funcionando como

um ícone social democrático, podendo­se dizer também que surgiu como resposta à

retaliação burguesa oportunista e conservadora dos movimentos sociais.

Nesse período houve a reconstrução da Alemanha após a Primeira Guerra e a

Revolução Mexicana. É o resultado de uma longa transformação por que passou o Estado

Liberal clássico e, por conseqüência, faz parte da história do Estado de Direito.

A partir de 1917, portanto, forma­se o Estado, do ponto de vista jurídico­

constitucional, mas este passa a atuar como regulador e interventor na área econômica

apenas na década de 30, quando desencadeou­se “a Grande Crise Econômica”, com o

intuito de se evitar o surgimento de outra quebra da economia.

Isso ocorreu porque a Revolução Industrial e a livre concorrência trouxeram

condições desumanas de vida e trabalho, ficando caracterizadas as circunstâncias que

corresponderam à manifestação da insuficiência do reconhecimento somente dos direitos

30 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 84. 31 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 208­209.

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individuais. O povo pôde constatar que as liberdades ainda desacompanhadas da

seguridade social, dos direitos trabalhistas e econômicos, como o próprio direito ao

trabalho e salário justo, inclusive direitos de ordem cultural, como a educação, permitiram

várias iniqüidades de cunho econômico e social.

Nota­se que a exploração do trabalho humano de forma ampla e brutal, a partir do

advento da Revolução Industrial, ocorreu devido ao fato de as novas técnicas produtivas

terem transformado as realidades, num momento em que ainda não haviam surgido leis

apropriadas para cuidar desses novos problemas, o que acabou gerando desastrosas

conseqüências, pois o direito já não podia atender aos novos fenômenos econômicos e

sociais, razão pela qual esse foi o fator determinante da decadência desse sistema.

Verifica­se, então, que a burguesia obteve o reconhecimento jurídico dos direitos

individuais de liberdade nos meados do século XIX, mas, com o crescimento do processo

de industrialização, surge o proletariado como o novo protagonista histórico das sociedades

ocidentais a reivindicar os direitos sócio­econômicos.

Diante desses fatos, pairando a desigualdade entre os cidadãos, o Estado Social

assume atividades puramente produtoras de bens e prestadoras de serviços sociais, sempre

nos casos de interesse público. No entanto, quanto à questão da igualdade, mesmo sob

outra roupagem, o Estado Social de Direito não obtém solução, embora sobrepuje a sua

percepção puramente formal, sem base material.

De qualquer forma, o Estado buscava desenvolver uma sociedade justa e fraterna

por meio da intervenção direta na ordem econômica e social, intervindo especificamente

no domínio econômico por meio de atividades de fomento e de poder de polícia, segundo

Raquel Dias da Silveira. 32

Esse Estado social intervencionista avança no sentido de delimitar o poder

econômico e regular a atividade econômica, mormente o contrato e, sobretudo, a

propriedade.

32 SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. [S.1.:s.n.] ]2004], p. 207, p. 208.

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Nesse contexto histórico, é relevante ressaltar também a importância da doutrina

social da Igreja, de forte sentido humanista, a partir da Encíclica Rerum Novarum, de 1891, de autoria do Papa Leão XIII—, que impôs como dever do Estado o trabalho.

Destarte, pode­se dizer que histórica e constitucionalmente definiram­se os

direitos sociais e trabalhistas como direitos fundamentais da pessoa humana, sob a

proteção do Estado, estando criadas, desta fase em diante, as bases do “garantismo social”:

o Estado como provedor de garantias institucionais aos direitos sociais e trabalhistas, com

um perfil fortemente marcado pelo protecionismo social.

Esses direitos sociais correspondem a uma categoria dos direitos fundamentais do

homem, sendo estes dicotomizados em direitos fundamentais de liberdade e direitos

fundamentais sociais; pode­se ressaltar que os primeiros exprimem um comando ao Estado

de não­fazer, enquanto os últimos assumem um caráter positivo, isto é, consistem em

ordens para se fazer algo, instituindo um programa a ser implementado, ser cumprido

apenas pelo Estado ou a ser construído pelo Estado em conjunto com os cidadãos para o

benefício de toda a coletividade.

Observa­se que é a partir do segundo pós­guerra que se pôde observar as

crescentes novas formulações dos direitos humanos, reinserindo­se aqueles princípios

norte­americanos e franceses das Declarações e oferecendo interpretações mais adequadas

à obtenção de uma vida justa e digna. Obtiveram maior destaque os direitos de resistência à

opressão, bem como os direitos econômicos e sociais, que foram adaptados e cada vez

mais estendidos às classes proletárias.

Sob o ponto de vista jurídico, o Estado social acrescentou a dimensão política do

Estado liberal, ampliando a limitação e o controle dos poderes políticos. Ampliou, também,

as garantias aos direitos individuais e a dimensão econômica e social, por meio da

limitação e controle dos poderes econômicos e sociais privados e a tutela dos mais fracos.

O Estado social caracteriza­se pela intervenção legislativa, administrativa e

judicial nas atividades privadas, ou seja, é predominantemente intervencionista, o que deu

ensejo a ocorrência da publicização.

Neste contexto, faz­se imprescindível a compreensão dos dois processos, de

publicização do privado e de privatização do público, os quais não são de fato

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incompatíveis e, realmente, compenetram um no outro. O primeiro reflete o processo de

subordinação dos interesses do privado aos interesses da coletividade, representada pelo

Estado, que invade e engloba progressivamente a sociedade civil; o segundo representa a

revanche dos interesses privados por meio da formação dos grandes grupos, que se servem

dos aparatos públicos para o alcance dos próprios objetivos. O Estado pode ser

corretamente representado como o lugar onde se desenvolvem e se compõem, para

novamente decompor­se e recompor­se estes conflitos, através do instrumento jurídico de

um acordo continuamente renovado, representação moderna da tradicional figura do

contrato social. 33

Na concepção de Paulo Bonavides, a revolução do Estado social foi a grande

Revolução em que não se derramou sangue, mas que foi a Revolução das revoluções. 34

Mesmo assim poucas não foram as críticas a esse modelo de Estado, segundo

observa Odete Medauar, que “Outra linha de pensamento argumenta que esse Estado é

‘condenado como capitalista pelos marxistas velhos e novos e como socialista pelos

liberais novos e velhos’, entrecruzando­se, portanto, críticas de direita e insatisfações de

esquerda; [...]”. 35

Tratando das restrições crescentes das receitas públicas para atendimento das

demandas sociais, como garantia universal de saúde, educação, segurança pública,

previdência social, assistência aos desamparados etc., agrava a crise do Estado social ou do

Estado providência.

Quanto à ordem econômica, essa crise é mais ideológica, pois implica na redução

do Estado empresário ou empreendedor e do garantismo legal. No entanto, à medida que o

Estado substitui seu papel de empreendedor para o de regulador da atividade econômica,

permanece inalterada a natureza intervencionista da ordem econômica constitucional.

33 BOBBIO, Norberto. Estado, governo, sociedade: para uma teoria geral da política. 4. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1987, p. 27. 34 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 224­ 222. 34 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 205. 35 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 85.

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1.2.1 Resgate histór ico do papel do Estado social nas Constituições brasileiras

Prelecionando sobre as influências do Estado social nas Constituições brasileiras,

João Bosco Leopoldino da Fonseca faz uma análise cronológica de cada uma das

Constituições que vigeram durante a existência desse modelo estatal e de algumas normas

infraconstitucionais. 36

Inaugura seu estudo pela Constituição brasileira de 1934, constatando que o

Estado inicia sua atuação no mercado gerando uma nova ordem a ser disciplinada: a

Ordem Econômica e Social. No Art. 115 é garantida a liberdade econômica a ser

organizada pelo Estado, de acordo com os princípios da Justiça e das necessidades da vida

nacional, inclusive impondo um limite de possibilitar a todos existência digna, de caráter

teleológico.

Duas novas funções foram atribuídas ao Estado: a de atuar no mercado,

autorizando­o a monopolizar determinada indústria ou atividade econômica, quando assim

o exigir o interesse público, desde que precedido de autorização de lei especial e a de

influir no mercado, promovendo o fomento da economia popular, como dever.

Nota­se, que surgiu nessa época a atuação intervencionista do Estado com a

instalação da Ordem Econômica e Social, que controlava e limitava a liberdade econômica

com princípios que protegiam os cidadãos e reservava poder ao Ente Público para impor

suas necessidades.

A Constituição brasileira de 1937 foi a primeira a valer­se da expressão

“intervenção do Estado no domínio econômico” (Art. 135). Repetindo o que foi disposto

no Art. 117 (crime de usura) da Constituição de 1934. O Art. 141 da Constituição de 1937

previu a forma de atuação do Estado sob a forma de controle, por meio do aspecto positivo

do fomento, mas, neste caso, por meio do aspecto negativo da punição, com a instituição

de crimes contra a economia popular. Os artigos. 141 e 142 propiciaram, também, o

surgimento das primeiras leis de proteção à liberdade de concorrência, incluindo­se o

Decreto­Lei nº. 869, de 18.11.1938, que definiram quais eram os crimes contra a economia

popular e cominava as penas aplicáveis.

36 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 224­ 222.

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Esse texto constitucional fez constar expressamente que o Estado tinha a função

precípua de intervir no domínio econômico para garantir a Ordem Econômica e criou

instrumentos para o combate ao abuso do poder econômico.

A Constituição de 1946 explicitou os parâmetros fundamentais que nortearam a

intervenção do Estado no domínio econômico, após fixar, no Art. 145, os pilares da Ordem

Econômica liberal, quais sejam, a liberdade de iniciativa e a valorização do trabalho

humano. No Art. 146 fica estabelecido que a intervenção tem como princípio propulsor o

interesse público, porém deverá ater­se ao limites dos direitos fundamentais (garantidos ao

indivíduo). Preconiza, também, outras normas influenciadas pelo modelo de Estado social,

como o combate aos crimes contra a economia popular, a contenção às formas de abuso do

poder econômico, entre outras.

Observa­se o caráter social dessa Constituição pela proteção ao indivíduo

empreendedor ou trabalhador, quando tutela a liberdade de iniciativa e a valorização do

trabalho humano, bem como o interesse público e os direitos fundamentais.

Nesse ínterim foram promulgadas leis importantes como a que criou a COFAP

(Lei nº. 1.521/51), posteriormente substituída pela SUNAB; a que criou o CADE (Decreto­

Lei nº. 7.666/45, alterado pela Lei n. nº. 167/45); entre outras.

A Constituição de 1967 inseriu o termo “desenvolvimento econômico”, atrelando­

o à intervenção do Estado no domínio econômico, dessa forma, “[...] o Estado passa a

figurar não mais como regulador da atividade econômica a ser desenvolvida pelos

particulares (titulares da liberdade de iniciativa), mas como um ator, como empresa a

competir com a iniciativa privada [...]”, desde que exija a manutenção da segurança

nacional ou pela inexistência de eficiência do setor privado (Art. 157, § 8º). 37

Analisando essa Constituição, fica claro que para garantir o desenvolvimento

econômico o Estado estava autorizado a intervir diretamente no domínio econômico,

inclusive competindo com a iniciativa privada, quando configurada a ineficiência desse

setor privado.

A Emenda nº. 1, de 17.10.1969, no título relativo à Ordem Econômica e Social,

transformou o “desenvolvimento econômico” em “desenvolvimento nacional”,

37 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito Econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 228.

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acrescentando a justiça social, como finalidade daquela, destarte, o Estado amplia sua

atuação no domínio econômico. Conservou­se nesse texto da Emenda, a idéia de

indispensabilidade, preceituada no texto de 1967, acrescentando­se as de preferencialidade

e de suplementariedade, determinando a aplicação da norma da imposição do regime

privado preferencialmente para se evitar uma concorrência desleal institucionalizada

(Estado).

Inevitável ser lembrado que essa Emenda Constitucional foi promulgada em pleno

regime da ditadura militar, razão pela qual, para manutenção da Ordem Econômica e

Social e para se efetivar o desenvolvimento nacional foi ampliado ao Estado ainda mais

intensidade de atuação no domínio econômico, inclusive com a autorização para

exploração direta da atividade econômica pelo Estado.

Como exemplo de influência do Estado social no domínio econômico, atualmente,

é interessante observar que a nova Lei de Falências, em lugar de liquidar a empresa,

procura recuperá­la e dar­lhe continuidade, ou seja, é tendência desse modelo estatal.

Essas foram as características marcantes do Estado social, tanto em âmbito

mundial como cingido à constitucionalidade brasileira, características essas que deram

ensejo à várias denominações durante a sua existência (Estado Empresário, Estado do

Desenvolvimento, Estado Social de Direito ou até mesmo Estado social­democrático, entre

outras).

No entanto, uma delas foi marcante, a denominação de Estado do bem­estar ou do

bem­estar social, que grande parte dos autores considera sinônima, mas por alguns tratada

de forma peculiar. Razão pela qual será estudada em tópico específico.

Dessa forma, é relevante constar que o estudo do Estado do bem­estar

separadamente, não implica em considerá­lo uma espécie distinta da do Estado social.

1.2.2 Evolução histórica do Estado do Bem­Estar

O Estado do bem­estar, também conhecido como Welfare State ou Estado assistencial e até como Estado providência, dentre outras denominações, segundo lições de

Norberto Bobbio, era garantidor dos itens essenciais ao ser humano, como: alimentação,

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saúde, educação, habitação e tipos mínimos de renda, oferecidos como direitos políticos e

não como caridade aos “excluídos”. 38

No século XX, algumas nações, efetivando esse modelo de Estado assistencial,

aprovaram providências para garantir serviços idênticos a todos os cidadãos, no campo da

saúde e da instrução, seja qual fosse a sua renda. Como visto, é uma forma de assistência

pública ligada às sociedades de elevado desenvolvimento industrial e ao sistema político de

espécie liberal­democrático.

Essa intervenção atual do Estado no campo social torna complexa a relação entre

a industrialização, a assistência e a democracia.

Retroagindo mais, no século XVIII, grande parte dos Estados europeus

desenvolveu uma relevante ação de assistência, independentemente da revolução

industrial, inclusive dentro de estruturas de poder do tipo patrimonial, o que levou Weber a

relembrar que “o poder político essencialmente patriarcal assumiu a forma típica do Estado

de bem­estar (...)”. 39

No entanto, nas sociedades em que ocorria a Revolução Industrial, as normas de

defesa das populações hipossuficientes emergiam como barreiras medievais contrárias à

livre iniciativa.

Nessa mesma época, surge o capitalismo desencorajando os preguiçosos, pois a

assistência constitui um desvio imoral do princípio “a cada um segundo os seus

merecimentos”, ou seja, cada indivíduo tem o que merece, numa sociedade fundada na

livre concorrência.

Chegou­se, em fins do século XVIII, a ser abolida toda a regulamentação sobre o

salário mínimo, haja vista ser considerado lesivo à liberdade de contratação. Nessa mesma

época, para sobreviver, o pobre tinha de renunciar a seu direito civil e político, ficando

alijado da sociedade.

Não se concebia a assistência como um direito, mas a falta dela era perigosa para

a ordem pública e para a higiene da coletividade.

38 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Tradução de Carmen C. Varrialle et al. 5 ed. Dicionário de Política. 5 ed. Brasília: Edunb, v. 1, 1993, p. 416­419. 39 WEBER apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Tradução de Carmen C. Varrialle et al. 5 ed. Dicionário de Política. 5 ed. Brasília: Edunb, v. 1, 1993, p. 416­417.

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36

Portanto, no século XIX houve uma evidente oposição entre os direitos civis e

políticos, de um lado, e os direitos sociais, de outro.

A intervenção orgânica do Estado, em defesa do proletariado industrial, só surge a

partir de 1883, com o advento do seguro obrigatório contra os infortúnios do trabalho, as

doenças de invalidez e as dificuldades da velhice, como um programa previdenciário. No

entanto, não houve reconhecimento desses direitos porque a burguesia industrial era débil e

politicamente marginalizada.

As medidas assistenciais surgem somente no começo do século XX, contudo, em

contradição com os direitos civis e políticos das classes desfavorecidas, mas

desenvolvendo­as de alguma forma.

Somente a partir de 1905 é que surge a aprovação de providências de inspiração

igualitária, com a instituição de um seguro nacional de saúde e de um sistema fiscal

fortemente progressivo.

O Estado do bem­estar começa a constituir­se, nos anos 20 e 30, com a maciça

intervenção do Estado na produção e na distribuição, desencadeada pela Primeira e pela

Segunda Guerra Mundial. A inflação e o desemprego fazem surgir a crise de 29,

provocando um intenso aumento das despesas públicas, visando a sustentação do emprego

e das condições de vida dos trabalhadores.

Nos anos 40, na Inglaterra, consolida­se o Estado do Bem­Estar, preceituando que

todos os cidadãos, independentemente da renda, têm direito de ser protegidos, com

pagamento de dinheiro ou com serviços, contra situações de dependência de longa duração

ou de curta, como a doença e a maternidade.

Em 1945, falava­se em “participação justa de todos”, consagrando uma idéia de

universalismo da contribuição, ratificando o Estado do bem­estar.

Os serviços sociais são estendidos, com a instituição de uma carga fiscal

fortemente progressiva e a sustentação do emprego ou da renda dos desempregados, o que

causou o aumento da cota do produto nacional bruto destinado à despesa pública; as

estruturas administrativas voltadas para os serviços sociais tornaram­se mais complexas e

vastas, dando mais importância aos profissionais do Estado do Bem­Estar; valorizaram­se

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as necessidades sociais; destaca­se mais a assistência na redistribuição da renda e na

estratificação social.

No final da década de 60, aumentam as despesas governamentais em relação às

entradas, provocando uma crise fiscal do Estado. Com o crescimento do déficit público

surge a inflação, causando a conseqüente instabilidade econômica e social, com a redução

considerável das possibilidades da utilização do Welfare em função do assentimento ao sistema político, ocasionando a limitação da intervenção assistencial, desencadeando uma

profunda crise e seu possível desaparecimento.

1.2.3 Desenvolvimento do Estado do bem­estar

Destacam­se nesta parte as razões políticas que provocaram o fortalecimento das

intervenções assistenciais, tripartida em três fases: a primeira marcada pela conquista dos

direitos civis, como a liberdade de pensamento e de expressão; a segunda fase destacada

pela reivindicação dos direitos políticos, como organização, propaganda, voto e o sufrágio

universal. A terceira fase caracteriza­se pelo problema dos direitos sociais, considerado

pré­requisito para a consecução da plena participação política.

Portanto, o desenvolvimento da democracia e o aumento do poder político das

organizações operárias dão origem a essa terceira fase. O direito à instrução permeia os

direitos políticos e os direitos sociais, pois a conclusão de um nível mínimo de

escolarização constitui­se num direito­dever, vinculado ao exercício da cidadania política.

A consolidação do Estado do Bem­Estar, para alguns autores tem origem nas

ideologias e atualmente consideram os fatores econômicos como relevantes na constituição

do Estado assistencial, sendo que a causa principal de sua disseminação decorre da

transformação da sociedade agrária em industrial.

Essa relevância do desenvolvimento econômico é confirmada pela análise

sincrônica da despesa destinada aos serviços sociais por um grande número de nações.

Ratificando ainda mais tal asseveração, constata­se que a cota do produto nacional

bruto utilizada para fins sociais cresce em relação ao desenvolvimento econômico de uma

nação.

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Outra situação que corrobora ainda mais essa tese é que “o percentual dos

habitantes idosos e a idade do sistema de administração social são correlativos à amplitude

das políticas do Welfare, também é verdade que isso depende, por sua vez, do desenvolvimento econômico de uma nação”. 40

Razão pela qual, malgrado a ideologia dominante diferir de país para país, as

políticas sociais dos países fortemente industrializados convergem inexoravelmente.

1.2.4 Motivos da cr ise do Estado do bem­estar

Constatam os estudiosos do Estado do Bem­Estar que o seu desenvolvimento

funciona como uma quebra da separação entre a sociedade e o Estado, da mesma forma

que era constituída na sociedade liberal.

Na década de 60, surge uma nova relação entre o Estado e a sociedade de forma

equilibrada, compromissada e de coexistência pacífica.

Habermas 41 fala em “terra de ninguém” quando se refere às categorias do direito

público e as do direito privado, sendo que outros autores “dão relevância à síntese

ideológica entre a meritocracia e a igualdade, entre a eficiência e a solidariedade, síntese

em que assentam os programas sociais mais orgânicos”.

Surgem instrumentos novos para analisar o rompimento da separação entre

sociedade e Estado, dando origem a uma crise no desenvolvimento das políticas sociais e

uma crise fiscal, funcionando como indício da incompatibilidade natural entre as duas

funções do Estado assistencial. Essa crise faz romper o equilíbrio, levando à natural

eliminação de um dos dois pólos.

Para alguns autores, o Estado assistencial traz como resultado a “estatalização da

sociedade” 42 , pois o trabalho, o rendimento e as chances de vida não são mais determinados

pelo mercado, mas por mecanismos políticos que têm como escopo a prevenção dos

conflitos, a estabilidade do sistema e o fortalecimento da legitimação do Estado.

40 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Tradução de Carmen C. Varrialle et al. 5 ed. Dicionário de Política. 5 ed. Brasília: Edunb, v. 1, 1993, p. 418. 41 Apud BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Tradução de Carmen C. Varrialle et al. 5 ed. Dicionário de Política. 5 ed. Brasília: Edunb, v. 1, 1993, loc. cit. 42 BOBBIO, 1993, op. cit., loc cit.

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39

Surge, também, uma dúvida: estaria o Welfare State num impasse financeiro? Este

diagnóstico apóia­se em dados irrefutáveis: o ritmo de crescimento das despesas públicas

ligadas às políticas sociais e aos mecanismos de redistribuição é atualmente muito mais

rápido que o da população nacional. Disto resulta crescimento dos descontos obrigatórios

(impostos + cotizações sociais) no produto nacional. 43

Há entendimentos também que “a crise do Welfare State pode ser entendida como um processo de socialização do Estado”, haja vista o Estado assistencial ter disseminado

uma ideologia igualitária e universal que tende a deslegitimar a autoridade política. 44

Em síntese, na realidade, as análises mais complexas aceitam a coexistência de

ambos os processos. No entanto, tais resultados tão distantes oriundos do estudo da crise

do Estado do Bem­estar com as categorias de “Estado” e “sociedade” demonstram que o

desenvolvimento e a consolidação do Estado assistencial, no último século, constitui um

processo profundo que distancia este modelo dos que o precederam, tornando incoerente o

esquema conceptual elaborado pelas teorias clássicas para conceituar o Estado e as suas

funções essenciais.

1.2.5 Distinção entre Estado social e Estado socialista.

Pode­se dizer que o Estado Social nasce em função do socialismo, no conceito de

Paulo Bonavides, prelecionando que “Uma constante, a nosso ver, explica o aparecimento

do Estado Social: a intervenção ideológica do socialismo”. 45

No entanto, não se pode confundir Estado social com Estado socialista ou com

uma socialização necessariamente esquerdista, da qual venha a ser o prenúncio, o momento

preparatório, a transição iminente, no dizer de Paulo Bonavides, que enfatiza

complementando:

O Estado social representa efetivamente uma transformação superestrutural por que passou o antigo Estado liberal. Seus matizes são riquíssimos e diversos. Mas algo, no Ocidente, o distingue desde as

43 ROSANVALLON, P. A crise do Estado­providência. Trad. Joel Pimentel de Ulhôa. Goiânia: Editora da UFG, 1997, p. 13. (grifo nosso) 44 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Tradução de Carmen C. Varrialle et al. 5 ed. Dicionário de Política. 5 ed. Brasília: Edunb, v. 1, 1993, p. 419 et seq. 45 BONAVIDES, Paulo. Do estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 183

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bases, do estado proletário, que o socialismo marxista intenta implantar: é que ele conserva sua adesão à ordem capitalista, princípio cardeal a que não renuncia. 46

Porém, mesmo não propondo claramente uma alternativa ao socialismo, o Estado

Social permaneceu limitado e definido como um simples modelo avançado do Estado

capitalista. Não se confirmou como alternativa ao Liberalismo que se propusera substituir,

bastando lembrar do advento fulgurante do Neoliberalismo e da Globalização ou

Internacionalização do Capital Financeiro.

Em síntese, ambos coexistem; há países que se moldam em modelos de Estado

social e outros, em número bem reduzido, que adotam ou adotaram o modelo socialista,

sendo por alguns autores, considerado como sinônimo de comunismo e por outros tratados

de forma distinta. Há, também, países que adotaram o modelo de Estado do bem­estar,

como uma forma distinta ou específica de Estado social.

1.3 ESTADO CONTEMPORÂNEO E NEOLIBERALISMO

Não se tem um marco histórico exato para se considerar o início do Estado

contemporâneo ou neoliberal, pois Paulo Bonavides fala somente em “Estado social dos

direitos fundamentais”, enaltecendo este por ser totalmente “capacitado da juridicidade e

da concreção dos preceitos e regras que garantem estes direitos”. 47

Há autores que informam o fim do Estado social como sendo a década de 70 e

outros a década de 80, data que provavelmente marca o início do Estado contemporâneo.

Na contemporaneidade, presencia­se inúmeros conflitos que a raça humana vive e

que nunca cogitaria conhecer, os quais põem em choque permanente os primados

fundamentais dos valores humanos, ou seja, os direitos humanos universalmente

consagrados. Esses fatos, que acompanham a economia globalizada, surpreendem o

mundo, pois o capital mostra­se desimpedido e desinibido o suficiente para desconsiderar

tais direitos fundamentais.

46 BONAVIDES, Paulo. Do estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 184. (Grifo nosso). 47 BONAVIDES, op. cit., p. 29.

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41

A relevância e o significado superior que tais direitos adquiriram são justificados

pela própria trajetória de sua descoberta, haja vista que os mesmos foram desenvolvidos

sob a convicção de que o bem­estar de uma sociedade depende da solidariedade entre os

homens e somente pode ser realizada se, ao povo, forem proporcionadas e asseguradas

condições para o alcance efetivo daquele já mencionado estado de bem­estar.

A atual situação, influenciada pela internacionalização econômica, conhecida como

globalização econômica, tem fragmentado e desregulamentado as estruturas jurídicas da

organização dos Estados e vem determinando a ineficiência do Direito Tradicional, que

não é suficiente para conter os abusos desse tipo de economia.

Constata­se a inadequação das normas, especialmente as de natureza trabalhista,

efeito da industrialização acelerada, da implementação permanente de novas tecnologias e

das profundas alterações que se operam no processo produtivo, exigindo, de forma

precária, o acesso a direitos fundamentais, que vem sendo orientado segundo as

necessidades do capital transnacional e à total subordinação ao ideário deste mesmo poder

econômico.

É evidente outro efeito que decorre da subordinação ao capital transnacional,

consistente na progressiva apropriação da titularidade da iniciativa legislativa por parte do

Executivo, mormente efetivado pelas medidas provisórias, em detrimento das

competências do Congresso Nacional e da autonomia do Judiciário.

Esse procedimento dá um caráter intervencionista ao governo que, garantidor do

autoritarismo econômico, leva à perda da idéia de igualdade e de justiça, esvaziando

gradativamente os princípios humanos fundamentais do Estado democrático de direito, os

quais têm como uma de suas categorias os direitos sociais.

As relações impostas pelo monopólio legislativo exercido pelo Executivo, numa

febre legiferante, desenfreadas em função das normas postas e sobrepostas, juridicamente,

terminam por obstaculizar a participação decisória dos cidadãos, rompendo com o espaço

político representativo e com a politização da vida social, inibindo a democracia e

impedindo a expressão da soberania popular.

Consequentemente, o Estado dos anos noventas encontrou relevantes mutações,

porém, hodiernamente, ele parece um ser vencido pela globalização econômica, sendo que

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esta tem efeito paralisante, pois consiste numa força que neutraliza qualquer movimento no

sentido de autodefesa e de resistência às suas exigências desumanas.

A economia mundial e suas bases puramente materialistas se voltam contra os

valores da modernidade, impedindo a efetiva realização dos direitos fundamentais, sem

qualquer barreira às suas injustas crueldades. O imperialismo econômico e sua intriga

constante com aqueles direitos faz parecer que a crise é do Estado democrático de direito

ou de seus princípios.

Essa necessidade de mudança no mundo contemporâneo e o urgente

redimensionamento de seus objetivos, exigem especial tratamento e uma redefinição do

papel regulador do Estado para assegurar sua legitimidade decisória, por meio da

participação popular.

Essa relevante e urgente participação política do povo ganha proporções a partir do

instante em que se vê, na prática, os caminhos à barbárie que o mundo já conheceu no

passado e que não deseja repetir. Mormente em relação ao trabalho humano.

No ensinamento de Eros Roberto Grau, em relação à sociedade brasileira, tem­se

que, qualquer reformulação da participação do Estado na economia implica,

necessariamente, a sua desprivatização. Nesse sentido, o governo Fernando Henrique,

orientado por uma política neoliberal, agiu de forma incompatível com os fundamentos do Brasil, previstos nos Artigos 3º e 170 da Constituição de 1988. 48

A Constituição Federal de 1988 define um modelo econômico de bem­estar,

disposto nos Artigos 1º, 3º e 170. Diante do exposto, Eros Roberto Grau, explicita que:

Assim, os programas de governo deste e daquele Presidente da República é que devem ser adaptados à Constituição e não o inverso, como se tem pretendido. A incompatibilidade entre qualquer deles e o modelo econômico por ela definido consubstancia situação de inconstitucionalidade, institucional e/ou normativa. 49

48 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 38 (grifo nosso). 49 GRAU, 2004, p. 39 et seq.

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43

Na concepção de Paulo Luiz Netto Lobo, “o que temos é uma transformação do

Estado social, sobretudo da década de 90 para cá, convertendo­se de um Estado

empreendedor em um Estado regulador”. O mesmo autor assevera que, “quando ele se

transforma em Estado regulador não perde sua natureza de Estado social, que é o Estado

que se caracteriza justamente pela intervenção legislativa, judiciária e administrativa”. 50

Nota­se, principalmente na transformação do direito contratual, que essa “mão” é

“visível”, pois o Estado passou a controlar o mercado, num total descompasso com a

preleção neoliberal, que aponta para o Estado mínimo, não regulador.

Percebe­se que o Direito evolui e se afirma, inserindo regulações típicas desta

virada de século, como: legislação de livre concorrência; controle do mercado; tutela do

consumidor, quanto à afirmação e busca da qualidade dos produtos e serviços.

Paulo Luiz Netto Lôbo lembra, em seu Artigo jurídico, que os Estados Unidos,

paraíso do neoliberalismo, é o berço da legislação mais decisiva de proteção à livre

concorrência e à tutela do consumidor, incorrendo num verdadeiro paradoxo. Para o

mencionado autor, “o discurso neoliberal é a­histórico, o que temos cada vez mais é o

advento do direito novo, acima de tudo como expressão da realidade social e dos valores

que a sociedade está perseguindo”. 51

Os princípios do Estado liberal são totalmente diversos dos princípios que estão

presentes no Estado social contemporâneo, haja vista que a realidade é distinta, pois a

população do mundo atual aumenta incontrolavelmente e há uma intensificação do

processo de urbanização, chegando, no Brasil, a ter três quartos da população vivendo em

cidades.

Está preterida a influência do modelo liberal no direito atual, sendo oportuno

mencionar, como exemplo, os novos princípios que estão marcando mais fortemente a

natureza e a essência dos contratos: o princípio da função social, da boa­fé objetiva, da

igualdade material e da equivalência contratual (mensurando o poder de cada parte

contratante); ao contrário do contrato liberal onde vigorava o princípio da igualdade

formal, abstraindo os sujeitos.

50 LOBO, Paulo Luiz Netto Lobo. Direito Contratual e Constituição. Jus Navegandi. Disponível em http://jus.2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=563. Acesso em 02 de fevereiro de 2007. 51 LOBO, Paulo Luiz Netto Lobo, op. cit., acesso em 02 de fevereiro de 2007.

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Conforme o modelo jurídico de Estado que cada nação adotou tem­se a ideologia

liberalista (não intervencionista) ou a ideologia socialista (intervencionista).

No contexto atual, verifica­se a intensificação da ideologia do Estado do bem­

estar, inserida nas ordens jurídicas que autorizam a intervenção estatal na área econômica,

conforme a hierarquia entre os valores sócio­econômicos.

A ideologia do Estado social preceitua que a atividade econômica se justifica

somente com conteúdos sócio­econômicos, sempre em busca da efetiva concretização da

justiça distributiva, com escopo de melhorar a vida dos cidadãos desfavorecidos.

Odete Medauar assevera que a Constituição de 1988 não menciona a expressão

“Estado social”, nem agrega o termo social aos qualificativos “democrático” e “de direito”,

no art. 1º, mas indubitável é a preocupação social da atual Constituição. “Existe um Estado

social quando se verifica uma generalização dos instrumentos e das ações públicas de

segurança e bem­estar social”. 52

Para Hely Lopes Meirelles o nosso Estado é social­liberal, conquanto reconhece e

assegura a propriedade privada e a livre empresa, condiciona o uso dessa mesma

propriedade e o exercício das atividades econômicas ao bem­estar social (Art. 170 da

CF/88). 53

E José Afonso da Silva assevera que há um embate entre o liberalismo, com seu

conceito de democracia política e o intervencionismo ou o socialismo nas constituições

contemporâneas, “com seus princípios de direitos econômicos e sociais, comportando um

conjunto de disposições concernentes tanto aos direitos dos trabalhadores como à estrutura

da economia e ao estatuto dos cidadãos”. Esses princípios constitucionais formam o

conteúdo social das constituições, muitas vezes, constituindo apenas programas a serem

desenvolvidos ulteriormente pela atividade dos legisladores ordinários (normas

constitucionais de princípio programático). 54

52 MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p. 106­109. 53 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 30. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 566­568. 54 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 679.

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Prelecionando sobre a atuação estatal em face da atividade econômica em sentido

estrito (intervenção), Eros Roberto Grau assevera que dois valores fundamentais

juridicamente protegidos nas economias do tipo capitalista foram transformados: o regime

jurídico dos contratos (liberdade de contratar) e a propriedade privada ou individual dos

bens de produção, ambos em regime relativo e não absoluto. 55

De acordo com o modelo ideal de liberalismo econômico, as partes na relação

contratual transformavam em ato toda a potência de suas vontades, imperando o

voluntarismo contratual, caracterizado por um largo poder de auto­regulação no negócio

jurídico, restrito somente pela submissão da vontade das partes ao interesse coletivo.

Todavia, houve a ampliação das funções do Estado, passando este a condicionar e

a direcionar o exercício das prerrogativas das partes (dirigismo contratual), como, v. g., a nova função social do contrato prevista no atual Código Civil.

Essa ação estatal sobre os contratos é essencial, haja vista ser considerado

instituto fundamental na economia de mercado e instrumento de política econômica,

funcionando como preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o domínio

econômico, na busca de soluções de desenvolvimento e justiça social.

Com base no direito constitucional brasileiro, os interesses e valores

constitucionalmente estabelecidos, como o da justiça social (Art. 170 da CF/88) e da

redução das desigualdades econômicas e sociais (Art. 3º, III, da CF/88), da dignidade da

pessoa humana (Art. 1º, III, da CF/88), dentre outros, não podem ser lesados, de forma a

consolidar o conhecido brocardo: “Entre o forte e o fraco, a liberdade escraviza e a lei

liberta”.

Analisando as Constituições anteriores, até a que se encontra em vigência,

verifica­se que o capitalismo se transforma, na medida em que assume novo caráter: o

social. A ordem econômica na Constituição de 1988 define opção por um sistema

econômico já conhecido: o capitalista.

A Constituição de 1988 rejeita a economia liberal e o princípio da auto­regulação

da economia, conforme preceitua o Art. 170. Inclusive, a ordem econômica liberalista é

substituída pela ordem econômica intervencionista.

55 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

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Referida Ordem econômica, estabelecida pela Constituição atual, prevê um meio

para a construção do Estado Democrático de Direito, previsto em seu Art. 1º.

As regras constitucionais existentes e a atribuição à sociedade de legitimidade,

para reivindicar a realização de políticas públicas, fazem do Estado efetivo agente da

promoção do bem­estar. Portanto, a sociedade e o Estado devem buscar a realização desse

bem­estar, não como ideologia, mas como imposição de determinações históricas que são

mais do que ideologias. Esse alcance do bem­estar é o mínimo que a sociedade brasileira

poderia aspirar.

Destarte, a ordem econômica na Constituição de 1988 postula um modelo de bem­ estar, modelo este que se não alcançado terá como primeira vítima o indivíduo assalariado e após, indubitavelmente, a democracia. Os inúmeros princípios inseridos na Constituição

Federal, especificamente no título VII, Da Ordem Econômica e Financeira, têm o escopo

de vedar os abusos do poder econômico.

Sobre o assunto, Marçal Justen Filho retrata o surgimento de um novo modelo de

Estado: o Estado regulador, teorizado por Giandomenico Majone, asseverando que:

Segundo esse enfoque, é possível afirmar que o Estado de Bem­Estar Social evoluiu para transformar­se num Estado Regulador. Os poderes regulatórios externam não apenas mera circunstância da existência do Estado como instituição política, mas lhe asseguram natureza própria e inconfundível. 56

Quanto à Ordem econômica, faz­se imprescindível que o cidadão controle as

grandes empresas que têm poder econômico, para que elas prestem contas de suas decisões

e não abusem de seu poder fazendo o lucro prevalecer sobre a democracia.

Não é possível mais aplicar o princípio da separação dos poderes, pois

hodiernamente está ultrapassado.

Essa ordem constitucional atual, historicamente, foi formada pelos princípios e

garantias oriundos do modelo de Estado liberal e social e os reflexos desses modelos foram

determinadores, em maior ou menor intensidade, para sua formação, conjugando os

preceitos mais relevantes para se atingir o bem­estar da sociedade.

56 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 450.

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Portanto, ficou claro que o Estado contemporâneo surge como um Estado

Regulador 57 , Garantidor 58 ou Pós­Intervencionista 59 , pois esse Estado toma para si somente

a tarefa de orientar e controlar o sistema econômico.

Analisando o Estado brasileiro num contexto constitucional, especificamente em

relação à Ordem econômica e financeira, nota­se que esta funda­se na livre iniciativa e na

valorização do trabalho humano, norteado pelo princípio da livre concorrência, função

social da propriedade, redução das desigualdades regionais e sociais, busca do pleno

emprego, tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte, dentre outros (Art.

170 da CF/88).

Outrossim, conforme preceitua o Art. 174 da Constituição Federal, o Estado

assume um novo papel, deixando de ser empreendedor (empresário), passando a ter um

papel regulador, normatizador, fiscalizador e indutor. Nesse sentido, a Constituição

Federal, em seu Art. 174, caput, preceitua que:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado. 60

Para que se implemente esse desiderato, a Constituição Federal de 1988 prevê, em

suas disposições, inúmeras garantias para assegurar os direitos fundamentais.

Entretanto, contemporaneamente, segundo Cristiane Rozicki, a situação é de

conflito em face dos primados fundamentais dos valores humanos e os direitos humanos

universalmente consagrados. A economia globalizada surpreende o mundo, pois os direitos

fundamentais são desconsiderados pelo capital. 61

57 Segundo MOREIRA, Vital. Serviço Público e Concorrência. A Regulação do Setor Elétrico. Os Caminhos da Privatização da Administração Pública. In: COLÓQUIO LUSO­ESPANHOL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 4. Anais... Universidade de Coimbra. 2001. pp. 223 e ss. 58 CANOTILHO, J. J. Gomes. In “Estado Constitucional Regulador” , comunicação inédita proferida no “SEMINÁRIO DE REGULAÇÃO, CONCORRÊNCIA E PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR”, 2003, Coimbra. 59 ZYMLER, Benjamim; ALMEIDA, Guilherme Henrique De La Rocque. O controle Externo das Concessões de Serviços Públicos e das Parcerias Público­Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005, p. 227. 60 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2006, p 202. 61 ROZICKI, Cristiane. Do Estado absoluto ao atual. Disponível em: http://www.factum.com.br/artigos/003.htm, p 1.

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Esses direitos foram desenvolvidos sob a convicção de que o bem­estar de uma

sociedade depende da solidariedade entre os homens, podendo ser implementados se forem

proporcionadas e asseguradas condições para que o indivíduo alcance efetivamente esse

tão almejado estado de bem­estar.

1.3.1 Estado Democrático de Direito

O Art. 1º da Constituição de 1988 afirma que “A República Federativa do Brasil,

formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito federal, constitui­

se em Estado Democrático de Direito”. Para José Afonso da Silva, este Artigo é de extrema importância, pois demonstra a constituição de um Estado Democrático de Direito,

e, não, simplesmente, uma mera promessa de se organizar tal Estado. 62

Prosseguindo em seu pensamento, José Afonso da Silva, sustenta que a

democracia realizada pelo Estado Democrático de Direito há de ser um processo de

convivência social numa sociedade livre, justa e solidária (Art. 3º, I), em que o poder

emana do povo e deve ser exercido em proveito do povo, diretamente ou por

representantes eleitos (Art. 1º, parágrafo único).

Hoje, os Estados modernos são, em sua maioria, Estados constitucionais, em que

o exercício do poder está repartido entre órgãos estatais e grupos sociais.

A característica principal do Estado é o exercício do poder e independentemente

da ideologia política que elege seus fins e modo de atuação, o Estado moderno cada vez

mais atua na vida social e econômica, compondo os conflitos de interesses.

É o Estado, por meio da função legislativa, que escolhe os interesses que

considera relevantes para o grupo social. Tais interesses, que seriam comuns, constituiriam

o denominado Interesse Público. 63

Para Nagib Slaibi Filho, no Estado Democrático de Direito a lei é exigida para o

exercício do poder, porque o administrador somente atuará quando e se houver

determinação legal, já que sua atuação implica, necessariamente, restrição à liberdade

62 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 119. (Grifo nosso) 63 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 18­19.

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individual. 64 Nesse sentido, o Art. 5, II, da Constituição de 1988 afirma que “ninguém será

obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”. Por conseguinte,

surge o princípio da legalidade administrativa (Art. 37, caput, CF/88), que determina a completa submissão da Administração às leis. Esta deve tão somente obedecê­las, cumpri­

las, pô­las em prática.

Considerando o Art. 37, caput, da Constituição Federal, Celso Antônio Bandeira de Mello afirma que o princípio da legalidade no Brasil, significa que a administração nada

pode fazer senão o que a lei determina. Ao contrário dos particulares, os quais podem fazer

tudo o que a lei não proíbe, a Administração só pode fazer o que a lei antecipadamente

autorize. 65

Conforme José Afonso da Silva, é no Estado Democrático de Direito que se

ressalta a relevância da lei. Significa dizer que:

A lei não deve ficar numa esfera puramente normativa, não pode ser apenas lei de arbitragem, pois precisa influir na realidade social. E se a Constituição se abre para as transformações políticas, econômicas e sociais que a sociedade brasileira requer, a lei se elevará de importância, na medida em que, sendo fundamental expressão do direito positivo, caracteriza­se como desdobramento necessário do conteúdo da Constituição e aí exerce função transformadora da sociedade, impondo mudanças sociais democráticas, ainda que possa continuar a desempenhar uma função conservadora, garantindo a sobrevivência de valores socialmente aceitos. 66

Insta destacar, que a Constituição do Brasil, de 1988, define um modelo

econômico de bem­estar. Esse modelo, que está previsto desde o dispositivo nos seus Art.

1º e 3º e no seu Art. 170, não pode ser ignorado pelos legisladores e nem mesmo pelo

poder Executivo.

Assim, de acordo com o Art. 3º, inciso II, da Constituição Federal, constitui

objetivo fundamental da República Federativa do Brasil, o desenvolvimento nacional.

64 SLAIBI FILHO, FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, loc cit. 65 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 94. 66 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 119.

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Este objetivo, desenvolvimento nacional, constitui comando­valor, que tem por

finalidade o bem estar­social, ou seja, é uma norma de natureza programática que deve ser

observada pelos governantes na elaboração e na execução de suas políticas. Muito embora

seja uma norma de eficácia limitada, vincula o legislador infraconstitucional aos seus

comandos, impedindo deliberações contrárias às suas orientações.

O Art. 170, caput, da Constituição de 1988, afirma que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a

existência digna, conforme os ditames da justiça social”.

Nesse sentido, vale dizer que a Constituição consagra uma economia de mercado,

de natureza capitalista, pois a livre iniciativa é um princípio básico da ordem capitalista,

segundo José Afonso da Silva. 67

Quanto à justiça social, José Afonso da Silva afirma que, cada um deve dispor dos

meios materiais para viver confortavelmente segundo as exigências de sua natureza física,

espiritual e política. 68 O regime de justiça social não aceita as profundas desigualdades, a

pobreza absoluta e a miséria. A Constituição de 1988 dá à justiça social um conteúdo

preciso, pois assim assegurará a todos a existência digna.

Hoje é muito divulgada a concepção de Estado Democrático de Direito, cuja

maior finalidade é o aprofundamento da democracia participativa para atingir a igualdade

real entre todos, efetivando a completa democracia econômica e social, para a correção das

desigualdades entre os homens. É a qualificação do Estado com duas idéias indissociáveis:

a prévia regulamentação legal e a democracia.

O Estado Democrático de Direito tem um conteúdo transformador da realidade,

não se restringindo, como o Estado Social de Direito, a uma adaptação melhorada das condições de existência. Assim, o seu conteúdo ultrapassa o aspecto material de

concretização de uma vida digna ao homem e passa a agir simbolicamente como

fomentador da participação pública quando o democrático qualifica o Estado, o que

67 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 788. 68 SILVA, 2005, Idem, ibidem, p. 789.

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irradia os valores da democracia sobre todos os seus elementos constitutivos e, pois,

também sobre a ordem jurídica. 69

É por essas, entre outras razões, que se desenvolve um novo conceito, na tentativa

de conjugar o ideal democrático do Estado de Direito, não como uma aposição de

conceitos, mas sob um conteúdo próprio, onde estão presentes as conquistas democráticas,

as garantias jurídico­legais e a preocupação social. Tudo constituindo um novo conjunto

onde a preocupação básica é a transformação do status quo.

O conteúdo de legalidade – princípio ao qual permanece vinculado – assume a

forma de busca efetiva da concretização da igualdade, não pela generalidade do comando

normativo, mas pela realização, através dele, de intervenções que impliquem diretamente

uma alteração na situação da comunidade.

Constituindo uma organização política onde a vontade popular é soberana e onde é

verificável a dignidade da pessoa humana e a eficácia dos direitos e liberdades

fundamentais, perfazendo uma sociedade justa, solidária e igualitária, o Estado

Democrático de Direito assim o é em virtude da unificação daqueles dois relevantes

valores que constituem, conjuntamente, o Estado de direito e o Estado democrático.

Sabe­se que a implementação dos direitos individuais, os direitos de liberdade,

apenas serão concretizados se tiver como pressupostos a democracia política, social e

econômica. Todo estudo que envolver a busca de alternativas ou de soluções para algum

problema deve chamar a população, envolvendo­a na tomada de decisões constantemente,

conferindo­lhe a oportunidade de emitir sua opinião.

Dentre os deveres ou as funções do Estado, destaca­se a relativa à segurança,

administrada por órgão competente para a interpretação das normas jurídicas e aplicação

da lei à realidade fática, em busca do justo e da eqüidade, atividade que fica sob a custódia

do Poder Judiciário.

Estudando a formação do Estado e suas mutações, nota­se que houve o

surgimento de um novo modelo estatal, sucessor do Estado intervencionista e provedor, o

69 BOLZAN DE MORAIS, Jose Luis. Do Direito Social aos Interesses Transindividuais – o Estado e o Direito na ordem contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1996, p. 74­75.m (grifo nosso)

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qual emergiu a partir do declínio do clássico Estado mínimo, que garantia somente a

ordem, o cumprimento dos contratos e o direito de propriedade. 70

Esse novo modelo estatal constituiu­se com os fundamentos neoliberalistas e pós­

intervencionista, formando, como foi dito, constitucionalmente um Estado regulador,

garantidor e planejador do desenvolvimento econômico e social.

Segundo Paulo Bonavides, “vivemos a era do totalitarismo financeiro, que é a

forma mais atroz, mais selvagem, mais indigna de opressão e ditadura, jamais gerada nas

entranhas do capitalismo”. 71

Como alternativa ao Estado forte da esquerda clássica, a Terceira Via estaria

propondo um Estado incentivador e dinamizador da economia, mas não necessariamente

um Estado empresarial.

Em face do cidadão, como resultado do assistencialismo do Estado de Bem­Estar,

propenso a conceber­se exclusivamente como sujeito de direitos, é preciso lembrar também

a necessidade de se dividir os deveres e responsabilidades entre todos.

Frente a um governo grande, poderoso e monolítico, o que está proposto é a

descentralização, a consulta freqüente ao cidadão.

Um Estado progressista só deveria intervir naqueles setores e lugares onde a

iniciativa privada não chegue por razões de mercado ou onde esta fracasse na distribuição

de bens básicos. 72 Esse seria um modelo ideal de intervenção.

Com relação à atual situação de globalização, com senso crítico certeiro, Paulo

Bonavides dispara:

O fato novo e surpreendente do modelo de globalização em curso é que ele não opera nas relações internacionais com valores e princípios; sua ideologia, aparentemente, é não ter ideologia, posto que esteja a mesma subjacente, oculta e invisível no monstruoso fenômeno de poder e subjugação, que é a maneira como a sociedade fechada e incógnita das

70 ZYMLER, Benjamin; ALMEIDA, Guilherme Henrique de La Rocque. O Controle Externo das Concessões de Serviços Públicos e das Parcerias Público­Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 225. 71 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial: A derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 5. 72 CRUZ, Paulo Márcio. Política, poder, ideologia e estado Contemporâneo. Florianópolis: Editora Diploma Legal, 2001, 274/275.

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minorias privilegiadas, dos concentradores de capitais, faz a guerra de escravização, conquistando mercados, sem disparar um só tiro de canhão e sem espargir uma única gota de sangue. 73

Não há dúvida que, malgrado o mal que causa o neoliberalismo e a globalização,

uma conquista importantíssima efetivou­se no Estado contemporâneo, a democracia como

“princípio constitucional da mais subida juridicidade na hierarquia dos ordenamentos”,

segundo Paulo Bonavides, pois, “a democracia incorpora a igualdade e a liberdade, sem as

quais não há sociedade aberta, nem digna, abraçada ao dogma da justiça”. 74

Paulo Bonavides, conclui que “A globalização é ainda um jogo sem regras; uma

partida disputada sem arbitragem, onde só os gigantes, os grandes quadros da economia

mundial, auferem as maiores vantagens e padecem os menores sacrifícios”. 75

Globalização é metáfora de nossos dias que exprime condição econômica e

cultural. Promove a hegemonia do capitalismo e de percepções neoliberais, anunciando

uma escatologia que consagra novos moldes de soberania, de relações humanas e de

idiossincrasias. Impulsiona um neoconsevadorismo radical. A Globalização dita um direito

diferente, especialmente para países periféricos, como o do Brasil. O direito brasileiro vem

sendo redesenhado como resultado de nossa inserção no mundo globalizado. 76

Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira finaliza asseverando que:

O neoliberalismo e a globalização são agentes das grandes mudanças ocorridas nas últimas décadas e causadoras de fortes impactos, suportados pela sociedade. Surge a contabilidade do capital que se de uma parte soma crescimento, lucros e riquezas (para poucos), de outra subtrai empregos, oportunidades, inclusões, qualidade de vida. 77

Portanto, há que se ter um equilíbrio, a globalização é um fenômeno mundial

inevitável que prioriza o capital, propiciando lucro e riqueza, gerando crescimento

econômico; porém provoca conseqüências funestas àqueles indivíduos desprovidos de

73 BONAVIDES, Paulo. Do País Constitucional ao País Neocolonial: A derrubada da Constituição e a recolonização pelo golpe de Estado institucional. 2 ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 5. 74 BONAVIDES, 2001, ibidem, p. 66. 75 BONAVIDES, Idem, 2001, p. 139. 76 GODOY, A. S. M. Globalização, neoliberalismo e o direito no Brasil. Londrina: Humanidades, 2004. p. 1. Apud FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Função Ética da Empresa. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 39. 77 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Função Ética da Empresa. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 39.

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capital, subtraindo­lhes oportunidades e empregos que resultam em má qualidade de vida e

marginalização, haja vista aquela não ter ideologia e privilegiar uma minoria que concentra

capital.

O neoliberalismo é um modelo estatal de certa forma voltado à hegemonia do

capitalismo, mas que não dá à iniciativa privada tanta liberdade como foi dado na época do

Estado liberal, porquanto o sistema constitucional atual não permite, fazendo com que o

Estado intervenha, sempre que necessário, para controlar, normatizar, regulamentar,

planejar, incentivar e garantir o desenvolvimento socioeconômico e a manutenção da

ordem econômica, podendo até reprimir os casos de abuso do poder econômico. Todavia,

essa intervenção só deve ocorrer nos setores onde a iniciativa privada não atue por razões

de mercado ou onde fracasse na distribuição de bens necessários.

A Ordem constitucional brasileira constituiu um Estado Democrático de Direito,

formado pela conjugação do Estado de Direito e Estado Democrático, que tem como

fundamentos precípuos a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa (Art. 1º, III e IV, da CF/88) e como objetivos fundamentais a construção de

uma sociedade livre, justa e solidária, a garantia do desenvolvimento nacional, e a

erradicação da pobreza e da marginalização, bem como a redução das desigualdades

sociais e regionais (Art. 3º, I, II, III, da CF/88), proporcionando aos indivíduos a existência

digna e justiça social.

Essa justiça social não admite desigualdade, pobreza absoluta e muito menos miséria, devendo garantir os direitos individuais e de liberdade, buscando sempre o bem­

estar da sociedade, que deve dividir deveres e responsabilidade com o Governo.

O Estado atual é democrático, porquanto deve ouvir frequentemente a população antes de tomar decisões, haja vista a vontade popular ser soberana. A democracia deve ser

participativa e açambarcar a igualdade e a liberdade, respeitando as liberdades

fundamentais.

O Estado atual é de Direito porque pressupõe prévia regulamentação e respeita o

princípio da legalidade e equidade.

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1.3.2 Estado Contemporâneo e o Sistema de Parcer ia

Independentemente de no mundo atual ter sido adotado um modelo de Estado

social das Constituições programáticas, caracterizadas pelo teor abstrato e bem­

intencionado de suas declarações de direitos, ou social dos direitos fundamentais,

capacitado da juridicidade e da concreção dos preceitos e regras que garantem estes

direitos, preconizado por Paulo Bonavides 78 , ou, ainda, neoliberal; o que importa é que

direitos e garantias mínimas estão explicitamente previstos na Constituição da República

Federativa do Brasil de 1988, e em leis infraconstitucionais que exigem do Poder Público

um bem­estar social que assegure uma vida digna.

É clarividente que, se o Estado, tenha ele adotado qual modelo for, não tem

condições de atender a ordem constitucional e a legislação infraconstitucional como

deveria, por não oferecer nem o mínimo exigido em matéria de serviços públicos ou de

utilidade pública, muito menos condições o Estado terá de investir em infra­estrutura para

cumprir seu mister.

O Estado brasileiro contemporâneo encontra­se em crise, necessitando redefinir o

seu papel, pois os problemas sociais agravam­se cada vez mais e a desigualdade

econômico­social aumenta incessantemente, influenciada pela nova ordem mundial

deflagrada pelo neoliberalismo e pela globalização.

Diante dessa crise crescente, o Estado contemporâneo enfrenta inúmeros desafios

para solucionar esses problemas atuais e para implementar os postulados constitucionais

preconizados na Constituição Federal de 1988, dentre eles a prestação dos serviços

públicos de forma adequada e eficiente à população.

Tais desafios são difíceis de serem vencidos quando se tem déficit orçamentário

nas contas públicas de quase todas as esferas de governo, dificultando demasiadamente o

investimento em infra­estrutura e saneamento básico, para atender eficientemente o

cidadão.

Consequentemente, essa falta de investimento público atrasa o desenvolvimento

econômico e social do país.

78 BONAVIDES, Paulo. Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 29.

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Razão pela qual, com o surgimento do Estado Neoliberal, houve a delegação da

prestação de alguns dos serviços públicos, exceto os essenciais, como: a educação, saúde e

segurança pública, entre outros. Houve, também, a venda de algumas empresas estatais

(privatização). Porém, essas providências não foram suficientes para o Estado recuperar o

seu poder de investimento em infra­estrutura.

Assim, o Estado precisa buscar uma alternativa para suprir essa deficiência

econômico­financeira, o que somente poderá solucionar por meio de parcerias com a

iniciativa privada, na forma de concessão, permissão, parceria público­privada e outras

formas. Assunto esse que será tratado nos capítulos seguintes.

Conclui­se, portanto, que foi necessário o estudo sistematizado dos modelos de

Estado para se entender em qual momento se deu o nascimento da parceria público­

privada. Iniciando­se com o absolutismo, que personalizava­se na pessoa do Rei,

centralizando o poder político, e, na seara econômica, predominava o feudalismo, baseado

na lavoura e na criação de animais, com um sistema de produção servil, que formava o

binômio absolutismo­feudalidade, no qual o rei possuía o poder político e o feudo o poder

econômico.

Na seqüência, viu­se que, com a incessante busca pela igualdade perante a lei e

pelo reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente os

direitos de liberdade, de igualdade e de propriedade, com influência das revoluções

liberais, soçobrou o feudalismo e surgiu o liberalismo, sustentando a intervenção mínima

do Estado e a defesa da plena liberdade do particular. Nesse contexto histórico, nota­se a

ascensão da classe burguesa, que estava insatisfeita com os desmandos da Coroa.

Forma­se, então, o Estado Liberal ou absenteísta, para o qual o bem­estar coletivo

não dependia da atuação do Estado, mas da liberdade inerente a cada um dos indivíduos e,

especificamente em relação à economia, acreditava­se que a livre concorrência e a lei da

oferta e da procura eram as forças responsáveis pelo destino da economia e se

encarregariam do estabelecimento do equilíbrio, em forma de “mão invisível” 79 , que

impulsionava o mercado econômico e suas relações, sem que o Estado precisasse intervir,

tendo muita afinidade, nesse particular, com o capitalismo.

79 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Florianópolis: Momento Atual, 2003, p 78.

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Porém, essa “plena liberdade” enveredou­se por caminhos distintos do desejado

pelo capitalismo, sem permitir ao mercado econômico se auto­regular, incorrendo na

prevalência do individualismo em detrimento do liberalismo, descumprindo os propósitos

deste em relação à fraternidade, evidenciando uma clara superioridade dos mais ricos sobre

os mais pobres, fazendo­se com que a burguesia se afastasse dos ideais democráticos e de

busca da igualdade.

Esses fatos fizeram surgir o Estado Social, de caráter intervencionista, avançando

no sentido de delimitar o poder econômico e regular a atividade econômica, principalmente

o contrato e, sobretudo, a propriedade. Entretanto, não se pode afirmar que houve a

transformação do Estado Liberal no Estado Social ou do bem­estar (intervencionista e

provedor), mas a conjunção dos princípios socialistas aos princípios liberais.

Na vigência desse modelo de Estado, histórica e constitucionalmente, definem­se

os direitos sociais e trabalhistas como direitos fundamentais da pessoa humana, sob a

proteção do Poder Público, estando criadas desta fase em diante as bases do “garantismo

social”: o Estado como provedor de garantias institucionais aos direitos sociais e

trabalhistas – com um perfil fortemente marcado pelo protecionismo social.

Nota­se que, em relação aos reflexos do Estado liberal e do Estado social na

ordem econômica, o papel do Estado variou de acordo com o modelo de Estado adotado.

Dessa forma, o paradigma liberal, inaugurado com a Revolução Francesa, consiste num

Estado abstencionista, atuando em exíguas áreas como, por exemplo, na garantia da

segurança interna e externa e no cumprimento dos contratos. Antagonicamente, o modelo

de bem­estar impõe um Estado atuante e intervencionista, para cumprir prestações

positivas em face dos cidadãos.

Esse Estado social avançou ao delimitar o poder econômico e a regular a atividade

econômica e, conseqüentemente, regular o contrato e a propriedade. Destarte, as

Constituições passaram a estabelecer as garantias do direito de propriedade individual, bem

como a preocupação em assegurar a denominada livre iniciativa, não como liberdade

contratual, mas como liberdade de empreendimento ou de organização da atividade

econômica.

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O Estado brasileiro possui elementos que indicam a presença de um Estado que

positivou as idéias liberais, adotando o liberalismo econômico, que não é pleno, e

liberalismo político, este garantido plenamente na Constituição Federal.

Atualmente, ainda se verifica presente o liberalismo econômico no texto

constitucional quando prevê o direito de propriedade (Art. 5º, XXII e Art. 170, II, da

CF/88), mas com restrição (Art. 5º, XXIII; 170, III; 182; 186; da CF/88), como se impõe o

modelo de Estado social, e quando permite a liberdade para o exercício de atividades

econômicas (livre iniciativa) e o mercado livre, estabelece um controle estatal (Art. 170 e

174 da CF/88). Destarte, fica claro que no Estado liberal a propriedade é privada e no

Estado social a propriedade é social ou coletiva. Portanto, há uma conjugação dos

primados liberais e sociais preceituados na Constituição Federal de 1988.

E, de acordo com estudo desenvolvido neste primeiro capítulo, segundo grande

parte dos doutrinadores, o Brasil contemporâneo vive a fase denominada “neoliberalismo”,

favorecendo uma redução do papel do Estado na esfera econômica. Inclusive, há

estudiosos afirmando que o neoliberalismo voltou a propagar a tese da “mão invisível” 80 do

mercado, que é o retorno ao Estado mínimo.

É nesse contexto de diminuição do Estado (“Estado mínimo”), que este deixa de

intervir na atividade econômica privada, provocando, conseqüentemente, a

despublicização; ao contrário do modelo social, onde o Estado intervém com maior

intensidade na vida sócio­econômica da população para assegurar uma melhor qualidade

de vida aos indivíduos, garantindo um efetivo bem­estar social, onde ocorre a publicização.

Esse “Estado mínimo” delega ao particular determinada prestação de serviços públicos ou

de utilidade pública, chamando­o a formar com ele diversas parcerias.

A partir daí, sob a influência das privatizações disseminadas mundialmente e no

Brasil, surgem as concessões e permissões de serviços públicos ou de utilidade pública por

todo o país, mas que, não foram suficientes para equacionar e equilibrar as contas públicas,

sendo necessária constituir outra forma de concessão, denominada parceria público­

privada.

80 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Florianópolis: Momento Atual, 2003, p 78.

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2 DA EXPLORAÇÃO DIRETA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO E

O SERVIÇO PÚBLICO

Inicialmente, é imprescindível distinguir a exploração direta da atividade

econômica pelo Estado e a prestação do serviço público, mas antes de se fazer referida

distinção, é necessário compreender como se procede a atuação ou intervenção do Estado

no domínio econômico.

Como foi estudado no capítulo anterior, conforme o modelo de Estado que se

adote, há uma maior ou menor intervenção estatal no domínio econômico.

Essa intervenção do Estado ocorre de várias formas: explorando diretamente a

atividade econômica típica da iniciativa privada, nos casos autorizados pela Constituição

Federal e leis infraconstitucionais (Art. 173 da CF/88); normatizando, regulando e

controlando a atividade econômica (“agente normativo, regulador e controlador”), quando

exerce a função de fiscalização, por exemplo (Art. 174 da CF/88); garantindo a livre

iniciativa e a livre concorrência (”agente garantidor”), por meio do incentivo e do

planejamento, por exemplo (Art. 174 da CF/88); reprimindo o abuso do poder econômico

(“agente repressor”), por meio de leis “antitrust” , “antidumping”, “anticartéis”, “antimonopólio”, “antioligopólio”; entre outras formas de intervenção.

No capítulo anterior, quando se tratou do “Estado contemporâneo ou neoliberal”,

verificou­se que este é regulador, porquanto tem o mister de estabelecer regras e controlar

a atividade econômica e é também garantidor por sua função incentivadora às pequenas e

médias empresas e planejadora do desenvolvimento econômico e social, dentre outras

características.

Ressalta­se que não se pode confundir a exploração direta da atividade econômica

pelo Estado com a prestação, direta ou indireta (delegação), do serviço público (Art. 175

da CF/88). Esta última atividade atine à área de atuação estatal e constitui a finalidade do

Estado, ou até mesmo razão de sua existência.

A exploração direta da atividade econômica somente será exercida pelo Estado em

casos extremamente excepcionais, por força de expressa disposição constitucional (Art.

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173 da CF/88), haja vista ser a atividade econômica típica da iniciativa privada (área de

atuação do setor privado) e por se viver, como é asseverado por grande parte da doutrina,

num estado “neoliberal”, segundo o qual o Estado não deve intervir diretamente

explorando a atividade econômica como se empresário fosse, como ocorreu na era do

Estado social, recebendo, em razão disso, a denominação de “Estado empresário”.

Para melhor esclarecer, faz­se necessário, segundo Eros Roberto Grau, a

consideração dos temas que trata da classificação das formas de atuação do Estado em relação ao processo econômico; da noção de atividade econômica, onde a distinção que aparta o campo dos serviços públicos (área de atuação estatal) do campo da chamada atividade econômica (área de atuação do setor privado); e da noção de Direito Econômico.

Atente­se que toda atuação estatal é expressiva de um ato de intervenção (atuação em área de outrem). 81

O Estado não pratica intervenção quando presta serviço público ou regula a

prestação de serviço público, haja vista que atua em área de sua própria titularidade (esfera

pública). Portanto, para Eros Roberto Grau, o vocábulo intervenção é mais correto do que a expressão atuação estatal. Intervenção expressa atuação estatal em área de titularidade do setor privado (atividade econômica em sentido estrito) e atuação estatal expressa

significado mais amplo (área de titularidade própria e do setor privado – atividade

econômica em sentido amplo). 82

Para esclarecer melhor, torna­se indispensável a lição de Eros Roberto Grau

quando assevera que:

Como tenho observado, inexiste, em um primeiro momento, oposição entre atividade econômica e serviço público; pelo contrário, na segunda expressão está subsumida a primeira. Em texto anterior averbei: A prestação de serviço público está voltada à satisfação de necessidades, o que envolve a utilização de bens e serviços, recursos escassos. Daí podermos afirmar que o serviço público (espécie) é um tipo de atividade econômica (gênero). Serviço público – dir­se­á mais – é o tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao setor público. Não exclusivamente, note­se, visto que o setor privado presta serviço público em regime de concessão ou permissão.

81 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 84. (grifo nosso) 82 GRAU, 2004, Idem, ibidem, loc. cit. (grifo nosso)

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Desde aí poderemos também afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a atividade econômica está para o setor privado. 83

A atuação estatal no campo da atividade econômica em sentido estrito

(intervenção) transformou dois valores fundamentais, juridicamente protegidos nas

economias do tipo capitalista: a propriedade privada ou individual dos bens de produção e o regime jurídico dos contratos (liberdade de contratar como um corolário da propriedade privada), ambos em regime relativo e não absoluto. 84

De acordo com o modelo ideal de liberalismo econômico, as partes na relação

contratual transformavam em ato toda a potência de suas vontades, imperando o

voluntarismo contratual, caracterizado por um largo poder de auto­regulação no negócio

jurídico, restrito somente pela submissão da vontade das partes ao interesse coletivo. No

entanto, houve, também, a ampliação das funções do Estado passando a condicionar e a

direcionar o exercício das prerrogativas das partes (dirigismo contratual), como por

exemplo, o advento da função social do contrato prevista no novo Código Civil.

Essa ação estatal sobre os contratos é essencial, pois é considerado instituto

fundamental na economia de mercado e instrumento de política econômica, funcionando

como preceitos que instrumentam a intervenção do Estado sobre o domínio econômico, na

busca de soluções de desenvolvimento e justiça social.

Essas distinções e características relativas às formas de exploração direta da

atividade econômica e do serviço público, açambarcando a privatização e as formas de

delegação desse serviço público, bem como as formas de parcerias praticadas pela

Administração Pública, serão estudadas minuciosamente neste capítulo.

2.1 EXPLORAÇÃO DIRETA DA ATIVIDADE ECONÔMICA PELO ESTADO

Quando se fala em exploração direta da atividade econômica pelo Estado, estar­

se­á falando em atuação ou intervenção do Estado no domínio econômico, conforme

entendimento doutrinário. Quanto a essa atuação no campo da atividade econômica, houve

83 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. p. 94. 84 GRAU, op.cit., 2004, p. 85. (grifo nosso)

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uma mudança fundamental do direcionamento jurídico em relação à posição do Estado, na

nova Ordem constitucional.

A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 170, traçou os parâmetros da Ordem

Jurídico­Econômica Brasileira, priorizando o fundamento da liberdade de iniciativa que,

por si só, limita a intervenção do Estado no domínio econômico, ao contrário da

Constituição de 1967 que preconizava uma atividade estatal supletiva da iniciativa privada,

justificando­se, naquele tempo, de forma ampla, a exploração direta da atividade

econômica pelo Estado.

Tratando da mudança de direcionamento da Constituição de 1967, alterada pela

Emenda n. 1 de 1969 (Art. 163), e da atual Constituição de 1988 (Art. 173), João Bosco

Leopoldino da Fonseca, faz o cotejo e conclui que:

Enquanto no texto de 1967­1969 se diz que “são facultados” a intervenção e o monopólio, o de 1988 determina que a exploração direta de atividade econômica pelo Estado “só será permitida”. Enquanto no primeiro caso há uma faculdade aberta ao Estado, no segundo existe uma proibição que permite exceções. 85

Tratando da “não­intervenção do Estado na ‘atividade econômica’, nos termos do

Art. 173 da vigente Constituição Federal”, Ruy de Jesus Marçal Carneiro observa que:

Com esse apontamento, numa interpretação do sistema constitucional, aliando o seu primeiro dispositivo, de forma mais genérica, àquele do seu Art. 170, que fala da “Ordem Econômica e Financeira”, particularizando­ a, observa­se com clareza que a intenção do legislador constituinte foi a de dar um novo viés às atividades produtivas no Brasil. De um lado, afastando o Estado­empresário, com todas as mazelas que carrega no seu corpo dinossáurico, parafraseando, neste ponto, o Embaixador Roberto Campos, e, de outro permitindo que a brasilidade, por intermédio dos seus empresários, possa fazer com que a Economia, mercê da “livre iniciativa”, bem como da “livre concorrência”, permita que o homem comum exercite a sua vocação nesse tão importante segmento social, que é a atividade empresarial. 86

85 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 98. (Grifo do autor). 86 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Reflexões sobre a Não­intervenção do Estado na “Atividade Econômica”, nos termos do Art. 173 da vigente Constituição Federal. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 143.

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Para se compreender melhor como se procede a exploração direta da atividade

econômica pelo Estado faz­se necessário, então, entender qual é o papel do Estado na

ordem econômica. E quem define esse papel são os Artigos 173 e 174 da CF/88.

O Estado pode explorar a atividade econômica somente em casos excepcionais de

relevante interesse coletivo e quando necessária aos imperativos da segurança nacional,

conforme preceitua o Art. 173 da CF/88, o qual abaixo se reproduz:

Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei. 87

Entretanto, a Constituição Federal de 1988 atribui competência à legislação

infraconstitucional para definir o que é “relevante interesse coletivo” e “imperativos da

segurança nacional”. Lei essa que ainda não foi aprovada e promulgada, portanto consiste

em uma norma constitucional de eficácia limitada ou, para quem classifica de forma

diversa, de eficácia relativa dependente de complementação legislativa.

No entanto, verifica­se que o termo “imperativos” subentende mandamento,

ordem ou exigência. Em face disso e de outros elementos significativos constantes da

Constituição Federal de 1988, percebe­se que o Legislador constituinte teve a intenção de

“proibir que o Estado atue como empresário”, afastando­o da atuação direta no âmbito da

economia, por exemplo, participando em empresas como acionista, pois é evidente a sua

ineficiência nesse campo.

Conseqüentemente, a participação acionária do Estado em empresas privadas a

partir da Constituição de 1988, implica logicamente em inconstitucionalidade. E, diante

dessa nova Ordem, presume­se que devem ser imediatamente transferidas para a iniciativa

privada todas as participações do Estado na “atividade econômica direta”. 88

Em relação ao Art. 174 da CF/88, verifica­se que foi atribuído ao Estado o papel

de “agente normativo e regulador da atividade econômica”, sendo que essas funções se

87 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 26 ed. Alexandre de Moraes (Org.). São Paulo: Atlas, 2006. p. 201. 88 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 101.

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corporificam na fiscalização, no incentivo e no planejamento. 89 Preceito esse determinante

para o setor público e somente indicativo para o setor privado.

Cabe ao Estado, a partir da Constituição Federal de 1988, somente as atividades

consideradas essenciais, como saúde, educação, seguridade social e assistência social, estas

não em caráter privativo. Acrescenta­se a essas atividades essenciais a segurança pública,

que seria privativa. Incumbe­se, também, na seara da economia, a relevante função de zelar

superiormente e garantir a eficácia dos princípios traçados no Art. 170 da CF/88, por meio

da fiscalização, do incentivo e do planejamento.

Relevante função repressora também foi atribuída ao Estado quanto ao combate

ao abuso do poder econômico, encartado no § 4º do Art. 173 da CF/88, que abaixo se

transcreve:

Art. 173, § 4º. A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros. 90

Considerando que o Estado contemporâneo (neoliberal) deve garantir e defender a

livre atuação das empresas no mercado, sem explorar diretamente a atividade econômica,

sendo excetuada a regra somente em casos excepcionais, deve­se ter uma contrapartida que lhe garanta controlar e limitar tal atuação quando abusiva. 91

Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira citando Ives Gandra da Silva Martins,

em seu Artigo “Função Social e Função Ética da Empresa”, tratando dos princípios

constitucionais informadores da ordem econômica, observa que:

Toda a ordem econômica está voltada a um liberalismo­social ou socialismo liberal, que, no dizer de Miguel Reale e Oscar Corrêa compõem a terceira via da economia moderna”. Ambos autores mostram que a economia de mercado, perfilada pelo constituinte de 1988, está temperada por valores sociais, ao ponto de os dois fundamentos maiores do Artigo 170 referirem­se, de um lado, à valorização do trabalho humano e, de outro, à livre iniciativa.

89 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, loc. cit. (grifo nosso) 90 BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 26 ed. Alexandre de Moraes (Org.). São Paulo: Atlas, 2006. p. 202. (Grifo nosso) 91 Grifo nosso.

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Esta última só é possível em face da livre concorrência (Art. 170, inciso IV) e está balizada por dois mecanismos de desvios, quais sejam, na ponta da produção e circulação de mercadorias e serviços, pelo controle do abuso do poder econômico (Art. 173, §4º, da C.F.), e na ponta do consumo, à proteção ao direito do consumidor (5º, inciso XXXII e 170, inciso V). 92

Portanto, fica claro que o controle do abuso do poder econômico pode ser

efetivado tanto no nascedouro da cadeia produtiva e da circulação de mercadorias e

serviços, como por exemplo, impedindo formação de monopólios, oligopólios,

monopsônios, oligopsônios, trustes, entre outros, e, na ponta do consumo, ou seja,

alcançando o destinatário final (consumidor) dessas mercadorias e serviços, a tutela do

Código de Defesa do Consumidor, por exemplo, ou combate a atividades nocivas como os

cartéis.

Nesse sentido, também, assevera Marcos Juruena Villela Souto que:

[...] o que se viu foi que, após o advento do constitucionalismo, o Estado tem, na Constituição, a legitimação, os limites e a finalidade do exercício do poder. Nesse passo, várias seriam as classificações que poderiam ser empregadas para os atos interventivos, mas, basicamente, a Constituição Federal de 1988 estabeleceu os seguintes instrumentos e mecanismos: Planejamento do desenvolvimento econômico – CF/88, Art. 174, § 1º. Incentivo (Fomento Público) – CF/88, Art. 174. Repressão ao abuso do poder econômico – CF/88, Art. 173, § 4º. Exploração direta da atividade econômica – CF/88, Art. 173” – conclui. Razão assiste a MARCOS JURUENA, devendo­se lembrar que, em qualquer das hipóteses, e de acordo com o texto constitucional de 1988, os limites da intervenção do Estado no Domínio Econômico deverão considerar os princípios estabelecidos no Art. 170, [...] 93 .

Na seara do Direito Administrativo Econômico lusitano, as atividades econômicas

das pessoas públicas (serviços públicos industriais e comerciais), segundo André de

Laubadère, seguem essencialmente uma ou outra de duas formas:

[...] a da gestão directa pelos agentes da colectividade pública (régie) e a concessão do serviço público a uma sociedade privada. Esta última

92 MARTINS, Ives Gandra da Silva. Scientia Júris. Revista do programa de Mestrado em Direito Negocial da UEL. Londrina: UEL, v. 7­8, p. 43, 2004. Apud FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Função Ética da Empresa. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 43. (Grifo do autor) 93 Apud DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico: Globalização & Constitucionalismo. Curitiba: Juruá, 1999. p. 85. (grifo nosso).

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modalidade (concessão de serviço púlico (sic)) é mesmo a única à qual se considera, nesta época, que as colectividades locais têm direito de recorrer. Uma terceira forma, a de instituto público (serviço público dotado de personalidade moral), existe também, mas é de uma utilização muito rara: é aplicada a uma das redes de caminho de ferro de interesse geral, a que o Estado resgatou em 1908 (tendo sido as outras cinco concedidas a companhias privadas) e teoricamente com autonomia própria segundo a lei de 5 de Janeiro de 1912 (mas esta lei não teve de facto qualquer aplicação). Quanto à formula da economia mista (tomada de participações públicas em sociedades de direito privado), é desconhecida. 94

Nessa função importantíssima de controle e limitação do abuso do poder

econômico, poder­se­á em algum momento ter presente a “colidência principiológica de

dois vetores constitucionais: a “livre iniciativa” e a “livre concorrência”. Em razão desse

fato, considerando os valores que permeiam ambos os princípios constitucionalmente

consagrados, segundo Ruy de Jesus Marçal Carneiro, “é dever do Estado estar atento

fiscalizando as condutas dos particulares e os caminhos trilhados pelas suas empresas”. O

mesmo autor complementa, ratificando o que foi dito, que no Brasil “tem­se a participação

ativa e diligente de um órgão do Poder Executivo, o qual se localiza no âmbito do

Ministério da justiça, que é o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE” 95 .

Inclusive, o referido autor menciona, como exemplo, o caso da aquisição da

KOLYNOS do Brasil S/A, atual KOLYNOS do Brasil Ltda., pela Colgate­Palmolive Company, em decorrência de negociação realizada no exterior, situação em que foi imposto

pelo CADE a suspensão e comercialização de creme dental voltado para o mercado interno

pelo prazo de quatro anos ininterruptos, a contar da aprovação do referido Conselho,

suspendendo, suplementarmente, além da comercialização, o uso de quaisquer materiais de

embalagem, propaganda e promoção relacionado à marca “creme dental KOLYNOS”. 96

Portanto, nesse caso citado, respeitou­se integralmente a determinação

constitucional do § 4º do Art. 173, da CF/88, a qual preconiza que: “A lei reprimirá o

94 LAUBADÈRE, André de; Tradução e notas de Maria Teresa Costa. Direito Público Econômico. Coimbra: Almedina, 1985. p. 37­38. 95 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Reflexões sobre a Não­intervenção do Estado na “Atividade Econômica”, nos termos do Art. 173 da vigente Constituição Federal. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 143. (Grifo nosso). 96 CARNEIRO, 2004, Idem, ibidem, p. 144­146.

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abuso do poder econômico que vise a dominação dos mercados, à eliminação da

concorrência e o aumento arbitrário dos lucros” . 97

Compreende­se, com esse procedimento, que o Estado, mesmo estando fora da

exploração da “atividade econômica”, não pode estar alheio às determinações da

Constituição Federal, que o obriga a tutelar o interesse público, evitando­se que o

administrado fique à mercê da selvageria do mercado e do capital. 98

Dessa forma, conclui­se que a Constituição Federal de 1988 não permite que o

Poder Público (União, Estados, DF, Municípios) explore a atividade econômica

objetivando lucro, que é o escopo de qualquer negócio econômico, sob pena de transgredir

as regras constitucionais a que deve respeito, até mesmo antes do particular, conforme

preconiza o princípio da legalidade, prevista no Art. 37, caput, da CF/88.

De acordo com o que foi explicitado no intróito desta seção, o Poder Público

somente explorará a atividade econômica, em casos excepcionais de relevante interesse

coletivo ou quando necessária aos imperativos da segurança nacional, conforme definido

em lei (Art. 173 da CF/88) que ainda não foi promulgada, tratando­se de norma

constitucional de eficácia limitada ou dependente de complementação.

Preenchidos esses requisitos, se o Poder Público for explorar a atividade

econômica, deverá fazê­la nos termos do Art. 173, § 1º, II, ou seja, sujeitando­se ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários. 99 Portanto, não terá quaisquer privilégios em relação às empresas privadas, para não angustiar e sufocar a iniciativa privada e para prestigiar o

princípio da livre concorrência e da isonomia.

Essa exploração da atividade econômica, em caráter excepcional, deverá ser feita

por meio de entidades próprias denominadas empresas públicas ou sociedades de economia

mista, previstas no Decreto­Lei nº. 200/67 e Decreto­Lei nº. 900/69, que tratam da

organização da Administração Federal.

97 Grifo nosso. 98 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Reflexões sobre a Não­intervenção do Estado na “Atividade Econômica”, nos termos do Art. 173 da vigente Constituição Federal. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 146. 99 Grifo nosso.

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A empresa pública, prevista no Art. 5º, inciso I, é “dotada de personalidade

jurídica de direito privado, com patrimônio próprio e capital exclusivo da União” e a

sociedade de economia mista, prevista no Art. 5º, inciso III, trata de “entidade dotada de

personalidade jurídica de direito privado, criada por lei, sob a forma de sociedade anônima,

cujas ações com direito a voto pertençam, em sua maioria, à União ou a entidade da

administração direta”. Ambas destinam­se à exploração da atividade econômica que o

Governo (da União) seja levado a exercer por força de contingência ou de conveniência

administrativa, podendo revestir­se de qualquer uma das formas admitidas em direito.

Verifica­se que essa possibilidade restringe­se somente à União.

Além de ter o mesmo tratamento das empresas do setor privado, as empresas

públicas e sociedades de economia mista, segundo Ruy de Jesus Marçal Carneiro, devem

obedecer aos princípios encartados no caput do Art. 37 da CF/88 (legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência), devem ser criadas por lei específica

que defina as áreas de atuação (Art. 37, XIX, da CF/88) e tem ainda em seu desfavor:

[...] a obrigação legal de que os seus empregados, posto que estão elas submetidas às relações trabalhistas, devam ser recrutados por meio de concursos públicos, que é o que não acontece com suas concorrentes; devem adquirir bens e serviços pelos procedimentos licitatórios, sempre custosos quanto ao tempo em que se desenvolvem, manietando tais entes da administração indireta federal e, por conta disso, dificultando o seu processo concorrencial perante os demais que trabalham no mesmo campo de atividade. Grosso modo, poder­se­á lembrar, à guisa de registro, as dificuldades dos bancos estatais – Banco do Brasil S.A., por exemplo – na sua lida diária com os conglomerados particulares. 100

Portanto, no entender do citado autor, as empresas públicas e sociedade de

economia mista, quando da exploração da atividade econômica, deve ter o tratamento

isonômico ao dado às empresas da iniciativa privada, mas devem, também, obedecer às

rígidas exigências das normas aplicadas à Administração Pública, como o concurso

público, observação ao procedimento licitatório e aos princípios que norteiam as atividades

administrativas. Desse modo, é fácil compreender que tais empresas estatais têm muitas

desvantagens em relação às suas concorrentes do setor privado.

100 CARNEIRO, Ruy de Jesus Marçal. Reflexões sobre a Não­intervenção do Estado na “Atividade Econômica”, nos termos do Art. 173 da vigente Constituição Federal. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 149.

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É oportuno trazer à baila o conceito de Hely Lopes Meirelles sobre sociedade de

economia mista:

As sociedades de economia mista são pessoas jurídicas de Direito Privado, com participação do Poder Público e de particulares no seu capital e na sua administração, para a realização de atividade econômica ou serviço de interesse coletivo outorgado pelo Estado. Revestem a forma das empresas particulares, admitem lucros, e regem­se pelas normas das sociedades mercantis, com as adaptações impostas pelas leis que autorizarem a sua criação e funcionamento. São entidades que integram a Administração indireta do Estado, como instrumentos de descentralização de seus serviços (em sentido amplo: serviços, obras, atividades). 101

Compreende­se, então, que sociedade de economia mista é uma empresa de

capital público e particular, com direção estatal e personalidade jurídica de direito privado.

Deve ter forma de sociedade anônima, com a maioria de ações votantes nas mãos do Poder

Público. Exemplos: Petrobrás, Banco do Brasil e outras.

Atualmente, as sociedades de economia mista não se sujeitam à falência. Apesar

de a Lei nº. 10.303/2001 ter revogado o Art. 242 da Lei das S/A. (Lei nº. 6.404/76), que

impedia a falência destas sociedades, a nova Lei de Falências (Lei nº. 11.101/2005) as

exclui expressamente (Art. 2º, I), tornando aporética a questão.

Como instrumento de descentralização de atividades ou serviços públicos ou de

interesse coletivo, a sociedade de economia mista tanto pode ser instituída pela União

como pelos Estados­membros e municípios. No âmbito federal, a sua instituição observa o

disposto no Decreto­Lei nº. 200/67, com as alterações procedidas pelo Decreto­Lei nº.

900/69; na área estadual e municipal, as normas administrativas para sua criação ficam a

cargo das respectivas entidades estatais.

Tratando das empresas públicas, para o mesmo autor:

Empresas públicas são pessoas jurídicas de Direito Privado, instituídas pelo Poder Público mediante autorização de lei específica, com capital exclusivamente público, para a prestação de serviço público ou a realização de atividade econômica de relevante interesse coletivo, nos

101 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 355­356.

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moldes da iniciativa particular, podendo revestir qualquer forma e organização empresarial. 102

É uma empresa de capital inteiramente público, dedicada às atividades

econômicas, tendo, porém, personalidade jurídica de direito privado. Exemplos: Embrapa,

Correios, Caixa Econômica Federal, e outras.

Quanto à criação de empresas públicas pelos Estados e Municípios, a Constituição

Federal de 1988 outorga competência a eles para organizar os seus próprios serviços (Art.

25, §§ 2º e 3º). Tais entes públicos podem criar os instrumentos necessários à execução de

seus serviços, por meios centralizados ou descentralizados, desde que respeitem as normas

constitucionais.

Enveredando­se pelo Direito comparado, em Portugal, como no Brasil, as

intervenções das pessoas públicas na economia ocorrem de forma relativamente

excepcionais e pouco diversificadas. No entanto, as atividades econômicas das pessoas

públicas podem revestir­se de outras formas, sendo bastante desenvolvidas e nada

excepcionais, como as concessões de serviços públicos industriais e comerciais ou

celebração de contratos com objeto igualmente econômicos, por exemplo: mercados de

obras públicas (empreitadas) e contratos de fornecimento contínuo. 103

Destarte, a exploração direta da atividade econômica pelo Estado constitui­se em

uma das formas de atuação deste no domínio econômico e regula­se pelo Art. 173 da

CF/88, podendo atuar no setor da iniciativa privada somente quando evidente os

imperativos da segurança nacional e quando for caso de relevante interesse coletivo,

requisitos esses ainda não definidos em lei.

A regra é que o Estado não pode explorar diretamente a atividade econômica, pois

não é essa a sua função precípua. Além dessa forma de atuação no domínio econômico, o

Estado age também, na forma de intervenção, como agente normativo e regulador da

atividade econômica, fiscalizando, incentivando e planejando tais atividades e, por fim,

deve reprimir o abuso do poder econômico.

102 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 352. 103 LAUBADÈRE, André de. Tradução e notas de Maria Teresa Costa. Direito Público Econômico. Coimbra: Almedina, 1985. p. 38.

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Portanto, quando o Estado não explorar diretamente a atividade econômica, deve

ele atuar como agente normativo e regulador, ou seja, “o Estado exercerá, na forma da lei,

as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor

público e indicativo para o setor privado” (Art. 174 da CF/88). Evidente está que, neste

caso, o Estado age munido do poder de polícia para intervir na atuação do particular

concessionário, permissionário ou autorizatário.

Fica claro, portanto, que jamais poder­se­á confundir a exploração direta da

atividade econômica com a prestação, direta ou indireta, do serviço público pelo Estado,

que será estudado adiante, porquanto a primeira caracteriza­se forma de atuação ou

intervenção do Estado no domínio econômico e a segunda constitui­se objeto primordial da

função estatal.

2.1.1 Da Ordem Econômica na Constituição Federal de 1988

A base constitucional do sistema econômico encontra­se no Art. 170 da

Constituição Federal de 1988, que consagra uma economia de livre mercado, ou seja,

capitalista. Entretanto, não deixou de consignar em seu texto que a ordem econômica

brasileira confere prioridade também aos valores do trabalho humano.

Conforme já foi estudado na primeira seção deste trabalho, no que tange à

valorização do trabalho humano e a iniciativa privada, José Afonso da Silva corrobora que

a Constituição consagra uma economia de mercado de natureza capitalista, porque a livre

iniciativa é um princípio básico dessa ordem. No entanto, embora capitalista, a ordem

econômica dá prioridade aos valores do trabalho humano sobre todos os demais valores da

economia de mercado. 104

Importa ressaltar que o texto constitucional, no seu Art. 1º, IV, indica como

fundamento da República Federativa do Brasil o valor social do trabalho; de outra parte, no Art. 170, caput, afirma o dever de a ordem econômica estar fundada na valorização do trabalho humano, nesse sentido, a expressão trabalho diz respeito ao fator social da produção. Na lição de Nagib Slaib Filho:

104 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 788.

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O trabalho está muito além da necessidade econômica de suprir as necessidades materiais – é uma necessidade psicológica, inerente à natureza humana e ao instinto de autopreservação e progresso pessoal, pois é pelo trabalho que o homem projeta a força de seu espírito no mundo exterior. 105

Outrossim, o Art. 170, caput, prevê expressamente que a ordem econômica tem por fim assegurar a todos existência digna, “conforme os ditames da justiça social”. Porém, não será tarefa fácil num sistema de base capitalista efetivar esse princípio, pois só se vive

dignamente e se faz justiça social mediante eqüitativa distribuição de riqueza.

A Constituição Federal de 1988 dá à justiça social um conteúdo preciso.

Preordena alguns princípios da ordem econômica e faz acreditar que o capitalismo

concebido possa se humanizar. Para que isso ocorra é essencial a atuação do Estado nesse

sentido e, sobre esse assunto, Thiago Degelo Vinha e Maria de Fátima Ribeiro observam

que:

O Estado é um ente criado para o atendimento do bem comum em prol de toda a sociedade que o constituiu. Dentre os principais valores pretendidos pela sociedade brasileira, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, a valorização do trabalho e a livre iniciativa encontram­se no topo da hierarquia dos valores preconizados pelo Estado. 106

Ao tratar da ordem econômica, apesar de não estar previsto no Art. 170 da CF/88,

é primordial observar um dos fundamentos do Estado brasileiro, a dignidade da pessoa humana, prevista no inciso III, do Art. 1º, da CF/88, que se aplica sistematicamente àquela ordem, funcionando como uma referência constitucional unificadora dos direitos

fundamentais inerentes à espécie humana, ou seja, daqueles direitos que visam garantir o

conforto existencial das pessoas, protegendo­as de sofrimentos evitáveis na esfera social.

Sobre esse fundamento, Eros Roberto Grau anota que:

A dignidade da pessoa humana assume a mais pronunciada relevância, visto comprometer todo o exercício da atividade econômica em sentido amplo – e em especial, o exercício da atividade econômica em sentido estrito – com o programa de promoção da existência digna, de que repito, todos devem gozar. Daí porque se encontram constitucionalmente

105 SLAIBI FILHO, Nagib. Direito Constitucional. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 872. 106 VINHA, Thiago Degelo; RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos Sócio­Econômicos dos Tributos e sua Utilização como Instrumento de Políticas Governamentais. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 75.

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empenhados na realização desse programa – dessa política pública maior – tanto o setor público quanto o setor privado. Logo, o exercício de qualquer parcela da atividade econômica de modo não adequado àquela promoção expressará violação duplamente contemplado na Constituição. 107

Quanto à liberdade de iniciativa, tanto mencionada no Art. 1º, IV, quanto no Art.

170, caput, a Constituição deu­lhe um sentido amplo, compreendendo não apenas a liberdade econômica, ou a liberdade de desenvolvimento de empresas, mas englobando

todas as demais formas de organização econômica, individuais ou coletivas. Nesse sentido

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, apud André Ramos Tavares, preleciona que:

A consagração da liberdade de iniciativa, como primeira das bases da ordem econômica e social, significa que é através da atividade socialmente útil a que se dedicam livremente os indivíduos segundo suas inclinações, que se procurará a realização da justiça social e, portanto, do bem estar social. 108

A consagração da liberdade de iniciativa, como primeira das bases da ordem

econômica e social, significa que é através da atividade socialmente útil a que se dedicam

livremente os indivíduos segundo suas inclinações, que se procurará a realização da justiça

social e, portanto, do bem­estar social.

Sobre o assunto, no entender de Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira:

A Constituição Federal garante à empresa a livre iniciativa, temperada pelos limites da ordem constitucional. Assim, a livre iniciativa é significante de estar livre para entrar no mercado e, exercer livremente suas atividades, respeitados os limites funcionais. A livre iniciativa, contudo, segue criticada por aqueles que vêem a retomada do neoliberalismo capitalista e, por via de conseqüência, o individualismo. Ainda que os comandos constitucionais indiquem limitações, como as apontadas, cabe o registro de descrédito em relação ao Estado, que não consegue “assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os princípios da livre concorrência e da defesa do consumidor. (Art. 170, IV e V). 109

107 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 181. 108 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 247. 109 FERREIRA, Jussara Suzi Assis Borges Nasser. Função Social e Função Ética da Empresa. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 44.

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Em síntese, a liberdade de iniciativa no campo econômico é constituída pela

liberdade de trabalho, pressupondo liberdade de exercer as mais diversas profissões e de

empreender, inclusive com liberdade de associação e com respeito ao direito de

propriedade, a liberdade de contratar e de comerciar, segundo André Ramos Tavares. 110

Portanto, a livre iniciativa é o princípio básico do liberalismo econômico e, nesse

contexto, garante a possibilidade de autodirecionamento econômico dos particulares, mas

impõe também a necessidade de se submeter às limitações impostas pelo Poder Público,

quando for o caso. É a liberdade balizada pela lei, conforme preceitua o parágrafo único do

Art. 170 da CF/88: “É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade

econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos

previstos em lei”. 111

Para Celso Ribeiro Bastos, apud André Ramos Tavares: “o importante, contudo, é notar que a regra é a liberdade. Qualquer restrição a esta terá que decorrer da própria

Constituição ou de leis editadas com fundamento nela”. 112

Portanto, não pode o cidadão ser preterido em sua liberdade ou ser ela restringida

sem que tenha norma expressa nesse sentido.

Não menos importante são os outros princípios elencados nos incisos do Art. 170

da CF/88, como o da soberania nacional, essencial para a existência do País; da

propriedade privada e sua função social, como valor social relativo; da defesa do

consumidor, como instrumento de combate ao abuso do poder econômico no final da

cadeia produtiva; da defesa do meio ambiente, como precípuo valor social; da busca do

pleno emprego e do tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas

sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no país, como forma de

diminuir as desigualdades e garantir o incentivo e o planejamento das atividades

econômicas.

Quanto aos objetivos da República Federativa do Brasil, é importante ressaltar a

busca da erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e

110 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 250. 111 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 26 ed. Alexandre de Moraes (Org.). São Paulo: Atlas, 2006, p. 200. 112 TAVARES, 2003, op. cit., p. 252.

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regionais, sem a implementação dos quais não há possibilidade de se cumprir o princípio

da isonomia e alcançar a justiça social.

Justiça social esta que, segundo Oscar Dias Corrêa:

[...] implica melhoria das condições de repartição de bens, diminuição das desigualdades sociais, com a ascensão das classes menos favorecidas. Não é objetivo alcance sem contínuo esforço, que atinja a própria ordem econômica e seus beneficiários. 113

Destarte, conforme foi ressaltado, no Art. 170, caput, o legislador constituinte consignou como o escopo da ordem econômica assegurar a todos existência digna,

conforme os ditames da justiça social, que somente se realiza por meio de eqüitativa distribuição da riqueza, em observância aos princípios constitucionais. 114

Observou­se que, malgrado o país viver um modelo de Estado neoliberal e os

efeitos da globalização, alguns princípios relevantíssimos foram prestigiados pelo

Legislador constituinte, como o da livre iniciativa, erigido também como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito e princípio constitucional da Ordem

econômica e financeira, pretendendo que o particular, alicerçado na sua livre iniciativa,

fosse o principal agente responsável pelo desenvolvimento da “atividade econômica”. 115

Por esse princípio, prestigiou­se a criatividade e a liberdade de se estabelecer, visando a incrementação da economia nacional para o bem da coletividade. No entanto,

limitou­se o abuso do poder econômico para se respeitar a livre concorrência, que é o direito de se manter na exploração da atividade econômica, em benefício do

desenvolvimento econômico. 116

Nesse sentido, preceitua o § 4º do Art. 173 da CF/88 que “a lei reprimirá o abuso

do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e

ao aumento arbitrário dos lucros”. 117

113 Apud TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 252. 114 Grifo nosso. 115 Grifo nosso. 116 Grifo nosso. 117 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 26 ed. Alexandre de Moraes (Org.). São Paulo: Atlas, 2006, p. 202.

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A própria Constituição Federal de 1988, em seu Art. 174, preconiza que quando o

Estado não explorar diretamente a atividade econômica, deve ele atuar como agente

normativo e regulador, ou seja, “o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de

fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e

indicativo para o setor privado”.

Tutelou­se, também, a dignidade da pessoa humana como pressuposto básico de todo o ordenamento jurídico e fundamento do Estado Democrático de Direito e da

República Federativa do Brasil. 118

2.2 PRIVATIZAÇÃO E DESESTATIZAÇÃO

Conceituar “privatização” não é uma tarefa fácil, segundo asseveram os

estudiosos do assunto. A amplitude do conceito começa por força da interdisciplinaridade

do instituto, envolvendo a Ciência da Administração, Ciência Política, Ciências

Econômicas e Direito. A este último, cabe analisar a viabilidade jurídica e a disciplina legal

da matéria.

O conceito de privatização, em sentido amplo, implica “[...] redefinir o âmbito

próprio do Estado, mudar suas antigas por novas fronteiras, mediante uma revitalização das

liberdades econômicas dos indivíduos” 119 , ou seja, são as medidas adotadas com o objetivo

de diminuir o tamanho do Estado 120 , que, na concepção de Maria Sylvia Zanella Di Pietro,

compreendem, fundamentalmente:

a. a desregulação (diminuição da intervenção do Estado no domínio econômico); b. a desmonopolização de atividades econômicas; c. a venda de ações de empresas estatais ao setor privado (desnacionalização ou desestatização); d. a concessão de serviços públicos (com a devolução da qualidade de concessionário à empresa privada e não mais a empresas estatais, como vinha ocorrendo); e. os contracting out (como forma pela qual a Administração Pública celebra acordos de variados tipos para buscar a colaboração do setor privado, podendo­se mencionar, como exemplos, os convênios e os

118 Grifo nosso. 119 ESPIL, Jorge A. Aja, em prólogo à obra de Juan Carlos Cassagne apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­ Privada e outras Formas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 23. 120 Grifo nosso.

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contratos de obras e prestação de serviços); é nessa última fórmula que entra o instituto da terceirização. 121

Ainda em sentido amplo, Jaime Rodriguez­Arana conceitua privatização:

[...] como um conjunto de decisões que compreendem, em sentido estrito, quatro tipos de atividades. Primeiro, a desregulação ou liberação de determinados setores econômicos. Segundo, a transferência de propriedade de ativos, seja através de ações, bens etc. Terceiro, promoção da prestação e gestão privada de serviços públicos. E, quarto, a introdução de mecanismos e procedimentos de gestão privada no marco das empresas e demais entidades públicas. 122

Para Marcos Juruema Villela Souto é “a mera alienação de direitos que assegurem

ao Poder Público, diretamente ou através de controladas, preponderância nas deliberações

sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade”. Entende, portanto,

que “privatiza­se o que não dever permanecer com o Estado, quer por violar o princípio da

livre iniciativa (CF/88, Art. 173), quer por contrariar o princípio da economicidade (CF/88,

Art. 170)”. 123

Nesse sentido, privatização é a transferência das empresas de propriedade do

Estado e atividades por ele exercidas para o setor privado, obedecendo às mais variadas

formas de transferência do capital aos particulares. Ainda sobre o assunto, Marcos Juruema

Villela Souto complementa o conceito asseverando:

[...] que as técnicas propriamente ditas de privatização são muito variadas; “assim, podemos encontrar operações com finalidade privatizadora, como o ‘desinvestimento’, o fomento do abandono do auxílio público, a remoção de monopólios para permitir o crescimento da competência ou, se se quer, a promoção de instituições alternativas. 124

Foi, inclusive, conforme leciona Agustín Gordillo, in: Tratado de Derecho

Administrativo, o que ocorreu na Argentina, após o processo de nacionalização que se deu

121 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 23­24. (Grifo do autor). 122 Apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 23­24. 123 SOUTO, Marcos Juruema villela. Desestatização, concessões e Terceirizações. In; DANTAS, Ivo. Direito Constitucional Econômico. Globalização & Constitucionalismo. Curitiba: Juruá, 1999, p. 163. 124 SOUTO, op. cit., p. 162. (Grifo nosso).

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na metade do século XX, decorrente da insatisfação com o poder dos prestadores privados

de constituir monopólios, a pouca capacidade do Estado para lhes impor limites e a

obsoleta teoria econômica local, quando houve um ”desinvestimento” progressivo e geral

nos serviços públicos, com uma impossibilidade de reverter à tendência quando o

endividamento do Estado adquiriu níveis crônicos”. 125

Francisco José Villar Rojas, também, adota um conceito amplo abarcando uma

infinidade de iniciativas governamentais dirigidas, em princípio, “[...] a incrementar o

papel do setor privado e, paralelamente, a reduzir o intervencionismo estatal na economia

[...]” e finaliza com o seguinte conceito: “ a redução da atividade pública na produção e distribuição de bens e serviços, mediante a passagem (por vezes, a devolução) dessa função para a iniciativa privada” . Rojas também inclui como técnicas de privatização:

a. a desnacionalização, entendida como a venda de bens e empresas públicas; b. a contratação de serviços e atividades antes geridos diretamente; c. a desregulação, que supõe a redução do intervencionismo nas atividades econômicas privadas, em especial, a ruptura e desaparecimento dos monopólios; d. a substituição dos impostos por preços e tarifas a cargo dos consumidores e usuários, como modo de financiamento dos serviços públicos. 126

Relevante também são as lições de Carlos Menem e Roberto Dromi, citados por

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, quando asseveram que “privatizar é também

desburocratizar” e “Desburocratizar é lograr que a comunidade empresarial gere os

projetos de obras públicas, analise sua rentabilidade, decida a inversão de capitais de

risco”, propiciando o investimento de estrangeiros.

Nesse caso, é o Estado que decide e controla formando um campo de

intermediação entre os distintos setores sociais e, nesse escopo, segundo os Autores acima

citados, “[...] se dispõe a transferir bens; constituir, transformar, extinguir, fundir

sociedades e reformar estatutos; dissolver entidades; renegociar contratos; conceder ou

125 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo: La defensa del usuário y del administrado. 6 ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003. Tomo 2. p. VI­3. 126 RIJAS, José Villar apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 23­24. (grifo do autor).

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ajustar benefícios tributários; autorizar suspensões, quitações, adiamentos, remissões de

créditos ou assumir passivos das empresas”. 127

Nota­se, portanto, que não é possível restringir o conceito de privatização, mas

estudá­lo em sentido amplo ou num “processo em aberto”, pois “assume diferentes formas,

todas amoldando­se ao objetivo de reduzir o tamanho do Estado e fortalecer a iniciativa

privada e os modos privados de gestão dos serviços públicos”. 128

Corroborando essa idéia de que [...] “a privatização é um conceito em aberto,

constata­se o surgimento de novas formas de parceria, como os contratos de gestão com as

chamadas organizações sociais e, agora, as parcerias público­privadas. 129 O que se vê atualmente é uma privatização de atividades estatais e uma fuga crescente do direito

administrativo, evitando suas fórmulas rígidas tradicionais e a migração para o direito

privado, que passa a ser aplicado conjuntamente com o direito administrativo ficando a

meio caminho entre o público e o privado.

Há um conceito mais restrito, que açambarca apenas a transferência de ativos ou

de ações de empresas estatais para o setor privado, prevista na Lei nº. 9.491/97. O conceito

em sentido estrito, também pode ser singelo: “é a alienação de empresas estatais, onde o

Estado perde a titularidade”. 130

Ilustrando o referido assunto, enveredando­se pelo Direito comparado francês,

colaciona­se o conceito de Jean­Philippe Colson, em “Droit Public Économique”:

La notion de privatisation peut être entendue de bien dês manières, selon que l’on retient seulement l’aspect patrimonial de l’opération qui implique um transfert majoritaire de la propriété d’une entreprise publique vers lê secteur prive, ou que l1on englobe lês multiples techniques permettant d’écarter de la gestion d’une enterprise les contraintes habituellement liées à son appurtenance au secteur public. 131

127 MENEM, Carlos; DROMI, Roberto; apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25. 128 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5 ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 25. 129 DI PIETRO, 2005, op. Cit., loc. Cit. 130 DI PIETRO, 2005, op. cit., loc. cit. 131 COLSON, Jean­Philippe. Droit Public Économique. 3 ed. Paris: L.G.D.J., 2001. A noção de privatização pode ser entendida de muitas maneiras, dependendo se retivermos apenas o aspecto patrimonial da operação que implica uma transferência majoritária da propriedade de uma empresa pública para o setor privado, ou se englobarmos as múltiplas técnicas que permitem afastar da gestão de uma empresa as obrigações [exigências/dificuldades] habitualmente ligadas à sua pertença ao setor público [...].

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Verifica­se, portanto, uma semelhança do conceito de privatização do autor

francês com os conceitos dos autores brasileiros.

Indubitavelmente, é mais profícuo o conceito amplo, pois açambarca todas as

técnicas possíveis, no escopo de reduzir a atuação estatal e prestigiar a iniciativa privada, a

liberdade de competição e os modos privados de gestão das atividades sociais e das

atividades econômicas a cargo do Estado.

Destarte, a concessão de serviços e de obras públicas e os vários modos de

parceria com o setor privado, inclusive a parceria público­privada, constituem formas de privatizar, bem como a própria desburocratização necessária para algumas atividades da

Administração Pública também constituiria um instrumento de privatização. 132

2.2.1 A Pr ivatização disseminada mundialmente

Compreendido o conceito de “privatização” em sentido amplo e restrito, faz­se

necessário conhecer o processo de privatização desencadeado mundialmente após a

nacionalização e estatização dos países na era do Estado Social. Época esta em que este

Estado assume atividades puramente produtoras de bens e prestadoras de serviços sociais,

causando uma crise decorrente dessa assunção exagerada de atividades e da dificuldade de

prestá­las satisfatoriamente à população.

A solução apresentada à época foi a privatização das entidades componentes da administração indireta que foram criadas no modelo social, provocando consequentemente

a desestatização. 133

A privatização foi uma tendência mundial, iniciando­se na Inglaterra, durante o

governo da Primeira Ministra Margaret Thatcher e expandindo­se pelos Estados Unidos,

que era governado por Ronald Reagan, pela Europa e, posteriormente, pela América

Latina. Segundo Paulo Roberto Ferreira, “privatizar e reformar o Estado eram as palavras

de ordem em todas as nações do mundo”. 134

132 Grifo nosso. 133 Grifo nosso. 134 Apud SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estado Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. S.1.:s.n., 2004, p. 207­224.

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Ou seja, o movimento pela privatização encontra eco em todo o mundo. Desde os

países antes tidos como capitalistas ou neocapitalistas, até os países de corrente socialista,

todos defendem a limitação do Estado, a sua contenção no âmbito da atuação como agente

normativo e regulador, sem o absenteísmo característico do período liberal.

A privatização, como fenômeno mundial, não pode ser entendida como obra de

um novo governo, mas é a nova orientação de nível constitucional, além de ser também, reitere­se, o eco de um movimento mundial.

João Bosco Leopoldino da Fonseca, sobre o assunto, assevera que:

A comunidade mundial vive hoje um momento de recuo do Estado, que sente a necessidade de incentivar e estimular a iniciativa privada, vive e concretiza a conveniência de o Estado não atuar diretamente no domínio econômico, a imperatividade de o Estado não explorar diretamente a atividade econômica. A atuação estatal vê­se, conseqüentemente, limitada à esfera normativa e reguladora da atividade econômica. 135

Sobre esse fenômeno da privatização, o autor francês Jean­Philippe Colson, in “Droit Public Économique”, explica que a privatização teve seu início em 1974 no Chile,

quando o governo do general Pinochet decidiu restituir a seus antigos proprietários, as

empresas nacionalizadas pelo governo socialista de Allende. 136

As privatizações conheceram em seguida uma amplitude internacional

considerável. Até 1984, esse movimento conglomerava apenas uns doze países, entre os

quais, figurava em primeiro lugar, a Inglaterra do governo conservador da Rainha Margaret

Tatcher, como foi explicitado anteriormente.

O programa britânico de privatização, lançado em 1979, foi considerado por

muito tempo como o mais sistemático e o mais completo, tanto pela diversidade quanto

pelo tamanho das empresas envolvidas. Tendo por primeira operação a firma “British

Pertroleum”, esse programa já comportava, em 1984, umas doze companhias privatizadas

por um montante de cerca de 8 bilhões de libras. Um ano mais tarde, em 1985, o número

de países que recorreram às privatizações tinha quase dobrado. 137

135 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, loc. cit. 136 COLSON, Jean­Philippe. Droit Public Économique. 3 ed. Paris: L.G.D.J., 2001, p. 143. 137 COLSON, 2001, loc. cit.

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De 1985 a 1995, o montante total das privatizações na Europa atingiu 186 bilhões

de dólares e no período de 1995­2000, a estimativa girava em torno de 250 a 300 bilhões

de dólares. A Grã­Bretanha prossegue sua política de privatizações. 138

Desde 1996, a Itália terminou a privatização de sua siderurgia e começou as do

gigante petroleiro ENI, das telecomunicações e da eletricidade. A partir de 1997, a

Alemanha acelerou seu programa com as operações, concernindo Lufthansa, Deutsche

Telekom, Deutsche Post (que entraram na Bolsa de Francfort). Ela inicia agora a de suas

estradas de ferro, entre outras. 139

Desde os anos 1980, o movimento de privatização ganhou também, fora da

Europa, a maior parte dos países.

A privatização, inicialmente, foi limitada a alguns países (Grã­Bretanha e

Quebec), mas foi difundindo e cada vez mais observada. É o caso nos antigos países

comunistas, doravante convertidos ao liberalismo econômico.

Fato interessante é que, desde sua fundação (1º de julho de 1990) até seu

desaparecimento (31 de dezembro de 1994), a “Treuhandanstalt” conduziu um programa

de privatizações de cerca de 10.000 empresas dos antigos complexos da Alemanha do

Leste, por um custo superior a 2.000 bilhões de francos. Essa privatização foi

acompanhada da liquidação de um bom número de sociedades da ex­Alemanha do Leste e

do desaparecimento de mais dos 2/3 dos 4,5 milhões de empregos assalariados dessas

sociedades. 140

Desde o começo dos anos 1990, as privatizações caminharam depressa em todos

os países do Leste. A Polônia adotou uma lei de privatização desde 13 de julho de 1990. A

Romênia anunciou em 1995, a privatização de 4 000 de suas 14 0000 sociedades públicas e

o movimento prossegue desde então. A Rússia, que tinha por sua parte privatizado 60.000

empresas em 1993, começou em 1997 a privatização de “Svyazinvest”, o gigante das

telecomunicações. A China, enfim, reforma seu enorme setor industrial público sob o

vocábulo ambíguo de economia socialista de mercado. 141

138 COLSON, Jean­Philippe. Droit Public Économique. 3 ed. Paris: L.G.D.J., 2001, p. 143. 139 COLSON, 2001, loc. cit. 140 COLSON, 2001, Idem, ibidem, p. 144. 141 COLSON, 2001, Idem, ibidem, p. 145.

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Esse recurso sistemático às políticas de privatização pode, também, ser observado

em um grande número de países do Terceiro Mundo. Neles, as privatizações se tornaram

um elemento dos programas de ajuste estrutural impostos pelo F.M.I. Sob a pressão deste

último, países que, como a Turquia ou a Costa do Marfim, já tinham lançado privatizações

nos anos oitenta, as aceleraram.

Outros se juntaram a eles: o Egito, a Tunísia, a Índia, o México, entre outros. O

Marrocos, por exemplo, começou no início dos anos 1990 um programa de privatização de

112 empresas ou estabelecimentos hoteleiros que interessavam a 40 000 assalariados. 142

Em muitos desses países, o pequeno tamanho do mercado financeiro nacional não

permitia contar com um desenvolvimento rápido da sociedade de acionistas privada local.

As políticas de privatizações, então, desencadeiam neles uma internacionalização e uma

tomada de controle estrangeira das firmas privatizadas.

As causas do movimento de privatizações são múltiplas, no entanto, Jean­Philippe

Colson resume a três: econômicas, jurídicas e políticas.

As econômicas são as principais, pois o escopo é sempre economizar, buscar

receitas e aliviar o endividamento, reduzindo a carga do setor público industrial. Para

conseguir essa economia, a primeira providência é reduzir despesas públicas. Uma das

formas mais eficazes é não conceder às empresas privatizadas as subvenções de equilíbrio

que normalmente o governo tem de pagar a certas empresas públicas deficitárias.

É preciso, ainda, que essa economia não seja anulada pelas despesas diretas ou

indiretas ligadas à privatização. Por exemplo, as operações de recapitalização das firmas

privatizáveis e os encargos públicos ligados à implantação de planos sociais que podem

implicar em grande número de pessoas dispensadas de seu emprego. De outra forma,

acontece que certas empresas, apesar de privatizadas, continuam a receber certas ajudas do

Estado.

A realização de receitas é inegável, mas ela se produz uma única vez, como

ocorreu com as receitas oriundas das estatais privatizadas no Brasil. Nesse caso, convém

assegurar que o preço de venda da empresa, permanecendo sempre atrativa para os

142 COLSON, Jean­Philippe. Droit Public Économique. 3 ed. Paris: L.G.D.J., 2001, p. 145.

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investidores, não se faça em detrimento das finanças públicas (e logo, dos contribuintes),

pela baixa estimativa do valor da empresa pública vendida ao setor privado.

A economia esperada da gestão das empresas privatizadas repousa, quanto a essa

gestão, sobre um postulado que não é necessariamente sempre verificado e deixa intacta a

questão da manutenção do serviço público do qual a empresa tinha eventualmente a

responsabilidade.

De uma maneira geral, a necessidade de adaptação à concorrência explica o

recurso às privatizações. Assim, muitas privatizações francesas se tornaram necessárias

pela reestruturação européia de seu setor: é o caso da defesa e da aeronáutica (Thomson,

CSF, Aérospatiale). Mas, essas exigências podem, também, levar apenas a aberturas

minoritárias de seu capital: Thomson multimídia (até 2000) France Télécom, Air France.

Existem, também, em segundo plano, as causas jurídicas, mas, nem por isso, são

de menor importância. A privatização é freqüentemente acompanhada de uma

transformação da forma jurídica da empresa, ao menos quando a empresa pública tinha um

estatuto público. O novo estatuto (sociedade), junto ao desaparecimento da tutela, constitui

um elemento de flexibilidade que favorece a inserção da empresa privatizada em seu

ambiente concorrencial.

E, derradeiramente, as causas políticas que aparecem de maneira evidente. Assim,

os governos liberais se engajaram rapidamente na via de privatizações sistemáticas que se

poderiam classificar de ideológicas, assim como as nacionalizações o foram para governos

intervencionistas.

As razões que impulsionam hoje um bom número de governantes a privatizar,

independentemente de sua orientação política, explicam­se, às vezes, também, por razões

políticas menos evidentes. É o caso de um bom número de governantes do Terceiro

Mundo, obrigados a privatizar por causa da política de organização estrutural imposta pelo

FMI ou pelo Banco Mundial. Em outros casos, como na França pode­se, também, tratar de

satisfazer às ordens expressas da Comissão européia relativas às condições de aceitação da

ajuda concedida a certas empresas públicas: Renault, Crédit Lyonnais, Crédit Foncier de France. Essa exigência pesa na hora atual sobre a Air France, mesmo se, para o momento,

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a França pareça pouco disposta a ir além de sua política de abertura minoritária do capital

dessa empresa. 143

A França conheceu vários períodos de privatizações, tanto sob governos

socialistas quanto liberais. A privatização ocorreu por força do fracasso do objetivo das

empresas nacionais, de funcionarem como vitrine social e por causa do endividamento do

Estado. No entanto, o lado positivo é que não privatizaram as empresas que cujas

atividades eram essenciais à segurança e à soberania nacional e aquelas que não

funcionavam em regime de monopólio de mercado. 144 Atitude esta que deveria ter sido

observada no Brasil.

Em França, bem como em Portugal, não foram privatizadas todas as empresas

estatais, o que houve foi a transformação dessas empresas em sociedade de economia

mista. 145

Além da França, para se ter a noção de como esse processo se instalou em cada

um dos países europeus, norte­americanos, latino­americanos, entre outros, analisar­se­á,

por amostragem, alguns desses países.

O país italiano consistiu na deslegalização das matérias que não fossem de reserva

absoluta de lei, visando uma função ordenadora do Estado mais eficiente. Os Ingleses e

espanhóis transferiram para o setor privado as empresas deficitárias do Estado, que

continuamente dependiam de subsídios públicos e inversão de capitais. 146

Os norte­americanos transferiram para trabalhadores da iniciativa privada, as

funções antes típicas de agentes públicos. 147

No Brasil, os setores privatizáveis indevidamente foram os que correspondiam ao

maior atrativo para os investidores, tendo sido privatizadas empresas que geravam lucros

143 COLSON, Jean­Philippe. Droit Public Économique. 3 ed. Paris: L. G. D. J., 2001, p. 147. (grifo nosso) 144 SILVEIRA, Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. S.1.:s.n., 2004, p. 222. 145 SILVEIRA, 2004, op. cit., p. loc. cit. 146 SILVEIRA, 2004, idem, ibidem, p. loc. cit. 147 SILVEIRA, 2004, Idem, ibidem, p. loc. cit.

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efetivos para o Governo, como foi o sabido exemplo do Sistema Telebrás, segundo Raquel

Dias da Silveira. 148

Na América Latina verificou­se que as políticas privatizadoras foram medidas de

reformas impostas por organismos e investidores externos, ou seja, não correspondiam à

opção político­econômica racional do Estado. 149

A Argentina vendeu seu petróleo, seus hotéis, sua produção e distribuição de

eletricidade, a distribuição de água, de gás, seus portos e aeroportos, hipódromos, o Jardim

Zoológico de Buenos Aires e o cemitério La Recoleta. A América Latina esteve à frente dos países emergentes pelas privatizações efetuadas de 1990 a 1994. 150

Ainda tratando da privatização na Argentina, segundo Agustín Gordillo, durante o

processo de nacionalização, que se deu na metade do século XX, os serviços privados

passaram ao Estado e receberam o mesmo regime jurídico da administração; serviço e

função administrativa se confundiram num mesmo regime jurídico e numa mesma praxe

administrativa; os órgãos de controle dos serviços públicos desmontaram­se; o controle

sobre o Estado, o prestador de serviços ou empresário não parecia uma tarefa realizável; o

tributo cobrado era destinado às receitas gerais e não tinha relação com o serviço prestado,

esse preço tinha um caráter político, normalmente de tipo social. 151

Esses fatos causaram um “desinvestimento” progressivo e geral nos serviços

públicos, com uma impossibilidade de reverter a tendência, quando o endividamento do

Estado adquiriu níveis crônicos. Essa mesma época era caracterizada por um

intervencionismo estatal em atividades privadas que ninguém chamou de serviço público,

mas que ficaram submetidas a regimes de preços e controles: lei de fornecimento, preços

máximos, ágio e especulação, regulamentação e controle de aluguéis, e outros. Os temas

jurídicos desse momento não eram então os serviços públicos, mas a atividade total do

148 SILVEIRA, Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. S.1.:s.n., 2004,, idem, ibidem, p. loc. cit. 149 SILVEIRA, 2004, idem, ibidem, p. loc. cit. 150 COLSON, Jean­Philippe. Droit Public Économique. 3 ed. Paris: L.G.D.J., 2001, p. 145. (grifo nosso) 151 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo: La defensa del usuário y del administrado. 6 ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003. Tomo 2. p. VI­3.

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Estado e a regulamentação pública de quase toda a economia (em algum momento chegou

a haver quatro mil preços fixados pela administração). 152

Foi nessa época, (finais do século XX), que a Argentina implementa suas

privatizações com desmonopolização, ou seja, a partir dos anos noventas, surge uma

mudança na orientação mundial das idéias econômicas, abandonando a estatização da

economia privada, assim como, passa novamente à sociedade privada certas atividades

assumidas meio século antes pelo Estado. Em decorrência dessa desestatização, algumas

atividades ficaram desmonopolizadas, liberadas às regras do mercado e à livre

concorrência, sem uma destacada regulamentação estatal. Provavelmente, o Estado

argentino manteve o dever de controlar, se fosse produzida uma tendência monopolizadora

ou de abuso da posição dominante no mercado, para manter a concorrência como regra. 153

Dessa forma, verifica­se que a privatização foi um fenômeno que se disseminou

pelo mundo todo, inclusive com muita intensidade no Brasil.

2.2.2 A Pr ivatização e Desestatização no Brasil

Foram de grande desenvolvimento os anos de 1957 – 1961 para a economia

brasileira. Crescia o Estado e concomitantemente o setor público, expandindo não só os

setores tradicionais, mas, sobretudo, as novas funções do Estado, que passou a exercer um

papel de investidor por intermédio de sua Administração e, também, pela criação das

empresas públicas e das sociedades de economia mista.

O Governo de Juscelino Kubitschek elaborou e executou um plano de metas,

definindo a produção a ser alcançada pelo País, com o escopo de melhorar e fortalecer a

infra­estrutura econômica, segundo José Teodoro Soares. 154 Foi elaborado um conjunto de

projetos de investimentos que buscava elevar o padrão de vida do povo brasileiro, fazendo­

se com que fosse compatível com as funções de equilíbrio econômico e estabilidade social.

Nesse interstício histórico, o Estado financiou a maior parte dos investimentos previstos

152 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo: La defensa del usuário y del administrado. 6 ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003. Tomo 2. p. VI­3. 153 GORDILLO, 2003, Idem, ibidem. loc. cit. 154 SOARES, Teodoro José. Planejamento e Administração no Brasil: tentativas e realizações nos últimos cinqüenta anos. Fortaleza: UFC, 1985. p. 145.

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por esse plano e, também, estabeleceu uma política liberal favorecendo a entrada de capital

estrangeiro, para assegurar o desenvolvimento econômico objetivado pelo governo.

José Teodoro Soares assevera que, em 1967, durante o Governo de Castelo Branco

(1964 – 1967) foi realizada uma reforma administrativa necessária para organizar os

serviços públicos. Nesse período, a Administração Pública Federal estava defasada,

constatava­se um descompasso imenso entre as leis e a realidade. Com efeito, o

planejamento passou a constituir a preocupação central dos governos. 155

Diante dessa situação, surge o Decreto­Lei nº 200/67, que foi considerado um

marco na reforma administrativa, pois o planejamento passou a ser essencial às atividades

da Administração Federal e, também, por meio desse referido Decreto­Lei, efetivou­se a

transferência de atividades para as autarquias, fundações, empresas públicas e sociedades

de economia mista, com o objetivo de obter­se maior dinamismo operacional por meio da

descentralização funcional.

Prosseguindo esse programa, o Governo de Costa e Silva (1967 – 1969), como o

Governo anterior, preocupou­se com a aceleração do processo do desenvolvimento, sendo

que esse desenvolvimento condicionaria toda a política nacional. Nesse diapasão, o

progresso social foi entendido como justa distribuição de renda, ausência de privilégios e

igualdade de oportunidades, conforme lição de José Teodoro Soares:

Esta política de distribuição de renda deverá constituir instrumento para alcançar não só a aceleração do desenvolvimento, mas também o progresso social. Para isso deve­se ressaltar a significação das três dimensões da renda: pessoal, setorial e regional. 156

O Governo Médici (1969 – 1974), terceiro governo revolucionário, continuou e

aperfeiçoou a missão revolucionária e ao lançar o Programa de Metas e Bases para a Ação

de Governo, em outubro de 1970, asseverava, como conquista essencial,

a consolidação, no Brasil, de um sistema econômico de equilíbrio entre governo e o setor privado, com a presença da empresa pública, da empresa privada nacional e da empresa estrangeira em proporção que

155 SOARES, Teodoro José. Planejamento e Administração no Brasil: tentativas e realizações nos últimos cinqüenta anos. Fortaleza: UFC, 1985.Teodoro José, op. cit., 1985, p. 145. 156 SOARES, Teodoro José, op. cit., 1985, p. 145.

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assegure de forma continuada a viabilidade econômica e política do Sistema. 157

O Governo de Ernesto Geisel (1974 – 1979), prega que todos os esforços seriam

feitos para manter o crescimento acelerado dos últimos anos, de modo que o país passaria a

ultrapassar as barreiras do subdesenvolvimento e entrar numa era de bem­estar social. O

modelo econômico e social pretendido estaria voltado para o homem brasileiro, jamais

perdendo de vista a preocupação com os destinos humanos da sociedade que se almejava

construir. 158 E isso ocorre, pois foi nesta época que aconteceu o “milagre econômico”,

favorecendo o início do Governo de João Batista Figueiredo (1979 – 1985).

A década de 80 foi um período de fraco desempenho econômico.

Conseqüentemente, no início dessa década, houve a necessidade de um ajuste profundo nas

contas externas. No final dos anos oitenta, a situação começou a mudar rapidamente. A

economia continua a piorar e a inflação havia atingido níveis recordes, durante o mandato

do Governo de José Sarney.

Destarte, no final da década de 80 e início dos anos noventas instala­se um

modelo de Estado que tem como escopo a participação popular na execução de atividades

de interesse social, no processo político, nas decisões de Governo e no controle da

Administração Pública, unindo­se a sociedade e o Estado democrático para conjugar

esforços no sentido de obterem fins comuns, surgindo, conseqüentemente, uma parceria. 159

Nesse interregno, conforme lição de Armando Castelar Pinheiro e Kiichiro

Fukasaku, na obra “A Privatização no Brasil: O Caso dos Serviços de Utilidade Pública”, o

papel do Estado no desenvolvimento econômico e na política pública estava sofrendo uma

mudança radical. 160

Observa­se que o fraco desempenho econômico foi o motivo mais importante para

a privatização no Brasil. Esta, limita a liberdade do governo para adotar políticas

157 MÉDICE lança Plano de Metas e Bases de Governo. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 2 out 1970, p. 12. 158 SOARES, op. cit., 1985. p. 145. 159 SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. S.1.:s.n., 2004. p. 222. 160 PINHEIRO, Armando Castelar; FUKASAKU, Kiichiro. A Privatização no Brasil: O Caso dos Serviços de Utilidade Pública. Rio de Janeiro: BNDES, 2000, p. 15.

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econômicas intervencionistas, forçando­o a empregar uma estratégia de desenvolvimento

mais voltada para o mercado.

Ocorre que, no momento em que inicia o Governo Collor, os estudos e projetos

destinados a viabilizar a privatização já estavam prontos, haja vista que na mesma data da

posse, era editada a Medida Provisória nº. 155, de 15.03.1990, instituindo­se o Programa

Nacional de Desestatização. Medida Provisória essa que foi convertida na Lei nº. 8.031, de

12.04.1990, tornando definitivo referido programa.

Sobre esse assunto, João Bosco Leopoldino da Fonseca observa que “a efetivação

das privatizações iniciou­se com o Governo Collor”, mas isso não significa dizer que foi

uma obra de seu Governo, malgrado ter começado a concretizar­se em sua gestão. “Não se

podem confundir os planos de concretização constitucional e político­econômico, com

eventos de índole meramente político­partidária”. 161

Esse Programa tinha como escopo “reordenar a posição estratégica do Estado na

economia, transferindo à iniciativa privada atividades indevidamente exploradas pelo setor

público”. 162

Nesse aspecto, a Constituição de 1988 foi quem concretizou os anseios de

afastamento do Estado da atividade econômica, o que não ocorria nas Constituições

anteriores. Concretizou­se, então, uma nova postura do Estado na nova ordem jurídico­

econômica permitindo, assim, o início dos direcionamentos técnico­administrativos para

implementar essa nova ordem.

Entretanto, mesmo antes da promulgação da Constituição de 1988, já tinham sido

editados dois importantes diplomas normativos: o Decreto nº 91.991, de 28.11.1985 e o

Decreto nº 95.886, de 29.03.1988. Este último Decreto, em seu Art. 1º, instituía “o Programa Federal de Desestatização, com os seguintes objetivos: I – transferir para a iniciativa privada atividades econômicas exploradas pelo setor público;[...] e,[...]” em seu Art. 2º, era preconizado que: “[...] O Programa Federal de Desestatização será executado por meio de projetos de privatização e de desregulamentação”. 163

161 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 101. 162 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Op.cit, 1998, p. 101. (Grifo do autor). 163 FONSECA, 1998, Idem, ibidem, loc. cit. (Grifo do autor)

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A Constituição Federal de 1988 mitigou a atuação do Estado no domínio

econômico, adotando como regra a excepcionalidade na exploração da atividade

econômica pelo Estado (Art. 173 da CF/88), acolhendo explicitamente, conforme Artigos

1º, IV, e 170, caput, os princípios da livre iniciativa e Art. 174, caput, que trata da limitação interventiva geral às funções de fiscalização, incentivo e planejamento.

É relevante ressaltar que, além do afastamento do Estado desse campo de atuação

direta na economia, a privatização serviu, também, para a redução e saneamento da dívida

pública, retomada dos investimentos nas empresas e atividades que vieram a ser

transferidas para a iniciativa privada, modernização do parque industrial do país,

concentração dos esforços nas atividades em que a presença do Estado fosse fundamental,

fortalecimento do mercado de capitais, entre outras situações.

As empresas transferidas para o setor privado foram aquelas que eram

controladas, direta ou indiretamente, pela União e as que, criadas pelo setor privado,

passaram ao controle, direto ou indireto, da União.

Para melhor ilustrar, faz­se indispensável a transcrição do texto do § 1º do Art. 2º

da Lei nº. 8.031/90 que define a privatização como a “alienação pela União, de direitos que

lhe assegurem, diretamente ou através de outras controladas, preponderância nas

deliberações sociais e o poder de eleger a maioria dos administradores da sociedade”. 164

Na década de 90 viu­se surgir o denominado “Estado Providência”, haja vista que

se agrava substancialmente a miséria, o desemprego e a violência social, bem como crescia

a burocracia estatal atentando para a imposição do capital externo.

Nesse período histórico, o Estado foi amplamente reformado e influenciado por

uma grave crise fiscal, acarretando profundas e contínuas mutações na esfera política e

social, inviabilizando a prestação direta dos serviços públicos pelo aparelho estatal. 165

Iniciou­se, nesse momento, o Programa Nacional de Desestatização, implantado

pela Lei nº. 8.031/90, posteriormente revogada pela Lei nº. 9.491/97, em face da

incapacidade do Estado de realizar novos investimentos nos diversos setores básicos da

164 FONSECA, João Bosco Leopoldino da. Direito econômico. 2 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998, p. 102. (Grifo do autor). 165 ZYMLER, Benjamim; ALMEIDA, Guilherme Henrique De La Rocque. O Controle Externo das Concessões de Serviços Públicos e das Parcerias Público­Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 225.

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economia, criando novos mecanismos de oferta de serviços públicos. 166 No entanto, o

Estado reserva para si as atividades de regulação e de fiscalização, exercidas por agências

reguladoras.

Ainda no Governo de Fernando Collor de Mello e, principalmente, no governo de

Fernando Henrique Cardoso, foi implementado o plano de desestatização, tendo como

legislação principal a Lei nº. 8.987/95, que trata das concessões e permissões de serviços

públicos, regulando o Art. 175 da CF/88, lei essa suplementada pela Lei nº. 8.666/93, que

trata das licitações e contratos administrativos e outras leis complementares.

Portanto, foi na vigência desse modelo de Estado “neoliberalista” que surgiram as

privatizações, implementadas por meio das concessões e permissões de serviços públicos,

autorizadas pela lei nº. 8.987/95, com as alterações da Lei nº. 9.648/98, que dispõe sobre o

regime de concessão e permissão da prestação de serviços públicos previstos no Art. 175

da Constituição Federal, e na lei nº. 9.074/95, que trata das Concessões do Setor Elétrico.

Essa prestação de serviços realizada por terceiros, normalmente estranhos à

Administração, pactuou­se mediante a celebração de contratos de concessão ou de

permissão, bem como por meio de atos de autorização, conforme permitem os Artigos 21,

XI e XII, e 175 da Constituição Federal de 1988.

Continuando essa fase de privatização e desestatização no Governo de Itamar

Franco (1992 – 1995), apesar dessa tendência, seu plano de estabilização da moeda e

combate da inflação começa a criar esperanças ao povo brasileiro.

Em 4 de maio de 2000, promulga­se a Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº.

101) visando conter os desmandos dos governantes e as políticas públicas são controladas

com “mão­de­ferro” para não aumentar a dívida nacional.

No governo de Fernando Henrique Cardoso (1995 – 2003) registra­se a fase mais

longa e mais importante das privatizações. Nesta fase, foram incluídos os setores elétrico,

financeiro e as concessões das áreas de transporte, rodovias, saneamento, portos e

telecomunicações.

166 ZYMLER, Benjamim; ALMEIDA, Guilherme Henrique De La Rocque. O Controle Externo das Concessões de Serviços Públicos e das Parcerias Público­Privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005. p. 226.

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Nota­se que um dos principais objetivos foi proporcionar uma melhoria na

qualidade dos serviços prestados à sociedade brasileira, por meio do aumento de

investimentos a serem realizados pelos novos controladores.

O lado bom dessa política de privatização é que o cidadão usuário dos serviços

prestados pelo Estado passou a ser chamado de “cliente”. O Estado recebeu o título de

“Estado subsidiário” e a sociedade ganha o adjetivo de solidária, participativa ou pluralista.

Nessa minimização do Estado por meio da privatização transferiu­se ao setor

privado as atividades econômicas que eram exploradas pelo Estado, como se empresário

fosse. Gerou receitas com as alienações das sociedades de economia mista e empresas

públicas, como a CSN, Vale do Rio Doce, empresas de telefonia e outras. Com isso, restou

ao Estado desenvolver a atividade que lhe é inerente, a prestação do serviço público

essencial à população. E essa privatização e delegação da prestação do serviço público

continuará se necessário for, inclusive em forma de parceria entre o Poder Público e o

particular, dentre elas a parceria público­privada.

Segundo Moreira Neto, se hoje a intenção é a de aliviar o Estado da execução de

dezenas de serviços públicos que vêm sendo prestados burocrática, onerosa e

ineficientemente, esta solução de revitalização da concessão, que, em acréscimo, também

revigora competitividade à empresa privada no País, gerando empregos, não traz prejuízo

algum quanto à responsabilidade e à vigilância do Estado. 167

O serviço público varia segundo as exigências de cada povo e cada época. O que

prevalece é a vontade soberana do Estado. Por isso, cada governo deve definir seus

objetivos e, para alcançá­los, deve ter seu próprio planejamento, oferecendo, assim,

serviços de qualidade e adequados às necessidades comuns da coletividade.

Independentemente do modelo de Estado que vige em determinada época, o que

não se discute é a obrigatoriedade de o Estado prestar os serviços públicos essenciais

como, por exemplo, serviços de saúde pública, educação e segurança pública.

Essa preleção é dogma desde os tempos mais remotos, conforme lição de

Norberto Bobbio, quando assevera que:

167 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Forense, 2005.

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Em sentido mais abrangente, a expressão Administração pública designa o conjunto das atividades diretamente destinadas à execução concreta das tarefas ou incumbências consideradas de interesse público ou comum, numa coletividade ou numa organização estatal. 168

O Governo de Luiz Inácio Lula da Silva, prosseguindo nessa política de

privatização em sentido amplo, fez aprovar no Congresso Nacional a Lei nº. 11.079/2004

que cria a parceria público­privada, como forma de implantar projetos de infra­estrutura e

incrementar o PAC – Programa de Aceleração do Crescimento, mas até o momento, por

parte da União, não foi efetivado nenhum projeto dessa natureza.

2.3 SERVIÇO PÚBLICO

Em relação ao conceito de serviço público, não há um consenso na doutrina, no

entanto colaciona­se o conceito formulado por Toshio Mukai em sua obra “Concessões,

Permissões e Privatizações de Serviços Públicos”:

Portanto, o serviço público é uma atividade que, por sua essencialidade para a comunidade, deve ser exercitado, em princípio e por natureza, pelo Estado, e não pelos particulares destituídos da denominada puissance publique; mas, quando for possível ao particular gerir um serviço público material, veja­se nisto uma exceção à regra; o fato de um particular explorar uma atividade essencial, quando tal for possível não desnatura seu valor que, não obstante, continua a conter um interesse público. 169

Celso Antonio Bandeira de Mello destaca o fato de ser o serviço público

“atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material destinada à satisfação da

coletividade em geral, mas fruível singularmente pelos administrados [...]”. 170 Ressalta que

o Estado assume essa atividade como pertinente a seus deveres e presta por si mesmo ou

por quem lhe faça às vezes, mas sob um regime de Direito Público, consagrador de

prerrogativas de supremacia e de restrições especiais, haja vista ser instituído em favor dos

interesses públicos.

168 BOBBIO, Norberto; MATTEUCCI, Nicola e PASQUINO, Gianfranco; Tradução de Carmen C. Varrialle et al. Dicionário de Política. 5 ed. Brasília: Universidade de Brasília, 1993, v. 1. (grifo nosso) 169 MUKAI, Toshio. Concessões, Permissões e Privatizações de Serviços Públicos: Comentários à Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (com as alterações da Lei n. 9.648/98), e à Lei n. 9.074/95, das Concessões do Setor Elétrico. 4 ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 3. 170 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.p.612.

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Hely Lopes Meirelles assevera que serviço público é todo aquele prestado pela

Administração ou por seus delegados, mas sob normas e controles estatais, com o escopo

de satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade ou simples

conveniência do Estado. 171

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, após observar que não é tarefa fácil definir serviço

público, dada suas transformações no tempo, seus diversos elementos constitutivos e à sua

abrangência, inclusive a diversidade na adoção de conceito amplo ou restrito, assevera que

três elementos se combinam: o material (atividades de interesse coletivo), o subjetivo (presença do Estado) e o formal (procedimento de direito público). 172

A mesma autora, ao tratar do conceito de serviço público em sentido amplo, faz constar que “[...] As primeiras noções de serviço público surgiram na França, com a

chamada Escola de Serviço Público, e foram tão amplas que abrangiam, algumas delas, todas as atividades do Estado”. 173

Em sentido estrito, confina­se o serviço público entre as “atividades exercidas

pela Administração Pública, com exclusão das funções legislativa e jurisdicional; e, além disso, o considera como uma das atividades administrativas, perfeitamente distinta da do

poder de polícia do Estado”. 174

A Constituição Federal de 1988 trata da prestação dos serviços públicos em seu

Artigo 175, preceituando que “Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou

sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. [...]”. 175

O ordenamento jurídico impõe o dever ao Estado de realizar os serviços públicos

essenciais de forma satisfatória. Inexiste, nessas funções, o intuito de lucro pelo Poder

Público, mas tão somente de viabilizar o crescimento sócio­econômico, bem como o bem­

estar­social da comunidade. Obriga­se, assim, aplicar na infra­estrutura cogente,

independentemente do regresso que lhe possa originar.

171 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 316. 172 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 86. 173 DI PIETRO, 2007, loc. cit. (grifo do autor). 174 DI PIETRO, 2007, idem, ibidem, p. 87. (grifo nosso) 175 Grifo nosso.

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O Estado só deveria prestar serviços públicos que fossem essenciais para a

coletividade, numa concepção ideal, mas nunca aconteceu na realidade brasileira. Por meio

de suas empresas, o Estado continuamente se imiscuiu em áreas que deveriam pertencer à

iniciativa privada, numa forma evidente de intervenção, direta ou indireta, na economia,

principalmente na era do Estado social, e “gerou para a população uma impressão falsa de

que serviços públicos e serviços essenciais seriam a mesma coisa”. Inclusive a própria

doutrina jurídica nacional confunde referindo­se a “serviços públicos” como “serviços

relevantes”, como se fossem essenciais. Equívoco esse que deve ser afastado. 176

Pode ocorrer que o fornecimento de água, por exemplo, numa cidade, seja

executado por empresas estatais e pode ser considerado relevante ou essencial, em face da

condição da prestadora, mas se fornecido por empresa particular (concessionária,

permissionária ou autorizatária) não teria esse caráter.

Existem, também, as empresas com forte controle estatal, como ocorre com os

serviços de planos privados de assistência à saúde e o fornecimento de serviços

educacionais por escolas privadas. O fato de serem controlados rigorosamente classificar­

se­iam tais serviços como essenciais.

Tarefa difícil é fixar um rol de serviços essenciais, mas a doutrina elenca como

essenciais os serviços de saúde, educação e segurança pública. Alguns autores acrescentam

os serviços de previdência e assistência social. Sob o ponto de vista jurídico, a Lei nº.

7.783/89, conhecida como a lei de greve, enumera como essenciais os seguintes serviços:

a) de tratamento e abastecimento de água; b) produção e distribuição de energia elétrica,

gás e combustíveis; c) assistência médica e hospitalar; d) distribuição e comercialização de

medicamentos e alimentos; e) serviços funerários; f) transporte coletivo; g) captação e

tratamento de esgoto e lixo; h) telecomunicações; i) guarda, uso e controle de substâncias

radioativas, equipamentos e materiais nucleares; j) processamento de dados ligados a

serviços essenciais; k) controle de tráfego aéreo; l) compensação bancária.

Considera­se serviço essencial mais utilizado pela população: o fornecimento de

água, energia elétrica, esgoto, e outros. No entanto, alguns autores consideram esses

serviços de utilidade pública e não como essenciais, porquanto pode ser delegada a

prestação para particulares, por meio de concessão, permissão e autorização. E, mesmo

176 PRUX, Oscar Ivan. Contribuições ao Estudo do Dever de Continuidade nos Principais Serviços Essenciais. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 116.

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delegada a prestação, muitos julgados entendem que devem ser continuamente fornecidos,

mesmo que não pagas as faturas, pois são vitais para a sobrevivência humana; outros

julgados, como o do Supremo Tribunal Federal, entendem que “é legítima a suspensão do

fornecimento de água por falta de pagamento da conta apresentada pela Companhia de

Saneamento, de acordo com a lei que a criou”. 177

Para dirimir conflitos sobre a essencialidade dos serviços, visando a aplicação do

princípio da continuidade do serviço público, para fins de julgamento sobre a legalidade e

inconstitucionalidade do ato de interrupção do fornecimento por falta de pagamento da

fatura, deve ser observada a mensurabilidade dos valores em jogo no caso concreto, pois há

casos em que o estado de pobreza é tão grave que o que resta ao indivíduo é somente a

água para sobreviver e se higienizar. Em outros casos, a situação de insolvência parcial

pode não alcançar valores ínfimos como uma conta de água/esgoto ou de energia.

De qualquer forma, se grande parte dos beneficiados pelo abastecimento de

água/esgoto ou de energia não pagarem pelo serviço prestado porque não terá o

fornecimento interrompido, por força de decisão judicial, as empresas de abastecimento

não terão condições financeiras de suportar o prejuízo e provavelmente deixarão de atender

toda uma população, ferindo o princípio da supremacia do interesse público sobre o

privado.

Torna­se oportuna nesse caso a lição de Marlene Kempfer Bassoli, quando

assevera que:

Para conhecer valores, segue­se pela via da intuição emocional e a racional. Tal fenômeno, na lida jurídica, acontece no momento da produção das normas, tanto no nível constitucional, onde há normas abstratas e gerais ou concretas e gerais, quanto nos níveis da infraconstitucionalidade das normas abstratas e gerais (Lei) ou das normas concretas e individuais (Atos Administrativos, sentenças). Assim, conhecer, identificar os valores é ato teleológico e intelectual. 178

177 RTJ 81/930 e RTJ 81/171 In CD JURISPLENUM – Jurisprudência e Legislação. Caxias do Sul: Plenum, 2000. v. 1/51. Apud PRUX, Oscar Ivan. Contribuições ao Estudo do Dever de Continuidade nos Principais Serviços Essenciais. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 126. 178 BASSOLI, Marlene Kempfer. Positivação de Valores Constitucionais. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 171. (Grifo do autor).

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Portanto, considerando os ensinamentos acima colacionados, verifica­se que a

controvérsia acima explicitada deverá ser dirimida conforme o caso, aplicando­se o

princípio da razoabilidade e da proporcionalidade, pois a matéria é altamente aporética.

Os serviços públicos, em geral, devem ser adequados, ou seja, obedecer a inúmeros princípios, oito deles previstos na Lei nº. 8.987/95, em seu Art. 6º, § 1º, que

assim preceitua: “Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade,

continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e

modicidade das tarifas”. 179

Segundo o princípio da continuidade, os serviços públicos não devem ser interrompidos, especialmente os essenciais, mas, de acordo com o § 3º do Art. 6º da Lei nº.

8.987/95, “não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em

situação de emergência ou após prévio aviso, quando: I – motivada por razões de ordem

técnica ou de segurança das instalações; e, II – por inadimplemento do usuário,

considerado o interesse da coletividade”. 180

Os serviços públicos não podem parar, porque é por meio deles que o Estado

desempenha as funções essenciais à coletividade, devendo sempre manter­se em

funcionamento, dentro das formas e períodos próprios de prestação. Continuidade significa

serviço regular. A atividade administrativa é ininterrupta, por isso não se admite, por

exemplo, a paralisação de serviços de segurança pública, de distribuição de justiça, de

saúde, de transporte, de combate a incêndio, proibindo a greve nesses setores considerados

essenciais.

Não se aplica à administração pública a exceptio non adimpleti contractus

(exceção do contrato não cumprido), segundo o Art. 476 do CC, ou seja, quem com ela

contrata não pode deixar de prestar o serviço contratado, mesmo que a administração

pública não tenha cumprido com a sua parte, ou seja, o particular contratado para executar

serviço público não pode interromper a obra sob alegação de não ter sido pago. Todavia, o

Art. 78, XV, da Lei de Licitações e Contratos (Lei nº 8.666/93) permite a suspensão dos

179 MEDAUAR, Odete (Org.). Coletânea de Legislação Administrativa. 4 ed. São Paulo: RT, 2004. p. 1.027. 180 MEDAUAR, Odete (Org.), 2004, loc. cit.

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serviços no caso de atraso de pagamento por mais de 90 dias, salvo se houver calamidade

pública, perturbação da ordem ou guerra. 181

Seria indevida a greve sem limites no serviço público. Há ausência de

regulamentação legislativa sobre o direito de greve, sem cumprimento ao Art. 37, VII, da

CF/88. Para o militar há proibição expressa de greve (Art. 142, § 3º, IV, da CF/88).

Não se pode deixar de mencionar que o Código de Defesa do Consumidor,

também, em seu Art. 22, preceitua que “Os órgãos públicos, por si ou suas empresas,

concessionárias, permissionárias, ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são

obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos”. 182

Por força do princípio da generalidade, os serviços públicos devem ser prestados a toda a sociedade. O princípio da atualidade “compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e sua conservação, bem como a melhoria e expansão do

serviço”. 183

Os serviços públicos classificam­se em próprios, os quais são inerentes à manutenção da soberania do Estado, como, por exemplo, a defesa nacional e polícia

judiciária; de utilidade pública, são considerados úteis ou convenientes para a sociedade,

como o transporte coletivo e o fornecimento de água ou energia elétrica; “uti universi” ou gerais, consistindo naqueles que são prestados à população em geral, como a defesa do território (essas partículas latinas ut ou uti significam de que modo, destarte, uti universi significa de modo geral ou indefinido); “uti singuli” ou individualizáveis, são também os serviços prestados a todos os indivíduos, mas com possibilidade de identificação e

individualização dos beneficiados, efetivos ou potenciais, como os serviços de telefonia,

fornecimento de água ou energia; compulsórios, são aqueles que não podem ser recusados pelo destinatário, como os serviços de esgoto ou coleta de lixo; facultativos, podem ou não ser aceitos pelos usuários, como, por exemplo, o transporte coletivo, os serviços de

telefonia; e adequados: que são os executados em obediência aos princípios específicos do serviço público. 184

181 Grifo nosso. 182 Grifo nosso. 183 MEDAUAR, Odete (Org.). Coletânea de Legislação Administrativa. 4 ed. São Paulo: RT, 2004. p. 1.027. 184 Grifo nosso.

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Questão interessante é que a falta de pagamento de serviço uti singuli

compulsório, como água, esgoto, coleta de lixo e outros, não autoriza a supressão do

mesmo, pois a remuneração tem natureza de taxa e, por esse motivo, autoriza­se somente a

cobrança executiva. 185

Por outro lado, a falta de pagamento de serviço uti singuli facultativo (ex.:

telefone) autoriza o corte, porquanto a retribuição tem natureza de tarifa (ou preço) e, nesse

caso, a doutrina e a jurisprudência não considera tributo, mas preço de serviço facultativo,

que pode ser aceito ou recusado pelo usuário. 186

Os serviços de esgoto ou coleta de lixo, quando remunerados, têm a natureza de

taxa, pois constituem tributo vinculado à prestação de serviço compulsório ou ao exercício

do poder de polícia. Por outro lado os serviços facultativos, de um modo geral, são

remunerados por tarifa ou preço.

2.3.1 O Serviço Público e a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor

Houve época em que havia uma celeuma quanto à aplicabilidade do Código de

Defesa do Consumidor, Lei nº. 8.078/90, aos serviços públicos, pois a dúvida seria se este

se enquadraria como serviço comum de prestação de serviço qualificada como relação

consumerista.

Oscar Ivan Prux, tratando do serviço público e do Código do Consumidor, bem

como das mudanças profundas que sofreu a sociedade brasileira, passando a contar com

instrumentos de indução eficientes para uma modernização social, na sua concepção

“utopicamente distante” e a conscientização, por parte do cidadão, de direitos outrora

ignorados, desconhecidos ou não­reclamados, marcou uma mudança de rumos, inclusive

complementa que:

E, como uma das boas surpresas dessa transformação, tivemos a inclusão dos serviços públicos entre aqueles que são abrangidos pelo CDC. Importante lembrar que, embora os posicionamentos contrários de muitos, provocando acalorados questionamentos na época de discussão do projeto, que redundou na referida norma, incluir o fornecimento de

185 Conforme decisão do STJ ­ 1ª T. RMS n. 8.915­MA, Rel. Min. José Delgado, j. 12.5.1998. 186 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 322.

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serviços públicos no rol das relações de consumo era soberanamente necessário, uma vez que, na segunda metade do século passado, o grau de interferência direta do Estado na economia era tamanha (algo em torno de 70%), que rivalizava com o das nações socialistas componentes da extinta União Soviética. E a vinda do processo de privatização não foi suficiente para deslustrar a importância dos serviços públicos, que além de ainda se manterem bastantes numerosos, são normalmente ligados a fornecimentos sabidamente essenciais para a população.[...] 187

Complementa Oscar Ivan Prux que:

De toda sorte, é indubitável que incluir o fornecimento de serviços públicos como espécie de relação de consumo regida pelo CDC representou a via prática capaz de contribuir para implantar verdadeiramente o Código, independente do processo de privatização que foi e está sendo implantado. A nosso ver, então, estabeleceu­se, a partir dessa conjuntura, o inequívoco enquadramento, como relação de consumo, de todos os serviços públicos fornecidos uti singuli, compondo junto com os serviços concedidos, permitidos ou autorizados e os serviços privados sob forte controle estatal (desde que fornecidos a consumidor), o elenco dos serviços de interesse geral ou coletivo.

A discussão acalorada ocorreu por causa da ausência de regulamentação do Art.

27 da Emenda Constitucional nº. 19/98, que previa que, no prazo de 120 dias, estes

contados de sua promulgação, seria elaborada lei de defesa do usuário de serviços

públicos, lei essa que ainda não foi promulgada e publicada. 188

Conseqüentemente, não podia a prestação de serviços públicos essenciais ou de

utilidade pública ficar sem regulamentação, deixando as concessionárias, permissionárias e

autorizatárias e, até mesmo o Estado, prestando o serviço sem nenhuma fiscalização por

parte dos órgãos competentes. Claro que se houver regulação do Art. 27 da Emenda

Constitucional n. 19/98, esta é que deverá ser observada pelo usuário de serviços públicos

e pelos prestadores desses serviços.

Por força do que foi asseverado, a doutrina e, posteriormente, a jurisprudência

entenderam que aplica­se subsidiariamente o CDC aos serviços públicos entregues

187 PRUX, Oscar Ivan. Contribuições ao Estudo do Dever de Continuidade nos Principais Serviços Essenciais. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 114­115. 188 HORVATH JÚNIOR, Miguel; HORVATH, Miriam Vasconcelos Fiaux. Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 102.

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mediante delegação, na forma de concessão, permissão ou autorização ao particular. Essa

determinação decorre da determinação do parágrafo único do Art. 22 do próprio CDC.

2.3.2 Noções de serviço público francês

Ao tratar de serviço público, não há como deixar de enveredar pelos ensinamentos

dos autores franceses, haja vista que, nessa matéria, a França é sempre utilizada como

fonte do Direito comparado a outros países, por força do pioneirismo e da intensa

dedicação aos estudos do Direito Administrativo.

Como ocorre no Brasil, em França, também, o conceito de serviço público está

sempre em discussão, no entanto, uma primeira abordagem pode ser retirada da obra de

Léon Duguit apud Jean­Louis Autin e Catherine Ribot, in “Droit Administratif Général”

que conceitua serviço público da seguinte maneira:

C’est toute activité dont I’accomplissement doi être réglé, assure et contrôlé par les gouvernants, parce qu’il est indispensable à la realization et au développement de I’interdépendance sociale et qu’il est indispensable à la realization et au développement de I’interdépendance sociale et qu’il est de telle nature qu’il ne peut être assure complètement que par I’intervention de la force gouvernante. 189

Verifica­se que a fórmula data de 1913, mas ela fornece indiretamente e em

destaque todos os elementos de reflexão que continuam, ainda hoje, a alimentar o debate,

conforme preleção de Jean­Louis Autin e Catherine Ribot, que se segue:

Le service public s’apprécie d’abord d’um point de vue matériel. II se définit avant tout comme une activité, réputée d’intéret general, génératrice de prestations. Le but du service est de satisfaire les besoins du public, don’t la définition proposée laisse supposer qu’ils peuvent être immenses. Or c’est bien sur L’étendue, éminemment variable, de ces besoins que porte la controverse. Pour certains, ils doivent être strictement entendus, limités aux missions adminitratives indispensables; pour d’autres, le champ de l’intervention publique est potentiellement infini, car rien ne permet a priori de borner les exigences de la solidarité (interdependence) sociale. Cé débat, inherent à la théorie du

189 AUTIN, Jean­Louis; RIBOT, Catherine. Droit Administratif Général. 3 ed. Paris: Litec, 2004. p. 140. “É qualquer atividade cujo cumprimento deve ser regulamentado, assegurado e controlado pelos governantes, porque ele é indispensável à realização e ao desenvolvimento da interdependência social e ele é de tal natureza que só pode ser completamente garantido pela intervenção da força governante”.

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service public, reste d’actualité, meme si les termes en ont été renouvelés; il porte sur la détermination dês activités de service public avant de s’intéresser aux conditions juridiques de leur aménagemente. 190

Nota­se, que a noção de serviço público comporta uma forte dimensão orgânica. A

satisfação das necessidades sociais incumbe à coletividade; a carga ou prestação dos

serviços públicos pertence às pessoas jurídicas de direito público.

A fórmula utilizada por Leon Duguit lembra, em vista disso, duas precisões. O

autor deixa pesar sobre “os governantes”, a responsabilidade de assegurar os serviços

públicos. Ele faz, efetivamente, dessa noção um elemento de sua teoria do Estado, numa

perspectiva, ao mesmo tempo constitucional e administrativa, que afasta as noções de

soberania e de poder, em benefício da função social que os governantes são chamados a

preencher enquanto “gerentes dos negócios e dos interesses da coletividade”, o que aparece

em primeiro plano não é mais o poder de comandar, mas a obrigação de agir de forma

prática. 191

Além do mais, a forte implicação das autoridades públicas na organização e

funcionamento do serviço é apresentada como um elemento constitutivo da noção, se bem

que hoje esse elemento está relativizado, com a gestão dos serviços públicos por pessoas

privadas, sob controle da administração pública.

Enfim, o serviço público se define pelo seu regime jurídico, quer dizer, o conjunto

de regras segundo as quais ele se cumpre. Sobre esse ponto, a passagem citada não

comporta nenhum elemento de apreciação, porém, a intenção do autor (Duguit) não deixa

nenhuma dúvida, sobretudo na época em que suas propostas foram apresentadas.

190 AUTIN, Jean­Louis; RIBOT, Catherine. Droit Administratif Général. 3 ed. Paris: Litec, 2004. p. 140. “O serviço público é apreciado primeiramente de um ponto de vista material. Ele se define antes de tudo como uma atividade, que tem a reputação de ser de interesse geral, geradora de prestações de serviços. O objetivo do serviço é satisfazer as necessidades do público, cuja definição proposta deixa supor que estas podem ser imensas. Ora, é mesmo sobre a extensão, eminentemente variável dessas necessidades que recai a controvérsia. Para alguns, elas devem ser estritamente entendidas, limitadas às missões administrativas indispensáveis; para outros, o campo da intervenção pública é potencialmente infinito, pois nada permite a priori delimitar as exigências da solidariedade (interdependência) social. Esse debate, inerente à teoria do serviço público, permanece atual, mesmo se os termos tenham sido renovados; ele concerne a determinação das atividades de serviço público antes de se interessar pelas condições jurídicas de sua organização”. (grifo do autor) 191 AUTIN, Jean­Louis; RIBOT, Catherine. Droit Administratif Général. 3 ed. Paris: Litec, 2004. p. 140.

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Não se pode tratar apenas do regime administrativo, logo, exorbitando do direito

comum, reforçado pelos princípios próprios do serviço público —continuidade, adaptação,

igualdade dos usuários, esse regime hoje se diversificou, pois ele se tornou mais complexo

e essa evolução, junto às outras mudanças registradas—, contribui para aquilo que muitos

chamam de a crise do serviço público, conforme entendem Jean­Louis Autin e Catherine

Ribot. 192

Portanto, verifica­se que, onde quer que se analise o serviço público, os conceitos,

as características, os princípios, as normas e os problemas serão semelhantes, haja vista os

seres humanos (administradores ou administrados) serem semelhantes, mesmo residindo

em países distintos.

2.3.3 Noções de Serviço Público Argentino

Para se ter um comparativo da noção de serviço público na América Latina, toma­

se como referência aquele prestado na Argentina, segundo lições de Agustín Gordillo. 193

Para Agustín Gordillo, a noção de serviço público nasceu e expandiu em França,

caracterizada como uma atividade de determinado tipo, realizada pela administração de

forma direta, ou indireta, por meio de concessionárias e foi o conceito que serviu para a

construção do velho Direito Administrativo. 194

Segundo o mesmo autor, tratando ainda da noção de serviço público:

Posteriormente la noción fue perdiendo importancia hasta quedar restringida a mostrar un régimen jurídico especial en determinado tipo de actividad; pero como este régimen jurídico es contingente a políticas económicas que han sido cambiantes en el siglo XX, la noción también debe mutar, desaparecer o reaparecer según como se presente ese régimen jurídico en cada contexto económico temporal. 195

192 AUTIN, Jean­Louis; RIBOT, Catherine. Droit Administratif Général. 3 ed. Paris: Litec, 2004. p. 140. 193 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo: La defensa del usuário y del administrado. 6 ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003. Tomo 2. p. VI­1/VI­5. 194 GORDILLO, Agustín, op. cit., 2003. Tomo 2. p. VI­1. 195 GORDILLO, 2003, Idem, ibidem, p. VI­1 e VI­2. “[...] posteriormente a noção foi perdendo importância até ficar restrita a mostrar um regime jurídico especial em determinado tipo de atividade; mas como este regime jurídico é contingente a políticas econômicas que tem sido variáveis no século XX, a noção também deve mudar, desaparecer ou reaparecer segundo como se apresentar esse regime jurídico em cada contexto econômico temporal”.

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Por isso, ainda na opinião de Agustín Gordillo, “Por elle se ha podido decir con

acierto que lo que se escriba al respecto tiene siempre ‘carácter efímero’ y que se trata de

palabras que ‘se escriben para ser rescritas más adelante’”. 196

Nas lições do mesmo Autor, há que se distinguir também a noção de serviço

público, conforme a época, fazendo constar que no final do século XIX e começo do

século XX, tratava­se dessa matéria da seguinte forma:

En esa época la expresión era utilizada, en nuestro país, para designar actividades realizadas monopólicamente por particulares, por delegación y bajo control del Estado, con un régimen de derecho público en el cual se fijaban las tarifas, se ordenaban y controlaban las inversiones, se controlaba la prestación del servicio, se aplicaban sanciones en caso de incumplimientos de metas cuantitativas o cualitativas de inversión, etc. La influencia en la interpretación de este sistema provino del derecho estadounidense referido a las “public utilities” o servicios privados de interés público. 197

Em face desses ensinamentos, verifica­se que, na Argentina, a noção de serviço

público foi adotada pelos estudiosos conforme a época, mas entendendo­se

tradicionalmente como uma atividade realizada pela administração de forma direta ou

indireta, por meio de concessionárias, conceito que servia de base ao velho Direito

Administrativo.

Passado o tempo, já no final do século XIX e começo do século XX, essa mesma

expressão era usada para designar atividades realizadas por particulares, em forma de

monopólio e por delegação, mas sob controle do Estado e regulado por regime de direito

público, em face do qual fixavam­se tarifas, ordenavam­se e controlavam­se os

investimentos e a prestação do serviço, aplicavam­se sanções no caso de descumprimentos

de metas quantitativas ou qualitativas de investimentos, ou seja, os serviços eram de

interesse público, mas caracterizavam­se como serviços privados.

196 GORDILLO, 2003, loc cit. “Pode­se dizer, com acerto, que o que se escrever a respeito tem sempre “caráter efêmero” e que se trata de palavras que ‘escrevem­se para serem reescritas mais adiante”. 197 GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo: La defensa del usuario y del administrado. 6 ed. Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2003. Tomo 2. p. VI­2. “Nessa época a expressão era usada, no nosso país, para designar atividades realizadas monopolicamente por particulares, por delegação e sob controle do Estado, com um regime de direito público no qual se fixavam as tarifas, ordenavam­se e controlavam­se os investimentos, controlava­se a prestação do serviço, aplicavam­se sanções no caso de descumprimentos de metas quantitativas ou qualitativas de investimentos, etc. A influência na interpretação deste sistema veio do direito norte­americano referido às public utilities ou serviços privados de interesse público”.

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2.4 DELEGAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO

Em regra, o serviço público essencial é indelegável e incumbe ao Poder Público,

na forma da lei, diretamente o prestar à sociedade. No entanto, nos casos previstos na

Constituição Federal de 1988, poderá ser delegado ao particular ou a entidades públicas,

sob o regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação (Art. 175 da CF/88)

e, e em casos especiais, sob forma de autorização.

Inclusive, com a freqüente minimização do Estado, fruto da idealização de um

Estado denominado “neoliberal”, o Poder Público se responsabiliza pelo serviço público

essencial à população e vem delegando o direito de prestação ao particular daqueles não

essenciais, por meio de contratos de concessões e permissões, reguladas pela Lei nº.

8.987/95. Outros serviços foram somente autorizados pelo Poder Público.

Grande parte dos autores, que tratam do assunto, entende que os serviços que

podem ter seu direito de prestação delegado não são denominados serviços públicos, mas serviços de utilidade pública, haja vista não serem aqueles inexoravelmente essenciais ao

ser humano, mas útil. 198

Quanto à previsão legislativa sobre a delegação do serviço público, a Constituição

Federal de 1988 trata do assunto em seus Artigos 175 e parágrafo único; 37, § 3º, I;

dispondo explicitamente que:

Art. 175 da CF/88/88. Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos. Parágrafo único. A lei disporá sobre: I ­ o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão; II ­ os direitos dos usuários; III ­ política tarifária; IV ­ a obrigação de manter serviço adequado.

Art. 37, § 3º. A lei disciplinará as formas de participação do usuário na administração pública direta e indireta, regulando especialmente:

198 Grifo nosso.

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I – as reclamações relativas à prestação dos serviços públicos em geral, asseguradas a manutenção de serviços de atendimentos ao usuário e a avaliação periódica, externa e interna, da qualidade dos serviços: [...] 199

Vê­se que a própria Constituição expressamente prevê em seu Art. 175 que, em

regra, o serviço público essencial é indelegável e incumbe ao Poder Público, na forma da

lei, diretamente o prestar à sociedade. No entanto, nos casos previstos na Constituição

Federal, poderá ser delegado ao particular sob o regime de concessão ou permissão e, em

alguns casos, como o do Art. 21, XI e XII, da CF/88, por autorização, sempre através de

licitação.

Em síntese, a prestação de serviço pode ser direta e indireta. Verifica­se a

prestação direta quando o próprio Poder Público executa e indireta é quando alguma

pessoa jurídica (ou física, no caso da permissão), que pode ser desde o próprio Poder

Público travestido de autarquia, até empresas sob o seu controle, ou particulares no

exercício de uma concessão ou permissão do serviço público.

Assim, concomitantemente à privatização ocorrida, o Estado iniciou a delegação

da prestação do serviço público a particulares, chegando até mesmo formar parcerias com

os particulares, conforme ensinamento de Raquel Dias da Silveira:

[...] o Estado começou a transferir a execução de suas competências a terceiros, mediante os institutos da concessão, permissão e autorização e, agora, possibilitando outras formas de contratação com a iniciativa privada, por meio das parcerias público­privadas. 200

É relevante observar que, distintamente das concessões, permissões e autorizações

comuns, há também a concessão de uso, que são modos de utilização especial de bens públicos por particulares, distintas daquelas oriundas de delegação de prestação de serviço público, reguladas pela Lei nº. 8.987/95. As concessões de uso são reguladas pela Lei nº.

271/67, Art. 7º, in verbis,

199 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. 26 ed. Alexandre de Moraes (Org.). São Paulo: Atlas, 2006, p. 202. (grifo nosso). 200 SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. [S.1.:s.n.] [2004]. p. 211. (grifo nosso)

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É instituída a concessão de uso de terrenos públicos ou particulares, remunerada ou gratuita, por tempo certo ou indeterminado, como direito real resolúvel, para fins específicos de urbanização, industrialização, edificação, cultivo da terra, ou outra utilização de interesse social. 201

Corroborando com essas outras espécies de concessões e permissões, a Lei nº.

8.666/93, em seu Art. 17, I, “f”, preconiza que:

Lei nº. 8.666/93, Art. 17. A alienação de bens da Administração Pública, subordinada à existência de interesse público devidamente justificado, será precedida de avaliação e obedecerá às seguintes normas: I – quando imóveis, dependerá de autorização legislativa para órgãos da administração direta e entidades autárquicas e fundacionais, e, para todos, inclusive as entidades paraestatais, dependerá de avaliação prévia e de licitação na modalidade de concorrência, dispensada esta nos seguintes casos: [...] f) alienação, concessão de direito real de uso, locação ou permissão de uso de bens imóveis construídos e destinados ou efetivamente utilizados no âmbito de programas habitacionais de interesse social, por órgãos ou entidades da Administração Pública especificamente criados para esse fim; 202

Sintetizando, os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo próprio Poder Público ou ser prestados indiretamente, quando forem delegados a entidades

públicas (autarquias, fundações públicas etc.) ou privadas, na forma de concessão, permissão (desempenho ou gestão indireta), ou mediante autorização (ato discricionário e precário). Portanto, existem as concessões, permissões e autorizações de prestação delegada de serviços públicos, reguladas pela Lei nº. 8.987/95 e, no caso da autorização

pelo Art. 21, XI e XII, da CF/88, e, distintamente, aquelas atinentes à utilização especial de bens públicos por particulares, reguladas pela Lei nº. 271/67 (Art. 7º) e ratificada pela Lei nº. 8.666/93, (Art. 17, I, “f”) e ainda existem as formas tradicionais de autorizações que consistem em meros atos administrativos, discricionário e precário, como, por exemplo, autorização de porte de arma ou serviços autorizados que permitem a execução de serviços

201 Grifo nosso. 202 MEDAUAR, Odete (Org.). Coletânea de Legislação Administrativa. 4 ed. São Paulo: RT, 2004. p. 500 e 610. (Grifo nosso).

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privados de interesse coletivo como: funcionamento de ponto de táxi, de despachante

policial, de vigilância privada etc. 203

Alguns autores ainda asseveram que podem existir autorizações de serviços públicos, que o Estado esteja prestando diretamente e não por delegação. A Lei nº. 8.987/95 não prevê nenhuma hipótese de delegação por autorização de serviço público.

Outros autores afirmam que são atos que permitem a execução de serviços transitórios e

emergenciais a particulares. De qualquer forma o tema é altamente aporético. 204

A Constituição Federal de 1988 indica, expressamente, alguns serviços como

sendo da competência do Poder Público, sendo classificados em serviços públicos privativos e não privativos. 205

Eros Roberto Grau assevera que entre os serviços públicos privativos do Estado,

ainda que admitida a possibilidade de entidades do setor privado desenvolvê­los, somente

poderá fazê­lo em regime de concessão ou permissão (Art. 175 da CF/88). Quanto aos não

privativos do Estado, permite­se aos particulares prestá­los independentemente de

concessão. 206

Preceitua a Constituição Federal de 1988 que são quatro as espécies de serviços

públicos, sobre os quais o Estado não detém a titularidade exclusiva: saúde, educação,

previdência e assistência social. 207 No entanto, considerando a grande relevância social que

possuem, ficam todos submetidos a um tratamento normativo mais restrito do que o

aplicável às atividades privadas.

De qualquer forma, mesmo que os serviços de educação e saúde sejam prestados

pelo setor privado, têm eles natureza pública, conforme assevera Eros Roberto Grau,

sustentando que os Artigos 209 e 199, ambos da CF/88, preconizam que tais serviços

(ensino e saúde) são livres à iniciativa privada, inclusive se estes serviços não fossem

públicos, não haveria razão para as afirmações contidas nos dispositivos constitucionais.

203 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p.166­167. (grifo nosso) 204 Grifo nosso. 205 Grifo nosso. 206 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.p. 108. 207 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.p.626­627 .

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Haverá serviço público, também, independentemente de qual ente público os preste

(União, Estados­membros ou municípios), mesmo que sejam da administração indireta. 208

Para Celso Antônio Bandeira de Mello, existem duas espécies de serviços

públicos que só podem ser prestados pelo próprio Estado, em caráter exclusivo, ou seja,

não podem ser prestados por concessão, permissão ou autorização, quais sejam: os de

serviço postal e correio aéreo nacional (Art. 21, X, da CF/88); menciona também os casos

em que o Estado tem obrigação de prestar e de conceder, que são os serviços de

radiodifusão sonora ou de sons e imagens; finalmente os serviços que o Estado não é

obrigado a prestar, mas, não os prestando, terá o dever de promover­lhe a prestação,

mediante concessão ou permissão, são os demais serviços arrolados no Art. 21 XI e XII, da

Constituição Federal de 1988. 209

Com efeito, além dos serviços públicos mencionados na Constituição Federal de

1988, outros podem ser qualificados como públicos, contanto que sejam respeitadas as

normas relativas à Ordem econômica, as quais são garantidoras da livre iniciativa.

2.4.1 O controle e a fiscalização do serviço público pelas Agências Reguladoras

Foi estudado o longo processo de privatização e, conseqüentemente, de

desestatização que ocorreu no mundo e no Brasil, bem como o serviço público e suas

formas de delegações. É nesse contexto, que faz­se imprescindível analisar o controle e a

fiscalização pelas agências reguladoras dessa prestação de serviço público delegada às

concessionárias, permissionárias ou autorizatárias.

Antes de tratar, especificamente, sobre o controle e a fiscalização do serviço

público pelas agências reguladoras, faz­se necessário conceituá­las e tecer as suas

principais características. Agências reguladoras são autarquias de regime especial, criadas

por meio de lei para exercer função a elas outorgadas. Como qualquer autarquia, são

pessoas jurídicas de direito público com capacidade administrativa, portanto, sujeitam­se

ao mesmo tratamento das que não são reguladoras e sujeitas ao mesmo mecanismo de

208 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 108. 209 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 627­628.

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controle interno e externo. Elas têm regime especial porquanto caracteriza­se pela maior ou

menor autonomia que detêm. 210

Alexandre de Moraes conceitua agência reguladora como:

[...] autarquias de regime especial integrantes da administração indireta, vinculadas ao Ministério competente para tratar da respectiva atividade, apesar de caracterizadas pela independência administrativa, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade; ausência de possibilidade de demissão ad nutum de seus dirigentes e autonomia financeira. 211

As agências reguladoras são criadas por leis próprias (leis criadoras) e jamais por

leis que tratem genericamente dessas autarquias especiais. Elas têm autonomia

administrativa, autonomia financeira e poder normativo. Por esse motivo, a forma de

provimento de seus cargos diretivos é por mandato certo e é afastada qualquer

possibilidade de exoneração ad nutum. Se a lei não tivesse dado essa independência ao dirigente da entidade, em relação ao Governante e aos particulares envolvidos, de nada

adiantaria existir, pois se restar somente o poder de fiscalização, sem o poder normativo e

controlador, tornar­se­ia débil o sistema de controle da prestação do serviço público.

Excepcionalmente, a Lei nº. 9.883/99, denominada Agência Brasileira de

Inteligência – ABIN, não instituiu mandato para o seu Diretor­Geral. 212

Os mandatos variam de três a quatro anos, com ou sem direito à recondução. A

escolha é feita pelo chefe do executivo, no caso o Presidente da República para as agências

criadas pela União, com base em critérios capacitários previstos em lei, a fim de diminuir a

ingerência política das nomeações, e, na maioria dos casos, foi prevista a participação do

Senado Federal na escolha dos dirigentes.

A agência reguladora organiza determinado setor, regulando (normatizando),

controlando e fiscalizando a organização da atividade econômica que constitui serviço

público.

210 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 167. 211 MORAES, Alexandre de. (org.) Agência Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 24. (grifo nosso) 212 MORAES, 2002, idem, ibidem. p. 27.

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Existem as agências com poder de polícia, cujo mister é fiscalizar e reprimir; bem

como as que regulam e controlam as atividades que constituem objeto de concessão,

permissão ou autorização de serviço público ou exploração de bem público.

O empregado ingressa na agência reguladora por concurso público, sendo as

relações trabalhistas regidas pela Consolidação das Leis do Trabalho – CLT. Cabe destacar

que a Lei nº. 9.986, de 18.7.2000, estabelecia o regime de emprego público para o pessoal

das “agências reguladoras”, mas o STF, na ADIn 2.310­1/DF, suspendeu liminarmente essa

previsão legal.

Atualmente, em âmbito federal, existem as seguintes agências reguladoras:

Agência Nacional de Energia Elétrica – ANEEL (Lei nº. 9.427/96); Agência Nacional de

Telecomunicações – ANATEL (Lei nº. 9.472/97); Agência Nacional de Petróleo – ANP

(Lei nº. 9.478/97); Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA (Lei nº. 9.782/99);

Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (Lei nº. 9.961/2000); Agência Nacional de

Águas – ANA (Lei nº. 9.984/2000); Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT e

Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ (Lei nº. 10.233/2001); e Agência

Nacional de Aviação Civil – ANAC (Lei nº. 11.182/2005). 213

Não se pode confundir agência reguladora com agência executiva, haja vista que

esta é a qualificação dada a pessoa jurídica de direito público que celebra contrato de

gestão com o Ente Público com o objetivo de otimizar recursos, reduzir custos e

aperfeiçoar a prestação de serviços 214 . As entidades são preexistentes e recebem,

preenchidos os requisitos legais, a qualificação de agência executiva, a qual, portanto, é

transitória, ou seja, dura enquanto perdurar o contrato de gestão.

Essa qualificação, de agência executiva à autarquia ou fundação, poderá ser

conferida à entidade que tenha celebrado contrato de gestão com o respectivo Ministério

supervisor e ter plano estratégico de reestruturação e de desenvolvimento institucional,

voltado à melhoria da qualidade da gestão e à redução de custos, já concluído ou em

andamento. Se houver descumprimento do plano para melhoria da eficiência, a entidade

perderá a qualificação de agência executiva.

213 MORAES, Alexandre de. (Org.) Agência Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 26­27. 214 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 167.

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As agências reguladoras são controladas pelo Poder Executivo, por meio de

iniciativa de lei para criá­las, alterá­las e extingui­las, mantendo­se a coordenação geral

pela Administração Pública, indicando no projeto de lei quais as funções e finalidades da

respectiva agência; pelo Poder Legislativo, quanto ao desrespeito aos parâmetros básicos

estabelecidos na delegação legislativa poderá acarretar a sustação desses atos normativos,

com base no art. 49, V, da Constituição Federal; e pelo Poder Judiciário, quanto à

legalidade de seus atos; e seus servidores estão sujeitos às responsabilidades penais e em

relação aos crimes previstos na Lei nº. 8.429/92 (Lei de Improbidade Administrativa). No

entanto, seus atos normativos não estão sujeitos ao controle concentrado de

constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal. 215

É notório que a função da agência reguladora é demasiadamente complexa, pois

lida com interesses pecuniários de grande monta, de um lado o governante que nem sempre

está comprometido com o interesse público primário e, às vezes, quer beneficiar uma ou

outra concessionária ou permissionária e, de outro lado, os empresários que dirigem as

empresas signatárias dos contratos de concessão ou permissão de forma totalmente voltada

ao lucro, sem se importar com a qualidade do serviço prestado.

Obter lucro é o objeto de qualquer contrato de prestação de serviço público, mas

ele deve ser comedido, equilibrado, pois a agência reguladora tem como fim precípuo obter

a prestação de serviços públicos adequados e eficientes, ou seja, que atendam a todos os

princípios previstos na Constituição Federal de 1988 e nas leis que regem tais contratos, e

que sejam módicos, razoáveis; ou seja, a agência reguladora deve buscar o melhor serviço

pelo menor preço possível, sem ferir o equilíbrio econômico­financeiro da relação

contratual.

2.5 PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

As parcerias consistem em um tema aberto, porquanto açambarca tudo o que diz

respeito à reforma do aparelhamento administrativo do Estado. De acordo com o que foi

estudado, o fenômeno da globalização exige dos Governos a inserção no ordenamento

jurídico brasileiro de novos institutos ou antigos com nova roupagem, com o fim de

otimizar as inúmeras funções do Estado tornando­as eficientes, principalmente quanto à

215 MORAES, Alexandre de. (Org.) Agência Reguladoras. São Paulo: Atlas, 2002, p. 29­34.

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prestação dos serviços públicos e fomentar as atividades do setor privado para

reflexamente aprimorar o desempenho de atividades de interesse público.

Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, parceria, no vocabulário jurídico de José

Naufel, significa o mesmo que sociedade. É a “reunião de duas ou mais pessoas que

investem capital, ou capital e trabalho, com o fim especulativo em proveito comum”. 216

A mesma autora, citando Diogo de Figueiredo Moreira Neto, colaciona sua lição:

A palavra parceria, do latim partiarius, participante, vem sendo empregada tradicionalmente em direito para designar uma forma sui generis de sociedade em que não se dá a composição de um capital social nem a instituição de uma nova pessoa, mas, apenas, uma relação negocial, em que uma das partes assume obrigações determinadas com vistas a participação de lucros alcançados. 217

Claro que a palavra “parceria” pressupõe lucro, o que causa uma resistência para

sua utilização no âmbito do direito público. No entanto, o que se está fazendo é “rebatizar a

colaboração econômica” entre o setor público e o setor privado, para fins de participação

em atividades estatais de índole econômica, obvio que com escopo de lucro (ex. concessão

e permissão de serviço público). 218

Neste estudo, utilizar­se­á o vocábulo parceria para designar todas as formas de

sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica, são organizadas entre os setores

público e privado, para fins de interesse público, nos âmbitos social e econômico, ainda

que o particular aufira lucro.

Interessante a lição de Maria Sylvia Zanella di Pietro, ao tratar dos variados

objetivos e formalização dos diferentes instrumentos jurídicos, a que serve o instituto da

parceria:

a. forma de delegação da execução de serviços públicos a particulares, pelos instrumentos da concessão e permissão de serviços públicos, ou da concessão patrocinada (uma das modalidades de parcerias público­ privadas instituídas pela Lei nº. 11.079, de 30­12­2004);

216 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 40. 217 DI PIETRO, 2005, Idem, ibidem, loc. cit. (Grifo do autor). 218 DI PIETRO, idem, ibidem, p. loc. cit.

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b. meio de fomento à iniciativa privada de interesse público, efetivando­ se por meio de convênio ou contrato de gestão; c. forma de cooperação do particular na execução de atividades próprias da Administração Pública, pelo instrumento da terceirização (contratos de prestação de serviços, obras e fornecimento, sob a forma de empreitada regida pela Lei nº. 8.666, de 23­6­93, ou de concessão administrativa, regida pela Lei nº. 11.079/2005 ­sic); d. instrumento de desburocratização e de instauração da chamada Administração Pública gerencial, por meio dos contratos de gestão. 219

A palavra “parceria” deve ser tratada com certa distinção em relação à “gestão

associada”, pois com ela não se confunde (Art. 241 da CF/88), haja vista a segunda

designar a atuação conjunta da União, Estados, Distrito Federal e Municípios nas matérias

de competência comum, formando convênios ou consórcios, sendo as entidades do mesmo

nível.

Existem diversas parcerias que o Poder Público efetiva com os particulares, sendo

assim, algumas delas vale ser estudadas nesta subseção.

2.5.1 Franquia

O conceito de franquia ainda é muito novo em relação à Administração Pública.

No âmbito do direito privado, desenvolve­se paralelamente à do contrato de concessão

mercantil, mas não pode ser confundido com a concessão do Direito Administrativo.

Não existe um padrão uniforme de contrato de franquia. O conceito de franquia

empresarial, segundo Marçal Justen Filho, é:

Franquia empresarial é um contrato organizacional, por meio do qual um sujeito cede a outro a faculdade de explorar atividade econômica sobre a qual detém privilégio de exclusividade e (ou) se obriga a ceder­lhe direitos e conhecimentos essenciais à sua exploração, mediante remuneração consistente num preço ou (e) numa participação nos resultados. 220

Esse tipo de contrato enquadra­se no âmbito dos contratos de distribuição,

interpondo­se o empresário entre o consumidor e o produtor, em sentido amplo. A franquia

219 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 40­41. 220 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 566.

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provoca a diluição da identidade do franqueado perante a clientela. Já o franqueado

funciona como elemento da cadeia empresarial, identificada por caracteres padronizados,

tanto jurídicos (títulos de estabelecimento e marcas) como fáticos (padrões visuais de

exercício da atividade empresarial, decoração externa e interna de lojas, uniforme etc.).

O franqueado não é um mero revendedor, haja vista que o contrato lhe impõe

deveres que ultrapassam a comercialização de produtos ou prestação de serviços. Os

procedimentos aplicáveis no desenvolvimento da atividade empresarial do franqueado

também estão abrangidos pelo contrato.

Para este estudo, cingir­se­á a aplicação da franquia no âmbito dos serviços

públicos. Inicialmente, deve­se contar que a franquia empresarial não pode ser utilizada

para delegação de serviços públicos a particulares, haja vista que os serviços públicos são

prestáveis diretamente pela pessoa política ou podem ser transferidos à iniciativa privada

somente por concessão ou permissão. Existe uma contradição entre franquia e serviço

público, pois somente existiria franquia se não houvesse serviço público, mas havendo

seria descabido promover sua franquia. 221

Reitere­se que a franquia é um contrato de direito privado, apto a instrumentalizar

relações jurídicas entre particulares, cujo objeto não envolva serviços de natureza pública.

O franqueador não dispõe da faculdade de interferir sobre a órbita interna do franqueado,

tornando impossível a adoção das conhecidas cláusulas exorbitantes, pois são

características peculiares das concessões e permissões.

Sabe­se que a denominação formal do contrato é irrelevante, pois pode­se

produzir uma concessão ou permissão de serviço público, atribuindo­lhe a denominação de

franquia, sem que isso afete sua real natureza jurídica. Nesse caso, aplicar­se­ia o regime

próprio dos serviços públicos e das concessões e permissões.

Assunto divergente em relação a esse tema são as franquias firmadas pela

Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, destinadas a colher as correspondências. Não

se sabe bem ainda, a natureza jurídica dessa espécie de contrato, mas segundo Marçal

Justen Filho, “subordina­se a regime jurídico de uma concessão de serviço público, no

221 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 567.

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sentido de que as atividades delegadas ao particular permanecem subordinadas ao regime

próprio.” Afirmam, ainda, o autor que não há fragmentação do serviço público. 222

Entende o referido autor que não “[...] se subordina uma parcela das atividades ao

regime jurídico próprios das atividades econômicas em sentido restrito”. 223

Em face do que foi exposto, deve­se concluir que “franquia” é uma denominação

equivocada e inadequada para qualificar o vínculo jurídico de direito público existente

nesses tipos de contrato.

2.5.2 Terceir ização

O termo “terceirização” tem sido utilizado para determinar os serviços contratados

pela Administração Pública que pertinem à sua atividade­meio.

É muito utilizada na seara das atividades econômicas privadas, referindo­se a

tendência à redução da extensão da organização empresarial, ou seja, indica a transferência

para terceiros, promovida pelo agente econômico, do desempenho de certas atividades

específicas, necessárias à prestação do serviço ou à produção e circulação da mercadoria. 224

Na concepção de Lourival José de Oliveira, Terceirização trata­se de uma técnica

de organização empresarial, que têm vantagens e desvantagens, mas, “não obstante os

defensores do processo de terceirização, têm­se em conta também os resultados não muito

vantajosos a ela atribuídos”. E exemplifica:

A título de exemplo, vale citar o desastre ocorrido em uma das plataformas marítimas da Petrobrás de extração de petróleo denominada de P­36. Naquela oportunidade, descobriu­se que uma grande percentagem dos trabalhadores que exerciam a função de petroleiros estavam vinculados a empresas interpostas, empresas de terceirização, verificando­se que as empresas fornecedoras de mão­de­obra não cuidavam suficientemente dos treinamentos necessários dos seus petroleiros, podendo esse fator ter contribuído para o acidente ocorrido.

222 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 568. 223 JUSTEN FILHO, op.cit., 2006, p. loc. cit. 224 JUSTEN FILHO, ibidem, 2006, p. 565.

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Em face das denúncias, recentemente a Petrobrás assumiu o compromisso de redução do trabalho terceirizado nas plataformas exploradoras de petróleo. 225

Marçal Justen Filho assevera que “Terceirização consiste num contrato de

prestação de serviços por meio do qual um sujeito transfere a outrem o dever de executar

uma atividade determinada, necessária à satisfação de um dever”. 226

O instituto da “terceirização” tem mais cunho econômico do que jurídico e, nesse

sentido, “terceirização” é um “contrato de prestação de serviços, cuja maior peculiaridade

reside na transferência dos encargos de desempenho de uma atividade que o sujeito está

obrigado a realizar”. No sentido econômico, a “terceirização” produz a redução da

estrutura empresarial de um sujeito, refletindo a especialização do desempenho de

atividades. Produz os seguintes efeitos:

a) redução da dimensão das atividades econômicas desenvolvidas por um sujeito, intensificando sua especialização; b) transferência para um terceiro autônomo dos encargos referentes à produção ou circulação de bens e (ou) serviços determinados; c) manutenção pelo sujeito, perante o mercado, da titularidade da prestação integral dos bens e (ou) serviços, de molde a que a terceirização permaneça como fenômeno interno à empresa. 227

A terceirização é a contratação, por determinada empresa, do trabalho de terceiros

para o desempenho da atividade­meio. Esse conceito, segundo Maria Sylvia Zanella Di

Pietro, mesmo se referindo ao Direito do trabalho, é também utilizado na Administração

Pública. 228

Anota a autora, que a Administração Pública, com muita freqüência, celebra

contratos de empreitada e de fornecimento, com fundamento no Art. 37, XXI, da

Constituição de 1988, observadas as normas da Lei nº. 8.666/93, refere­se, então, à

execução indireta.

225 OLIVEIRA, Lourival José de. Do Trabalho Terceirizado: Possibilidade de Cumprimento da sua Função Social na Nova Dinâmica Empresarial?. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 100­101. 226 JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 565. 227 JUSTEN FILHO, 2006, idem ibidem, loc. cit. 228 DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização, Parceria Público­Privada e outras Formas. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 342.

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O Decreto nº. 2.271, de 1997, arrola as atividades que, preferencialmente, devem

ser terceirizadas na área pública, como administração indireta e não inerentes ao serviço

público: manutenção de prédios, equipamentos e instalações, bem como os serviços de

limpeza, vigilância, informática, transportes, reprografia, copeiragem e alguns serviços

administrativos não essenciais. Ainda, segundo o Decreto, não podem ser terceirizados os

serviços considerados típicos da administração pública e inseridos no plano de cargos da

entidade.

Tratando de terceirização, também não se pode deixar de mencionar a previsão

legislativa expressa constante no Decreto­Lei nº. 200, de 25.02.67, que em seu art. 10, § 7º,

preceitua que:

Para melhor desincumbir­se das tarefas de planejamento, coordenação, supervisão

e controle, e com o objeto de impedir o crescimento desmensurado na máquina

administrativa, a administração procurará desobrigar­se da realização material de tarefas

executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato, desde

que exista, na área, iniciativa privada suficientemente desenvolvida e capacitada a

desempenhar os encargos de execução.

Dos conceitos e observações acima explicitados, o que não pode haver é a

confusão da “terceirização” com a delegação do serviço público, pois esta transfere ao

particular a prestação do serviço público que envolve toda uma legislação, um regime

rígido e interesse público. Aquela representa as contratações, feitas pela Administração

Pública, de determinados serviços técnicos relativos às atividades­meio e não às

atividades­fim que são privativas e exclusivas do Poder Público.

2.5.3 Autor ização

A autorização é um instituto do Direito Administrativo que desperta muita

discussão quanto à sua aplicabilidade aos serviços públicos. Alguns autores afirmam que

não seria uma das modalidades de delegação da prestação dos serviços públicos, pois trata

de interesse privado. Outros autores entendem cabível a autorização de serviço público,

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porque o interesse indiretamente atingido seria o da sociedade, como, por exemplo, os

serviços de taxistas, de despachantes policiais, de auto­escolas, de vigilâncias privadas e

outros.

Para alguns autores, a autorização é um ato pelo qual o Poder Público permite que

terceiros prestem serviços que não são exigidos sua execução pela própria Administração,

nem pedem especialização na sua prestação ao público, como ocorre com os serviços de

táxi, de despachantes, de pavimentação de ruas por conta dos moradores, de guarda

particular de estabelecimentos e residências, os quais não sendo uma atividade pública

típica, convém que o Poder Público conheça e credencie seus executores, segundo Hely

Lopes Meirelles. 229

Ainda, de acordo com o autor, a contratação desses serviços com o usuário é

sempre uma relação de direito privado, sem participação ou responsabilidade do poder

público.

Para outros doutrinadores “a autorização possui a natureza de ato administrativo

discricionário, precário, pelo qual o Poder Público consente com o exercício de atividade,

pelo particular, que indiretamente lhe convém (o interesse é do particular)”. 230 , tem­se neste

caso a autorização para uso do porte de arma.

Portanto, segundo a doutrina, existem três modalidades distintas de autorização. A

autorização de uso, em que um particular é autorizado a utilizar bem público de forma

especial, prevista na Lei nº. 271/67 (Art. 7º) e ratificada pela Lei nº. 8.666/93, (Art. 17, I,

“f”), como, por exemplo, na autorização de uso de via pública para realização de

quermesse.

Autorização de atos privados controlados, onde o particular não pode exercer

certas atividades exercidas por particulares, mas consideradas de interesse público, não

podendo o particular exercê­las sem autorização do poder público (ex. serviço de táxi,

despachantes policiais, auto­escolas etc.). Esse instituto é semelhante à licença, mas dela se

distingue, porque a autorização é ato discricionário da administração e a licença é ato

vinculado, ou seja, é uma autorização vinculada. Portanto o interessado tem o direito de

229 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 391. 230 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 166.

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obtê­la, podendo exigi­la, desde que preencha os requisitos necessários (ex. alvará,

habilitação para dirigir veículos, licença para localização e funcionamento de

estabelecimento comercial e outros).

Autorização de serviços públicos onde, nessa qualidade, pode se classificar como

uma modalidade de delegação de serviço público, paralelamente à concessão e à

permissão. Essa autorização de serviços destina­se a serviços muito simples, de alcance

limitado, ou a trabalho de emergência, por exemplo: conservação de praças, jardins ou

canteiros de avenidas, em troca de afixação de placa com o nome da empresa etc. 231

No caso acima, é relevante observar a previsão da autorização, como forma de

delegação do serviço público, pelos incisos XI e XII do Art. 21 da CF/88 (explorar,

diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de

telecomunicações, radiodifusão sonora e de sons e imagens, instalações de energia elétrica

e o aproveitamento energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se

situam os potenciais hidroenergéticos, navegação aérea, aeroespacial e infra­estrutura

portuária, os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e

fronteiras nacionais, transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros, os

portos marítimos, fluviais e lacustres). 232

Portanto, é exceção e não regra, na delegação de serviços públicos. Essa

autorização de serviços geralmente seguem as normas da concessão e da permissão de

serviços, no que for cabível. Na autorização de serviços, a licitação pode ser dispensável

ou inexigível (Artigos. 24 e 25 da Lei nº. 8.666/93), podendo ser formalizada por decreto

ou portaria, nos casos de ato unilateral, discricionário e precário.

Diante dessas divergências na doutrina, quanto à esse instituto, conclui­se que

existem as autorizações de prestação delegada de serviços públicos, reguladas pela Lei nº. 8.987/95; conforme preceitua o Art. 21, XI e XII, da CF/88, e, distintamente, a autorização

de utilização especial de bens públicos por particulares, reguladas extensivamente pela Lei nº. 271/67 (Art. 7º) e ratificada pela Lei nº. 8.666/93, (Art. 17, I, “f”) e ainda existem

as formas tradicionais de autorizações que consistem em meros atos administrativos, de

231 MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004, p. 356. 232 Grifo nosso.

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interesse privado, discricionário, unilateral e precário, como, por exemplo, autorização de

porte de arma. 233

É relevante, ainda, registrar que alguns autores entendem existir mais uma

modalidade de autorização, nas situações em que o Poder Público esteja prestando diretamente os serviços públicos e não por delegação. Nesse caso, o Estado estaria

prestando diretamente o serviço, por meio de autorização, pois o serviço teria o caráter

público, como, por exemplo, o serviço público prestado por Cartórios extrajudiciais

notariais, de protesto e registro de imóveis.

2.5.4 Permissão

Além da concessão, o Estado vale­se de outra modalidade de prestação indireta

dos serviços públicos, qual seja a permissão.

Na lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, no que se refere à permissão tem­se

o seguinte conceito:

Ato unilateral e precário, intuitu personae, através do qual o Poder Público transfere a alguém o desempenho de um serviço de sua alçada, proporcionando, à moda do que faz na concessão, a possibilidade de cobranças de tarifas dos usuários. Dita outorga se faz por licitação (Art. 175 da Constituição Federal) e pode ser gratuita ou onerosa, isto é, exigindo­se do permissionário pagamento(s) como contraprestação. 234

Com efeito, a precariedade que a Administração dispõe, significa estabelecer

alterações ou alterá­las a qualquer tempo, desde que fundadas as razões, sem obrigação de

indenizar o permissionário. Esta característica é apontada pela doutrina como grande ponto

de antagonismo entre a permissão e a concessão de serviço público.

Observa­se que serviço permitido é serviço de utilidade pública e, como tal, sempre sujeito às normas do Direito Público. Segundo Hely Lopes Meirelles a permissão

vem sendo a modalidade preferida pelas Administrações Federal, Estaduais e Municipais

233 Grifo nosso. 234 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 666.

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para delegação de serviços de transporte coletivo a empresas de ônibus nas respectivas

áreas de sua competência. 235

É uma forma de delegação de serviço público análoga à concessão, porém mais

precária que esta, pois a concessão é mais estável e a permissão mais precária. As regras

são as mesmas do Art. 40, parágrafo único, da Lei nº. 8.987/95.

A concessão exige autorização legislativa, licitação exclusivamente na modalidade

concorrência, formalização por contrato e prazo determinado, bem como abrange somente

pessoas jurídicas ou consórcio de empresas.

A permissão, em regra, não exige autorização legislativa; admite qualquer

modalidade de licitação e não apenas a concorrência; é formalizada por contrato de adesão

e não tem, necessariamente, prazo determinado. Abrange tanto pessoas jurídicas como

pessoas físicas.

Explicando melhor, a Lei nº. 8.987/95, em seu Art. 23, preceitua que as

concessões formalizam­se por contrato e as permissões formalizam­se por contrato de

adesão (Art. 40), dando a impressão de que nas concessões o contrato seria paritário, com

igualdade entre as partes. Contratos paritários são os contratos em que as partes estão no

mesmo nível, debatendo livremente as cláusulas. Contratos de adesão são aqueles em que

uma das partes, certamente o Poder Público, impõe todas as cláusulas em bloco, cabendo à

outra apenas aderir ou não ao estipulado, como ocorre, por exemplo, nos contratos de

transporte urbano ou de fornecimento de energia elétrica.

Na verdade, porém, nas concessões o contrato também poderia ser considerado de

adesão, vez que vinculado à minuta contida no edital de concorrência (Art. 18, XIV), bem

como há supremacia do poder concedente em relação ao contratante particular.

No caso da concessão, a autorização legislativa consiste no fato de o serviço

público ser outorgado por lei e delegado por contrato. A lei outorga ao Poder Público

(entidade estatal) a titularidade do serviço público e somente por lei se admite a mutação

da titularidade (princípio do paralelismo das formas). Nos serviços delegados há

235 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002. p. 390. (grifo nosso)

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transferência da execução do serviço por contrato (concessão) ou ato negocial (permissão

ou autorização).

Considerando que a parceria público­privada é uma forma de concessão, todos os

conceitos e as características explicitadas nesta subseção a ela se aplica.

2.5.5 Concessão

Algumas atividades possibilitam sua exploração econômica, ou seja, autorizam a

cobrança de contraprestação dos usuários que são capazes de suportar as despesas,

acrescidas da vantagem financeira. O Poder Público pode transferi­las ao setor privado

mediante concessão, sem adicional na remuneração, configurando a concessão tradicional.

São contratos administrativos pelos quais a administração pública faculta a

alguém, em caráter não precário, a prestação de um serviço público ou a realização de uma

obra pública. No contrato de obra pública o Estado paga a obra. No contrato de concessão

de obra pública o Estado não paga a obra; quem a custeia é o concessionário mediante a

previsão da exploração da obra por determinado lapso temporal.

Celso Antônio Bandeira de Mello define Concessão de serviços públicos como:

É o instituto através do qual o Estado atribui o exercício de um serviço público a alguém que aceita prestá­lo em nome próprio, por sua conta e risco, nas condições fixadas e alteráveis unilateralmente pelo Poder Público, mas sob garantia contratual de um equilíbrio econômico­ financeiro, remunerando­se pela própria exploração do serviço, em geral e basicamente mediante tarifas cobradas diretamente dos usuários do serviço. 236

Para se caracterizar Concessão de serviço público, é indispensável que o

concessionário se remunere pela exploração do próprio serviço concedido.

Insta acentuar que, para o autor, só há concessão de serviço público quando o

Estado considera o serviço em causa como próprio do Poder Público. Além disso, é

236 MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003. p. 664. (grifo nosso)

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necessário que sua prestação não haja sido reservada exclusivamente ao próprio Poder

Público. 237

Na lição de Hely Lopes Meirelles, destaca­se que “pela concessão o poder

concedente não transfere propriedade alguma ao concessionário, nem se despoja de

qualquer direito ou prerrogativa pública. Delega, apenas a execução do serviço, nos limites

e condições legais”. 238

Destarte, mesmo não sendo prestado diretamente o serviço pelo Poder Público,

continua sendo público, pode o poder concedente, a qualquer tempo no curso da concessão, retomar o serviço concedido mediante indenização ao concessionário.

A Constituição Federal previu expressamente a concessão de serviços públicos em

seu Art. 175: “incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de

concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

Com o objetivo de se cumprir essa previsão constitucional, foi promulgada a Lei Federal

nº. 8.987/95.

Na concessão de serviços, o poder público delega a prestação dos mesmos a

entidades públicas ou privadas, que os executam por sua conta e risco, com remuneração

paga, em regra pelo usuário.

A concessão só pode ser dada a pessoa jurídica ou consórcio de empresas,

devidamente capacitadas, mediante concorrência. A concessão é outorgada a “empresas”,

ou seja, a organizações econômicas, que podem ter como titular tanto uma pessoa jurídica

como uma pessoa física. A Lei. nº. 8.987/95, porém, restringiu o contrato apenas às pessoas

jurídicas (Art. 2º, II). Deve ser observado que os contratos da concessionária com terceiros

não envolvem o poder concedente.

Admite­se a subconcessão, desde que autorizada. A concessionária pode proceder

às desapropriações necessárias, mediante outorga de poderes, por parte do concedente. O

poder concedente pode fiscalizar os serviços, bem como intervir na concessão, se

237 Grifo nosso. 238 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 371.

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necessário. Os serviços da concessionária devem ser adequados, isto é, executados de

acordo com os princípios do serviço público.

A concessão pode extinguir­se, entre outros motivos, por encampação,

caducidade, anulação ou rescisão.

A encampação consiste na ocupação ou retomada do serviço pelo poder

concedente, por motivo de interesse público (Lei nº. 8.987/95, Art. 37), com a rescisão

unilateral na vigência do contrato. Cabe indenização prévia ao concessionário. Entende­se

correta, a determinação que exige lei autorizativa da retomada, por atender ao “paralelismo

das formas”. 239

Caducidade é semelhante à encampação, mas dá­se por motivo de inexecução do contrato por parte do concessionário. Não cabe indenização, em princípio. É uma sanção

pelo descumprimento grave do contrato de concessão, cabendo penalidades legais e

contratuais. É obrigatória a instauração de procedimento administrativo próprio, garantindo

a ampla defesa e o contraditório. 240

A anulação ocorre por ilegalidade na concessão (no processo licitatório ou na contratação). A Administração pode reconhecer a ilegalidade (efeitos ex tunc), distintamente da rescisão ordenada sob a forma de encampação, que não opera efeitos

retroativos (ex nunc). Contra ilegalidade na contratação de concessão cabe ação popular ou ação civil pública. A invalidação pode ser imposta pelo Judiciário ou pela própria

Administração. 241

Rescisão é a extinção do contrato de forma bilateral ou unilateral, esta imposta pelo poder concedente ou ordenada pelo Judiciário (rescisão judicial) em ação movida pelo

descumprimento de encargos por parte do Poder Público. 242

Os serviços públicos, como foi estudado, são delegáveis quando são pró­cidadão

ou de utilidade pública e indelegáveis quando são pró­comunidade, essenciais ou

propriamente ditos.

239 ROSA, Márcio Fernando Elias. Direito Administrativo. 8 ed. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 163. (grifo nosso) 240 ROSA, op. cit., 2006, p. 163. (grifo nosso) 241 ROSA, Idem, ibidem, 2006, p. 164. (grifo nosso) 242 ROSA, Idem, ibidem, 2006, p. 164. (grifo nosso)

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Questão controversa é em relação à possibilidade de interrupção na prestação de

serviços públicos, em razão do não­pagamento pelo usuário. Os serviços remunerados por

tributos não admitem a paralisação (serviços gerais ou uti universi). Os outros serviços podem ou não ser paralisados; os essenciais à população não autorizam a interrupção no

fornecimento, porquanto são indispensáveis e vinculados ao princípio da continuidade.

Esse assunto foi estudado em subseção anterior.

Aplicam­se às concessionárias de serviços públicos as normas do CDC (Art. 22 e

42). O STJ entende que o não­fornecimento pode constituir­se meio ilegal de cobrança ou

da tarifa ou da multa. O excelso Supremo Tribunal Federal decidiu de forma contrária.

Os serviços públicos centralizados são prestados diretamente pelo Poder Público,

em seu próprio nome e sob sua exclusiva responsabilidade, ou de forma desconcentrada,

que são os prestados pelo Poder Público, por seus órgãos, atraindo para si a

responsabilidade na execução e os delegados, que podem ser prestados de forma

descentralizada, os quais são prestados por terceiros, mediante transferência da titularidade

ou possibilidade de execução, seja por outorga (lei) a pessoas jurídicas criadas pelo Estado

ou por delegação (contrato): concessão ou ato unilateral, permissão e autorização.

A concessão de serviços precedida da execução de obra é semelhante à parceria

público­privada, mas não pode ser confundida. Naquela modalidade de concessão, deve o

concessionário primeiro construir, conservar, reformar, ampliar ou melhorar determinada

obra pública, por sua própria conta e risco, para depois explorar o serviço por prazo

determinado, suficientemente longo, para que obtenha a remuneração e amortização de seu

investimento. Remuneração essa cobrada do próprio usuário. É comum a aplicação dessa

espécie de concessão na reforma e conservação de estrada de rodagem, remunerada depois

pelo pedágio, pago pelos usuários.

2.5.6 Outras formas de parcer ia

Estudada a franquia, a terceirização, a autorização, a permissão e a concessão,

como forma de parcerias, outras existem na seara da Administração Pública, as quais

mencionar­se­ão a seguir.

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Quanto ao fomento à iniciativa privada de interesse público, existem os convênios

ou contratos de gestão.

Segundo Hely Lope Meirelles, convênios são “acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie ou entre estas e organizações particulares, para realização de

objetivos de interesse comum dos partícipes”. 243

Os contratos de gestão podem ser importante instrumento de ação do poder público, quer sob a forma de contratualização da tutela sobre as entidades da

Administração Indireta, quer sob a forma de parceria com a iniciativa privada. No primeiro

caso, o contrato fixa programa a ser cumprido pela entidade em troca do reconhecimento

de maior autonomia. No segundo caso, o contrato fixa igualmente programa a ser

cumprido pela entidade que atua como paraestatal, em colaboração com o Poder Público,

recebendo ajuda financeira para esse fim. 244

Se, no caso da Administração Indireta, o contrato de gestão tem como

contrapartida a flexibilização do regime jurídico administrativo, no caso da entidade

privada o contrato serve ao objetivo contrário, pois, ao invés de permitir a submissão

integral ao regime jurídico privado, exige­se da entidade a obediência a determinadas

normas e princípios próprios do regime jurídico publicístico, colocando­as na categoria de

entidades paraestatais.

A celebração de contratos de gestão com entidades da Administração Indireta é,

em tese, possível, mas encontra inúmeros óbices no direito positivo brasileiro, já que a

possibilidade de flexibilizar o funcionamento da entidade, pela outorga de maior

autonomia, é muito difícil, porque esbarra em normas constitucionais. Parte desses óbices

ficou superada com a EC nº. 19/98, que previu, no Art. 37, § 8º, da CF/88, a celebração

desse tipo de contrato. No entanto, os limites da autonomia a ser exercida com base no

contrato de gestão dependem de legislação infraconstitucional, prevista expressamente no

referido dispositivo.

243 MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. Atualizada por AZEVEDO, Eurico de Andrade; ALEIXO, Délcio Balestero; BURLE FILHO, José Emmanuel. 27. ed. São Paulo: Malheiros, 2002, p. 358. (grifo nosso) 244 Grifo nosso.

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A celebração de contratos de gestão com entidades privadas (ditas paraestatais) é

também possível, desde que sejam obedecidas as normas constitucionais e legais

pertinentes, especialmente as que cuidam de repasse de verbas públicas e controle.

Vale lembrar também, como forma de parcerias em sentido amplo, os termos de

cooperação, licenciamentos, arrendamentos e, quanto à forma de delegação da execução de

serviços públicos a particulares, adveio a parceria público­privada (PPP), instituída pela

Lei nº. 11.079, de 30.12.2004, instituto esse que é objeto de estudo do próximo capítulo.

Destarte, concluindo esta seção, a prestação de serviços públicos não se confunde

com a exploração direta de atividade econômica pelo Estado, que só será permitida quando

necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,

conforme definidos em lei, que ainda não foi promulgada pelo Congresso Nacional, haja

vista ser atividade típica da iniciativa privada. O serviço público constitui­se atividade

essencial à coletividade prestada pelo Estado, sendo razão da existência deste.

Além dessa forma de atuação no domínio econômico, o Estado age também, na

forma de intervenção, como agente normativo e regulador da atividade econômica,

fiscalizando, incentivando e planejando tais atividades e, por fim, deve reprimir o abuso do

poder econômico. Portanto, neste caso o Estado age munido do poder de polícia para

intervir na atuação do particular concessionário, permissionário ou autorizatário.

A parceria público­privada tem como objeto a prestação do serviço público ou de

utilidade pública, não se constituindo forma de exploração direta da atividade econômica,

porquanto esta caracteriza­se forma de atuação ou intervenção do Estado no domínio

econômico e aquela constitui­se objeto primordial da função estatal.

Verificou­se que, no texto constitucional, o Legislador constituinte consignou

como o escopo da ordem econômica assegurar a todos existência digna, conforme os

ditames da justiça social, que somente se realiza por meio de eqüitativa distribuição da

riqueza, em observância aos princípios constitucionais, visando diminuir a pobreza e as

desigualdades sociais.

Malgrado o país viver um modelo de Estado neoliberal e os efeitos da

globalização, na seara econômica, alguns princípios relevantíssimos foram prestigiados,

como o da livre iniciativa e o dos valores sociais do trabalho, erigidos também como

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fundamento da República e do Estado Democrático de Direito e princípio constitucional da

Ordem econômica e financeira, juntamente com a valorização do trabalho humano,

pretendendo que o particular fosse o principal agente responsável pelo desenvolvimento da

“atividade econômica”, visando a incrementação da economia nacional para o bem da

coletividade. 245

Portanto, enquanto a livre iniciativa consiste no direito de estabelecer­se, a livre concorrência é o direito de se manter na exploração da atividade econômica, em benefício do desenvolvimento econômico. 246

Tutelou­se, também, a dignidade da pessoa humana como pressuposto básico de todo o ordenamento jurídico e fundamento do Estado Democrático de Direito e da

República Federativa do Brasil. 247

A privatização constitui um fenômeno mundial de desnacionalização ou

desestatização das empresas estatais, entre elas as empresas públicas e sociedade de

economia mista, em sentido estrito, alienando­as para diminuir o tamanho do Estado, por

força do modelo neoliberal de Estado que vive o País e por força da globalização.

Já, em sentido amplo, a privatização açambarca a desregulação, como diminuição

da intervenção do Estado no domínio econômico; a desmonopolização de atividades

econômicas; os contracting out, como os convênios, os contratos de obras, prestação de serviços, terceirização e a concessão de serviços públicos, enquadrando­se aqui os casos de

parceria público­privada que forem contratados.

O vocábulo “privatização” deve ser tratado distintamente de “terceirização”. Este

segundo termo é utilizado para conceituar serviços da atividade­meio contratados por

empresas privadas ou mesmo por algumas pessoas jurídica de direito público, como, por

exemplo, serviços de limpeza. O primeiro termo compreende o ato pelo qual uma empresa

estatal da administração indireta é vendida para particulares, como ocorreu com a Vale do

Rio Doce e a CSN. A privatização foi um fenômeno que se disseminou pelo mundo todo,

inclusive com muita intensidade no Brasil.

245 Grifo nosso. 246 Grifo nosso. 247 Grifo nosso.

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É certo, que o Poder Público tem o dever de prestar serviços públicos que lhe são

confiados pelo ordenamento jurídico e seu objetivo maior é assegurar o desenvolvimento

sócio­econômico do país e o bem­estar da sociedade, isso, evidentemente, sem auferir

lucro, pois independentemente do retorno econômico, o Estado deve implantar a infra­

estrutura necessária ao crescimento.

A parceria é uma forma de fomentar a atividade econômica e de o Estado, em

conjunto com a sociedade, prestar serviços públicos adequados e eficientes. Essas parcerias

podem revestir­se nas modalidades de franquia, terceirização, autorização, permissão,

concessão e outras formas, como, por exemplo, os convênios e os contratos de gestão; mas

a mais nova modalidade, que se enquadra como espécie de concessão é a parceria público­

privada, na modalidade patrocinada e administrativa, que será estudada na próxima seção.

Considerando, então, que a parceria público­privada é uma forma de concessão do

serviço público, aplica­se à mesma o Código de Defesa do Consumidor e deve o serviço

por ela prestado ser controlado, regulado (normatizado) e fiscalizado pela agência

reguladora competente para esse desiderato.

Destarte, “a concessão de serviços e de obras públicas e os vários modos de

parceria com o setor privado, inclusive a parceria público­privada, constituem formas de

privatizar”, bem como a própria desburocratização necessária para algumas atividades da

Administração Pública também constituiria um instrumento de privatização.

Os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo próprio Poder Público ou ser prestados indiretamente, quando forem delegados a entidades públicas (autarquias, fundações públicas etc.) ou privadas, na forma de concessão (inserindo­se aqui a parceria

público­privada), permissão (desempenho ou gestão indireta), ou mediante autorização (ato discricionário e precário). 248

Portanto, existem as concessões, permissões e autorizações de prestação delegada de serviços públicos, reguladas pela Lei nº. 8.987/95 e, no caso da autorização, pelo Art. 21, XI e XII, da CF/88, e, distintamente, aquelas atinentes à utilização especial de bens públicos por particulares, reguladas pela Lei nº. 271/67 (Art. 7º) e ratificada pela Lei nº. 8.666/93 (Art. 17, I, “f”), e ainda existem as formas tradicionais de autorizações que consistem em meros atos administrativos, discricionários e precários.

248 Grifo nosso.

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3 PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA

Após as nações viverem o autoritarismo do Estado absolutista e as conseqüências

funestas do Estado liberal, surge o Estado social que atrai para si um volume de atribuições

impossíveis de serem cumpridas, tendo de criar empresas públicas e sociedades de

economia mista para atender as demandas econômicas e sociais assumidas.

No interregno compreendido entre o final da I Guerra Mundial e a Reforma do

Estado havia o dogma de que este deveria nutrir todas as necessidades da sociedade,

gerindo­as unicamente com o aparelhamento público, cabendo aos particulares tão somente

financiá­las, sem maiores responsabilidades.

Essa idéia provocou um agigantamento do Estado e desencadeou crises

econômicas que deram ensejo a um movimento mundial de privatização e

consequentemente de desestatização.

No entanto, a venda de empresas estatais e a delegação da prestação do serviço

público aos particulares, por meio de contratos de concessão, permissão ou autorização,

não foram suficientes para o Estado recuperar o seu poder de investimento em infra­

estrutura.

Assim, paralelamente à privatização ocorrida, o Estado iniciou essas delegações

da prestação de serviços públicos a particulares, conforme ensinamento de Raquel Dias da

Silveira:

[...] o Estado começou a transferir a execução de suas competências a terceiros, mediante os institutos da concessão, permissão e autorização e, agora, possibilitando outras formas de contratação com a iniciativa privada, por meio das parceria público­privadas. 249

Na década de noventa, com a instabilidade acarretada pelo sistema econômico,

financeiro, social e administrativo, reduziu­se drasticamente a dimensão do Estado sem,

249 SILVEIRA, Raquel Dias da. Os Processos Privatizadores nos Estados Unidos, Europa e América Latina: Tentativa de Compreensão do Fenômeno das Privatizações como Política Econômica do Modelo Neoliberal no Brasil. [S.1.:s.n.] [2004]. p. 211. (Grifo nosso)

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contudo, diminuir sua carga. A solução, como foi explicitado, foi um modelo inverso ao

anterior que propiciasse ao particular a assunção de responsabilidades públicas.

Nesse sentido, observa Adílson Abreu Dallari:

Acabou­se o ‘tempo das vacas gordas’, do gasto público desenfreado, dos contratos sem recursos para atender a eles, da emissão desbragada de moeda sem valor, da inflação galopante etc. Em tempos de austeridade orçamentária e financeira, em tempos de duro combate ao déficit público, é preciso que as entidades públicas busquem recursos junto ao setor privado da economia. 250

Surgem, então, as diversas formas de parcerias do Poder Público com o setor

privado, como foi tratado no capítulo anterior, visando melhores condições de prestar os

serviços públicos ou de utilidade pública, que é seu fim precípuo, e de viabilizar a

construção de obras de infra­estrutura, ou seja, de alcançar um estado de bem­estar da

coletividade.

Nesse sentido, é indispensável destacar que a legislação brasileira de parceria se

desenvolveu sob a égide da Reforma do Estado e quando se dizia que o Brasil precisava de

uma lei que a instituísse, almejava­se a complementação da legislação para viabilizar

contratos específicos que ainda não podiam ser implementados, por escassez normativa, ou

vedação legal. Surgem, assim, as concessões como ferramenta para recriação do Estado.

O surgimento desse modelo de contratação não pode ser analisado de maneira

isolada; em verdade, o assunto adveio da crise do Estado do Bem–Estar Social

desenvolvido no Brasil a partir da década de 1990 e que teve seu apogeu no governo

Fernando Henrique Cardoso, com o fomento ao chamado Terceiro Setor e as privatizações

de grandes empresas federais, como por exemplo, a Vale do Rio Doce e a CSN.

Faz­se necessário, nesta oportunidade, observar que os contratos de parceria

distinguem­se do modelo de privatização, pois nesta o Estado se desfaz do patrimônio, e na

parceria não, haja vista que os ativos ainda não existem, pois serão criados por meio dessa

parceria.

250 DALLARI, Adílson Abreu. Parcerias em transporte público. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público­Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 360.

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A Constituição Federal de 1988 estabeleceu o regime básico das concessões e

permissões no seu Artigo 175 e dentro dessa ótica as Leis nº. 8.987/1995, nº. 9.074/1995 e

n nº. 9.648/1998 deram cumprimento ao ditame constitucional.

Depois, no governo do presidente Luis Inácio Lula da Silva passou­se a defender

a idéia de implantação, assim como a urgência do que se convencionou chamar de “PPP”,

almejando o crescimento econômico do país e aproveitando as conseqüências positivas

advindas das experiências internacionais.

Concomitantemente, houve a introdução de regras legislativas autorizando a

prática dessa modalidade de empreendimento econômico entre o Poder Público e o

particular, no novo direito positivo e, assim, cria­se mais uma alternativa para a realização

de empreendimentos e prestação de serviços públicos que necessitem de grande vulto de

recursos financeiros e longos prazos de maturação, especialmente no tocante às obras de

infra­estrutura.

Sabe­se que, mesmo sem viabilidade econômico­financeira na exploração de

serviços, o Estado tem o dever de colocá­los à disposição da coletividade, para a satisfação

do interesse público, razão pela qual precisa buscar os meios necessários ao suporte de

seus objetivos. Diante desse contexto, surgem as parcerias público­privadas (PPP) como

uma forma de colaboração, fixada em contrato, para realizar investimentos necessários

voltados à realização de obras ou prestação de serviços de interesse coletivo.

Segundo Diógenes Gasparini, as primeiras soluções surgiram com as leis

estaduais, que embora não façam parte do propósito específico deste estudo, não se pode

omitir sobre elas. A lei pioneira posta em circulação foi a do Estado de Minas Gerais (Lei

nº. 14.868 de 16.12.2003 e Lei nº. 14.689, de 16.12.2003). Subsequentemente à Lei

mineira, diversos Estados­membros legislaram sobre a matéria, como: Goiás (Lei nº. 14.910 de 11.8.2004); Santa Catarina (Lei nº. 12.930 de 4.2.2004 e Decreto nº. 1.932, de 14.6.2004, que regulamenta a referida Lei); São Paulo (Lei nº. 11.688 de 19.5.2004 e Decreto nº. 48.867, de 10.8.2004, que regulamenta a referida Lei); Distrito Federal (Lei nº. 3.418 de 4.8.2004 e Decretos nº. 25.398/2004 e nº. 25.482/2004); Bahia (Lei nº. 9.290 de 27.12.2004) e, mais recentemente, o Estado do Rio Grande do Sul (Lei nº. 12.334 de 13.1.2005) e, concomitantemente com o advento da Lei Federal, o Ceará (Lei nº. 13.557

de 30.12.2004); bem como, o único município que legislou até o momento, Vitória/ES (Lei

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nº. 6.261 de 23.12.2004). Inclusive, assevera o mesmo autor, ao que se sabe, outros

Estados e alguns Municípios estão caminhando na direção dessas parcerias. 251

Somente em 2004 adveio a Lei federal nº. 11.079, antigo projeto de lei nº.

2.546/2003 e, posteriormente, foi regulamentada pelo Decreto nº. 5.385, de 4 de março de

2005. As concessões e permissões comuns continuam reguladas pela Lei nº. 8.987/95, pois

este regime geral não foi revogado ou modificado pelo regime de contratação adotado pela

Lei das parcerias público­privadas.

Essa lei não inovou, pois não criou um instituto completamente novo, mas sim

conjugou vários elementos já conhecidos do nosso ordenamento jurídico, consoante

explicação supra.

Sobre as perspectivas de aplicação da Lei nº. 11.079/2004, Helio Saul Mileski

assevera:

Na realidade, trata­se apenas de mais um instituto posto à disposição do Poder Público, cuja implantação pode ser útil diante da falta de recursos financeiros públicos, ainda mais em um país como o nosso, com rígidos controles de endividamento público e programa de ajuste fiscal em busca de equilíbrio entre receita e despesa. Até porque se sabe perfeitamente que a solução para o financiamento de obras de infra­estrutura e serviços de interesse público não se esgota em uma única forma de agir do Poder Publico. É uma conjugação de modelos, cuja alternativa deve ser utilizada de acordo com as peculiaridades de cada situação a resolver. 252

Dessa forma, seguindo a prática da delegação de serviços públicos, através de

contratos de concessão, surge essa nova modalidade para socorro do Estado, que não tem

mais capital para investimento em infra­estrutura.

Escândalos nacionais como a BR 163, as precárias estradas de Goiás e Bahia,

pessoas que morrem na porta dos hospitais por falta de atendimento, o débil ensino

público, enfim, as mazelas que atravancam o crescimento digno da sociedade brasileira,

são alguns exemplos dos problemas que devem ser solucionados, ou, ao menos,

amenizados.

251 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 408­409. 252 MILESKI, Hélio Saul. Parcerias Público­Privadas: Fundamentos, Aplicação e Alcance da Lei, Elementos Definidores, Princípios, Regras Específicas para Licitações e Contratos, Aspectos Controvertidos e Perspectiva de Aplicação de Lei nº. 11.079, de 30.12.2004. Revista Interesse Público. n. 29. Porto Alegre: Notadez, jan./fev. 2005, p. 91­92.

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O noticiário, rotineiramente, menciona que o desenvolvimento sócio­econômico,

que tem aptidão para produzir emprego, com a conseqüente redução das desigualdades

sociais e proporcionar receitas, deve transpor o obstáculo causado pelo déficit gerado pela infra­estrutura. O principal exemplo a ser citado é o Programa de Aceleração do

Crescimento (PAC) em fase de gestação na seara do Governo Federal, incluindo em seus

objetivos a implementação das parcerias público­privadas para sanar déficits em infra­

estrutura.

Cumpre salientar o significado de infra­estrutura, consoante o Dicionário Jurídico

de Maria Helena Diniz:

3. Direito administrativo. Conjunto de obras e serviços que objetivem, conjunta ou alternativamente, a execução de rede de abastecimento de água e/ou esgotamento sanitário, rede de energia elétrica e/ou iluminação pública, sistema de drenagem, obras de execução das vias de acesso e internas da área sob intervenção e obras de proteção, contenção e estabilização do solo. A pavimentação das vias de acesso e internas será admitida de forma conjugada às soluções de abastecimento de água, esgotamento sanitário e drenagem pluvial ou mediante a existência prévia dos referidos serviços no local a ser pavimentado. 253

Averiguado o exato sentido de infra­estrutura, sua carência ou ausência inviabiliza

o crescimento econômico dos setores que dela dependam, com o conseqüente acréscimo

dos custos e redução da concorrência, atingindo o cume com a estagnação total do

mercado.

Nesse contexto, houve, no decorrer da história, uma metamorfose no modelo de

contratação do Estado que percorreu, desde as privatizações, aumento da concorrência,

acuamento do papel de agente econômico até a passagem para o Estado Regulador.

O Poder Público reconheceu sua incapacidade para fazer frente aos pesados

investimentos em infra­estrutura e projetos de interesse social (saúde, educação, transporte,

presídios), visto que não detêm recursos, nem capacidade fiscal para prover essas

necessidades, portanto, estabeleceram mecanismos que propiciassem uma maior

participação do setor privado.

253 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, 1998, v. 2, p. 839­840.

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As parcerias público­privadas manifestaram­se como uma opção de afrontar a

inquietante problemática do “gargalo” da infra­estrutura e as trágicas dificuldades dos

serviços públicos gerais, porquanto essa espécie de investimento envolve altos custos,

assim como demora a médio e longo prazo na evolução da unidade produtiva para gerar

receitas. Tais peculiaridades não cativam qualquer capital privado, seja pela escassez de

lucros, pela demora no retorno ou pelos elevados riscos. Vários mecanismos (garantias,

arbitragem etc.), visando mitigar essas seqüelas foram instituídos para conquistar o carisma

dos particulares.

Além disso, as parcerias público­privadas são capazes de viabilizar maiores

investimentos do que os instrumentos tradicionais, haja vista a eficiência ínsita ao setor

privado resultar em benefícios na diminuição dos custos e celeridade na execução dos

empreendimentos, pois em relação aos custos, em regra, uma obra pública custa três vezes

mais.

Outro aspecto relevante é a “blindagem” (termo convenientemente empregado por

Juarez Freitas para exprimir as garantias adicionais) atribuída aos contratos de parceria

público­privada, proporcionando maior segurança jurídica aos investidores para viabilizar

a busca de investimentos particulares para o desenvolvimento nacional, considerando que

um dos maiores obstáculos é o inadimplemento contumaz da Administração,

principalmente nos contratos de longa duração. 254

Destarte, foi nesse contexto também que surgiu a parceria público­privada no

direito alienígena, com a finalidade precípua de permitir a consecução de empreendimentos

de infra­estrutura, conseqüência da mitigação da capacidade de investimento dos Estados

que não conseguiam, por si sós, suprir a demanda social nessa área.

Verifica­se, na constituição da parceria público­privada, a união de dois interesses

naturalmente antagônicos: o público e o privado. No entanto, se durante séculos foram

antagônicos, já há algum tempo vêm vivendo um processo de aproximação inevitável,

mercê do crescimento das necessidades do Estado, pois o mesmo está cada vez mais sem

condições de investir e de prestar adequadamente os serviços públicos inerentes à sua

função.

254 FREITAS, Juarez. Parcerias Público­Privadas (PPPs): Características, Regulação e Princípios. Interesse Público – Revista Bimestral de Direito Público. Porto Alegre, ano 7, nº. 29, p. 13, jan./fev. 2005.

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Essa mistura entre o interesse público e o interesse privado é uma experiência que

não tem trazido conseqüências muito boas, mas, no momento difícil em que vive a

administração pública, como já foi dito, tal aproximação torna­se inevitável. Inclusive, “a

privatização e a participação do setor privado na realização de obras e prestação de

serviços públicos constituem atualmente dogma da sociedade moderna, após o desastre do

socialismo e da estatização”. 255

As parcerias público­privadas nasceram, há quase três décadas, no Reino Unido,

concentrando­se em sua maioria na Inglaterra e, segundo notícias veiculadas em fins do

ano de 2003 e início do ano de 2004, foram analisados mais de 600 projetos, estando 450

em operação, envolvendo aproximadamente 55 bilhões de libras, alastrando­se por

Portugal, Holanda, Alemanha, Canadá, Chile, México, Japão, Austrália, África do Sul,

Filipinas, Casaquistão, Uganda, Bulgária e Islândia, dentre outros países. 256

Na Grã­Bretanha, a partir de 1997, com o novo primeiro ministro Tony Blair que

deu total apoio às PPPs, foram assinados contratos acima de US$ 50 bilhões para a

construção de rodovias, escolas, hospitais, presídios etc. Em 1993, Portugal lançou o

primeiro projeto para a construção da central termelétrica do Pego, com investimentos

privados de 875 milhões de euros. 257

No Brasil, a intenção é, mediante parceria, construir, recuperar ou realizar

melhoramento de obra pública de infra­estrutura como: rodovias, hidrovias, aeroportos,

portos fluviais e lacustres, viadutos, pontes etc., conforme preceitua a lei estadual de Minas

Gerais, nº. 12.276, de 24 de julho de 1996. As obras prioritárias do projeto de parcerias

público­privadas são: rodovias, ferrovias, portos etc.

Quanto ao fundamento constitucional e o sistema legislativo desse novo instituto,

Diógenes Gasparini assevera que:

O fundamento constitucional, legitimador desse comportamento legislativo da União, está no inciso XXVII do Art. 22 da Constituição Federal. Deveras, compete privativamente à União, nos termos desses

255 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Análise do Projeto das PPPs. Revista Jurídica Consulex. Brasília, ano VIII, n. 185, p. 24, set. de 2004. 256 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 409. 257 FRANCO, Isabel. Experiências Alienígenas: Lições para o Brasil. In Conexão Migalhas. Parceria Público­Privada. Campinas: Millennium, Ano 1, n. 1, p. 11­14, 2005.

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dispositivos, legislar sobre normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no Art. 37, XXI, também da Lei Maior. Portanto, a Lei federal das PPPs, editada com esse fundamento, só é obrigatória em todos os seus termos e condições para a Administração Pública Federal, enquanto apenas suas normas gerais são obrigatórias aos Estados, Distrito Federal e Municípios, na medida em que editarem suas respectivas leis sobre parcerias público­privadas. As demais normas da Lei federal das PPPs não são obrigatórias para essas entidades, [...] 258

Conclui­se dessa preleção que a Lei das PPPs tem fundamento na Constituição

Federal, na parte que trata das licitações e contratos, e os Estados, Distrito Federal e

municípios devem obediência somente quanto às normas gerais, pois cada um poderá ter

sua legislação própria.

Os Artigos 14 a 22 dizem respeito somente à União. No entanto, as leis estaduais,

distritais e municipais sobre parcerias público­privada deverão ser compatíveis com a Lei

federal, sob pena de ilegalidade, e, no caso de ausência legislativa, os entes federados não

estão proibidos de celebrar contratos dessa natureza, observando, para tanto, as normas da

Lei federal das PPPs, tal como ocorre hoje nos casos de licitação, inclusive com a

modalidade pregão.

Ululante esclarecer que a Lei n°. 11.079/2004 não traçou normas gerais de

concessão, mas organizou as parcerias público­privadas em sentido estrito que se resumem

nas concessões patrocinadas e administrativas. Verifica­se, então, que estas são espécies da

qual a concessão tradicional é gênero, as quais serão tratadas em subseção distinta do

presente estudo.

3.1 CONCEITO E CARACTERÍSTICAS

O conceito de parceria público­privada, conhecida como PPP, está em formação,

sendo que alguns autores já conceituaram esse novo instituto.

Inicialmente faz­se necessário conceituar o vocábulo “parceria”, que na linguagem jurídica em geral significa reunião de pessoas que têm interesse comum;

258 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. p. 410.

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companhia; no Direito comercial seria a sociedade comercial em que os sócios (parceiros)

são responsáveis apenas pelo quinhão com que entraram [...]. 259

Na seara econômica, a parceria pressupõe uma relação associativa que gravita em

torno de um empreendimento econômico, envolvendo empenho de capital e outros recursos empresariais privados de maior expressão financeira.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, citando Hélio Saul Mileski, analisa o sistema de

parcerias na Administração Pública da seguinte forma:

O vocábulo parceria é utilizado para designar todas as formas de sociedade que, sem formar uma nova pessoa jurídica são organizadas entre os setores público e privado, para a consecução de fins de interesse público. Nela existe a colaboração do poder público e iniciativa privada nos âmbitos social e econômico, para a satisfação de interesses públicos, ainda que, do lado do particular, se objetive o lucro. 260

A expressão Parceria Público­privada (PPP) pode ser utilizada sob dois enfoques

distintos. Em sentido estrito, consigna­se que a palavra parceria exprime a união de

pessoas que anseiam por interesses comuns. Em sentido amplo, são os ajustes comerciais

de procedimento duradouro que visam instituir relações entre a Administração Pública e o

particular, objetivando a realização de atividades imbuídas de interesse público, segundo o

conceito dado por Carlos Ari Sundfeld:

[...] são os múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecidos entre a Administração Pública e particulares para viabilizar o desenvolvimento, sob a responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral. 261

259 DINIZ, Maria Helena. Dicionário Jurídico. São Paulo: Saraiva, v. 3, 1998. (Grifo nosso). 260 MILESKI, Hélio Saul. Apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias Público­Privadas: Fundamentos, Aplicação e Alcance da Lei, Elementos Definidores, Princípios, Regras Específicas para Licitações e Contratos, Aspectos Controvertidos e Perspectiva de Aplicação de Lei n. 11.079, de 30.12.2004. Revista de Interesse Público. n. 29. Porto Alegre: Notadez, p. 70, jan/fev. 2005. 261 SUNDFELD, Carlos Ari, et. all. In Parcerias Público­Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 16.

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Esse conceito de grande amplitude engloba os contratos de concessão de serviço

público, disciplinado pela Lei nº. 8.987/95, os contratos de gestão de organizações sociais,

o uso de bem público pelos particulares em atividades de interesse social e outros. Nesse

sentido a lição de Floriano de Azevedo Marques Neto:

Segue daí, que podemos vislumbrar parcerias em sentido amplo (o que comportaria o campo genérico do direito das parcerias a que alude Maria Sylvia Zanella Di Pietro), contemplando hipóteses de convênios, termos de cooperação, franquias, concessões típicas, concessões de uso de bens públicos, licenciamentos, arrendamentos etc. 262

De uma forma mais ampla e genérica, Carlos Ari Sundfeld conceitua parceria

público­privada como “múltiplos vínculos negociais de trato continuado estabelecidos

entre a administração Pública e particulares para viabilizar o desenvolvimento, sob a

responsabilidade destes, de atividades com algum coeficiente de interesse geral. [...] 263

Quando o autor, no conceito acima, menciona “múltiplos vínculos negociais de

trato continuado [...]”, quis ele referir­se a concessões comuns, patrocinadas e

administrativas; concessões e ajustes setoriais; contratos de gestão com organizações

sociais (OSs); termos de parceria com organizações da sociedade civil de interesse público

(OSCIP) e outras.

Importa ressaltar que, as parcerias público­privadas, em sentido amplo, não são

propriamente novas. Por muito vigorou a crença de que ao Estado caberia assumir os

investimentos sociais e prestar os serviços públicos. Porém, a partir da década de 90, com o

início da reforma do Estado, houve uma minimização deste, o qual se responsabilizaria

pelo serviço público indelegável e essencial à população.

Mesclando o sentido amplo e restrito, Diógenes Gasparini formaliza o seguinte

conceito:

Num sentido amplo, parceria público­privada é todo o ajuste que a Administração Pública de qualquer nível celebra com um particular para

262 MARQUES, Floriano de Azevedo Neto. As parcerias público­privadas no saneamento ambiental. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público­Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 280. 263 SUNDFELD, Carlos Ari (Coord). Parcerias Público­Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 18. (Grifo nosso)

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viabilizar programas voltados ao desenvolvimento socioeconômico do país e ao bem­estar da sociedade, como são as concessões de serviços, as concessões de serviços precedidas de obras públicas, os convênios e os consórcios públicos. Em sentido estrito, ou seja, com base na Lei federal das PPPs, pode­se afirmar que é um contrato administrativo de concessão por prazo certo e compatível com o retorno do investimento privado, celebrado pela Administração Pública com certa entidade particular, remunerando­se o parceiro privado conforme a modalidade de parceria adotada, destinado a regular a prestação de serviços públicos ou a execução de serviços públicos precedidos de obras públicas ou, ainda, a prestação de serviços em que a Administração Pública é sua usuária direta ou indireta, respeitado sempre o risco assumido. [...] 264

Sem muitas obras doutrinárias que trate do assunto, haja vista ser recente o seu

advento, Marçal Justen Filho conceitua PPP, em sentido estrito, da seguinte forma:

Parceria público­privada é um contrato organizacional, de longo prazo de duração, por meio do qual se atribui a um sujeito privado o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito à remuneração, por meio da exploração da infra­estrutura, mas mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público, utilizável para a obtenção de recursos no mercado financeiro. 265

De modo distinto, oportuno se faz, na seqüência, apreciar o conceito didático de

José Cretella Neto:

Contrato de Parceria Público­Privada é o acordo firmado entre a Administração Pública e entes privados, que estabelece vínculo jurídico para implantação, expansão, melhoria ou gestão, no todo ou em parte, e sob o controle e fiscalização do Poder Público, de serviços, empreendimentos e atividades de interesse público em que haja investimento pelo parceiro privado, que responde pelo respectivo financiamento e pela execução do objeto estabelecido. 266

264 GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo. 12 ed. São Paulo: Saraiva, 2007. (Grifo do autor). 265 JUSTEN, Marçal Filho. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 509. (grifo nosso) 266 CRETELLA NETO, José. Comentários à Lei das Parcerias Público­Privadas – PPPs. 1. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 1. (Grifo nosso)

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Malgrado o Art. 2º da Lei nº. 11.079/2004 definir PPP como: “contrato

administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa”, tal definição,

na concepção de diversos autores, restou incompleta, pois trata objetivamente da

modalidade de PPP e não de definição do instituto.

Em decorrência desses conceitos apresentados, conclui­se que a parceria público­

privada é um contrato público administrativo, cujo regime adotado é o das concessões,

celebrado entre o particular e a Administração Pública, que pretende o aporte de recursos

vultosos do setor privado para gerar infra­estrutura, com amortização a médio e longo

prazo, objetivando sua eficiência congênita, bem como a prestação de serviços públicos,

acautelado por garantias asseguradas pelo Poder Público.

O interesse público é próprio do Estado, mas não é dele exclusivo. Ao se instituir

interesses gerais da sociedade como interesses públicos, a ordem jurídica não afasta, em

princípio, a atuação concorrente, individual ou coletiva, dos administrados. Nesse sentido,

dever­se­á serem excetuadas as atividades definidas como exclusivas ou, em alguns casos,

privativas do Estado.

Verifica­se, portanto, que esta associação entre o poder público e entidades do

setor privado é o que caracteriza o vínculo de parceria, pois há um objetivo comum entre

ambos, qual seja: a persecução de interesses públicos.

À medida que a sociedade torna­se mais complexa, o interesse público surge para

satisfazer a necessidade da coletividade. Assim, a Administração Pública existe para a

realização dos fins previstos em lei, portanto os interesses legais representam

conveniências e necessidades da própria sociedade, jamais vantagens e conveniências

privadas.

Para Carlos Ari Sundfeld, a base legal dessas múltiplas parcerias não está na Lei

das PPP’s, mas na legislação organizada a partir dos anos noventas, ou seja, a legislação

que dá embasamento legal para as PPP’s são todas aquelas que tratam das concessões,

permissões, autorizações e licitações, entre outras. 267

Embora houvesse um conjunto de leis disciplinando os contratos realizados pela

Administração Pública, havia a necessidade de se criar uma lei específica, a qual

267 SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias Público­Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 19.

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protegesse o concessionário do inadimplemento do concedente e assim foi criada a Lei das

PPP’s.

Conseqüentemente, não se trata de instituto puramente original, pois tem caráter contratual como subespécie dos contratos públicos e atrela sua natureza ao regime das concessões. Os riscos compartilháveis são inatos aos contratos de parceria de acordo com a

viabilidade econômica, com a garantia do equilíbrio da cláusula econômico­financeira,

com os encargos e com a remuneração do concessionário, sem que se pressuponha uma

divisão exata. 268

Em relação às características das PPP’s, destaca­se, na acepção mais restrita, apenas as particularidades julgadas essenciais para compreensão do presente trabalho, sem

pretensão exaustiva, sob pena de se desvirtuar o fim almejado. 269

A Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004, instituiu normas gerais para

licitação e contratação de parceria público­privada no âmbito dos Poderes da União, dos

Estados, do Distrito Federal e dos Municípios (Art. 1º), alcançando os órgãos da

Administração Pública direta, aos fundos especiais, as autarquias, as fundações públicas, as

empresas públicas, as sociedades de economia mista e as demais entidades controladas

direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

Quanto à atuação, deve­se obedecer a indelegabilidade das funções exclusivas do Estado, estabelecidas de modo não exauriente no Art. 4°, III, da Lei nº. 11.079/2004, dentre

eles os ofícios de regulação, jurisdicional e do exercício do poder de polícia. Tais funções

não podem ser incumbidas a mais ninguém, exceto as atividades instrumentais ou

secundárias decorrentes. 270 Conforme se transcreve, in verbis:

Art. 4° Na contratação de parcerias público­privadas serão observadas as seguintes diretrizes: [...] III – indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional, do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; [...]

268 Grifo nosso. 269 Grifo nosso. 270 Grifo nosso.

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No âmbito da União, segundo o preconizado no Art. 2º, § 4º, da Lei nº.

11.079/2004, o contrato de PPP não pode ser inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de

reais). O intento é de garantir recurso bastante para viabilizar a consecução do objeto.

Existem críticas sobre a afronta ao princípio federativo, à excessividade do alto valor,

porém existe a previsão naturalmente aplicável de formação de consórcios por entes

públicos.

Esse valor, considerado vultoso por alguns estudiosos do assunto, aplica­se à

União, sendo que os entes federados poderão adotar valores menores em suas leis.

O prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos

realizados, não pode ser inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos,

incluindo eventual prorrogação (Art. 5º, I, da Lei nº. 11.079/2004). Esses prazos longos

justificam­se porque os investimentos feitos em uma PPP são normalmente elevados.

Nesse sentido, Toshio Mukai afirma que as parcerias público­privadas têm como

objeto a realização de empreendimento e serviço que necessitem de grande vulto de

recursos financeiros e longos prazos de maturação, o que exige o aporte de parte desses

recursos pela iniciativa privada para a realização de obras e empreendimentos de infra­

estrutura. Esse compromisso financeiro, estatal, firme e de longo prazo, justifica a

necessidade de permitir a amortização e remuneração de investimentos do

concessionário. 271

É vedado que se tenha como objeto único o fornecimento de mão­de­obra, o

fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública, porquanto

caracterizar­se­ia contrato administrativo comum de aquisição de bens e serviços ou

execução de obras públicas (Artigo 2°, §4°, III, da Lei nº. 11.079/2004).

Há previsão de implantação e gestão (administração) de coisa já existente. O

serviço deve ser público, como transporte coletivo, educação, saúde etc. O objeto (Art. 3º

do projeto) pode ser uma obra, como casas populares, construção de presídios, estradas,

portos, ferrovias e outros projetos. Pode constituir­se em administração de coisa existente.

271 MUKAI, Toshio et al. Parcerias Público­Privadas: Comentários à Lei Federal nº. 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. 1. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária, 2005, p. 8.

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Admite análise permanente do desempenho do concessionário com metas de

eficiência e padrões de qualidade pré­estabelecidos, que poderão servir de parâmetro para a

remuneração. 272

Na contratação de PPP deve ser observada também a eficiência no cumprimento

das missões de Estado e o emprego dos recursos da sociedade; o respeito aos interesses e

direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da sua execução; a

responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias; a transparência dos

procedimentos e das decisões; a repartição objetiva de riscos entre as partes e a

sustentabilidade financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria (Art. 4º

da Lei nº. 11.079/2004).

No caso da União há regras especiais, inclusive com a instituição de um órgão gestor (Art. 14 da Lei nº. 11.079/2004) e a criação de um Fundo Garantidor de Parcerias Público­Privadas (Art. 16 da Lei nº. 11.079/2004). Item esse de alta relevância para o

deslinde desta pesquisa que, por esse motivo, será detalhado em subseção específica. 273

Os Estados, o Distrito Federal e os Municípios não podem aplicar nas parcerias

mais de 1% da receita líquida corrente (Art. 28 da Lei nº. 11.079/2004), para que não

comprometam integralmente suas receitas.

Antes da celebração do contrato é constituída uma sociedade de propósito específico, para implantar e gerir o objeto da parceria (Art. 9º da Lei nº. 11.079/2004), que também será tratado em tópico específico. 274

Marcos Barbosa Pinto lembra um aspecto fundamental da Parceria Público­

Privada:

A Lei inclui um limite ao financiamento de PPPs por instituições financeiras oficiais de 80% e 70% dos recursos necessários ao projeto, conforme este esteja ou não localizado nas áreas da regiões nordeste, Norte e Centro­Oeste em que o Índice de Desenvolvimento Humano seja inferior à média nacional. Também incluem­se nesta limitação, com o limite aumentado para 90% e 80%, respectivamente, as operações de crédito ou contribuições de capital realizadas cumulativamente por

272 Grifo nosso. 273 Grifo nosso. 274 Grifo nosso.

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entidades fechadas de previdência complementar e empresas públicas sociedades de economia mista controladas pela União. 275

Outra característica importante das parcerias público­privadas é a de que a

concessão comum, assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas

de que trata a Lei nº. 8.987/95, quando não envolver contraprestação pecuniária do

parceiro privado, não se constitui em PPP.

A Lei da PPP também estabelece a repartição de riscos entre os parceiros. A

intenção é transferir ao setor privado os riscos que ele tem capacidade de gerir melhor do

que o setor público.

Os contratos poderão prever adicionalmente os requisitos e condições em que o

parceiro público autorizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico

para os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação financeira e

assegurar a continuidade da prestação dos serviços. [...], conforme preceitua o § 2º do Art.

5º da Lei n. 11.079/2004.

Inclusive, nos contratos de PPP poderá ser prevista “a possibilidade de emissão de

empenho em nome dos financiadores do projeto em relação às obrigações pecuniárias da

Administração Pública” e “a legitimidade dos financiadores do projeto para receber

indenizações por extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos

fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público­privadas” (Art. 5º, § 2º,

incisos I, II e III, da Lei nº. 11.079/2004).

Foram previstas formas de contraprestação da Administração Pública nos

contratos de PPP, como a ordem bancária, cessão de créditos não tributários, outorga de

direitos em face da Administração Pública; outorga de direitos sobre bens públicos

dominicais, dentre outros meios admitidos em lei (Art. 6º da Lei nº. 11.079/2004), com o

escopo de garantir o adimplemento das prestações e amortizações.

Constitui novidade a possibilidade de previsão do pagamento ao parceiro privado

de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme metas e padrões de

275 PINTO, Marcos Barbosa. A Proposta da PPP no Brasil e as Dificuldades Concretas. In TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Mônica Spezia et all. Parcerias Público Privadas: Um Enfoque Multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 28.

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qualidade e disponibilidade definidos no contrato (parágrafo único do Art. 6º da Lei nº.

11.079/2004).

Outras novidades introduzidas pela Lei das PPP’s foram a contraprestação da

Administração Pública ser, obrigatoriamente, precedida da disponibilização do serviço,

objeto do contrato de parceria público­privada, e a faculdade de a Administração Pública,

nos termos do contrato, efetuar o pagamento da contraprestação relativa a parcela fruível

de serviço, objeto do referido contrato. Há, portanto, inúmeras formas de se garantir o

pagamento do contrato e o condicionamento desse pagamento ao cumprimento da

contraprestação por parte do outro parceiro.

Isso proporciona uma segurança à Administração Pública, que somente será

obrigada a efetuar o pagamento ou amortização, quando do efetivo cumprimento do

contrato por parte do parceiro privado e este também tem à sua disposição várias formas de

receber efetivamente o seu crédito junto ao parceiro público. Condições essas que

propiciam maior viabilidade no cumprimento do contrato.

Quando for caso de Programa de Incentivo à Implementação de Projetos de

Interesse Social – PIPS (Lei nº. 10.735/2003), a União está autorizada a conceder incentivo

às aplicações em fundos de investimento, criados por instituições financeiras, em direitos

creditórios provenientes dos contratos de PPP.

O Conselho Monetário Nacional estabelecerá, na forma da legislação pertinente,

as diretrizes para a concessão de crédito destinado ao financiamento de contratos de

parcerias público­privadas, bem como para participação de entidades fechadas de

previdência complementar (Art. 24 das disposições finais).

Compete à Secretaria do Tesouro Nacional editar, na forma da legislação

pertinente, as normas gerais relativas à consolidação das contas públicas aplicáveis aos

contratos de PPP (Art. 25 das disposições finais).

Diante do que foi tratado, os contratos de PPP devem atender ao Art. 23 da Lei nº.

8.987/95 (Lei das concessões) no que couber e deve conter o prazo de vigência do contrato

(mínimo de 5 e máximo de 35 anos); as penalidades aplicáveis aos parceiros público e

privado, em caso de inadimplemento contratual; a repartição de riscos entre as partes; as

formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais; os mecanismos para a

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preservação da atualidade da prestação dos serviços; regras sobre a inadimplência; os

critérios objetivos de avaliação do desempenho do parceiro privado; dentre outras

observações constantes dos incisos e alíneas do Art. 5º da Lei nº. 11.079/2004.

Conclui­se, portanto, de um modo superficial, que as Parcerias Público­Privadas

são contratos administrativos, antecedidos por um processo licitatório especial, celebrados

entre o governo ou entes da administração indireta e sociedades privadas, tendo como

obrigações administrar ou prestar serviços de interesse público, nos quais os entes privados

assumem a responsabilidade pelo financiamento e investimento, ocorrendo o retorno

basicamente através de pagamento pelo setor público ou por meio de exploração da

atividade subjacente, não se tratando de um novo instituto, mas de uma nova espécie de

concessão, subdivida em patrocinada e administrativa, contempladas de diversas garantias

que visam assegurar o cumprimento contratual.

3.1.1 Licitação e contratação de parcer ia público­pr ivada

Aplicam­se as regras constantes da legislação vigente sobre licitações e contratos

administrativos para regular o certame para a contratação de parcerias público­privadas,

obedecendo­se ao procedimento previsto e aos pressupostos exigidos pelos incisos e

alíneas do Artigo 12 da Lei nº. 11.079/2004.

Por imposição legal, o contrato de parceria público­privada deve ser precedido de certame licitatório na modalidade de concorrência, segundo o Artigo 10 da Lei nº.

11.079/2004, estando a abertura do processo licitatório condicionada ao preenchimento dos

requisitos constantes dos incisos e alíneas do referido Artigo. 276

É relevante fazer constar o Art. 22, § 1º, da Lei nº. 8.666/93, in verbis:

Concorrência é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados que, na fase inicial de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de qualificação exigidos no edital para execução de seu objeto. 277

276 Grifo nosso. 277 BRASIL. Constituição Federal. Coletânea de Legislação Administrativa. MEDAUAR, Odete. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007, p. 599.

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A despeito de mesclar procedimentos do leilão, ao estabelecer os critérios de

julgamento, não recriou uma nova modalidade de licitação, pois não modificou

substancialmente aquela, configurando tão somente uma impropriedade normativa sem

maiores conseqüências.

No instrumento convocatório deverá constar a minuta do contrato, as observações

sobre a legislação a ser seguida, a exigência de garantia de proposta do licitante e o

emprego dos mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser

realizada no Brasil e em língua portuguesa, dentre outras determinações.

Quanto ao processo licitatório, a Lei da PPP optou basicamente pela Lei de

Concessões (Lei nº. 8.987/95), então, vale o procedimento dessa Lei, com algumas

alterações, as quais serão a seguir estudadas.

A Lei de parceria público­privada prevê a possibilidade de inversão das fases de

habilitação e julgamento (Art. 13 da Lei nº. 11.079/2004). Anota Marcos Barbosa Pinto

“que existem muitos litígios na fase de habilitação que acabam atrasando todo o

procedimento licitatório”. Desta forma, invertendo­se as fases reduzem esses litígios,

porque só se examina a habilitação do ganhador, com isso tem­se uma desburocratização

interessante. 278

Há a obrigação de motivar a escolha dessa espécie de contratação, em razão das vantagens sócio­econômicas e das garantias agregadas à sustentabilidade dessa alternativa.

Deve haver destinação de recursos pelo particular. Diferente da concessão, que o

particular não tem que transferir dinheiro.

No início, o investimento é por conta do parceiro particular (investimento e

execução) e somente depois o Governo aporta recursos. Após, o Poder Público paga ao

particular um aluguel. O particular que não tem dinheiro suficiente pode financiar e, neste

caso, o governo paga ao banco primeiro e posteriormente ao particular.

Uma inovação foi a previsão de o contrato de PPP dever ser precedido de consulta

pública (Art. 10, VI da Lei nº. 11.079/2004). Provavelmente essa exigência decorre do fato

278 PINTO, Marcos Barbosa. A Proposta da PPP no Brasil e as Dificuldades Concretas. In TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Mônica Spezia et all. Parcerias Público Privadas: Um Enfoque Multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 36.

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de os objetos serem de grande monta e prazos longos, bem como a relevância dos

interesses públicos envolvidos. 279 Sobre a consulta pública Luiz Alberto Blanchet explica:

A redação do inc. VI pode levar à impressão de que a minuta do edital e a do instrumento do contrato deveriam ser publicados, o que não é verdade. Como se sabe, aliás, editais e instrumentos contratuais, em especial os pertinentes a empreendimentos de maior vulto e duração, como é comum com as parcerias público­privadas, são constituídos por grande volume de papel, e nestes não há apenas textos, há plantas, desenhos etc., o que tornaria a publicação demasiadamente onerosa e só viria avolumar ainda mais o veículo em que viessem a ser publicados os aludidos documentos. Assim, para preservar a racionalidade, a lei estabelece que o edital e os instrumentos do contrato serão submetidos à consulta pública, ou seja, permanecerão disponíveis para quem tiver interesse em examiná­los mais minudentemente. 280

Explica, ainda, o mesmo autor que, o documento que deverá ser levado à

publicação é outro, de forma resumida, contendo apenas a justificativa, a identificação do

objeto, a duração e o valor estimado para parceria a ser constituída. Observa, ainda, que a

publicação se dará cumulativamente na imprensa oficial, na imprensa comum (de grande

circulação) e por meio eletrônico. 281

Destarte, essas parcerias público­privadas consistem em contratos administrativos,

antecedidos por processo licitatório especial, celebrados entre o governo ou entes da

administração indireta e sociedades privadas, com escopo de administrar ou prestar

serviços públicos e investir em infra­estrutura.

3.1.2 Sociedade de Propósito Específico

Antes da celebração do contrato é constituída uma sociedade de propósito específico, para implantar e gerir o objeto da parceria (Art. 9º da Lei nº. 11.079/2004). 282

279 Grifo nosso. 280 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público­Privada: Comentários à Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2005, p. 65. (grifo nosso) 281 BLANCHER, 2005, Idem, ibidem, p. 66. 282 Grifo nosso.

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A sociedade de propósito específico poderá assumir a forma de companhia aberta,

com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado, mas deverá obedecer a

padrões de governança corporativa e adotar contabilidade e demonstrações financeiras

padronizadas, conforme regulamento (§§ 2º e 3º do Art. 9º da Lei nº. 11.079/2004).

Fica vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante das

sociedades de propósito específico. Essa vedação não se aplica à eventual aquisição da

maioria do capital votante da sociedade de propósito específico por instituição financeira,

controlada pelo Poder Público, em caso de inadimplemento de contratos de financiamento

(§§ 4º e 5º do Art. 9º da Lei nº. 11.079/2004).

Como se vê, os dispositivos não explicam a forma a ser adotada para a

constituição da sociedade de propósito específico que implantará e gerirá a parceria, no

entanto, fornece alguns elementos suficientes para admitir algumas alternativas e eliminar

outras. Poderá ela ter a forma de companhia de capital aberto, mas jamais poderá assumir a

forma de sociedade de economia mista, por força do que preceitua o § 4º, conforme consta

do parágrafo anterior. 283

A expressão adotada (sociedade de propósito específico), não é excessiva, mas, ao contrário, necessária para tornar indiscutível que o parceiro privado não será um consórcio

e muito menos uma pessoa jurídica já existente que teria como uma dentre suas diversas

atividades a execução do objeto da parceria. 284

A transferência do controle da sociedade de propósito específico estará

condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos termos do edital e do

contrato, observado o disposto no parágrafo único do Art. 27 da Lei nº. 8.987/95 (§ 1º do

Art. 9º da Lei nº. 11.079/2004).

Há dúvidas em saber se a sociedade de propósito específico pode assumir

exclusivamente a forma de sociedade anônima ou se poderia assumir outras formas

societárias, como, por exemplo, as sociedades por quotas de responsabilidade limitada. A

solução dependerá da aplicação concreta da Lei das PPP’s no caso prático.

283 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público­Privada: Comentários à Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2005, p. 54­55. 284 BLANCHET, 2005, Idem, ibidem, p. 54. (grifo nosso)

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Portanto, seja qual for a forma que adotar a sociedade de propósito específico, o

que importa é saber se a instituição dessa forma de sociedade, com intuito de executar o

objeto da parceria com o Poder Público, terá êxito em seus fins, como o de tornar viável o

acompanhamento de sua contabilidade, principal meio de aferição do adequado emprego

dos recursos derivados da contrapartida pública, da efetividade e do estágio da amortização

do capital privado destinado ao empreendimento, e da apuração dos reflexos de fatores

juridicamente ensejadores de revisões contratuais (§ 3º, do Art. 9º, da Lei nº.

11.079/2004). 285

Nota­se que a Lei das PPPs procurou criar uma entidade para gerir

especificamente o objeto da parceria público­privada, visando evitar que o

empreendimento seja desvirtuado e o controle e a fiscalização fiquem prejudicados.

3.2 MODALIDADES DE PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA

Em relação à parceria público­privada existem duas hipóteses ou modalidade:

concessão patrocinada, onde o parceiro privado aufere uma tarifa paga pelos usuários,

mais uma contraprestação pecuniária do parceiro público e concessão administrativa, na qual a Administração figura como usuária direta ou indireta dos serviços. Como já foi

anteriormente mencionado, a concessão comum continua regulada pela Lei nº. 8.987/95. 286

Sobre essas modalidades, vale constar expressamente o Art. 2º e §§ 1º e 2º da Lei, in verbis:

Art. 2 o Parceria público­privada é o contrato administrativo de concessão, na modalidade patrocinada ou administrativa. § 1 o Concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. § 2 o Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens. 287

285 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público­Privada: Comentários à Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2005, p. 54. 286 Grifo nosso. 287 BRASIL. Constituição Federal. Coletânea de Legislação Administrativa. MEDAUAR, Odete. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2007. p. 980.

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As concessões patrocinadas procuram atrair investimentos privados, por meio do

pagamento de adicional de tarifa pelo parceiro público, adicionalmente à tarifa dos

usuários e depende de autorização legislativa nos casos em que a Administração tiver de

pagar mais de 70% da remuneração do parceiro privado (Art. 10, § 3º, da Lei nº. 11.079 /

2004). 288

Dessa forma, segundo a lei, a parceria patrocinada é a concessão de serviço público ou a precedida de obra pública, prevista na Lei nº. 8.987/95, com as únicas

diferenças de que não existem o poder concedente e o concessionário, mas sim o parceiro

público e o privado, e a contrapartida pecuniária do Poder Público. 289

As concessões administrativas são espécies de contratos em que o particular assume os encargos de investir em infra­estrutura acrescida da prestação de serviços de

forma direta ou indireta para a Administração, com remuneração de longo prazo (Artigo

2°, §2°, da Lei nº. 11.079/2004). 290

Nesse tipo de parceria, o particular constrói e aluga ao Poder Público, após

licitação (Art. 2º do Projeto) e visa a prestação de serviço público de qualidade por parte

daquele.

Logo, segundo José Cretella Neto, na modalidade de concessão administrativa o

empreendedor receberá apenas a contraprestação da Administração, pois não cabe a

cobrança de tarifas ao usuário privado pelo serviço, já que este só é prestado ao órgão

público. 291

Escrevendo sobre o assunto, Marçal Justen Filho leciona que, “A concessão

administrativa abrange os casos em que não existe serviço público. O contrato tem por

objeto a construção pelo particular de uma infra­estrutura necessária ao desempenho de

uma atividade estatal”. 292

288 Grifo nosso. 289 Grifo nosso. 290 Grifo nosso. 291 CRETELLA NETO, José. Comentários à Lei das Parcerias Público­Privadas – PPPs. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 38. 292 JUSTEN, Marçal Filho. A PPP brasileira e as Lições do Passado. In: TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Mônica Spezia. Parcerias Público­Privadas: Um Enfoque Multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 20.

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Em relação à concessão comum, a distinção é que na PPP existe a possibilidade de

complementação das tarifas pelo governo. O particular investe e o parceiro público garante

um complemento de rentabilidade até que o negócio se torne auto­suficiente

economicamente.

Portanto, frise­se, “não constitui parceria público­privada a concessão comum,

assim entendida a concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei

nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, quando não envolver contraprestação pecuniária do

parceiro público ao parceiro privado” (§ 3º).

Sobre essa concessão comum, Floriano de Azevedo Marques Neto assevera, “Esta

é a entendida como aquela em que o prestador do serviço (concessionário) é remunerado

integralmente pela tarifa paga diretamente pelos seus usuários”. Em outras palavras, na

concessão comum, a Administração direta ou indireta delega serviços a entidades públicas

ou privadas, por conta e risco destas, com remuneração paga, em regra pelo usuário,

distintamente da parceria público­privada. 293

Continuam regidos exclusivamente pela Lei nº. 8.666/93 e pelas leis que lhe são

correlatas, os contratos administrativos que não caracterizem concessão comum,

patrocinada ou administrativa.

Destarte, a parceria público­privada é uma forma especial de concessão de

serviços públicos. Diferencia­se do regime clássico das concessões de duas formas. A

primeira refere­se à incumbência do concessionário de obter investimentos para colocar em

prática o projeto, abonando­lhe a amortização das verbas empregadas nos contratos de

longo prazo, por meio da remuneração pelo parceiro público, em conjunto com a

exploração econômica do serviço prestado com base na infra­estrutura concebida. A

segunda dessemelhança é a forma de estipêndio, que ocorre mediante uma contraprestação

que considera o grau de contentamento da autuação e da qualidade dos serviços realizados

pelo concessionário. Na concessão comum, a Administração direta ou indireta delega

serviços a entidades públicas ou privadas, por conta e risco destas, com remuneração paga,

em regra pelo usuário.

293 MARQUES, Floriano de Azevedo Neto. As parcerias público­privadas no saneamento ambiental. In: SUNDFELD, Carlos Ari. Parcerias Público­Privadas. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 279.

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Em resumo, a partir da edição da Lei nº. 11.079/2004, os serviços públicos podem

ser prestados, pela iniciativa privada, das formas abaixo elencadas.

Contrato administrativo, na forma estabelecida pela Lei nº. 8.666/93. Tem­se, por

exemplo, a contratação de empresa para recolhimento de lixo, a qual efetuará os serviços e

receberá o valor contratado diretamente da administração.

Contrato de Concessão de Serviços Públicos, que agora ganhou a conotação de concessão comum, de que tratam as Leis nº. 8.987/95 e nº. 9.074/95, sendo expressamente excluída da lei das Parcerias Público­Privadas (§ 3 do Art. 2 da Lei nº. 11.079/2004). Neste

caso, o poder público outorga a concessão dos serviços públicos ao particular para que

receba a contraprestação, mediante tarifa, diretamente dos usuários. Exemplo didático é a

concessão das rodovias pedagiadas. Importante dizer que, neste tipo de concessão o

interesse é público, mas o risco do negócio é da concessionária. 294

Finalmente, as parcerias público­privadas, nas modalidades concessão

patrocinada: a qual exige a contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado e, por fim, a concessão administrativa: em que a Administração é a usuária direta ou indireta – disciplinada pela Lei das PPPs e também pelos Arts. 21, 23, 25 e 27 a 39 da

Lei nº. 8.987/95 e pelo Art. 31 da Lei nº. 9.074/95. 295

No Direito comparado francês, tratando de contratos administrativos Jean­Louis

Autin e Catherine Ribot, in “Droit administratif général”, mencionam que existem numerosas categorias de contratos e é possível classificá­los segundo seu objeto:

[...] contrats administratifs. II est possible de lês classer selon leur objet: contrats d’occupation privative du domaine public, contrats de fournitures courantes, contrats prévoyant la participation d’un agent public non titulaire à une mission de service public administrative, contrats de delegation de gestion de service public… Pour chaque type un droit spécifique est applicable: le Code des marches publics parfois, le droit de la délégation de getion de service public, le droit de la function publique... I1 existe cependant des régles communes de forme, aplicables à tous. 296

294 Grifo nosso. 295 Grifo nosso. 296 AUTIN, Jean­Louis; RIBOT, Catherine. Droit Administratif Général. 3 ed. Paris: Litec, 2004, p. 200­ 202. Tradução: “[...] contratos de ocupação privativa do domínio público, contratos de materiais correntes, contratos que prevêem a participação de um agente público não titular em uma missão de serviço público

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Dentre os contratos do Direito Administrativo francês, segundo Jean­Louis Autin

e Catherine Ribot, in “Droit administratif général”, o Conselho constitucional teve de se

manifestar sobre uma nova modalidade de contrato, denominada parcer ia público­

privada, conforme abaixo se transcreve:

L’application de la loi d’habilitation autorisant lê gouvernementt à prendre par ordonnance um vaste ensemble de mesures tendant à simplifier lê droit, porrait transformer profondément lê droit de la commande publique (L. 2 juill. 2003). Son article 6 a fait l1objet d1un controle de constitutionalité à l’occasion duquel lê Conseil constitutionnel a été conduit à se prononcer sur une nouvelle catégorie de contrats inspirée dês pratiques aglo­saxonnes: lê contr at de par tenariat public/pr ive (cons. Const. 26 juin 2003, nº 2003­473, loi habilitant lê gouvernement à simplifier lê droit). Ce partenariat consisterait à faire appel à l’initiative et au financement prives pour réaliser dês équipements nouveaux ou mettre à disposition dês moyens ou services destines à assister lês autorités administratives dans l’ execercice de leurs missions. I] s’agirait donc d’um <contrat global> associant em amont de la réalisation d’une construction la mission de conception ou de financement et, em aval, lês opérations d’exploitation de l’ouvrage ou de transfert de propriété de celui­ci. 297

Dessa forma, como no Brasil, a parceria público­privada, em França, serve

também como uma forma alternativa de o Poder Público angariar recursos da iniciativa

privada para financiar as obras de infra­estrutura ou relativas à prestação de serviços

públicos, assistindo as autoridades administrativas no escopo de desempenhar sua função.

O conceito e as características referem­se a um “contrato global” que associa, do lado

superior da realização de uma construção, a missão de concepção ou de financiamento e,

administrativo, contratos de delegação de gestão de serviço público... Para cada tipo um direito específico é aplicável: o Código dos mercados públicos às vezes, o direito da delegação de gestão de serviço público, o direito da função pública... Existem, todavia, regras comuns de forma aplicáveis a todos”. 297 AUTIN, Jean­Louis; RIBOT, Catherine. Op.cit, 2004, p. 200­202. Tradução: “A Aplicação da lei de habilitação que autoriza o governo a tomar através de despacho um vasto conjunto de medidas que tendem a simplificar o direito, poderia transformar profundamente o direito da comanda pública (L. 2 de julho de 2003). Seu Artigo 6 foi alvo de um controle de constitucionalidade por ocasião do qual o Conselho constitucional foi levado a se pronunciar sobre uma nova categoria de contratos inspirada nas práticas anglo­ saxônicas: o contrato de parcer ia pública/pr ivada (Cons. const. 26 de junho de 2003, nº 2003­473, lei que habilita o governo a simplificar o direito). Essa parceria consistiria em apelar para a iniciativa e para o financiamento privados para realizar novas instalações ou colocar à disposição meios ou serviços destinados a assistir as autoridades administrativas no exercício de suas missões. Tratar­se­ia então de um “contrato global” que associa do lado superior da realização de uma construção a missão de concepção ou de financiamento e, no inferior, as operações de exploração da obra ou de transferência de propriedade desta”.

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no inferior, as operações de exploração da obra ou de transferência de propriedade dessa

obra.

3.3 GARANTIAS PARA ATRAIR O INVESTIDOR PRIVADO

É imprescindível o estudo das garantias que foram previstas na Lei nº.

11.079/2004 e outras que já existiam para saber se haverá formas de garantir o

cumprimento do contrato de parceria público­privada, tanto em relação ao parceiro

público, como em relação ao privado, visando atrair este para investir nesse novo modelo

de investimento.

O projeto prevê várias garantias ao particular, em relação às quais a doutrina

diverge quanto à sua suficiência ou não para garantir o cumprimento dessa modalidade de

contrato.

Com a criação da Lei, ficou superada a insuficiência da legislação anterior

referente aos contratos de concessão, pois essa nova lei passou a garantir as obrigações

pecuniárias contraídas pela Administração Pública (Art. 8 da Lei nº. 11.079/2004).

Inicialmente, é relevante destacar a possibilidade de aplicação de multa, no caso

de descumprimento do contrato pelo Poder Público.

Toshio Mukai assevera que, para atrair o interesse da iniciativa privada, a

legislação atual prevê diversas garantias, desde aquelas comuns até a constituição de

fundos, cujos recursos destinar­se­ão à cobertura de eventuais créditos que o parceiro

privado tiver perante a Administração. 298

Sobre as garantias que a lei proporcionará ao parceiro particular, Toshio Mukai,

comentando a última versão do projeto de lei das PPPs, assevera que este contém critérios

de julgamento totalmente subjetivos ao tratar do procedimento licitatório. Fato esse que

torna o instituto, instrumento da maior falta de transparência do Poder Público. 299

298 MUKAI, Toshio et al. Parcerias Público­Privadas: Comentários à Lei Federal nº 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. 1. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária, 2005, p. 12. 299 MUKAI, 2005, idem, ibidem, p. 41.

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É essencial a análise das garantias que foram previstas na legislação, quanto à

segurança jurídica, para que, sendo positivas, o parceiro particular sinta­se atraído a

investir seu capital em parcerias desse tipo, bem como as garantias que dão margem a

fraudes e malversação do dinheiro público devem ser evitadas. Leon Frejda Szklarowsky,

por exemplo, analisando o Projeto de Lei das parcerias público­privadas, assevera que:

No projeto original, as garantias pedidas eram excessivas, dando margem à corrupção. Permitia, por exemplo, que administradores públicos eliminassem empresas ao corrigir um patrimônio mínimo de R$ 10 milhões para entrar numa competição. Agora, as exigências serão limitadas às mesmas da Lei de Licitação. 300

Essa é a questão relevante, saber se há garantia aos contratantes e segurança

jurídica suficiente para atrair investimentos privados para contratação de tais parcerias.

Visando essa análise da eficácia e suficiência das garantias, faz­se necessário

trazer à baila os dispositivos legais que tratam do assunto:

Art. 8 o As obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público­privada poderão ser garantidas mediante: I – vinculação de receitas, observado o disposto no inciso IV do Art. 167 da Constituição Federal; II – instituição ou utilização de fundos especiais previstos em lei; III – contratação de seguro­garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público; IV – garantia prestada por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; V – garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para essa finalidade; VI – outros mecanismos admitidos em lei.

Segundo Toshio Mukai, trata­se de garantias robustas e, além disso, o Art. 16

prevê a criação, somente para a União, do Fundo Garantidor de Parcerias Público­Privadas

– FGP, ficando a União suas autarquias e fundações autorizadas a participar no limite

global de R$ 6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais) desse Fundo, que “visa prestar

300 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Análise do Projeto das PPPs. Revista Jurídica Consulex. Brasília, ano VIII, n. 185, p. 24­27, set. de 2004, p. 25.

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garantia de pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos

federais em virtude das parcerias de que trata a Lei”. 301

No entanto, segundo a reportagem do Jornal Valor, de 2.12.2004, p. A9, os

empresários interessados nas PPP’s entendem que tais garantias são poucas, tendo o

presidente da Associação Brasileira da Infra­estrutura e Indústrias de Base (ABDIB) dito

que “corremos o risco de ter pouquíssimos projetos viáveis se a lei ficar assim”. AABDIB,

ainda, entendeu que não há mecanismos que tornem os ativos do FGP imunes a ações

judiciais de outros credores do Governo Federal e não há vinculação entre os bens que vão

compor o patrimônio do fundo e os projetos que receberão suas garantias. Na concepção

desse projeto, quem dá a garantia é o Fundo, e não esse ou aquele. 302

Outra questão interessante, é se o banco público que administrar o FGP discordar

do parceiro privado, quando ele reclamar dos calotes, só restaria como alternativa levar a

disputa para a Justiça, onde ela certamente se arrastaria por anos, salvo se funcionar bem a

arbitragem. De acordo com a proposta da ABDIB, cada projeto de PPP seria garantido por

uma cota específica do Fundo, que durante a execução do contrato ficaria sob a guarda de

um banco privado.

No caso de calote do Governo, a cota seria automaticamente transferida ao

parceiro privado, que então poderia vendê­la para receber seu pagamento sem pedir licença

ao Governo ou ao banco público encarregado de administrar o FGP. Todas essas sugestões,

infelizmente, foram rejeitadas pelo Congresso Nacional.

Os Fundos podem ser novos ou antigos, que corresponde a certas rubricas

orçamentárias ou mera destinação de verbas. Relevante destacar que, no que tange à

programação financeira e ao cronograma de desembolsos, é oportuno lembrar o que

estabelece a Lei de Responsabilidade Fiscal, em seu Art. 8º, que ficam estritamente

limitados à satisfação das finalidades do fundo especial os recursos nele contabilizados,

não podendo deles serem desviados.

Existem também as garantias de terceiros que deverão ser dadas por organismos

internacionais, por companhias seguradoras ou por entidades financeiras. Estas duas

301 MUKAI, Toshio et al. Parcerias Público­Privadas: Comentários à Lei Federal nº. 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. 1. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária, 2005, p. 13.. 302 MUKAI, Toshio et al, op. cit., 2005, p. 13.

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últimas, quando garantirem o adimplemento das obrigações pecuniárias contraídas pelo

Poder Público em contratos de parceria, não poderão ser controladas pelo Poder Público. O

cuidado do legislador, indubitavelmente, tem fundamento, mas justificar­se­ia com muito

maior razão se a hipótese fosse a de financiamento ao parceiro privado.

Preocupa, também, as observações de Luiz Alberto Blanchet, ao afirmar que se

não for prestada nenhuma garantia pelo Poder Público, a única solução para os particulares

participantes da licitação seria a inclusão de sobrepreço em suas propostas, a fim de evitar

prováveis perdas futuras, caso a Administração não honre com seus compromissos. Isso

seria um retrocesso, pois voltaria a prática do “superfaturamento”, que inflacionam os

contratos com o Poder Público. 303

A garantia só será executada se houver inadimplemento por parte da

Administração, mas se não houver garantia, o sobrepreço pesará sobre o orçamento. Por

isso, Luiz Alberto Blanchet entende que não há discricionariedade para o agente da

Administração, em tais casos, nos quais recursos públicos estarão sendo simplesmente

jogados fora, pois o sobrepreço representaria uma caução prévia prestada pelo Estado que,

funestamente para o interesse público, jamais será restituída. 304

Entendem vários autores que o inciso VI é caso de enumeração numerus apertus,

ou seja, o rol de garantias é meramente exemplificativo, podendo ser complementado se

necessário for.

Um critério importante a ser aplicado é o da investigação dos aspectos

juridicamente relevantes de cada parceria concretamente considerada.

Há, também, possibilidade de vinculação de receitas, que trata dos recursos

proveniente de receita, derivada da cobrança de impostos para fins de pagamento e para

fins de prestação de garantia; provavelmente são válidos os mesmos condicionamentos

previstos no Art. 198, § 2º, da CF/88, relativamente a ações e serviços públicos de saúde e

no Art. 212, da CF/88, no que tange à manutenção e desenvolvimento do ensino. Neste

caso, a garantia seria mais concreta, porquanto essa receita vinculada poderia dar mais

respaldo ao cumprimento dos contratos.

303 BLANCHET, Luiz Alberto. Parcerias Público­Privada: Comentários à Lei nº. 11.079, de 30 de dezembro de 2004. Curitiba: Juruá, 2005, p. 50. 304 BLANCHET, Luiz Alberto, op. cit., 2005, p. 50.

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Oportuno, também, lembrar do Artigo 29 da Lei nº. 11.079/2004, que trata das

penalidades previstas no Código Penal e Lei de Improbidade Administrativa, que também

servem para garantir o cumprimento do contrato. Apesar de que, quando não se quer

cumprir uma obrigação, não há cadeia que resolva.

O cerne teórico do instrumento consiste em trazer para o Poder Público a

expertise da iniciativa privada, através de uma focalização maior no desempenho do

contratado, propondo­se um controle de finalidade ao invés de um controle de

procedimentos, o que acaba muitas vezes, engessando seu desempenho.

O ponto nodal é o enfoque na garantia fornecida pelo Estado, que funcionará

como grande atrativo para o capital privado investir nas obras de infra­estrutura, que não

apresentam sustentação e viabilidade econômica própria, pois a receita a ser obtida através

do pagamento das eventuais tarifas, pelos usuários, não é suficiente para a apuração do

capital aplicado.

A manutenção do risco na esfera do concessionário não significa vedação a que o

Estado forneça subvenções, diretamente ou determine a cobrança de tarifas, de acordo com

a capacidade contributiva dos usuários, à medida em que tal seja possível.

Outrossim, princípios como da dignidade da pessoa humana e da solidariedade

impõe que o Estado atue a fim de evitar que determinados serviços essenciais sejam

prestados exclusivamente sob o critério de risco empresarial, e deixem de ser usufruídos

por parcelas mais carentes da população. Por outro lado, o princípio da intangibilidade da

equação econômico­financeira impõe que o Estado assegure ao concessionário a

recomposição da relação original entre encargos e vantagens, sempre que esta for afetada

por determinados eventos supervenientes.

É legítimo afirmar que o pleno atendimento ao interesse coletivo, almejado pela

concessão de serviços ou obras públicas, depende da conjugação de fatores e, sobretudo, de

recursos públicos e privados.

Esclarece Alexandre Wagner Nester que:

É relevante, pois, que as licitações destinadas à implementação de parcerias público­privadas sejam antecedidas de todos os estudos técnicos necessários, realizados por profissionais especializados. Mais: é

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imprescindível que o edital contenha definição precisa dos interesses coletivos a serem atingidos, bem como do marco regulatório que irá pautar as atividades até o seu termo final. É fundamental a identificação de todos os riscos possíveis para as partes. 305

Em qualquer situação, o elemento diferenciador entre uma PPP e uma concessão

comum é a origem das receitas do particular, que, na primeira, é formada pelos pagamentos

efetuados pelo Governo (ou por uma combinação entre pagamentos do Governo e tarifas

obtidas dos usuários do serviço, no caso da concessão patrocinada), enquanto, na segunda,

é exclusivamente formada por tarifas obtidas dos usuários do serviço.

3.3.1 A impor tância das garantias

Como se verifica na Lei nº. 11.079/2004, a disciplina das PPP’s são voltadas às

concessões que precisam total (concessões administrativas) ou parcialmente (concessões

patrocinadas) de verbas estatais para terem sustentabilidade econômica. Ou seja, o

concessionário dependerá em parte ou exclusivamente que o Poder público cumpra as suas

obrigações pecuniárias para com ele, parceiro privado.

Entretanto, a confiança nas qualidades do Estado brasileiro como pagador são

muito diminutas.

Essencialmente, o sucesso do instituto das parcerias público­privadas no Brasil

depende da capacidade de convencimento de investidores privados, com os quais o

Governo irá honrar suas obrigações contratuais e que, se por acaso, as descumprir, tais

investidores terão condições de executar de forma rápida e eficiente as garantias que lhes

serão oferecidas, de modo a se ressarcirem dos prejuízos causados por eventual

inadimplência.

O alicerce idealizado para as parcerias público­privadas permitirá que o Estado

garanta ao investidor privado o retorno de seu investimento. Destarte, deve­se analisar

asgarantias sob quatro ângulos: a garantia que o Poder Público prestará ao parceiro

privado; a garantia que o parceiro privado prestará ao Poder Público; a garantia que o

305 NESTER, Alexandre Wagner. Regulação e concorrência: Compartilhamento de infra­estrutura de redes. São Paulo: Dialética, 2005, p. 191­192.

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Poder Público prestará aos financiadores do projeto e, por fim, a garantia que o parceiro

privado prestará aos seus financiadores.

3.3.2 Garantias que o Poder Público prestará ao parceiro pr ivado e aos financiadores

do projeto.

A Lei das parcerias público­privadas foi incisiva ao enumerar,

exemplificativamente, cinco formas distintas de possíveis garantias que o parceiro público

prestará ao parceiro privado, quais sejam:

A vinculação de receitas, que deve ser restritiva às limitações constitucionais, mas

impedem a utilização da receita de impostos. Todavia, as decorrentes dos demais tributos e

de outras fontes da Administração Pública poderão ser vinculadas.

Em relação ao assunto, merece especial menção do professor Kiyoshi Harada

[...] vinculação tem o sentido de preservar o equilíbrio entre o montante do empréstimo público (dívida pública) e o valor da receita antecipada, evitando­se situações de desequilíbrio orçamentário. Por isso, a entidade política mutuante é obrigada a manter, permanentemente, na lei orçamentária anual, dotação específica para garantia do pagamento da dívida, enquanto esta perdurar. 306

Os fundos especiais previstos em Lei, constituídos mediante autorização

legislativa, também poderão garantir as obrigações da Administração Pública, sendo

legalmente adstritas à realização dos seus objetivos. O problema que já se vislumbra é

saber de onde surgirão as receitas para comporem esses fundos.

No que tange ao seguro­garantia, este deverá ser contratado com companhias

seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público. Em síntese, destina­se a cobrir

os riscos relacionados ao cumprimento de obrigações por parte do segurado, no caso, a

Administração Pública. Havendo um sinistro, a seguradora pagará ao beneficiário o valor

da indenização correspondente à obrigação que não foi cumprida.

306 HARADA, Kiyoshi apud DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2007, p 174.

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É relevante apontar a possibilidade do seguro em designar os financiadores

diretamente como beneficiários nas apólices, ao invés dos próprios parceiros privados. É

nítido que, tanto maior será o custo do seguro­garantia, quanto maior for o risco de

inadimplemento do órgão com quem estiver contratando.

Há, ainda, a possibilidade de obtenção de garantias por parte de órgãos

internacionais ou de bancos privados, não controlados pelo Poder Público, respeitadas as

regras definidas pelo Conselho Monetário Nacional e emitidas pelo Banco Central do

Brasil.

Quanto ao Fundo Garantidor de Parcerias Público­Privadas, foram autorizadas

expressamente a participar como cotistas a União, suas autarquias e fundações públicas, até

o limite global de seis bilhões de reais, integralizados com aporte financeiro, títulos da

dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, incluindo ações de sociedade de

economia mista federal ou outros direitos que possuam valor patrimonial, sendo que serão

avaliados por empresa especializada, que deverá apresentar laudo fundamentado, no qual

deverá constar os critérios utilizados na avaliação, sendo instruído com os documentos

relativos aos bens avaliados.

“Essa integralização independerá de processo licitatório e estará sujeita a prévia

avaliação e autorização específica por parte do Presidente da República, mediante proposta

do ministro da Fazenda”. 307

Todavia, não respondem também os cotistas pelas obrigações do FGP, mas apenas

pela integralização das cotas por ele subscritas.

O FGP será criado, administrado, gerido e representado judicialmente e

extrajudicialmente por instituição financeira controlada, direta ou indiretamente, pela

União, segundo normas estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional, que deverá

primar por sua rentabilidade e liquidez. Após sua implantação, será um fundo de natureza

privada e patrimônio próprio (ou seja, separado do patrimônio de seus cotistas). E, por

conta disso, em tese, não está sujeito a limitações da administração pública que não as

relativas às garantias prestadas em função dos contratos de parcerias público­privadas.

307 MIGALHAS, 2005, p. 272.

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A finalidade do fundo é garantir as obrigações pecuniárias da Administração

Pública Federal em contratos de parcerias público­privadas, sendo, para tanto, aprovadas

em assembléia de cotistas, podendo ser uma das seguintes modalidades: I – fiança, sem

benefício de ordem para o fiador; II – penhor de bens móveis ou de direitos integrantes do

patrimônio do FGP, sem transferência da posse da coisa empenhada antes da execução da

garantia; III – hipoteca dos bens imóveis; IV – alienação fiduciária, permanecendo a posse

dos bens com o FGP ou com agente fiduciário por ele contratado; V – outros contratos que

produzam o efeito de garantia; VI – garantia real ou pessoal, vinculada a um patrimônio de

afetação constituído em decorrência da separação de bens e direitos do FGP.

Os bens e direitos existentes no fundo poderão estar sujeitos a constrição judicial

e posterior alienação caso ocorra inadimplemento do parceiro público. Também, poderá ser

constituído um patrimônio de afetação sem comunicação com o restante do patrimônio do

FGP, que estará sujeito a registro que irá variar de acordo com a natureza dos bens que o

integram. Sendo segregado exclusivamente à garantia em relação a qual foi constituído e,

conseqüentemente, não sujeito à constrição judicial (seja por penhora, arresto, seqüestro,

busca e apreensão etc) por conta de outras obrigações do FGP.

Quanto à determinação de outros mecanismos legalmente admitidos, são as

chamadas brechas na lei, as quais os legisladores propositada e sabiamente deixaram

aberta, conferindo flexibilidade suficiente para o atendimento às peculiaridades de cada

caso concreto.

3.3.3 Garantias que o parceiro privado prestará ao parceiro público e aos seus

financiadores

O parceiro privado prestará dois tipos de garantias, quais sejam: a garantia da

proposta e a da execução do contrato.

A garantia de proposta deverá estar prevista no edital da licitação, estando

limitada a 1% do valor do objeto da contratação, ou seja, deverá garantir que possui

condições financeiras de arcar com os investimentos decorrentes do contrato de parceria

firmado, sendo desta forma uma condição de habilitação no procedimento licitatório.

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Quanto à garantia de execução do contrato, também previsto no edital, poderá

chegar a 10% do valor do contrato e será apresentado posteriormente à habilitação, para

que possa garantir o adimplemento das obrigações assumidas no contrato.

Essas garantias poderão ser prestadas, em ambos os casos, por meio de caução em

dinheiro, títulos da dívida pública, seguro­garantia ou fiança bancária.

Vislumbra­se, ainda, uma segurança adicional ao investidor privado em um

projeto de parceria público­privada, com a previsão de que, uma vez criado, o Fundo

Garantidor de Parceria Publico Privada (FGP), estudado anteriormente, só poderá ser

dissolvido se forem quitados todos os débitos garantidos ou após liberação pelos credores

das garantias prestadas pelo Fundo.

As garantias do parceiro privado aos seus financiadores são aquelas já conhecidas,

em que o tomador do empréstimo oferece à instituição bancária, como a hipoteca, seguro­

garantia, fiança bancária, caução em dinheiro, títulos da dívida pública, penhor etc.

Todavia, a melhor garantia será o próprio investimento por parte do parceiro

privado, pois ao iniciar o aporte de pecúnia no projeto, sem sua a inadimplência,

provavelmente esses valores transferidos serão automaticamente perdidos, o que nenhum

investidor deixará ocorrer.

3.4 SEGURANÇA JURÍDICA DOS CONTRATOS

Para atrair a participação de capital privado, visando investimentos em infra­

estrutura, deve também haver uma repartição de custos e riscos, bem como a segurança

jurídica imprescindível para qualquer relação contratual, principalmente quando envolvem

investimentos de grande vulto e de longa duração como os de parcerias público­privadas.

Leon Frejda Szklarowsky, assevera que alguns requisitos são imprescindíveis,

como: “fornecer previsibilidade e segurança para o parceiro privado, reduzindo os custos

do investimento; garantir a prestação do serviço ao longo do tempo com padrões de

qualidade; evitar a materialização de esqueletos no futuro”. 308

308 SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Análise do Projeto das PPPs. Revista Jurídica Consulex. Brasília, ano VIII, n. 185, p. 24­27, set. de 2004, p. 25. (grifos do autor)

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Caso as receitas efetivas se distanciem significativamente das receitas previstas,

especialmente por razões macroeconômicas ou por fatores que possam ser associados à

ação do Poder Público, o contrato poderá prever algum tipo de contraprestação adicional. 309

Os Tribunais brasileiros, em sua grande maioria, têm tutelado o contratado

privado nas relações com o Poder Público; no entanto, não basta somente a procedência da

ação, mas a celeridade na solução do litígio, que é o que mais se preocupa na prestação

jurisdicional do Poder Judiciário brasileiro.

Com as diversas reformas constitucionais e infraconstitucionais que estão sendo

implementadas pelo Legislativo, alguma melhora quanto à celeridade processual será

efetivada, mas, assim mesmo, ainda a resposta concreta às demandas serão excessivamente

demoradas.

Tratando do princípio da segurança jurídica, necessário se faz constar o

ensinamento de Celso Antônio Bandeira de Mello:

Lembrado por CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO (2003, p. 112­114) como um dos mais importantes entre os princípios gerais do direito, consiste na previsibilidade das conseqüências jurídicas dos comportamentos sociais, garantindo certa paz e estabilidade nas relações.

Justamente porque o particular prevê que a Administração Pública irá cumprir suas obrigações nas relações contratuais, ele se sente motivado a participar dos certames licitatórios. Sabe ainda que, caso haja inadimplemento por parte da Administração, a lesão de seus direitos poderá ser submetida ao crivo do Judiciário. 310

Este requisito é o mais importante, pois se não houver segurança jurídica não

haverá atrativo ao investidor privado para aplicar em parcerias público­privadas.

Diante das garantias apresentadas, há uma maior segurança ao parceiro privado do

que em um contrato administrativo comum, mas somente isso não basta, pois é necessário

que no caso de inadimplência, como foi asseverado, o parceiro privado tenha uma solução

309 SZKLAROWSKY, 2004, Idem, ibidem, loc cit. 310 SARAI, Leandro. Regime jurídico dos contratos administrativos. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 255, 19 mar. 2004. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=4968>. Acesso em: 18 jun. 2007.

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rápida do litígio, podendo, nesse caso utilizar­se da arbitragem, como meio de acelerar a

solução da lide.

3.4.1 A arbitragem na parceria público­pr ivada e a segurança jur ídica

De vital importância para o discorrer do presente é a resolução dos conflitos por

meio da arbitragem (Juízo Arbitral), como meio de solução das controvérsias de uma forma

célere, em combate à morosidade da Justiça e garantia da segurança jurídica, desde que

realizada no Brasil e em língua portuguesa.

Surge a arbitragem como meio alternativo de pacificação social, para dirimir

eventuais conflitos de interesses, conforme previsão expressa no Artigo 11, III, da Lei nº.

11.079/2004.

Visando maior eficácia no enfoque do tema, faz­se necessário trazer à baila o

dispositivo legal que trata do assunto:

Art. 11. O instrumento convocatório conterá minuta do contrato, indicará expressamente a submissão da licitação às normas desta lei e observará, no que couber, os §§ 3º e 4º do art. 15, os arts. 18, 19 e 21 da Lei nº. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, podendo ainda prever: [...] III ­ o emprego de mecanismos privados de resolução de disputas, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei nº. 9.307, de 23 de setembro de 1996, para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.

Como assevera Toshio Mukai

Uma corrente entende que isso não seria possível, sob o argumento de que a arbitragem não pode ser utilizada em questões que envolvam o Poder Público, por estarem em jogo direitos públicos, indisponíveis. Outra corrente entende ser possível, desde que a lei autorize tal possibilidade. 311

311 MUKAI, Toshio, et al. Parcerias Público­Privadas: Comentários à Lei Federal nº. 11.079/04, às Leis Estaduais de Minas Gerais, Santa Catarina, São Paulo, Distrito Federal, Goiás, Bahia, Ceará, Rio Grande do Sul e à Lei Municipal de Vitória/ES. 1. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Forense Universitária, 2005, p 19.

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Como se observa, a arbitragem só poderá ser utilizada em matéria de parceria

público­privada quando não se tratar de bens e interesses indisponíveis e, se for este o

caso, a via de solução de conflitos só poderá ser a judicial.

O parágrafo único do art. 11 preceitua que o edital deverá especificar, quando

houver, as garantias da contraprestação do parceiro público, a serem concedidas ao

parceiro privado. Portanto, poder­se­á prever essa forma de solução de conflito, inclusive,

elegendo­se previamente um escritório especializado em arbitragem que se encarregará de

estabelecer a arbitragem.

Através da parceria público­privada, pretende­se estabelecer um novo cenário de

atuação conjunta do setor estatal e dos agentes particulares, visando, sobretudo, um melhor

direcionamento dos vetores de crescimento, objetivando um caráter associativo entre as

partes, numa atuação que privilegie a busca por soluções consensuais.

A Lei não delimita objetivamente as espécies de disputas contratuais arbitráveis, o

que se faz mais adequado, pois acabaria excluindo, sem necessidade, hipóteses de litígio

perfeitamente resolúveis mediante arbitragem.

É irrelevante a discussão acerca da natureza da arbitragem, quanto a saber se trata­

se ou não de uma atividade jurisdicional.

Relevante é o reconhecimento da constitucionalidade do instituto, uma vez que os

conflitos podem ser compostos independentemente de intervenção judicial. A opção pela

solução arbitral não representa afronta à garantia inscrita no art. 5º, XXXV, da CF. A

possibilidade de acesso ao Judiciário não pode ser transformado em proibição do emprego

de outra via mais adequada aos litigantes.

Dessa maneira, o setor privado jamais assumiria tais riscos e responsabilidades se

não lhe fosse oportunizado resguardar­se com algumas garantias, visando reduzir a

preponderância estatal, entre elas a previsão de arbitragem para dirimir os conflitos

decorrentes do contrato de parceria público­privada, porquanto é de sua essência a

celeridade, presteza, segurança, eficiência e resolução das disputas, através de árbitros

especializados em determinadas áreas.

Esse instituto não é uma inovação trazida à baila por essa lei, visto ser um dos

mais antigos e eficientes instrumentos extraprocessuais utilizados para a solução amigável

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e imparcial de conflitos por meio de árbitros, em decorrência dos quais as partes se louvam

a resolverem os seus embates.

Não obstante, sobrevém algumas indagações, quais sejam, se a arbitragem será

uma alternativa amistosa para a solução dos conflitos contratuais entre a Administração

Pública e o particular; se aplicar­se­á o consagrado princípio da indisponibilidade dos bens

públicos em face dessa previsão; se essa forma de resolução de conflitos nos contratos de

parceria implicaria ofensa constitucional; se se configuraria retrocesso retirar a arbitragem

da previsão normativa das parcerias público­privadas, como meio de composição dos

litígios, uma vez que um dos pólos contratantes é a Administração Pública e, finalmente,

entendendo­se que há compatibilidade da arbitragem com o aludido princípio, é relevante

saber quais seriam as espécies de disputas contratuais arbitráveis e como seriam

conciliados no ordenamento jurídico vigente.

Tais questões serão provavelmente solucionadas pela doutrina e pela

jurisprudência no decorrer de sua aplicação prática, mas algumas modestas opiniões são

imprescindíveis de serem explicitadas.

Destarte, de forma precária, poder­se­ia dizer que a indisponibilidade dos bens

públicos não pode ser alegada em defesa do Estado se ele descumprir o contrato, pois

estaria alegando em Juízo o que teria causado por sua própria torpeza (inadimplência),

conforme brocardo latino nemo audiatur propriam turpitudinem alegans.

Outrossim, o Estado, quando negocia esse tipo de contrato, não pode ter

privilégios, pois ambos são “parceiros” que juridicamente estão no mesmo nível, inclusive,

não se aplicando ao caso as cláusulas exorbitantes, segundo asseveram alguns

doutrinadores.

Numa análise superficial, provavelmente não há se falar em retrocesso, pois o

instituto da arbitragem é novo e profícuo, quando observados os requisitos para a sua

formação. Quanto à constitucionalidade, não haveria dúvida de que é um instituto previsto

constitucionalmente (concessão e licitação) e, a partir do momento em que o Estado é

inadimplente, os direitos do parceiro privado também estariam resguardados na

Constituição.

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As questões arbitráveis seriam todas ligadas ao contrato e seriam submetidas à

arbitragem somente aquelas que podem ser decididas por intervenção de um Juízo arbitral,

como o valor do contrato, por exemplo.

Quanto ao conflito que surge em face da indisponibilidade do interesse público,

nas questões que poderiam ter seu deslinde pela arbitragem, é imprescindível que haja uma

flexibilização nas relações a serem pactuadas, uma vez que dependem de montante

significativo de recursos e longo prazo de maturação do capital privado investido, devendo

ser efetivadas as garantias como a arbitragem, que trazem consigo maior segurança ao

investidor. No entanto, é apontado como meio alternativo de solução das contendas, com a

substituição da vontade do Estado pela das partes envolvidas.

Em virtude dessas considerações, mostra­se com clareza a autoridade, o mérito e a

influência do instituto em comento na hodierna feição de contratualização, ostentada pelo

setor público, notadamente nas parcerias público­privadas, primando pelo equilíbrio das

partes e aproveitando­a como estímulo ao investimento privado.

De outro giro, verifica­se que o interesse público está diametralmente ligado com

o interesse particular, uma vez que aquele se propõe a atender a contento os anseios de

cada indivíduo, enquanto partícipe de uma coletividade.

Por igual razão, o princípio da supremacia do interesse público sobre o privado só

será legítimo nos exatos limites da consecução do interesse geral, por conseguinte, no

momento que a Administração estiver atuando na seara das atividades privadas caberá um

modelo moderado ao implemento do princípio.

Advindo do princípio da supremacia do interesse público, o princípio da

indisponibilidade do interesse público traduz­se na impossibilidade de livre disposição dos

interesses classificados como da coletividade, pela Administração, porquanto cabe a ela tão

somente geri­los.

De mais a mais, é conveniente ressaltar que o modelo contratual utilizado em

tempos passados era assentado em alicerces de imposição. Dessa forma, a Administração,

nos contratos administrativos, dispunha de prerrogativas para garantir o interesse comum

da coletividade, vigorando as cláusulas exorbitantes, que proporcionavam à Administração

a alteração unilateral do contrato, com imposição de sanções e rescisão, por exemplo.

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173

Com efeito, subsiste, sob o mesmo ângulo, o tradicional contrato administrativo e

os pactos celebrados entre Administração e setor privado que permitem a compatibilização

de interesses. Assiste­se ao estreitamento de laços entre o regime de Direito Público e

Privado.

A arbitrabilidade, prevista na Lei nº. 11.079/2004, assume condição de validade da

instituição da arbitragem nos contratos públicos, subdividindo­se em subjetiva, referente

aos sujeitos, que devem ter capacidade para contratar, e objetiva, que diz respeito aos

elementos arbitráveis, restringindo­os aos direitos patrimoniais disponíveis, ressalvadas as questões de estado, de direito pessoal e de família.

Ultrapassada tais premissas, cabe esclarecer sobre a compatibilização ou não da

arbitragem com o princípio da indisponibilidade dos bens públicos.

Cumpre salientar que o Direito Administrativo, como os demais ramos do direito,

está em constante evolução e progresso, sujeitos às influências sociais, político­

institucionais e econômicas, correspondendo às novas concepções e necessidades da

sociedade em dado momento. Com efeito, o estudioso do direito administrativo deve estar

com seu espírito aberto à mudanças, aceitando o desafio das inovações, enfrentando a

realidade e desenvolvendo idéias.

Nesse sentido, vislumbra­se uma redução da preponderância estatal sobre o

particular­contratado nas relações negociais, ao revés, atualmente a tendência é o equilíbrio

das partes e a concessão de reciprocidades no trato com a Administração Pública. O

objetivo dessa nova atuação administrativa é a concretização de parcerias, ou seja, os

acordos ou pactos celebrados pela Administração e por entes privados para a consecução

dos fins públicos.

Pois bem, verifica­se que a Administração Pública preenche os requisitos da

arbitrabilidade subjetiva, uma vez que detém capacidade de contratar, inegável, pois, a

capacidade de contratação dos entes públicos, além do que a Lei da Arbitragem não

especifica os sujeitos dessa relação, logo, inexiste qualquer impedimento para a adoção da

via arbitral, inclusive utiliza­se muito essa solução no direito internacional.

Outrossim, no campo da arbitrabilidade objetiva, também não se encontra maiores

dificuldades, porquanto, conforme preconiza o Art. 852 do Código Civil e o Artigo 1° da

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Lei nº. 9.307/96, tem de haver uma harmonização entre ambos os diplomas legais,

firmando as disputas sujeitas à arbitragem, quais sejam, os direitos que permitem a

transação, isto é os direitos patrimoniais disponíveis, excluídas as questões de Estado, de

direito pessoal e de família.

3.4.2 Indisponibilidade do Interesse Público e a Arbitragem

Cabe aqui analisar o cabimento da arbitragem envolvendo a administração

pública no que tange à exigência de disponibilidade dos direitos envolvidos no conflito.

Nesse sentido, Eduardo Talamini

Os bens públicos pertencem a todos e a cada um dos cidadãos, a nenhum agente público é dado desfazer­se deles a seu bel­prazer, como se estivesse dispondo de um bem particular. Mais ainda: existem valores, atividades, bens públicos que são inalienáveis em qualquer hipótese. Então, no que tange ao núcleo fundamental das tarefas, funções e bens essencialmente públicos, não há espaço para atos de disposição. 312

Entretanto, há casos em que, embora o bem jurídico seja indisponível, outros

valores constitucionais justificam e observadas determinadas condições, o Estado renuncie

a derivações desse bem indisponível. Pode­se citar a potestade tributária, que apesar da

condição de indisponibilidade, é possível lei autorizando a remissão, a anistia do crédito

fiscal. Na mesma esteira, há na esfera federal autorizações legais bastante amplas para a

realização de acordos processuais, inclusive com renúncias a direitos.

Não obstante, a regra geral, é preciso examinar as questões que possam ser

submetidas à arbitragem, no tocante aos contratos administrativos, especificamente, nas

parcerias público­privadas, perscrutando o verdadeiro sentido de disponibilidade e

patrimonialidade.

A par disso, a disponibilidade reside nos atos negociais realizados pela

Administração Pública, nas ocasiões que dão azo à discricionariedade tanto da origem

como da extinção do negócio, porém, jamais interferirá nos atos administrativos eivados de

autoridade, impositivos, de império, ou como preferem de puissance publique. A

312 TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Mônica Spezia et all. Parcerias Público Privadas: Um Enfoque Multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 338.

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patrimonialidade refere­se aos direitos que encerram feição expressa em valor econômico,

não apenas os imediatamente revelados pela aferição em pecúnia como, também, os que

possam ser transformados, convertidos, avaliados monetariamente.

Portanto, insofismável que o instituto da arbitragem é, não só plenamente

adequado no âmbito administrativo, como muitas vezes recomendável.

Assentadas tais premissas e para encerrar a questão, analisar­se­á o argumento

principal, o princípio da indisponibilidade do interesse público. A indisponibilidade cinge­

se ao interesse público primário, de âmbito coletivo, ao passo que no interesse público

secundário, respeitante ao ente estatal, enquanto pessoa jurídica capaz de abranger direitos,

sua esfera de atuação é mais licensiosa.

Daí porque a Administração Pública deve atender, imediatamente, a pretensão dos

particulares, se constatado que não obtém razão, conferindo, desse modo, obediência ao

interesse público.

No entanto, não se confunde disponibilidade dos direitos patrimoniais com

indisponibilidade do interesse público.

Ora, mesmo a par de direitos totalmente indisponíveis, existem outros que

dependem de uma reflexão com base em diversos valores constitucionais, que em dada

oportunidade são mais relevantes, tornando possível seu desfazimento.

Por conseguinte, por vezes a Administração Pública desfaz­se de algum direito

patrimonial sem que isso denote a disposição do interesse público, ao invés, esse só é

alcançado mediante a cedência do primeiro.

Em suma, o diferencial assentou na indisponibilidade do interesse público dos

direitos patrimoniais. Desse modo, o que realmente deve ser realçado nos contratos

firmados pelo Poder Público é a natureza dos interesses, bens e direitos colocados em

questão. Em termos outros, os contratos, embora celebrados pelo setor público, de cunho

eminentemente privado, podem conter previsão de arbitragem. 313

Conclui­se, então, que não há óbice na convenção de arbitragem nos contratos

celebrados pela Administração Pública, inexistindo afronta ou violação do princípio da

313 Grifo nosso.

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indisponibilidade do interesse público, quando o pacto redundar na disponibilidade de

direitos patrimoniais.

Por fim, a arbitragem, instrumento de solução de conflitos, no âmbito das

parcerias público­privadas, reforça a tese de incentivo ao capital privado, mormente com a

geração de maior estabilidade e segurança na relação jurídica, ao mesmo tempo em que

poderá propiciar aos administrados, serviços públicos de melhor qualidade, fortalecida pela

compatibilidade com o princípio da indisponibilidade dos interesses públicos.

Ora, o que não se pode permitir é que a sociedade fique à deriva, inserta em

pesada carga tributária e péssima prestação de serviços públicos, gerida por um Poder

Público sem controle em sua atividade, nem sempre impelido pelas mais nobres das

intenções, dando margem a fraudes e malversação do dinheiro público.

3.5 DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E DESENVOLVIMENTO SOCIAL

Segundo Bueno, a palavra desenvolvimento significa “ato ou efeito de

desenvolver, crescimento, adiantamento, progresso...”. Desenvolver, por sua vez, significa

“tirar do invólucro, descobrir o que estava envolvido, fazer crescer”. 314

Amplia­se, portanto, o conceito de desenvolvimento, considerando­o como um

processo de transformação social, político e econômico, através do qual o crescimento do

padrão de vida da população tende a tornar­se autônomo, ou seja, o desenvolvimento

pressupõe uma situação de melhoria da qualidade de vida.

O desenvolvimento econômico e social exige um novo sistema de gestão de

políticas públicas que exercite o novo paradigma da relação entre Estado e sociedade,

assentado na articulação, descentralização, parceria, transparência, controle social e

participação e na integração das políticas públicas, entre elas a política macroeconômica,

políticas setoriais e políticas sociais. Inclui, ainda, a articulação entre as diversas instâncias

dos governos federal, estadual e municipal.

Emerge como relevante que o governo federal desempenhe um papel incentivador,

definindo diretrizes nacionais, métodos e procedimentos de desenvolvimento, formas de

314 BUENO, Silveira. Minidicionário da língua portuguesa. São Paulo: FTD, 2000, p.312­518

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financiamento, alternativas de capacitação dos agentes envolvidos no processo, formas de

monitoramento e avaliação dos processos. Cabe, ainda, ao governo federal, pré­definir

áreas prioritárias, selecionar projetos, acompanhar e avaliar essas experiências, rever

diretrizes nacionais, entre outros.

A Constituição consigna, como objetivo fundamental da República Federativa do

Brasil, o desenvolvimento nacional (Art. 3º, II). José Afonso da Silva aponta que é a

primeira vez que uma Constituição assinala, especificadamente, objetivos do Estado

brasileiro. 315

Com o dispositivo Constitucional acima mencionado, fica bem claro que o

Estado, no cumprimento do seu papel, deve precipuamente buscar o desenvolvimento

nacional, compreendendo o desenvolvimento econômico e social, por meio de duas

atividades que são inerentes à sua existência: a administrativa e a financeira.

No entanto, há muito tempo o erário público, em todas as esferas, não consegue

estabelecer uma relação de equilíbrio entre despesas e receitas apresentando, quase sempre,

“déficit” do caixa governamental.

Para se obter o desenvolvimento necessário, é preciso definir o processo de

sustentabilidade da parceria público­privada como instrumento de eficácia nesse processo.

Para Eros Roberto Grau, a idéia de desenvolvimento supõe dinâmicas mutações e

importa em que se esteja a realizar um processo de mobilidade social contínuo e

intermitente. 316

Dessa forma, o processo de desenvolvimento deve importar mudanças de ordem

não apenas quantitativa, mas também qualitativa, ou seja, deve haver uma elevação do

nível econômico e do nível cultural­intelectual comunitário.

Entretanto, insta destacar que os projetos de desenvolvimento implicam uma

consideração acerca do sistema econômico do país e, necessário se fará, saber qual modelo

econômico terá maiores possibilidades para promover o crescimento qualitativo.

315 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 24 ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 105. 316 GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988, 9. ed. São Paulo: Malheiros, 2004, p. 201.

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No entender de Campos 317 , a construção do modelo de bem­estar social e a

redução das desigualdades sociais, traz o desafio de estabelecer uma relação mais

consistente entre Estado e sociedade civil, com parcerias estruturantes e contratuais,

pactuadas no sentido de garantir a sua continuidade.

Isso significa um Estado que assuma sua responsabilidade de formulador de

políticas públicas, mas que seja permeável à sociedade, o que implica não somente maior

participação, mas, também, mais transparência e controle social, o que pressupõe uma via

de mão dupla, com a sociedade permeada pelo Estado e vice­versa, traduzindo­se, também,

como a presença constante do Estado na sociedade por meio de políticas públicas bem

estruturadas e adequadas a suas demandas e essas mesmas políticas públicas elaboradas e

instituídas de maneira democrática, popular e participativa. 318

Para que o Estado cumpra sua tarefa constitucional de “garantir o

desenvolvimento nacional” não deve se ocupar tão­somente com o crescimento

econômico, mas, principalmente, com a promoção do desenvolvimento, em todas as

dimensões como a social, a moral, a política e outras.

Nesse sentido, André Ramos Tavares:

O desenvolvimento do Estado passa prioritariamente pelo desenvolvimento do homem, de seu cidadão, de seus direitos fundamentais. Sem ele, o mero avanço econômico pouco significará, ou fará sentido para poucos. Assim independentemente do conceito que determinada atitude possa ocupar nas teorias econômicas, ela será adotada se puder ser utilizada como instrumento para alcançar mencionado desenvolvimento. Portanto, a intervenção do Estado, sempre que servir para esse desiderato, será necessária, bem como as prestações de cunho social (e especialmente tais prestações), sem que isso signifique a assunção de um modelo socialista. Da mesma forma, a consagração da liberdade, incluindo a livre iniciativa e a livre concorrência, serão essenciais para que se implemente aquele grau de desenvolvimento desejado. 319

Assim, na atual Constituição o desenvolvimento que se objetiva é o

desenvolvimento amplo. Não apenas econômico, no sentido de aumentar a produção

317 CAMPOS, Kátia. Governo, sociedade e inclusão: o papel do Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome na promoção e articulação de ações para inclusão social. Inclusão Social. Brasília, v. 2, n. 1, p. 11­17, out. 2006/mar. 2007. 318 CAMPOS, Kátia, op. cit., p. 11­17. 319 TAVARES, André Ramos. Direito Constitucional Econômico. São Paulo: Método, 2003, p. 68.

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nacional, mas, necessariamente, tendo finalidades sociais e humanas, com compromisso

moral e ético.

Gustavo Henrique Justino de Oliveira considera que:

Mesmo diante da escassez de recursos públicos – fato que eventualmente pode ser tido como obstáculo para a efetivação de direitos sociais pela via direta da prestação de serviços públicos – o Estado não pode isentar­se de suas responsabilidades nesse campo. A ele cumpre promover uma série de outras ações (v.g., fomento, regulação, parcerias), as quais igualmente visam promover os valores fundamentais. 320

Ainda na esteira do pensamento sustentado por Gustavo Henrique Justino de

Oliveira tais medidas ou providências estatais tendem a perseguir o desenvolvimento.

Estado, Governo e Administração constituem­se em intermediadores e promotores

constitucionalmente vocacionados do desenvolvimento nacional.

No entender de Cristiane Derani 321 , a ordem econômica presente na Constituição

Federal de 1988 é voltada à estabilização econômica, por meio de atividades

conjuntamente desenvolvidas pelo Estado e agentes privados, visando cristalizar bases para

o desenvolvimento, o que revela a opção jurídica pela orientação global da economia,

afastando a idéia do Estado como ator pontual das relações econômicas, prestando o que a

autora chama de “socorros emergenciais” àquilo que seria de exclusivo campo de

particulares.

É por esta valorização da participação do Estado, que se pode falar em parcerias

público­privadas, pois representam uma real possibilidade de viabilizar investimentos de

infra­estrutura no Brasil. Os projetos de infra­estrutura caracterizam­se por serem

intensivos em capital e apresentarem prazos de maturação extremamente longos, segundo

Michal Gartenkraut. 322

O Direito possui, nesse sentido, uma dupla instrumentalidade, posto que se

apresenta como instrumento a serviço do cumprimento dos objetivos previstos pelos

320 OLIVEIRA, Gustavo Henrique Justino de. Parceria Público­Privada e Direito ao Desenvolvimento: Uma Abordagem Necessária. Revista de Direito Administrativo. Rio de Janeiro: Renovar, v. 241, mar. 2006, p. 311. 321 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997,p. 193. 322 GARTENKRAUT, Michal. Inovação e Estruturação dos Contratos – Aspectos Institucionais e Econômicos da PPP. In: TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Mônica Spezia. Parcerias Público­Privadas: Um Enfoque Multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 323.

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operadores do mercado, colocando­se como instrumento de direção a serviço do Estado,

como instrumento de ação estatal atuando por normas de organização e autorização,

demarcando a direção global da economia, operando também, de modo conjuntural, com

normas de intervenção direta e indireta. Assim, a luta contra a crise econômica é o ponto

chave na regulação que o Estado busca para as condições globais dos processos de

mercado. 323

Considerando o processo de desenvolvimento atual do Brasil, Michal Gartenkraut

afirma que:

O momento atual caracteriza­se por profundas mudanças. O Brasil carrega o fardo de estar implementando, há muitos anos, um programa pesado de ajuste macro­econômico, acompanhado por reformas. Ano após ano, deve­se lidar com projetos de reformas estruturais, que, na maior parte das vezes, implicam mudanças constitucionais. Gera­se assim um clima de muita incerteza. 324

Em síntese, a necessidade em infra­estrutura requer que o setor público atraia

novos parceiros. Assim, não se refere apenas de uma ideologia, mas de aritmética: não

existem recursos nos orçamentos públicos para enfrentar esse tipo de desafio numérico.

Nesse sentido, o Estado assume um novo papel. Deixa de ser empreendedor,

empresário, que faz tudo, que lidera processos, passando a ter um papel tradicional de

regulador, normalizador, fiscalizador, indutor. A Constituição Federal, Art. 174, caput, por sua vez estabelece que:

Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.

As parcerias surgem nesse contexto, como instrumento de viabilização dos

investimentos de infra­estrutura. O principal objetivo da parceria é fazer aparecer os

323 DERANI, op.cit., p. 193. 324 Idem, ibidem.

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investimentos. Isso é crucial em alguns setores; em energia elétrica, por exemplo, sabe­se

que estamos muito atrasados, consoante averbou Michal Gartenkraut. 325

Para Thiago Degelo Vinha e Maria de Fátima Ribeiro, “desenvolvimento

econômico não é apenas crescimento econômico e nem tampouco distribuição de riqueza.

Pressupõe a distribuição dessa riqueza em favor do bem­estar social e a participação da

sociedade”. 326

Para Norbert Reich 327 , a finalidade do Estado é de evitar crises, tendo em conta as

relações de classe, que perderam seu caráter apolítico, na luta por uma distribuição

eqüitativa do incremento do produto social. Para o autor, o Estado intervencionista exerce

estratégia de integração, estendendo seu campo de ação até o setor de regulação dos

processos de mercado. Age em três fontes: proibição, incentivo e acondicionamento da

infra­estrutura necessária para o desenvolvimento das relações econômicas. A direção da

economia resulta então da realização de programas objetivos. O terceiro instrumento de

intervenção nos processos de mercado à disposição do Estado constitui a chamada direção

procedimental, que consiste em coordenar a atuação dos partícipes com o fim de alcançar

determinados resultados de ordem social.

De acordo com Derani 328 , o aumento na atuação reguladora do Estado é bem vindo

quando ele é dominado pelas forças sociais, ou seja, quanto mais identificado estiver o

exercício do poder estatal com os interesses da sociedade, cuja tarefa regulamentadora não

pode ser suprimida do Estado moderno, posto que o mercado sozinho não é capaz de

promover uma justa distribuição de riquezas. A autora cita Hermann Heller, para quem

“Nenhum Estado que realmente se propõe a garantir o livre desenvolvimento da força de

trabalho dos homens economicamente ativos deve se retirar da economia; ele deve

participar da área econômica com autoridade e atuando inclusive de maneira socialista”.

Com a criação da parceria público­privada, por meio da Lei nº. 11.079/2004,

institui­se uma nova modalidade de concessão do serviço público (patrocinada ou

325 GARTENKRAUT, Michal. Inovação e Estruturação dos Contratos – Aspectos Institucionais e Econômicos da PPP. In: TALAMINI, Eduardo; JUSTEN, Mônica Spezia. Parcerias Público­Privadas: Um Enfoque Multidisciplinar. São Paulo: Revista dos Tribunais, p. 323. 326 VINHA, Thiago Degelo; RIBEIRO, Maria de Fátima. Efeitos Sócio­Econômicos dos Tributos e sua Utilização como Instrumento de Políticas Governamentais. In Argumentum – Revista de Direito. Vol. 4. Marília: UNIMAR, 2004, p. 65. 327 Apud DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 194 328 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 195.

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administrativa), diferente daquelas previstas na Lei nº. 8.987/95, podendo, assim, funcionar

como um possível instrumento de desenvolvimento econômico e social, no sentido de

buscar investimentos privados para suprir o malsinado déficit de investimentos em infra­

estrutura e saneamento básico, sem a utilização de recursos fiscais, que estão praticamente

indisponíveis atualmente em todos setores da Administração Pública.

Nota­se que a Lei das PPP’s previu uma série de garantias que visam assegurar o

cumprimento contratual, para efetivamente atrair o investimento de capital privado nesse

tipo de investimento, visando concretizar o investimento em infra­estrutura e proporcionar

desenvolvimento econômico e social da região contemplada com a obra ou prestação de

serviços públicos, viabilizados por meio dessa nova espécie de concessão.

Insta observar que a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 3º, inciso II,

preceitua que: “constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil:

garantir o desenvolvimento nacional”. 329 Esse desenvolvimento nacional compreende o

desenvolvimento econômico e social.

Segundo a atual Ordem constitucional, o Estado hodierno constitui uma

organização política onde a vontade popular é soberana e onde é verificável a dignidade da

pessoa humana e a eficácia dos direitos e liberdades fundamentais, tendo como escopo

formar uma sociedade justa, solidária e igualitária. O Estado democrático de direito assim

o é em virtude da unificação de dois componentes: o Estado de direito e o Estado

democrático.

Sabendo­se que a implementação dos direitos individuais, os direitos de liberdade,

apenas será concretizada se tiver como pressupostos a democracia política, social e

econômica, todo estudo que envolver a busca de alternativas ou de soluções para algum

problema deve chamar a população, envolvendo­a na tomada de decisões, constantemente,

conferindo­lhe a oportunidade de emitir sua opinião (ex: audiências públicas para

aprovação de PPP’s). A economia deve ser direcionada pelo Estado visando o bem­estar

social.

Para Derani

329 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Alexandre de Morais (Org.). 26 ed. São Paulo: Atlas, 2006.

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A ordem econômica como conjunto de prescrições normativas estabelecidas pela Constituição, a ordem jurídica da economia, está pautada na específica estrutura econômica em que se insere e que ao mesmo tempo pretende garantir e dirigir. A ordem econômica presente na Constituição é apenas uma ordem possível por ela descrita, porém não é a única possível. 330

A ordem econômica descrita no texto constitucional perfaz a constituição

econômica de uma ordem de mercado dirigida globalmente. Nela estão presentes

elementos essenciais de uma ordem econômica, dispostos como diretrizes político­

econômicas. Estes elementos são os pressupostos da economia de mercado que ratifica o

respeito ao princípio da concorrência e da livre iniciativa. Igualmente, cuida a ordem

econômica constitucional da manutenção do equilíbrio global da economia. Havendo

perturbação nesse equilíbrio, deve intervir o Estado dentro de um direcionamento global,

mesmo que para isso os princípios da livre iniciativa e concorrência acabem sendo

relativizados. São estes dois aspectos básicos da ordem jurídica da economia: trazer para o

campo jurídico os pressupostos essenciais do desenvolvimento da economia e apresentar

condições para seu fomento e equilíbrio. 331

Os princípios de estímulo ao desenvolvimento econômico, traduzidos pelo

fortalecimento e expansão dos fatores da produção, pelo aumento do nível de emprego, do

desenvolvimento da tecnologia e pelo aumento da quantidade e variedade de produtos no

mercado, com a elevação do poder aquisitivo e do valor do investimento, estão presentes

na Constituição Brasileira, refletindo as bases normativas do desenvolvimento do Estado

Brasileiro.

3.6 OS NOVOS DESAFIOS DO ESTADO CONTEMPORÂNEO E O ADVENTO DAS

PARCERIAS PÚBLICO­PRIVADAS (PPP’S)

O Estado brasileiro encontra­se em crise, sendo obrigado a redefinir o seu papel,

pois os problemas sociais agravam­se cada vez mais e a desigualdade aumenta, em face da

nova ordem mundial deflagrada pelo neoliberalismo e pela globalização, conforme

330 DERANI, Cristiane. Direito Ambiental Econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997, p. 235. 331 DERANI, op. cit., 1997, p. 235.

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preleciona Osvaldo Luís Golfe, em seu Artigo “A Crise do Estado Contemporâneo”,

inclusive fazendo constar que:

A renda dos brasileiros que estão no topo da pirâmide social, os 10% mais ricos, é quase dez vezes maior que a soma dos rendimentos dos brasileiros que vivem abaixo da linha de pobreza, cerca de 30% da população, na estimativa mais otimista. Junto com o desemprego esta é uma questão que deve ser o alvo principal de qualquer governo. 332

Tratando ainda do mesmo assunto, o mesmo autor ainda questiona:

(...) para quem deve o governo governar, para os mercados ou para a sociedade? A resposta óbvia seria governar para a sociedade, porém não é isto o que acontece. Os Estados nacionais muitas vezes não conseguem governar para a sociedade porque grande parte do dinheiro é gasto com juros, etc. Com este trabalho, embora não tenhamos ainda perspectivas claras sobre a “nova ordem mundial”, queremos acenar para esta crise que, sobretudo hoje, atinge o estado contemporâneo. 333

Nesse sentido, não se pode esquecer que um dos desafios primordiais do atual

modelo de Estado, dentre inúmeros outros, é implementar os postulados da Constituição

Federal de 1988 e prestar à população serviços públicos adequados e eficientes.

Esses desafios não são fáceis de serem vencidos, considerando o desequilíbrio das

contas públicas da União, estados­membros e municípios, decorrente do fato de que a

arrecadação não é suficiente para suprir a folha de pagamento, repasses constitucionais

(saúde, educação, Poder Judiciário, Poder Legislativo, Ministério Público etc) e demais

despesas, tornando quase impossível investir em infra­estrutura e saneamento básico, em

face dos elevados custos.

Coloca­se, então, a necessidade de se reconstruir o Estado, tendo como horizonte

desejável a conformação do que se poderia chamar um “Estado inteligente”. Um Estado

332 GOLFE, Osvaldo Luís. A Crise do Estado Contemporâneo. Disponível em: http://www.rubedo.psc.br/Artigos/crisesta.html. Acesso em: 04 out. 2006. p. 1. 333 GOLFE, 2006, loc. cit. p. 1.

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concentrado em funções estratégicas para a sociedade e com um desenho institucional e

um desenvolvimento de capacidades gerenciais que lhe permitam concretizá­las com alta

eficiência. Um dos papéis­chave do “Estado inteligente” encontra­se nas numerosas

evidências no campo do desenvolvimento social. Diante de problemas e dos fracassos dos

modelos já experimentados, surgiram novas visões do desenvolvimento, e nelas, o Estado

tem papéis de alta relevância. 334

O incremento do capital humano supõe uma política sistemática de longo prazo de

uma sociedade nessa direção, em que o Estado tem um papel­chave. O desenvolvimento do

capital social requer um Estado que o proteja e promova ativamente as sinergias. A

melhoria da eqüidade exige um esforço ativo do Estado nesta direção. Um trabalho do

Banco Mundial sublinha: “...ações estatais que conduzam a uma distribuição mais

eqüitativa da riqueza bem poderiam fazer parte integral de uma bem­sucedida estratégia

econômica”. A inter­relação articulada dos planos econômico e social num modelo de

desenvolvimento, que mobiliza as complementaridades de ambos os planos, exige do

Estado um papel ajustador e sinergético. A criação de empregos e políticas de renda

adequadas terão de fazer parte central desta inter­relação. Por outro lado, parte

fundamental do novo papel é o de agregar aliados ao esforço de enfrentar os problemas

sociais. O Estado deve gerar iniciativas que promovam a participação ativa neste esforço

dos atores sociais. 335

A falta de investimento público atrasa o desenvolvimento econômico e social do

país, razão pela qual, com o surgimento do Estado Neoliberal, houve a conseqüente

delegação desses serviços públicos, conforme preconiza Artigo 175, da Constituição

Federal, e normas infraconstitucionais, que tratam das concessões e permissões dos

serviços públicos (Lei nº. 8.987/95, com as alterações da Lei nº. 9.648/98, e Lei nº.

9.074/95). 336

334 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o estado para o desenvolvimento social: superando dogmas e convencionalismos. (Coleção Questões da Nossa Época). São Paulo: Cortez, 1998, p. 38. 335 BURKI, Shadid e EDWARDS, Sebastián. América Latina y la crisis mexicana: nuevos desafíos. Banco Mundial, 1995 Apud KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o estado para o desenvolvimento social: superando dogmas e convencionalismos. (Coleção Questões da Nossa Época). São Paulo: Cortez, 1998, p. 47 336 BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil. Obra coletiva de autoria da Editora Saraiva com a colaboração de Antonio Luiz de Toledo Pinto, Márcia Cristina Vaz dos Santos Windt e Lívia Céspedes. 35. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p 132.

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Porém, essa delegação do serviço público e a venda de algumas empresas estatais

não foram suficientes para o Estado recuperar o seu poder de investimento em infra­

estrutura.

Surgem, então, como panacéia desse grande desafio, as parcerias público­

privadas, conhecidas como PPP’s, regulamentadas pela Lei nº. 11.079/2004, com o escopo

de funcionar como um possível instrumento de desenvolvimento econômico e social,

buscando investimentos privados para suprir o déficit de investimentos em infra­estrutura e

saneamento básico, sem a utilização de recursos fiscais, que estão praticamente

indisponíveis nos dias atuais.

3.8 A PARCERIA PÚBLICO­PRIVADA COMO INSTRUMENTO EFETIVO DO

DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL

O ordenamento jurídico impõe o dever ao Estado de realizar os serviços públicos

essenciais de forma satisfatória. Inexiste, nessas funções, o intuito de lucro pelo Poder

Público, mas tão somente de viabilizar o crescimento sócio­econômico, bem como o bem­

estar social da comunidade. Obriga­se, assim, aplicar na infra­estrutura cogente,

independentemente do regresso que lhe possa originar.

O Governo brasileiro volta sua atenção para o crescimento e promete retomar as

grandes obras de infra­estrutura, por meio das Parcerias Público­Privadas, entre as

principais, novas usinas hidrelétricas, nesse sentido tratou a matéria elaborada por Hugo

Marques na Revista “ISTO É”, tratando das perspectivas de 2007:

[...] Outra mudança importante diz respeito às Parcerias Público­Privadas. As PPPs foram aprovadas há dois anos pelo Congresso. Mas falta a regulamentação do Fundo Garantidor, o seguro para os investidores privados. Na virada do ano, Mantega planeja finalmente anunciar essa garantia. Na seqüência, anuncia as licitações para as primeiras parcerias. O governo espera para 2007 o início de quatro grandes obras pelas PPPs, orçadas em R$ 5 bilhões, duas hidrelétricas, o ferro­anel de São Paulo e o arco rodoviário do Rio de Janeiro [...]. 337

337 MARQUES, Hugo. Pacote de Verão. Revista Isto É, São Paulo: Três, n. 1940, Ano 30, p. 32­33, dez. 2006.

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Diante dessa deficiência crescente, o Estado contemporâneo enfrenta inúmeros

desafios para solucionar esses problemas e para implementar os postulados constitucionais

preconizados na Constituição Federal de 1988, dentre eles a prestação dos serviços

públicos de forma adequada e eficiente à população.

Tais desafios são difíceis de serem vencidos quando se tem déficit orçamentário

nas contas públicas de quase todas as esferas de governo, dificultando demasiadamente o

investimento em infra­estrutura e saneamento básico, para atender eficientemente o

cidadão. Conseqüentemente, essa falta de investimento público atrasa o desenvolvimento

econômico e social do país.

Razão pela qual, com o surgimento do Estado Neoliberal, houve a delegação da

prestação de alguns dos serviços públicos, exceto os essenciais, como: a educação, saúde e

segurança pública. Houve também a venda de algumas empresas estatais. Porém, essas

providências não foram suficientes para o Estado recuperar o seu poder de investimento

em infra­estrutura.

Cria­se, então, a parceria público­privada, por meio da Lei nº. 11.079/2004,

instituindo uma nova modalidade de concessão do serviço público (patrocinada ou

administrativa), diferente daquelas previstas na Lei nº. 8.987/95, podendo, assim, funcionar

como um possível instrumento de desenvolvimento econômico e social, no sentido de

buscar investimentos privados para suprir o profligado déficit de investimentos em infra­

estrutura e saneamento básico, sem a utilização de recursos fiscais, que estão praticamente

indisponíveis hodiernamente em todos setores da Administração Pública.

Essas parcerias público­privadas, como foram estudadas, consistem em contratos

administrativos antecedidos por um processo licitatório especial celebrados entre o

governo ou entes da administração indireta e sociedades privadas, com escopo de

administrar ou prestar serviços públicos.

Nota­se que a Lei das parcerias público­privadas previu uma série de garantias

que visam assegurar o cumprimento contratual, para efetivamente atrair o investimento de

capital privado nesse tipo de investimento, visando concretizar o investimento em infra­

estrutura e proporcionar desenvolvimento econômico e social da região contemplada com a

obra ou prestação de serviços públicos, viabilizados por meio dessa novel espécie de

concessão.

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A Constituição Federal de 1988, em seu Art. 3º, inciso II, impõe como objetivos

fundamentais da República Federativa do Brasil a garantia do desenvolvimento nacional,

açambarcando o desenvolvimento econômico e social. Essa atual Ordem constitucional

constituiu uma organização política onde a vontade popular é soberana e onde é verificável

a dignidade da pessoa humana e a eficácia dos direitos e liberdades fundamentais, tendo

como escopo formar uma sociedade justa, solidária e igualitária.

Esses direitos individuais e os direitos de liberdade devem ser concretizados por

meio da ação estatal e em forma de políticas públicas, que visem o bem­estar social.

As novas perspectivas de trabalho em desenvolvimento econômico e social fazem

surgir a necessidade de juntar as potencialidades de todos os atores sociais que podem

contribuir. Tais atores operam, atualmente, com laços muito fracos de coordenação entre

eles, e sem aproveitar as complementaridades que uma ação conjunta poderia produzir. O

Estado deve ser o fator convocante da formação de meta, que integrem, junto com os

organismos públicos da área social, as regiões e os municípios, as empresas privadas,

movimentos sindicais, organizações sociais religiosas, Universidades, organizações de

vizinhos, outros atores da sociedade civil e as comunidades pobres organizadas. Estas

metas tenderiam a apoiar­se mutuamente e a aproveitar o melhor que cada um dos atores

tem para contribuir e, ao mesmo tempo, superar as fraquezas que apresentam, com o apoio

do Estado. 338

A reconstrução da capacidade de gestão estatal visando efetivar um

desenvolvimento social ativo, eqüitativo e sustentado deve ser feita olhando­se para frente.

É preciso conectar o Estado social com as novas fronteiras tecnológicas em

desenvolvimento institucional e gerência. Nas últimas décadas têm ocorrido mudanças

fundamentais nas idéias básicas de como se obter maior eficiência nas organizações.

Destarte, malgrado ter­se uma das maiores cargas tributárias do mundo, um dos

serviços públicos de pior qualidade, uma dívida externa impagável e juros exorbitantes a

serem amortizados, essa situação econômica caótica e deficitária do Poder Público, em

todas as suas esferas, somados à hodierna crise social que assola o país, não podem

constituir obstáculos para o Estado contemporâneo brasileiro vencer os desafios e fomentar

o desenvolvimento econômico e social, com novas formas de políticas públicas voltadas a

338 KLIKSBERG, Bernardo. Repensando o estado para o desenvolvimento social: superando dogmas e convencionalismos. (Coleção Questões da Nossa Época). São Paulo: Cortez, 1998, p. 56.

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angariar recursos particulares, no intuito de implementar projetos públicos que

desencadeiem numa salutar e profícua mudança social.

Diante dessa situação é indubitável que a instituição da parceria público­privada

surge como uma alternativa aos Governos para atrair e angariar os investimentos privados

para formarem com eles uma parceria, buscando novas formas de investimentos para a

iniciativa privada e solução para a concretização dos projetos de infra­estrutura e

saneamento básico que este país tanto precisa, materializando­se em um verdadeiro

instrumento do desenvolvimento econômico e social.

Concluindo esta seção, nota­se que a Lei nº. 11.079/2004 criou uma nova

modalidade de concessão do serviço público, denominada parceria público­privada,

consistente em um contrato administrativo organizacional, pactuado pela Administração

Pública e entes do setor privado, com longo prazo de duração e altos valores de

contratação, tendo como objeto o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço

público, com ou sem direito à remuneração, para fins desenvolver projetos de infra­

estrutura, mediante uma garantia especial e reforçada prestada pelo Poder Público.

Essa nova concessão pode concretizar­se sob duas modalidades: a patrocinada, na

qual o parceiro privado aufere uma tarifa paga pelos usuários somada a uma

contraprestação pecuniária do parceiro público, e a administrativa, na qual a Administração

figura como usuária direta ou indireta dos serviços. No entanto, a concessão comum

continua regulada pela Lei nº. 8.987/95.

A Lei das parcerias público­privadas previu inúmeras garantias para assegurar o

adimplemento dos contratos, como a constituição de um fundo garantidor de parcerias

público­privadas, vinculação de receitas, contratação de seguro­garantia com as

companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público, garantias a ser

prestadas por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam

controladas pelo Poder Público, dentre outros mecanismos admitidos em lei.

Essas garantias diferenciam as parcerias público­privadas de outras formas de

contratações, dando maior segurança jurídica aos parceiros privados, inclusive prevendo­se

a arbitragem como forma de solução de conflitos, para combater a morosidade do processo

judicial, no caso de inadimplemento ou conflitos de interesses.

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É cediço que a atual Constituição Federal de 1988 impôs ao Estado, em seu Art.

3º, inciso II, como objetivos, a garantia do desenvolvimento nacional, incluindo o

desenvolvimento econômico e o social, sendo que essa Ordem constitucional constituiu

uma organização política onde a vontade popular é soberana e onde está presente o

princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a eficácia dos direitos e liberdades

fundamentais, tendo como escopo formar uma sociedade justa, solidária e igualitária.

Diante dessa imposição, constitui desafio do Estado contemporâneo a fomentação

desse desenvolvimento socioeconômico como escopo primordial das políticas públicas e,

para auxiliar nesse desiderato, surge, como foi explicitado, a parceria público­privada para

auxiliar e solucionar o Poder Público nessa difícil tarefa, por força da falta de equilíbrio

nas contas públicas em todas as esferas da Administração Pública.

Destarte, diante de toda a crise que vive o Brasil, com a dificuldade de manter a

qualidade dos serviços públicos, dívidas internas e externas quase impagáveis, bem como a

grave crise social vivida pelos brasileiros, dificultam o crescimento e o desenvolvimento

do país, mas não podem inviabilizar o Estado contemporâneo brasileiro a vencer esses

desafios, sendo imprescindíveis, nesse sentido, incrementar novas formas de políticas

públicas voltadas a angariar recursos particulares para implementar projetos públicos de

infra­estrutura e saneamento básico.

Nesse desiderato, surge a parceria público­privada como uma alternativa aos

Governos para atrair e angariar os investimentos privados para concretizarem os projetos

de infra­estrutura e saneamento básico, para propiciar esse tão almejado desenvolvimento

econômico e social, desencadeando, indubitavelmente, numa salutar mudança social.

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CONCLUSÃO

Ao longo dos tempos, o Estado sofreu várias transformações que determinaram

seu papel perante a sociedade, ao mesmo tempo influenciando e sendo influenciado por

elas. Do Estado medieval ao Estado liberal, deste último ao Estado social até o Estado de

bem­estar social, vários acontecimentos determinaram o rumo de sua atuação, no sentido

de fomentar a economia e propiciar o desenvolvimento social.

Foi necessário o estudo sistematizado dos modelos de Estado para se entender em

qual momento se deu o nascimento da parceria público­privada. Iniciando­se com o

absolutismo, que personalizava­se na pessoa do Rei, centralizando o poder político e, na

seara econômica, predominava o feudalismo, baseado na lavoura e na criação de animais,

com um sistema de produção servil, que formava o binômio absolutismo­feudalidade, no

qual o rei possuía o poder político e o feudo o poder econômico.

Na seqüência, viu­se que, com a incessante busca pela igualdade perante a lei e

pelo reconhecimento dos direitos fundamentais da pessoa humana, especialmente os

direitos de liberdade, de igualdade e de propriedade, com influência das revoluções

liberais, soçobrou­se o feudalismo e surgiu o liberalismo, sustentando a intervenção

mínima do Estado e a defesa da plena liberdade do particular. Nesse contexto histórico,

nota­se a ascensão da classe burguesa, que estava insatisfeita com os desmandos da Coroa.

Forma­se, então, o Estado Liberal ou absenteísta, para o qual o bem­estar coletivo

não dependia da atuação do Estado, mas da liberdade inerente a cada um dos indivíduos e,

especificamente em relação à economia, acreditava­se que a livre concorrência e a lei da

oferta e da procura eram as forças responsáveis pelo destino da economia e se

encarregariam do estabelecimento do equilíbrio, em forma de “mão invisível” 339 , que

impulsionava o mercado econômico e suas relações, sem que o Estado precisasse intervir,

tendo muita afinidade, nesse particular, com o capitalismo.

Porém, essa “plena liberdade” enveredou­se por caminhos distintos do desejado

pelo capitalismo, sem permitir ao mercado econômico se auto­regular, incorrendo na

339 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Florianópolis: Momento Atual, 2003, p 78.

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prevalência do individualismo em detrimento do liberalismo, descumprindo os propósitos

deste em relação à fraternidade, evidenciando uma clara superioridade dos mais ricos sobre

os mais pobres, fazendo­se com que a burguesia se afastasse dos ideais democráticos e de

busca da igualdade.

Esses fatos fizeram surgir o Estado Social, de caráter intervencionista, avançando

no sentido de delimitar o poder econômico e regular a atividade econômica, principalmente

o contrato e, sobretudo, a propriedade. Entretanto, não se pode afirmar que houve a

transformação do Estado Liberal no Estado Social ou do bem­estar (intervencionista e

provedor), mas a conjunção dos princípios socialistas aos princípios liberais.

Na vigência desse modelo de Estado, histórica e constitucionalmente, definem­se

os direitos sociais e trabalhistas como direitos fundamentais da pessoa humana, sob a

proteção do Poder Público, estando criadas desta fase em diante as bases do “garantismo

social”: o Estado como provedor de garantias institucionais aos direitos sociais e

trabalhistas – com um perfil fortemente marcado pelo protecionismo social.

Nota­se que, em relação aos reflexos do Estado liberal e do Estado social na

ordem econômica, o papel do Estado varia de acordo com o modelo de Estado adotado.

Dessa forma, o paradigma liberal, inaugurado com a Revolução Francesa, consiste num

Estado abstencionista, atuando em exíguas áreas como, por exemplo, na garantia da

segurança interna e externa e no cumprimento dos contratos. Antagonicamente, o modelo

de bem­estar impõe um Estado atuante e intervencionista, para cumprir prestações

positivas em face dos cidadãos.

Esse Estado Social avançou ao delimitar o poder econômico e a regular a

atividade econômica e, conseqüentemente, regular o contrato e a propriedade. Destarte, as

Constituições passaram a estabelecer as garantias do direito de propriedade individual, bem

como a preocupação em assegurar a denominada livre iniciativa, não como liberdade

contratual, mas como liberdade de empreendimento ou de organização da atividade

econômica.

O Estado brasileiro possui elementos que indicam a presença de um Estado que

positivou as idéias liberais, adotando o liberalismo econômico, que não é pleno, e

liberalismo político, este garantido plenamente na Constituição Federal.

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Atualmente, ainda se verifica presente o liberalismo econômico no texto

constitucional quando prevê o direito de propriedade (Art. 5º, XXII e Art. 170, II, da

CF/88), mas com restrição (Art. 5º, XXIII; 170, III; 182; 186; da CF/88), como se impõe o

modelo de Estado social, e quando permite a liberdade para o exercício de atividades

econômicas (livre iniciativa) e o mercado livre, impõe o controle estatal (Art. 170 e 174 da

CF/88). Destarte, fica claro que no Estado liberal a propriedade é privada e no Estado

social a propriedade é social ou coletiva. Portanto, há uma conjugação dos primados

liberais e sociais preceituados na Constituição Federal de 1988.

E, de acordo com estudo desenvolvido no primeiro capítulo, de acordo com a

maioria dos doutrinadores, o Brasil contemporâneo vive a fase denominada neoliberalismo, favorecendo uma redução do papel do Estado na esfera econômica. Inclusive, há estudiosos afirmando que o neoliberalismo voltou a propagar a tese da “mão

invisível” 340 do mercado, que é o retorno ao Estado mínimo.

É nesse contexto de diminuição do Estado (“Estado mínimo”), que este deixa de

intervir na atividade econômica privada, provocando, conseqüentemente, a

despublicização; ao contrário do modelo social, onde o Estado intervém com maior

intensidade na vida sócio­econômica da população para assegurar uma melhor qualidade

de vida aos indivíduos, garantindo um efetivo bem­estar social, onde ocorre a publicização.

Esse “Estado mínimo” delega ao particular determinada prestação de serviços públicos ou

de utilidade pública, chamando­o a formar com ele diversas parcerias.

A partir daí, sob a influência das privatizações disseminadas mundialmente e no

Brasil, surgem as concessões e permissões de serviços públicos ou de utilidade pública por

todo o Brasil, mas não foram suficientes para equacionar e equilibrar as contas públicas,

sendo necessária constituir outra forma de concessão, denominada parceria público­

privada.

Consequentemente, a prestação de serviços públicos não se confunde com a

exploração direta de atividade econômica pelo Estado, esta só será permitida quando

necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo,

conforme definidos em lei, que ainda não foi promulgada pelo Congresso Nacional, haja

340 SMITH, Adam. A Riqueza das Nações. Florianópolis: Momento Atual, 2003, p 78.

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vista ser atividade típica da iniciativa privada. O serviço público constitui­se atividade

essencial à coletividade prestada pelo Estado, sendo razão da existência deste.

Além dessa forma de atuação no domínio econômico, o Estado age também, na

forma de intervenção, como agente normativo e regulador da atividade econômica,

fiscalizando, incentivando e planejando tais atividades e, por fim, deve reprimir o abuso do

poder econômico. Portanto, neste caso o Estado age munido do poder de polícia para

intervir na atuação do particular concessionário, permissionário ou autorizatário.

A parceria público­privada tem como objeto a prestação do serviço público ou de

utilidade pública, não se constituindo forma de exploração direta da atividade econômica,

porquanto esta, como foi asseverado, caracteriza­se forma de atuação ou intervenção do

Estado no domínio econômico e aquela constitui­se objeto primordial da função estatal.

No texto constitucional, o legislador constituinte consignou como o escopo da

ordem econômica assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça

social, que somente se realiza por meio de eqüitativa distribuição da riqueza, em observância aos princípios constitucionais, visando diminuir a pobreza e as desigualdades

sociais.

Malgrado o país viver um modelo de Estado neoliberal e os efeitos da

globalização, na seara econômica, alguns princípios relevantíssimos foram prestigiados

pela Constituição Federal, como o da livre iniciativa e o dos valores sociais do trabalho, erigidos também como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito e

princípio constitucional da Ordem econômica e financeira, juntamente com a valorização

do trabalho humano, pretendendo que o particular fosse o principal agente responsável

pelo desenvolvimento da “atividade econômica”, visando a incrementação da economia

nacional para o bem da coletividade. 341

Portanto, enquanto a livre iniciativa consiste no direito de estabelecer­se, a livre concorrência é o direito de se manter na exploração da atividade econômica, em benefício do desenvolvimento econômico. 342

341 Grifo nosso. 342 Grifo nosso.

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Tutelou­se, também, a dignidade da pessoa humana como pressuposto básico de

todo o ordenamento jurídico e fundamento do Estado Democrático de Direito e da

República Federativa do Brasil. 343

A privatização constitui um fenômeno mundial de desnacionalização ou

desestatização das empresas estatais, entre elas as empresas públicas e sociedades de

economia mista, em sentido estrito, alienando­as para diminuir o tamanho do Estado, por

força do modelo neoliberal de Estado que vive o País e por força da globalização.

Já, em sentido amplo, a privatização açambarca a desregulação, como diminuição

da intervenção do Estado no domínio econômico; a desmonopolização de atividades

econômicas; os contracting out, como os convênios, os contratos de obras, prestação de serviços, terceirização, e a concessão de serviços públicos, enquadrando­se aqui os casos

de parceria público­privada que forem contratados.

O vocábulo “privatização” deve ser tratado distintamente de “terceirização”. Este

segundo termo é utilizado para conceituar serviços da atividade­meio contratados por

empresas privadas ou mesmo por algumas pessoas jurídica de direito público, como, por

exemplo, serviços de limpeza. O primeiro termo compreende o ato pelo qual uma empresa

estatal da administração indireta é vendida para particulares, como ocorreu com a Vale do

Rio Doce e a CSN. A privatização foi um fenômeno que se disseminou pelo mundo todo,

inclusive com muita intensidade no Brasil.

É certo que o Poder Público tem o dever de prestar serviços públicos que lhe são

confiados pelo ordenamento jurídico e seu objetivo maior é assegurar o desenvolvimento

sócio­econômico do país e o bem­estar da sociedade, isso, evidentemente, sem auferir

lucro, pois independentemente do retorno econômico, o Estado deve implantar a infra­

estrutura necessária ao crescimento.

A parceria é uma forma de fomentar a atividade econômica e de o Estado, em

conjunto com a sociedade, prestar serviços públicos adequados e eficientes. Essas parcerias

podem revestir­se nas modalidades de franquia, terceirização, autorização, permissão,

concessão e outras formas, como, por exemplo, os convênios e os contratos de gestão; mas

a mais nova modalidade, que se enquadra como espécie de concessão é a parceria público­

privada, na modalidade patrocinada e administrativa.

343 Grifo nosso.

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Considerando, então, que a parceria público­privada é uma forma de concessão do

serviço público, aplica­se à mesma o Código de Defesa do Consumidor e deve o serviço

por ela prestado ser controlado, regulado (normatizado) e fiscalizado pelas agências

reguladoras competentes para esse desiderato.

Destarte, a concessão de serviços e de obras públicas e os vários modos de

parceria com o setor privado, inclusive a parceria público­privada, constituem formas de

privatizar, bem como a própria desburocratização necessária para algumas atividades da

Administração Pública também constituiria um instrumento de privatização, em sentido

amplo.

Os serviços públicos podem ser prestados diretamente pelo próprio Poder Público ou ser prestados indiretamente, quando forem delegados a entidades públicas (autarquias, fundações públicas etc.) ou privadas, na forma de concessão (inserindo­se aqui a parceria público­privada), permissão (desempenho ou gestão indireta), ou mediante autorização

(ato discricionário e precário). 344

Diante do exposto, conclui­se que existem as concessões, permissões e

autorizações de prestação delegada de serviços públicos, reguladas pela Lei nº. 8.987/95 e, no caso da autorização, pelo Art. 21, XI e XII, da CF/88, e, distintamente, aquelas atinentes

à utilização especial de bens públicos por particulares, reguladas pela Lei nº. 271/67 (Art. 7º) e ratificada pela Lei nº. 8.666/93 (Art. 17, I, “f”), e ainda existem as formas tradicionais

de autorizações que consistem em meros atos administrativos, discricionários e precários. 345

Diante dessa classificação, a parceria público­privada constitui­se numa forma de

concessão do serviço público distinta da regulada pela Lei nº. 8.987/95.

Nota­se, então, que a Lei nº. 11.079/2004 criou uma nova modalidade de

concessão do serviço público, denominada parceria público­privada, consistente em um

contrato administrativo organizacional, pactuado pela Administração Pública e entes do

setor privado, com longo prazo de duração e altos valores de contratação, tendo como

objeto o dever de executar obra pública e (ou) prestar serviço público, com ou sem direito

344 Grifo nosso. 345 Grifo nosso.

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à remuneração, para fins desenvolver projetos de infra­estrutura, mediante uma garantia

especial e reforçada prestada pelo Poder Público.

Essa nova concessão pode concretizar­se sob duas modalidades: a patrocinada, na

qual o parceiro privado aufere uma tarifa paga pelos usuários, somada a uma

contraprestação pecuniária do parceiro público, e a administrativa, na qual a Administração

figura como usuária direta ou indireta dos serviços. No entanto, como foi asseverado, a

concessão comum continua regulada pela Lei nº. 8.987/95.

A Lei das parcerias público­privadas previu inúmeras garantias para assegurar o

adimplemento dos contratos, como a constituição de um fundo garantidor de parcerias

público­privadas, vinculação de receitas, contratação de seguro­garantia com as

companhias seguradoras que não sejam controladas pelo Poder Público, garantias a ser

prestadas por organismos internacionais ou instituições financeiras que não sejam

controladas pelo Poder Público, dentre outros mecanismos admitidos em lei.

Essas garantias diferenciam as parcerias público­privadas de outras formas de

contratações, dando maior segurança jurídica aos parceiros privados, inclusive prevendo­se

a arbitragem como forma de solução de conflitos, para combater a morosidade do processo

judicial.

É cediço que a atual Constituição Federal de 1988 impôs ao Estado, em seu Art.

3º, inciso II, como objetivos, a garantia do desenvolvimento nacional, incluindo o

desenvolvimento econômico e o social, sendo que essa Ordem constitucional constituiu

uma organização política onde a vontade popular é soberana e onde está presente o

princípio da dignidade da pessoa humana, bem como a eficácia dos direitos e liberdades

fundamentais, tendo como escopo formar uma sociedade justa, solidária e igualitária.

Diante dessa imposição, constitui desafio do Estado contemporâneo a fomentação

desse desenvolvimento socioeconômico como escopo primordial das políticas públicas e,

para auxiliar nesse desiderato, surge, como foi explicitado, a parceria público­privada para

auxiliar e solucionar o Poder Público nessa difícil tarefa, por força da falta de equilíbrio

nas contas públicas, em todas as esferas da Administração Pública.

Destarte, diante de toda a crise que vive o Brasil, com a dificuldade de manter a

qualidade dos serviços públicos, dívidas internas e externas quase impagáveis, bem como a

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grave crise social vivida pelos brasileiros, dificultam o crescimento e o desenvolvimento

do país, mas não podem inviabilizar o Estado contemporâneo brasileiro a vencer esses

desafios, sendo imprescindíveis, nesse sentido, incrementar novas formas de políticas

públicas voltadas a angariar recursos particulares para implementar projetos públicos de

infra­estrutura e saneamento básico.

Nesse desiderato, surge a parceria público­privada como uma alternativa aos

Governos para atrair e angariar os investimentos privados para concretizarem os projetos

de infra­estrutura e saneamento básico, para propiciar esse tão almejado desenvolvimento

econômico e social, desencadeando, indubitavelmente, numa salutar mudança social.

Essa parceria entre o Estado e empresas privadas, por meio da Lei nº.

11.079/2004, tem a missão de buscar investimentos para suprir o déficit estatal em infra­

estrutura e saneamento básico, posto que os recursos fiscais estão, praticamente,

indisponíveis hodiernamente em todos os setores da Administração Pública.

Oferecendo garantias reforçadas para assegurar o cumprimento contratual, com

vistas a atrair o investimento de capital privado, observa­se que a nova Lei das parceria

público­privadas tem como principal objetivo o desenvolvimento econômico e social

brasileiro, oportunizando a criação de novas frentes de trabalho, melhorando a renda

familiar da população onde estão inseridos os projetos de melhoramento em infra­estrutura,

ativando e aumentando o comércio local, equilibrando as desigualdades sociais, além de

oferecer à população a oportunidade de o Estado aplicar seus recursos em serviços

essenciais, como a Educação, onde as melhorias se fazem sentir, com o fornecimento de

computadores nas escolas, aumento das salas de aula em vários Estados brasileiros,

investimentos na formação continuada de professores que vem aprimorar a qualidade do

ensino brasileiro; o surgimento do Bolsa­família, que auxilia famílias para que suas

crianças possam ir à escola e assim, no futuro, melhorar a qualidade da mão de obra no

país; investimentos em serviços de saúde, com a ampliação de vários postos de saúde, a

construção de hospitais e melhoramento da mão­de­obra qualificada; investimentos em

obras de asfaltamento, saneamento básico com a implantação e aumento da rede de esgoto;

obras essas que em pouco tempo podem estar em andamento em todo o país, constituídas

na forma de parceria público­privada.

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Isso, sem pensar que o Brasil poderá está investindo em tecnologia e pesquisas,

que podem melhorar a qualidade de vida dos brasileiros, inclusive sobejando verbas para

investir na tão necessitada segurança pública.

Conclui­se, portanto, que as parcerias público­privadas receberam garantias

reforçadas que, se devidamente implementadas, tutelam os contratos e são motivos para

atraírem os investimentos privados, tornando um instrumento efetivo do desenvolvimento

econômico e social, pois envolvem atividades de construção de ferrovias, melhoramento

das principais estradas brasileiras, construção de novos presídios, construção de emissários

submarinos, construção de linha de metrô que já está em andamento no município de São

Paulo, entre outras obras, que promovem o desenvolvimento econômico, por aumentarem a

chance de novos empregos, melhoramento da renda familiar e o conseqüente fomento do

comércio local, provocando inexorável desenvolvimento social, trazido pelas ações

governamentais de melhorias e investimentos em serviços essenciais à população,

propiciando a tão almejada mudança social.

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