newton e os problemas inversos - ifi.unicamp.brassis/newton-e-os-problemas-inversos... · 2 . 1 –...

Download Newton e os Problemas Inversos - ifi.unicamp.brassis/Newton-e-os-Problemas-Inversos... · 2 . 1 – Introdução. Isaac Newton (1642-1727) é um dos maiores cientistas de todos os

If you can't read please download the document

Upload: doankhue

Post on 06-Feb-2018

217 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

  • Newton e os Problemas Inversos

    A. K. T. Assis Instituto de Fsica Gleb Wataghin

    Universidade Estadual de Campinas UNICAMP 13083-859 Campinas, SP, Brasil

    E-mail: [email protected] Homepage: www.ifi.unicamp.br/~assis

    Resumo

    Apresentamos uma traduo do artigo Newton and Inverse Problems (ASSIS, 2011), ampliada, atualizada e com novas referncias. Utilizamos tambm aspectos importantes discutidos no artigo Newton e Suas

    Grandes Obras: O Principia e o ptica (ASSIS, 1998). Consideramos a abordagem geral que Newton utilizava para tratar com os problemas cient-ficos. Mostramos que ele sempre considerou os aspectos inversos de qualquer questo. Conclumos que essa maneira de lidar com a fsica, com a matemtica e com a filosofia foi uma das fontes principais de sua imensa criatividade na cincia.

    Introduo

    Isaac Newton (1642-1727) um dos maiores cientistas de todos os tempos. Seus dois livros mais importantes so o Principia, publicado original-mente em 1687, e o ptica, publicado originalmente em 1704. As duas obras j se encontram totalmente traduzidas para o Portugus (NEWTON, 1990, 1996 e 2008), de onde tiramos as citaes. Ele sempre viveu na Inglaterra, tendo entrado no Trinity College, em Cambridge, em 1661. Obteve o ttulo de bacharel em 1665, tornando-se um Professor Lucasiano na Universidade de

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz10

    Cambridge em 1669. Seu primeiro artigo cientfico, sobre ptica, foi publicado em 1672, e j se encontra traduzido para o Portugus (SILVA; MARTINS, 1996). No mesmo ano, foi eleito membro da Royal Society. Ingressou no parlamento ingls, em 1689, como deputado indicado pela Universidade de Cambridge. Em 1696, foi nomeado diretor da Casa da Moeda da Inglaterra. Tornou-se presidente da Royal Society em 1703, ocupando essa funo at sua morte. Recebeu o ttulo de Cavaleiro (Sir) em 1705. Faleceu aos 85 anos, sendo sepultado na Abadia de Westminster em Londres.

    A obra mais importante de Newton tem como ttulo Princpios Matemticos de Filosofia Natural, sendo, usualmente, conhecida por seu pri-meiro nome em latim, Principia. Ela foi escrita em latim e traduzida para o Ingls por Andrew Motte, havendo, atualmente, uma nova traduo inglesa feita por Cohen e Whitman (NEWTON, 1934 e 1999). Foram publicadas trs edies em sua vida, a saber, em 1687, 1713 e 1726.

    J o ptica foi publicado originalmente em Ingls, com quatro edies inglesas: 1704, 1717, 1721 e 1730. Esta ltima verso foi corrigida pelo prprio Newton, embora publicada aps sua morte. As edies em latim foram publi-cadas em 1706 e 1719. Boa parte do ptica j estava pronta nos primeiros anos da dcada de 1690, quando se perdeu por um incndio. Logo, pode-se dizer que o Principia e o ptica foram concebidos ao redor da mesma poca, entre meados de 1680 e 1690.

    Neste trabalho, consideramos sua maneira de pesquisar. Mostramos que ele sempre considerava os aspectos inversos de qualquer problema. Conclumos que essa maneira de lidar com a fsica e com a matemtica foi uma das principais fontes de sua imensa criatividade.

    Problemas Inversos na Matemtica

    Um perodo muito importante na vida de Newton foram os anos de 1664 a 1666, conhecidos como seus anos milagrosos, durante os quais obteve seus primeiros resultados importantes em matemtica e na fsica. Nesse per-odo, ele estava na propriedade rural da famlia em Woolsthorpe, onde havia nascido, sendo que a Universidade de Cambridge ficou fechada entre agosto de 1665 e abril de 1667 devido peste que assolou a Inglaterra.

  • Newton e os Problemas Inversos 11

    Podemos ter uma primeira ideia da sua maneira de raciocinar, lendo sua prpria descrio desse perodo, que aparece em uma carta escrita ao final de sua vida (WESTFALL, 1995, p. 39):

    No incio do ano de 1665, descobri o mtodo de aproximao a uma srie desse tipo & a regra para reduzir qualquer potncia de qualquer binmio a tal srie. No mesmo ano, em maio, descobri o mtodo das tangentes de Gregory & Slusius &, em novembro, obtive o mtodo direto das fluxes, & no ano seguinte, em janeiro, a teoria das cores, & em maio seguinte desvendei o mtodo inverso das fluxes. &, no mesmo ano, comecei a pensar na gravidade como se estendendo at a rbita da Lua & (depois de descobrir como calcular a fora com que [um] globo girando dentro de uma esfera pressiona a superfcie da esfera), a partir da regra de Kepler de que os perodos dos planetas esto numa proporo sesquiltera com suas distncias do centro de suas rbitas, deduzi que as foras que mantm os planetas em suas rbitas devem [variar], recipro-camente, como o quadrado de sua distncia do centro em torno do qual eles giram: & a partir disso, comparei a fora necessria para manter a Lua em sua rbita com a fora da gravidade na superfcie da Terra, & descobri que elas se correspondem bem de perto. Tudo isso foi nos dois anos da peste, 1665-1666. Pois, nessa poca, eu estava no auge de minha fase de inveno & me inte-ressava mais pela matemtica & pela filosofia do que em qualquer ocasio posterior.

    Ou seja, ele encontrou os mtodos direto e inverso das fluxes, que so a essncia do nosso clculo diferencial e integral. A partir do mtodo das tangentes, ele podia calcular derivadas, assim como podia calcular reas por quadraturas. Sua descoberta do teorema fundamental do clculo ligando a integrao como sendo o inverso da diferenciao tambm vem desses anos milagrosos (NEWTON, 1934, p. 123-128; WESTFALL, 1995, p. 40-46).

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz12

    Problemas Inversos na ptica

    Newton, em seu livro ptica, ofereceu vrios exemplos de como ele lidava com problemas inversos na fsica (NEWTON, 1996). Esse trabalho dividido em trs livros. O livro I tem duas partes, tratando da decomposio da luz branca nas cores do espectro aps atravessar um prisma. A primeira parte comea com oito definies (de raio de luz, refringncia, reflexibilidade etc.), oito axiomas (o ngulo de reflexo com a normal igual ao ngulo de incidn-cia com a normal etc.), seis teoremas, dois problemas e dezesseis experincias. A segunda parte tem cinco teoremas, seis problemas e dezessete experin-cias. O livro II lida com as reflexes, refraes e cores de corpos transparentes finos e espessos (anis de Newton). A primeira parte contm vinte e quatro observaes. A segunda parte contm comentrios sobre as observaes pre-cedentes. A terceira parte lida com as cores permanentes dos corpos natu-rais e suas analogias com as cores das lminas transparentes finas, contendo vinte proposies. A quarta parte contm treze observaes sobre as reflexes e cores das placas polidas transparentes espessas. A primeira parte do livro III contm onze observaes sobre as inflexes (difraes) dos raios de luz e das cores produzidas dessa maneira. No final do livro, Newton incluiu trinta e uma questes, lidando com vrios aspectos no apenas da ptica, mas tambm da mecnica, fsica e filosofia em geral.

    Embora a estrutura do livro seja, de certa forma, similar obra Os Elementos de Geometria de Euclides, as provas das proposies (tambm cha-madas de teoremas por Newton) no so baseadas na lgica pura como um conjunto de construes e raciocnios feitos a partir dos axiomas. No ptica, as demonstraes das proposies e dos teoremas so feitas, nas palavras de Newton, por experincias. Essa uma caracterstica notvel introduzida por Newton para a prova de teoremas. Esse procedimento tem incio j na pri-meira proposio do livro, teorema 1(NEWTON, 1996, p. 50-51):

    Proposio 1. Teorema 1: As luzes que diferem em cor diferem tambm em graus de refringncia.

    Demonstrao por experincias.

  • Newton e os Problemas Inversos 13

    Experincia 1: Tomei um pedao retangular de carto preto ter-minado por lados paralelos, e com uma linha reta perpendicular de um lado ao outro dividi-o em duas partes iguais passando uma reta perpendicular de um lado ao outro. Pintei uma das partes com uma cor vermelha e a outro com uma cor azul [...].

    O mesmo procedimento de prova foi adotado em praticamente todos os teoremas. J o assunto dos livros II e III do ptica trata de observaes sobre fenmenos novos, que no esto contidos nem foram deduzidos a partir dos axiomas iniciais descritos no livro I.

    Vejamos, agora, como Newton lidou com os aspectos inversos dos problemas no campo da ptica. Aps apresentar as definies e axiomas, ele introduziu uma srie de proposies, teoremas e problemas. Entre outras coi-sas, ele separou a luz solar nas cores do espectro e depois combinou essas cores formando o branco. Por exemplo (NEWTON, 1996, p. 54-55):

    Proposio 2. Teorema 2: A luz do sol consiste em raios que se refratam diferentemente.

    Demonstrao por experincias.

    Experincia 3: Numa sala bem escura coloquei em um orifcio cir-cular de 1/3 de polegada de dimetro que fiz na folha da janela um prisma de vidro por onde o feixe de luz solar que entrasse pelo ori-fcio pudesse ser refratado para cima em direo parede oposta da sala, formando ali uma imagem colorida do sol [...].

    Sua quarta proposio (tambm chamada de primeiro problema) da primeira parte do livro I diz o seguinte (NEWTON, 1996, p. 76): Separar um do outro os raios heterogneos da luz composta. Para realizar esse proce-dimento, ele deixou a luz do Sol penetrar em seu quarto escuro atravs de um pequeno orifcio feito na folha da janela. Colocou uma lente aproximadamente a onze ps da janela e depois dela havia um prisma que separava a luz do Sol nas cores do espectro sobre um papel branco.

    J na quinta proposio (tambm chamada de teorema 4) da segunda parte do livro I, ele explorou o efeito oposto (NEWTON, 1996, p. 121):

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz14

    Proposio 5. Teorema 4: A brancura e todos os tons cinzentos entre o branco e o preto podem ser compostos de cores, e a brancura da luz do sol composta de todas as cores primrias mescladas numa proporo devida.

    Prova por Experincias.

    Experincia 9 [...].

    A demonstrao desse teorema feita atravs de seis experincias bem detalhadas.

    Sua dcima primeira proposio tinha o mesmo objetivo (NEWTON, 1996, p. 150):

    Proposio 11. Problema 6: Misturando luzes coloridas, compor um feixe de luz da mesma cor e natureza de um feixe da luz direta do sol, verif icando assim a verdade das Proposies precedentes.

    Um outro exemplo dessa maneira de pesquisar os fenmenos at che-gar a suas essncias foi apresentado por Newton ao comparar a influncia dos corpos sobre a luz e da luz sobre os corpos. Por exemplo, na quinta questo ao final do ptica, vemos, mais uma vez, Newton considerando os dois lados de um mesmo problema (NEWTON, 1996, p. 251):

    Questo 5: Os corpos e a luz no agem mutuamente um sobre o outro, quer dizer, os corpos sobre a luz ao emiti-la, refleti--la, refrat-la e inflecti-la [difrat-la], e a luz sobre os corpos ao aquec-los e ao imprimir em suas partes um movimento vibrat-rio no qual consiste o calor?

    Essa concluso tem uma certa analogia com sua lei da gravitao uni-versal, j que se a Terra atrai a ma e o Sol atrai os planetas, ento a ma tam-bm deve atuar sobre a Terra assim como os planetas devem atuar sobre o Sol. Ou seja, os corpos atuam sobre a luz, por exemplo, refletindo-a e refratando--a. Mas, ao mesmo tempo, a luz atua sobre os corpos, aquecendo-os. Hoje em dia, poderamos citar outros exemplos dessa influncia, como a ionizao

  • Newton e os Problemas Inversos 15

    de tomos pela luz, a transferncia de momento linear da luz para a matria na reflexo ou na absoro etc. Mais uma vez, vemos Newton explorando os dois lados do fenmeno, no apenas a influncia da matria sobre a luz, mas tambm o mecanismo inverso. Podemos encarar esse exemplo como mais um exemplo de ao e reao, agora entre entidades aparentemente distintas, como os corpos materiais e a luz.

    As ltimas Questes do ptica, de nmeros 30 e 31, apresentam outros exemplos dessa maneira Newtoniana de raciocinar, sempre conside-rando os lados opostos de todos os problemas (NEWTON, 1996, p. 273-293):

    Questo 30: No so os corpos pesados e a luz convertveis um no outro, e no podem os corpos dever grande parte de sua atividade s partculas de luz que entram em sua composio? Pois todos os corpos fixos, uma vez aquecidos, emitem luz enquanto continuam suficientemente quentes, e a luz, reciprocamente, se detm nos corpos sempre que seus raios colidem com suas partes, como mos-tramos acima. No conheo nenhum corpo menos apto a brilhar do que a gua; e, todavia, a gua, por destilaes frequentes, trans-forma-se em terra fixa, como verificou o Sr. Boyle, e, tornando-se essa terra, ento, capaz de suportar um calor suficiente, ela brilha como os outros corpos em virtude do calor.

    A transformao dos corpos em luz, e da luz em corpos, muito conforme ao curso da natureza, que parece deliciar-se com as transmutaes. [...]

    Questo 31: No tm as pequenas partculas dos corpos certos poderes, virtudes ou foras por meio dos quais elas agem a distn-cia no apenas sobre os raios de luz, refletindo-os, refratando-os e inflectindo-os [difratando-os], mas tambm umas sobre as outras, produzindo grande parte dos fenmenos da natureza? Pois sabe--se que os corpos agem uns sobre os outros pelas aes da gravi-dade, do magnetismo e da eletricidade; e esses exemplos mostram o teor e o curso da natureza, e no tornam improvvel que possa haver mais poderes atrativos alm desses. Porque a natureza muito consonante e conforme a si mesma. [...] As atraes da gravidade, do magnetismo e da eletricidade alcanam distncias

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz16

    bem perceptveis, e assim tm sido observadas pelos olhos comuns, podendo haver outras que alcanam distncias to pequenas que escaparam observao at aqui; e talvez a atrao eltrica possa alcanar essas distncias mnimas mesmo sem ser excitada pela frico.

    [...]

    E assim a natureza ser muito conforme a si mesma e muito sim-ples, executando todos os grandes movimentos dos corpos celes-tes pela atrao da gravidade que atua sobre esses corpos, e quase todos os pequenos movimentos de suas partculas por alguns outros poderes atrativos e repulsivos que atuam sobre as partcu-las. [...]

    Problemas Inversos na Mecnica

    Consideramos agora a obra prima de Newton, o Principia (NEWTON, 1990 e 2008). Ela comea com oito definies (quantidade de matria etc.), um Esclio sobre o movimento absoluto e relativo, apresentando sua famosa experincia do balde, vindo ento suas trs leis do movimento (que ele tambm denominou de axiomas), depois seis corolrios, seguidos por um outro Esclio no qual discutiu as leis de coliso etc. O restante da obra dividido em trs livros. O livro I lida com o movimento dos corpos, contendo noventa e oito proposies (50 teoremas e 48 problemas). O livro II trata do movimento dos corpos em meios com resistncia, contendo cinquenta e trs proposies (41 teoremas e 12 problemas). O livro III lida com o sistema do mundo com um tratamento matemtico. Ele comea com quatro regras de raciocnio em filosofia, seguido por seis fenmenos celestes (os planetas descrevem reas pro-porcionais aos tempos de percurso etc.). Seguem-se, ento, quarenta e duas proposies (20 teoremas e 22 problemas). No final do livro, h um famoso Esclio Geral.

    Em vrias partes dessa obra, podemos observar Newton lidando com aspectos opostos de qualquer problema mecnico. Isso j fica evidente, por

  • Newton e os Problemas Inversos 17

    exemplo, em seu terceiro axioma ou lei do movimento (NEWTON, 1990, p.16):

    Lei III: A toda ao h sempre oposta uma reao igual, ou, as aes mtuas de dois corpos um sobre o outro so sempre iguais e dirigidas a partes opostas.

    Seja o que for que puxe ou empurre alguma coisa, da mesma forma, puxado ou empurrado por ela. Se voc empurra uma pedra com seu dedo, o dedo tambm empurrado pela pedra. Se um cavalo puxa uma pedra amarrada a uma corda, o cavalo (se posso dizer assim) vai ser igualmente puxado de volta na direo da pedra, pois a corda distendida, pela mesma tendncia a relaxar ou distorcer-se, puxar o cavalo na direo da pedra, tanto quanto ela puxa a pedra na direo do cavalo, e obstruir o progresso de um tanto quanto promove o do outro. Se um corpo choca-se com outro, e pela sua fora muda o movimento desse, aquele corpo tambm (por causa da igualdade da presso mtua) sofrer uma mudana igual no seu prprio movimento, em direo parte contrria. As mudanas feitas por essas aes so iguais no nas velocidades mas nos movimentos dos corpos, quer dizer, se os cor-pos no so obstrudos por qualquer outros impedimentos. Pois, porque os movimentos so igualmente alterados, as mudanas de velocidades feitas em direes a partes contrrias so inversamente proporcionais aos corpos. Essa lei tambm ocorre em atraes, como ser provado no prximo Esclio.

    Aps as trs leis do movimento, aparecem seis corolrios. Segue-se, ento, um Esclio no qual Newton demonstra, por experincias feitas com pndulos, a validade da lei de ao e reao nas colises. Ele tambm apresen-tou experincias mostrando que essa lei obedecida para atraes magnti-cas atuando distncia, sem contato entre os corpos que estavam interagindo (NEWTON, 1990, p. 28):

    Fiz a experincia com magnetita e ferro. Se esses, colocados sepa-radamente em recipientes adequados, flutuam, um prximo ao outro, em gua parada, nenhum deles propelir o outro; mas, por

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz18

    serem igualmente atrados, sustentaro a presso um do outro, e finalmente repousaro em equilbrio.

    No livro III do Principia, Newton apresentou seis fenmenos relacio-nados com as leis de Kepler dos movimentos dos corpos celestes (NEWTON, 2008, p.189-192):

    Fenmeno I: Que os planetas que circundam Jpiter, por raios traados ao centro de Jpiter, descrevem reas proporcionais aos tempos de per-curso, e que seus tempos peridicos, estando as estrelas f ixas em repouso, esto como a 3/2 potncia de suas distncias deste centro.

    [...]

    Fenmeno IV: Que estando as estrelas f ixas em repouso, os tempos peri-dicos dos cinco planetas primrios e (seja do sol ao redor da terra, ou) da terra ao redor do sol, so como a 3/2 potncia de suas distncias mdias ao sol.

    A partir desses fenmenos, ele deduziu que a fora da gravidade inversamente proporcional ao quadrado das distncias (NEWTON, 2008, p. 195):

    Proposio I. Teorema1: Que as foras com que os planetas que circun-dam Jpiter so continuamente desviados dos movimentos retilneos e mantidos em suas prprias rbitas tendem ao centro de Jpiter e so inversamente proporcionais aos quadrados das distncias dos lugares destes planetas em relao a este centro.

    [...]

    Proposio II. Teorema II: Que as foras com que os planetas primrios so continuamente desviados dos movimentos retilneos e mantidos em suas prprias rbitas tendem ao sol e so inversamente proporcionais aos quadrados das distncias dos lugares destes planetas ao centro do sol.

  • Newton e os Problemas Inversos 19

    Aps chegar a esses resultados, Newton comeou o processo inverso. Isto , comeando com uma fora gravitacional variando com o inverso do quadrado da distncia entre os corpos, proporcional a 1/r2, ele deduziu as leis de Kepler. Um exemplo (NEWTON, 2008, p. 210):

    Proposio XIII. Teorema XIII: Os planetas movem-se em elipses que tm seu foco comum no centro do sol e, a partir de raios traados at este centro, descrevem reas proporcionais aos tempos de percurso.

    Dissertamos acima sobre estes movimentos a partir dos Fenmenos. Agora que conhecemos os princpios dos quais eles dependem, a partir destes princpios deduzimos os movimentos dos cus a priori. [...]

    Ou seja, Newton partiu das leis de Kepler para ento deduzir sua lei da gravitao universal. Em seguida, partiu de sua lei da gravitao universal para deduzir as leis de Kepler. Mas Newton no parou aqui. Em seguida, ele dedu-ziu um conjunto de novos resultados, comeando com uma fora da gravidade proporcional ao produto das massas que esto interagindo e variando com o inverso do quadrado da distncia entre elas. Como um exemplo, temos sua Proposio XIX, Problema III (NEWTON, 2008, p. 214): Achar a proporo do eixo de um planeta para os dimetros perpendiculares a ele. Isto , ele calculou o achatamento dos planetas ao redor de seus polos devido s suas rotaes ao redor desses eixos em relao ao pano de fundo das estrelas fixas. Ele tambm deduziu, a partir de sua lei da gravitao universal, o movimento da Lua ao redor da Terra. A partir da Proposio XXIV, Teorema XIX, ele apresentou um novo conjunto de fenmenos que podiam ser explicados com base em sua lei da gravidade, a saber (NEWTON, 2008, p. 224): Que o fluxo e refluxo do mar surge das aes do sol e da lua. Isto , conseguiu explicar as mars terrestres devido influncia gravitacional da Lua e do Sol sobre as guas dos mares. Outro resultado novo que conseguiu explicar, a partir de sua fora gravita-cional, aparece na Proposio XXXIX, Problema XX (NEWTON, 2008, p. 274): Descobrir a precesso dos equincios. Nas prximas proposies, deduziu o movimento dos cometas ao redor do Sol.

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz20

    Essencialmente, Newton comeou com as leis de Kepler do movimento planetrio e com sua expresso da acelerao centrpeta. Deduziu, ento, sua lei da gravitao universal. Em seguida, partiu dessa lei da gravidade para deduzir no apenas as leis de Kepler, mas toda uma gama de novos fenmenos que nunca haviam sido explicados gravitacionalmente, a saber, o achatamento dos planetas nos polos devido as suas rotaes ao redor desses eixos em relao ao pano de fundo das estrelas fixas, a precesso dos equincios, as mars terrestres, as rbitas dos cometas etc.

    Problemas Inversos na Filosofia

    Na ltima Questo do ptica, Newton apresentou sua viso geral de como se deve proceder na filosofia natural (NEWTON, 1996, p. 292-293):

    Como na matemtica, tambm na filosofia natural a investigao das coisas difceis pelo mtodo da anlise deve sempre preceder o mtodo da composio. Essa anlise consiste em fazer experin-cias e observaes, em tirar concluses gerais delas por induo e em no admitir objees contra as concluses exceto aquelas que decorrem das experincias ou de algumas outras verdades. Pois as hipteses no devem ser consideradas na filosofia experimental. E, embora a argumentao pela induo a partir de experincias e observaes no seja a demonstrao de concluses gerais, ainda assim o melhor caminho de argumentao que a natureza das coisas admite, e pode ser considerada tanto mais forte quanto mais geral a induo. E se no aparece nenhuma exceo dos fenmenos, a concluso pode ser afirmada em termos gerais. Mas se depois, em qualquer poca, aparecer qualquer exceo relativa-mente s experincias, ela poder ento comear a ser afirmada com as excees que aparecerem. Por esse mtodo de anlise pode-mos passar dos compostos aos ingredientes, e dos movimentos s foras que os produzem; e, em geral, dos efeitos s suas causas, e das causas particulares s causas mais gerais, at que o argumento termine na causa mais geral. Tal o mtodo da anlise; e a sntese consiste em admitir as causas descobertas e estabelecidas como princpios, em explicar por elas os fenmenos que deles procedem e em provar as explicaes. Nos dois primeiros livros desta ptica

  • Newton e os Problemas Inversos 21

    procedi a essa anlise para descobrir e provar as diferenas origi-nais dos raios de luz com respeito refringncia, reflexibilidade e cor, aos seus estados alternados de fcil reflexo e fcil trans-misso e s propriedades dos corpos, tanto opacos quanto trans-parentes, das quais dependem suas reflexes e cores. E, uma vez provadas essas descobertas, elas podem ser admitidas no mtodo da composio para explicar os fenmenos que delas resultam, e dei um exemplo desse mtodo no final do primeiro livro. [...]

    Newton formalizou sua maneira geral de lidar com a cincia no Prefcio da primeira edio do Principia (NEWTON, 1990, p. I-II):

    [...] ofereo este trabalho como os princpios matemticos da filo-sofia, pois toda a essncia da filosofia parece consistir nisso a partir dos fenmenos de movimento, investigar as foras da natu-reza e, ento, dessas foras demonstrar os outros fenmenos; e para esse fim dirigem-se as proposies gerais no primeiro e segundo Livros. No terceiro Livro, dou um exemplo disso na explicao do Sistema do Mundo; pois, pelas proposies matematicamente demonstradas nos Livros anteriores, no terceiro derivo dos fen-menos celestes as foras de gravidade com as quais corpos ten-dem para o Sol e para os vrios planetas. Ento, dessas foras, por outras proposies que tambm so matemticas, deduzo os movimentos dos planetas, dos cometas, da Lua e do mar. Gostaria que pudssemos derivar o resto dos fenmenos da Natureza dos princpios mecnicos pelo mesmo tipo de raciocnio, pois, por muitas razes, sou induzido a suspeitar de que todos eles possam depender de certas foras pelas quais as partculas dos corpos, por algumas causas at aqui desconhecidas, ou so mutuamente impe-lidas umas em direo s outras e se ligam em formas regulares, ou so repelidas e se afastam umas das outras. Sendo desconhecidas essas foras, os filsofos at agora tm tentado em vo a investi-gao da Natureza; mas espero que os princpios aqui expostos tragam alguma luz, seja a esse ou a algum outro mtodo mais ver-dadeiro de filosofar.

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz22

    No incio do livro III do Principia, ele apresentou um enfoque similar, a saber (NEWTON, 2008, p. 183):

    Nos livros precedentes estabeleci os princpios de filosofia, no princpios filosficos, mas matemticos, isto , tais que possamos basear nossos raciocnios em investigaes filosficas. Estes prin-cpios so as leis e condies de certos movimentos, e poderes ou foras, que dizem respeito principalmente filosofia. Para evitar que parecessem secos e estreis, ilustrei-os aqui e ali com alguns esclios filosficos, explicando coisas que so de uma natureza mais geral e sobre as quais parece apoiar-se principalmente a filo-sofia, como a densidade e resistncia dos corpos, espaos vazios de todos os corpos, e o movimento da luz e dos sons. Falta demons-trar a partir dos mesmos princpios a estrutura do Sistema do Mundo. [...]

    No Esclio Geral, ao fim do Principia, afirmou o seguinte (NEWTON, 2008, p. 331-332):

    E agora poderamos acrescentar alguma coisa concernente a um certo esprito muito sutil que penetra e fica escondido em todos os corpos grandes, por cuja fora e ao as partculas dos corpos atraem-se umas s outras quando se encontram a distncias pr-ximas e se unem se esto contguas; e os corpos eltricos operam a distncias maiores, tanto repelindo quanto atraindo os corpscu-los vizinhos; e a luz emitida, refletida, refratada, infletida [difra-tada] e aquece os corpos; e toda sensao excitada e os membros dos corpos animais movem-se ao comando da vontade, propagada pelas vibraes deste esprito ao longo dos filamentos slidos dos nervos, a partir dos rgos sensoriais externos at o crebro e do crebro aos msculos. Mas estas so coisas que no podem ser explicadas em poucas palavras. Tambm no dispomos de uma quantidade suficiente de experincias que necessrio para deter-minar com preciso e demonstrar mediante que leis opera este esprito eltrico e elstico.

  • Newton e os Problemas Inversos 23

    A explicao do Sistema do Mundo a partir da lei gravitacional de Newton o coroamento do Principia.

    Concluso

    Mostramos, neste trabalho, como Newton sempre considerou os aspectos inversos em todos os ramos do conhecimento, incluindo matemtica, mecnica, ptica e filosofia. Essa caracterstica de sua maneira de raciocinar e de considerar os diferentes problemas foi uma das principais fontes de sua criatividade poderosa na cincia.

    Agradecimentos: O autor agradece ao Centro de Cincias da Universidade Federal de Juiz de Fora, UFJF, pelo convite para participar da 4 Jornada de Divulgao Cientfica ocorrida em novembro de 2015.

    BibliografiaOs artigos de A. K. T. Assis encontram-se disponveis em .

    ASSIS, A. K. T. Newton e suas grandes obras: o Principia e o ptica. In: ALMEIDA, M. J. P. M. de; SILVA, H. C. da (editores). Linguagens, Leituras e Ensino da Cincia. Campinas: Mercado das Letras/Associao de Leitura do Brasil, 1998, p. 37-52.

    ASSIS, A. K. T. Newton and inverse problems. In: KRAUSE, D.; VIDEIRA, A. (editores). Brazilian Studies in Philosophy and History of Science: An Account of Recent Works, volume 290 de Boston Studies in the Philosophy of Science, captulo 3, p. 71-76 (Springer, Dordrecht, 2011). DOI: 10.1007/978-90-481-9422-3_3, 2011.

    NEWTON, I. Mathematical Principles of Natural Philosophy. Berkeley: University of California Press, Edio Cajori, 1934.

    NEWTON, I. Principia Princpios Matemticos de Filosofia Natural. Livro I: O Movimento dos Corpos. Traduo de RICCI, T.; BRUNET, L. G.; GEHRING, S. T.; CLIA, M. H. C. So Paulo: Nova Stella/Edusp, 1990.

    NEWTON, I. ptica. Traduo, introduo e notas de ASSIS, A. K. T. So Paulo: Edusp, 1996.

    NEWTON, I. The Principia: Mathematical Principles of Natural Philosophy. Nova traduo de COHEN, I. B.; WHITMAN, A. Berkeley: University of California Press, 1999.

  • Cincia em dia: jornadas de divulgao cientfica Ano Internacional da Luz24

    NEWTON, I. Principia Princpios Matemticos de Filosofia Natural. Livro II: O Movimento dos Corpos (em Meios com Resistncia). Livro III: O Sistema do Mundo (Tratado Matematicamente). Traduo de ASSIS, A. K. T. So Paulo: Edusp, 2008.

    SILVA, C. C.; MARTINS, R. d. A. A Nova teoria sobre luz e cores de Isaac Newton: uma traduo comentada. Revista Brasileira de Ensino de Fsica, Vol. 18, p. 313-327, 1996.

    WESTFALL, R. S. A Vida de Isaac Newton. Traduo de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.