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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL FSSO CLÁUDIA SCÁTOLA LIRA DE OLIVEIRA VALDILENE GOMES PEREIRA AS DROGAS NAS SOCIEDADES DE CLASSES E A ATUAÇÃO DO ESTADO NO BRASIL MACEIÓ/AL 2015

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE ALAGOAS - UFAL

FACULDADE DE SERVIÇO SOCIAL – FSSO

CLÁUDIA SCÁTOLA LIRA DE OLIVEIRA

VALDILENE GOMES PEREIRA

AS DROGAS NAS SOCIEDADES DE CLASSES E A ATUAÇÃO DO

ESTADO NO BRASIL

MACEIÓ/AL

2015

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CLÁUDIA SCÁTOLA LIRA DE OLIVEIRA

VALDILENE GOMES PEREIRA

AS DROGAS NAS SOCIEDADES DE CLASSES E A ATUAÇÃO DO

ESTADO NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade

de Serviço Social/FSSO, da Universidade Federal de

Alagoas /UFAL, como requisito parcial à obtenção do título

de bacharel em Serviço Social.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Cristina Soares

Paniago

MACEIÓ/AL

2015

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CLÁUDIA SCÁTOLA LIRA DE OLIVEIRA

VALDILENE GOMES PEREIRA

AS DROGAS NAS SOCIEDADES DE CLASSES E A ATUAÇÃO DO

ESTADO NO BRASIL

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Faculdade

de Serviço Social /FSSO, da Universidade Federal de

Alagoas/UFAL, como requisito parcial à obtenção de título

de bacharel em Serviço Social.

Aprovada em: ___/___/ 2015

BANCA EXAMINADORA

__________________________________________

Profª. Drª. Maria Cristina Soares Paniago (Orientadora)

Faculdade de Serviço Social (FSSO/UFAL)

__________________________________________

Profª. Drª. Maria Norma Alcântara Brandão de Holanda

Faculdade de Serviço Social (FSSO/UFAL)

__________________________________________

Prof. Dr. Artur Bispo dos Santos Neto

Faculdade de Serviço Social (FSSO/UFAL)

MACEIÓ/AL

2015

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AGRADECIMENTOS

Dedico este meu Trabalho de Conclusão de Curso àquele que permitiu minha entrada numa

universidade e supostamente contribuiu para meu aperfeiçoamento no saber, Jesus. A ele toda

honra, toda glória e todo louvor. “E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o

bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito”

(Romanos 8:28).

Gostaria de agradecer a meus familiares que me apoiaram e incentivaram minha permanência no

curso. Meu pai José Cláudio, minha mãe Severina Lira, meus irmãos Luís Paulo e Carla

Suzane. Como também meu esposo Jonathan Fabrício. Que sempre estiveram do meu lado

mesmo nos momentos difíceis de minha trajetória acadêmica e também pessoal. Um muito

obrigada por tudo, pois sei que passamos momentos bem difíceis. Também gostaria de agradecer

aos meus tios paternos que me influenciaram a querer me aprofundar no conhecimento, em

especial a minha tia Claudizete, que foi um instrumento para que eu pudesse ingressar na

Universidade, como também umas das poucas pessoas que acreditaram em mim.

Também quero agradecer as minhas amigas que ficaram do meu lado nessa trajetória e torceram

por mim: Erica Barros e Viviane Carvalho. Quero agradecer também a nossa orientadora Drª.

Cristina Paniago, que foi uma luz em nosso caminho, nos fazendo entender que o conhecimento

vai além da universidade, que ele é levado pra vida inteira.

Não posso deixar de agradecer a minha companheira de TCC Valdilene Gomes, que esteve

sempre me apoiando e me ajudando a vencer as barreiras que nos foram postas nessa difícil

jornada. Passamos por solidão, incompreensão, abandono, mas sua compreensão,

companheirismo e sabedoria nos ajudaram a prosseguir. Mesmo nos momentos mais difíceis,

quando todos nos fecharam as portas e ficamos perdidas. Mas podemos dizer que vencemos!

“De tudo ficaram três coisas: a certeza de que estamos sempre começando... A certeza de que

precisamos continuar... A certeza de que seremos interrompidos antes de terminar... Portanto,

devemos: fazer da interrupção um caminho novo... da queda um passo de dança... Do medo uma

escada... do sonho, um encontro...” (Fernando Pessoa).

Cláudia Scátola

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AGRADECIMENTOS

Nesta fase de conclusão de mais um sonho quero agradecer primeiramente a Deus que é o centro

e o fundamento de tudo em minha vida, e que durante este período acadêmico me sustentou

dando força e saúde para superar os desafios desta jornada. Agradeço também a minha querida

mãe Cleide Gomes, que mesmo sem entender aonde eu chegaria, incentivou-me a descobrir o

prazer de conhecer algo novo através dos estudos quando eu ainda era criança.

Aos meus irmãos Valdomiro, Valdileide, Valdirene, Vinícius e Valdenício que entenderam e

me apoiaram nos momentos especiais de suas vidas que eu não estive presente porque estava

empenhada na construção do TCC. A todos muito obrigada. Agradeço também ao meu amado

esposo Ernande Júnior que durante esta fase acadêmica foi o meu porto seguro. Pois quando

tudo estava se desmoronando ao meu redor, me fortaleceu e me incentivou com seu carinho, seu

amor e sua paciência. Meu amor, muito obrigada por me suportar e me apoiar nas horas difíceis

que passei e pelas vezes que cancelamos algum passeio porque eu precisava dedicar mais tempo

aos estudos.

E a minha filha Isabely que, de forma muito especial, contribuiu com este trabalho, pois ao saber

que estava grávida, sentia-me mais entusiasmada e disposta para concluir a graduação. Logo, seu

nascimento fez renascer em mim novos sonhos, e o seu sorriso cativante iluminou meus

pensamentos – revigorando-me a cada dia, pois ao olhá-la eu sentia meu coração batendo mais

forte, só que agora fora de mim.

Também quero agradecer a minha amiga Cláudia Scátola pelo privilégio de tê-la como dupla de

TCC, pelo seu carisma, companheirismo, cumplicidade e muita paciência e compreensão,

também pelos momentos que pude compartilhar com ela minhas angústias. Cláudia, sem a sua

parceria toda essa trajetória teria sido muito diferente.

Agradeço também a todos os docentes do curso pelo profissionalismo e dedicação que

dispuseram para passar o conteúdo da melhor forma possível. E de modo muito especial quero

expressar a minha gratidão e reconhecimento à nossa orientadora Drª. Cristina Paniago pela

sua competência profissional e por suas experiências e conhecimento transmitidos, pela

paciência, dedicação e por não medir esforços para a concretização deste trabalho.

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E, finalizando, agradeço a todos os familiares e amigos que sempre estiveram torcendo pelo meu

sucesso acadêmico e profissional, onde muitos nem ao menos sabem o que significa ser

Assistente Social.

Valdilene Gomes

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A guerra fria tá aí pra todo mundo ver

Rádio, jornal, revista e na tv.

O sangue escorre pelo asfalto, o povo amedrontado.

O crack, a cocaína, o pivete alcoolizado

O preto que mata o seu semelhante no ponto de tráfico

Eu sei que o maluco é soldado aí, mas do lado errado.

Ninguém entendi [sic] ninguém tipo torre de babel

Coloque-se na historia veja qual é o seu papel [...].

DJ Alpiste

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RESUMO

Este trabalho aborda a trajetória do uso de drogas nas sociedades de classes dando destaque a

atuação do Estado no Brasil diante desse fenômeno. O eixo da discussão gira em torno do

verdadeiro objetivo da política de proibição. Quando a droga se converte em mercadoria, seu

valor de uso é substituído pelo valor de troca, consequentemente se tornando um comércio

competitivo. Dentro do sistema capitalista ela se torna um problema social, e a sociedade cobra

providências do Estado, que atua através das políticas públicas seguindo o modelo Jurídico-

médico. O estudo também traz uma reflexão quanto à influência da burguesia no combate às

drogas, mostrando quem realmente usufrui desse comércio lucrativo.

Palavras-chaves: Drogas, Estado, Burguesia, Narcotráfico, Capitalismo, Política de Proibição,

Neoliberalismo.

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ABSTRACT

This paper deals with the history of drug use in class societies highlighting the State's action in

Brazil on this phenomenon. The point of the discussion revolves around the true purpose of the

prohibition policy. When the drug becomes a commodity, its value in use is replaced by the

exchange value, thus becoming a competitive trade. Within the capitalist system it becomes a

social problem, and society exacts State measures, which operates through public policies

following the Legal and medical model. The study also presents a reflection on the influence of

the bourgeoisie in the drug war, showing who really enjoys this lucrative trade.

Keywords: Drugs, State, Bourgeoisie, Drug Trafficking, Capitalism, Ban Policy, Neoliberalism.

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LISTA DE QUADROS

Quadro I – Legislação sobre drogas no período colonial/imperial ................................................ 61

Quadro II – Legislação sobre drogas (1889-1930) ....................................................................... 65

Quadro III – Principais decretos sobre drogas da Era Vargas ....................................................... 71

Quadro IV – Drogas mais consumidas no Brasil de 2001-2005/ prevalência de uso de drogas ... 78

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ABEAD – Associação Brasileira de Estudos do Álcool e outras drogas

AIDS – Síndrome da Imunodeficiência Adquirida

CAPS – Centro de Atenção psicossocial

CAPS ad – Centro de Atenção Psicossocial Álcool e drogas

CFNE – Conselho de Atenção Psicossocial

CIA – Agência Central de Informação

CND - Comissão de Narcóticos

CNFE – Comissão Nacional de Fiscalização de Entorpecentes

CONFEN – Conselho Federal de Narcóticos e Entorpecentes

DEA - Agência de Repressão às drogas

DIP – Departamento de Imprensa e Propaganda

EUA – Estados Unidos da América

FARC – Forças Armadas Colombianas

FBI – Departamento Federal de Investigação

FBN - Federal Bureau on Narcótics

FIOCRUZ – Fundação Oswaldo Cruz

IDH – Índice de desenvolvimento Humano

LSD - Lysergsäurediethylamid

NAPS – Núcleos de Atuação Psicossocial

OBID – Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas

ONU – Organização das nações unidas

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PNA – Política Nacional sobre o Álcool

PND – Política Nacional sobre Drogas

SENAD – Secretária Nacional Antidrogas/ Secretária Nacional de políticas sobre Drogas

SUS – Sistema único de Saúde

UNODC – Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ........................................................................................................................... 13

1. ORIGEM DO ESTADO E O CONSUMO DE DROGAS ................................................... 15

1.1 Função do Estado e os primeiros relatos do consumo de drogas na Comunidade Primitiva,

Antiguidade e Idade Média............................................................................................................ 15

1.2 Estado burguês capitalista: condições da classe trabalhadora e consumo de drogas a partir da

Revolução Industrial ...................................................................................................................... 27

1.3 Estado monopolista e produção de drogas .............................................................................. 36

1.4 Finalidades da política proibicionista sobre drogas ................................................................. 44

2. TRAJETÓRIA DO USO DE DROGAS NO BRASIL E FUNÇÃO ESTATAL ................ 57

2.1 O consumo de drogas no Brasil Colonial e República Velha.................................................. 57

2.2 A Era Vargas e o surgimento das políticas de proibição para controlar o consumo de drogas

...................................................................................................................................................... .67

2.3 Ditadura militar e focalização da política proibicionista ......................................................... 72

2.4 Caráter democrático e drogatinação: uma nova abordagem da política proibicionista ........... 74

2.5 Neoliberalismo e tráfico de drogas .......................................................................................... 82

CONCLUSÃO .............................................................................................................................. 90

REFERÊNCIAS .......................................................................................................................... 94

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INTRODUÇÃO

O uso de substâncias psicoativas é utilizado desde os tempos mais remotos da história

da humanidade. A princípio, seu uso era relacionado com a cultura dos povos, mas com as

mudanças econômicas e sociais, a partir do século XV, advindas do renascimento e

mercantilismo essa relação é modificada. Com a revolução industrial no fim do século XVIII,

a produção em massa de mercadorias se torna ponto chave para a reprodução da sociedade,

nesse sistema até mesmo as relações sociais são mercantilizadas. Abrangendo também as

drogas, estas passam de valor de uso para valor de troca, cria-se um comércio bastante

lucrativo. A expansão foi tanta que houve necessidade de uma intervenção Estatal para

controle, porque com o consumo em escala crescente as drogas se tornaram uma problemática

de saúde e de segurança. Capitalismo e o crescimento do consumo de drogas andam lado a

lado.

Diante do consumo e do comércio lucrativo das drogas, o Estado passa a intervir no

campo das políticas sociais e da proibição. Proibicionismo este que tem raízes profundas

dentro da sociedade capitalista burguesa, pois na verdade se proíbe para se gerar mais lucros.

A classe que mais é prejudicada é a classe trabalhadora, que acaba se tornando alvo de

represálias. O Brasil segue o modelo estadunidense de proibição, punindo os mais vulneráveis

e deixando livres os poderosos. Quanto à atuação estatal para os usuários de drogas, as

políticas sociais de saúde deixam a desejar, uma vez que deixam multidões à espera de uma

assistência de saúde eficaz.

O trabalho tem por objetivo a reflexão de qual seja a verdadeira intenção do Estado

diante da proibição ao consumo e ao comércio de drogas. Também se almeja apontar a venda

e o consumo de drogas por parte da classe trabalhadora como uma forma de refúgio das

desigualdades sociais geradas pelo capitalismo; identificar o envolvimento da classe

dominante no tráfico de drogas; fomentar uma discussão crítica no que se refere a quem

realmente fica com os superlucros do narcotráfico.

A desigualdade social é um indicador importante, pois ela induz a classe trabalhadora

a consumir e comercializar drogas, vistos na maioria das vezes como a única forma de

sobrevivência. As periferias brasileiras são totalmente esquecidas pelas autoridades; essa

omissão é um fator que contribui para o avanço do tráfico de drogas. Com o aumento do

consumo e do tráfico de drogas consequentemente crescem os roubos, os assassinatos, a

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miséria, acarretando inúmeros problemas para a sociedade. O Estado brasileiro, desde a

República, responde com leis para se proibir, mas não oferece soluções cabíveis para acabar

com as drogas. Foi toda essa dura realidade que nos despertou para o estudo do tema.

A questão do tráfico de drogas seguido do consumo vem se complexificando a cada

dia. É interessante aprofundar o estudo dessa questão, visto que é necessário identificar as

causas para propor mudanças. Entende-se que esta questão não é fácil, pois a miséria do nosso

país é grande e o tráfico serve como um “trabalho” para uma grande parcela da população, e o

consumo como forma de alívio dos problemas para muitos. O estudo se encontra situado na

compreensão de todo esse processo de relação de poder capitalista. Quem mais se prejudica

nesse contexto histórico é a classe trabalhadora que idealiza o consumo e o tráfico como uma

porta de escape para livrar-se das mazelas deprimentes.

Para alcançarmos nossos objetivos fizemos uma vasta pesquisa bibliográfica a fim de

aprofundarmos mais nossos conhecimentos a respeito do tema proposto. As fontes

documentais foram importantes para a compreensão da trajetória do uso de drogas através do

tempo.

O trabalho estrutura-se em dois capítulos.

No primeiro capítulo, abordaremos de uma forma mais geral a origem do Estado e sua

função perante a sociedade em períodos distintos, como também o processo histórico de

formação da sociedade capitalista. Faremos ainda uma contextualização histórica do uso de

drogas desde a antiguidade aos dias atuais, salientando o proibicionismo como uma

perspectiva de enfretamento às drogas em âmbito mundial.

No segundo capítulo, trataremos do percurso da proibição do uso de drogas no Brasil –

e seus reflexos nas formas de enfretamento em cada momento histórico – e a influência dos

reflexos neoliberais que têm como consequência um Estado com atuações mínimas em

relação aos direitos sociais. Por fim, demonstraremos a relação econômica que a classe

dominante brasileira tem com o tráfico de drogas.

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1 ORIGEM DO ESTADO E O CONSUMO DE DROGAS

Neste capítulo, abordaremos a origem do Estado e sua atuação controladora,

salientando a política proibicionista sobre drogas. Nossa pesquisa tem a finalidade de abordar

questões pertinentes à relação entre o Estado, a burguesia, o capitalismo e a real função da

proibição das drogas.

Ainda na comunidade primitiva e escravista, os homens já usufruíam dos benefícios

das plantas naturais que ao longo do tempo se tornaram uma ponte entre o real e o

sobrenatural, possuindo apenas valor de uso. Na Idade Média, as drogas ainda possuíam

valores de uso. Posteriormente, com o advento da ascensão da Igreja Católica como

instituição de grande influência política e ideológica, as drogas passaram a ser alvo de

represálias devido a seu efeito estimulante que contrariava os costumes.

Com a formação da sociedade capitalista e a Revolução Industrial, o valor de uso das

drogas é substituído pelo valor de troca. Com o Estado burguês no poder, sendo um

instrumento legitimador da burguesia, segue-se a lógica capitalista da obtenção de lucros. É

nesse raciocínio que o consumo de drogas se torna produto comercial disputado pelos países.

Com a concorrência, os países produtores de drogas criaram estratégias para manter o

domínio desse monopólio ilegal, estabelecendo um jogo de poder entre os países. A política

proibicionista é uma dessas estratégias que fomenta a invasão entre os países com o lema de

combate ao narcotráfico.

1.1 Função do Estado e os primeiros relatos do consumo de drogas na Comunidade

Primitiva, Antiguidade e Idade Média

Antes de tratar da origem do Estado, vamos fazer um percurso histórico, abordando as

sociedades primitivas e ao mesmo tempo resgatando historicamente o consumo de drogas1

que foi e continua sendo muito explorado pelos habitantes da terra.

A existência da humanidade na terra pode ser comprovada a milhares de anos. Os

primeiros grupos humanos se relacionavam coletivamente compartilhando tudo o que

1 Quanto ao seu significado, “Ela pode ter sido derivada de DROWA (árabe), cujo significado é bala de trigo, ou

ainda de DROOGE VATE (holandês), cujo significado é tonel de folhas secas” (SILVA, s. d. p. 1). A primeira

nação a pronunciar a palavra droga, foi a francesa. Atualmente a medicina a define como “qualquer substância

capaz de modificar o funcionamento dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas ou de

comportamento” (OMS apud SILVA, s. d, p. 1).

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possuíam inclusive o consumo de drogas que também vem desde os tempos mais remotos da

história. Em todo tempo, existiram as plantas naturais e, a cada época, iam descobrindo em

algumas dessas plantas seus efeitos que coincidentemente ou não tinham poderes

alucinógenos. Muitas drogas que foram descobertas lá nas primeiras sociedades ainda hoje

existem e outras não mais. Estudiosos relatam que não é possível informar com precisão como

a primeira pessoa descobriu o poder alucinógeno de certas plantas, apenas supõem que é

possível imaginar como se deu o encontro do ser humano com esse efeito deslumbrante.

Vejamos o que o autor afirma sobre como deve ter sido o primeiro encontro:

O encontro da droga deu-se ao acaso; isto é, da procura de alimentos por parte de

algum desgarrado que, reduzido ao extremo da fome e da fadiga, pôs-se a devorar o

que quer que fosse que lhe tivesse ao alcance das mãos. Podemos imaginar esse

homem, há muito já esquecido, asteca ou pré-asteca, depois de ter mastigado alguns

pedaços do cacto amargo e nauseante, deitando-se a sombra de arbusto para

descansar, e de repente sentir-se rodeado de visões fantásticas, que se apresentavam

em formas, cores e até perfumes, com os quais jamais sonhara. Certamente, foi

alguém assim que, ao chegar de volta ao seio de sua tribo, narrou a prodigiosa

descoberta recém-feita: a existência de uma divindade em determinado cacto, cuja

polpa tinha o dom de colocar aquele que a comesse, no limiar de um mundo

paradisíaco (FERREIRA, 2010, p. 1).

Conforme a citação, aquele indivíduo que provou uma dessas plantas poderosas saiu a

contar para seus amigos e assim progressivamente novas pessoas foram conhecendo os efeitos

que algumas plantas provocaram. Os seres humanos primitivos eram totalmente dependentes

da natureza e, por isso, desfrutavam de tudo que havia nela, assim como se deslocavam e

habitavam em diversos locais.

Ao surgirem na face da terra, foram os herdeiros da organização social dos primatas,

seus antepassados biológicos. A característica básica dessa organização social era a

coleta de alimentos [...]. Como a atividade de coleta depende da disponibilidade de

alimentos na natureza, ela é muito pouco produtiva. Por isso, a organização social

não poderia evoluir para além de pequenos bandos que migravam de um lugar a

outro em busca de comida (LESSA; TONET, 2011, p. 52).

Os autores nos mostram que a primeira forma de organização social na comunidade

primitiva são os pequenos bandos migratórios. Esses bandos compartilhavam com os

membros do grupo tudo o que coletavam inclusive as experiências adquiridas naquelas

regiões onde viviam. No entanto, depois de muitos anos de aprendizagem, os bandos foram

crescendo e aumentando seu potencial produtivo. O trabalho naquela época, conforme Lessa e

Tonet (2011) era caracterizado pelo simples fato de que todos trabalhavam e também

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usufruíam do produto do trabalho. Assim, os seres humanos viveram na comunidade primitiva

e por um longo período foram lutando em busca de melhores condições de sobrevivência.

Até que ocorreu uma grande revolução na história da humanidade. Eles conseguiram

transformar a natureza e desfrutar de uma novidade muito propícia para eles. Segundo os

autores Lessa e Tonet (2011), a descoberta da semente e a criação de animais possibilitaram

aos seres humanos novas condições de trabalho e de sobrevivência, transformando as relações

das comunidades com a natureza. Essas comunidades foram se inovando e ao mesmo tempo

se diferenciando uma da outra. Logo os membros da comunidade primitiva passaram a ter

uma evolução positiva permitindo-lhes uma modificação diária, na qual os homens

progrediram com suas invenções, conseguiram se aperfeiçoar e se capacitar para uma melhor

qualidade de reprodução.

Nesse momento, eles já conseguem produzir além do que é necessário para sua própria

subsistência, ou seja, acaba de nascer o excedente econômico2. É justamente devido a esse

excedente que a exploração do homem pelo homem se torna possível. “Com o surgimento da

exploração do homem pelo homem, pela primeira vez as contradições sociais se tornam

antagônicas, isto é, impossíveis de serem conciliadas” (LESSA; TONET, 2011, p. 53).

Também o trabalho já passa a ser mais distribuído entre os membros da comunidade

primitiva permitindo que essa divisão do trabalho aumente a produção. Nessa fase, os

produtos obtidos que não eram consumidos imediatamente eram exportados para trocar por

outros produtos em outras comunidades. O Estado aqui ainda não existia, ele era identificado

como uma comunidade, que não exercia nenhuma função específica de Estado. As sociedades

tribais não tinham conhecimento da função do Estado – até porque nesse tempo ainda não

havia propriedade privada. A comunidade seguia exercendo apenas normas sociais e morais

de convivência. O que realmente existia era uma autoridade baseada na idade, na sabedoria,

na experiência de vida e nos dotes físicos. Também nesse estágio não existiam leis, quem

organizava a vida social eram a tradição e os costumes.

Com o passar do tempo, a prática da acumulação foi se intensificando permitindo cada

dia mais a exploração do trabalho humano. Com isso, a “comunidade divide-se,

antagonicamente, entre aqueles que produzem o conjunto dos bens (os produtores diretos) e

aqueles que se apropriam dos bens excedentes (os apropriadores do fruto do trabalho dos

produtores diretos)” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 67, grifos dos autores), provocando na

sociedade uma grande desigualdade social. Com o surgimento dessas desigualdades, as

2 “É a diferença entre o que a sociedade produz e os custos dessa produção. O volume do excedente é um índice

de produtividade e riqueza [...]” (BARAN; SWEEZY apud NETTO; BRAZ, 2011, p. 67).

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relações sociais vão se tornando autoritárias gerando conflitos, necessitando de um controle

para amenizar as disputas existentes entre as classes. As primeiras sociedades a explorarem os

homens foram a escravista e a asiática3. Para que essa exploração se perpetuasse, foi

necessária a criação de novos complexos sociais como o Estado e o Direito.

Conforme os autores Lessa e Tonet (2011), o Estado e o Direito são complexos

sociais que surgiram com a finalidade de facilitar para a classe dominante a exploração dos

trabalhadores, já que estes complexos tiveram a função de organizar a classe dominante em

poder político. No entanto, esses complexos não têm poder suficiente para atuar sozinhos.

Eles precisam se apoiar “em um conjunto de instrumentos repressivos (exército, polícia,

sistema penitenciário, funcionalismo público, leis etc.)” (idem, 2011, p. 56). Sendo assim,

obteve-se um melhor resultado da atuação do Estado apoiado pelo Direito na organização da

sociedade depois dos efeitos causados pela divisão da sociedade em classes,

As classes dominantes muito cedo tiveram que resolver um problema para elas

decisivo: como os trabalhadores eram em número muito maior que os seus senhores,

apenas seria possível mantê-los trabalhando para produzir a riqueza da classe

dominante se esta contasse com um mecanismo especial de repressão dos

trabalhadores. Esse mecanismo é o Estado (LESSA, 2007, p. 53).

Então, nasceu o Estado com a finalidade de organizar a sociedade. Foi a partir deste

momento que algumas responsabilidades e direitos foram transferidos, ou seja, o que antes era

administrado coletivamente passou a ser controlado por uma menor parte da população.

Percebe-se com isso, que o Estado foi criado para atender as necessidades geradas a partir de

um determinado grau de desenvolvimento econômico, tornando-se consequência da divisão

da sociedade em classes.

Devido às circunstâncias que iam sendo geradas pelo desenvolvimento da sociedade,

houve a necessidade de um poder superior que ditasse as regras, nem que para isto fosse

necessário usar da violência.

Com a divisão da sociedade em classes, os interesses, agora antagônicos, não

podiam ser resolvidos a não ser pela força. A reprodução da sociedade, contudo,

ficaria inviabilizada se essa afirmação de força degenerasse cotidianamente em uma

luta aberta entre as classes, em uma guerra civil. Evitar que isso aconteça é a função

social do Direito (LESSA; TONET, 2008, p. 56).

3 “A classe dominante (a casta dominante na Índia, os mandarins na China, etc.) se apropriavam da riqueza

produzida nas aldeias por meio de impostos, sempre recolhidos sob ameaça do emprego da força militar”

(LESSA; TONET, 2008, p. 56).

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Nota-se que o Direito atuou na regulamentação das relações humanas, a fim de

proporcionar paz e prosperidade no seio social através das leis, favorecendo a classe

dominante e reproduzindo-se sobre a base da propriedade privada. O Estado é então a

expressão da dominação de uma classe. Ele se constituiu quando um determinado grupo de

pessoas centralizou o poder em suas mãos.

O Estado não é, pois, de modo algum, um poder que se impôs ‘à sociedade de fora

para dentro; tampouco é ‘a realidade de ideia moral’, nem ‘a imagem e a realidade

da razão’, como afirma Hegel. É antes um produto da sociedade, quando esta chega

a um determinado grau de desenvolvimento; é a confissão de que essa sociedade se

enredou numa irremediável contradição com ela própria e está dividida por

antagonismos irreconciliáveis que não consegue conjurar. Mas para que esses

antagonismos, essas classes com interesses econômicos colidentes não se devorem e

não consumam a sociedade numa luta estéril, faz-se necessário um poder colocado

aparentemente por cima da sociedade, chamado a amortecer o choque e a mantê-lo

dentro dos limites da ‘ordem’. Este poder, nascido da sociedade, mas posto acima

dela se distanciando cada vez mais, é o Estado (ENGELS, 2006, p. 177).

O Estado, em qualquer época, vai atuar sempre reprimindo e ditando as regras para a

classe menos favorecida: a classe trabalhadora. Ele surge para controlar e organizar; e

permanece com uma visão economicamente lucrativa. O Estado se origina no momento em

que as classes sociais são postas. Ele tem por objetivo principal a manutenção da classe

dominante. Só poderá existir uma classe dominante, se houver subordinados que a façam

triunfar, segmento esse que produza a riqueza material, que não possa usufruir de seu próprio

trabalho. Para tal fim é que surgem as classes sociais distintas, vindo com elas as

desigualdades sociais, emergindo das relações econômicas e sendo moldadas pelas formas de

produção dominante. Sendo assim, não representa um bem comum, mas uma expressão

política da estrutura de classe inerente à produção.

Nesse período histórico, os homens já necessitavam de um relaxamento que aliviasse

suas tensões. Consequentemente, depois de descobrirem os efeitos das plantas, os habitantes

passaram a enxergar no consumo das substâncias psicoativas uma ponte que interligava o

homem ao mundo espiritual e o seu refrigério. Daí começou a se beneficiar com os efeitos de

algumas plantas introduzindo o uso nas rotinas diárias e em seus rituais, em determinadas

ocasiões.

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Há muito tempo, foram encontradas “sobejas referências às liberações do Nilo, bem

como muitas narrativas sobre os bacanais de Dionísio, os festins de César, e outras orgias,

verificando-se também que o consumo de drogas intoxicantes remonta a épocas muito

primitivas” (FERREIRA, 2010, p. 2). Os hindus tomavam uma bebida chamada “Rig-Veda”,

considerada sagrada (FERREIRA, 2010). Desde o período neolítico, o ópio já era utilizado

para o alívio de dores e em cerimônias religiosas alternando seu uso entre o tratamento de

doenças e o alcance do “mundo de ilusões” ou do “paraíso”.

Quase todas as civilizações conhecidas: egípcios, mesopotâmios, persas, gregos e

romanos usavam drogas para diversas finalidades. Colavitti (2007) destaca alguns tipos como

a bebida4, e evidências de que por volta de 10.000 antes de Cristo, lá no início da agricultura

já se cultivavam plantas como o tabaco, café e maconha5. Também em 7.000 a. C., na Ásia,

foram encontradas em sítios arqueológicos folhas de pimentas estimulantes. À medida que a

história avançava, surgiam outros tipos como o vinho6 e a cerveja7 entre outras. Dentre a vasta

imensidão dos tipos de drogas e suas finalidades, enfatizamos que algumas, conforme citado,

eram utilizadas em rituais religiosos que tinham um significado real para os participantes. O

consumo dessas drogas tinha como objetivo a aproximação com o sobrenatural, em que os

indivíduos acreditavam estar se comunicando com os mortos.

Colavitti (2007) relata que os primeiros registros do consumo do ópio8 referem-se aos

Sumérios em 5000 a. C.. Esse povo deixou registrado um ideograma onde o ópio representava

a alegria. Os asiáticos usavam o ópio como vínculo ao misticismo. Já na antiga Grécia9, era

usado como remédio e também como calmante para os gladiadores. Os “egípcios, árabes,

romanos e gregos faziam uso medicinal da planta para elefantíase, epilepsia e picadas de

escorpião” (QUEIROZ, 2008, p. 31-32).

4 “Gênesis o livro da Bíblia relata um episódio de bebedeira de Noé” (COLAVITTI, 2007). 5 Tem por nome científico “Cannabis Sativa, originária da Ásia Central, é consumida há mais de 10 mil anos. Os

primeiros sinais de uso medicinal do cânhamo, outro nome da planta, datam de 2300 a. C., na China, numa lista

de fármacos chamada Pen Ts’ao Ching – um estudo encomendado pelo imperador Chen Nong (a maconha servia

tanto para prisão de ventre como para problemas de menstruação). Na Índia, por volta de 2000 a. C., a Cannabis

era considerada sagrada” (LOPES, 2006, grifos do autor). 6 “5.400 - 5.000 a. C. Um jarro de barro descoberto no norte do Irã, com resíduos de vinho, é considerada a mais

antiga evidência da produção de bebida alcoólica” (COLAVITTI, 2007). 7 “4.000 a. C. Fibras de cânhamo encontradas na China datam dessa época. Também foi nesse período que o

vinho e a cerveja começaram a ser produzidos no Egito” (ibid.). Em 2.100 a. C.,

foram encontradas inscrições em tabuletas de argilas mostrando que médicos sumérios receitavam “a cerveja

para a cura de diversos males” (COLAVITTI, 2007). 8 O mesmo é extraído do “látex das folhas de papoula, que contém até 12% de morfina. Ele foi utilizado como

medicamento para induzir o sono, aliviar dores e, na China antiga, para melhorar o desempenho sexual. Os

primeiros relatos do ópio surgiram com os sumérios, em 3 400 a. C., sempre relacionado com deuses do sono,

morte e da noite. Era chamada de ‘planta da alegria’” (ibid., 2007). 9 “Infelizmente muitos dos textos antigos que falavam do uso que se dava ás distintas substâncias perderam-se no

tempo [...]” (NUNES; JOLLUSKIN, 2007, p. 233).

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Em relação à Cannabis Sativa, Colavitti (2007) afirma que esta já havia ganhado mais

adeptos e estava sendo consumida pelos europeus orientais. Também a Cannabis Sativa era

usada frequentemente como algo sagrado, era um dos vários nomes dado ao cânhamo (usado

principalmente para fabricação de tecidos alguns séculos depois). Essa mesma substância foi

usada pelos egípcios para esquecerem as preocupações e enganarem a fadiga e a fome.

Enquanto que os assírios a usavam durante rituais religiosos, também era usada para fins

terapêuticos pelos hindus, mesopotâmios e gregos.

Em se tratando da folha da coca, os incas usavam os seus derivados como

estimulantes. Também a folha da coca era mastigada na América do Sul e tida como um

presente dos deuses por volta de 3.000 a. C.. Em 1.000 a. C., nativos da América Central

ergueram templos para deuses cogumelos. Também foi registrado o consumo do Peiote10

pelos indígenas das tribos norte-americanas. Lá, segundo Paulussi (2012), estudiosos

encontraram em cavernas gravações de uma planta do deserto que causava alucinações

datadas de 3.000 a. C.. “Os índios acreditavam que essa planta era um presente do grande

Espírito, que os fazia entender melhor o mundo à sua volta” (Queiroz, 2008, p. 29). Conforme

já relatamos, haviam muitas plantas que ao serem consumidas, mastigadas, fumadas ou

cheiradas, revelavam seus poderes alucinógenos, calmantes, energéticos, dentre outros. É

notável que desde a antiguidade se consumissem vários tipos de drogas, a maioria dessas

drogas eram derivadas de plantas naturais.

Na antiguidade, não havia leis específicas que proibissem o uso de drogas, porém de

acordo com Escohotado, citado por Ribeiro e Ribeiro (2010), o código de Hamurabi, na antiga

Babilônia, punia com pena de morte os que adulterassem o vinho. E entre os incas, o uso de

algumas plantas como a folha da coca só poderia ser consumida livremente pelos nobres. Já

os servos e soldados tinham que pedir autorização real para consumi-las.

Nas civilizações gregas e romanas11, “plantas como a dormideira, o cânhamo, a

beladona [...] passam não mais como substâncias sobrenaturais, mas como mecanismos de

cura, sendo ainda utilizadas para fins lúdicos” (AVELINO, 2010, p. 2). Na civilização

romana, certas drogas estavam inseridas nos costumes, como por exemplo, o ópio sobre o

qual se ergueram leis para regular os preços do mercado. De acordo com Avelino (2010), as

10 Peiote (Lophophora williamsii) é um cacto que apresenta pequenas protusões ou “botões”. Este cacto é a

planta da qual a mescalina é retirada, sendo o principal ingrediente psicodélico no peiote. 11 “As convicções acerca da neutralidade das drogas e dos benefícios da automedicação, características dos

cultos pagãos, começam a entrar em colapso com o processo de cristianização do Império Romano” (AVELINO,

2010, p. 2).

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drogas nessas civilizações foram bem difundidas, não se constituindo um problema social,

político e jurídico.

Paralelamente às diversidades e expansão do consumo de drogas, quando a

acumulação e a alternativa da exploração do homem pelo homem se tornaram efetivas, a

antiguidade foi substituída por um novo modo de produção, o modo Escravista. Neste, por

sua vez, predominou uma forte desigualdade social “posto que os proprietários dos meios de

produção fundamentais apropriam-se dos frutos dos produtores diretos, ou seja, estes são

explorados por aqueles” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 70). Esse modo de produção foi

terrivelmente desumano, pela forma que o indivíduo se apropriou e explorou outro ser para

produzir além do que precisava. Conforme os autores Netto e Braz (2011, p. 75, grifos dos

autores), “só vale a pena ter escravo se o seu proprietário puder extrair dele um produto

excedente (ou sobreproduto)”. A relação econômica se fortalecia mais e mais com a prática

da exploração humana. Desse modo:

Organiza-se agora a sociedade, através da força e da violência, em dois polos: no

cume, uma minoria de proprietários de terras e de escravos que (amplia seus

contingentes através de guerras) e, na base, a massa de homens que não tem sequer o

direito de dispor da própria vida (NETTO; BRAZ, 2011, p. 75-76).

A apropriação do trabalho escravo foi uma base fundamental que possibilitou a

acumulação de riquezas e isso também contribuiu para o desenvolvimento econômico e

cultural. Também se tornou possível a construção de diques e canais de irrigação, explorou-se

minas, abriram-se estradas, construíram-se pontes e fortificações, desenvolveram-se as artes e

as letras. É notável que mesmo com todos os conflitos e guerras existentes no modo de

produção escravista, podemos considerar que houve um avanço na história da humanidade12

relacionado ao desenvolvimento das forças produtivas.

Posteriormente, os romanos começaram a sofrer por conta de que o trabalho escravo

não estava sendo suficiente para manter o desempenho do vasto edifício do domínio romano.

Devido à exigência, a qual impunha a cada senhor um número crescente de escravos e, por

consequência, os custos se tornavam muito altos, diminuindo a produção. Dentre outros, esse

foi um dos motivos que levou o modo de produção à ruína. Baseado no relato dos autores,

“quando o Império Romano, sob a pressão das chamadas ‘invasões bárbaras’, desintegrou-se

12 Foi nesse período que a população avançou e saiu de um intenso sofrimento ao qual enfrentava na comunidade

primitiva. Todavia, mesmo que a maioria da população seja considerada como escrava, a humanidade ingressa

num estágio de civilização.

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na metade inicial do primeiro milênio da nossa era, também foi abaixo o escravismo13”

(NETTO; BRAZ, 2011, p. 78). Também o aumento significativo do número de escravos em

Roma, preocupou os senhores; pois, se houvesse uma revolta, os escravos poderiam levar a

melhor. E para se defenderem dos riscos que os escravos poderiam causar os senhores

contrataram soldados para um controle necessário. Entretanto, de acordo com Lessa e Tonet

(2011), isso foi ficando muito caro para os senhores e, para tal feito, foi necessário que eles se

unissem e compartilhassem os gastos para que mantivessem o exército em ação. A forma que

eles encontraram para arrecadar dinheiro foi contratando “pessoas que deveriam recolher todo

ano a contribuição de cada um, garantindo que ninguém passaria a perna nos outros; e,

também, que deveriam administrar esse dinheiro de modo a manter os exércitos” (LESSA;

TONET, 2011, p. 58). Evidentemente que essa contribuição é o que conhecemos como

imposto, e quem executava as cobranças eram os denominados funcionários públicos.

A decadência desse modo de produção se deu dentro de suas próprias contradições,

não lhes permitindo a idealização de uma nova sociedade. E longo foi o período de transição

do modo de produção Escravista para o Feudal. Lessa e Tonet (2008) argumentam que faltou

uma classe revolucionária que possuísse um projeto alternativo global para a sociedade. Sem

essa classe, a transição se deu lentamente de forma caótica, demorando mais de três séculos

para se concretizar.

De acordo com Lessa e Tonet (2008), depois da queda do Império Romano, o

comércio e o dinheiro foram desaparecendo e os contatos entre as localidades foram se

tornando escassos, diminuindo a cada dia mais o desenvolvimento da sociedade. “Por isso a

principal característica do feudalismo foi à organização da produção em unidades

autossuficientes, essencialmente agrárias e que serviam também de fortificações militares para

a defesa: os feudos”. O que difere o feudalismo do escravismo é a situação dos trabalhadores

“servos”, estes, por sua vez, possuíam parte dos instrumentos de trabalho. Trabalhavam nas

terras do senhor e após a colheita o servo era obrigado a dar maior parte da sua produção ao

dono da terra. Outra diferença do feudalismo é que o servo e o suserano faziam um acordo

mútuo, no qual o suserano protegia a vida do servo que por sua vez trabalhava e não podia ser

despedido, e ao mesmo tempo o servo não podia abandonar o feudo. Também os servos

viviam em família. Nota-se que no sistema feudal as regras de costume14 eram essenciais para

13 “O que não significa dizer que a escravidão foi inteiramente abolida na Europa – de fato, mesmo que em

número pouco significativo, escravos continuaram a existir até o final da Idade Média” (NETTO; BRAZ, 2011,

p. 78). 14 “O ‘costume do feudo’ significava, então, o que a legislação do governo de uma cidade ou condado significa

hoje” (HUBERMAN, 1981, p. 10).

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administrar e manter a ordem social das relações entre senhores e servos, pois, tinham “a

força das leis no século XX. Não havia um governo forte na Idade Média capaz de se

encarregar de tudo. A organização, no todo, baseava-se num sistema de deveres e obrigações

do princípio ao fim” (HUBERMAN, 1981, p. 10).

O Estado era descentralizado, e suas funções eram exercidas pelos senhores feudais

em seus feudos. O rei não tinha um poder absoluto efetivo sobre eles. As regras existentes

nessa cultura também eram repressivas e punitivas. Naquela época, funcionava da seguinte

forma: se o acusado fosse o servo, a regra para ele tinha poder absoluto; já se envolvesse os

interesses do suserano seria diferente, pois serviam sempre para seu próprio benefício, de

acordo com o costume. “Uma briga entre servo e senhor tendia sempre a ser solucionada

favoravelmente ao senhor, já que este podia ser o juiz da disputa” (Idem, 1981, p. 11). E foi

assim que por muitos anos os senhores apaziguaram os conflitos daquela população.

Queremos destacar que na Idade Média as drogas continuavam sendo consumidas, só

que em maior quantidade e para diversas finalidades. Precisamente no século XI, se expandiu

o uso do cânhamo, seu consumo se alastrou de forma tão numerosa que no norte da Pérsia

surgiu uma perigosa seita, que sob os efeitos da planta se deleitavam em cometer os mais

terríveis crimes. Para cada tarefa cumprida nessa seita, havia uma recompensa, dentre estas:

drogas e mulheres. Assassinato de inimigos políticos passou a ser comum, “para agradecer ao

chefe a dádiva que recebiam, chamavam-na ‘a dádiva de Hassan’, ou seja, haxixe. Foi esta

palavra que deu origem ao moderno termo ‘assassino’” (FERREIRA, 2010, p. 3).

Essas propriedades terapêuticas levavam os indivíduos a sensações sedativas e

euforizantes, fazendo com que os usuários perdessem a noção do tempo. A questão religiosa

estava intrinsicamente ligada ao uso de drogas por parte de alguns povos, onde plantas

“divinas” eram reverenciadas como divindades. Como a civilização asteca15, que além de

venerar deuses como Quetzaltcoatl e Huitzilpochtli, veneravam também o peiote, conhecido

como carne dos deuses, dele era extraído uma substância chamada mescalina que por sinal era

fortíssima, alterando a consciência e percepção de quem a consumia. Mesmo depois da

chegada dos espanhóis com a religião cristã, pregando um deus desconhecido e conquistando

muitos adeptos, os astecas não abandonaram o uso de certas substâncias alucinógenas, “assim,

este povo primitivo realizou uma verdadeira mescla da religião cristã com a religião

mescalina” (Idem, 2010, p. 1). Essa relação cultural passou “milênios nos quais as drogas

15 A civilização asteca era politeísta, apresentando elementos de sacrifícios humanos ligados a inúmeros festivais

religiosos. Com a chegada dos espanhóis em 1519, sob o comando de Fernão Cortez a cultura cristã foi se

expandindo , formando uma crença mestiça.

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foram usadas com fins festivos, terapêuticos e sacramentais, tendo atravessado os tempos para

se converterem em objeto de uma intensa empresa científica” (NUNES; JOLLUSKIN, 2007,

p. 233).

De forma repressiva, no período medieval16, muitas mulheres foram mortas acusadas

de bruxaria devido ao uso de certas substâncias que as “aproximavam do sobrenatural”. Com

a ascensão e poder de influência da Igreja Católica, “muitas pessoas por conhecerem os

efeitos psicoativos das plantas foram mortas e/ou silenciadas pela Inquisição, para não colocar

em risco o poder dominante da época” (SILVA, s. d. p. 1). Havia penas para os fiéis que

usassem drogas, de acordo com Escohotado, citado por Avelino:

O uso de drogas diferentes do álcool castiga-se com tortura e pena capital, tanto se

for religioso como se for simplesmente lúdico. Ao mesmo tempo, as drogas não são

corpos precisos, mas uma coisa entre aspiração infame e certa pomada. [...]; isto

permitia ser queimado vivo por guardar uma pomada para luxações, sempre que a

pessoa parecesse suspeita ou tivesse inimigos; igualmente possível era que, noutro

domicílio, a presença de pomadas muito psicoativas fosse considerada inocente. Mas

elaborar plantas e beberagens parecia às autoridades aproximar-se demasiado da

abominação, e punha em perigo o seu relato dos factos; a saber, que o mundo –

castigado por Deus – estava cheio de bruxas com poderes sobrenaturais, devido à

sua aliança com Satanás (ESCOHOTADO apud AVELINO 2010, p. 3).

As propriedades alucinógenas de algumas drogas serviam para enganar os fiéis com

falsas sensações do céu ou do inferno. Funcionavam como um calmante para as pessoas que

viviam revoltadas, devido à alienação provocada pela Igreja Católica Apostólica Romana ou

simplesmente como uma fonte geradora de novos prazeres para a população que assim

desejava. As evidências nos mostram que a Igreja Católica teve um poder de influência muito

forte na época, sendo assim, posteriormente ela contribuiu muito para a proibição do uso de

drogas para fins farmacêuticos, rotulando de hereges todos aqueles que transgredissem essa

ordem, sendo até mesmos julgados pelo Tribunal da Santa Inquisição.

Com o movimento racional explodindo no mundo, como o Renascimento, a concepção

de certo ou errado passa a ter outra conotação. Eles passaram a se espelhar nas culturas greco-

romanas, fato que influenciou o uso das drogas como algo natural. “Para evitar as

perseguições dos inquisidores pelo uso de substâncias tidas como contrárias aos postulados

cristãos, foi necessário separar a farmacologia da magia, [...]” (AVELINO, 2010, p. 3). Nesse

16 “Algumas das substâncias retiradas diretamente das plantas eram associadas a exorcismos ou a prática

demoníacas. [...]. Na Alta Idade Média as ‘bruxas’ eram raras, passando mesmo despercebidas, enquanto na

Baixa idade Média quando se começou a suspeitar da existência de rituais pagãos coletivos com recurso as

drogas. Em 1277, existiam já publicações nas quais se assegurava que um terço das mulheres francesas praticava

bruxaria, havendo conhecimento de um uso considerável de certas substâncias com origem nas plantas”

(ESCOHOTADO apud NUNES; JOLLUSKIN, 2007, p. 234).

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contexto histórico, o consumo de drogas tinha seu significado em atividades culturais, não

ocasionando problemas sociais. Apesar de terem valor significativo para as comunidades, as

drogas não representavam valor econômico. Apenas serviam como troca entre as pessoas,

com a intenção de usufruir de seus agentes psicoterapêuticos. Até a Idade Média, as drogas

eram vistas dessa forma, como produtos que apenas tinham valor de uso.

Voltando a falar do modo de produção feudal, de acordo com Netto e Braz (2011), o

sistema feudal estava bem estruturado na Europa por volta dos séculos XI ao XIII. Esse

sistema permitiu aos servos ficarem

Com uma parte da produção e, assim sendo, interessava aos servos aumentá-la.

Como resultado desse interesse, começaram a desenvolver novas ferramentas, novas

técnicas produtivas, novas formas de organização do trabalho coletivo, aprimoraram

as sementes, melhoraram as técnicas de preservação do solo (LESSA; TONET,

2011, p. 62).

Essas mudanças deram oportunidade para um melhor desenvolvimento no modo de

produção que consequentemente voltou a florescer; também melhorou na qualidade de vida e

no aumento da população, depois de conseguirem uma melhor alimentação. Entretanto, várias

transformações contribuíram para desencadear uma crise no sistema feudal: dentre elas

podemos destacar o renascimento comercial, a circulação das moedas, o êxodo rural e outras.

À medida que a crise no sistema feudal avançava, só restava aos senhores a alternativa

de expulsar dos feudos os servos “que estavam sobrando” (LESSA, TONET, 2011). Estes, em

contrapartida, ficaram desamparados, desprotegidos e sem nenhuma assistência. Entretanto,

precisavam fazer alguma coisa para sobreviver. Logo viram no roubo a oportunidade para o

suprimento das suas necessidades. Estes servos que foram expulsos começaram a trocar os

produtos que conseguiam roubar por outros, com os servos que ainda viviam nos feudos. E de

acordo com os autores Lessa e Tonet (2011, p. 62-63), “como todo mundo estava produzindo

mais do que necessitava, todos tinham o que trocar e voltou a florescer o comércio”. Outros

servos em busca de melhores oportunidades de trabalho passaram a comprar sua liberdade ou

a fugir dos feudos.

Consequentemente mais tarde, o desenvolvimento comercial estimulava “o consumo

da nobreza por mercadorias [...] que não podiam ser obtidas por meio de saques ou guerras,

mas trocadas por dinheiro [...]” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 80). Com o advento do dinheiro

introduzido pelo crescimento do comércio, percebemos que o feudalismo foi perdendo seu

espaço dando a oportunidade para a burguesia atuar a partir do século XVI. O dinheiro era

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usado apenas como meio de troca entre uma mercadoria e outra. A grande demanda de

mercadorias, decorrente das constantes necessidades da sociedade em consumir produtos

como: açúcar, café, tabaco, chocolate, ópio, entre outros, proporcionou modificações na

produção mercantil simples. Essas modificações foram muito abrangentes nessa fase de

transição do sistema feudal para o sistema capitalista. Nesse período, foram passivos de

transformações: a Igreja, a economia, as cidades, etc. Os comerciantes também tiveram

grande relevância nisso, tornando a circulação de mercadorias mais complexas. Dando início

a um novo modo de produção: o capitalista.

1.2 Estado burguês capitalista: condições da classe trabalhadora e consumo de drogas a

partir da Revolução Industrial

O Estado moderno nasce para responder às necessidades geradas pelo

desenvolvimento do capitalismo no período de transição da era medieval, dando início, assim,

à sociedade moderna, industrial e capitalista que se constituiu no fim do século XVIII. Com o

advento das grandes navegações, e do renascimento, a concepção de Estado é modificada,

passando de um fundamento na ideia do mandato divino dos reis para um pensamento

pautado na propriedade privada e mercantilista. Todo esse processo econômico modificou a

perspectiva a respeito das drogas.

Com o crescimento do mercado e as relações de troca, finalmente o camponês pôde

obter dinheiro. Dessa forma, transações se tornaram habituais, como as terras, que passaram a

ser vendidas, acelerando assim o fim do sistema feudal. Objetos que antes eram

confeccionados em casa para uso das próprias necessidades ganharam uma dimensão

comercial ampla. Com o desenvolvimento do comércio, a partir do século XIII, a produção

mercantil simples começou a ser alterada. Os mercados locais foram diversificados e

estendidos, fazendo com que a circulação de mercadorias se tornasse mais complexa. O

comércio teve um papel importantíssimo na alteração da produção simples para a produção

capitalista. Ele também possibilitou o desenvolvimento econômico e o crescimento das

cidades, sendo um regulador das relações sociais.

A fabricação de mais objetos em série foi possível com essas modificações

econômicas. O desenvolvimento da manufatura17 possibilitou ao homem a confecção de

17 O desenvolvimento das máquinas foi de real importância para a industrialização, que acabou transformando as

relações entre trabalhador e os meios de produção. As novidades industriais mudaram a vida dos europeus, que

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ferramentas cada vez mais sofisticadas. Esse processo histórico se constituiu a partir do fim

do século XVI até meados do século XVIII, é o que Marx chama de acumulação primitiva18.

Nesse modo de produção, tudo se converte em mercadoria, “quando até mesmo a força de

trabalho se converte em mercadoria, está posta a possibilidade de mercantilizar o conjunto

das relações sociais [...]” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 95, grifos dos autores). Ela passa a ser a

expressão das relações entre os homens. Essa é a primeira fase do capitalismo chamada de

comercial (séc. XVI-XVIII). Netto e Braz (2011) afirmam que foi dos grupos mercantis que a

burguesia teve origem. Entretanto, os autores salientam que nesse período ela firmou-se como

classe que confrontava os privilégios da nobreza fundiária, ou seja, uma burguesia

revolucionária “cujos interesses se conjugam com os da massa da população” (Idem, 2011, p.

180).

No século XVII, a burguesia começou a combater o Absolutismo influenciando várias

revoluções, a exemplo da Revolução Francesa que foi decisiva para o fim do Absolutismo

monárquico e a consolidação da burguesia no fim do século XVIII. Episódio que marcou o

fim da Idade Moderna para a Idade Contemporânea. Teve em seu arsenal, a defesa das ideias

de igualdade e de liberdade entre todos os cidadãos. Os revoltosos visaram à criação de uma

Constituição (contrato social) para a França. O Contratualismo19 foi essencial para eles. Da

luta contra o absolutismo surgiu o Liberalismo20, uma ideologia de princípios individualistas.

A luta burguesa pela liberdade não se deu apenas no âmbito emancipador do homem

das relações feudais, mas também no âmbito econômico, pois o objetivo principal dessa classe

era a liberdade econômica, ou seja, o livre comércio. No poder, quando começou a abandonar

as antigas ideias de igualdade entre os cidadãos, passando a ser regida pela lógica de altos

lucros, “a burguesia converteu-se em classe conservadora: seu objetivo passou a ser a

manutenção das relações sociais assentadas na propriedade privada dos meios fundamentais

de produção [...]” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 185, grifos dos autores).

com as inúmeras invenções puderam se locomover mais rápido, como por exemplo: a locomotiva e os trilhos de

ferro. O que possibilitou a expansão capitalista, que tinha como objetivo a extração das matérias-primas e a

expansão dos mercados consumidores. 18 Marx afirma que a “acumulação primitiva não é a mera transformação direta de escravos e servos em

trabalhadores assalariados, mas constitui-se na expropriação dos produtores diretos através da dissolução da

propriedade privada, que se sustenta no próprio trabalho” (1988, p. 282). 19 A estrutura básica se deu pela contraposição entre o Estado de natureza e o Estado civil mediada pelo contrato

social. Teve como principais filósofos Hobbes, Locke e Rousseau. 20 Teve como fundamento a defesa da liberdade individual em todos os campos, sejam eles político, econômico,

religioso ou intelectual. Começou a se fortalecer no século XIX. Adam Smith e David Ricardo tiveram uma forte

influência no pensamento de liberdade mercantil. Defendendo a não interferência estatal no mercado.

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29

Ela passou a ser uma nova classe social, que sob a ascensão do capitalismo teve uma

relação de cumplicidade no que se refere à comercialização e geração de lucros – para os,

então, chamados capitalistas. Em paralelo, constitui-se uma classe que passa a viver apenas da

venda de sua força de trabalho – o proletariado. Seu nascimento é marcado por lutas contra a

burguesia. Todos esses acontecimentos consolidaram a Revolução Industrial, firmando assim

o capitalismo como sistema econômico mundial, e a divisão entre duas classes antagônicas:

burguesia e proletariado.

O Estado moderno tem uma característica peculiar à formação societária burguesa,

juntamente com o modo de produção capitalista, se distinguindo dos demais Estados

(escravista e feudal). O Estado capitalista burguês passou a aderir à ideologia liberal

individualista, estando sua ação voltada para a classe capitalista dominante. Ele “é um

instrumento de que se serve o capital para explorar o trabalho assalariado” (ENGELS, 2006,

p. 179). Ele organiza a vida social, manifestando-se apenas no exato momento que se faz

necessário, como uma força de coerção e consenso, estando assentado sobre as contradições

de classes. O objetivo do Estado burguês é manter a ordem, tomando medidas superficiais de

ordem administrativa, não estando interessado na eliminação da miséria, mas na sua

permanência; pois, para tal feito, ele eliminaria a si mesmo.

Para atenuar os conflitos das classes promove ações administrativas e assistencialistas,

com o intuito de amenizar a desigualdade. Tonet, citando Marx, expõe que quando “o Estado

admite a existência de problemas sociais, procura-os em leis da natureza, que nenhuma força

humana pode comandar, ou na vida privada, que é independente dele, ou na ineficiência da

administração que depende dele” (2010, p. 23, grifos do autor). Quando admite problemas,

coloca a culpa na má administração, naturalizando os males sociais.

O Estado se torna um regulador das relações desta sociedade, isto é, das classes

sociais. Essa atuação estatal nada mais é que um instrumento burguês de dominação societal,

que tem por objetivo o controle massivo da população. Tonet, baseando-se em Marx (2010),

expõe quatro teses quanto à natureza do Estado: o Estado possui sua raiz no antagonismo das

classes sociais, é uma expressão e um instrumento de reprodução dos interesses da classe

dominante, é impotente para alterar a sociedade civil, e, por último, argumenta a necessidade

da extinção do Estado para que os homens possam finalmente se emancipar de uma maneira

plena. Para que isto ocorra, é necessária a eliminação das classes sociais, pois se o Estado

repousa sobre essa contradição de classe (e sua função é reproduzi-la) assim, ao eliminar as

classes sociais, a extinção do Estado será uma decorrência natural.

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Durante os séculos XVIII e XIX, o capitalismo viveu o estágio concorrencial,

pautado em ideias liberais. Com a ideologia liberal defendendo as liberdades individuais, a

livre concorrência de mercados, sem a intervenção do Estado na economia, torna-se habitual.

O Estado, sob o capitalismo liberal, interveio nas questões sociais com mínimas atribuições

econômicas, partindo do pressuposto que todos são livres:

Nesta sua forma, o Estado tem uma reduzida intervenção no que diz respeito à

garantia de direitos sociais, justificado pela idéia [sic] de que contribuiriam para

desestimular o interesse pelo trabalho, gerariam acomodação e, portanto, colocaria

em risco a sociedade de mercado. A pobreza poderia ser minorada pela caridade

privada, cabendo ao Estado garantir a assistência apenas dos indivíduos que não

tivessem condições de competir no mercado, tais como: crianças, idosos e

deficientes (BREVILHERI; PASTOR, 2009, p. 136).

Assim, sua atuação baseou-se no que as pessoas individualmente poderiam oferecer

para o mercado. A parte improdutiva como os idosos, crianças e deficientes, não interessava

ao Estado. Defendeu a ideia de que a ampliação dos direitos sociais poderia acomodar os

pobres, os quais, com isto, perderiam o interesse em trabalhar. Sua atuação mínima no trato

dos direitos sociais refletiu na propagação da caridade como única forma de amenizar a

pobreza.

Essa intervenção mínima se deu através das políticas sociais em concordância com os

princípios liberais. As autoras Behring e Boschetti (2011)21 sintetizam alguns elementos

importantes essenciais do liberalismo que contribuíram para essa intervenção, tais como o

predomínio do individualismo e a naturalização da miséria.

A ascensão da Grande Indústria expressou bem esse Estado baseado nos princípios

liberais. Permitiu aos capitalistas aumentarem a mais-valia, através da exploração e

acumulação: “o capital lançou com força total e plena consciência a produção de mais-valia

relativa por meio do desenvolvimento acelerado do sistema de máquinas” (MARX, 1988, p.

31). Como se pôde ver, aumentaram a jornada de trabalho, introduzindo novas tecnologias,

pressionando os salários para baixo, entre outros exemplos. A maquinaria intensificou a

exploração do trabalhador. Com a jornada de trabalho mais longa, o trabalho excedente

aumentou, mas o desgaste físico colocava em risco, em longo prazo, o crescimento das taxas

de lucro. A solução foi diminuir a jornada de trabalho, aumentando a produção. Mulheres22 e

21 Ver com mais detalhes as autoras Behring e Boschetti 2011, p.61 e 62. 22 Num mesmo ambiente os dois sexos trabalhavam juntos, a aproximação é inevitável, e a promiscuidade fatal.

As gestantes tinham que trabalhar muitas horas em pé o que prejudicava a saúde delas.

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crianças são inseridas no trabalho industrial, principalmente na área da tecelagem, onde não

era necessária uma força física, apenas um controle manual.

Nessas condições, a força de trabalho feminina e infantil era mais requisitada, pois

custava mais barato sua contratação. As mulheres manipulavam as máquinas, enquanto as

crianças tiravam e repunham as bobinas. Havia um desgaste imenso das famílias, pois a

jornada de trabalho se estendia a mais de 14 horas por dia. Além dos graves acidentes que

aconteciam sem nenhum amparo de leis que culpassem os donos das fábricas. Além de

explorarem a força de trabalho, eles competiam entre si; é a chamada concorrência

capitalista.

Sob o capitalismo concorrencial surgem as lutas de classes na sua modalidade

moderna, ou seja, as lutas fundadas na contradição entre capital e trabalho. Tais

lutas, antagonizando a burguesia e os trabalhadores [...] e que, a partir daí, estarão

sempre presentes na ulterior evolução do capitalismo, adquirem inicialmente formas

grosseiras, mas, pouco a pouco, avançam para uma crescente politização, que as

torna mais conscientes [...] (NETTO; BRAZ, 2011, p. 183, grifos dos autores).

A competitividade e exploração extrema no capitalismo concorrencial deu início a

uma luta de classes entre burgueses e trabalhadores que perpassa até os dias atuais. Com a

exploração intensa, os trabalhadores passaram a pressionar a burguesia, que por sua vez teve

no Estado um forte braço protetor, que amenizou essas contradições. As leis fabris ajudaram a

manter o operariado em suas mãos, regulando as relações de trabalho.

A acumulação capitalista não apenas proporcionou o acúmulo de mercadorias, como

também a produção e reprodução das relações sociais. Em seu desenvolvimento, a demanda

por máquinas se tornou maior que a demanda pela força de trabalho, afetando o proletariado

quanto à diminuição da força de trabalho, o que ocasionou o desemprego de muitos. Essa

parcela de excedente constitui o exército industrial de reserva23. Desempregados, esses

trabalhadores não tinham para onde ir, ficavam perambulando pelas ruas em busca de seu

sustento, ocasionando uma grave questão social. Netto e Braz (2011) argumentam que a

questão social é determinada pela lei geral da acumulação capitalista, não havendo economia

capitalista sem desempregos.

Essa situação foi benéfica para os capitalistas que aproveitaram para baixar os salários

e contratar mais pessoas. Os autores Netto e Braz (2011) salientam que “essa é a função

primária que o exército industrial de reserva desempenha sob o capitalismo. Trata-se de um

poderoso instrumento para que o capitalista incremente a exploração da força de trabalho”

23 Expressão usada por Engels no livro: A situação da classe trabalhadora na Inglaterra. São Paulo, Global, 1986.

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(2011, p. 144). Mas essa intensificação capitalista gerou muitas revoltas por parte dos

trabalhadores. O Estado reprimiu os trabalhadores e incentivou as leis fabris ao mesmo tempo.

Essa luta em busca de melhores condições na jornada de trabalho como também “as respostas

das classes e do Estado são, portanto, as primeiras expressões contundentes da questão social,

[...]” (BEHRING; BOSCHETTI, 2011, p. 55).

Essa brutalidade da exploração capitalista24 resultou na indignação dos trabalhadores.

Lutas por parte da classe operária foram inevitáveis, os trabalhadores almejaram reformas

urgentes, em respostas às péssimas condições de trabalho. Os sindicatos tomaram força, os

operários se organizaram em movimentos tais como o Ludismo e o Cartismo25, os quais

visaram a uma nova ordem social e econômica. Sendo os primeiros movimentos operários da

Inglaterra que frisaram a luta por direitos dos trabalhadores.

Ao que diz respeito à situação da classe trabalhadora, Engels (1986) comenta que em

Londres o operariado vivia em bairros totalmente sem estrutura. O autor expõe que muitos

desses bairros tinham uma má reputação, eram nesses ambientes que moravam os

trabalhadores maus pagos, as prostitutas e os vagabundos. As famílias moravam em espaços

minúsculos, onde homens, mulheres e crianças dividiam um mesmo cômodo. Viviam

perambulando de rua em rua, procurando um lugar para descansar. Em outra passagem,

Engels (1986) demonstra que em Dublin a pobreza se alastrou rapidamente. As pessoas que

moravam ali se agrupavam em porões muito escuros, recebendo luz solar apenas pela porta.

Nos bairros operários havia poças de água suja, o lixo e os detritos eram jogados nas portas,

acumulando sujeira e mau cheiro. No que diz respeito à alimentação, os trabalhadores tinham

poucos recursos, logo não poderiam ter uma boa qualidade de vida. Na Escócia26, o cenário

também era um caos.

Diante de tantas privações, os trabalhadores britânicos não tinham como desfrutar de

uma saúde de qualidade, consequentemente diminuindo sua perspectiva de vida. A imundície

dos bairros e a privação de uma boa alimentação acabavam adoecendo-os, o que

impossibilitou uma parte deles de trabalhar. Como não havia legislações trabalhistas,

comprometiam o sustendo de suas famílias. Estavam desfavorecidos de tudo. Algumas

24 Para melhor compreensão do processo de industrialização e a situação desses trabalhadores, ver o filme O

germinal, França/Itália/Bélgica. 1993. Direção: Claude Berri. Duração: 158 min. Como também Tempos

Modernos, EUA, 1936, Charlie Chaplin. 25 O Ludismo foi um movimento dos trabalhadores que se opôs a intensificação da industrialização. Já o

cartismo teve como principal base uma carta escrita por William Lovette Feargus. O 'Connor intitulada Carta do

Povo, e enviada ao Parlamento inglês. Continha várias exigências, de melhorias. 26 “As pessoas dormiam no chão sob um monte de palhas sujas, sendo comum o indivíduo dormir e acordar com

as mesmas roupas. Outras cidades como Liverpool, Nottingham, Leicester, Derby e Scheffield também

apresentavam níveis de pobreza e miséria extremas” (BIZERRA, SILVA, 2011, p. 50).

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crianças acabavam morrendo facilmente, pois seu organismo era mais vulnerável a doenças.

Engels (1986) salienta que essas vítimas eram na verdade fruto de uma desordem social e das

classes interessadas nesta situação.

Normalmente as pessoas doentes eram tratadas com estimulantes:

Trabalhadores vindos da província que durante a viagem e após a sua chegada

tinham suportado as mais duras privações, dormindo meios nus e meios mortos de

fome nas ruas, não arranjando trabalho, e assim contraíam o tifo. Estas pessoas eram

transportadas para o hospital num tal estado de fraqueza que era necessário

administrar-lhe numa quantidade considerável de vinho, de conhaque, de

preparações amoniacais e de outros estimulantes (ENGELS, 1986, p. 119).

Não só usavam certas substâncias nos doentes como também era costume dos pais

darem aguardente aos seus filhos. A bebida alcoólica era bem consumida por essa classe,

causando danos à saúde dos trabalhadores, ocasionando na maioria problemas de estômago27

seríssimos.

O consumo de drogas como o álcool era usado como forma de prazer entre os

trabalhadores. Essa classe era privada de quase tudo, restando-lhe apenas o sexo e o uso dessa

substância como forma de se divertir. Buscava na embriaguez uma solução mesmo que

passageira para aliviar suas más condições de vida. Mas o consumo de álcool exagerado só

enfraqueceu a saúde dos trabalhadores, porque o aparecimento de muitas doenças se dava pela

bebida, como a proliferação de infecções pulmonares, intestinais e a eclosão do tifo28. Era

cada vez mais difícil encontrar trabalhadores fabris com uma boa aparência. Jansen, citando

Engels, expõe o papel que o álcool exerceu na vida dos trabalhadores e os motivos pelos quais

o ser humano acaba por se tornar usuário:

Há ainda outras causas que enfraquecem a saúde de um grande número de

trabalhadores. Em primeiro lugar a bebida. Todas as tentações possíveis se juntam

para levar o trabalhador ao alcoolismo [...]. O trabalhador [...]. Tem uma

necessidade urgente de se divertir. Precisa de qualquer coisa que faça o trabalho

valer a pena, que torne suportável a perspectiva do amargo dia seguinte [...]. O seu

corpo [...]. Exige imperiosamente um estimulante externo [...]. Nessas condições, a

necessidade física e moral faz com que grande parte dos trabalhadores tenha

necessidade de sucumbir ao alcoolismo [...] (JANSEN, 2007, p. 5-6).

27 “Por via dessa má digestão surgiram às escrófulas, uma doença passada dos pais para os filhos; e também o

raquitismo, que atingia principalmente as crianças, atrasando sua ossificação e o desenvolvimento do seu

esqueleto” (BIZERRA; SILVA, 2011, p. 54). 28 Febre que seria provocada pela falta de higiene, sendo a causa principal da morte de um sexto da população

pobre. Claro que essa doença atingia também a classe dominante, só que eles podiam pagar honorários médicos,

enquanto os operários ficavam a mercê de curandeiros (ibid., 2011, p. 53).

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Uma forma de alienação para os trabalhadores, que por viver uma vida desprezível

aceitavam qualquer coisa que pudesse distraí-los, nem que fosse por algumas horas. Mas essa

diversão acabou prejudicando-os, pois se tornaram alcoólatras.

Foi justamente neste período, a partir da Revolução Industrial, que houve uma

massificação do uso de drogas. “O uso generalizado de drogas apenas é possível quando esta

se converte em mercadoria de alta rentabilidade [...]. A agricultura industrial voltada à

produção para mercados externos dá lugar à produção massiva de drogas” (Idem, 2007, p. 3).

Com o advento da Revolução Industrial ficou ainda mais fácil a produção e a invenção de

novas drogas no mundo. Isso também facilitou o acesso para todas as classes. Enfatizamos o

uso da classe trabalhadora pelo fato dela enfrentar situações extremas com jornadas longas de

trabalho, e que procuravam aliviar seu cansaço consumindo álcool ou simplesmente o tabaco.

Se na Idade Média o uso de certas drogas psicotrópicas como o cânhamo era

relacionado ao sobrenatural, e no período colonial nas Américas era associado à lascívia e à

violência, na sociedade industrial, “o consumo dessas substâncias entre as classes sociais mais

pobres e excluídas, como os proletários, imigrantes e negros, foi cada vez mais relacionado às

manifestações de raiva e violência que eclodiam de modo explosivo e desordenado em todo

mundo desenvolvido daquele período” (MUSTO apud RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 4).

O comércio de drogas se desenvolveu conforme a lógica capitalista, havendo uma

relação que não se pode negar entre o capitalismo e a disseminação do uso de drogas, sejam

elas lícitas ou ilícitas. O consumo – e consequentemente o comércio de drogas – esteve

intrinsicamente vinculado ao processo de expansão internacional capitalista em todas as suas

fases, ou seja, a comercial, a concorrencial, ou a imperialista.

A América foi um continente fértil para países como Portugal e Espanha explorarem

muitas matérias-primas do tipo: cacau, erva-mate, tabaco e também as folhas da coca. Não

demorou muito para que países como Inglaterra, França e Holanda disputassem esses

produtos (AVELINO, 2010). Sendo assim, as drogas passaram a ter necessidade comercial,

sendo comercializadas em grande escala. Um exemplo da massificação do uso de drogas foi a

guerra do ópio29, que abriu um largo comércio de substâncias psicoativas.

Paulatinamente, da Expansão Europeia à Revolução Industrial, as substâncias

psicoativas deixaram de ser consideradas elementos divinatórios e lustrais, reguladas

por rituais religiosos, para se converterem em produtos comerciais. O marco deste

processo foram as Guerras do Ópio (1839 – 1841), a partir das quais os ingleses

29 Houve a primeira guerra do ópio (1837-1842) e a segunda guerra do ópio (1856-1860), porém nessa segunda a

Inglaterra contou com o apoio da França e da Irlanda como aliadas contra a China.

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garantiram o monopólio internacional, consolidaram o domínio britânico no

Extremo Oriente e implementaram a prática comercial de substâncias psicoativas em

larga escala (PASSETTI apud RIBEIRO;RIBEIRO, 2008, p. 1-2).

Tanto a revolução industrial quanto a guerra do ópio impulsionam o consumo de

drogas em âmbito global. A partir de então, os países passaram a disputar o ópio como

mercadoria, em especial os ingleses e chineses, tornando-se um marco na expansão comercial

de drogas no mundo.

Os chineses baseavam suas relações comerciais com o pressuposto de que a China era

a nação central do mundo. Assim, sentia-se no direito de impor suas próprias regras

alfandegárias sobre o comércio com os outros povos. Postura que incomodou os países que

estavam à procura de novos produtos para comercializar.

Essa postura protecionista incomodou os ingleses que, por não conseguirem introduzir

suas mercadorias na China, acabaram vendendo ópio de forma ilegal para os chineses. Como

nesse período os ingleses enfrentaram uma dificuldade na balança comercial, viu nesse

comércio uma oportunidade de solucionar seus problemas. Em pouco tempo, o consumo do

ópio se tornou uma epidemia. Seus principais consumidores constituíam-se da classe

dominante da época, pois seus preços eram altos, sendo um privilégio de poucos.

Em 1729, por causa de seus efeitos devastadores, o imperador Yongzheng proibiu a

importação e a venda de ópio na China. Essa medida proibitiva influenciou o contrabando,

“desencadeando [...] uma onda de corrupção entre os altos funcionários da burocracia

chinesa” (AVELINO, 2010, p. 5). O governo chinês protestou contra a comercialização do

ópio, só que os ingleses não se intimidaram e continuaram a vender o ópio, não queriam

perder esse lucrativo comércio. Assim,

O governo chinês alarmado pelos efeitos do ópio, bem como pelo roubo do ouro e

da prata, apela à rainha Victoria, que não dá ouvido. Os chineses começam então a

destruir o carregamento de ópio e a Inglaterra então declara guerra. O resultado é a

invasão inglesa com derrota da China, que é obrigada a ceder Hong Kong (JANSEN,

2007, p. 3, grifos do autor).

O governo chinês ficou tão preocupado com a expansão do ópio vendido pelos

ingleses, que apelou até mesmo para a rainha inglesa Victoria no intuito de parar esse

comércio. Contudo, ela não atendeu ao apelo do governo chinês, ocasionando, com isso, uma

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revolta chinesa. Em 1839, os chineses destruíram um carregamento inteiro de ópio. Os

ingleses, por vez, não gostaram e consequentemente revidaram.

Pelo fato de os ingleses estarem mais preparados militarmente, sua vitória foi evidente.

Além de tomarem Hong Kong, abriram mais cinco portos ao comércio do ópio. Além disso, a

China também foi obrigada a pagar uma indenização à Inglaterra. Vê-se, então, que houve

interesses econômicos e estatais por trás dos confrontos entre esses países.

Sendo assim, a expansão do consumo de drogas, já à época do capitalismo

concorrencial, modifica-se do valor de uso para o valor de troca, ocasionando uma disputa

pelo mercado e pelo domínio de sua produção.

1.3 Estado monopolista e produção de drogas

A partir da segunda metade do século XIX, o capitalismo entra em um novo estágio –

o Imperialista30 ou era dos monopólios31 – e a intervenção estatal nesse período é direcionada

para garantir os superlucros dos monopólios.

Os monopólios tiveram um efeito impactante na dinâmica capitalista, pois “o

aparecimento [...], de grupos capitalistas nacionais controlando industriais inteiros,

empregando enormes contingentes de trabalhadores e influenciando [...] nas economias

nacionais, alterou de modo extraordinário a dinâmica econômica” (NETTO, BRAZ, 2011, p.

187). No fim do século XIX e começo do XX, o capital monopolista se estabeleceu na

produção industrial, constituindo-se como coluna vertebral da economia capitalista.

Outro importante aspecto desse período foi a mudança no papel dos bancos, “passaram

a controlar massas monetárias gigantescas, disponibilizadas para empréstimos” (Idem, 2011,

p. 188). Devido à concorrência, os capitalistas precisavam fazer novos investimentos, para

isto, viram nos empréstimos uma forma de expandir os negócios. Há uma fusão entre os

30 Teve início nas três últimas décadas do século XIX e experimentou várias transformações. Suas fases são:

clássica (1890-1940); fim da segunda guerra mundial até a entrada dos anos 70 e o capitalismo contemporâneo,

meados dos anos 70 até os dias atuais (NETTO; BRAZ, 2011). 31 “A transição do capitalismo à idade do monopólio concretizou três fenômenos [...]: o proletariado constituído

como classe para si, a burguesia operando estrategicamente como agente social conservador e o peso específico

das classes e camadas intermediárias. Pontuar estes fenômenos, no modo em que se apresentam no fim do século

XIX e nos primeiros anos do presente século é um passo fundamental para apanhar a peculiaridade dos

protagonistas histórico-sociais e seus projetos político-sociais na afirmação do capitalismo monopolista”

(NETTO, 1992, p. 50-51).

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capitalistas monopolistas industriais com os bancos constituindo o capital financeiro. Período

denominado de Imperialista.

O objetivo central dos grandes monopólios foi o controle dos mercados. Para isto se

associaram a outras empresas de outros países em um acordo temporário. Esse acordo

realizou uma espécie de partilha econômica e territorial do mundo. De acordo com Netto e

Braz (2011), essa partilha tomou a forma de uma recolonização, pois não existiam territórios

“livres” para se conquistar, sendo necessário um confronto entre os Estados imperialistas. “É

assim que explode a primeira guerra mundial, expressão dos conflitos imperialistas”

(NETTO; BRAZ, 2011, p. 193).

Nesse período, o Estado irá operar para a acumulação e a valorização do capital, tendo

uma utilidade política essencial para a burguesia. Netto (1992) salienta que o Estado é o

“comitê executivo” da burguesia, para exercer suas funções de “comitê executivo” ele precisa

desenvolver suas funções mediante a institucionalização de direitos e garantias cívicas e

sociais, buscando legitimação política através da democracia. É sob essas condições que a

ação estatal irá intervir na Questão Social. Netto (1992) argumenta que essa intervenção se

deu através da Política Social, efetuando-se de uma forma fragmentada e superficial:

Enquanto intervenção do Estado burguês no capitalismo monopolista, a política

social deve constituir-se necessariamente em políticas sociais: as sequelas da

‘questão social’ são recortadas como problemáticas particulares (o desemprego, a

fome, a carência habitacional, o acidente de trabalho, a falta de escolas, a

incapacidade física etc.) e assim enfrentadas (Idem, 1992, p. 28).

A questão social acabou sendo tratada como algo natural, sendo amenizada

momentaneamente. O Estado transferiu sua responsabilidade social para os indivíduos,

culpabilizando-os por suas próprias mazelas, transformando os problemas sociais em

problemas pessoais.

Desprende-se o foco da questão social da esfera política para o campo da

individualidade, fazendo com que os problemas sociais transitassem pelo campo

comportamental. Desse modo, a responsabilidade do governo é transferida para a sociedade.

Netto (1992) argumenta que há uma psicologização dos problemas sociais, integrando às suas

estruturas o modelo conservador, o ajustamento e a integração da personalidade do sujeito ao

modelo de vida da sociedade burguesa.

Nesse estágio capitalista, o Estado combina contradições próprias do capitalismo

concorrencial, com novas contradições e antagonismos do monopolista. O Estado precisou dar

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respostas à população menos favorecida, e para tal tarefa necessitou de profissionais

capacitados. Foi a partir dessa necessidade que surgiram os agentes sociais32.

Não foram os campos econômico e político, somente, que sofreram mudanças

importantes, como também a ciência que evoluiu de uma maneira gigantesca estimulada pela

indústria. Com o desenvolvimento científico em ascensão, estudos acerca de certas

substâncias psicotrópicas contribuíram para que as drogas se tornassem mais valiosas e, com

o passar do tempo, mais consumidas; estas também passaram a ser vistas de outra forma,

agregando-se ao mercado econômico. Sabemos que, como qualquer outra mercadoria, as

drogas possuem seus valores de uso e de troca, ao mesmo tempo em que todas elas trazem

consequências, tais como: satisfação das necessidades humanas, material ou espiritual;

sensação de prazer, dependência química, desgaste físico, crise financeira e inúmeros tipos de

doenças, como também o controle de outras, etc.

Durante esse período, o desenvolvimento no campo das ciências naturais demandadas

pela indústria foi muito significativo. Campos como o da biologia, da física e da química

tiveram enormes progressos. Nomes como Bessemer e os irmãos Siemens ganham

notoriedade com os avanços na área da química, dando início à indústria de fármacos

(NETTO, BRAZ, 2011). Houve um desenvolvimento da indústria química e farmacêutica,

trazendo uma colaboração para o monopólio e domínio de certas drogas como mercadorias.

Surgem assim, no século XIX, as grandes indústrias farmacêuticas “como a Bayer, a Hoechst,

a BASF, a Roche, a CIBA e a Sandoz” (LIMA apud AWAKE, s.d, p. 18), com o

desenvolvimento da química possibilitando o isolamento e a extração das substâncias

psicoativas das plantas naturais, chamando-as de alcaloides.

Sabe-se que as plantas naturais já eram conhecidas por seus efeitos alucinantes, poder

de cura, entre outros. E, a partir de estudos, passaram a ser mais valorizadas e mais

consumidas. Foram extraídas muitas substâncias psicoativas, dentre elas destacamos os

derivados da papoula do oriente: morfina33 e a heroína34.

32 Os profissionais de serviço social surgem exatamente nesse contexto para mediar os conflitos gerados pelo

capitalismo monopolista. Respondendo “tanto a demandas do capital como do trabalho e só pode fortalecer um

ou outro polo pela mediação de seu oposto” (IAMAMOTO, 2003, p. 75). 33 “Por volta de meados do século XIX, com a invenção da seringa, iniciou-se o uso injetável da morfina, que em

função do seu poder anestésico em muito contribuiu para com a medicina” (QUEIROZ, 2008, p. 33). 34 “O nome heroína foi o nome comercial com que foi registada pela farmacêutica alemã Bayer, da palavra alemã

‘heroisch’ heroico, uma referência à sua estimulação e analgesia. Foi usada enquanto fármaco de 1898 até 1910,

ironicamente, uma vez que é muito mais aditiva, como substituto não causador de dependência para a morfina e

antitússico para crianças, mas o fato é que a heroína é três vezes mais potente que a morfina [...]” (ibid., 2008, p.

21).

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Desse modo a “evolução na ciência, permitiu desmistificar a natureza e [atribuir] ‘[...]

ao médico uma aura mágica, principalmente com o uso dos analgésicos e dos anestésicos e

em especial com o uso da morfina’” (ADIALA apud AWAKE, s.d., p. 17-18). O comércio

farmacêutico ampliou-se grandemente a partir do século XIX devido à nova ordem

biomédica, principalmente nos países mais desenvolvidos. Ainda nesse período iniciou-se

uma discussão acerca da nocividade dessas substâncias.

Com o advento da ciência, a expansão do uso de drogas para tratamentos médicos

expandiu-se de uma forma gigantesca. Os cientistas passaram a estudar as substâncias de

determinadas plantas, como é o caso da folha de coca, que foi usada para o tratamento da

ansiedade e depressão. Em 1857, o químico alemão Albert Nieman extraiu uma substância da

folha da coca, a cocaína, que a princípio não teve muita aceitação no que diz respeito ao

aumento da demanda. Foi apenas em 1882 que “conseguiu comprovar as propriedades

anestésicas da substância, crescendo dessa forma, a demanda pela droga, que não se

popularizou rapidamente devido aos preços altos” (NEVINNÝ apud AWAKE, s.d., p. 19).

Assim a cocaína35 passou a ser usada em grandes proporções.

Dentre as inúmeras drogas, a cocaína se destacou de maneira ímpar, até mesmo Freud

elogiou seus efeitos benéficos. O “grande sucesso da cocaína no século XIX deve-se ao

trabalho de um comerciante corso muito esperto chamado Ângelo Mariani36” (ARBEX, 1993,

p. 19). Essa droga se expandiu de forma globalizada, formando pela primeira vez um cartel na

Suíça, depois se expandido pelo mundo. As indústrias farmacêuticas europeias pretendiam,

através do cartel, manipular o mercado da cocaína com o propósito da legalização das vendas.

“A substância também esteve presente na fórmula da bebida Coca-Cola, que era uma forte

concorrente dos Estados Unidos com relação às grandes indústrias alemãs” (GOOTENBERG

apud AWAKE, s.d., p. 19).

A população atribuiu novos valores à questão do consumo de droga, conforme o

período em que se encontravam. A heroína surgiu e foi comercializada como um remédio

contra a tosse. E então vem a questão: as drogas são benéficas ou prejudiciais? Sabemos

que muitas das substâncias das quais conhecemos como drogas também são usadas como

35 “O famoso psiquiatra Sigmund Freud a utilizava e a receitava para seus pacientes, inclusive para a sua esposa

que acabou adquirindo dependência da droga. No final do século 19, anúncios de jornais ingleses mostravam

crianças felizes e falavam do quanto as pastilhas eram boas. Nos Estados Unidos da América, 257 médicos e 40

dentistas foram processados por suprirem clientes com a droga” (QUEIROZ, 2008, p. 17-18). 36 “Mariani desenvolveu, em 1863, um ‘licor’ a base de cocaína, além de produzir doces, balas e chá, todos á

base de coca. Seu vinho era consumido pelas mais expressivas personalidades do século, de escritores como

Júlio Verne a Alexandre Dumas aos papas Pio XII e Leão XIII” (ARBEX, 1993, p. 19).

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remédios. Como podemos distinguir quando é benéfica ou prejudicial? As autoras Nunes e

Jólluskin respondem que:

Uma droga não podia ser catalogada como benigna ou danosa. O que realmente

podia afirmar-se era que o efeito de uma droga dependia da dose administrada, da

pureza da substância, das condições e das razões da sua utilização, bem como das

normas culturais que regiam o seu uso (2007, p. 233).

Os efeitos negativos das drogas podem ser notados a partir de seu uso indevido, ou de

sua massificação desde o período capitalista/científico, quando pesquisadores buscaram

compreender os efeitos de certas substâncias que pudessem contribuir para o tratamento de

vários problemas de saúde. O atributo médico destas substâncias ficou muito popular entre as

pessoas, tornando-se até mesmo um vício (que se não administrado com cautela poderia

causar danos à saúde dos usuários).

Conforme vimos anteriormente, nos últimos anos do século XIX e começo do XX

houve uma junção entre os capitalistas industriais e os banqueiros cujo objetivo foi o controle

de mercado. Suas empresas multinacionais realizaram uma espécie de partilha territorial e

econômica no mundo. Fator que influenciou a Primeira Guerra Mundial, sendo uma expressão

dos conflitos interimperialistas. Netto e Braz (2011) argumentam que a história do capitalismo

sempre foi marcada por guerras, sendo o objetivo dos Estados promoverem conflitos, sob um

clima militarista. Nessa conjuntura, a indústria bélica serviu como um elemento central na

economia, pois se tem um alto lucro com a venda de armas, o que também ajuda o capital a

sair de suas crises (pois nesse estágio há uma tendência a superacumulação). Tratando-se das

guerras mundiais, elas também impulsionaram o consumo de drogas. Incrementaram “o uso

de anfetaminas para aumentar o rendimento dos soldados e da morfina para aliviar a dor dos

feridos” (SILVA, s.d., p. 2). Essas drogas eram usadas para motivar os soldados na batalha.

Durante a Segunda Guerra Mundial, os soldados de Hitler usavam uma droga chamada

perventin “para continuarem ‘estimulados’ no Front” (JANSEN, 2007, p. 7). Supostamente

outras guerras seguiram essa mesma característica do uso de drogas generalizado, como a do

Vietnã (1964-1975).

Durante as décadas de 50 e 60, os jovens americanos se revoltaram contra o modelo

econômico rígido de produção o Fordismo-Taylorismo37 que exigia dos trabalhadores mais

37 O Fordismo iniciou-se a partir de 1913, “quando Henry Ford, à frente de uma empresa que leva seu nome,

formada dez anos antes, cria aquilo que se denominou fordismo. É uma nova organização na produção e no

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rapidez na produção em menos tempo de trabalho. Claro que assim destacavam-se os mais

ágeis, o que proporcionou uma realidade dura e injusta. Os cidadãos americanos,

principalmente a juventude da época, queriam a igualdade de oportunidades, prosperidade e

liberdade para todos. Começaram a ameaçar a ordem social, organizando-se em movimentos

de contestação que repercutiram em todo o mundo:

O movimento hippie nos EUA questionava os valores da economia capitalista,

buscando alternativas para viver onde a busca do prazer, da liberdade sexual (pílula

anticoncepcional), do afeto e da religiosidade passam a ser fundamentais.

Formaram-se comunidades de vida alternativas, na qual a cooperação é a tônica

entre seus membros. Sexo, drogas e rock’n roll são expressões da ‘juventude

transviada’, que ameaçavam o sistema vigente. O uso acentuado principalmente de

duas substâncias alucinógenas. Maconha e LSD levam os EUA em 1961 a proporem

uma resolução na ONU que é seguida até os dias atuais, em que o consumo de

drogas ilícitas seja criminalizado (SILVA, s.d., p. 2, grifos nosso).

Há uma luta de classes explícita, o capitalismo gera fortes contradições sociais, que

acabam atingindo a classe trabalhadora negativamente. A juventude tem um poder de reação

impressionante. Com este posicionamento e juntamente com a expansão do consumo de

drogas, principalmente da maconha, os Estados Unidos passam a proibir o consumo.

Tratando-se da economia, nesse período o capitalismo desfruta de seu auge glorioso,

os famosos “anos dourados”, proporcionando um crescimento nas taxas de lucros e dá

esperança para a sociedade. “Prometia-se aos trabalhadores a ‘sociedade afluente’ [...], nos

países periféricos, projetos industrializantes pareciam como via para superar o

subdesenvolvimento” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 222). Todo esforço para reproduzir a ideia

de um Estado do bem-estar social falhou com a crise de superprodução do capital. É

importante salientar que o Estado de bem-estar social somente se efetivou em alguns países

como, por exemplo, nos Estados Unidos com o Welfare State. Contudo, veio uma crise

estrutural na década de 70 (século XX) que desmoronou todo esse arsenal, levando ao fim os

anos dourados.

Essa queda do padrão de bem-estar social fez com que o capitalismo monopolista

encontrasse respostas para a sociedade e para seu próprio sistema econômico, desencadeando

importantes mudanças: econômicas, sociais, políticas e culturais. O Estado reestrutura-se,

abrindo espaço para o projeto neoliberal, “o objetivo real do capital monopolista não é a

‘diminuição’ do Estado, mas a diminuição das funções estatais coesivas, precisamente aquelas

que respondem a satisfação dos direitos sociais” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 237, grifos dos

trabalho, destinada a fabricar seu veículo, o modelo T, por um preço relativamente baixo, de forma que fosse

comprado em massa” (GOUNET, 1992, p. 18).

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autores). Essa ideologia neoliberal quer um Estado mínimo para o trabalho e máximo para o

capital, combatendo à garantia dos direitos sociais, defendendo como meta a estabilidade

monetária. As políticas sociais foram essenciais para esse novo modelo econômico, fazendo

parte de um movimento de ajuste global, que se desenvolveu num contexto de globalização38

financeira e produtiva. O Banco Mundial teve grande influência nesse contexto, tendo como

uma de suas funções a reestruturação dos países pobres, mediante as políticas de ajuste

estrutural: “essas políticas de ajuste estrutural têm um impacto negativo na distribuição de

renda e riqueza; no emprego e nos salários e na provisão de benefícios e serviços públicos”

(CARDOZO, 2005, p. 3).

Com esses ajustes, o Estado começou a reduzir e privatizar os sistemas de seguridade

social, entregando para as empresas privadas os serviços públicos, ocasionando o corte de

verbas para os gastos sociais e redução de funcionários públicos. O financiamento restrito

repercutiu sobre a folha de salários e impostos indiretos, o que causou um esvaziamento

orçamentário dos setores sociais. Esses gastos afetaram principalmente a população mais

vulnerável. Houve também uma redução dos salários dos servidores, o que acarretou

descontentamento desses servidores, afetando a qualidade dos serviços públicos tais como a

educação, saúde e assistência. Para que esse Estado pudesse ser legitimado, usou-se a

estratégia da focalização ao assistencialismo, onde se ressaltou a solidariedade, ao invés de se

desenvolver políticas públicas eficientes contra os problemas da sociedade (SOARES, 2002).

Com essas mudanças econômicas e sociais, o capitalismo tardio regido pela

flexibilização (modelo econômico Toyotismo39), modificou o mundo do trabalho. Com a

reestruturação produtiva, a demanda por força de trabalho vivo diminui, alterando os

processos de trabalho. Houve algumas implicações no mundo laboral tais como: a expansão

dos trabalhadores coletivos e maior exigência quanto à boa qualificação dos trabalhadores, ou

seja, uma mão-de-obra qualificada e polivalente. Também intensificou a exploração do

trabalho. Esse modelo de produção promoveu o desemprego, a informalidade e a desproteção

trabalhista. Essas mudanças implicaram nas relações laborais e promoveram novas

modalidades de contratação. A seletividade foi usada como critério, abordando o sexo, idade,

38 Ela tem sido uma ferramenta positiva na expansão do narcotráfico mundial com a informatização rápida como

os computadores, telefones, redes sociais e tecnologias ampliadas proporcionando uma capacidade especial de

manipulação de certas drogas, que antes não poderiam ser produzidas sem máquinas equipadas para tal fim. 39 Este novo modelo de produção intensificou a exploração dos trabalhadores, muito mais do que o antigo

modelo fordista, temos: a intensificação do trabalho atinge o auge (cada homem opera em média cinco

máquinas); a flexibilização da produção exige flexibilização do trabalho e dos trabalhadores, ou seja, se o

mercado melhora aumenta-se a produção através de horas extras por parte dos trabalhadores ou a empresa

contrata trabalhadores temporários; o trabalhador precisa ser polivalente para trabalhar em equipe, porém o

salário não acompanha a aumento da qualificação (GOUNET, 1999).

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cor, escolaridade , etc. O mercado de trabalho se tornou fragmentado e deficiente, exigindo

dos trabalhadores especializações para o exercício de suas funções.

Toda essa conjuntura abriu uma enorme porta para o trabalho ilegal como o tráfico de

drogas. Por um lado, possibilitou para os trabalhadores um ingresso no “mundo do trabalho”,

por outro, ajudou o capital a sair de suas crises. Essas atividades ilegais, como o tráfico de

drogas, têm suas raízes bem mais profundas dentro do sistema capitalista:

O tráfico de drogas foi sempre um negócio capitalista, por ser organizado como uma

empresa, estimulada pelo lucro [...]. Os setores mais afetados são precisamente os

mais golpeados pela falta de perspectivas: a juventude condenada ao desemprego

crônico e à falta de esperanças e, no outro exemplo, os filhos das classes abastadas

que sentem a decomposição social e moral (COGGIOLA, 2006, p. 1).

Atividades que geram muito lucro para os comerciantes, mas para os que consomem

se torna uma arma perigosa, como a juventude que é afetada constantemente pelo vício das

drogas.

Um exemplo típico disso é o papel que o crack teve na década de 60 nos Estados

Unidos. Essa droga serviu como instrumento de desarticulação política entre os membros de

um partido chamado Panteras Negras40, o qual tinha o objetivo de lutar a favor da classe

operária e da juventude negra. Esse posicionamento incomodou entidades como a Central

Intelligence Agency- CIA (Agência Central de Informação) e o Federal Bureau of

Investigation - FBI (Departamento Federal de Investigação) que em conjunto com

narcotraficantes da América despejaram uma grande quantidade de crack (entre outras

drogas) nos bairros negros, com o intuito de destruir a juventude militante (Jansen, 2007). Um

ex-militante desse partido expõe qual foi realmente o papel do crack para as comunidades

negras:

Um espectro assombra as comunidades negras da América. Como vampiro, suga a

alma das vidas negras, não deixando nada senão esqueletos que se movem

fisicamente, mas que estão afetiva e espiritualmente mortos. Não é o efeito de um

ataque do Conde Drácula nem uma praga lançada por algum feiticeiro sinistro. É o

40 “grupo revolucionário marxista da década de 60 nos Estados Unidos, Fundado por Huey Newton e Bobby

Seale, [...]. Trata-se da única organização negra em toda a história da luta negra contra a escravidão e opressão

nos EUA que era armada e que promovia uma agenda revolucionária, e o partido representa o último grande

movimento de massa do povo negro na luta por igualdade, justiça e liberdade”. Disponível em:

http://www.dopropriobolso.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=1328:historia-dos-

panteras-negras&catid=42:politica-geral-e-analises Acesso: 02 de março de 2013.

Ver também o filme Panteras Negras de Peebles, Mario Van. EUA, 1995.

Ver também entrevista com Múmia ABU-JAMAL Disponível em: http://zequinhabarreto.org.br/blog/?p=6350

Acesso: 03 de março de 2013.

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resultado direto da rapinagem planetária, das manipulações do governo e da eterna

aspiração dos pobres a fugir, aliviar-se, ainda que brevemente, dos paralisantes

grilhões da miséria extrema. (ABU-JAMAL apud JANSEN 2007, p. 10).

O crack, como as demais drogas, destrói a condição física e psicológica de seus

usuários, tornando-os dependentes e, na maioria, neuróticos, não lhes permitindo ter um

raciocínio lógico. Essa incapacidade de raciocinar facilita a manipulação estatal no que se

refere a não consciência de cidadania. Pessoas viciadas vivem para sustentar seu vício,

deixando de lado os outros aspectos importantes de sua existência.

Seguem-se os anos 80, sendo marcado pelas drogas psicoativas, a exemplo das

sintéticas produzidas em laboratórios, que assumem enormes proporções. Os cartéis

internacionais de drogas são estabelecidos. A Colômbia foi considerada o centro desse

monopólio com o Cartel de Cali (sob Pablo Escobar); “com organização e ramificação pelo

mundo. O tráfico de drogas passa a ser a segunda maior economia do mundo (só perde para a

informática – produção de softwares e computadores)” (SILVA, s.d., p. 2).

Chegamos à década de 90 do século XX, marcada pelo uso de cocaína. O

neoliberalismo firmou-se com suas políticas assistencialistas, que reduziram a qualidade dos

serviços públicos, e trouxeram como consequência o desemprego, a violência e a dependência

de drogas psicoativas que aumentaram assustadoramente (SILVA, s.d).

Há uma forte ligação entre o desenvolvimento capitalista e o uso de drogas, tendo na

política de proibição seu alicerce para a obtenção de lucros. Seu caráter mercantil acarreta

muitas questões na atualidade, despertando a sociedade de uma maneira particular, na medida

em que abre um leque de polêmicas entre os legalizadores e os conservadores quanto à sua

comercialização legal.

1.4 Finalidades da política proibicionista sobre drogas

Vimos que drogas e capitalismo andam unidos. Essa relação é efetivamente

alimentada já que permite ao capital uma margem considerável de lucros. Tratando-se da

acumulação do capital, esse segmento faz-se altamente necessário para a manutenção da

ordem capitalista. Porém, contraditoriamente, ações e discursos do Estado, assim como da

sociedade civil, defendem o proibicionismo do consumo de drogas.

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Fatores, como a passagem para a sociedade urbano-industrial e o crescimento

científico da medicina, contribuíram para que o Estado se firmasse como instituição de

combate às drogas. O aumento do consumo de drogas, assim como o uso de remédios como

drogas, tornou-se uma questão de saúde pública. Passou a fazer parte da agenda dos Estados.

Entram em cena as políticas públicas de saúde41 em contraposição a essa situação.

Por quase todo século XX, as políticas públicas de drogas tentaram lidar com a

questão dividindo-a em dois flancos: os problemas de saúde relacionados ao

consumo individual mereceram ações sanitaristas e assistenciais, voltadas para a

prevenção e o tratamento dos usuários. Já os danos sociais suscitaram a criação de

instituições repressoras, tendo o direito penal como seu principal instrumento

(PASSETTI; MILITELLO apud RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 25).

Por se tornar um problema de saúde pública foi preciso criar políticas públicas que

atendessem ao dependente químico. Por outro lado, foi necessária a criação de leis que

pudessem regular essa mercadoria. É nessa lógica que o proibicionismo aparece como a

melhor forma de controlar o uso de drogas. O que também se entendia que poderia ser a

solução para os problemas clínicos, sociais e psicológicos advindos do consumo de drogas. É

no século XX que o consumo alcança seu apogeu mercantil, e a proibição também tem seu

ápice.

Howard Becker, citado por Awake (s.d), argumenta que o proibicionismo

estadunidense teve como razões principais a religião protestante, o utilitarismo e o

humanitarismo. Como também a “xenofobia e o controle social no interior do país

contribuíram para que a população dos Estados Unidos vinculasse determinadas drogas a

grupos étnicos específicos” (AWAKE, s.d, p. 22). Relacionaram o uso do álcool aos

irlandeses, a maconha aos mexicanos, a cocaína aos negros e o ópio aos chineses. Essa

comparação acabou contribuindo para a negatividade das drogas, relacionando o uso de

drogas a outros países e não aos EUA. Criou-se dessa forma uma falsa ideia de separação

entre os países que produzem e os que consomem. Queiroz argumenta que

41 “Com o intuito de solucionar os prejuízos causados pela massificação do consumo de substâncias psicoativas.

Dois fatores contribuíram para o seu surgimento. Em primeiro havia uma crescente conscientização por parte das

nações industrializadas acerca da importância do saneamento, da vacinação e da universalização do atendimento

médico como mecanismos efetivos para a prevenção de doenças e melhoria do estado de saúde da população.

Nascia, assim, o conceito de Saúde Pública (século XIX), tendo, já nas políticas públicas os instrumentos mais

adequados para efetivá-la. Em segundo, observações clínicas passaram a relacionar cada vez mais as drogas ao

surgimento de doenças e hábitos alterados de consumo (abusos)” (GORDON; MILLON apud RIBEIRO;

RIBEIRO, 2008, p. 2).

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Os estereótipos morais e médicos apresentavam um alvo muito bem escolhido e

seleto, que associava o consumo de substâncias perigosas às classes tidas como

perigosas pela elite branca. Colocando desta maneira, sob suspeita toda uma fatia da

população que, por seus hábitos e sua pobreza, já tem por costume ser vigiada e

controlada pelos aparatos repressivos do Estado (QUEIROZ, 2008, p. 38).

Criou-se um estereótipo negativo em torno dos pobres e estrangeiros. Sendo usado

para controlá-los e reprimi-los. A questão moral e médica foram colocadas como foco para

controlar o uso das substâncias psicoativas. Mas conforme Queiroz, esse argumento nada

mais foi que uma desculpa para o controle político, militar e social de determinadas minorias.

Foi nos Estados Unidos que se deu a primeira proibição ao álcool, mais precisamente

no Estado de Ohio a partir de uma aliança entre as igrejas católicas e protestantes. Em 1869,

foi fundado o partido proibicionista, onde mais tarde formaram-se sociedades e ligas contra o

uso do álcool. Até mesmo as Universidades passaram a estudar os problemas e soluções para

esta problemática. Instituições religiosas fizeram uma aliança pedindo “o fim do comércio de

álcool, por julgá-lo a causa da degradação moral e física [...]” (MUSTO apud RIBEIRO;

RIBEIRO, 2008, p. 5). Influenciaram os cidadãos a criarem instituições religiosas de cunho

moral e a fazerem mobilizações por uma América livre das drogas, tais como a Sociedade

Nova-Iorquina para a supressão do vício (1868), a liga das senhoras cristãs pela sobriedade

(1873) e a Anti-Saloon (1893). Propagou-se assim uma mentalidade negativa quanto ao uso de

drogas na sociedade estadunidense. O Estado Americano passou a criar leis para o controle do

uso de drogas:

As primeiras medidas de controle tinham motivação moral e médica. A partir do

século XX, as nações, dentro do espírito sanitarista e do estado assistencial,

passaram a legislar sobre o tema. Em 1906, os Estados Unidos aprovaram a Pure

Food and Drug Act que exigia o detalhamento da composição dos medicamentos.

Nesse mesmo ano, o hábito de fumar ópio foi proibido no país, ficando o uso restrito

ao tratamento das doenças (ESCOHOTADO apud RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 5-

6, grifos do autor).

Os EUA se basearam nos danos físicos e morais para criar leis que pudessem coibir o

uso de determinadas drogas como o álcool e o ópio. Sua motivação em proibir também foi

devido às pressões de instituições de cunho moral.

Vale salientar que a política de repressão teve sua origem nos Estados Unidos, dando-

se pelo fato dos chineses estarem se expandindo com o comércio do ópio, enquanto os EUA e

o império britânico – aliados – se enfraqueciam cada vez mais. Houve fortes pressões acerca

desse incômodo.

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No fim do século XIX, o hábito de fumar o ópio expandiu-se pelos EUA, devido a

grande quantidade de imigrantes chineses que introduziram a referida droga. Devido às

pressões dos movimentos moralistas durante o governo do então presidente Franklin

Roosevelt, essa droga foi proibida, permitindo apenas o uso como remédio. Encontros para

discussão de repressão ao ópio foram feitos, como os de Xangai em 1906 e 1911. No encontro

realizado em 1909, apenas foi abordada a questão do ópio fumado, ficando de fora restrições

proibitivas dos derivados dele, tais como a morfina, heroína e codeína. “Demonstrando, desde

então, o caráter sócio-econômico da política de proibição do uso e comércio de algumas

drogas” (QUEIROZ, 2008, p. 34).

Em 1912 e 1914, houve conferências em Haia, mas sem êxito, no que diz respeito à

redução do comércio internacional de drogas. Queiroz (2008) argumenta que os EUA, nesse

período, lideravam uma das principais economias capitalistas e industriais, e que essa

conferência foi usada para frear o desenvolvimento inglês quanto à comercialização do ópio.

De acordo com o criminólogo Sheerer citado por Queiroz (2008), os EUA limitaram esse

acordo ao governo chinês “interrompendo as exportações anglo-indianas de ópio para a China

e seus vizinhos. ‘Não era intenção dos americanos ir além do ópio e, se possível, seus

derivados’, afirma Sheerer” (Idem, 2008, p. 35). Podemos perceber com essa atitude que os

EUA quiseram apenas parar o comércio internacional do ópio, usando a desculpa de que

estavam preocupados com a moral e os bons costumes dos cidadãos.

Essa postura incomodou a Inglaterra que condicionou a sua participação na convenção

de Haia se fosse inclusa, na pauta do evento, a proibição de outras drogas, como os derivados

do ópio e a cocaína, “fazendo com que o ônus econômico da proibição das drogas recaísse

também sobre outras potências concorrentes no mercado mundial, como por exemplo, a

Alemanha, Holanda e França, que comercializavam a cocaína através da emergente indústria

farmacêutica” (Idem, 2008, p. 35). Na visão estadunidense essa convenção foi um sucesso,

dando início, assim, ao Controle Internacional de Drogas. “Foi também neste mesmo

período que as palavras narcótico e entorpecente passaram a designar todo o tipo de

substâncias psicoativas” (Idem, 2008, p. 35 grifos do autor).

Esse acordo não foi cumprido pelos países. Cada um quis cumprir de acordo com sua

interpretação. Nos EUA, a proibição se firmou com mais precisão. Em 1914, foi criada a Lei

do Harrison Narcotics Act, essa lei norte americana visou o controle sobre a produção de

drogas como o ópio, a morfina e a cocaína. Para obter um controle mais efetivo, criou o

Narcotics Control Department, responsável pela fiscalização dessas drogas. Essa ideologia

proibicionista afetou também o consumo do álcool, que ficou proibido por doze anos por

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conta da Lei Seca. Avelino (2010) afirma que essa atitude reforçou o consumo de drogas

como a cocaína e a morfina, pois com a revogação da Lei Seca passaram a explorar mais

outras substâncias.

Debates sobre o consumo de drogas como o ópio voltaram depois da Primeira Guerra

Mundial, devido à formação da Liga das Nações. Em 1920, o uso do álcool foi abolido de vez

dos Estados Unidos. Já o comércio do ópio teve grande crescimento nos EUA antes e após a

Primeira Guerra Mundial.

Com o controle médico sobre algumas drogas, o comércio ilegal foi tomando espaço,

“aos poucos, o comércio ilegal de drogas se tornou uma fonte de exploração econômica por

parte de sociedades secretas seculares de diversos países” (ARBEX apud RIBEIRO;

RIBEIRO, 2008, p. 08). Na década de 30, a repressão ao consumo e ao comércio ilegal

começou a se estruturar. Assim foi que, “após o fim da proibição do álcool (1932), o governo

estadunidense criou o Federal Bureau on Narcotics (FBN), comandado durante trinta anos

por Harry Aslinger. O Bureau tinha a função de reprimir o comércio e o consumo de

psicotrópicos.” (RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 7, grifos do autor). Harry Aslinger teve

grande influência internacional quanto à criminalização do consumo de drogas, “atuando

internacionalmente [...] criou uma rede de espiões e passou a frequentar a Liga das Nações,

antecessora da ONU, propondo tratados cada vez mais duros para reprimir o tráfico

internacional” (QUEIROZ, 2008, p. 41). Ele por sinal foi o primeiro defensor da proibição da

maconha nos EUA, pois até a década de 30, a maconha não era tida como uma droga.

Segundo Queiroz “a grande depressão estadunidense parece ter sido o impulso econômico

para a criminalização da maconha” (2008, p. 40). Que por ser bastante consumida,

principalmente pelos mexicanos, passou a ser mão-de-competitiva, em consequência da queda

da bolsa de valores.

Essa nova estratégia do Estado proibicionista influenciou o comércio ilegal, ajudando

a expandir as atividades mafiosas, inclusive nos Estados Unidos. Essa lógica proibicionista

nada mais foi que uma estratégia dos capitalistas para aumentar seus lucros, pois muito

dinheiro é lavado dentro da ilegalidade, como o tráfico de drogas, que acumula milhões de

dólares por ano.

Após a Segunda Guerra Mundial, a Liga das Nações foi substituída pela Organização

das Nações Unidas (ONU) que teve um papel importante na defesa do combate ao uso de

drogas, criando em 1946 a Comissão de Narcóticos (CND), “responsável pela formulação de

políticas de drogas que contribuíram para o fortalecimento do sistema de controle

internacional dessas substâncias” (FAZEY apud RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 13). A partir

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de então, seguem-se algumas convenções debatendo o tema, chamadas de Convenções-Irmãs

da ONU42. A Convenção Única de Nova York sobre Entorpecentes de 1961 “representou o

mais completo documento internacional de pretensões proibicionistas” (AVELINO, 2010, p.

8). Ela definiu a toxicomania como um grave mau para os indivíduos, constituindo-se como

um perigo social e econômico para a humanidade. Ao entrar em vigor, essa convenção anulou

todas as outras antes referidas. Anos mais tarde, ocorreram outras duas convenções:

Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas (1971) e Convenção das Nações Unidas contra o

Tráfico Ilícito de Entorpecentes e Substâncias Psicotrópicas (Viena – 1988), essas abordaram

novos temas, tais como repressão às novas drogas e ao tráfico de drogas. De acordo com a

medicina, as drogas são classificadas em: estimulantes43, depressoras44, perturbadoras

mentais45 e as inalantes46 (ARBEX, 1993).

Em 1968, o então presidente Richard Nixon “chegou à Casa Branca [...] e inaugurou

uma política que ficou conhecida como Guerra às Drogas (War on Drugs). Na opinião de

Nixon, o consumo de maconha e LSD estava na base do comportamento rebelde e

descontrolado da juventude” (GRAY apud RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 16, grifos do

autor). O modelo médico-jurídico se firmou nesse período, colocando o traficante como um

perigo iminente e o usuário como um indivíduo que necessitava de tratamento. A partir de

então, a guerra às drogas passou a ser vista como uma questão de segurança pública. Países da

América Latina passaram a incorporar esse modelo como forma de enfrentamento ao uso de

drogas.

42 “As Convenções-Irmãs da ONU estabeleceram o sistema internacional de controle das drogas, reafirmando o

proibicionismo como a política a ser seguida por todas as nações. A primeira recuperou e detalhou as

determinações oriundas da Liga das Nações (anos 20). A segunda reafirmou o propósito proibicionista frente aos

movimentos contraculturais dos anos sessenta. A terceira, confirmou e fortaleceu a estratégia repressiva como

instrumento de combate ao crescimento do crime organizado” (TAS apud RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 14). 43 Ou Psicotrópicas. Estas “Agem sobre o sistema nervoso central: cocaína, crack, anfetaminas, moderadores de

apetite, nicotina e cafeína. Estimulam os músculos, aceleram o ritmo cardíaco, aumentam a pressão sanguínea e

diminuem o apetite. A pessoa que as toma se sente confiante, ousada, excitada. Causam ansiedade, paranoia e

confusão mental” (ARBEX, 1993, p. 22 grifo do autor). 44 Ou Psicolépticas. Diminuem a atividade cerebral e podem dificultar o processamento das mensagens que são

enviadas ao cérebro, “classificam-se em: opiceneos (ópio, heroína, percodan, metadona etc.); Álcool (cerveja,

vinho, licores); e hipno-sedativos (barbitíricos, Valium, Librium, etc.). Reduzem o ritmo cardíaco e a respiração,

diminuem a coordenação e a força muscular, embotam os sentidos. Causam impotência sexual. Pequenas doses

podem agir como estimulantes, por reduzirem as inibições; mas quanto mais se ingere, mais depressão se segue”.

(ibid., 1993, p. 22). 45 Ou alucinógenos. “LSD, peiote, mescalina, maconha. Distorcem a percepção, induzindo delírios ou alucinações.

A maior parte das plantas do grupo causa naúseas” (ibid., 1993, p. 22). Outros exemplos: cogumelos, Metileno-

dioxi-metanfetamina (MDMA ou ECTASY). 46 “Solventes orgânicos (cola, gasolina, tintas, metálicas), nitritos voláteis (de amilo ou butilo) e óxido nitroso

(gás hilariante). Deprimem o sistema nervoso central. Causam tontura, fala pastosa, marcha vacilante e

embriaguez. Tem efeitos altamente tóxicos nos tecidos, dos pulmões, cérebro, fígado e rins. Provocam excitação

e impulsividade e, eventualmente, delírios incongruentes e estupor” (ibid., 1993, p. 22).

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50

Em 1972, declara-se “guerra às drogas” em todo o mundo, “sendo criado em 1974, o

Drug Enforcement Administration, o famoso (DEA). Esse órgão, ligado ao Departamento de

Justiça, funcionaria como órgão centralizador de toda a política de proibição” (QUEIROZ,

2008, p. 48, grifos do autor). A ideia de repressão ao tráfico e ao consumo de substâncias

psicotrópicas se alastrou de uma forma muito rápida nos anos seguintes.

Essa ideologia proibicionista partiu dos Estados Unidos, tornando-o líder dessa corrida

armada contra supostos traficantes de drogas. Usou a concepção de combate ao narcotráfico

para instalar bases militares na América Latina, ocupando na década de 80, as regiões em que

mais se produziam drogas, a exemplo da Colômbia, justificando o combate às Forças

Armadas Colombianas (FARC)47 e do Peru, o Sendero Luminoso48, expondo-as como

guerrilhas perigosas que precisavam ser extintas. De acordo com Teixeira (2012), os EUA

usaram como justificativa o perigo que as drogas traziam para as relações domésticas, e viram

sua atitude como autodefesa, criando pontos estratégicos de combate à produção de

psicoativos. Usaram o raciocínio de separação entre os países produtores e os consumidores,

alegando que quem produz não consome, e quem consome não produz; usaram essa lógica

para manipular politicamente as nações.

Houve um jogo de poder entre os países e os EUA. Queriam a liderança desse

comércio a todo custo, pois “a prioridade da casa Branca [...], não é o combate ao narcotráfico

[...] é principalmente, um instrumento de política e propaganda [...] utilizado em nome de

interesses territoriais concretos dos Estados Unidos” (ARBEX, 1993, p. 78). Outro ponto

importante dessa guerra foi o fato de Washington não suportar a ideia de que algum país

pudesse dividir sua hegemonia, a exemplo da Revolução Cubana e a extinta União Soviética

em que suas ideologias comunistas apresentaram ameaças à sobrevivência do capitalismo,

fazendo com que os EUA declarassem guerra aos países comunistas49. Mas com a crise do

mundo socialista em 1989, os Estados Unidos precisaram de outra desculpa para invadir os

países (ARBEX, 1993).

47 “organização de inspiração comunista, autoproclamada guerrilha revolucionária marxista-leninista, que opera

mediante táticas de guerrilha. Sua luta é de ordem socialista. [...]. A origem das Farc remonta às disputas entre

liberais, comunistas e conservadores na Colômbia. Em 1948, os liberais, com apoio dos comunistas, iniciaram

uma guerra civil contra o governo conservador.” Disponível em:

ttp://www.averdadesufocada.com/index.php?option=com_content&task=view&id=6396&Itemid=91 Acesso: 15

de março de 2013. 48 “organização terrorista de inspiração maoísta, fundada no Peru na década de 60 por docentes e discentes da

universidade do Peru. Tendo em suas bases ideológicas o marxismo. O seu objetivo era o de superar as

instituições burguesas peruanas por meio de um regime revolucionário e comunista de base camponesa,

utilizando-se do conceito maoísta de Nova Democracia”. Disponível em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Sendero_Luminoso Acesso: 15 de março de 2013. 49 “Nos anos 50, 60 e 70, a CIA patrocinou golpes para implantar ditaduras militares anticomunistas na América

Latina, incluindo o Brasil em 1964” (ARBEX, 1993, p. 80).

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O que faz uma substância ser legal ou não é a sua proibição. Nesse raciocínio entre

drogas legalizadas e as ilegais, surge um caminho mais fácil, a ilegalidade. E esse caminho

tornou-se atraente tanto para as facções que as negociam, quanto para as pessoas que não

conseguiram se inserir no mercado formal, encontrando no mundo da ilegalidade, o trabalho

que a sociedade regida pelo capital lhes negou, abrangendo uma grande parte dos

desempregados e das facções que faturam muito com essa situação.

Essa abertura à ilegalidade, em parceria com a ânsia por lucros altos, acabou criando

um comércio bastante lucrativo que é o Narcotráfico, tornando-se “um grande império, com

capacidade de impor e derrubar governos” (ARBEX, 1993, p. 6). Há uma dependência

econômica muito grande de alguns países na comercialização de drogas. Como é o caso da

Bolívia50, do Peru51 e da Colômbia que abrigam um contingente significante de pessoas

desempregados nesse “trabalho” informal. Na Colômbia, “o país está, por completo, nas mãos

dos narcotraficantes. O Congresso e a polícia nacionais disputam o primeiro lugar em grau de

corrupção, a até mesmo as campanhas presidenciais são patrocinadas com dinheiro da droga”

(COGGIOLA, 2006, p. 2-3). Pessoas de distintas classes sociais e posições estão envolvidas

nesse negócio ilícito. “A própria Agência Central de Informações (CIA) e a Agência de

Repressão às Drogas (DEA), em aberta contradição com a retórica oficial contra as drogas,

negociaram com narcotraficantes sempre que isso lhes foi conveniente” (ARBEX, 1993, p.

12).

O governo norte-americano promoveu o combate ao narcotráfico de uma maneira

expansiva e num movimento contraditório, quando se constatou que os EUA apareceram

como o principal consumidor de drogas do mundo. Ele recorre ao protecionismo para

resguardar seus narcoprodutores, assim diminuindo a competição externa:

Utiliza desfolhantes contra o cultivo de marijuana no México, para favorecer seu

desenvolvimento na Califórnia; destrói laboratórios de drogas proibidas no Peru e na

Bolívia para reforçar o envenenamento legalizado que realizam os monopólios

farmacêuticos com estupefacientes substitutivos; luta contra as drogas naturais e

processadas em defesa das sintéticas patenteadas e comercializadas pelos grandes

laboratórios; guerreia contra os cultivadores latino-americanos auxiliando seus

velhos sócios do sudeste asiático. A repressão extra-econômica ao tráfico é a forma

50 “Os traficantes detêm o controle das principais empresas, a corrupção atinge níveis inacreditáveis e, de acordo

com a CEPAL, a população desempregada passou de 19% da população ativa em 1985 para 35% no ano

seguinte. De cada três bolivianos, um lucra com os derivados do narcotráfico. Há estimativas, que coincidem

com os dados da CEPAL, segundo as quais 65% da economia do país pertencem ao setor informal”

(COGGIOLA, 2006, p. 2). 51 “O Peru é o maior produtor mundial de coca. Segundo a Organização Mundial da Saúde, 100 mil camponeses

peruanos cultivam 300 mil hectares de coca. Apenas 5% dessa produção é utilizada para fins legais. Com o resto,

o tráfico abastece 60% do mercado mundial. Esses camponeses são massacrados, alternadamente, pela guerrilha,

pela máfia e pelas tropas de repressão ao tráfico” (ibid., 2006, p. 2).

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52

de regular os preços de um mercado potencialmente estável pelo caráter viciante do

produto. Com a ‘guerra ao narcotráfico’, os EUA tratam de salvaguardar suas

companhias químicas provedoras de insumos para o processamento, propiciando,

em geral, uma "substituição de importações" no grande negócio de destruir a saúde e

a integridade de uma parte da população (COGGIOLA, 2006, p. 4).

Usou de estratégias nada agradáveis para conseguir a diminuição da concorrência

entre os países. A repressão serviu para regular os preços de algumas drogas, numa disputa

internacional pelo controle desse mercado informal. Essa atitude não passou de “um aspecto

da recolonização comercial e da chantagem financeira sobre a América Latina” (Idem, 2006,

p. 4). Os EUA buscaram o domínio do comércio dos narcóticos.

Em 1986, foi revelado ao mundo um esquema chamado de “escândalo Irã-Contras”,

revelando a conexão entre a CIA e o narcotráfico, financiando a luta de guerrilheiros contra -

revolucionários de direita (os contras) para derrubar o governo Sandinista (esquerdista) da

Nicarágua. Esse esquema foi denunciado pela primeira vez por dois jornalistas americanos,

Robert Parry e Brain Bargen. O presidente dos EUA da época (Reagan), também foi atingido

com o escândalo. Todos os envolvidos foram investigados. Mas a hipocrisia dos EUA se

revelou à medida que

Quando Reagan atacava a União Soviética rotulando-a de ‘império do mal’,

classificava o Irã como ‘Estado terrorista’ e desenvolvia uma campanha histérica

contra o narcotráfico’. Raras vezes na história ficou tão claramente estabelecida à

distância entre o discurso e a prática de um governo (ARBEX, 1993, p. 29).

Esse escândalo nada mais foi que uma disputa de poder pelo controle do narcotráfico,

mas a falácia da repressão se manteve como lema entre os estadunidenses. Os EUA invadiram

o Panamá em 1989, com o pretexto de que Manoel Antônio Noriega, agente da CIA, e

também político, teria feito alianças com o cartel colombiano de Medellín. Arbex (1993)

argumenta que ele “cresceu” como membro da CIA servindo como ponte da CIA e os

narcotraficantes, participando de várias fraudes eleitorais e golpes em seu país. Não só o

Panamá fez parte dessa guerra, mas também outros países, como a Colômbia, que foi o palco

de constantes lutas entre as tropas colombianas e os agentes da CIA e da DEA. Houve

interesses econômicos e políticos por trás dessa luta contra as drogas:

É inaceitável supor que a invasão do Panamá, o bloqueio naval à Colômbia, a

instalação de bases na Bolívia e no Peru, a militarização da fronteira mexicana, a

introdução de uma jurisprudência avassaladora da legislação latino-americana, estão

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53

motivadas pela erradicação do narcotráfico. Busca-se a substituição da ‘ameaça do

comunismo’ por um perigo equivalente (COGGIOLA, 2006, p. 4-5).

Os EUA invadiram muitos países com a desculpa de perigo iminente, a exemplo do

comunismo. Mas, essa luta ao tráfico de drogas não passou de uma rivalidade econômica pela

liderança dos cartéis de drogas. Quiseram implantar no imaginário mundial a forte

preocupação com os países latinos americanos, quando na verdade queriam sucatear seus

recursos:

O objeto da ‘guerra ao narcotráfico’ é o controle militar de regiões estratégicas que

não estão, necessariamente, incorporadas ao mercado, a não ser através do comércio

de drogas. É o caso específico da Amazônia Internacional, cuja importância política

como território e como reserva de matéria-prima pode ser facilmente projetada para

o futuro próximo (ARBEX, 1993, p. 83).

Através de inúmeras invasões quiseram dominar países que estão em expansão no

comércio do tráfico de drogas, como a Amazônia do Brasil, que serviria como ponto

estratégico.

Coggiola argumenta que

O domínio do comércio de narcóticos foi, desde o século passado, um campo de

rivalidades interimperialistas e, por isso, a atitude do governo estadunidense frente

ao problema nunca se baseou em considerações sanitárias, mas nas alternantes

necessidades políticas. Isto explica o oscilante predomínio de períodos de tolerância

e repressão, permissividade e perseguição, e o tratamento do consumidor como

delinquente ou enfermo (2006, p. 5).

O controle do uso de drogas não passou de um jogo capitalista pela economia de

mercado, em que os EUA usaram a questão sanitarista para perpetuar essa intervenção

intolerante.

A intervenção estatal se colocou como ativa no combate ao tráfico, mas sua real

intenção foi propagar a inútil intervenção diante do tráfico de drogas, para expor um Estado

limitado, dando a impressão que é impossível acabar com o tráfico apenas com sua atuação

(MORAIS, 2006). Um exemplo dessa ação foi o Plano Colômbia52 em que os EUA invadiram

52 “Representa uma ameaça à soberania dos países da América Latina com a justificativa para intervenções

políticas e militares. O exemplo é a base militar de Manta no Equador, onde desde 1999 a CIA assessora o

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a Colômbia com a política de repressão ao consumo e tráfico de cocaína na região, colocando-

se como “impotente” na extinção desse comércio ilegal.

Um caso bastante intrigante desse jogo de poder na Colômbia foi o mega traficante

Pablo Escobar53, que exerceu influência política inegável no país. Além de manter relações

econômicas e políticas com os EUA, Pablo Escobar, ao ser capturado pelas tropas americanas,

deixou transparecer sua aliança com a América ao escolher onde ficaria preso. Segundo

Arbex, Escobar “constituiu um acerto com o governo, no sentido de que o Cartel de Medellín,

interromperia suas operações violentas, em troca da proteção do governo contra os ataques do

Cartel de Cali e dos agentes americanos, ou seja, Escobar colocava o exército a seus pés”

(1993, p. 40). A sua fuga realçou mais ainda essa realidade, quando o governo colombiano,

pressionado por Washington54, transferiu Escobar para outra prisão e consequentemente fez

com que ele “fugisse”.

É importante destacar que, com as atividades criminosas instaladas nos países, a

segurança é posta como prioridade para a manutenção da ordem na sociedade. A ideia de

segurança nacional culminou numa postura repressiva por parte do Estado estadunidense,

servindo como pretexto de contenção estatal. Esse modelo protetor estadunidense influenciou

outros países a seguirem-no, principalmente países da América Latina, como o Brasil

(QUEIROZ, 2008).

Vivenciando as crises capitalistas, esses países precisaram encontrar uma maneira de

lucrar, o chamado proibicionismo das drogas firmou-se com mais precisão justamente nos

períodos de crises do capitalismo. Em outros momentos históricos, seu uso era legalizado, seu

valor de uso não era penalizado, mas com as novas relações sociais esse quadro mudou. De

um lado houve um Estado que zelou pela garantia de uma ordem de proibições e de outro um

comércio sob o monopólio do narcotráfico que financiou os altos lucros capitalistas, assim se

pode ver que “a proibição faz parte das medidas que incrementam os lucros capitalistas, são

parte das medidas que o capital tem para tentar contrabalançar a queda da taxa de lucro”

(VILELA, 2002, p. 102). Estimulando o monopólio desse comércio e elevando os lucros, “é

como se o sistema capitalista necessitasse narcotizar-se para evitar as convulsões que

exército colombiano. O Plano Colômbia também visa atacar as guerrilhas de esquerda que surgiram com base

nos movimentos de reforma agrária” (JANSEN, 2007, p. 8, grifos do autor). 53 Pablo Emilio Escobar Gaviria foi um mito do narcoterrorismo e um dos homens mais ricos do mundo nos anos

90. Ver documentário: Os pecados de meu pai, Disponível em:

https://www.youtube.com/watch?v=ymJudo7g__0. Acesso: 14 de junho de 2013. 54 “Definiu sua estratégia de ‘guerra ao narcotráfico’ em 8 de abril de 1986, quando o então presidente Ronald

Reagan previu, pela primeira vez, mediante a adoção de um decreto, a possiblidade de utilizar militares de seu

país contra narcotraficantes. Estes passaram a ser considerados ‘ameaças à segurança dos Estados Unidos’”

(ARBEX, 1993, p. 46)”.

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sacodem o organismo econômico e social” (Idem, 2002, p. 103). Vilela (2002) ainda expõe

que foi nos períodos de crise que a proibição foi reforçada. Como entre 1914 a 1939 que o

comércio mundial caiu 0.4%, desencadeando na depressão de 20. Nesse período, os EUA

ilegalizaram o uso do álcool. Como também na década de 60, em que a economia estava a

3%, e as correntes proibicionista voltaram com tudo.

A lucratividade desse comércio ilegal caiu toda nas mãos dos capitalistas imperialistas,

tendo no sigilo bancário55 um trunfo, à medida que “o sistema financeiro absorve os lucros do

crime sem perguntar a origem” (GOMES, 2010, p.1), tendo nos paraísos fiscais56 um dos

principais instrumentos de lavagem de dinheiro. A maior parte dos bancos deveria cumprir as

normas de controle internacional, quanto aos depósitos de quantias acima de 10 mil dólares,

mas não foi isso que aconteceu. O banqueiro Aith Pharson, em 1991, fez uma declaração

bombástica: “todos os grandes bancos lavam dinheiro do narcotráfico internacional,

incluindo-se instituições tradicionais, como o First Bank of Boston e o Credit Suisse”

(ARBEX, 1993, p. 14, grifos nosso). Esse comportamento dos bancos se deu pelo fato das

grandes vantagens que conseguiriam. Coggiola (2006) diz que o lucro exorbitante desse

comércio ilegal de forma alguma enriquece os países produtores, e que 90% desses lucros são

recebidos pelos bancos. Detalhe que deixa escapar a falta de uma política que bloquei o

aparato financeiro, por conta do sigilo bancário.

Estima-se que a soma movimentada anualmente pelas máfias é de aproximadamente

300 a 500 bilhões de dólares, gerando mais lucros que muitas importantes empresas

(GOMES, 2010). Nota-se uma importância econômica, política e social, quanto à

comercialização das drogas ilegais no mundo. O discurso moral quanto ao combate ao tráfico

de drogas é hipócrita, pois se as máfias fossem extintas, causaria um grave problema para o

mercado mundial.

A função repressora do Estado se expressa sob a forma de leis, tendo no judiciário seu

instrumento de apoio contra as drogas. Para que se concretize de forma eficaz, o Estado

necessita exercer um controle social sobre a população mais pobre. Os meios de comunicação

têm seu papel em difundir a ideia de que pobreza e criminalidade andam juntas. Em seus

discursos, colocam a causa da violência e o tráfico de drogas na própria classe trabalhadora,

55 “O sigilo bancário, baseado no sagrado ‘direito de propriedade’ do capitalismo, é um dos trunfos do

narcotráfico e do sistema financeiro mundial, que absorve os lucros do crime sem perguntar pela origem”.

(JANSEN, 2007, p. 11). 56 “Há mais de 40 paraísos fiscais no mundo. O FMI (Fundo Monetário Internacional) cita como principais

centros offshore Bahamas, Bahrein, ilhas Cayman, Hong Kong, ilhas Jersey, Antilhas Holandesas, Panamá e

Cingapura” (QUEIROZ, 2008, p. 81, grifo do autor).

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56

reprimindo-a, promovem uma pacificação das massas (MORAIS, 2006). É aí que entram em

cena as normas penais, como única solução para os males sociais.

Essa lógica de repressão ao uso de drogas se espalhou pelo mundo. Esse combate às

drogas nada mais é que um jogo de poder entre os países, os que menos sofrem são os

narcotraficantes-capitalistas.

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57

2 TRAJETÓRIA DO USO DE DROGAS NO BRASIL E FUNÇÃO ESTATAL

Neste capítulo, abordaremos a trajetória do uso de drogas no Brasil em diferentes

momentos históricos: período colonial, República Velha, Era Vargas, ditadura militar e

redemocratização, expondo o papel do Estado diante desta problemática. Suscintamente,

enfatizaremos algumas formas de uso e como o Estado reagiu para controlar o uso desta

substância que logo se tornou mercadoria57. Cada momento histórico teve sua peculiaridade,

influenciando no enfrentamento ao uso de drogas. Também mostraremos a relação que o

neoliberalismo tem com a comercialização da droga na sociedade brasileira.

2.1 O consumo de drogas no Brasil Colonial e República Velha

O consumo de drogas58, como foi tratado no capítulo anterior, é uma prática milenar, e

aqui no Brasil, especificamente, destacaremos que suas finalidades são muito diversas.

Faremos agora um breve resgate da história da atuação do Estado para controlar o consumo de

drogas no Brasil desde o século XVI, já que ele é uma esfera política específica que existe

para manter a ordem dominante numa sociedade de classes. Sendo assim é possível notar que:

O Estado tendo como centro, o poder e a autoridade, é uma das agências mais

importantes de controle social. E executa suas funções por meio da lei, [apoiando-

se] em última instância no uso da força. Reserva para si o direito de impor e de

obrigar. Qualquer outro uso ou ameaça de força (como de grupos rebeldes) é

ilegítimo e será suprimido, se possível pelo Estado. Se este não conseguir eliminar a

violência, perderá sua característica principal, deixará de existir [...] (SCARAMEL,

2009, p. 1).

Para o Estado agir em qualquer situação ou circunstância, ele usará sua força sempre

que for necessário. Sua função em relação ao consumo de drogas também não é diferente, será

sempre para manter a ordem da sociedade. A classe dominante, tendo determinado interesse

em fazer aumentar ou diminuir o consumo de drogas, utiliza-se dos meios estatais para

57 “É um valor de uso que se produz para a troca, para a venda; [...], é uma unidade que sintetiza valor de uso e

valor de troca” (NETTO; BRAZ, 2011, p. 89-90). 58 Levando em consideração que Delmanto concorda que drogas são os “medicamentos, o álcool, a cafeína, a

maconha ou a cocaína, e foi somente a partir de um longo processo histórico, permeado de interesses

econômicos e religiosos, que algumas delas passaram a ser consideradas ilícitas” (2013, p. 2).

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58

realizar tal objetivo. Como uma esfera política atuando para diminuir o consumo, ele (Estado)

é a autoridade que vai reprimir a população que não segue as normas estatais. No entanto,

sabemos que essas normas são elaboradas de acordo com os interesses da classe dominante.

Geralmente, as drogas eram consumidas nas mais variadas tradições: rituais religiosos,

festas, etc. Elas também possuem substâncias medicamentosas as quais os curandeiros

utilizavam para fins terapêuticos. A população americana, desde muito cedo, já consumia uma

série de substâncias psicoativas, entre elas: o cauim59, os cogumelos alucinógenos, o pulque60,

o tabaco, entre outras substâncias. Até então a história não relata nenhum dano prejudicial à

população decorrente do consumo, pois entre eles havia certo controle “através de prescrições

e proibições sociais geralmente acatadas e do autocontrole61” (TRAD, 2010, p. 90).

Entretanto, “a partir dos séculos XVI e XVII, a expansão da navegação comercial,

interligou todos os continentes, fazendo circular produtos que aguçavam o paladar [...]”.

(Idem, 2010, p. 90). Este fator proporcionou grande desenvolvimento comercial, introduzindo

novos produtos para circularem, tornando a rota comercial mais abrangente e lucrativa. A

expansão comercial provocou em muitos nobres e burgueses o interesse de conquistar novos

empreendimentos e alcançar patamares mais altos. Na ocasião, novas drogas adentravam nos

países juntamente com as demais especiarias. Logo, avançou o consumo modificando também

a demanda e o modo de produção de drogas.

Os novos produtos, chegando às cidades, despertavam curiosidades nas pessoas que

logo se interessavam em adquiri-los. Eram novidades: “as folhas de chá, a pimenta, o ópio da

papoula, as bebidas a base de álcool etílico (destiladas e fermentadas), a maconha e seus

derivados como o haxixe, o tabaco, o açúcar de cana, o café, a noz-moscada e o chocolate do

cacau” (Idem, 2010, p. 90). O resultado foi o grande desenvolvimento das indústrias,

proporcionando assim uma lucratividade extraordinária para os burgueses e a exploração da

mão de obra escravista.

Portugal investiu no solo brasileiro e foi se beneficiando da matéria-prima,

transformando as terras nordestinas numa agroindústria de cana de açúcar. Através da

exploração da mão-de- obra escrava surgiu no Brasil a cachaça62 que foi produzida nos

engenhos. Os engenhos, aos poucos, foram se tornando um local de degradação da pessoa

humana, pois os escravos viviam trabalhando em péssimas condições de vida, sem direito a

59 “Bebida destilada da raiz da mandioca” (TRAD, 2010, p. 90). 60 “Bebida fermentada extraída do cacto maguey” (ibid., 2010, p. 90). 61 Ver “Henrique Carneiro, Oriol Romaní” (ibid., 2010, p. 90). 62 “A cachaça é uma bebida também conhecida como melado” (TRAD, 2010, p. 91).

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59

nenhuma atenção do Estado e não havia uma compensação adequada pelo seu serviço. A

primeira função do Estado colonial63 foi

Além de garantir o funcionamento da indústria açucareira e da extrativista, era

assegurar ao Reino de Portugal a posse, a mais extensa possível, do perímetro

litorâneo da terra recém-descoberta. Paralelamente a isto, a Companhia de Jesus

aliada ao Estado Absolutista assumia a função de catequese dos índios espalhados

pela vastidão territorial brasileira. A política adotada pelos jesuítas de conversão e

proteção dos índios tornou-se a principal razão dos conflitos com os coloniais, visto

que a ação daqueles igualmente acabou tornando-se um empreendimento mercantil.

Deste modo, enquanto a administração do Governo-Estado garantia a ocupação

lutando para afastar invasões estrangeiras, os jesuítas dedicavam-se ao pastoreio das

almas nativas. (SCARAMEL; 2009, p. 4).

Apesar de toda forma de exploração humana, o produto ganhou espaço no mundo e

aumentou a sua procura. Depois que todos os escravos e homens livres se tornaram

consumidores da cachaça “a coroa portuguesa chegou a proibir os alambiques de aguardente,

não porque o Estado estivesse preocupado com o consumo e efeitos do uso abusivo da

cachaça”. (TRAD, 2010, p. 91). O principal objetivo da proibição era evitar a concorrência

das bebidas por interesses econômicos e políticos. Decorrentes desta situação surgiram muitos

conflitos e disputas políticas no meio socioeconômico.

O Estado passou a se beneficiar do serviço prestado pelos escravos, pois a produção

do álcool foi resultado da mão-de-obra barata dos escravos que eram obrigados a trabalhar

sem nenhuma perspectiva de melhorar sua qualidade de vida. No entanto, seus esforços nessa

produção trouxe para o Estado uma lucratividade tal que o induziu a não agir contra, por não

haver preocupação com a população escrava. Entre os colonos houve divergências de opiniões

– uns acreditavam que o uso do álcool alegrava os escravos, já outros consideravam seu uso

uma imoralidade – mesmo depois que o Brasil conquistou sua independência. Por muito

tempo, ocorreu entre as cidades a disputa de opiniões a respeito do álcool. Para uns, o

consumo da bebida fazia mal à saúde e reduzia a produção de quem consumia em horário de

trabalho. E para outros, era totalmente o inverso.

63 “Foi produto da conquista militar dos portugueses. Depois de dominado o território foi preciso ocupar de

forma produtiva a terra, montado nela um sistema de produção cujos lucros cobrissem os gastos da ocupação

adotando no Brasil o sistema de capitanias hereditárias, feitas a partir de 1532, que acaba sendo uma experiência

administrativa fracassada. Contudo, alguns historiadores consideram que a origem do Estado no Brasil data da

implantação do Governo-Geral em Salvador na Bahia, no ano de 1549 e teve como importância, segundo Boris

Fausto: “a instituição do governo-geral [que] iria representar um passo importante na organização administrativa

da colônia [...] e também representou um esforço de centralização administrativa”, trecho retirado do livro

‘História Concisa do Brasil’” (SCARAMEL, 2009, p. 4).

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60

Assim, “no Rio de Janeiro e cidades de Minas Gerais como Tiradentes, os escravos

que se excediam no consumo de cachaça e os alcoólicos eram tratados com rigor para que

parassem de beber” (TRAD, 2010, p. 93), enquanto que outras cidades entendiam que o

consumo de cachaça pelos escravos era importante e faziam com que eles se alegrassem e,

consequentemente, sua produção era mais proveitosa. Nesse período, não havia nenhuma

intervenção educativa do Estado relacionada à saúde ou à moral da população consumidora da

cachaça.

Outro tipo de droga bastante consumida no Brasil foi o tabaco64·, despertando

interesses em países como EUA para a sua fabricação. No início do século XVII, a produção

do tabaco ainda era muito reduzida. No Brasil, segundo Trad (2010), a pequena produção se

concentrava entre Salvador e Recife, no Recôncavo Baiano. Vejamos como ele abordou o

consumo do tabaco pelos brasileiros:

No Brasil, a planta do tabaco foi manuseada para ser consumida de diversas formas

até o século XIX. O ― ‘fumo de rolo’ e o ― ‘charuto’ foram às primeiras versões

produzidas pelos colonizadores para se fumar as folhas da planta, seguidas do rapé e

do cachimbo. O charuto acabou tornando-se um símbolo de status entre os senhores

de escravos, inclusive após a independência do país (Idem, 2010, p. 94, grifos do

autor).

O produto foi se disseminando e se tornando a cultura não alimentícia mais importante

para os indígenas nos rituais religiosos. As formas de consumo citadas derivaram-se em

outras formas, e isso também contribuiu para maior expansão do consumo.

Tratando-se da planta Cannabis Sativa, popularmente conhecida como maconha, de

acordo com MOTT citado por TRAD (2010), esta planta era cultivada pelos africanos e

asiáticos dentro dos canaviais junto com o tabaco. Muitas sociedades africanas já desfrutavam

do consumo da maconha em suas culturas antes dela ser introduzida no Brasil. A maconha

chegou ao Brasil através dos escravos e era indicada com finalidade recreativa,

medicamentosa, fazia parte dos rituais religiosos e também era utilizada para fazer cordas

dentre outras utilidades. Em São Paulo, “o governo chegou a enviar sementes e manuais de

cultivo, além de pressionar os colonos a realizarem o cultivo e a colheita. A finalidade era

64 O tabaco é uma planta natural que tem por nome científico Nicotina tabacos, e como qualquer outra droga

quando foi descoberta servia para várias finalidades. A Nicotina tabacos também surgiu há milhares de anos e “é

originária dos Andes, o tabaco acompanhou as migrações dos índios por toda a América Central, até chegar ao

território brasileiro” (SOUZA CRUZ, 2011). Neste contexto o tabaco ainda não era visto como problema nem

para a saúde humana e nem para a sociedade, pois, quando os colonos começaram a plantar o tabaco eles não

pensavam em lucrar com essa produção e sim em garantir o próprio consumo.

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61

produzir o cânhamo, excelente matéria prima para a fabricação das cordas e velas dos navios

portugueses” (TRAD, 2010, p. 95).

Não demorou muito para a maconha se tornar um produto de alta lucratividade pelo

mundo a fora. O hábito de “fumar maconha em grupo foi se tornando um rito popular na zona

rural do Nordeste e Norte do Brasil.” (Idem, 2010, p. 95). À medida que a população conhecia

o produto se expandia sua comercialização. Inicialmente, a maconha tinha umas modalidades

de consumo e no decorrer do tempo surgiram outras formas. Geralmente era fumada pelos

“escravos, ex-escravos, camponeses, barqueiros, pescadores, soldados.” (DÓRIA apud

TRAD, 2010, p. 95). Não havia implicância relacionada ao consumo da maconha pelos

senhores, desde que essa prática estivesse acontecendo em horários de folga.

Segundo Trad (2010), os senhores de engenho se comportavam assim porque para

alguns deles essa prática em horário de trabalho trazia prejuízos econômicos. Posteriormente,

a elite política e os senhores de engenhos se conscientizaram de que sua população era menor

que a população escravizada e que a qualquer momento poderia acontecer uma rebelião

causada pelos escravos; com isso, as elites ficariam em desvantagens. Por conta disso,

surgiram as medidas restritivas relacionadas à maconha. “As primeiras leis brasileiras que

restringiam a venda e o uso da maconha aconteceram em períodos de conflitos regionais e

revoltas de escravos. O primeiro edital de proibição da venda e consumo de maconha em

lugares públicos ocorreu no Rio de Janeiro em 1830” (Idem, 2010, p. 96).

Mas as proibições não aconteciam de forma geral. Havia sempre uma brecha para que

esta mercadoria fosse plantada, cultivada e vendida posteriormente em outras regiões e para

outros fins. Mesmo depois da proibição, a maconha não foi exterminada no Rio de Janeiro,

pelo contrário, seu cultivo agora teve novas direções e novas finalidades, a venda estava

liberada para o uso da medicina. Os jornais da época divulgaram suas propriedades e

benefícios. Sendo assim, fica claro que em nenhum momento as proibições foram suficientes

para impedir o cultivo desta planta tão “milagrosa”.

Vejamos um breve resumo da legislação sobre drogas no período colonial/imperial.

QUADRO I. LEGISLAÇÃO SOBRE DROGAS NO PERÍODO

COLONIAL/IMPERIAL

Decreto Ano Período Observações Implicações

para o usuário

Tipo de controle, substância,

penalidades.

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62

Rentas del

anfión

Colônia Excetuando os jesuítas, os

especialistas não davam muito

atenção às plantas nativas.

Optava-se pela importância de

medicamentos europeus, que

muitas vezes já chegavam

deteriorados ou vencidos.

Colônia Proibida a venda de tabaco sem

pagamento de impostos. Ocorria

com frequência o contrabando, e as

estratégias eram semelhantes às

realizadas com as chamadas drogas

ilegais como maconha e cocaína na

atualidade.

1649 Colônia Proibição dos alambiques para

produção de cachaça.

Ordenações

Filipinas

1737 Colônia Edital da Câmara da cidade

contendo interdições para aqueles

que não fossem médicos,

boticários ou cirurgiões e

vendessem em seus

estabelecimentos substâncias ―

‘venenosas’ como o ópio.

1738 Colônia Revogação do edital - pressões

dos comerciantes da colônia sobre

o rei de Portugal, por se sentirem

prejudicados economicamente.

Restaurado o livre comércio.

1830 Império Proibida a venda da Maconha em

lugares públicos da cidade do Rio

de Janeiro.

Multa para os

contraventores

de 20$000

[20.000 réis] e

3 dias de

prisão para os

usuários.

1870 Império Proibida a venda da maconha em

lugares públicos da cidade de

Santos.

Multa para os

contraventores

de 10$00 e 4

dias de prisão

para o uso.

1876 Império Proibida a venda, o uso e a

conservação de maconha em

lugares públicos da cidade de

Campinas.

Fonte: TRAD, 2010, p. 98

Durante o Império e começo da República, o Estado pouco interferiu no uso de drogas.

Tratando-se da legislação, pudemos verificar que existiram algumas proibições, como a

embriaguez em público, sendo punida com prisão. Como também a venda e uso da maconha

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63

em público. Com a proclamação da república em 1889, a participação da medicina na

constituição do problema das drogas foi crucial na história do Brasil.

A Revolução Industrial e a aliança entre o Estado e a psiquiatria afetaram os costumes

sociais da sociedade brasileira, contribuindo para a modificação no sentido atribuído aos

efeitos causados aos usuários de drogas. Havia uma semelhança ideológica entre a medicina

higienista65 e o Estado “entre as semelhanças, pode ser destacada a polarização entre ordem e

desordem, razão e loucura, além do reconhecimento do trabalho como referência de inserção

do cidadão na sociedade” (TRAD, 2010, p. 102).

Mundialmente falando, a Revolução Industrial fomentou uma transformação social. O

campo das representações sociais foi marcado por grandes transformações em relação ao uso

de drogas no fim do século XIX. Neste sentido, “a dinâmica das representações sociais e as

mudanças ocorridas com a Revolução Industrial levavam o Estado a mudar sua atitude, que

antes era complacente frente ao uso de bebidas alcoólicas e outras drogas.” (Idem, 2010, p.

96).

À medida que as indústrias fármaco-química se desenvolviam no Brasil, surgiam

novos conceitos, expandiam-se o consumo e aumentavam também as formas de uso de

drogas. “Em meio à modernização de costumes [...], a maior ou menor tolerância relativa ao

consumo de diferentes substâncias, como as bebidas alcoólicas, o ópio ou a maconha

revelava-se um processo dinâmico” (Idem, 2010, p. 100). Essa dinâmica acontecia da seguinte

forma: certa substância psicoativa era aceita por muitos anos e em vários países; de repente,

uma equipe da classe dominante com intenção em algum benefício próprio elaborava uma

campanha contra o uso de determinada substância alegando qualquer resultado nocivo para a

população. Logo outro país se interessava pela ideia, copiava e aplicava para a população

local. E assim surgiu, “no Brasil, a primeira legislação republicana específica sobre drogas

(1914) [que] seguiu os ditames da convenção de Haia, relacionando o ópio e seus derivados, a

cocaína e o éter como ― ‘venenos’ que deveriam ser controlados pelas farmácias” (Idem,

2010, p. 101).

O argumento usado para tal medida era que a população jovem brasileira estava

adentrando nessa onda de consumo de droga elevado. Desde então, observou-se que havia

discriminação social dos usuários. “Tais drogas, pela condição social de boa parte de seus

usuários, eram chamadas de ― ‘venenos elegantes’” (TRAD, 2010, p. 101). A medida era só

65 “O higienismo é uma doutrina que nasce com o liberalismo, na primeira metade do século XIX quando os

governantes começam a dar maior atenção à saúde dos habitantes das cidades. Considerava-se que a doença era

um fenômeno social que abarcava todos os aspectos da vida humana”. Encontrado em

http://pt.wikipedia.org/wiki/Higienismo. Acesso: 05 de dezembro de 2014.

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64

para o ópio e seus derivados. Já as outras substâncias psicotrópicas permaneciam legalmente e

poderiam ser compradas com facilidade; dentre elas destacamos o álcool e a maconha, etc.

No entanto, de acordo com Trad (2010, p. 103), observamos que o Brasil foi

influenciado pelos EUA em 1919 para proibir a venda de álcool aderindo à liga antialcoólica

brasileira66. O objetivo da liga era combater o consumo do álcool e seus efeitos que estava

causando transtorno para a saúde dos consumidores, provocando grande imoralidade nas

cidades, chegando a transformar o alcoolismo num caso de polícia. Isso gerou uma forte

preocupação sanitarista. E esse caso foi incluído “como desafio à saúde pública, ao lado das

doenças [da época], como a sífilis e a tuberculose” (COSTA, 1927, p. 3). O alcoolismo

ganhou este destaque no Brasil depois da massificação dos “interesses ideológicos, políticos,

socioculturais e econômicos da Revolução Industrial e do capitalismo democrático, [que]

estimulavam uma nova visão sobre as bebidas alcoólicas e as drogas em geral, bastante

[paradoxais]” (TRAD, 2010, p. 96). Dentre os membros das associações que discutiam o

assunto do alcoolismo destacam-se “alguns expoentes da psiquiatria, juristas e jornalistas, que

discutiam, entre outros temas, o crescimento socioeconômico do Brasil e a viabilidade do

país” (Idem, 2010, p. 103).

Quanto à maconha, também encontramos relatos de que por volta da década de trinta,

no Estado de Sergipe, antes da sua proibição pela legislação, já havia uma perseguição e

proibição pelos comerciantes e consumidores nas feiras livres e nos presídios. Por muito

tempo, as propriedades da maconha, segundo alguns estudiosos, foram responsáveis por levar

o ser humano à loucura. Essa alternativa motivava os médicos ainda mais a se preocuparem e

a quererem, com mais veemência, controlar a circulação desse produto na sociedade.

Lembrando que sua maior preocupação foi a de controlar o uso de drogas no país, não

havendo intenção de combater completamente a existência destas substâncias, nem por

interesse dos médicos e nem do Estado.

Durante muitos anos do século XIX, no Brasil, não havia uma legislação que proibisse

totalmente o consumo da maconha, cocaína, heroína, éter, e outras drogas que atualmente são

consideradas ilícitas. Não havia nenhuma gravidade aparente causada por esses tipos de

drogas. Por isso que não era necessária nenhuma intervenção direta do Estado em relação ao

usuário. Pelo contrário, o Estado permitiu que houvesse divulgação na mídia de algumas

66 “Nesse período, a onda higienista que assolava o Brasil também se fazia presente na capital do Ceará,

contando com importante apoio da polícia, médicos e membros da sociedade fortalezense, vinculados a Igreja

Católica e ligas de combate ao alcoolismo, que congregavam esforços para lutar contra um inimigo comum ̶ o

álcool e seus efeitos. Além disso, buscava-se a limpeza do espaço urbano e intentava-se rigorosa limpeza moral,

com intenso combate às ideias nocivas e contrárias à lógica de trabalho” (NETO, 2013, p. 222).

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65

drogas como um tipo de mercadoria. Os veículos de comunicação chamava a atenção da

população para as propriedades curativas de certas substâncias inclusive do álcool.

Nos moldes de Colom (2001), durante boa parte do século XIX, o Estado brasileiro

reproduziu o modelo clássico de abordagem das drogas, pouco interferindo no uso.

Do ponto de vista da legislação sobre o usuário, verifica-se que apenas a embriaguez

alcoólica em público era punida com prisão. Não existiam leis específicas para as

substâncias psicoativas que hoje estão proibidas [...] (FIORE, apud TRAD, 2010, p.

97).

O Estado, com o apoio da imprensa brasileira, foi benevolente na forma de encarar o

problema das drogas e a dependência química. Isso foi mudado logo depois das pesquisas67

sobre os efeitos das drogas que aconteceram no Rio de Janeiro. As mudanças sobre o assunto

aconteceram depois que a “medicina legal e os setores jurídicos” se associaram numa luta por

um controle social daquela época. A intenção era de “organizar, disciplinar e normalizar a

cidade, em busca da salubridade em geral do espaço urbano” (MITSUKO apud TRAD, 2010,

p. 97).

Destacamos abaixo os decretos importantes da legislação brasileira sobre drogas,

promulgados durante a República Velha, segundo Trad (2010).

QUADRO II. LEGISLAÇÃO SOBRE DROGAS (1889-1930)

Decreto

Ano Observações / Implicações para o usuário

1 1890 Considera crime expor à venda ou ministrar substâncias venenosas

sem legítima autorização e sem formalidades previstas nos

regulamentos sanitários.

Restringe a venda de drogas as farmácias e boticários.

Dificulta o acesso para uso com fins de lazer.

2.294 1914 Inspirada na convenção de Haia, 1912, aprova medidas que tentam

impedir o uso crescente do ópio, da morfina e derivados e cocaína.

4.294

14.969

1921 Ratificação da convenção de Haia, 1921.

Comissão de médicos, juristas e autoridades policiais (Juliano

Moreira, Carlos Chagas, Pernambuco Filho).

Pena de prisão para quem vender ópio ou cocaína; e internação

compulsória para o hábito da embriaguez.

Primeira tipificação jurídica do toxicômano (Fiore).

Institui a os sanatórios para o internamento de toxicômanos, requerido

pela família, juiz ou o pelo próprio usuário.

Fonte: TRAD, 2010, p. 107.

67 Ver Trad, 2010, p. 96-97.

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66

Esse período histórico como foi citado, foi de extrema importância para a

“institucionalização da medicina psiquiátrica enquanto campo de conhecimento

especializado” (TRAD, 2010, p. 101). As ideias iluministas e da Revolução francesa

influenciaram novos conceitos sobre a loucura. Há uma mudança no que tange o sentido da

loucura, passando a insanidade a ser vista como o outro lado racional do ser civilizado.

Processo este que aliou a medicina higienista com o Estado por terem semelhanças

ideológicas entre indivíduo e sociedade na busca de tratamento para os doentes mentais.

“Além disso, a tradição de que os políticos se formassem em medicina, contribuía para uma

maior afinidade entre os interesses de ambas as classes” (Idem, 2010, p. 102). Essa construção

em solucionar os problemas psíquicos contribuiu para a construção do problema de drogas no

Brasil.

O Estado brasileiro passou a combater o uso de drogas de acordo com o modelo de

controle de epidemia dos EUA (contagionista), reprimindo a venda e tratando o usuário como

delinquente ou enfermo. Em sua maioria, quem consumia a maconha da época eram negros e

indígenas, que por sua vez foram descriminalizados.

Nesse período, o Brasil adotou um modelo de prevenção baseado no proibicionismo,

centrado na ilegalidade, na repressão e na abstinência das drogas. Nesse contexto, a medicina

e a psiquiatria68 adotaram como referência o comportamento urbano civilizado e as relações

de trabalho. Basearam-se numa percepção moralista, em que a loucura estava associada a

comportamentos promíscuos ou de cunho racial. “Com base nesses parâmetros, os médicos

brasileiros identificavam ‘o desvio’ psíquico observando os hábitos e comportamentos da

população em geral e em contraste com o mundo urbano das grandes metrópoles” (ENGEL

apud TRAD, 2010, p. 104). Nessa tese, os indivíduos da cultura primitiva seriam mais

suscetíveis à loucura. Sendo assim, a população negra e pobre acabou preenchendo essa

lacuna, sendo vista como inferior e perigosa. Traçando assim um projeto modernizador

baseado no ideário civilizatório europeu. Esse modelo acabou interferindo nas práticas

culturais específicas da população afrodescendente, proibindo expressões artísticas como o

samba, o candomblé, a capoeira entre outros. Usaram o pretexto de que esse comportamento

era primitivo e deveria ser extinto.

68 A partir de concepções morais-ambientalistas e biológicas, a psiquiatria associou a loucura a comportamentos

que parecessem promíscuos ou reveladores de inferioridade racial. Para identificar o desvio contido em atos,

atitudes, hábitos, comportamentos, crenças e valores recorriam a noções ou termos como ― civilização, raça,

sexualidade, trabalho, alcoolismo, delinquência/criminalidade, fanatismo religioso e contestação política.

(ENGELS apud TRAD, 2010, p. 102).

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67

2.2 A Era Vargas e o surgimento das políticas de proibição para controlar o consumo de

drogas

A Era Vargas69 foi um período que se iniciou na década de trinta quando o poder foi

entregue a Getúlio Vargas – chefe da “Revolução de 1930”. O Brasil foi governado por ele

durante 15 anos. Nessa ocasião, a história brasileira foi tremendamente marcada pela atuação

de Vargas que muito contribuiu para que ocorressem várias transformações político-sociais e

econômicas que se refletiram no Estado. A história desse período divide-se em três partes que

são: Governo Provisório (1930-1934), Governo Constitucional (1934 e 1937) e o Governo

Ditatorial também conhecido como Estado Novo (1937-1945).

Durante o governo Provisório, Vargas tomou suas primeiras medidas para assumir o

controle do país, dentre elas destacam-se: “a suspensão da Constituição Republicana de 1891,

o fechamento dos órgãos do Poder Legislativo (Congresso Nacional, Assembleias

Legislativas e Câmaras Municipais) e a indicação de interventores militares ligados ao

tenentismo para chefiar os governos estaduais” (COTRIM, 2005, p. 485). O objetivo de

Vargas foi desmontar a estrutura política tradicional. Esse governo se comportou como um

centralizador, e demonstrou preocupação com a questão social. Isso foi assustador para a

oposição, devido à perda dos privilégios que tinha na primeira República, e passou a exigir

novas eleições.

Já no Governo Constitucional, a sociedade passou a desfrutar de vários direitos como:

o voto secreto, direito de voto e candidatura feminina, reconhecimento de direitos trabalhistas

(salário mínimo, jornada de trabalho não superior a 8 horas, proibição do trabalho de menores

de 14 anos, férias anuais remuneradas, indenização na demissão sem justa causa, o

nacionalismo econômico70), etc. “A Constituição de 1934 estabelecia que, após sua

promulgação, o primeiro Presidente da República seria eleito de forma indireta, pelos

membros da Constituinte. Vargas foi o vitorioso nessa primeira eleição” (Idem, 2005, p. 486).

Ainda nesse mesmo lapso temporal, Cotrim (2005) afirma que se destacaram “dois grupos

políticos com ideologias diferentes: os integralistas e os aliancistas71”.

69 “Na construção de seu ideal nacionalista, Vargas se valeu dos inúmeros intelectuais e personagens do mundo

das artes e da literatura que se aproximaram do Estado após a revolução de trinta. A expectativa desses atores

sociais era de que finalmente a cultura popular brasileira seria reconhecida pelos governantes. A busca dos

órgãos do Estado por uma cultura que revelasse a identidade nacional, em oposição ao projeto civilizatório da

Belle Époque, resultou na valorização das práticas populares da população negra e pobre” (TRAD, 2010, p. 109,

grifos do autor). 70 Uma expressão usada para descrever as políticas econômicas que visavam a proteção do consumo doméstico,

trabalho e formação de capital dentro de uma economia de mercado. 71 Ver detalhes do autor (COTRIM, 2005, p. 487).

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68

Conforme as regras constitucionais, o mandato de Vargas terminaria em 1937;

pensando nisso Vargas preparou um golpe de Estado para permanecer no poder.

Em fins de setembro de 1937, o serviço secreto do exército noticiou a descoberta de

um plano comunista, chamado plano Cohen, para acabar com o regime democrático

no Brasil. Na verdade tratava-se de uma farsa tramada pelo próprio governo, com a

ajuda dos integralistas. Em nome do combate ao ‘perigo comunista’ foi decretado o

estado de guerra, e a polícia prendeu grande número de adversários do governo

(COTRIM, 2005, p. 488).

Com isso, também estava imposto o fechamento do Legislativo e outorgada uma nova

Constituição para o país, substituindo a Constituição de 1934. A partir de então, entra em

vigor o governo ditatorial também conhecido como Estado Novo – 1937-1945. O presidente

Getúlio Vargas passou a governar por meio de decreto-lei72, e todos os órgãos legislativos

foram dissolvidos. Agora mais do que nunca, Vargas detinha em suas mãos os mais amplos

poderes; seus atos não podiam sequer ser submetidos à justiça. Aconteceram várias mudanças

no Brasil nas quais o presidente determinava praticamente tudo o que os Estados deveriam

seguir e obedecer. Politicamente, nenhum estado-membro brasileiro tinha mais autonomia.

Entretanto, um governo dificilmente se sustenta apenas pela repressão; por isso,

desde que se instalou no poder, Vargas buscou recursos de propaganda para

conquistar a simpatia popular. [...]. Com esse objetivo, o governo brasileiro criou,

em 1939, o Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), órgão diretamente

ligado à presidência da república, encarregado de coordenar a propaganda oficial e

censurar os meios de comunicação social – como rádio, cinema, teatro e imprensa

(COTRIM, 2005, p. 488).

Com a criação do DIP, a imagem de Vargas começou aparecer em cartazes elevando-o

e exaltando-o como o “salvador da pátria”. Também foi destacado pelas propagandas do

“Ministério da Educação”. Desta forma, o Estado estava censurando a mídia social. Sendo

assim, era ele quem ditava as regras e divulgava somente o que fosse favorável ao seu

governo, ou seja, Vargas agiu para que sua imagem de governo fosse uma das melhores e até

encomendava “canções com letras favoráveis à sua política e compositores famosos, como

Ataulfo Alves, Wilson Batista, entre outros” (Cotrim, 2005, p. 489). Consequentemente,

muitos indivíduos resistentes a esse novo padrão político foram parar na prisão por não

atender aos seus comandos.

72 É um decreto com força de Lei que emana do poder executivo.

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69

Porém, o período getulista foi propício para um bom desenvolvimento urbano, pois

muitos trabalhadores rurais estavam cansados da exploração, da miséria, da seca, dentre

outras dificuldades. Decididos a obter mudanças de vida, eram atraídos em massas para

trabalharem nas cidades. Logo os trabalhadores despertaram em suas consciências e

concluíram que tinham direitos e que precisavam lutar por eles. Em contrapartida,

O governo federal elaborou a política trabalhista (tida por muitos como tática de

populismo) que, segundo análise de alguns historiadores, tinha dupla função:

conquistar a simpatia dos trabalhadores e exercer o domínio sobre eles, controlando

seus sindicatos [...]. Apoiada no avanço das leis trabalhistas, a propaganda política

do governo apresentava Vargas como ‘o grande protetor’ dos trabalhadores, uma

espécie de ‘pai dos pobres’ (COTRIM, 2005, p. 492).

Era notável que o Estado tivesse sempre um jeito de criar medidas para reprimir o

poder da classe trabalhadora. E Vargas sendo mais esperto, além de reprimir e de controlar a

população, ainda fazia com que tivessem uma boa impressão sobre sua forma de governar.

Vejamos a trajetória feita por Trad (2010) do controle de droga no período getulista.

Em relação à origem do controle do consumo, o Estado brasileiro começou a intervir a partir

da era de Getúlio Vargas, quando “o Brasil incorporava definitivamente as medidas

proibitivas das convenções internacionais, [...]. Também são desses períodos, as principais

leis e diretrizes brasileiras sobre drogas e que norteiam até hoje a legislação brasileira”.

(Idem, 2010, p. 108). O objetivo dessas medidas era apenas a redução do consumo.

A implantação do Estado Novo durante a Era de Vargas permitiu que, no campo das

drogas, o Estado finalmente assumisse as características intervencionistas de um

hetero-controle, [...]. Apesar do cunho normatizador e controlador do Estado diante

das drogas, inclusive com a criação de uma Comissão Nacional de Fiscalização de

Entorpecentes (CNFE, 1936) para criar uma nova legislação, foram mantidos os

princípios liberais do modelo clássico diante das substâncias legais como o álcool, o

tabaco e os medicamentos psicoativos (TRAD, 2010, p. 109-110).

Em concordância com o autor citado, podemos destacar que o Estado aderiu à

modalidade do hétero-controle para inibir o consumo de drogas da população. Isso significa

que o Estado para atender aos “interesses políticos desconsidera a multidimensionalidade da

toxicomania, limitando as abordagens à delinquência e/ou à patologia” (TRAD, 2010, p. 28).

Ele atuou de duas formas: defendendo a saúde pública e protegendo o indivíduo dependente

químico que não conseguia mais se manter sóbrio por conta própria. Este, por sua vez, quando

não conseguia mais ministrar a quantidade de drogas que seu corpo suportava diariamente,

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70

causava danos psicológico e físico para ele mesmo e era uma ameaça à sociedade. Por isso,

que o Governo agiu intervindo desta forma para poder evitar mais transtorno social. E

segundo Trad (2010), essas modalidades funcionaram por muito tempo sem “grande auxílio

de leis específicas”. Mesmo assim, o uso abusivo das bebidas alcoólicas ainda continuou

sendo tolerado por muito tempo.

Mais tarde, aqui no Brasil, as formas de abordagens das drogas de modo geral foram

mudando até que surgiu a nova legislação73 e

Validou o tratado de Genebra, reconhecendo a maconha como produto entorpecente

(decreto 24.505) e determinando que os medicamentos psicoativos passassem a ser

controlados exclusivamente pela receita dos médicos. Com o rigor das novas leis

contra as drogas ilegais, o controle médico e a ação repressiva contra a maconha, o

modelo de prevenção brasileira configurava-se em um mix médico-jurídico (TRAD,

2010, p. 110, grifos do autor).

A partir de então, a dependência passou a ser considerada uma doença compulsória.

Nesse período, muitos psiquiatras estudaram a maconha. “É importante registrar, que a

intensificação das ações de repressão contra a maconha, ocorreu no mesmo período em que

apareciam as pesquisas desmistificando a associação entre maconha e loucura”. (Idem, 2010,

p. 111). E também; a maconha, até o começo da Revolução de Trinta, esteve associada ao

misticismo e à loucura, encontrada principalmente em terreiros de macumba. Fator este que

impulsionou a criação de uma delegacia especializada ao combate de entorpecente e ao

misticismo. Pelo fato dessa droga ser encontrada com mais frequência com a população negra,

começa-se a perseguição às práticas populares de matriz africana como a capoeira e o samba.

Mas com a nova atuação política de Vargas a partir de 1937, baseada no populismo, essa

perseguição é substituída pela valorização das práticas populares.

Houve constantes debates entre médicos e juristas sobre os efeitos e as reações das

substâncias psicoativas, surgindo no nordeste uma nova vertente psiquiátrica que criticou o

modelo civilizatório, sendo perseguida pelo regime varguista. Esse grupo de intelectuais deu

respaldo ao que, posteriormente, transformou-se na luta antimanicomial brasileira.

A seguir, o autor nos traz um resumo de leis, sobre drogas, promulgadas na era de

Getúlio Vargas, cujos fundamentos ainda são referência para as emendas e mudanças nas leis.

73 “A nova legislação não fazia distinção entre o tráfico e o uso, imputando à mesma pena de prisão a posse para

tráfico ou a posse para uso” (FIORE apud TRAD, 2010, p. 110).

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71

QUADRO III – PRINCIPAIS DECRETOS SOBRE DROGAS NA ERA VARGAS

Lei

Ano

Observações / Implicações para o usuário

30.930

1932

O porte de qualquer substância considerada entorpecente passa a ser

passível de prisão e internamento por tempo indeterminado.

Decreto-lei

n. 891

1938

Estabelece a mesma pena de prisão para o porte, uso ou venda de

drogas, independente da quantidade.

Por primeira vez a toxicomania é considerada como uma doença de

notificação obrigatória, com o mesmo status de doença infecciosa.

Aprovada a Fiscalização de Entorpecentes. Listas das substâncias

entorpecentes/ produção, tráfico e consumo/Internação e tratamento.

Decreto-lei

n. 891

1940

Texto inspirado na Convenção de Genebra trata da internação e

interdição civil dos ― ‘toxicômanos’; relaciona às substâncias

consideradas entorpecentes e cria normas restritivas de produção,

tráfico e consumo.

Decreto-lei

n. 3.114

1941

Aprovada a criação da Comissão Nacional de Fiscalização de

Entorpecentes (CNFE), alterado pelo decreto–lei 8.647.

Decreto-lei

n. 4.720

1942

Fixou as normas gerais para cultivo de plantas entorpecentes e para

extração, transformação e purificação de seus princípios ativos

terapêuticos.

Decreto-lei

n. 8.647

1946

CNFE – Atribuições de estudar e fixar normas gerais sobre

fiscalização e repressão em matéria de entorpecentes, bem como

consolidar as normas dispersas a respeito.

Fonte: TRAD, 2010, p. 114

O Estado assumiu duas formas de abordagem acerca das drogas: uma liberal, voltada

para as legais, e outra punitiva, voltada para as drogas ilícitas. Conforme os decretos acima

referidos, podemos notar que o uso de drogas como a maconha foi rigorosamente controlado

pelo Estado brasileiro. As convenções internacionais influenciaram esse tipo de abordagem.

Como exemplo a de Genebra que,

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72

Destinada a limitar a fabricação e regulamentar a distribuição dos estupefacientes ou

drogas narcóticas, [...] limitou a fabricação mundial de drogas para finalidades

médicas e científicas, e restringiu as quantidades destas disponíveis em cada estado

e território, sendo vetado aos países signatários que excedessem a fabricação ou

importação das suas necessidades de narcóticos previstas (BOITEUX, 2009, p. 27).

Relativo a essa ideia, observamos que o mundo inteiro passou por alterações no modo

de enfrentamento do Estado ao consumo de drogas, influenciado pelas convenções. Estas

convenções foram os primeiros instrumentos usados para regulamentar tanto o consumo

quanto a produção e o comércio das drogas

2.3 Ditadura Militar e focalização da política proibicionista

Após a renúncia de Jânio Quadros, João Goulart assumiu a presidência em 1961. Mas

ele não agradou a classe conservadora da época, que descontente com as influências políticas

de lideranças sindicais esquerdistas tentaram destituí-lo do poder através do golpe militar. O

país mergulhou em um longo período de desigualdade socioeconômica e ausência de

liberdade de expressão e direitos civis. Durante o período da ditadura militar (1964-1985), as

drogas ilegais passaram a ser vistas como subversão política e delinquência juvenil.

João Goulart foi acusado de está associado ao comunismo, e, consequentemente,

querer transformar o Brasil em um país comunista. De acordo com Trad (2010), nesse período

os ministérios rurais criaram sindicatos para os trabalhadores rurais, e o Estado tinha a

intenção de realizar a reforma agrária. Como também o Estado queria ficar com uma parte dos

lucros das multinacionais. Essa atitude incomodou a elite da época que tomou medidas que a

favorecesse, e uma delas foi a falta de liberdade quanto aos direitos civis.

A repressão com a sociedade brasileira foi crucial, tornando esse período o mais longo

e autoritário do país, sendo governado durante 21 anos por uma ditadura. Os Atos

Institucionais74 foram usados para que os militares ficassem no poder durante muitos anos. O

governo usou a desculpa de que as ideias comunistas eram perigosas, para disseminar ainda

74 “O Ato Institucional Número 5 (AI-5) inauguraria a fase de pior repressão durante a ditadura militar. Como

ordem do então presidente Costa e Silva, o AI-5 foi decretado no dia 13 de dezembro de 1968, o qual cancelava

todos os dispositivos da constituição de 1967 que pudessem ser utilizados pela oposição”.

http://www.historiabrasileira.com/brasil-republica/censura-no-regime-militar/

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73

mais a repressão. O Estado passou a ideia de que o uso de drogas esteva relacionado ao

comunismo.

No período de 1968 a 1973, a censura legalizou-se, sensores do Estado

acompanharam de perto o que poderia ser publicado. Usaram a desculpa que essa medida

serviria para garantir a imagem de estabilidade política e a prosperidade da nação. Os meios

de comunicação75 não podiam expressar todo tipo de opinião, sendo todos avaliados antes da

publicação. A música popular brasileira76 foi a que mais sofreu repressão, pois o Estado

entendia que ela seria nociva à população. Segundo o governo, era ofensiva às leis, à moral e

aos bons costumes.

Os que se opuseram a esse regime foram torturados, e em muitos casos desapareciam

inexplicavelmente. A violência do Estado pode ser percebida através dos inúmeros confrontos

policiais. A população, em geral, não tinha a noção da gravidade da situação, pois lhe eram

ocultadas muitas das atrocidades cometidas pelo Estado (GASPARETTO, 2010).

Em âmbito mundial, os movimentos políticos de estudantes, conforme citado no

capítulo anterior, sacodiram o mundo. Eles questionaram a sociedade no que tange ao

consumo capitalista desenfreado. Esses movimentos tiveram repercussão no Brasil, que

incentivou muitos estudantes a questionarem a ditadura no país. O movimento de

contracultura questionou a sociedade de consumo nos EUA. Atribuiu novos valores sociais ao

uso de drogas, fato que foi decisivo para uma nova perspectiva dada ao consumo de drogas.

Esse movimento repercutiu nos setores juvenis da sociedade brasileira. Não só o Estado

reagiu contra esse movimento como também a Igreja Católica, usando em seus sermões o

conservadorismo como forma de conter os jovens (TRAD, 2010).

Antes da década de 60, as drogas estavam relacionadas à prostituição, à loucura e à

criminalidade. Com a ditadura, as drogas foram associadas à juventude, incorporando assim

um novo significado social (delinquência juvenil e alienação político-social) (TRAD, 2010).

O Estado associou o tráfico e as drogas a uma subversão política, o que intensificou a

repressão de drogas como a maconha e o LSD. A partir de então, o uso de drogas passou a ser

75 “Música, programas televisivos, programas de rádio, cinema, livros e jornais eram todos avaliados antes da

publicação. A censura federativa coibiu mais de seiscentos filmes, quinhentas peças teatrais, a editoração de

vários livros e a inclusão de assuntos essenciais para a carreira escolar das crianças, sem falar do sem número de

músicas”. http://www.infoescola.com/historia/censura-no-periodo-da-ditadura/ Acesso: 21 de julho de 2013. 76 “Muitos autores foram presos, outros foram extraviados e algumas canções nem se quer chegavam as lojas.

Chico Buarque foi um dos cantores e compositores mais censurados”. http://www.historiabrasileira.com/brasil-

republica/censura-no-regime-militar/. Acesso: 21 de junho de 2013. Muitos outros nomes foram censurados

como Raul Seixas, Caetano veloso, Gilberto Gil, Toquinho, canções-protesto entre outros.

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74

vinculado a caso de polícia, influenciando a formação de gangues criminosas77 relacionadas

ao tráfico de drogas no Rio de Janeiro.

A Ditadura Militar, involuntariamente, forneceu as condições necessárias para que o

tráfico de drogas do Rio de Janeiro se tornasse mais organizado e disciplinado,

culminando com o poderio de enfrentamento bélico que possui hoje em dia.

Ocorreu, naquela época, que os presos políticos e grandes assaltantes de banco do

Rio foram transferidos para a prisão da ilha Grande. Como estavam submetidos à

Lei de Segurança Nacional, os dois grupos cumpriam pena na mesma galeria. Houve

então, uma intensa troca de experiências e conhecimento entre os grupos (TRAD,

2010, p. 116).

Conforme a citação, a ditadura militar criou as condições perfeitas para a

disseminação do tráfico de drogas no Rio de Janeiro. Havendo uma troca de experiências

criminosas entre os grupos, o que contribuiu para a expansão da criminalidade.

No campo da prevenção, o modelo proibicionista “foi legitimado sob a égide do

paradigma médico-moral. Mesmo entre aqueles que procuravam desmistificar os efeitos

atribuídos à maconha” (Idem, 2010, p. 117). Trad (2010), comentando autores como Carlini,

argumenta que apesar do consumo da maconha ser aceito como um conteúdo sociocultural

essa substância poderia interferir na motivação do indivíduo e na capacidade de reagir e

protestar dos jovens, transformando-os em alienados. No campo jurídico, foram determinadas

quais drogas poderiam ser consumidas, de acordo com a decisão da ONU, classificando-as

como lícitas78 ou ilícitas, privando assim o poder de escolha de quem as consumiam.

2.4 Caráter democrático e drogatinação: uma nova abordagem da política proibicionista

Com a redemocratização no Brasil, a partir dos anos oitenta79, ideias de liberdade e

igualdade são focalizadas como direito dos cidadãos. Os direitos humanos também são

colocados em foco como algo essencial à sociedade. A criação de movimentos políticos

77 Ver o filme Quase dois irmãos, Brasil, 2004, Direção: Lucia Murat. 78 “Como as bebidas alcoólicas e os barbitúricos, que não eram vistas como tais (ao menos como se percebiam os

―entorpecentes)” (TRAD, 2010, p. 117). 79 “O processo de conscientização, mobilização e organização que caracterizou os anos oitenta, fez surgirem no

cenário nacional novos atores sociais, a exemplo das ONGs e dos movimentos populares fortalecidos que

assumiram papel decisivo na construção da Constituição de 1988” (PEREIRA; SILVA, 2010, p. 116). Exemplos

desses movimentos estão o Movimento nacional de meninos e meninas de rua, o Movimento dos aposentados,

Movimento viva Rio, Movimento Nacional de Direitos Humanos, entre outros.

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75

culturais de caráter humanista influenciou protestos contra a ideologia seletiva e repressiva ao

consumo de drogas, dando assim um novo significado ao consumo.

De acordo com Trad, a partir da década de 70, “inicia-se um processo de produção de

modelos teóricos mais refinados para a compreensão do fenômeno das drogas” (2010, p. 23).

O autor expõe que, segundo a concepção de Nowlis (1977), há quatro modelos diferentes que

atuam na prevenção: o modelo jurídico-moral; o modelo médico ou da saúde pública; o

modelo psicossocial e o modelo sócio-cultural. Eles possuem a mesma tríade indivíduo-

substância-contexto, mas com ênfases diferentes. Escohotado, citado por Trad (2010), alega

que o modelo que predomina na prevenção é o jurídico-médico, também chamado de

proibicionista, é este modelo que iremos nos deter neste item.

Os direitos humanos e a democracia andam lado a lado. Historicamente, eles nascem

como fruto de três importantes momentos históricos: Revolução Inglesa (século XVII),

Francesa e a Independência Americana (século XVIII). Os indivíduos passaram a ser

considerados portadores de direitos. Após a Segunda Guerra Mundial, esses preceitos de

cidadania voltaram com tudo. Ribeiro e Ribeiro (2008) dizem que o mundo viveu um período

intenso de questionamentos, concretizando-se nos movimentos políticos, sociais e culturais.

Diante de tais conjunturas históricas, a igualdade é posta como princípio fundamental:

“com a igualdade política a cidadania é posta como medida de igualdade e convivência

coletiva dentro de uma comunidade política composta por sujeitos portadores de direitos”

(BODSTEIN apud RIBEIRO; RIBEIRO, 2008, p. 11). Os direitos individuais passaram a ser

questionados, repercutindo no trato do uso de drogas,

O consumo de substâncias psicoativas consideradas ilícitas voltou a ganhar fôlego

nas sociedades contemporâneas, especialmente dentro do ambiente urbano. Seu

consumo, além de considerado um direito individual, também estava associado à

aquisição de novas percepções capazes de suscitarem ideais humanistas de liberdade

e cooperação mútua, que colocariam em xeque o status quo repressivo que

dominava o sistema político vigente. (CASHMAN apud RIBEIRO; RIBEIRO,

2008, p. 12, grifos do autor).

Com a abertura de ideias que defendiam o direito individual, o consumo de drogas foi

posto pelos usuários como direito que deveria ser garantido. Se é um direito, porque então se

proíbe?

O direito de absorver voluntáriamente [sic] uma substância, tóxica, tendo em vista a

procura de sensações para si próprio, refere-se a um espaço privado da cidadania no

qual o Estado não se deve aventurar. No mesmo registo [sic] podemos situar o

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76

direito de cada cidadão a se autodestruir. Mesmo que não seja considerado um

direito fundamental, ele é reconhecido pela ordem jurídica do Estado: tentativa de

suicídio, auto-mutilação, comportamentos a risco almejando a procura de sensações

como a corrida de automóveis, o buggie-jumping, o alpinismo, beber álcool, fumar

tabaco, tomar tranquilizantes [sic], etc. (SANTOS, 2004, p. 15, grifos do autor).

Os cidadãos têm seus direitos individuais desde que se enquadrem nas normas

estabelecidas, é o chamado Estado Democrático de Direito. O Estado se mostra impotente

quanto aos princípios que regem o capítulo II da Constituição Federal, no art.6°, quando

garante direitos sociais, como saúde, educação, lazer, entre outros.

O não cumprimento das promessas de liberdade abriu espaços para questionamentos

sobre o que realmente são os direitos humanos. No Brasil, o problema da droga é tratado

como não- direito, pois os consumidores não têm liberdade de decidir se querem ou não

consumi-las. A drogatinação80 e os desejos pessoais, não são postos como direitos

democráticos, cabíveis de serem reivindicados, uma vez que “é geralmente definida e

decidida sem a presença e a participação dos cidadãos, que, no entanto constituem o objecto

[sic] dessas políticas” (Idem, 2004, p. 20).

A vontade do Estado, em conjunto com suas leis, permanecem como algo decisivo,

mesmo que isso infrinja os direitos dos cidadãos. O sistema penal brasileiro retrata bem essa

realidade, criminalizando as camadas mais vulneráveis da população para mantê-las sob

controle, promovendo ainda a segregação de muitos indivíduos ditos “marginais”. Essa

abordagem nega explicitamente os direitos civis ao corporificar como personificação do mal o

traficante, e o Estado como personificação do “bem”. Assim é que,

O traficante é representado como o comerciante da morte, o corruptor da juventude

dos valores fundamentais, morais como políticos. Ele é o pior dos criminosos, o

mais duro, o mais bárbaro e selvagem. O direito penal do Estado reserva-lhe, pois

um lugar muito especial na construção ideal de dois mundos em aparência

separados: a ordem que se identifica com o bem e que o Estado e a sua lei

representam, e a desordem identificada com o mal e representada pelo traficante.

Mas porque razão falaremos dos direitos humanos do traficante se ele é o mal? Ele

nem sequer é definido pela lei como um ser humano, quanto mais como cidadão

(SANTOS, 2004, p. 16).

O autor faz uma alusão à visão que impõe de que pelo fato do individuo ser traficante

tem seus “direitos limitados”, exemplificando-o como o “mal”. Dessa forma, se um indivíduo

é tido como maléfico, supostamente não terá direitos a serem conquistados. Mentalidade que

80 O ato de se drogar, como um direito à liberdade.

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77

se torna contraditória, devido à quebra de princípios morais e sociais, alicerçados na

Democracia, de que todos são iguais perante a Lei. Os direitos e a democracia, onde se

enquadram nessa lógica?

É uma liberdade e igualdade limitada, outra forma de escravidão. Santos (2004)

argumenta que essa atitude contradiz o discurso jurídico do Estado, reproduzindo ainda mais

as desigualdades sociais. A ideia de que o Estado atende igualmente a todos os cidadãos não

se enquadra na realidade, e podemos ver na falta de oportunidade de trabalho, na precarização

da saúde e da educação. Vale ressaltar que é nas políticas públicas que o Estado atua na

prevenção do uso de drogas no Brasil.

Durante a década de 80, o trato ao uso de drogas passou a ser inspecionado pela saúde

pública brasileira. Os usuários de drogas deixaram de ser apenas delinquentes para serem

tratados como enfermos e dependentes químicos. O debate acerca da legalização da maconha

começou a esquentar o cenário brasileiro. É aí que os direitos humanos são colocados em

discussão. Todo esse debate gerou uma necessidade de um conhecimento mais aprofundado

nessa temática.

Ainda durante esse período, o Estado brasileiro sentiu a necessidade de desenvolver

políticas de prevenção que pudessem reduzir danos associados ao uso de drogas psicoativas

pelos usuários, principalmente após a contaminação em grande número do vírus da AIDS por

conta do uso de drogas injetáveis. O programa de redução de danos81, iniciado na Europa,

teve um importante papel quanto às iniciativas de despenalização do consumo de drogas e a

redução de danos. Sendo implantado no Brasil como uma política apenas no fim da década de

90.

A luta antimanicomial foi de real importância para a melhoria no tratamento dos

usuários da saúde mental. Os psiquiatras almejaram novos tratamentos aos usuários de

transtornos mentais baseados na cidadania e direitos sociais. Em 1987, surge o primeiro

CAPS82 na cidade de São Paulo83. O fim da década de 80, em decorrência dos acontecimentos

no Brasil (em especial a Constituição de 88), “surgiram as primeiras entidades de abordagem

81 “Uma primeira tentativa de incorporação da Redução de Danos no sistema público de saúde ocorreu na cidade

de Santos em 1989. O programa sofreu uma série de reveses e perseguições por parte do Ministério da Justiça e

de setores conservadores da sociedade civil que impediram inicialmente a sua continuidade” (MARQUES;

DONEDA apud TRAD, 2010, p. 127). Apenas em 1995 efetivou-se o primeiro programa oficial de Redução de

Danos, baseado na troca de seringas e oferta de preservativos. 82 “É função dos CAPS prestar atendimento clínico em regime de atenção diária, evitando assim as internações

em hospitais psiquiátricos; promover a inserção social das pessoas com transtornos mentais através de ações

intersetoriais; [...]” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p. 27). 83 “São implantados no município de Santos Núcleos de Atenção Psicossocial (NAPS) que funcionam 24 horas,

são criadas cooperativas, residências para os egressos do hospital e associações. A experiência do município de

Santos passa a ser um marco no processo de Reforma Psiquiátrica brasileira” (ibid., 2005, p. 07).

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multidisciplinar do fenômeno das drogas, como a Associação Brasileira de Estudos do Álcool

e outras Drogas (ABEAD)” (TRAD, 2010, p. 129). No princípio ressaltou o uso do álcool,

depois incluíram outras drogas.

Os anos 90 entram em cena com uma mentalidade pautada na cidadania e autonomia,

surgindo assim novas propostas políticas de prevenção às drogas. Entre 1998 e 2001, o então

presidente Fernando Henrique Cardoso constituiu a Secretaria Antidroga (SENAD84), órgão

responsável pela articulação e integração entre governo e sociedade. Coube “à SENAD

estimular, assessorar, orientar, acompanhar e avaliar a implantação da Política Nacional sobre

Drogas (PND) e da Política Nacional sobre o Álcool (PNA)” (Idem, 2010, p. 121).

Em 2001, a Lei de Paulo Delgado redirecionando a assistência em saúde mental aos

princípios do SUS, abrangeu também os transtornos decorrentes do uso de drogas. Para isto,

disponibilizou através da rede pública os CAPSad85 especializados em atender pessoas que

fazem uso prejudicial do álcool e outras drogas com tratamento gratuito.

O relatório brasileiro sobre drogas, realizado pela Secretaria Nacional de Políticas

sobre Drogas, realizou entre os anos de 2001 a 2005 levantamentos domiciliares, e constatou

que entre os entrevistados de 108 cidades com mais de 200 mil habitantes, no Brasil, a droga

mais consumida na vida dos cidadãos foi o álcool.

QUADRO IV – DROGAS MAIS CONSUMIDAS NO BRASIL DE 2001-2005/

PREVALÊNCIA DE USO DE DROGAS

Prevalência % do uso de drogas na vida

DROGA 2001 2005 Álcool 68,7 74,6 Tabaco 41,1 44,0 Maconha 6,9 8,8 Solventes 5,8 6,1 Benzodiazepínicos 3,3 5,6 Orexígenos 4,3 4,1 Cocaína 2,3 2,9 Xaropes (codeína) 2,0 1,9

84 “SENAD surgia com o status político de uma Secretaria Nacional, posição que não haviam tido o Conselho

Federal de Narcóticos (CONFEN) e o Conselho Federal de Narcóticos e Entorpecentes (CFNE), órgãos que

foram criados durante os dois grandes períodos de exceção política no Brasil do século passado” (TRAD, 2010,

p. 121). Em 2008 a expressão Secretaria Nacional Anti-drogas é modificada para Secretaria Nacional Sobre

Drogas. 85 “Funcionam durante os cinco dias úteis da semana, e têm capacidade para realizar o acompanhamento de cerca

de 240 pessoas por mês. A equipe mínima prevista para os CAPSad é composta por 13 profissionais de nível

médio e superior” (MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2005, p. 30).

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Estimulantes 1,5 3,2 Barbitúricos 0,5 0,7 Esteroides 0,3 0,9 Opiáceos 1,4 1,3 Anticolinérgicos 1,1 3,2 Alucinógenos 0,6 1,1 Crack 0,4 0,7 Merla 0,2 0,2 Heroína 0,1 0,1

Fonte: Adaptado de BRASIL/ SENAD (Relatório sobre drogas 2009), p. 22.

Ao comparar o uso das drogas que mais trazem danos à saúde, as lícitas estão

provocando bem mais problemas de saúde do que as ilícitas, a exemplo do álcool e o tabaco,

sendo as mais usadas pela população brasileira e as que causam mais dependência. Sendo o

álcool uma das principais causas de internamento nos CAPSad.

A partir do Governo Lula, foram incorporadas novas mudanças no que tange à política

antidrogas, “destacando-se a construção de uma nova relação entre a questão do usuário de

drogas, punição e tratamento” (TRAD, 2010, p. 124). A Secretaria Nacional Sobre Drogas

realizou em 2009 um seminário com sete países, e mais tarde outros seis encontros, criando o

Programa Ações Integradas de Prevenção ao Uso de Drogas e Violência86. Houve outros

projetos com o mesmo objetivo tais como: Terapia Comunitária, Consultório de Rua e Viva

Voz. Também foi criado o Observatório Brasileiro de Informações sobre Drogas (OBID) com

o intuito de reunir e centralizar informações atualizadas sobre drogas, incluindo dados de

estudos, pesquisas e levantamentos sociais (TRAD, 2010).

Com essas novas direções, começaram a dar ênfase ao tratamento, à recuperação e à

inserção social do indivíduo, havendo assim um progresso na abordagem das drogas no

Brasil, deixando de ser a repressão o foco principal. Com a Lei 11.343/2006, o caráter

repressor ao usuário foi modificado, distinguindo usuários de traficantes.

No Brasil, debates acerca da legalização do uso da maconha tiveram muita

repercussão. O exemplo disto foi a Marcha da Maconha87, tendo por objetivo manifestações

contra a lei vigente e a favor da liberação de seu uso. No ano de 2008, líderes do movimento

86 O programa contemplou “cinco regiões metropolitanas, [...] Porto Alegre, Rio de Janeiro, Salvador, Vitória e

Distrito Federal” (TRAD, 2010, p. 124). 87“A Marcha da Maconha ocorre mundialmente no primeiro final de semana do mês de maio, porém no Brasil,

como a data coincide com o Dia das Mães, pode ocorrer em outros finais de semana (geralmente em maio).

Além da marcha em si ocorrem reuniões, caminhadas, encontros, concertos, festivais, mesas de debates, entre

outros. O evento começou em 1994. Mais de 485 cidades participam desde então: Existem nomes locais para o

evento também. Como: Dia Mundial da Maconha, Dia da Liberação da Maconha, ‘Ganja Day’, ‘J Day’, Marcha

da Maconha. A Marcha da Maconha caracteriza-se também por celebrar os estudos científicos que revelam os

diversos usos da cannabis, medicinalmente, industrialmente, religiosamente”. Disponível em:

http://pt.wikipedia.org/wiki/Marcha_da_Maconha Acesso:10 de agosto de 2013.

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queriam que houvesse a Marcha da Maconha em doze capitais brasileiras, o resultado não

poderia ter sido outro: repressão. Os juízes alegaram que essa ideia fazia apologia ao uso de

drogas e até a formação de quadrilha. Nesse período, houve a marcha somente no Recife, mas

acabaram ocorrendo várias prisões durante o evento. Somente em 2011, o Supremo Tribunal

Federal permitiu a manifestação, alegando que sua proibição era uma ameaça à liberdade de

expressão.

Todos os anos a United Nations Office on Drugs and crime – (UNODC88 - União das

Nações Unidas contra as drogas e o crime) faz relatórios acerca do consumo, tráfico e

produção de drogas. O Relatório Mundial sobre Drogas, de 2012, mostrou que em todo o

mundo o consumo e a produção de drogas ilícitas tradicionais (cocaína, heroína e cannabis) se

mantiveram estáveis, apesar de mudanças nos fluxos e mercados de consumo dessas

substâncias. Houve um aumento da produção e do consumo de drogas sintéticas, como

estimulantes de tipo anfetamínico, bem como para o consumo de substâncias que não estão

nas listas de controle internacional. Com tendência a aumentar nos países emergentes e em

desenvolvimento.

As drogas acometeram sérios problemas à saúde dos brasileiros. Segundo o Ministério

da Saúde, “a perda de produtividade e os óbitos prematuros em 1996 representaram 7,9% do

PIB” (QUEIROZ, 2008, p.72). Esse crescimento acarretou sérios problemas à saúde pública

brasileira, como por exemplo, o uso da cocaína que nos anos 90 teve demandas crescentes

para os serviços de saúde pública e a sociedade como um todo. O consumo do crack89

também devastou muitas famílias. Até 2007, ele foi consumido de forma reduzida, mas no

ano seguinte essa realidade mudou, tendo um crescimento relevante (AWAKE, s.d). Por conta

de suas propriedades altamente viciantes e destruidoras, tornou-se uma droga altamente

perigosa para seus usuários, sendo a droga que mais viciou no Brasil. O perfil desses usuários,

geralmente são pessoas de “baixa renda, desempregado ou com emprego informal (que realiza

88 “O UNODC apoia os países a desenvolver respostas ao uso problemático de drogas e suas consequências

adversas à saúde, por meio da implementação de ações de prevenção e da oferta de uma rede de serviços

integrada de atenção e assistência, com base em evidências científicas, no respeito aos direitos humanos e em

padrões éticos”. Disponível em: https://www.unodc.org/southerncone/pt/drogas/index.html Acesso: 05 de março

de 2013. 89 É uma mistura de cocaína em forma de pasta não refinada com bicarbonato de sódio, soda cáustica e água. Ao

contrário da maioria das drogas, o crack não tem sua origem ligada a fins medicinais: ele já nasceu como uma

droga para alterar o estado mental do usuário.

“O crack surgiu da cocaína, e foi introduzido nos Estados Unidos em 1983, devido ao alto preço da cocaína nas

ruas, fez com que a demanda por cocaína na classe média fosse diminuída, e o crack surgiu como uma

alternativa muito mais barata e perigosa. No Brasil foi introduzido por traficantes no submundo das favelas e

guetos das grandes cidades sendo, portanto, difícil precisar quando e onde realmente ele apareceu pela primeira

vez. O nome ‘crack’ vem do barulho que ele faz quando está sendo queimado para ser consumido” (QUEIROZ,

2008, p. 26).

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‘bicos’), de baixo nível educacional, solteiro, jovem e predominantemente masculino”

(OLIVEIRA apud AWAKE, s.d., p. 58).

Suas alterações psíquicas e comportamentais são tão devastadoras que levou muitos

toxicômanos a suicidar-se ou acabaram morrendo assassinados90. A classe trabalhadora foi a

que mais morreu por não conseguir pagar por seu vício. Não tendo como pagar seus vícios,

muitos apelaram para a criminalidade, sendo a violência “uma consequência diretamente

associada ao crack. A maioria dos usuários apresenta passagem pela polícia. O roubo e o

assalto são atividades exercidas mais por homens que por mulheres” (Idem, s.d., p.59, grifo

do autor). O que agravou mais a questão social brasileira.

Em 2011, a presidente Dilma Rousseff lançou o Programa Crack é Possível Vencer,

chegando o orçamento a 4 milhões de reais destinados pelo Governo Federal. O governo

implantou três eixos para enfrentamento do crack no país: um de prevenção, um de cuidados e

outro de autoridade. Desde o início do programa, foram criados 1.885 novos leitos em 37 Centros

de Álcool e Drogas, 60 unidades de acolhimento, 85 consultórios de ruas e enfermarias

especializadas em álcool e drogas (ALAMA; CEO; FORMIGA, 2013). Mais que um problema

individual, o crack foi uma questão de alerta mundial, pois suas consequências foram

seríssimas para a vida da população. De acordo com Teixeira (2012), esse plano implicou em

ações imediatas e ações estruturais91, descartando aquelas voltadas para o enfrentamento ao

tráfico de drogas. Dentre as suas inúmeras medidas, o plano visava à internação compulsória

de crianças e adolescentes moradores de rua e usuários de crack.

De acordo com um levantamento feito em 2013, pela Fundação Oswaldo Cruz

(FIOCRUZ), ligada ao Ministério da Saúde, em parceria com a Secretaria Nacional de Políticas

sobre Drogas (SENAD) do Ministério da Justiça, cerca de 370 mil habitantes brasileiros usaram

crack ou seus similares, representando 35% dos usuários de drogas ilícitas, com exceção da

maconha. De acordo com a pesquisa, a região que liderou esse ranking foi o Nordeste, em

seguida as regiões Sul, Centro-Oeste e Sudeste. Crianças e adolescentes foram as que mais se

viciaram, chegando a 28 mil nas capitais nordestinas. Segundo o secretário da Senad “o alto uso

90 De acordo com uma pesquisa feita em 1992 a 1996 os homicídios ligados às drogas chegou a 56, 5%,

porcentagem considerada alta. Número que nos assusta constantemente, pois a cada ano que passa os números de

óbitos só aumentam. Disponível em:

http://www.antidrogas.com.br/mostraartigo.php?c=13&msg=Homic%EDdio%20responde%20por%2060%%20d

as%20mortes%20no%20crack. Acesso: 20 de dezembro de 2013. 91 “organizam-se em torno dos seguintes eixos: integração de ações de prevenção, tratamento e reinserção social;

diagnóstico da situação sobre o consumo de crack e suas consequências; campanha permanente de mobilização,

informação e orientação; e formação de recursos humanos e desenvolvimento de metodologias” (TEIXEIRA,

2012, p. 58).

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de crack no Nordeste está ligado ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) local, onde há uma

população mais carente” (ALAMA; CEO; FORMIGA, 2013).

Uma questão intrigante relacionada a usuários de crack, a partir de 2011, foi a

internação compulsória dos usuários de crack nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo.

Recolheram dependentes químicos de crack e os internaram contra sua vontade. O governo

justificou que esses casos são de saúde pública, não se tratando de uma questão penal. Essa

ação do Estado dividiu opiniões, causando muita polêmica. Profissionais da área, como

médicos, assistentes sociais e psicólogos, dividiram-se no assunto. Uns veem como algo

positivo, pois muitos usuários já não têm noção da realidade que se encontram. Outros,

porém, veem como quebra de direitos, caracterizando o ato como tendo caráter judicial

(LOCCOMAN, 2012).

Os sindicatos e movimentos sociais tiveram um papel fundamental na disseminação da

educação, quanto a essa temática. Vários manifestos foram feitos em São Paulo pelos

movimentos de direitos humanos e antimanicomial em favor de outras formas de atuação

como o reforço da política de atenção psicossocial (MACIEL, 2013). Podemos perceber que

no Brasil a temática das drogas ainda é bem complicada, no que se refere aos direitos

humanos, não havendo um campo amplo de debates entre a sociedade e o Estado.

2.5 Neoliberalismo e Tráfico de drogas

Com o declínio do Wefare State e a crise estrutural do capital na década de 70, o

Estado é reordenado e o projeto neoliberal92 é posto como solução para a crise. Os neoliberais

consideravam que a intervenção estatal era a principal causa da crise, propondo como solução

a retomada “da tese clássica de que o mercado é a única instituição capaz de coordenar

racionalmente quaisquer problemas sociais, sejam eles de natureza econômica ou política”

(TEIXEIRA, 1996, p. 195). Essa teoria queria demonstrar o mercado como único capaz de

estruturar e reordenar “as decisões de produção e investimento sociais” (Idem, 1996, p. 196).

Na verdade, tem-se uma retomada dos princípios liberais, mas com uma nova roupagem.

Esse modelo de mercado deveria baixar a inflação e elevar os lucros, como também

manter o equilíbrio do próprio mercado regulador, mas não foi isso que aconteceu, a inflação

aumentou e os lucros baixaram. Suas principais propostas para as políticas sociais e os

92 Baseado nos princípios liberais, para maior compreensão ler Teixeira (1996) das páginas 195 a 216.

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serviços públicos foram as privatizações e a terceirização. O individualismo foi marcante

nesse novo modelo, culpabilizando os indivíduos por suas próprias mazelas, transferindo a

responsabilidade do Estado para a sociedade civil. Com as privatizações, terceirizações e a

focalização da pobreza, as políticas sociais são desregulamentadas, à medida que restringe o

acesso da maioria da população, focalizando os mais pobres e reduzindo as vagas de emprego

na esfera pública.

De acordo com Netto e Braz (2011), a ideologia neoliberal teve por objetivo não a

diminuição do Estado, mas a diminuição das funções estatais, principalmente as que se

referem à satisfação dos direitos sociais. O grande capital “impôs ‘reformas’ que retiraram do

controle estatal empresas e serviços – trata-se do processo de privatização” (NETTO; BRAZ,

2011, p. 238). Havendo assim uma redução na intervenção estatal na área social, como é o

caso da saúde e da previdência social.

No Brasil, o neoliberalismo teve um significado diferente quanto ao restante do

mundo, sendo introduzido para que se pudesse manter a relação capital/trabalho, já que o país

estava vivendo um processo de desenvolvimento. Desde o presidente Collor (1991), as

propostas neoliberais já eram expostas no cenário nacional, mas se concretizaram apenas na

metade dos anos 90 com o então presidente Fernando Henrique Cardoso. O Governo

defendeu a diminuição das funções do Estado, repercutindo na redução da garantia dos

direitos sociais, proporcionando assim um Estado mínimo para os trabalhadores e máximo

para o capital.

A ideologia neoliberal enfatizou a ineficiência do Estado em atender as necessidades

dos indivíduos. Ele também naturalizou as desigualdades sociais, defendendo a assistência aos

pobres, o que implicou em programas sociais descontínuos, emergenciais e focalizados, como

os programas Bolsa Família e Fome Zero, que apareceram como forma imediata de resolver

os problemas sociais. Consequentemente, beneficiou apenas a parcela da população que se

encontrava abaixo da linha da pobreza, enquanto que o resto da população encontrou sua

proteção nas prateleiras e vitrines do livre mercado. Havendo assim um retrocesso na

conquista pelos direitos sociais da Constituição de 88.

O Toyotismo, com sua flexibilização na organização do trabalho, afetou o processo

produtivo e as relações trabalhistas. Havendo mais ainda uma intensificação da exploração do

trabalho, como também, uma flexibilização dos direitos dos trabalhadores. Verificou-se uma

significativa diversificação de mão-de-obra, como a incorporação do trabalho feminino no

mundo operário, além, de uma subproletarização, presente na expansão da atividade

laborativa parcial, precário, temporário, terceirizado. Mas a pior consequência disto foi o

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desemprego. Com essas transformações no mundo do trabalho, há um agravo nas expressões

da questão social e a desigualdade fica ainda mais evidente.

Até porque a desigualdade é marcante no Brasil, tornando-o um dos mais desiguais do

mundo, como também o desemprego que afeta em sua maior parte as classes mais baixas da

população (Morais 2006). Assim também como afeta os empregados, que com os salários

maus pagos e a precarização dos serviços públicos, acabam tendo uma vida precária, pois a

falta de uma remuneração que corresponda à satisfação de suas necessidades básicas como:

saúde, educação, moradia e alimentação, levam esses trabalhadores a procurar outros meios

de suprirem suas necessidades, a exemplo do trabalho informal. Desta forma, a questão social

diz respeito a um conjunto de expressões das desigualdades sociais, constitutiva das relações

sociais capitalistas, “sem a figura do Estado”. Assim, a política social aparecerá comandada

pelo neoliberalismo de forma fragmentada e superficial marcada pela desregulamentação dos

direitos sociais, pelo corte dos gastos sociais, mantendo a situação de pobreza da maioria da

população que utiliza os serviços sociais. Atuando de forma mínima para os que não

conseguem se inserir no mundo do trabalho.

Sendo assim, a “ausência de serviços públicos fundamentais nas áreas pobres lançou

condições favoráveis ao fortalecimento de grupos criminosos” (MORAIS, 2006, p. 127).

Direta ou indiretamente, agindo ou não, o Estado atende às necessidades do mercado, do

lucro, da classe dominante, mesmo que isso comprometa severamente a existência da maior

parte da população que, sem alternativas, termina se envolvendo com quadrilhas e

organizações criminosas. Sendo um comércio lucrativo, o Estado acaba por atender às

necessidades do mercado, o que segundo Morais (2006), cria uma imagem de que não exerce

influência sobre o tráfico de drogas, situação esta bastante questionável.

De acordo com Morais (2006), a ausência de ações sociais do poder público abriu

uma brecha para que traficantes exerçam liderança nas comunidades carentes. Ao fazer o

papel que o Estado deveria fazer, esses grupos não só amedrontam, como também conquistam

o respeito da comunidade ao distribuir remédios, cestas básicas, brinquedos, roupas, entre

outros. Contudo, basta olhar para a realidade para ver o quanto esse assistencialismo custou à

população; as consequências são múltiplas, desde o aumento da violência a problemas de

saúde. Esse fenômeno efetiva-se dentro de uma sociedade altamente seletiva e desigual, que

se apropria dos indivíduos “fragilizados” para ofertar mercadorias.

Os resultados do projeto de guerra ao tráfico demostram que o número de usuários

não diminuiu, o poder paralelo do tráfico de drogas só acresceu, juntamente com o

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tráfico de armas que impera em zonas latentes em que se dão estas transações

comerciais, marginalizando socialmente as comunidades periféricas dos centros

urbanos e inserindo novos atores neste jogo: crianças e adolescentes que estão

excluídos das escolas e seus responsáveis que são afetados pela desestruturação do

mundo do trabalho, assim como continua existindo a extorsão policial como prática

da política proibicionista (TEIXEIRA, 2012, p. 65).

Conforme o autor, essa guerra às drogas não surtiu efeito, gerou mais violência. Em

decorrência da precarização do mundo do trabalho, cada vez mais crianças e adolescentes se

inserem nesse mundo ilícito, aumentando o número de usuários continuamente. Santos

afirma que, a guerra contra as drogas faz parte de uma política que se articula “à volta da

questão social, da acumulação do capital e dos modos de exercício do poder político, que

caracteriza a democracia neoliberal flexível como regime-modelo à escala mundial” (2004, p.

2-3, grifos do autor).

De acordo com Morais (2006), essa “guerra” ao tráfico de drogas beneficia vários

segmentos da sociedade, como o mercado consumidor dessas substâncias, o tráfico de armas e

a segurança privada. Tratando-se do mercado consumidor, ele difundiu-se principalmente nas

classes médias com a cocaína “apontada como a droga neoliberal” (MORAIS, 2006, p. 118).

Que por esse motivo muitos pontos de venda de drogas no Rio de Janeiro estão localizados

nas regiões da classe média. O autor ainda argumenta que são altos os lucros da indústria

bélica, tanto as vendas para os policiais, quanto para os traficantes. Países como Israel, EUA,

Rússia, Alemanha e Suíça beneficiam-se com essa venda. Com o medo iminente da violência,

a segurança privada tem aumentado muito. Cada vez mais pessoas querem se proteger, para

isto contratam serviços de segurança. Esse setor tem crescido consideravelmente.

A atuação do Estado brasileiro no trato às drogas legitima o discurso proibicionista

“agindo através dos meios de comunicação, das instituições psiquiátricas e prisionais, escolas,

forças armadas [...]” (TEIXEIRA, 2012, p. 63), propagando o conflito de classes. Essa

propagação através dos meios de comunicação, de que a pobreza e o crime estão entrelaçados,

pode ser notada nos telejornais do país. Como por exemplo, a invasão policial ocorrida no ano

de 2010 nas favelas do Rio de Janeiro, em que policiais saíram à caça de traficantes nos

morros em rede nacional, dando a entender que com a sua eliminação o problema do tráfico

de drogas seria resolvido. A mídia fez questão de propagar uma ideologia proibicionista que

atacou principalmente a classe menos favorecida. Só que o tráfico de drogas não só envolve

sujeitos das classes menos favorecidas, ele se compõe também de pessoas das mais variadas

classes sociais, sendo o Estado a extensão da repressão burguesa, atendendo os interesses da

elite. Para isso, tem no judiciário uma forma de controlar as classes (TEIXEIRA, 2012).

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O Estado usa do pretexto da violência para legitimar o controle social sob a população.

Criando um estereótipo criminal, em que os produtores da maconha no Nordeste, e os

favelados do Rio de Janeiro passaram a ser alvos do controle social (QUEIROZ, 2008). Esse

controle se deu pelo conjunto das normas penais, pois o Estado precisou controlar a enorme

massa de desempregados, excluídos e pobres, com o propósito de neutralizar possíveis

mobilizações dos grupos sociais que põem em perigo a distribuição de riquezas. Usando

também as normas penais como um instrumento que “[garanta] que os trabalhadores

continuem integrando o sistema de produção de trocas” (MORAIS, 2006, p. 124).

Morais (2006), citando Batista, diz que é sob o sistema penal do neoliberalismo que a

disciplina do desemprego se impõe. Sendo assim:

O Estado e as classes que o dirigem se utilizam do sistema penal para gerir as

desigualdades e ilegalidades, ora controlando-as, ora tirando proveito delas. Assim,

perpetua-se um sistema de manutenção da ordem capitalista que mantém o controle

social sobre a população pobre, mantendo-a segregada e pacificada (Idem, 2006, p.

124 grifos do autor).

Assim sendo, é um controle necessário a ordem capitalista, que marginaliza a

população pobre. Legitimando a atuação violenta da polícia nos bairros periféricos.

O tráfico de drogas é um comércio complexo, pois precisa passar por vários processos

de produção, sendo uma complexa rede atacadista de drogas. Para a efetivação desse processo

é preciso um alto investimento, isso envolve “um nível de relacionamentos, articulações e

poderes – inclusive econômicos [...]. O comércio atacadista das drogas recebe investimentos e

coordenações de membros das classes mais favorecidas [...]” (MORAIS, 2006, p. 118). O

autor ainda argumenta que esse comércio para a classe dos varejistas representa uma ameaça

de morte, mas para os atacadistas representa altos lucros.

Do Congresso Nacional às favelas do Rio de Janeiro93, o país é fértil no que tange ao

tráfico de drogas, tanto por sua vasta expansão territorial quanto pelas inúmeras fronteiras

com outros países. Sendo que nessas fronteiras, normalmente a população é menor e o

narcotráfico intenso, praticado principalmente por fazendeiros e autoridades locais (AWAKE,

s.d). Ambiente este que é usado como uma das principais rotas do tráfico de drogas mundial.

93 “Até a década de 80, o mercado informal ilegal no rio de Janeiro era dominado pelo jogo do bicho. Somente a

partir do final dos anos 70 é que o tráfico de cocaína começa a ser detectado no Rio, e sua importância só se

consolidara na primeira fase do tráfico, período em que o tráfico foi efetivamente controlado pelo comando

vermelho” (MISSE, MICHEL, s.d, p. 5).

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87

Até 1984, o Brasil era controlado pelo Cartel de Medellín e chefões da máfia Italiana.

Logo um mafioso italiano por nome de Tomaso Buscetta denunciou esse esquema em troca da

proteção da justiça americana. Os mafiosos usavam as pistas de pouso na floresta amazônica

para contrabandear drogas. Geralmente a droga chegava em forma de pasta, sendo depois

refinada em laboratórios clandestinos e transportada para cidades como São Paulo e Rio de

Janeiro. Nesse período Pablo Escobar uniu-se à máfia italiana (ARBEX, 1993).

O Congresso Nacional também foi palco de constantes negociações ilícitas. “A maior

parte da droga consumida pela elite brasileira foi levada por portadores de passaportes

diplomáticos e credenciais dos Poderes Legislativo e Executivo. ‘A droga está nos altos

escalões. Atingiu o poder. Assim fica difícil de combater’ [...]” (Idem, 1993, p. 63).

Em 1991, houve um escândalo no Congresso Nacional, com os irmãos do então

deputado Jabes Rabelo, que falsificaram suas identidades se passando como funcionários da

Câmara dos Deputados. O delegado da época, Romeu Tuma, apreendeu deles 554 quilos de

cocaína, sendo a maior apreensão da droga naquela época. O delegado ainda ressaltou que

eles faziam parte do Cartel de Cali. Por muito tempo, esses criminosos ficaram às escondidas

pelo fato de serem imunes a investigação policial por fazerem parte da Câmara dos

Deputados. Fato este que impulsionou o envolvimento de muitos funcionários da Câmara com

o tráfico de cocaína em Brasília, “haviam transformado algumas dependências do parlamento

brasileiro no maior ponto de tráfico de cocaína de Brasília” (Idem, 1993, p.62).

Chegaram a negociar cerca de quinze quilos de cocaína por mês, fato este que

intensificou o consumo de drogas em Brasília, pois a elite brasileira passou a usar com mais

frequência (ARBEX, 1993). Outros escândalos se seguiram, como o de março de 1992: o

jornalista Júlio César Fialho, acusado pela sindicância do Senado de ter relações com o

narcotráfico, confessa ao Jornal Folha de São Paulo, que um oficial do Ministério das

Relações Exteriores estava envolvido com a conexão do narcotráfico no Congresso. Contou

que ainda consumia

‘várias vezes’ cocaína no Congresso e em festas em casas de deputados, e que era

uma prática relativamente comum cheirar cocaína em algum banheiro nas

dependências do Congresso. ‘O tráfico no Brasil é muito mais poderoso do que se

imagina. Está infiltrado desde a favela até os mais nobres gabinetes de Brasília [...]

(ARBEX, 1993, p. 64).

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O tráfico nas favelas94 e periferias brasileiras é apenas uma rede de distribuição

mundial do narcotráfico, que tem seus chefes dentro do próprio Congresso Nacional. Acabar

com esse comércio se torna uma utopia, ao passo que, estando os chefes no alto escalão é

difícil capturá-los:

O contato com os líderes do narcotráfico, tanto os que estão detidos nas prisões bem

como os que estão fora, pelas questões de segurança, tornam-se [sic] impossíveis.

Mais difícil ainda seria interrogar os poderosos, os que são conhecidos como os

criminosos de ‘colarinho branco’, aqueles que detém [sic] o capital para compra e

venda de drogas e armamentos. Fica impraticável um diálogo com esses executivos

de alto escalão da nossa sociedade primeiro por que não se conhece, nunca se viu e

ninguém sabe onde eles estão; isso porque eles têm apoio de outros co-partícipes

para as negociações e é possível que sejam estes os próprios representantes do

judiciário, do executivo e de outras instâncias governamentais que estejam

envolvidos na trama. Eles encontram ajuda e proteção de policiais civis e militares,

de delegados e de outros que também detém poderes como os políticos que se

beneficiam do dinheiro do tráfico para custear as campanhas eleitoreiras num

esquema de troca de favores (FIDELIS, 2007, p. 9).

Como acabar com o comércio ilegal da droga, se os próprios representantes da

população estão inseridos nele? Pergunta que nos remete a reflexões quanto ao aparato estatal

e sua estrutura desigual e contraditória. Os “favelados” vão para a cadeia, já os chefes do

crime do narcotráfico, a polícia não os encontra. Percebemos que o combate ao tráfico de

drogas é apenas aparente, pois os próprios capitalistas se inserem nessa máfia, e esses

dificilmente são presos.

O tráfico de drogas tem um poder relevante, a exemplo do Comando Vermelho95, que

teve relações com empresários poderosos e disseminou seu poder criminoso em diversas

partes do país. Essa organização criou até mesmo um “fundo previdenciário” com o intuito de

ajudar mulheres e filhos de integrantes mortos. Além dos próprios presos receberem

benefícios desse fundo, tais como: drogas, produtos de higiene, roupas, entre outros. Uma

porcentagem também foi usada para pagar advogados, policiais e políticos envolvidos nessa

trama (ARBEX, 1993). Esse jogo de poder não para por aí. A Amazônia chamou a atenção

dos Estados Unidos por ser uma região estratégica para o narcotráfico96. Em 1991,

94 Ver documentário “Falcão - meninos do tráfico”, autoria de dois rappers MV Bill e Celso Athayde. 95 “Segundo o Jornal do Brasil de 16 de fevereiro de 1992, a quadrilha criou a marca ‘CV’, impressa em bonés,

camisetas, adesivos e cartões. Para usar a marca, um candidato a traficante tem que ser aprovado pela

organização, que lhe fornecerá a mercadoria, instruções sobre como proceder na venda e a cobertura em homens

e armas. Em troca, o CV fica com parte dos lucros. Em outros termos, o traficante, na verdade, compra os

direitos de traficar” (ARBEX, 1993, p. 66, grifos do autor). 96 “A oficialidade das Forças Armadas brasileiras irritou-se quando instrutores da DEA, a convite da Polícia

Federal, foram observar, em 1998, operações na Amazônia e lecionaram em escola de sobrevivência na selva,

nas proximidades de Manaus” (BORGES, 2006, p. 30).

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Washington bolou uma intervenção militar de combate ao narcotráfico no Brasil, usando

agentes da Agência de Repressão às drogas - DEA para atuar na região amazônica. A polícia

brasileira negou a participação americana em muitas operações policiais, mas depois afirmou

que tanto brasileiros quanto americanos trabalharam em conjunto. Segundo Arbex, essa união

foi grave para o Brasil porque “coloca em questão certos princípios de soberania nacional –

[...]” (1993, p. 74). Além do mais a militarização americana não resolveu o problema do

tráfico de drogas no país.

Fica notório que o comércio do tráfico de drogas é uma economia muito disputada e

almejada pelos países, havendo uma profunda relação entre capitalismo e drogas. O uso de

drogas é uma fonte de prazer, mas também uma renda altamente lucrativa, e, como vimos, a

liderança do narcotráfico fica nas mãos dos “poderosos” e o trabalho “sujo” com os

subordinados periféricos. Esta é a lógica capitalista que explora a maioria da população para a

minoria usufruir dos bens materiais. E o Brasil se insere nessa lógica mercadológica do

submundo da droga, ajudando o capital a lucrar e se expandir em cima de “inocentes”.

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CONCLUSÃO

Abordamos no primeiro capítulo deste trabalho, o Estado e a Política Proibicionista de

Drogas de modo geral com o intuito de desmistificar a limitada função estatal na sua

atribuição para controlar o consumo de drogas através da proibição. Para a realização deste

trabalho foi necessário fazer uma apresentação histórica de como a humanidade lidava e

consumia os produtos que atualmente são considerados como drogas lícitas e ilícitas. Também

de como as autoridades se posicionaram frente ao tema estudado num âmbito mundial.

Logo percebemos que este assunto relacionado às drogas e ao Estado trouxe para a

sociedade uma grande repercussão, por isso mudamos nosso foco algumas vezes para trazer

uma temática de forma mais clara e objetiva. Inicialmente pensamos em um objeto

relacionado ao tráfico de drogas, mas no decorrer das pesquisas resolvemos tratar do Estado e

da política proibicionista de drogas de forma geral, dando maior ênfase ao Brasil, alcançando

desse modo os nossos objetivos gerais. Abordamos, inicialmente, como as drogas surgiram

desde a antiguidade, como foram sendo conhecidas e quais foram suas finalidades e sua

inserção na cultura de cada época ao longo do tempo. Também relatamos como e quando o

Estado surgiu e qual foi, e continua sendo, a sua ação no controle do consumo de drogas.

Chegando à Idade Média por volta do século XI, notamos que as drogas foram

adquirindo novos conceitos e finalidades, sendo que ainda permaneciam com o seu valor de

uso. A partir do século XIII, o consumo se expandiu de forma muito rápida, por conta das

navegações comerciais que transportavam especiarias, inclusive algumas drogas para outras

cidades.

Devido à amplitude do assunto, pudemos mostrar onde, como e por quem as drogas

eram consumidas. À medida que o mundo se desenvolveu, surgiram novos tipos de drogas,

novos métodos de utilização e novos adeptos que se tornaram consumidores. Paralelamente ao

desenvolvimento econômico mundial e à expansão dos tipos e do consumo de drogas, surgiu

a necessidade de se regular a venda e o consumo, através de algumas leis específicas. Já que

neste período também se desenvolvia uma intensa desigualdade social, provocada pela

ascensão da sociedade capitalista.

A droga se tornou um problema social quando foi convertida em mercadoria dentro do

sistema capitalista. Logo, muitos países puderam perceber que o consumo demasiado de

drogas trazia para a sociedade uma série de fatores negativos. Fatores estes que exigiram do

Estado um posicionamento capaz de mudar tal realidade. Consecutivamente, surgiu a forma

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de enfrentamento do Estado, através da política proibicionista na qual está inserida a

repressão e a prevenção.

O proibicionismo foi adotado pelo Brasil após ter sido influenciado pelos Estados

Unidos, com o objetivo de controlar o consumo de drogas. Com o passar dos anos, notou-se

que a efetivação da política proibicionista de drogas não foi suficiente para alcançar o

objetivo proposto inicialmente.

Tratando-se do consumo de drogas, especificamente no Brasil, pudemos notar que este

foi avançando progressivamente sob a influência de vários aspectos. Em cada fase da história

do Brasil, houve determinadas formas de consumir e de tolerar as drogas. Até o começo do

século XX, a classe média alta era uma das maiores consumidoras de drogas, e o Estado não

interferia para regular o consumo. As primeiras medidas de restrições para controlar o uso de

drogas surgiram a partir das convenções internacionais em 1912, logo após os discursos

moralistas. Posteriormente, foram surgindo outras medidas de proibições e outros argumentos

a respeito do assunto.

No Brasil Colônia, uma das drogas mais consumidas no país foi a cachaça derivada da

cana-de-açúcar. Os burgueses tiveram grandes interesses empreendedores para expandir o

comércio. Contavam com a facilidade da exploração da mão-de-obra escrava, o que

possibilitou a comercialização e os investimentos industriais para expandir o consumo. Até

então, no Brasil, o consumo do álcool não estava causando nenhum tipo de dano à sociedade

ou aos usuários. Mais tarde, grande parte da população passou a consumir o álcool, o tabaco,

a maconha, entre outros tipos, e isso causou danos à população, porém por gerar altos lucros

nada foi feito por parte do Estado.

A partir de 1889, com a Proclamação da República, a forma do governo encarar os

efeitos causados na população consumidora de drogas já era diferente. Pois neste período,

surgiram várias indústrias fármaco-químicas que possibilitaram um avanço no consumo de

variados tipos de drogas. Esse avanço foi influenciado pela Revolução Industrial que

estimulou ainda mais o desenvolvimento comercial, trazendo como consequência uma

transformação social. Pois, quando o Brasil se tornou industrializado, cresceu

economicamente devido à adesão de várias indústrias para seu próprio benefício. Isso

barateou o custo e possibilitou a exportação de muitos produtos, produzidos aqui no Brasil

como foi o caso do café; entre outras vantagens.

Ainda, nesse período, determinadas drogas tiveram finalidades recreativas ou para fins

medicinais, logo, passaram a ser vistas como produtos capazes de gerar lucros. O Brasil,

influenciado por outros países, criou a primeira legislação sobre drogas. Alguns decretos da

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legislação brasileira sobre drogas estiveram pautados numa racionalidade médica e jurídica

moral. No campo da psiquiatria, houve um grande avanço, pois a medicina higienista, aliada

com o Estado, estudou soluções eficazes para o tratamento dos transtornos mentais. O uso de

drogas estava associado à loucura e ao crime.

A Era Vargas foi um período de muitas transformações políticas, sociais e econômicas.

O presidente passou a governar por meio de decretos-leis, já que todos os órgãos legislativos

foram dissolvidos. Agora mais do que nunca Vargas detinha em suas mãos os mais amplos

poderes; seus atos não podiam sequer ser submetidos à justiça. O presidente determinava

praticamente tudo o que os estados deveriam seguir e obedecer. Facilitando cada vez mais ao

Estado a criação de medidas para reprimir o poder da classe trabalhadora. O Estado brasileiro

começou a intervir a partir deste período, criando as principais leis e diretrizes sobre drogas

que norteiam, até hoje, a legislação brasileira. O governo baseou suas ações contra as drogas

nos modelos das convenções internacionais. Permanecendo com o mesmo raciocínio de que o

uso de drogas estava associado ao crime e à loucura. A política proibicionista começou a

ganhar força no cenário brasileiro.

Durante a ditadura militar, a proibição ao uso de drogas teve mais repressões do que

nunca, por conta do cenário político que o país vivia. Nesse período, as drogas foram

associadas a juventude, dando assim um novo significado social (delinquência juvenil e

alienação político-social). O Estado incorporou ao tráfico de drogas a subversão política, e seu

uso passou a ser caso de polícia, ou seja, a repressão continuou como sempre a única

alternativa para controlar os problemas sociais causados pelas drogas.

Com a redemocratização a partir dos anos 80, o trato ao uso de drogas tomou outro

rumo. Os direitos humanos são colocados em foco, e questionamentos são inevitáveis por

parte dos usuários, como o direito individual. Mas a vontade do Estado com suas leis foi que

prevaleceu, legalizando umas e proibindo outras. Essa temática despertou a sociedade

brasileira, fazendo com que entidades multidisciplinares passassem a estudar o fenômeno das

drogas. A partir da década de 90, vários órgãos foram sendo criados como a Secretaria

Antidroga (SENAD). O Estado deu respostas à sociedade brasileira através das políticas

públicas, disponibilizando através do SUS os serviços de atendimento aos usuários de álcool e

outras drogas no Centro de Atenção Psicossocial Álcool e Drogas (CAPSad); com o foco no

tratamento e reinserção social dos dependentes químicos. Lembrando que a disponibilidade

desse serviço não foi suficiente para atender a demanda existente no Brasil, deixando muitos

sem vagas para tratamento.

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Com o neoliberalismo, a atuação do Estado se tornou mínima para o trabalho e

máximo para o capital. Naturalizaram as desigualdades sociais culpabilizando os indivíduos

por seus próprios problemas. Adotando programas sociais descontínuos, emergenciais e

focalizados, que beneficiaram apenas uma pequena parcela da população: a mais pobre. Essa

ideologia salientou o mercado como o único capaz de coordenar os problemas sociais. Como

também defendeu a terceirização e privatizações dos serviços públicos, repercutindo na

redução dos direitos sociais.

A ideologia neoliberal e as mudanças no mundo do trabalho (advindos do modo de

produção toyotista) afetaram as relações trabalhistas, tornando-as precárias.

Consequentemente, os trabalhadores maus pagos (como também os desempregados) viram no

trabalho informal uma maneira de suprir suas necessidades básicas: moradia, alimentação,

saúde e educação. O Estado acabou privilegiando as necessidades da classe dominante e do

mercado, enquanto, que a classe menos favorecida recebeu uma assistência mínima. Diante

disso, atividades ilegais como o tráfico de drogas se tornou uma válvula de escape para essa

população. No Brasil, esse comércio é altamente lucrativo, desde o Congresso Nacional às

periferias, ele tem se expandido consideravelmente. Pessoas da classe média alta têm se

inserido nesse negócio, pelo fato da alta lucratividade. Mas a repressão se dá mais para os

envolvidos da classe menos favorecida, ou seja, os pequenos varejistas.

A reflexão que fizemos nesse trabalho quanto à atuação do Estado no trato às drogas

nos permitiu chegar à conclusão de que a proibição é uma maneira de incentivar mais o

consumo e a venda de drogas. Consequentemente, há uma geração maior de lucros. Diante

desta problemática, o Estado precisou dar respostas à sociedade, usando as políticas públicas

como instrumento de atuação.

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Falcão-meninos do tráfico. Autoria: Mv Bill e Celso Thayde. 2006. Duração: 125 min.

O germinal. França/Itália/Bélgica, 1993. Direção: Claude Berri. Duração: 158 min.

Os pecados de meu pai. Produção: Daniel Salcido; Tania Garroin; Lucas Gath; Sesianne

Worden Entel; Martin Feigielman: post producions. Buenos Aires, Nicolós Entel producion,

2010. 2 filmes (86:58), son, color. 35 mm. Legendado. Port. Disponível em:

http://www.youtube.com/watch?v=ymJudo7g__0. Acesso em : 29 de Junho de 2012.

Panteras negras. Direção: Mario Van peebles. EUA, 1995. 121 min.

Quase dois irmãos. Brasil, 2004. Direção: Lucia Murat, 102 min.