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Estudo estatístico da construção gráfica dos numerais zero e oito
Julho/2019
ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 10, Edição nº 17 Vol. 01 Julho/2019
Estudo estatístico da construção gráfica dos numerais zero e oito
Isadora Pimenta de Araújo – [email protected]
Perícia Criminal e Ciências Forenses
Instituto de Pós-Graduação - IPOG
Brasília, DF, 05 de outubro de 2018
Resumo
Este artigo consiste em fazer um levantamento estatístico sobre métodos de construção gráfica
dos numerais zero e oito, feitos com caneta esferográfica de tinta pastosa, para basear futuras
análises grafotécnicas periciais. A pesquisa de campo tem o intuito de agregar informações
sobre a construção de grafemas e, assim, dar embasamento matemático para a convicção do
perito ao realizar uma análise grafoscópica. Para isso, foi elaborado um formulário e aplicado
a cem voluntários, sendo metade composta por destros e o restante por sinistros, todos
moradores de Brasília, das mais variadas idades e tendo, como condição mínima, a formação
em nível fundamental. A metodologia empregada para a análise morfológica dos grafemas se
sucedeu da seguinte forma: primeiramente, foram avaliadas as possíveis variações das
construções dos numerais zero e oito; em seguida, foram coletadas as amostras ao preencher o
formulário com caneta esferográfica de tinta pastosa; por fim, foi feita a análise minuciosa
dos grafemas. Os resultados indicam que, apesar de haver inúmeras formas de construção
gráfica, há características que indicam a individualidade na escrita, denominados hábitos
gráficos raros ou incomuns. Concluiu-se que os dados adquiridos satisfazem o objetivo
proposto, além de agregar maiores conhecimentos a respeito das construções adotadas pelos
voluntários.
Palavras-chave: Grafoscopia. Construção. Traço. Numeral. Estatística.
1. Introdução
A busca incessante por critérios físicos e específicos em perícias gráficas vem sendo cada vez
mais necessária. Isso se dá pelo fato de uma falsificação documental poder ser de extrema
relevância. Uma carta de suicídio, por exemplo, ou um cheque de alta quantia, quando
falsificados, podem ter grande impacto tanto dentro de uma pequena família quanto a âmbito
nacional.
O grande e rápido desenvolvimento tecnológico pode ser considerado tanto um aliado quanto
uma barreira para a perícia; cabe ao perito saber como usá-lo a seu favor. Frente às inúmeras
dificuldades enfrentadas na busca pela verdade, o desenvolvimento de pesquisas estatísticas a
respeito da construção de grafemas serve de base para a análise de um perito grafoscópico.
Dessa forma, é possível determinar o que são hábitos raros e quais características são mais
comuns em uma dada população.
O atestado de autenticidade de um documento é uma tarefa bastante complexa, pois a
verificação manual de uma grande quantidade de registros é tediosa e facilmente influenciada
por fatores físicos e psicológicos. Frente a isto, é necessário ter bastante cautela e
profissionalismo em relação à tarefa de periciar um documento (XIAO; LEEDHAM, 1999).
A palavra documentoscopia foi originada pela junção de dois vocábulos, do latim
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documentum que significa carta, escrito, documento, e do grego copain que tem como
significado observar, examinar, analisar. Logo, pode-se determinar a documentoscopia como
a parte da criminalística que examina, de forma minuciosa, todo tipo de documento e cujo
objetivo principal é descobrir evidências físicas que possam esclarecer a autenticidade ou
inautenticidade desse. Segundo Costa (1995):
Documentoscopia é a denominação ampla que abrange todas as especialidades que
objetiva, em questões específicas, a obtenção de soluções para as seguintes questões:
estabelecer a autenticidade ou falsidade de um documento e em caso de falsidade,
identificar o autor (COSTA, 1995:13).
A grafoscopia é uma das áreas estudadas dentro da documentoscopia, e tem, como objetivo
principal, a determinação da autoria de manuscritos. O método de análise grafoscópica baseia-
se em confrontos, ou seja, comparações entre um documento questionado e um de que se sabe
a autoria. Segundo Silva e Feuerharmel (2014:126), a grafoscopia tem como base a premissa
de que a escrita é individual e, por isso, possuindo material suficiente para análise, é possível
distinguir a escrita de qualquer pessoa.
O presente artigo tem como objetivo desenvolver uma pesquisa de campo, a fim de levantar
dados estatísticos que possam servir, futuramente, como base em análises grafotécnicas
periciais. Este estudo terá como estrutura a análise da construção dos numerais zero e oito,
feitos a partir de caneta esferográfica de tinta pastosa, bem como a comparação entre as
formas mais empregada por canhotos e destros.
2. A escrita
Originalmente, o estudo da morfologia da escrita foi considerado um processo empírico e
passou a ser foco de estudos por volta de 1660, na França, através de pesquisadores como
Jacques Raveneau e Crépieux-Jamin, que, já àquela época, apresentavam ideias voltadas à
relação direta entre a escrita e a personalidade do escritor. Mediante pesquisas, o químico e
fisiologista, T. Wilhelm Preyer, conseguiu demonstrar que a escrita é um ato cerebral, ou seja,
a ação de escrever se inicia por sinapses cerebrais e é finalizada por um processo mecânico
(QUEIROZ, 2012).
Segundo Haykin (2001), os padrões utilizados por uma rede neural são de natureza estatística,
onde os pontos de decisão estão divididos em regiões e suas fronteiras são determinadas pelo
processo de treinamento que o indivíduo teve ao longo de sua vida. Já Zhang (2000) defende
a ideia de que as redes neurais são capazes de estimar as probabilidades referentes às regras
de escrita aprendidas. Ou seja, a probabilidade relacionada à escolha da construção da escrita
de um indivíduo está diretamente relacionada ao seu treinamento, conhecimento e suas
escolhas, portanto, trata-se de uma ação cerebral e não puramente mecânica.
Com a finalidade de embasar estatisticamente a perícia grafotécnica, aplica-se a metodologia
bayesiana. Segundo Bachega (2016), a expressão matemática do teorema de Bayes conecta a
inferência racional, denominada probabilidade posterior, com a subjetividade das visões
prévias, conhecida por prior, e as evidências empíricas, representadas pela verossimilhança.
Outra característica importante é que a teoria de Bayes consegue computar a irracionalidade:
se considerada uma proposição não plausível, como a visita de extraterrestres ao planeta
Terra, teremos um prior muito próximo de zero. Isso é devido a não haver conhecimentos
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prévios a respeito desse evento, o que significa que, para essa hipótese ser crível, será
necessário apresentar evidências muito contundentes. Ou seja, para que a perícia grafoscópica
tenha reconhecimento e peso como prova material, é necessário encontrar evidências
importantes que sustentem os quesitos a serem respondidos.
Na tentativa de agregar valor às evidências grafotécnicas, Edmond Solange Pellat, hoje
conhecido como pai da grafoscopia, escreveu o livro Les Lois de L’ècriture, no qual trouxe
ideias organizadas em quatro leis que têm como base o princípio de que a escrita é individual
e inconfundível. São elas:
1ª Lei: O gesto está sob a influência imediata do cérebro. Sua forma não é
modificada pelo órgão escritor se este funciona normalmente e se encontra
suficientemente adaptado à sua função;
2ª Lei: Quando se escreve, o ‘eu’ está em ação, mas o sentimento quase inconsciente
de que o ‘eu’ age passa por alternativas contínuas de intensidade e de
enfraquecimento. Ele está no seu máximo de intensidade onde existe um esforço a
fazer, isto é, nos inícios, e no seu mínimo de intensidade onde o movimento
escritural é secundado pelo impulso adquirido, isto é, nas extremidades;
3ª Lei: Não se pode modificar voluntariamente em um dado momento sua escrita
natural senão introduzindo no seu traçado a própria marca do esforço que foi feito
para obter a modificação;
4ª Lei: O escritor que age em circunstâncias em que o ato de escrever á
particularmente difícil, traça instintivamente ou as formas de letras que lhe são mais
costumeiras, ou as formas de letras mais simples, de um esquema fácil de ser
construído (CAMPERLINGO, 2018).
De forma interpretativa, podemos dizer que a primeira lei diz respeito ao fato de que se o
membro escritor, normalmente a mão, estiver em pleno funcionamento, não haverá mudança
real na construção da escrita, já que o cérebro é quem comanda essa função; a segunda lei,
também conhecida como automatismo gráfico, traz a ideia de que, apesar de a escrita se
iniciar por uma ação, essa se torna instintiva ao longo do ato em si; a terceira lei contrapõe o
que foi dito na lei anterior, pois, quando um indivíduo tenta disfarçar sua escrita, este fará um
esforço consciente em todos os traços e minucias, ou seja, não haverá espontaneidade; por
fim, a quarta lei levanta a ideia de que quem é capaz de “fazer mais” é capaz de “fazer
menos”, mas a recíproca não é verdadeira. Em outras palavras, quando um indivíduo
falsificador se depara com uma limitação na escrita, ele tende a recorrer a traços mais simples,
assim, perdendo a dinâmica e a morfologia da escrita original.
Nos dias de hoje, as leis de Pellat ainda são consideradas um divisor de águas no que se trata
de grafotecnia. Silva e Feuerharmel (2014), em concomitância às ideias de Pellat, defendem a
concepção de que, quanto menos perceptível for um hábito gráfico, maior será a
probabilidade de este ser produzido de forma inconsciente, isto é, dificilmente seria alterado,
descartado ou imitado. Por essa razão, possui grande importância quando realizados exames
grafotécnicos para a identificação do autor de uma escrita.
3. Análise grafoscópica
Quando falamos de análise grafoscópica, estudamos o método de construção, isto é, a forma
de escrita dos grafemas. Considerando que existem incontáveis maneiras de se desenhar uma
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letra ou um número, a análise da elaboração da escrita passa a ser de suma importância na
grafoscopia.
Silva e Feuerharmel (2014:161) dizem que “para que se identifique uma gênese altamente
intrincada, são necessários alguns conhecimentos específicos”. Logo, a análise do método de
construção gráfica torna-se complexa quando os padrões ensinados na alfabetização sofrem
grandes alterações pessoais. Ou seja, a gênese gráfica nada mais é do que a personalização
dos grafemas aprendidos de forma padrão durante o processo de alfabetização.
Pode-se dizer, então, que o estudo da elaboração da escrita se baseia, principalmente, na
identificação de elementos individualizadores. A constância, a raridade e a imperceptibilidade
de hábitos gráficos são considerados os três principais elementos que tornam a escrita única.
Para Silva e Feuerharmel (2014):
Basicamente, o que precisa ser feito é identificar os pontos inicial e final do traçado
e a sequência percorrida pela caneta entre eles, além de eventuais interrupções.
Porém, para que se descubra se um determinado ponto é realmente o início e não o
final (ou uma interrupção intermediária), é preciso que se determine o sentido de
produção de cada traço (SILVA; FEUERHARMEL, 2014:161).
Diante deste conceito, abordado por Silva e Feuerharmel, pode-se dizer que outro fator
importante, frente à análise estrutural, é o tipo de instrumento utilizado na construção gráfica.
Tanto o formato da ponta da caneta quanto a tinta utilizada, por exemplo, deixam marcas
específicas ao longo da escrita e essas características servem como vestígios comprobatórios
ao analisar um documento.
4. Instrumentos de escrita
O instrumento de escrita pode ser definido como qualquer objeto que deixa marca inscrita em
um determinado material ou suporte. Podem diferir em forma de manuseio, tipo de tinta, tipo
de risco, entre outras características, bem como o material que serve de suporte para a escrita
(FRADE; GALVÃO, 2016).
Para a perícia grafotécnica, é importante estudar os instrumentos de escrita, pois pode se tratar
de um possível vestígio em uma investigação. Por exemplo, se um documento antigo estiver
tendo sua autenticidade questionada, deve-se analisar o tipo de caneta que foi utilizada para
assinar tal registro, se o documento foi assinado antes de 1870, este não poderá ter sido
assinado utilizando uma caneta-tinteiro, pois essa só havia sido criada posteriormente. Em
outras palavras, estudando a cronologia de invenção dos instrumentos de escrita, é possível
determinar a possibilidade deste fato ocorrer e, assim, determinar a autenticidade do referido
documento.
Frade e Galvão (2016) fizeram um levantamento cronológico de instrumentos de escrita mais
comumente utilizados desde antes da era cristã. A começar pelas penas de aves, que possuem
documentos escritos datados antes de Cristo (a.C.); por volta de 1820 foi criada a pena
metálica; 1870 inventaram a caneta-tinteiro; após 1875 foi criada a caneta estilográfica; em
1939 foi inventada a caneta esferográfica de tinta pastosa, que é bastante utilizada até os dias
de hoje; por volta de 1960, foi criada a caneta esferográfica de tinta líquida; mais tardar, em
1964, surgiu a caneta de ponta porosa; e em 1984 foi fabricada a caneta esferográfica em gel.
Para este artigo, a caneta do tipo esferográfica à base de tinta pastosa será o enfoque, pois
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trata-se do instrumento de escrita mais utilizado pela população nos dias atuais.
Caneta esferográfica de tinta pastosa
Segundo Furlan (2008), uma caneta esferográfica é composta basicamente por um tubo, que
nada mais é do que o corpo da caneta; um reservatório onde se dispõe a tinta; e, em sua
extremidade responsável pela escrita, possui uma esfera rotativa de diâmetro entre 0,5 e 1
mm, que transfere a tinta do depósito para o papel através da rotação. A tintura mais utilizada
para este tipo de caneta é um líquido de alta viscosidade composto por pigmentos orgânicos e
outros compostos químicos que sofrem alterações assim que depositados em um material
suporte, como o papel, por exemplo.
A esfera é a principal parte da caneta, pois é o que caracteriza a caneta esferográfica. Apesar
de ser feita com um material resistente, pode sofrer algumas deformidades dependendo da
forma como o instrumento é manuseado. Essas deformações afetam o traçado, dando origem
a singularidades nos rastros de tinta, como deposições, falhas, ranhuras, entre outras
(GONDRA; GRÁVALOS, 2012:51). Silva e Feuerharmel (2014) citam cinco singularidades
fundamentais para se determinar o sentido de um traço feito por caneta esferográfica de tinta
pastosa: estrias; esquírolas; deposição de tinta anterior à fibra do papel; falhas em inícios de
traços; e cruzamentos de traços.
Estrias são falhas lineares que acompanham o traçado da caneta. Entretanto, em traços curvos
será possível notar que as estrias tendem a seguir um sentido de saída do restante do desenho,
como uma saída centrífuga ou saída pela tangente, seguindo a inércia do movimento inicial,
como pode ser observado pela Figura 1. Dessa forma, é possível determinar a direção que
aquele traço foi produzido (SILVA; FEUERHARMEL, 2014:162). Figura 1: Ilustração de uma estria centrífuga
Fonte: Slides de aula produzidos por Prof. Samuel Feuerharmel (2018)
Esquírolas são formadas devido à tinta acumulada nas laterais da esfera. Essa tinta fica retida
após uma inversão de movimento acentuada na escrita e se deposita no papel assim que essa
curva se encerra, como observado na Figura 2. É comum notar que após a formação de uma
esquírola haverá uma falha na continuidade do traçado no desenho do grafema (SILVA;
FEUERHARMEL, 2014:162).
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Figura 2: Exemplo de esquírola
Fonte: Produzido por próprio autor (2018)
A deposição de tinta se dá por meio de falhas encontradas por entre as fibras do papel. Essas
falhas podem vir a ser um obstáculo à esfera durante um traçado, dessa forma, a tinta tende a
acumular antes de tal barreira (Figura 3). Logo após haver um acúmulo de tinta, devido à
presença de uma fibra transversal ao traço, é comum verificar uma falha no traçado (SILVA;
FEUERHARMEL, 2014:163). Este tipo de singularidade é verificável com o uso de lupas, ou
seja, é necessário aumentar a escala de visualização para que seja possível enxergar as fibras
do papel utilizado como suporte.
Figura 3: Exemplo de deposição de tinta
Fonte: Slides de aula produzidos por Prof. Samuel Feuerharmel (2018)
As falhas, normalmente encontradas no início de cada traçado, se dão pela falta de tinta na
ponta da esfera, já que anteriormente ela se encontrava parada. A presença dessas falhas é
muito importante para que seja possível determinar o ponto inicial da escrita de um
determinado grafema e, assim, estabelecer a direção do traçado (Figura 4). Esta singularidade
é uma das primeiras características a ser verificada em uma análise para se determinar o
sentido do traço. Isso se dá por sua verificação ser simples e de fácil visualização (SILVA;
FEUERHARMEL, 2014:163).
Falha
Acúmulo Sentido do traço
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Figura 4: Exemplo de falha inicial
Fonte: Slides de aula produzidos por Prof. Samuel Feuerharmel (2018)
Por fim, o cruzamento entre traços ou a sobreposição de traços também indicam o método de
construção que foi empregado em um grafema, por exemplo. Como indicado na Figura 5
abaixo, é possível verificar o cruzamento de traços devido à presença de um estreitamento no
ponto em que se cruzam. Já na sobreposição de traçados não são observadas irregularidades
na curvatura. Todavia, é possível verificar que a linha sobreposta terá um leve aumento no
diâmetro do traçado (SILVA; FEUERHARMEL, 2014:164).
Figura 5: Exemplos de cruzamento e sobreposição de traços
Fonte: Slides de aula produzidos por Prof. Samuel Feuerharmel (2018)
Tendo como base os conhecimentos a respeito da determinação do direcionamento de traços
produzidos por caneta esferográfica à base de tinta pastosa, foi possível desenvolver uma
pesquisa de campo para determinar, a partir de dados estatísticos, como os grafemas
numéricos zero e oito são produzidos.
5. Pesquisa de campo
A pesquisa de campo teve seu início a partir da elaboração de um formulário (Anexo I), em
que seria necessário que os voluntários reescrevessem cinco frases contendo, de maneira
intrínseca, vinte grafemas numéricos divididos igualmente entre zeros e oitos.
Esse formulário foi empregado a um total de cem participantes, sendo metade composta por
destros, pessoas que possuem a mão direita como dominante na escrita, e a outra metade por
sinistros, pessoas que possuem a mão esquerda como dominante na escrita, também
conhecidas por canhotas. Nenhum participante teve ciência prévia sobre o que se tratava a
aplicação do formulário, tendo uma breve explicação do tema deste trabalho posteriormente
ao preenchimento.
O objetivo da pesquisa de campo foi determinar a estatística das formas de construções usadas
para escrever os numerais zero e oito e, além disso, fazer uma análise comparativa entre
indivíduos destros e canhotos.
As cem amostras foram coletadas em Brasília (DF), em 2018. Os indivíduos participantes
possuíam os mais diversos níveis de escolaridade, sendo o nível fundamental o mínimo
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exigido, assim como as mais diversas idades e carreiras profissionais, desde estudantes a
aposentados.
Foi pedido, no próprio formulário e pessoalmente, que os participantes mantivessem sua
escrita usual e que utilizassem caneta esferográfica de tinta pastosa, podendo ser de cor azul
ou preta, normalmente já fornecida.
O documento a ser preenchido era composto por:
- nome completo do candidato;
- data de preenchimento do formulário;
- lateralidade gráfica; e
- cinco frases simples para serem reescritas.
Para a análise da dinâmica de construção gráfica foi utilizada uma lupa manual com
ampliação de 40x - 25 mm, bem como a incidência de luz para melhor visualização das
singularidades e maior acurácia dos resultados obtidos.
No processo de alfabetização, a construção gráfica dos numerais zero e oito possui
direcionamento específico do traçado, como mostra a Figura 6 a seguir. No entanto, ao longo
do tempo, as pessoas vão aperfeiçoando sua escrita e, de certa forma, personalizando-a. Essas
mudanças na construção gráfica são denominadas hábitos gráficos, e estes podem ser
considerados raros ou comuns, isto é, se uma baixa parcela da população possui um
determinado hábito gráfico, este pode ser considerado raro ou, ao menos, incomum.
Figura 6: Método de construção dos numerais zero e oito na alfabetização
Fonte: Produzido por próprio autor (2018)
As variações na produção do numeral zero são diversas: o sentido pode ser horário ou anti-
horário; e o início do traçado ser efetuado de qualquer ponto do grafema. Para o presente
estudo, serão analisados começos e fins na parte superior e inferior do número, considerando
todas as terminações, iniciais e finais, feitas do centro para cima como superiores e o
contrário como inferiores.
Na alfabetização, o sistema usual da construção gráfica do número zero consiste em sentido
anti-horário e começo, assim como seu fim, na parte superior do grafema. Porém, devido a
gênese gráfica, a personalização da escrita pode tornar a construção deste numeral bastante
exótica. Algumas dessas formas estão representadas na Figura 7.
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Figura 7: Variações esquemáticas na construção do numeral zero
Fonte: Produzido por próprio autor (2018)
O número oito tem tantas possibilidades de variação quanto o número zero, porém, este
estudo se restringiu a oito variações: começo e fim na parte superior do grafema começando
pelo lado esquerdo, assim como mostrado na Figura 6, ou pelo lado direito, seguindo o
sentido contrário ao exemplificado; começo e fim na parte inferior do grafema começando
pelo lado esquerdo ou direito; começo e fim a partir do centro do numeral e puxando-se a alça
em sentido horário ou anti-horário; e produção de dois círculos sendo feitos em sentido
horário ou anti-horário. A Figura 8 abaixo ilustra as morfologias gráficas citadas
anteriormente, facilitando a visualização e o entendimento dessas.
Figura 8: Variações esquemáticas na construção do numeral oito
Fonte: Produzido por próprio autor (2018)
Diante destas possibilidades morfológicas e analisando os dados coletados, de cinquenta
candidatos destros e cinquenta candidatos canhotos, foi possível determinar estatisticamente
quais as estruturas gráficas, dentre os numerais zero e oito, são mais comuns na população em
geral, bem como nas parcelas da população referentes a destros e canhotos. Em contrapartida,
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foi possível determinar qual morfologia gráfica poderá ser considerada um hábito gráfico
raro.
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Resultados
Os resultados obtidos a partir do estudo apresentado neste artigo foram diversos. Foi possível
observar inúmeras variações nas construções gráficas que sequer haviam sido consideradas
antes de se desenvolver esta pesquisa.
A construção gráfica do numeral zero não apresentou nenhuma surpresa estatística; a maioria
dos voluntários mantiveram a morfologia aprendida no período da alfabetização, isto é, o
traçado feito em sentido anti-horário e com o começo e fim na parte superior do número. No
entanto, foi possível observar que, dentre os voluntários sinistros, houve uma variação da
construção maior que a dos destros. Uma justificativa plausível é que as pessoas que
escrevem com a mão esquerda precisaram ajustar sua escrita, não só por personalização, mas
para se adaptarem de maneira geral.
Na Tabela 1 abaixo, encontram-se os resultados obtidos a partir da análise da construção do
grafema numérico zero. Observou-se que, dentre as pessoas destras, um hábito gráfico pouco
comum é o traçado em sentido horário, ainda que tenha começo e fim na parte superior do
grafema. Outra observação importante é que apenas duas pessoas em cem fizeram o numeral
zero em sentido horário e com começo e fim na parte inferior do número, em outras palavras,
apenas 2% dos voluntários desenvolveu a escrita do número zero de maneira totalmente
oposta à ensinada no processo de alfabetização, caracterizando-se, então, um hábito gráfico
incomum.
Construção
Morfológica
Construção
Esquemática
Nº de voluntários
Sinistros
Nº de voluntários
Destros
Nº total de
voluntários
76% 90% 83%
14% 2% 8%
8% 6% 7%
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2% 2% 2%
Tabela 1: Resultados obtidos na análise do numeral zero
Os resultados observados para a construção gráfica do numeral oito foram inesperados.
Apesar de a maioria dos voluntários, 61%, terem permanecido com a construção ensinada no
período da alfabetização, houve uma variação estatística muito maior que na construção
gráfica do número zero. Foram encontradas diversas mutações nas terminações finais e
iniciais do numeral oito e, por isso, houve essa flutuação estatística.
A Tabela 2, a seguir, mostra os resultados obtidos a partir da análise da construção gráfica do
grafema numérico oito. Notou-se que o traçado desse número com as terminações na parte
inferior e seu início em sentido horário foi adotado por apenas 3 voluntários, sendo todos
destros. Já, o oito quando traçado com as terminações na parte inferior e seu início em sentido
anti-horário foi adotado apenas por dois voluntários sinistros. Estas características podem ser
consideradas incomuns ou raras quando comparadas à construção gráfica “padrão”, ou seja,
que foi ensinada no processo de alfabetização.
Construção
Morfológica
Construção
Esquemática
Nº de voluntários
Sinistros
Nº de voluntários
Destros
Nº total de
voluntários
68% 54% 61%
18% 16% 17%
0% 6% 3%
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4% 0% 2%
2% 2% 2%
2% 2% 2%
6% 20% 13%
0% 0% 0%
Tabela 2: Resultados obtidos na análise do numeral oito
Alguns tipos de construção gráfica do numeral oito foram consideradas um tanto quanto
incomuns, pois não havia nem sido considerada a existência de tais construções anteriormente
a esta pesquisa.
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Por exemplo, a forma cujas terminações se encontram no cruzamento do número, isto é, no
centro desse, foi desenvolvida apenas por quatro voluntários, além disso, todos os quatro o
fazem de maneira diferente. Traçar a alça inferior primeiro e em sentido horário foi feito por
uma única pessoa, assim como fazer a alça em sentido anti-horário. Coincidentemente, ambas
as construções que são produzidas primeiramente pela parte inferior do grafema foram feitas
por pessoas sinistras. O contrário, ou seja, o começo da construção na alça superior, foi feito
por pessoas destras, sendo que uma desenvolveu o traço em sentido horário e a outra em
sentido anti-horário. Pode-se dizer, então, que esses tipos de construções gráficas do numeral
oito tratam-se de hábitos raros, tanto para pessoas destras quanto para pessoas canhotas.
Ademais, observou-se que a construção gráfica do grafema numérico oito, quando
desenvolvida por dois círculos feitos em sentido horário, não foi adotado por nenhuma pessoa
dentre os cem voluntários participantes desta pesquisa. Frente a isso, pôde-se inferir que, em
uma perícia grafoscópica, caso apareça esse tipo de construção do numeral oito, essa
característica poderá ser considerada um hábito raro.
6. Conclusão
Frente ao crescente desenvolvimento tecnológico, o perito, assim como assistentes técnicos
em perícia, tem como dever acompanhar este avanço e saber manipulá-lo para melhor realizar
seu trabalho. Um perito em grafoscopia sempre será requisitado, ainda que o mundo se torne
digital. Analisar a autoria de uma assinatura, o preenchimento de um cheque, ou uma carta
manuscrita são exemplos em que a atuação de um grafoscopista é necessária.
Com o intuito de servir como base matemática para a convicção de um perito grafoscópico,
este artigo apresentou um levantamento estatístico da construção gráfica dos numerais zero e
oito produzidos a partir de caneta esferográfica de tinta pastosa. A pesquisa foi realizada em
Brasília (DF) e os voluntários foram diversos, dentre eles: destros e canhotos (sinistros);
homens e mulheres; jovens e idosos; com ensino fundamental a pós-graduados; e estudantes a
aposentados.
Ao analisar o número zero, pessoas destras tenderam a seguir o padrão ensinado na
alfabetização. Já pessoas sinistras apresentaram uma grande variação da construção gráfica
desse numeral. A forma menos usual foi traçar o zero em sentido horário e com as
terminações na parte inferior do grafema, isto é, possuindo as características contrárias às
ensinadas no processo de aprendizagem da escrita.
A análise do número oito mostrou que a maioria dos voluntários mantiveram a forma
ensinada na alfabetização. Contudo, foram observadas algumas particularidades, dentre elas o
traçado com as terminações na parte inferior do numeral: destros iniciam o traçado em sentido
horário; e canhotos, em sentido anti-horário. Ressalta-se que a construção gráfica utilizando
dois círculos feitos em sentido horário não foi verificada. Os casos que apresentaram menor
incidência caracterizam hábitos raros, que são relevantes à convicção do perito.
Apesar de a grafotecnia não ser considerada uma ciência exata, por meio de dados estatísticos
e frente à teoria de que a escrita é individual, juntamente a outros indícios, é possível
determinar a autoria de um documento preenchido de forma manuscrita.
Referências
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Estudo estatístico da construção gráfica dos numerais zero e oito
Julho/2019
ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 10, Edição nº 17 Vol. 01 Julho/2019
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Estudo estatístico da construção gráfica dos numerais zero e oito
Julho/2019
ISSN 2179-5568 – Revista Especialize On-line IPOG - Goiânia - Ano 10, Edição nº 17 Vol. 01 Julho/2019
Anexo I
Nome Completo: ______________________________________________________________
Data completa: ___/___/______
Mão de escrita dominante: ( ) Esquerda ( ) Direita
Informações:
Este documento tem a finalidade de servir como suporte para uma pesquisa de campo destinada ao
Trabalho de Conclusão de Curso a nível de especialização. Os dados fornecidos serão divulgados
respeitando o anonimato dos participantes.
Importante!
Os quesitos devem ser preenchidos manualmente com caneta esferográfica (ex.: bic);
preencha de forma natural, sem se preocupar em caprichar ou modificar sua escrita usual.
Reescreva as seguintes frases:
a) João Paulo nasceu em 2008 e seus pais em 1980.
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b) O número de telefone de Otto é 9880-0808.
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c) Otávio possui 8 irmãos e 10 primos.
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d) O resultado da operação 100 + 8 = 108.
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e) Homero tem 8 gatos de estimação.
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