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Revista de Educação Dom Alberto Revista de Educação Dom Alberto, n. 1, v. 1, jan./jul. 2012. Página 103 NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE PRÁTICAS PEDAGÓGICAS COM ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL (DV) Seli Flesch 1 RESUMO Neste presente trabalho abordaremos o desenvolvimento da criança cega, a estimulação dos sentidos remanescentes, os recursos para o atendimento pedagógico às necessidades educativas especiais, as atividades de vida diária, a locomoção e considerações gerais sobre o relacionamento com o deficiente visual. Palavras-chave: Inclusão. Estimulação e deficiência visual. ABSTRACT In this paper we discuss the development of the blind child, stimulation of the remaining senses, the teaching resources to meet the special educational needs, activities of daily living, mobility and general considerations on the relationship with the visually impaired. Keywords: Inclusion. Stimulating and visually impaired. A construção da imagem visual no ser humano é complexa. Ela é mais complexa ainda, nos portadores de deficiência visual. Na perspectiva do vidente, tende-se a considerar que o conceito de imagem mental coincide com a imagem visual. Porém, estas informações, com origem no órgão responsável pela visão, não são únicas. Além da percepção visual, temos ainda outras modalidades sensoriais, como a audição, o olfato e a gustação. Estes fatores reforçam a idéia de que os indivíduos privados da visão dispõem de outras fontes transmissoras que oportunizam a percepção do mundo que os cerca, utilizando os sentidos remanescentes. No perfil característico do desenvolvimento psicológico das pessoas sem visão, não podemos generalizar. Dentro do grupo de pessoas consideradas cegas, existe uma grande 1 Graduada em Pedagogia, Especialista em Currículo por Atividades, Mestre em Desenvolvimento Regional Área de Concentração Sociocultural: “A Inclusão do Portador de Deficiência Visual no Sistema de Ensino Regular: desafios e perspectivas”. E-mail: [email protected].

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NECESSIDADES EDUCATIVAS ESPECIAIS: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES SOBRE PRÁTICAS

PEDAGÓGICAS COM ALUNOS COM DEFICIÊNCIA VISUAL (DV)

Seli Flesch1

RESUMO Neste presente trabalho abordaremos o desenvolvimento da criança cega, a estimulação dos sentidos remanescentes, os recursos para o atendimento pedagógico às necessidades educativas especiais, as atividades de vida diária, a locomoção e considerações gerais sobre o relacionamento com o deficiente visual.

Palavras-chave: Inclusão. Estimulação e deficiência visual. ABSTRACT In this paper we discuss the development of the blind child, stimulation of the remaining senses, the teaching resources to meet the special educational needs, activities of daily living, mobility and general considerations on the relationship with the visually impaired.

Keywords: Inclusion. Stimulating and visually impaired.

A construção da imagem visual no ser humano é complexa. Ela é mais complexa ainda,

nos portadores de deficiência visual. Na perspectiva do vidente, tende-se a considerar que o

conceito de imagem mental coincide com a imagem visual. Porém, estas informações, com

origem no órgão responsável pela visão, não são únicas. Além da percepção visual, temos

ainda outras modalidades sensoriais, como a audição, o olfato e a gustação. Estes fatores

reforçam a idéia de que os indivíduos privados da visão dispõem de outras fontes

transmissoras que oportunizam a percepção do mundo que os cerca, utilizando os sentidos

remanescentes.

No perfil característico do desenvolvimento psicológico das pessoas sem visão, não

podemos generalizar. Dentro do grupo de pessoas consideradas cegas, existe uma grande

1 Graduada em Pedagogia, Especialista em Currículo por Atividades, Mestre em Desenvolvimento Regional –

Área de Concentração Sociocultural: “A Inclusão do Portador de Deficiência Visual no Sistema de Ensino Regular: desafios e perspectivas”. E-mail: [email protected].

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variação, as quais impedem as afirmações de caráter geral. O respeito à individualidade é

imprescindível. Ainda, na impossibilidade de separar o desenvolvimento da aprendizagem e

as condições familiares e educacionais concretas em que a criança cega cresce e convive,

estes devem ser aspectos centrais a serem considerados.

Na primeira infância, apesar de poucas pesquisas que buscam informações nesta área,

sabe-se que a criança sem visão é semelhante à vidente, em relação a movimentação,

dificultando o diagnóstico, quando existe acometimento visual. Inicia os exercícios

relacionados ao reflexo, os quais são inatos e constrói seus primeiros hábitos em relação ao

próprio corpo. Se estimulada, aperfeiçoa o esquema de segurar, coordenar a sucção e a

preensão, bem como sorrir, quando ouve a voz que lhe agrada, que lhe transmite segurança

e bem estar.

A partir do quinto mês do ser em formação, inicia-se o processo de diferenciação entre

o bebê cego e vidente2. Importantes diferenças no desenvolvimento das crianças cegas são

percebidas. Nesta fase, as crianças videntes já seguram objetos sob o controle visual,

realizando a exploração das características dos mesmos e do lugar que ocupam no espaço,

os bebês cegos necessitam do som para localizar a existência dos objetos.

Neste momento, o bebê D.V. se depara com a problemática da ausência de som em

muitos objetos, o que impossibilita a localização e a identificação dos mesmos. Além disso, a

coordenação audiomanual e, consequentemente, a busca dos objetos mediante o som

ocorre mais tarde na vida do ser humano, com uma diferença de seis meses, em relação à

coordenação visual-motora.

Sobre o desenvolvimento da conduta de busca de objetos pelos bebês cegos, Fraiberg

(apud COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, 1995, p.188) constatou que, antes dos sete meses, não

há indícios de busca; quando se tira um brinquedo de sua mão, não tenta recuperá-lo.

Constatou ainda que, entre os sete e os oito meses, começa a buscar objetos com os quais

têm contato tátil, sem se aperceber do lugar em que o perdeu. Quando ouve o som do

objeto perdido, não o busca, mas abre e fecha a mão, como se quisesse agarrá-lo. Aos doze

2 Bebê vidente corresponde a bebê que enxerga.

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meses, é capaz de buscar um objeto orientando-se pelo som, o que pressupõe a

coordenação definitiva entre o ouvido e a mão.

Da mesma forma, em crianças videntes observa-se esta característica evidenciada

pelos estudos realizados por Piaget (1975). Ele classifica esta fase, que consiste em procurar

com as mãos os objetos perdidos do campo visual,como a quarta fase. O menor obstáculo já

é o bastante para desencorajara criança na busca. Ela se limita a estender o braço e não

busca realmente o objeto desaparecido (PIAGET, 1975).

Diante disso, constata-se a dificuldade enfrentada pelo D.V. na construção de um

mundo de objetos permanentes e do espaço exterior que os contém. Auxiliá-lo na

construção de tais noções, constitui-se numa tarefa que exige muito empenho, aceitação da

deficiência e conhecimento da mesma, por parte das pessoas envolvidas com a criança cega

em fase de desenvolvimento. As relações afetivas no seu desenvolvimento são

indispensáveis para o estabelecimento do apego com o meio.

Em relação aos objetos, é mais difícil para o D.V. elaborar imagens dos mesmos e de

sua posição no espaço. O tato somente permite conhecer os objetos próximos eo som não é

o substituto ideal da visão. Na ausência da visão, as imitações, mecanismo fundamental na

formação de significantes, são pobres e pouco evoluídas.

A função simbólica, na criança D.V. se encontra atrasada na etapa de desenvolvimento

do jogo simbólico, quando comparadas às videntes. Porém, segundo Fraiberg (citado por

COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, 1995),a defasagem pode ser superada a partir dos seis anos.

Esta explicação é encontrada na dificuldade apresentada pelo D.V. para a construção da

auto-imagem. Outro fator que interfere na questão do jogo simbólico é a ausência dos

elementos da vida diária. As atividades de vida diária, que constituem elementos do jogo,

não acontecem de forma espontânea na vida do D.V. Além disso, o que pode ser um

brinquedo muito interessante para a criança vidente, pode não significar nada para uma

criança cega.

Sobre a fala, a evolução do balbucio, durante o primeiro ano de vida, é normal e

semelhante ao vidente, segundo Ladau e Gleiton (citado por COLL; PALÁCIOS; MARCHESI,

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1995). A partir dos dois ou três anos, a linguagem da criança está normalizada, contanto que

seja estimulada paratal.

Em estudos realizados por Stepheus e Grude (citados por COLL; PALÁCIOS; MARCHESI,

1995), comparando o rendimento de crianças videntes e sem visão, constatou-se atraso

notável em relação a noções que envolvem imagens e relações espaciais. Estas noções são

de difícil assimilação,porque o tato não tem como fazer a associação. O imaginário é

formado a partir do toque ou da audição no aluno que apresenta deficiência visual.

Coll, Palácios e Marchesi (1995) citam o estudo realizado por Stephens e Grube,que

investigam a aquisição de operações concretas nas crianças cegas de nascença. As pesquisas

constataram que não há diferença entre videntes e cegos nas tarefas declassificação e em

algumas de conservação. No entanto, o atraso dos cegos foi acentuado em todos os testes

figurativos, imagens e relações espaciais e na conservação de volume. Ainda, esse atraso

mantinha-se incluído no grupo de indivíduos com idades entre 14 e 18 anos (COLL;

PALÁCIOS; MARCHESI, 1995).

Dados dos estudos realizados por Stephens e Grube (citados anteriormente, por COLL;

PALÁCIOS; MARCHESI, 1995), confirmam o atraso de 3 a 7 anos nas tarefas espaciais, as que

exigem a imaginação do D.V. no desenvolvimento cognitivo, mas apontam para a

recuperação do mesmo entre os 11 e 15 anos, mesmo quando se trata de tarefas espaciais

mais complexas.

Masini (1990), após realizar pesquisa sobre o aprender do D.V., observa que os atrasos

no desenvolvimento que podem ocorrer, bem como suas dificuldades em vários aspectos,

são em função do empobrecimento dos caracteres perceptuais e representacionais, devido a

dificuldades das pessoas de se relacionarem com os diferentes. Como conseqüência,

ascondições educacionais e ambientais apresentadas são pouco estimulantes para fornecer

ao deficiente visual informações sobre o mundo que o rodeia.

A linguagem pode ser mencionada como fator preponderante na aprendizagem. É

através dela que podemos transmitir e receber as informações sobre o mundo. Ela cumpre

um importante papel no desenvolvimento cognitivo das pessoas com deficiência visual.

Quando o conhecer pelo tato torna-se impossível,quando o braço não alcança o objeto, a

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linguagem e o som são imprescindíveis. O conhecimento do espaço distante, onde só se tem

acesso através do som e do movimento, é algo problemático para o D.V.

Constatamos no nosso estudo, através do contato direto com os alunos e professores

e das entrevistas realizadas, que a ausência da visão não impede a convivência no ensino

regular. O convívio com os portadores de D.V. mostra que eles são capazes de conhecer e

perceber de forma adequada ambientes que fazem parte do cotidiano e movimentarem-se

com desenvoltura no mesmo.

Discordamos de Foulke (citado por COLL, 1995) quando ele afirma que “um cego de

nascença nunca conseguirá estruturar o espaço de forma coordenada e configuracional,

tendo representações elementares, por trajetos que estão mais de acordo com sua forma de

perceber o espaço”. Não podemos generalizar aspectos que são individuais, que dependem

de variáveis individuais, como o desenvolvimento cognitivo ou a familiaridade com o meio,

habilitando-o a estruturar o espaço de forma organizada e coordenada.

Para que o D.V possa estruturar a aquisição de suas habilidades, tendo que, na

maioria das vezes, utilizar uma informação fragmentada, a qual é oferecida pelas demais

modalidades sensoriais, força-o a trabalhar com maior quantidade de informação, embora

com o valor informativo menor, fazendo com que seus processos cognitivos se tornem

lentos, prolixos, difíceis e suscetíveis a erros (HOFFMANN, 1998).

Apesar desta problemática na aquisição e estruturação das habilidades, a

aprendizagem é viável e acontece, podendo alcançar excelentes níveis,contanto que sejam

oferecidas condições adequadas de canalização de seu desenvolvimento e sistematização

das experiências adquiridas e na construção do conhecimento.

Na criança cega, considerando que a mesma recebe atendimento precoce, os

sentidos remanescentes, táteis e auditivos, não podem ser preteridos. Na busca de

informações e orientações, estes canais são fundamentais; eles mobilizam e utilizam a

sensibilidade para descobrir o mundo. Porém,em nenhum momento, esta capacidade em

desenvolver de forma mais acentuada os sentidos remanescentes deve ser considerada algo

sobrenatural. Analisando a temática, Vygotsky e Luria (1996) escrevem que

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embora uma pessoa cega possua órgãos sensoriais idênticosaos das videntes, desenvolve para si mesma a capacidade de utilizar esses órgãos de um modo que ultrapassa de longe essa capacidade nos videntes. As sensações auditivas e tácteis que, numa pessoa vidente, permanecem adormecidas, sob o domínio da visão, são mobilizados pelo cego e utilizadas com um grau incomum de plenitude e sensibilidade. A atividade auditiva e táctil surpreendentemente desenvolvida do cego não resulta de uma acuidade fisiológica, inata ou adquirida, desses receptores, mas é produto ‘da cultura dos cegos’, resultado de uma capacidade de utilizar culturalmente os demais órgãos dos sentidos; desse modo, ocorre a compensação da eficiência natural (VYGOTSKY ; LURIA, 1996, p.223).

Desenvolver os sentidos remanescentes, principalmente a audição, otato e a

linguagem, é considerado indispensável e necessário à integração do D.V. na sociedade.

Revuelta (1993, p.12), escreve sobre o assunto:“no olvidemos que las personas privadas de

visión obtienen la mayor parte de la información a través de dos canal e fundamentales: e

llenguaje y La experimentación táctil, cuyo órgano más especializado es la mano”.

Desencadear este processo é papel da família e da escola, sempre buscandoo

desenvolvimento diferenciado, respeitando as peculiariedades dos Portadores de Deficiência

Visual. A aceitação das diferenças individuais éfator essencial para o estabelecimento de um

processo de aprendizagem, o qual permite o desenvolvimento integral, onde o profissional

da educação tem grande responsabilidade. Baptista (1999), em texto do site

http://www.regra.com.br/educacao/SEMEERIO.htm), escreve que:

o trabalho com o aluno ‘diferente’ gera necessidade de administrar o conflito, o desconhecido. Para que os conflitos possam ser transformados e utilizados é fundamental a atenção dirigida aos mediadores, representados prioritariamente pelos instrumentos didáticos que envolvem e organizam a ação dos participantes. Uma escola que implemente o trabalho integrador deve investir em estratégias que façam do professor um ‘coordenador de processos de aprendizagem’. A prática docente deve estruturar situações que estimulem a cooperação entre os envolvidos e permitam o avanço e a elaboração por parte do aluno, através de uma multiplicidade de mediadores. Assim, o trabalho didático ocorre no sentido de criar um ambiente educativo.

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Quando refletimos sobre o desenvolvimento do ser humano, devemos sempre

considerar que este desenvolvimento éum processo evolutivo, que inicia com o organismo

dependente, período que compreende a infância e vai evoluindo até atingir a independência

física e psíquica. Cabe à família e àescola, a estimulação do D.V., já que essa é fundamental

na viabilização do processo que inicia com a dependência rumo à independência.

A discussão sobre a inclusão dos portadores de deficiência tem sido intensificada nos

últimos anos, delegando à escola a responsabilidade maior para alcançar a sociedade

composta por diferentes. A escola pode favorecer tanto os aspectos relacionados ao

desenvolvimento integral do portador de deficiência visual, como pode, também, disseminar

entre os alunos e profissionais da educação, conceitos voltados à possibilidade da inclusão

social do conjunto da população.

Para que o cidadão que apresenta deficiência possa interagir e participar da vida na

sociedade, necessita de estímulos já na primeira infância. É fundamental interceder no

processo de desenvolvimento físico e psicomotor do D.V., precocemente.

A partir do momento em que a criança é concebida,há um processo biológico natural,

como em qualquer outro ser vivo. O organismo humano tem uma organização e um

calendário maturativo. A problemática causada pela deficiência visual interrompe este

processo natural, exigindo a estimulação da criança, buscando o desenvolvimento físico e

motor, o qual em videntes é um processo natural.

A visão é um sentido básico para o desenvolvimento do ser humano, diretamente

associado às funções de atenção e a integração sensorial, que entra em funcionamento logo

após o nascimento e atua na relação do indivíduo com o ambiente.

As alterações neste órgão, cegueira ou visão subnormal, implicam em alterações no

comportamento motor, quanto ao processo de organização da postura, do equilíbrio e da

locomoção. Os profissionais da educação e a família, ao par desta informação, precisam

interagir, envolvendo o D.V. com afetividade, transmitindo segurança e equilíbrio emocional.

Segundo RUVUELTA (1993, p.13), o desenvolvimento da afetividade, nascrianças cegas, é

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fundamental para garantir “tanto el normal desarollo del potencial cognitivo Del niño, como

la constituición de una personalidad armónica”.

Estas alterações, provocadas pela ausência da visão ou visão subnormal, se

transformam frente às condições educacionais oferecidas ao D.V. Quando a criança recebe

atendimento da família e da escola, assim que constatada a anomalia, a defasagem no

desenvolvimento pode ser amenizada.

Geralmente, o portador de deficiência visual é encaminhado à instituição para

ingressar no processo educativo ou na reabilitação, com idade avançada, o que pode ser

observado na idade dos alunos pesquisados; o ingresso foi posterior aos sete anos.

Justificam o ingresso tardio por desconhecerem a existência do trabalho específico que é

oferecido na sala de recursos para D.V. Esta é uma condição a ser superada através da

informação e sensibilização da sociedade sobre a problemática da deficiência visual e as

necessidades decorrentes da mesma. A divulgação do trabalho existente na área abre as

possibilidades de busca da estimulação precoce, apontando para as possíveis conquistas do

espaço a ser resgatado pelo cidadão D.V.

Para responder a estímulos que o levarão ao desenvolvimento que está necessitando,

o D.V. precisa ser estimulado. O vidente é despertado pelas cores e formas, as quais

despertam a vontade de tocar e conhecer. O D.V. não tem estes estímulos automáticos.

A sala de recursos deve ser equipad acom recursos didáticos especiais, para oferecer

estímulos necessários ao D.V. O professor especializado deve atender o aluno especial, em

todos os momentos, nos quais o sentido da visão for imprescindível à compreensão da

noção apresentada pelo professor da classe comum ou para a aquisição de técnicas

especiais, indispensáveis a seu desenvolvimento e participação nas atividades escolares.

O portador de Deficiência Visual deve ter acesso à educação precoce ou estimulação

precoce, que, segundo os Subsídios para Organização e Funcionamento de Serviços de

Educação Especial, na Área da Deficiência Visual (1984), “baseia-se no desenvolvimento

psicomotor e na percepção sensorial, e tem como objetivo promover a estimulação

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essencial, para que a criança se aproxime, gradativamente,dos padrões normais de

desenvolvimento”.

Para o D.V, o processo de conhecer-se e de conhecer o meio onde vive não acontece

naturalmente. Ele precisa ser estimulado para que possa tomar ciência daquilo que o cerca,

através da descrição e esforço dos que o cercam.

Na sala de recursos, o aluno D.V. trabalha o específico, busca suprir a lacuna

provocada pela deficiência visual, estimulando os sentidos remanescentes. Através do

exercício contínuo, aprende a lidar com as atividades de vida diária, é alfabetizado no

Método Braille, opera com Sorobã, faz exercícios de locomoção e deve receber

acompanhamento diário do conteúdo trabalhado no ensino regular, reforçando o mesmo e

esclarecendo dúvidas.

Muitas vezes, encontramos cidadãos ditos ‘normais’ que se espantam ao conhecer o

atendimento que estes alunos recebem ou deveriam receber, entendendo como exagero.

Porém, todos têm o direito de receber a atenção necessária para viver com dignidade.

Devem ter assegurado o acesso ao atendimento especial, ao transporte especial, aos prédios

adaptados para o acesso e a identificação pelo toque, mesmo quando representa um grande

investimento material. Este respeito aos diferentes representa cidadania e qualidade de

vida.

Quando propomos desenvolver aptidões e despertar o D.V. para o conhecimento,

temos a consciência de que não é tarefa fácil. Enquanto o vidente, com um olhar consegue

absorver o objeto no seu todo, o D.V. precisa tocá-lo para conhecer. Quando um D.V. toca

um objeto para reconhecê-lo, ocorre algo parecido a quando um vidente olha um objeto

para desenhá-lo posteriormente. “As mãos, como os olhos, embora de forma mais lenta e

sucessiva, movem-se de forma intencional para buscar as peculiaridades da forma e poder,

assim, obter uma imagem dela” (COLL; PALÁCIOS; MARCHESI, 1995, p.185).

Nesta busca para desenvolver os sentidos remanescentes, é fundamental manter o

bom senso, estimular sem cansar. Ajudar sem invadir. Respeitar as condições do D.V. na

tarefa de descobrir o mundo, onde a empatia é fundamental para obter avanços no processo

da estimulação precoce.

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A criança vidente tem a iniciativa do movimento. Ela movimenta objetos, agita,

observa e explora-os. Para a criança D.V., o processo deve ser desencadeado com o auxílio

do adulto, o qual faz com que ela execute os movimentos necessários para o

desenvolvimento dos sentidos remanescentes.

Na apreensão dos objetos, o D.V. é estimulado a utilizar a ponta dos dedos. O exercício

de apreensão dos objetos com os dedos desenvolve o tato, o qual é fundamental para a

leitura do Método Braille.

Além disso, faz-se necessário auxiliá-lo a compreender que existem realidades

exteriores que permanecem apesar de não estarem ao seu alcance. Separar o mundo

pessoal do mundo exterior, fora do alcance perceptivo.

Mais uma vez, a interferência do adulto é fundamental na orientação da mão, para

que a criança possa localizar objetos, certificando-se de que permanecem no espaço, porém,

separados do corpo.

Toda vez em que observarmos um D.V. com as mãos quietas, é por que o objeto ao

seu alcance não está sendo explorado, não é do seu interesse ou já conhece. A apalpação

deve ser ativa e com ambas as mãos.

Enfim, no processo de estimulação dos sentidos remanescentes, o D.V. é estimulado a

praticar as mesmas atividades que o vidente. A diferença reside na iniciativa: O D.V. precisa

ser incentivado por não ter estímulo visual, e o vidente tem o estímulo visual, o que cativa e

provoca a exploração do mundo que o cerca. Revuelta (1993), chama a atenção dos

profissionais da educação e dos familiares sobre o fato, escrevendo que:

La situación em la que el niño ciego se enfrenta a los objetos no le resulta fácil y lerequiereun serio esfuerzo. Por eso precisa nuestra ayuda y de sus familiares, quienesleirán colocando em lãs situaciones óptimas de aprendizaje, sin precipitación niim paciencia, pero conociendo los objetivos y las metas, a los que debe conducirnos una intervención educativa adecuada (REVUELTA, 1993, p.53).

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Sobre o desenvolvimento da percepção da forma dos objetos através do tato, percebe-

se, no trabalho com D.V., que a atividade perceptiva autodirigida aumenta com a idade,

tornando possível um melhor reconhecimento das formas. É esta necessidade exploratória

que torna o sistema perceptivo semelhante ao visual, ainda que mais lento. Justifica-se pelo

fato de o sistema visual estar preparado desde muito cedo e a distribuição espacial dos

receptores do olho é mais adequada que a da mão para o registro de padrões de estímulos

espaciais.

Após o desenvolvimento inicial da estimulação da percepção tátil e auditiva, inicia-se

o processo de alfabetização no Método Braille, para o qual não existe idade pré

estabelecida. A partir do momento em que o D.V. estiver com a percepção através do tato

relativamente desenvolvida, com capacidade de perceber pontos através do toque, está

apto a iniciar o processo de leitura, o qual é desenvolvido na sala de recursos, com o

profissional qualificado.

REFERÊNCIAS

BAPTISTA, Cláudio Roberto. A integração dos alunos portadores de deficiência e o atual contexto educacional italiano: pressupostos e implicações. Disponível em: http://www.regra.com.br/educacao/SEMEERIO.htm). Acesso em: 11 jun. 2011. BRASIL. Ministério da Educação e Cultura. Subsídios para Organização de serviços de Educação Especial – Área da Deficiência Visual. Rio de Janeiro, 1984. COLL, César; PALÁCIOS, Jesús; MARCHESI, Álvaro (org.) Desenvolvimento Psicológico e educação: necessidades educativas especiais e aprendizagem escolar. Trad. Francisco Franke Settineri e Marcos A.G. Domingues. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. HOFFMANN, Sonia Berenice. Orientação e Mobilidade: um processo de alteração positiva no desenvolvimento integral da criança portadora de cegueira congênita: estudo intercultural entre Brasil e Portugal. Porto Alegre, 1998. [Dissertação – Mestrado em Ciências do Movimento Humano – UFRGS].

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MASINI, Elcie F. Salzano. Integração ou desintegração? Uma questão a ser pensada sobre a educação do deficiente visual. In: MANTOAN, Maria Teresa Égler (org.). A integração de pessoas com deficiência. São Paulo: Memnon, 1997. PIAGET, Jean. A construção do real na criança. Rio de Janeiro, Zahar Editores, 1975. REVUELTA, Lucerga Rosa. Palmo a Palmo: la motricidade fina y La conducta adaptativa a los objetos em los niños ciegos. Madrid: ONCE, 1993. VYGOTSKI, L.S.; LURIA, A.R. Estudos sobre a história do comportamento: o macaco, o primitivo e a criança. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.

®Artigo aceito em jul./ 2012.