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SYLVIA DAY NAS ASAS DE UM CORAÇÃO Tradução de Cláudia Ramos

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SYLVIA DAY

NAS ASAS DE UM CORAÇÃO

Tradução de Cláudia Ramos

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A cópia ilegal viola os direitos dos autores.Os prejudicados somos todos nós.

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Reservados todos os direitos. Esta publicação não pode ser reproduzida, nem transmitida, no todo ou em parte, por qualquer processo eletrónico, mecânico, fotocópia, gravação ou outros, sem prévia autorização escrita da Editora.

Nas asas de um coraçãoSylvia Day

Publicado em Portugal por:5 Sentidos®Divisão Editorial Literária – Porto

Título original:Butterfly in frost© 2019 by Sylvia Day, LLCPublished by Montlake Romance, SeattleThis edition is made possible under a license arrangement originating with Amazon Publishing, www.apub.com, in collaboration with Sandra Bruna Agencia Literaria.

Design da capa: Caroline Teagle JohnsonFoto da autora: © 2019 Meghan Poort

1.ª edição: junho de 2020

Execução gráfica Bloco Gráfico Unidade Industrial da Maia.

DEP. LEGAL 468631/20 ISBN 978-989-745-034-1

Distribuição Porto Editora

Rua da Restauração, 3654099-023 PortoPortugal

www.portoeditora.pt

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Para a família Tabke,

por me inspirarem com a vossa força,

fé e compaixão.

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– Aviso-te já que ainda nem são nove da manhã e já estou um bocado bêbada.

Em resposta ao meu toque, Roxanne, a minha querida vizinha do lado, escancara a porta de casa e recebe-me com um brilho muito especial nos olhos. As suas ruidosas cade-las, uma Weimaraner e uma cruzada de Corgi com Chihua-hua, correm a saudar-me.

– E a que se deve a celebração? – pergunto, atirando-me para o sofá e abraçando os dois corpinhos peludos e felizes, um de cada lado.

Admiro os jeans justinhos que envolvem as pernas im-possivelmente longas da minha amiga e a camisa branca clássica que ela atou à cintura com um nó. Como sempre, conseguiu ficar irrepreensível sem o mínimo esforço.

– A segunda-feira é dia de mimosas, cara doutora – diz--me ela, com um sorriso luminoso.

– A sério? – observo, dando uma boa esfregadela de cos-tas às meninas, lisonjeada pelas boas-vindas. – Nem vou dis-cutir essa teoria. Aliás, sou conhecida por receitar uns copos de vez em quando.

– Sim, e logo tu que não bebes.

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Encolho os ombros.– Porque não tenho piada nenhuma quando me embe-

bedo. Só me dá para o sentimento.A  fervorosa receção da Bella e da Minnie levam-na a

comentar:– Estavam cheias de saudades tuas. E eu também.– Ora, não estive fora assim tanto tempo – digo, levan-

tando-me do sofá e conseguindo milagrosamente evitar duas línguas frenéticas e molhadas.

O abraço de urso que a Roxy me dá deixa-me sem alento. Tem quase treze centímetros a mais que eu e mais alguns anos, mas bate-me aos pontos em beleza e glamour.

Quando desfaz o abraço, observa-me por uns segundos e, com um aceno de cabeça, parece chegar a qualquer tipo de conclusão. Perco-me nos seus belíssimos caracóis, que lhe chegam aos ombros e lhe emolduram o rosto oval. Os olhos castanhos, alguns tons abaixo do da pele, brilham com a centelha típica de uma alma genuinamente boa.

– Que tal estava Manhattan? – pergunta-me, dando-me o braço e arrastando-me até à porta para a fechar com um pontapé.

– Mais frenética que nunca.– E o meu casalinho de celebridades favorito? Continuam

lindos de morrer e glamorosos e podres de ricos? Diz-me: ela já está grávida? Podes ficar descansada, que eu não conto a ninguém.

Não contenho um sorriso. Tive saudades da Roxy. É uma cusca do pior, mas sempre sem maldade. Ainda assim, não consegue manter um segredo por mais de cinco minutos.

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– Sim, o Gideon e a Eva estão ótimos e continuam espan-tosos a todos os níveis. Mas, uma vez que não sou médica da Eva, não te sei dizer se está grávida ou não. Seja como for, acredito nas tuas incríveis capacidades para descobrires tudo sobre toda a gente, por isso, não tenho dúvidas de que ficarás a saber no minuto em que ela engravidar.

– Ah! Até parece… A gravidez da Kylie Jenner é a prova viva de que até os famosos conseguem manter segredos. – Os olhos brilham-lhe de excitação: – Por isso, quem sabe a Eva não está mesmo grávida a esta hora?

Detesto desapontá-la, mas…– Eu não lhe notei a mínima saliência naquela barriga

perfeita.– Raios! – diz, fazendo beicinho. – Mas, enfim, eles são

novos, não é?– E ocupadíssimos. – Acrescento eu, que trabalho para

eles e sei isso melhor do que ninguém.– Como é que ela estava vestida quando a viste? Quero

saber tudo: modelito, sapatos, acessórios…– Qual dos modelitos? – pergunto, inocentemente. – Es-

tive com ela mais do que uma vez.– Ai, rapariga! – exclama ela, plena de expectativa. – E se

fôssemos almoçar ao Salty’s para me contares tudo ao por-menor?

– És menina para me convencer – brinco.– Excelente! E, entretanto… – O perfume dela vai esva-

necendo à medida que avança pela sala. – Também tenho imensas coisas para te contar.

– Só estive fora três semanas. O que é que pode ter acon-tecido?

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Sigo a Bella e a Minnie para o recanto da sala e sinto-me imediatamente num ambiente familiar. Quase toda deco-rada a branco, a casa da Roxy tem tanto de elegante como de confortável – com os seus apontamentos a dourado e azul--escuro, e as peças em mosaicos coloridos, bases para copos, taças decorativas, jarras e tantas outras coisas que ela própria cria e coloca à venda no Pike Place Market.

Mas é a vista magnífica sobre o estuário de Puget, que se estende por detrás das grandes janelas, que rouba todo o protagonismo.

A  visão da belíssima enseada, com as ilhas Maury e Vashon ao fundo, consegue sempre tirar-me o fôlego. Um gigantesco batelão vermelho e branco, carregado com uma miríade de contentores multicoloridos, afasta-se lentamente de Tacoma, abranda e prepara-se para a inversão necessá-ria para sair da Poverty Bay. Um rebocador, minúsculo por comparação, segue em direção contrária. Barcos privados, dos simples botes de borracha às lanchas cabin cruiser, pon-tilham os ancoradouros junto à costa.

Nunca me canso de olhar para o brilho desta água ou para o eterno vaivém das embarcações. Devo dizer que, en-quanto estive em Nova Iorque, senti muitas saudades disto.

E pensar que um dia cheguei a jurar que, uma vez nas-cida na Big Apple, haveria de lá morrer. Sou de facto uma mulher muito diferente do que era.

Olho atentamente para a gigantesca árvore secular que se ergue mesmo à beira do penhasco, na esperança de poder vislumbrar uma águia-de-cabeça-branca, espécie tão famosa por estas bandas, mas raríssima de localizar. O ramo nu que lhes serve de pouso favorito está vazio; à distância, uma fila

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de aviões vindos de norte preparam-se para aterrar no Aero-porto Internacional de Seattle-Tacoma, indicando-me a di-reção do vento. Volto de novo as atenções para a Roxy, que acaba de calçar uns ténis imaculadamente brancos.

– Não sei se sabes – diz ela, levantando-se –, mas vol-taste a faltar à nossa festa da vizinhança. Desde o Natal que nunca mais foste a nenhuma, pois não?

Tento fugir à pergunta dirigindo-me ao gancho junto à porta, onde estão penduradas as trelas.

– E será que perdi alguma coisa? Não me parece.Todos os meses aparecem cartazes nas ruas, cá do bairro,

a anunciarem a data e o local da próxima reunião da comu-nidade – o que me leva a agendar as próximas viagens de negócios a Nova Iorque exatamente para a mesma altura. Não me dou nada bem com grandes aglomerados de pessoas e faço tudo para os evitar.

A  Roxy vem ter comigo e pega num porta-sacos para cocós, que prende ao cinto.

– A Emily apareceu com o novo jardineiro – informa-me. – Parece que namoram, se é que se pode chamar assim.

Paro, apanhada de surpresa com a notícia, tentando ig-norar a excitação das cadelas em meu redor.

– O quê? Mas o miúdo terá o quê…? Dezasseis anos?Ela solta uma gargalhada.– Que exagero!… Mas parece, não parece? Não, já tem

vinte.– Credo – digo eu, com uma careta.A Emily é escritora de bestsellers e passou recentemente

por um divórcio muito feio. Eu própria já passei por essa si-tuação, sei bem como é, e, por isso, desejo-lhe o melhor. Mas

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já seria de esperar que o namoro com um rapaz da idade do filho escandalizasse a vizinhança.

– É  incrível como os traumas nos deixam todas lixa-das – limito-me a observar, esforçando-me por não deixar transparecer sentimentos. Cada um enverga a sua própria armadura: a minha é a reinvenção.

– Sim, eu até percebo, mas trazer um boy toy para um encontro com a comunidade é de doidos. Sobretudo tendo em conta que o dito-cujo apara os relvados de quase toda a gente. Os olhares e a maledicência nas costas dela foram qualquer coisa de patético.

Baixamo-nos ambas para colocar as trelas nas cadelas.– Se queres saber, não tenho pena de ter perdido isso –

digo, tomando nota mental para enviar um cartãozinho encorajador à Emily.

– Mas não foi tudo.– Então?… Conta.Eu levo a Minnie e a Roxy leva a Bella. Nunca combiná-

mos que seria assim; saiu-nos espontaneamente e tornou-se rotina. Tal como se tornou rotina passearmos as cadelas jun-tas, duas vezes por semana – um convívio agendado que me faz sair de casa e apanhar o sol receitado pela minha médica. Ou seja, eu própria.

– O Les e a Marge venderam a casa! – diz-me ela, salti-tante de excitação.

Estranho.– Nem sequer sabia que eles a tinham à venda.Ela ri-se, abrindo a porta de casa.– Aí é que está, não tinham!

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*

– Hã?!Corro atrás dela, fecho a porta atrás de mim e tento

não entalar a cauda da excitadíssima Minnie. Passo pela minha porta – uma casa de meados do século, de telhado--borboleta e maravilhosamente restaurada – e pela porta ao lado da minha: a casa que pertence – ou pertencia, pelos vistos – ao Les e à Marge. As nossas três casas têm uma localização privilegiada por entre as outras que surgem ali-nhadas entre a rua e o estuário, proporcionando-nos, ao mesmo tempo, uma vista completamente desimpedida das águas do rio e uma privacidade total – tudo isto a apenas vinte minutos do aeroporto.

A Roxy abranda o passo para eu conseguir apanhá-la.– Logo a seguir a teres ido para Nova Iorque, apareceu

um Range Rover à porta deles e saiu de lá um tipo que lhes ofereceu uma fortuna pela casa – e em dinheiro vivo. Fe-charam negócio nesse mesmo dia e mudaram-se em duas semanas.

Isto faz-me tropeçar. A Minnie, ao ficar emaranhada na trela, lança-me um olhar que eu traduzo por irritado e co-meça a puxar-me.

– Isso é de doidos – comento.– É, não é? O Les não me disse quanto é que lhes ofe-

receram pela casa, mas calculo que tenha sido uma verda-deira fortuna.

Subimos a ruazinha inclinada, e o meu olhar perde-se nas casas que parecem trepar pela encosta. Concebidas com grandes janelas para gozarem do esplendor máximo da

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vista, oferecem de facto um cenário deslumbrante. Durante alguns anos, esta nossa pequena faixa do estuário conseguiu manter-se um segredo bem guardado, mas, com o boom imobiliário à volta de Seattle e Tacoma, acabámos por ser descobertos. Muitos residentes estão a fazer grandes reno-vações nas suas casas para corresponderem aos gostos dos novos proprietários.

Chegadas à rua de cima, voltamos à esquerda.– Bom, se eles estão felizes e contentes, eu também

fico – afirmo.– Estão muito mais do que felizes. Estão mesmo mara-

vilhados. Aconteceu tudo ao mesmo tempo, mas estão su-persatisfeitos com a decisão que tomaram.

A Bela para e a Roxanne também; ficamos à espera que as meninas marquem os seus territórios habituais, na gravilha que ladeia o asfalto. As ruas do nosso bairro são direitas, sem curvas e sem passeios. Apenas relvados lindíssimos e bem cuidados, e uma profusão de canteiros floridos.

– Todas nós já tentámos sacar-lhes mais informações, mas eles fecham-se em copas e não dizem rigorosamente nada sobre a venda.  – Olha-me de relance e acrescenta: – Mas falaram imenso sobre o comprador, isso sim.

– Que olhar é esse?– Nada, é só que… enfim, o Mike e eu achamos que é

alguém famoso. Um realizador de cinema ou qualquer coisa do género. Um artista qualquer. Já imaginaste? Primeiro, a Emily, uma escritora de bestsellers superconhecida; depois, tu, cirurgiã dos famosos… e agora este gajo! Na volta, este nosso cantinho ainda se transforma na próxima Malibu – uma es-tância de praia, livre de incêndios e de impostos estaduais!

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A  referência ao Mike, marido da Roxy, faz-me sorrir. Transplantado de Nova Iorque, tal como eu, traz-me um aporte acolhedor da vida que eu deixei para trás e para a realidade que acabei por escolher – uma realidade que, apa-rentemente, acabou de sofrer a perda de um casal de vizi-nhos que sempre me foi muito querido.

– E o que é que conseguiste saber até agora? – pergunto, resolvendo alinhar nisto. Uma coisa que eu aprendi neste último ano foi a aceitar aquilo que não posso mudar. Uma tarefa hercúlea para uma controladora compulsiva como eu.

– O Les disse-me que o tipo nem sequer quis ver a casa por dentro. Disse que não era preciso. Que já sabia que «a  luz era perfeita», palavras dele. Alguém que diz uma coisa destas tem de estar ligado às artes visuais, não achas?

– Talvez – respondo cautelosamente, inquieta que estou com esta inesperada conversa. Vou subindo a encosta, sen-tindo alguma pressão nos músculos das coxas. Enfim, sem-pre faço algum exercício. – Mas não quer dizer que ele seja famoso – contraponho.

– Sim, mas aí é que está – diz ela, claramente afogueada do esforço e entusiasmo. – O Les não me falou em números, mas disse que, com a massa que largou, o tipo podia perfei-tamente ter comprado aquela villa gigante do fundo da rua. Essa casa já foi avaliada em três milhões e meio!

Fico parva com esta informação. O Les e a Marge têm – tinham – uma belíssima casa, mas em nada merecedora de uma quantia dessas.

– Penso que vi o comprador uma vez, através de uma das janelas arqueadas da sala – prossegue a Roxy. – E estava

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com uma loira com todo o ar de supermodelo. Magérrima e com altas pernas.

Assim que chegamos lá acima, já eu resfolego de cansaço. Pelo contrário, a Roxy, que vai ao ginásio todos os dias, está irritantemente serena.

Cerca de quatrocentos metros à nossa direita, fica uma rua que vai dar diretamente ao parque de Dash Point. Por detrás dele e em linha reta, a estrada curva e desce suave-mente até ao nível da água.

É aí que fica Redondo Beach e o Salty’s, o nosso restau-rante de eleição, construído sobre palafitas, por cima da água, com uma vista deslumbrante sobre Poverty Bay e mais além. Estou prestes a babar-me só com a perspetiva de me deliciar com o maravilhoso marisco servido por lá, quando vejo um jogger surgir na curva a alta velocidade. Esta súbita aparição assusta-me, mas um olhar mais próximo deixa-me literalmente paralisada e sem conseguir respirar.

Há muita coisa para assimilar ao mesmo tempo: vestido apenas com uns calções pretos e ténis de corrida, o homem surge-me como uma festa para os sentidos, todo ele pele bronzeada e luminosa de transpiração, intricadas tatua-gens artísticas e impressionante musculatura.

E aquela cara. Esculpida. Mandíbulas quadradas e for-tes. Brutalmente, ofegantemente… lindo.

A Roxy, agora uns poucos metros à minha frente, solta um discreto assobio.

– Eh lá… Que pedaço de mau caminho!O som da sua voz recorda-me que é importante respirar.

Toda eu estou quente e húmida de transpiração, o pulso

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aceleradíssimo – e não apenas do esforço da caminhada. Longe disso.

De início, ele não nos vê, ainda que venha a correr na nossa direção. Tem a cabeça noutro lado, o corpo em piloto automático. As pernas longas e fortes devoram o asfalto de-baixo dos pés. Os braços balançam num ritmo perfeito e controlado. É impressionante o modo como o seu corpo se move a tanta velocidade – eficiência e aerodinâmica puras. A passada, ritmada e sem o mínimo de esforço, transmite ao mesmo tempo beleza e poder. E eu não consigo deixar de o observar. Sei que o meu olhar é descarado e que o devia desviar, mas não consigo.

E a Roxy, pelos vistos, também não.– Tu… estás a ver isto?Somos ambas acordadas deste transe pelos latidos da

Bella e da Minnie, que decidem manifestar-se contra este estranho que corre na nossa direção.

Roxy repreende a Bella com um puxão de trela.– Eh… Para com isso.Mas eu não tenho o mesmo instinto, atarantada que estou

para poder reagir a tempo. A Minnie dá-me um forte puxão, o que me faz largar a trela, e desata a correr. Num segundo, está já vários metros à nossa frente, as pernas atarracadas movendo-se furiosamente… em rota de colisão com ele.

– Merda! – praguejo, correndo também eu ao encontro da sublime criatura.

E, finalmente, ele vê-me. Não parece minimamente sur-preendido quando olha para nós e percebe que estamos completamente babadas a olhar para ele, como se fôssemos mais duas cadelas descontroladas. Vejo-lhe a linha dura da

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boca estreitar-se, passando de modo distraído para a total concentração em nós. E não abranda o passo.

Os meus instintos mais primários levam-me a querer fugir, desatar a correr na direção oposta. Ele é como um ci-clone a aproximar-se de mim, e o meu sentido de autopre-servação exige que fuja.

– Minnie! – berro, correndo e tentando prender a trela com o pé. Mas falho o alvo. – Caraças!

– Minnie Bear! – grita Roxy num tom assertivo que faz a cadela parar e regressar, a correr, para junto da dona.

Quase que eu consigo ser ágil. Desvio-me, para tentar evitar o encontrão com aquele homem, e atravesso a rua.

– Teagan!O pânico na voz da Roxy a chamar-me faz-me virar a ca-

beça… a tempo de ver o Chrisler 300 mesmo diante de mim.Um surto de adrenalina faz-me dar um salto em frente e

o som estridente dos travões a chiarem arrepia-me os cabe-los da nuca. Sou atingida por trás com força suficiente para me fazer voar da estrada e aterrar num relvado vizinho.

Atordoada e ainda aterrorizada, levo alguns segundos a aperceber-me de que estou bem…

… e de que tenho em cima de mim aquele pedaço de mau caminho, lindo, forte e suado, de quem me tentei desviar.

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