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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    COMISSÃO ORGANIZADORA

    Coordenador Geral: Lucas de Carvalho Ferreira (Graduação)

    Secretaria Executiva: Janaina de Souza (Graduação)

    Marcella Fubá (Graduação) Comissão dos Grupos de Trabalho:

    Allan Wine dos Santos Barbosa (Graduação) Amanda de Felício Santos (Graduação)

    Fabiana Souza (Graduação) Marco Antonio Gavério (Mestrando PPGS)

    Thiago Mazucato (Mestrando PPGPol) Comissão de Minicursos:

    Giza Rodrigues (Graduação) Mariana Carvalho (Graduação)

    Dayane Lucas (Graduação)

    Comissão de Mesas-Redondas e Conferências: Ana Clara Sapienci Souza (Graduação) Cristian Justino Terra (Graduação) Giza Rodrigues (Graduação) Paola Oliveira (graduação) Vinicius Laguzzi (Graduação) Thiago Mazucato (mestrando PPGPol) Comissão de Apoios Institucionais: Felipe Brasil (Doutorando PPGPol) Thiago Mazucato (Mestrando PPGPol) Janaina de Souza (Graduação) Giza Rodrigues (Graduação) Comissão de Divulgação: Mariana Carvalho (Graduação) Mayara Suni (Graduação) Paola Oliveira (Graduação) Vinicius Laguzzi (Graduação)

    CONSELHO CIENTÍFICO

    Profª Drª Catarina Morawska Vianna (PPGAS) Prof. Dr. Luiz Henrique de Toledo (PPGAS)

    Profª Drª Ana Cláudia Niedhardt Capella (PPGPol) Prof. Dr. Eduardo Noronha (PPGPol)

    Prof. Dr. Fernando Antônio de Azevedo (PPGPol) Prof. Dr. Pedro Floriano Ribeiro (PPGPol)

    Prof. Dr. Thales Haddad Novaes de Andrade (PPGPol) Profª Drª Vera Alves Cepêda (PPGPol) Amanda Vizoná (Doutoranda PPGPol)

    Carla Cristina Wrbieta Ferezin (Doutoranda PPGPol) Érica Ambiel Julian (Doutoranda PPGPol)

    Felipe Fontana (Doutorando PPGPol) Felipe Gonçalves Brasil (Doutorando PPGPol)

    Mariele Troiano (Doutoranda PPGPol)

    Caroline M. dos Santos (diagramação) Guilherme Ubeda (arte da capa)

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    Índice QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E REINSERÇÃO SOCIAL DE PRESOS: O PRONATEC-FIC PRISIONAL

    E SUA IMPLEMENTAÇÃO NO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL .................................... 4

    AS CONEXÕES EXISTENTES ENTRE O PENSAMENTO DE ÉMILE DURKHEIM E A INTERPRETAÇÃO

    VIANNIANA SOBRE O POVO E AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS NO BRASIL – A CONSTITUIÇÃO DE

    UMA SOCIOLOGIA POLÍTICA BRASILEIRA .................................................................... 21

    COMUNICAÇÃO RELIGIOSA E IGREJAS INCLUSIVAS: O USO DA INTERNET NA PROPAGAÇÃO DA

    TEOLOGIA CRISTÃ ....................................................................................................... 38

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    TRABALHOS COMPLETOS

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    QUALIFICAÇÃO PROFISSIONAL E REINSERÇÃO SOCIAL DE PRESOS: O PRONATEC-FIC PRISIONAL E SUA IMPLEMENTAÇÃO NO ESTADO DO RIO

    GRANDE DO SUL Polyanna Venturela da Silva

    [email protected] Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul

    INTRODUÇÃO

    O Plano Brasil Sem Miséria (BSM), coordenado pelo Ministério do Desenvolvimento

    Social e Combate à Fome (MDS), dispõe de um conjunto de programas e ações de incremento

    da formação técnica e profissional de pessoas em situação de vulnerabilidade social e que

    estejam inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico).

    Uma das ações executadas por este Plano é o Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico

    e Emprego – Formação Inicial Continuada (PRONATEC– FIC).

    No Rio Grande do Sul, o PRONATEC-FIC é coordenado pela Secretaria do Trabalho e do

    Desenvolvimento Social (STDS), mais especificamente pelo Departamento do Trabalho

    (DETRAB). Nos níveis municipais, a gestão do programa é de incumbência das Secretarias de

    Assistência Social e/ou Desenvolvimento Social.

    Dentro do DETRAB, em 2012, iniciou-se uma discussão com a Superintendência dos

    Serviços Penitenciários (SUSEPE-RS) sobre a necessidade de se qualificar, também, os

    apenados do sistema penitenciário gaúcho. Foi criado, então, o PRONATEC-FIC Prisional

    (BRASIL, 2012), que abrange todas as casas prisionais que estejam dispostas e aptas, de acordo

    com padrões estabelecidos pela SUSEPE, para participarem do Programa.

    O foco deste estudo é a análise da implementação desse programa no Rio Grande do

    Sul, a fim de compreender como a questão ingressou na agenda do governo estadual, e como

    este Programa foi implementado pelos órgãos responsáveis, dentro dos moldes estipulados

    pelo Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS).

    O Programa ora analisado faz convergir duas questões que são foco das políticas

    sociais: a) a qualificação profissional, especialmente dos trabalhadores pobres ou

    extremamente pobres; b) as possibilidades efetivas de reinserção social dos presos. Ambas as

    questões são debatidas neste trabalho, a partir de estudos e pesquisas realizadas no Brasil.

    mailto:[email protected]

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    Cabe destacar que a pesquisa encontra-se concluída, tendo sido realizada durante os

    anos de 2012 e 2013, no nível de graduação, concluída e aprovada no ano de 2014. As

    informações utilizadas para realização da pesquisa ocorreram com a coleta de dados

    secundários (em sistemas informatizados e fontes documentais) e de pesquisa primária

    (entrevistas), técnicas que definem a pesquisa como do tipo quali-quanti.

    OS PROGRAMAS DE QUALIFICAÇÃO PARA PRESOS E EGRESSOS DO SISTEMA PENITENCIÁRIO

    Esta sessão do trabalho está divida em três momentos, o primeiro faz referência ao duplo

    papel: o de ressocialização e de punição; no segundo momento a integração entre o trabalho

    prisional e a reinserção social de presos, onde são apresentados dados quantitativos da

    situação dos presos no Estado do Rio Grande do Sul; e por fim a análise de iniciativas voltadas

    à reinserção de presos como o PRONATEC.

    a) O duplo papel da prisão

    Letícia Schabbach (2010), citando Foucault (1987), refere que a prisão nasceu no início

    do século XIX, em substituição ao suplício, ao espetáculo e à publicização da dor como formas

    de punição das transgressões às regras estatuídas. Desde o seu surgimento, o cárcere vem

    cumprindo dois papéis muitas vezes antagônicos: punir e ressocializar uma parcela de

    indivíduos transgressores. Tais objetivos são desenvolvidos simultaneamente no interior da

    instituição, por intermédio dos dispositivos disciplinares. (FOUCAULT, 1987 apud SCHABBACH,

    2010).

    Atualmente tem-se observado um reforço da função punitiva e custodial da prisão,

    aliado à ampliação do encarceramento em nível mundial (GARLAND, 2008). Tal realidade

    provoca um abandono progressivo de toda intenção e prática de reabilitação dos presos, que

    “[...] ainda que falidas desde seu início carregam uma marca e uma sugestão de não abandono

    dos internos.” (PEGORARO, s/d, p. 15).

    Nesta mesma linha, Maria Palma Wolff (apud SCHABBACH, 2010, s/p) destaca:

    (...) O aumento da população carcerária, a falta de investimentos humanos e materiais nos presídios e a restrição dos investimentos políticas sociais, terminaram, entretanto, por referendar a inocuidade do caráter ressocializador da pena, a despeito de sua previsão legal. É possível inferir que, se anteriormente a ideia de recuperação dos presos justificava investimentos, mesmo que escassos, em programas de tratamento penal, agora a consciência de sua inoperância e o

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    recrudescimento do Estado Penal trazem a ausência total de investimentos em políticas que levariam à preservação mínima de direitos.

    b) Trabalho prisional e reinserção social de presos

    Na América Latina, a partir do século XIX, algumas penitenciárias começaram a perceber

    o trabalho como um dos principais elementos de regeneração ressocialização de criminosos,

    desta forma o trabalho acabou tornando-se um instrumento fundamental para o

    funcionamento de muitas instituições modernas (KRAHN, 2013).

    No Brasil, na década de 1980, foram realizadas inúmeras reformais penais, e,

    juntamente a um período de redemocratização, foi instituída a Lei de Execução Penal –LEP em

    1984. A sua execução tem como objetivo por um lado a repressão, mas por outro o

    oferecimento de mecanismos que busquem reinserir o egresso à sociedade (MADEIRA, 2009).

    Apesar da existência de estudos voltados para as políticas públicas de (re) integração

    dessa população nas atividades de trabalho e na própria dinâmica da vida cotidiana, ainda

    lidamos com o problema da prisionização e estigmatização do preso e do ex-preso quando de

    seu retorno à comunidade.

    Segundo Lígia Madeira (2012), o egresso possui uma trajetória marcada pelo trabalho,

    pois a sua trajetória criminal perpassa pela necessidade prematura de trabalhar, a troca do

    trabalho em função de uma vida mais fácil e imediata, assim como as suas tentativas de

    ingressar no mundo do trabalho e o enfrentamento da falta de vagas. Ao sair da prisão

    novamente há um enfrentamento com a questão do trabalho; contudo, desta vez é a

    necessidade de trabalhar para se manter fora do crime. A necessidade do trabalho aparece

    como um mecanismo que renova sentimentos de cidadania; porém, marcado pelo estigma da

    experiência prisional, existe um questionamento sobre quais as esperanças e oportunidades

    para o egresso do sistema penitenciário.

    Diante deste problema social, a falta de oportunidades e a reação social para com os

    egressos fazem com que, ao retornar ao convívio social, as portas se encontrem muitas vezes

    fechadas.

    Hoje no Rio Grande do Sul, o setor de Tratamento Penal da SUSEPE é o responsável

    pela tarefa de planejar, coordenar, orientar e supervisionar políticas e ações de saúde física e

    mental, assistência psicossocial e jurídica, educação, capacitação profissional, cultura, esporte

    e lazer das pessoas privadas de liberdade, bem como outras julgadas convenientes e

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    necessários. Ainda dentro deste setor, existe um subsetor, ligado especificamente ao Trabalho

    Prisional. (SUSEPE, Conforme Decreto Nº 48.278 de 25 de agosto de 2011).

    Programas da SUSEPE ligados à empregabilidade e geração de renda têm como suas

    principais metas a criação de espaços para o desenvolvimento de atividades laborais e de

    aprendizagem profissional, objetivando a inclusão social do sujeito em cumprimento de pena

    através do trabalho. Integrado à educação e cultura, estes programas fomentam ações de

    cidadania, responsabilidade social e geração de renda, possibilitando a remição de pena.

    Salienta-se que é direito do preso, de acordo com o artigo 41 da Lei de Execução Penal

    (LEP), o exercício de atividades profissionais, intelectuais, artísticas e desportivas e quando o

    trabalho é realizado, este deve receber remuneração adequada. Desde a instituição da LEP, o

    trabalho recebe remissão de pena, na proporção de um dia a cada três trabalhados. O

    benefício de remissão foi estendido, desde 2011, às atividades educativas, na razão de um dia

    para 12 horas de estudo.

    Os dados a seguir apresentam características do Sistema Prisional do Rio Grande do

    Sul, no tocante às atividades laborais e educativas, e à escolaridade dos presos.

    Tabela 1 – Presos em estabelecimentos penais, Brasil e Rio Grande do Sul – dezembro 2012

    Itens Brasil Rio Grande do Sul

    Nºs Absolutos % Nºs Absolutos %

    Total de presos em estabelecimentos prisionais 513.713 100% 29.243 100%

    Presos com idade entre 18 e 29 anos 137.114 27% 7.683 26%

    Presos com trabalho externo 21.085 4% 4.622 16%

    Presos com trabalho interno 90.824 18% 5.631 19%

    Total de presos com trabalho (externo ou

    interno) 111.909 22% 10.253 35%

    Presos com atividade educacional: 47.353 9% 1.748 6%

    Alfabetização 8.392 18% 396 23%

    Ensino Fundamental 29.117 61% 1.063 61%

    Ensino Médio 7.289 15% 287 16%

    Ensino Superior 178 0% 2 0%

    Curso Técnico 2.377 0% 0 0%

    Fonte: MINISTÉRIO DA JUSTIÇA. DEPARTAMENTO PENITENCIÁRIO NACIONAL. Sistema

    Integrado de Informações Penitenciárias (INFOPEN).

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    No Brasil e no Rio Grande do Sul, o número de presos que exerce algum tipo de

    atividade laboral (22% e 35%, respectivamente) supera a quantidade daqueles que exercem

    atividades educacionais (9% e 6%). Esta diferença entre trabalho e educação prisional remete

    ao comentário de Krhan (2013, p. 26), ao afirmar que a maior procura dos presos pelas

    atividades laborais pode ser explicada pelo fato delas impulsionarem algumas importantes

    dinâmicas relacionadas com o ambiente interno e externo à prisão.

    Gráfico 1 – Escolaridade dos presos gaúchos (Julho de 2013).

    Fonte: SUSEPE/ Estatísticas – Publicado em Julho de 2013.

    Como nos demonstra o gráfico, do total de presos do Rio Grande do Sul, 62% possuem o

    Ensino Fundamental Incompleto. Somando os presos que se declaram analfabetos e

    alfabetizados, temos um total de 10%, o que somado a aqueles que não concluíram a

    educação no nível mais básico chega a mais de 70% da população carcerária sem a conclusão

    do Ensino Fundamental.

    c) Iniciativas voltadas à reinserção social de presos e o PRONATEC FIC Prisional no Rio

    Grande do Sul

    No âmbito da atuação da sociedade civil, encontramos a Fundação de Apoio ao Egresso

    do Sistema Penitenciário (FAESP), com funcionamento desde 1997, que tem como seu

    principal objetivo a reintegração produtiva do egresso com a participação da sociedade,

    apoiando o egresso com relação ao trabalho, educação-profissionalização e saúde; todavia, o

    objetivo central da FAESP é a inserção social através do trabalho (MADEIRA, 2012). A

    fundação, desde 2007, privilegia a profissionalização, sendo que esta se apresenta como uma

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    própria demanda do mercado. Os cursos são vistos como uma oportunidade de reinserção

    social.

    Pela FAESP foram desenvolvidos cursos principalmente na área da construção civil, em

    parecia com a Fundação Maurício Sirotzki Sobrinho, e um projeto patrocinado pelo Depen

    (Departamento Penitenciário Nacional), ministrado na Escola dos Profissionais e na própria

    Fundação (FAESP, 2008).

    No âmbito estadual, a própria SUSEPE desenvolve cursos que visam a qualificar o

    público que ainda está sob-regime de reclusão, entre eles podemos destacar o Programa de

    Educação Prisional Profissionalizante, desenvolvido pelo Departamento de Tratamento Penal

    da Superintendência; os cursos profissionalizantes desenvolvidos através de parcerias com as

    redes locais dos municípios, por exemplo, escolas técnicas, através da reserva de vagas para

    os presidiários realizarem os cursos no próprio estabelecimento prisional; o Programa

    Nacional de Segurança com Cidadania (PRONASCI), desenvolvido em parceria com o

    Ministério da Justiça, que tem como uma de suas metas a educação, profissionalização e a

    inclusão produtiva de jovens-adultos (18 aos 24 anos), especialmente através do Projeto de

    Proteção dos Jovens em Território Vulnerável (PROTEJO). Este projeto em específico é

    destinado à formação e inclusão social de jovens e adolescentes expostos à violência

    doméstica ou urbana, além de egressos do sistema prisional ou de medidas sócio-educativas.

    A meta é a formação cidadã dos jovens e adolescentes a partir de práticas esportivas, culturais

    e educacionais que buscam resgatar a autoestima, a convivência pacífica e o incentivo à

    reestruturação do seu percurso socioformativo para inclusão em uma vida saudável

    (SCHABBACH, 2012).

    Podem ser citados, ainda, programas municipais como o de Qualificação Profissional

    da Penitenciária Modulada de Ijuí, que tem como objetivo a integração social através da

    qualificação profissional, fazendo parcerias com empresas como o SEBRAE, que minstram

    cursos na área de empreendedorismo. O projeto “Tratadoras de Cavalo”, desenvolvido na

    Penitenciária Estadual de Alegrete, visa qualificar profissionalmente mulheres que estejam

    privadas de liberdade, ministrando aulas práticas e teóricas de tratamento de equinos.

    Outras pequenas parcerias isoladas foram realizadas pela SUSEPE em parceria com o

    SENAI, que destina um percentual de suas vagas para a qualificação prisional (SUSEPE).

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    Em adendo, Madeira (2012) destaca outras formas de inclusão/exclusão do egresso,

    seja através das redes sociais, da religião ou do trabalho; contudo, a garantia de direitos e de

    inclusão dos excluídos depende de políticas sociais efetivas.

    Pesquisando nos sites das Secretarias Estaduais de Segurança Pública dos estados

    brasileiros, experiências de políticas públicas nesta área de qualificação profissional prisional,

    encontramos no estado do Paraná o Programa de Qualificação Profissional do DEPEN/PR, que

    teve seu início em 1993, em uma parceria das entidades ofertantes de cursos de qualificação

    profissional e a Secretaria de Estado da Justiça e da Cidadania, sob a interveniência, na época,

    do Fundo Penitenciário. O objetivo do programa era o de ressocializar através da capacitação

    profissional durante o cumprimento da pena e sua (re) inclusão no mercado de trabalho após

    o fim de sua pena. O perfil do preso participante do programa é muito semelhante ao do preso

    gaúcho: 58% dos presos na faixa dos 18 aos 30 anos, com baixíssimo nível de escolaridade

    (55% não possui o ensino fundamental completo). O programa conta atualmente com três

    financiadores: FAT, Ministério da Justiça e Fundo Penitenciário (DEPEN/PR).

    Diversas ações são implementadas em todo o país, mas não chegam a se consolidar

    como uma política pública (de Estado, não apenas vinculadas a determinado governo), como

    é o caso do Presídio de Araxá (Minas Gerais), Unidades Prisionais de Cuiabá e Rondonópolis

    no Mato Grosso, a Penitenciária II de Sorocaba (São Paulo) e a Penitenciária Estadual de

    Caruaru (em Pernambuco) (SCHABBACH, 2010). Apesar das diversas ações executadas tanto

    pelo poder público em parceria com entidades privadas e ações da sociedade civil, inexiste

    uma política pública de escopo nacional voltada à reintegração social dos presos através da

    qualificação profissional, tendo em conta os baixíssimos níveis de escolarização e de

    profissionalização da população carcerária.

    Dentro desse contexto, foi criado o PRONATEC FIC Prisional que visa a qualificar uma

    importante parcela populacional que durante muito tempo esteve excluída do acesso à

    educação, à qualificação profissional e ao trabalho.

    Apesar de os cursos do PRONATEC oferecidos para as penitenciárias gaúchas não

    serem de nível técnico, é interessante observar, conforme dados do Ministério da Justiça, que

    em 2012 nenhum preso gaúcho realizou qualquer tipo técnico.

    A inexistência de um programa de qualificação profissional continuada destinado a

    esse contingente prisional – de baixa escolaridade e pouco qualificado profissionalmente -,

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    que enfrentará um difícil retorno à sociedade, principalmente ao mercado de trabalho, é um

    fator que justifica a necessidade e a existência de uma política de qualificação prisional para

    presos no Rio Grande do Sul e no Brasil. A busca pela ressocialização dos presos que realizam

    cursos do PRONATEC acontece de forma que eles consigam se capacitar para concorrer às

    vagas existentes no mercado de trabalho.

    Em suma, o PRONATEC-FIC Prisional surge como uma importante alternativa para o

    atendimento de uma demanda social específica, abrangendo um público beneficiado por uma

    política de escopo nacional, através da parceria do governo do estado do Rio Grande do Sul

    com o Ministério da Justiça.

    O PRONATEC FIC PRISIONAL NO RIO GRANDE DO SUL: SUA IMPLEMENTAÇÃO

    Na tabela abaixo aparecem os estabelecimentos prisionais que fizeram adesão ao

    PRONATEC- FIC, em um total de 31 casas prisionais que pactuaram cursos para o ano de 2013.

    Esta adesão ocorreu através de indicação do Departamento de Tratamento Penal da SUSEPE,

    que verificou as penitenciárias que possuíam condições de segurança física e estruturais para

    receber estes cursos de qualificação. Além da indicação dos cursos por parte do

    Departamento de Tratamento Penal, para que o curso aconteça e a pactuação se estabeleça,

    é necessário que haja uma aceitação da diretoria das penitenciárias em receberem este

    Programa.

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    Tabela 2 – Estabelecimentos com PRONATEC-FIC Prisional no ano de 2013

    Estabelecimento Penal Quantidade de turmas/edições

    Modulada de Montenegro 7

    Instituto Penal de Novo Hamburgo 4

    Penitenciária Modulada de Osório 2

    Presídio Regional de Santa Maria 6

    Penitenciária Estadual de Santa Maria 3

    Penitenciária Estadual de Santa Rosa 5

    Penitenciária Regional de Santo Ângelo 2

    Penitenciária Estadual de São Luiz Gonzaga 5

    Penitenciária Regional de Passo Fundo 7

    Penitenciária Regional de Pelotas 10

    Penitenciária Estadual de Camaquã 3

    Penitenciária Estadual de São Gabriel 4

    Penitenciária Estadual de Santana do Livramento 5

    Penitenciária Regional de Bagé 3

    Penitenciária Modulada de Uruguaiana 3

    PICS 8

    Peniteniciária Regional de Caxias do Sul 4

    Penitenciária Estadual de Lajeado 3

    Penitenciária Modulada de Charqueadas 3

    Penitenciária Modulada de Charqueadas- Masculina 1

    Penitenciária Modulada de Charqueadas- Feminina 1

    Penitenciária Estadual deJacuí 5

    Penitenciária Estadual Feminina de Guaíba 3

    Penitenciária Estadual de Arroio dos Ratos 1

    Instituto Penal de Charquedas 1

    Anexo Semi Aberto PEJ 1

    Colônia Penal Agrícola de Charqueadas 1

    Presídio Central de Porto Alegre 2

    Instituto Penal de Viamão 2

    Instituto Penal Miguel Dario 2

    Madre Pelletier 3

    Total de turmas/edições 110

    Fonte: SUSEPE/Departamento de Tratamento Penal em 04/12/2013. Compilação pela autora.

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    Os estabelecimentos penitenciários acima expostos foram os que pactuaram cursos

    com os ofertantes SENAC e SENAI no ano de 2013. As escolhas dos cursos que são ofertados

    dependem de condições das instalações das próprias penitenciárias, pois os cursos no sistema

    prisional acontecem dentro das penitenciárias, havendo uma locomoção do professor ao

    encontro dos seus alunos, o que inviabiliza a disponibilidade de muitos cursos que dependem

    de recursos e estruturas inviáveis no meio prisional.

    Para o ano de 2013 foram ofertados mais de 25 tipos de cursos, muitos deles com mais

    de uma turma cada. Todavia, nem todos aconteceram devido às dificuldades de realização,

    falta de segurança para os professores e falta de técnicos disponíveis para fazerem a

    locomoção de presos dentro das penitenciárias para assistirem as aulas, dentre outros fatores.

    Ainda é muito difícil para a SUSEPE e também para o DETRAB fazer um levantamento

    do total de presos do estado que estão realizando os cursos do PRONATEC FIC Prisional, devido

    a limitações do próprio sistema de pré-matrículas (SPP), que não diferencia as vagas que são

    destinadas aos presos das do público em geral. Existe um acompanhamento ainda muito

    manual e rudimentar dos cursos, realizado pela própria equipe de Trabalho Prisional da

    SUSEPE. Sendo assim, até o encerramento desta pesquisa os dados referentes ao número de

    presos que realizaram matrículas nos cursos e dos que concluíram a qualificação ainda não

    estavam disponíveis.

    A tabela abaixo apresenta todos os cursos pactuados com as redes ofertantes para o

    ano de 2013, divididos pelas casas prisionais que aderiram ao programa e pelo número de

    turmas de cada curso ofertado.

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    Tabela 3 – Cursos ofertados para o PRONATEC-FIC Prisional e número de turmas por curso.

    Fonte: SUSEPE/ Departamento de Tratamento Penal em 04/12/2013. Compilação pela autora.

    Cursos Turmas/edições

    Operador de Computador 18

    Pintor de Imóveis 14

    Auxiliar de Cozinha 11

    Garçom 10

    Aplicador de Revestimento Cerâmico 9

    Eletricista Instalador Predial de Baixa Tensão 7

    Padeiro Confeiteiro 4

    Auxiliar Administrativo 4

    Pedreiro de Alvenaria 4

    Vendedor 3

    Carpinteiro de Obras 2

    Armador de Ferragem 2

    Montador e Reparador de Computadores 2

    Costureiro 2

    Modelista 2

    Ajudante de Obras 2

    Artesão de Pintura em Tecido 2

    Encanador Instalador Predial 2

    Eletricista Industrial 1

    Frentista 1

    Operador de Supermercados 1

    Balconista de Farmácia 1

    Cabelereiro Assistente 1

    Marceneiro 1

    Soldador nos Processos MIG/MAG 1

    Promotor de Vendas 1

    Artesão de Bordado a mão 1

    Camareira em meios de Hospedagem 1

    Total de turmas/edições 110

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    Analisando a tabela acima, podemos perceber um forte interesse pelos cursos ligados

    às novas tecnologias, como o curso de Operador de Computador, e pelos da área da

    construção civil. Como já fora dito anteriormente, estes cursos são ofertados pelo SENAC e

    pelo SENAI, ficando o primeiro responsável por 47% dos cursos que são ofertados dentro do

    sistema prisional e o segundo com 53%, números que demonstram haver uma distribuição

    relativamente equilibrada entre ambos os ofertantes.

    AS VISÕES DOS GESTORES E OS RESULTADOS DO PROGRAMA

    Quando questionados sobre as principais dificuldades enfrentadas no processo de

    implementação da política, a gestão STDS apontou as limitações do próprio sistema prisional,

    devido a problemas de estrutura, tecnologias e relação com o ofertante, bem como a

    preocupação com a segurança do professor.

    Quando inquirimos a gestora da SUSEPE, a resposta pareceu-nos relativamente

    semelhante, apontando as limitações dos cursos devido aos problemas de estrutura das

    penitenciárias, mas principalmente a falta de efetivo para fazer a locomoção dos presos das

    suas galerias até o local de realização das aulas. O PRONATEC FIC Prisional acabou se tornando

    uma grande atividade, que antes não existia dentro dos presídios e, por isso, necessita de

    pessoal.

    Um dos problemas enfrentados na execução do programa foi o próprio boicote por

    parte dos agentes penitenciários, que ainda estão cercados de preconceitos e não

    compreendem o tema da reinserção através da educação ou da qualificação. Um importante

    problema apresentado pela SUSEPE foi quanto aos pré-requisitos de escolaridade dos

    participantes, um fator que inviabilizou a participação de muitos dos que estão presos, pois

    como foi apresentando anteriormente, os níveis de escolaridade são extremamente baixos no

    meio prisional.

    O que chama a atenção, e que foi destacado tanto pelos representantes da STDS

    quanto pelos da SUSEPE, é a exigência de documentação para a matrícula dos alunos. O que

    se percebe é que, por se tratar de um programa que envolve o direcionamento de recursos

    para as escolas e por ter sido desenhado para o público que está em liberdade, à exigência de

    documentação é excessiva, revelando que a falta de documentação mais básica é um dos

    grandes problemas que se manifestam não apenas no momento das matrículas ao Programa,

    mas no de retomada do preso à sociedade. Por isto, para a realização da matrícula é

    necessário que se faça uma triagem do preso que pode ser inscrito por ter documentos

  • 17

    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    daquele que é privado desta oportunidade por não os possuir.

    Como foi apresentado anteriormente, o número de pessoas com baixa escolaridade

    no sistema prisional é elevado. Esta população esteve, durante muito tempo, excluída do

    acesso aos bens mais básicos e agora é excluída do direito de existir enquanto cidadão, através

    da forma mais simples de cidadania que é ter um documento, ter uma identidade. Novamente

    este público, que já fora excluído em diversos aspectos da vida social passa pela mesma

    situação, ao ter negado o direito de se qualificar e tentar investir em uma forma de (re)

    inclusão por não possuir os documentos exigidos para a realização de um curso. Mais uma vez

    o excluído é excluído e lhe é negada a oportunidade de acessar novas oportunidades e se

    adentra no ciclo vicioso da falta de apoio ao preso, ao egresso e a sua longa jornada de falta

    de oportunidade, para no fim, muitas vezes inevitavelmente, reincidir no crime.

    Quando questionadas sobre os mecanismos de monitoramento e avaliação desta

    política, é reconhecida por ambas as partes a inexistência de ferramentas qualificadas e

    capazes de apresentar os seus resultados e impacto. O monitoramento restringe-se às

    reuniões do grupo de trabalho e a avaliação aparece em forma numérica, apenas quanto ao

    número de alunos matriculados e concluintes dos cursos.

    A relação entre o número de alunos matriculados e de concluintes parece ter

    decepcionado ambos os lados da gestão, na medida em que se esperava qualificar um número

    maior de pessoas. Em paralelo, muitos dos cursos não puderem nem mesmo ser iniciados por

    diversas questões, tais como: a inviabilidade de montar um determinado curso devido à

    negativa das direções; a falta de estrutura para a realização de curso; a falta de espaço dentro

    das penitenciárias e de funcionários para fazerem a movimentação dos presos dentro da

    penitenciária; as reduzidas garantias de segurança para o professor. Acrescenta-se o caso de

    alunos que estão sendo qualificados em presídios de regime semiaberto e acaba tendo que

    abandonar a qualificação por questões judiciais que envolvem o recebimento de benefícios

    como liberdade provisória, o uso de tornozeleiras eletrônicas e prisão domiciliar, o que

    aumenta a rotatividade em presídios de regime semiaberto e dificulta a conclusão dos cursos

    e, até mesmo, o fechamento de um número mínimo de alunos para ingressar nas turmas.

    De forma geral o programa foi avaliado pelos gestores como positivo, e, apesar da

    dificuldade de ter os seus objetivos e metas quantificados, consideraram a preocupação e a

    oportunização destes cursos de qualificação como uma forma de vitória diante do atual

    cenário apresentando. Todavia, cabe destacar que o PRONATEC FIC ainda carece de ajustes

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    quando pensado para o público prisional e de uma sensibilização dos gestores em nível federal

    para com as peculiaridades desta população.

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O principal objetivo proposto por este trabalho foi o de compreender, bem como

    analisar o seu processo de implementação do PRONATEC-FIC PRISIONAL no Rio Grande do Sul

    (SAMPAIO; ARAÚJO JR., 2006).

    Conforme proposto por Sampaio e Araújo Júnior (2006), o estudo das políticas públicas

    nos permite formar uma opinião acerca daquilo que o Estado vem promovendo para a

    melhoria do bem-estar social. O caso estudado neste trabalho comprova que o PRONATEC

    Prisional tratou-se de uma medida emergencial e adaptada à realidade do Rio Grande do Sul,

    não sendo algo pensado como uma medida, uma política específica.

    Retomando o conceito de avaliação de política proposto por Howlett e outros (2013),

    este poderia ser um bom momento para se repensar ou então formular uma política pública

    específica para o público do meio prisional, levando em consideração suas peculiaridades.

    Constatamos, através das entrevistas que foram realizadas com os gestores e demais

    participantes envolvidos na implementação do Programa, que foi aberta uma “janela de

    oportunidades”, através da boa interação e vontade dos gestores da SUSEPE e da STDS, mas

    apenas para o público prisional do Rio Grande do Sul; contudo, não houve um refinamento e

    uma sensibilização do público em geral em torno da questão do público prisional. Apesar de

    ser válida a tentativa dos gestores envolvidos na execução e adaptação do programa no

    estado, não foram criados mecanismos capazes de medir o impacto desta política.

    Faria (2012) aponta que uma das principais causas do insucesso das políticas e o seu

    baixo impacto está ligada ao processo de implementação. No caso examinado, verificamos

    que o processo de implementação não aconteceu da forma como a política havia sido

    desenhada, porque havia sido elaborada para uma realidade muito diferente daquela na qual

    foi executada. O processo de adaptação da política tentou abranger as peculiaridades do

    sistema prisional por ter conhecimento da realidade; porém, por ser uma política pensada

    para um público que está em liberdade, esta buscou atender as necessidades de uma

    realidade específica, que não corresponde a do mundo de privação da liberdade. Quando o

    PRONATEC-FIC foi desenhado, pensava-se em atender o público de extrema pobreza inscrito

    no Cadastro Único da Assistência Social, e para corresponder às demandas deste público

    específico foi necessário um conhecimento, um refino das informações necessário à

  • 19

    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    elaboração de qualquer política pública. Este diagnóstico não aconteceu no caso do

    PRONATEC FIC Prisional.

    O egresso e o preso ainda permanecem na invisibilidade do mundo. A decisão por não

    se pensar políticas de reintegração, não modificar a realidade e a estrutura do sistema

    prisional, não se oportunizar uma verdadeira ressocialização através do trabalho, contribui

    com a manutenção do atual status quo.

    A importância da existência do PRONATEC Prisional é inegável. Contudo, esta é mais

    uma medida pontual e que age de forma paliativa enquanto uma política maior não é

    formulada, uma política que interaja com outras políticas sociais, com a sociedade em geral e

    com o reconhecimento de que possuímos um sistema prisional que não está servindo como

    ferramenta de recuperação, mas sim de estigmatização do cidadão.

    Para o momento, podemos considerar o PRONATEC um Programa que tem um

    objetivo muito específico: a qualificação profissional de presos para a sua inserção no

    mercado de trabalho, que vem buscando se adaptar minimamente à realidade do sistema

    prisional gaúcho. Ao mesmo tempo, busca erradicar a pobreza extrema (que é a realidade de

    boa parte do público penitenciário) através do trabalho, na tentativa de que o cidadão torne-

    se mais autônomo e menos dependente das políticas sociais do governo.

    REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

    BRASIL.Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Cartilha Pronatec Brasil Sem Miséria.

    Brasília, 2012, impresso. Versão digital disponível em:

    www.brasilsemmiseria.gov.br/documentos/cartilha-pronatec-bsm-v.2012.pdf. Acesso em

    10/12/2013.

    DEPEN/PR, Secretaria da Justiça, Cidadania e Direitos Humanos do Paraná. Programa para o

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    http://www.pdi.justica.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2. Acesso em

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    FAESP, Fundação de Apoio ao Egresso do Sistema Penitenciário. Ecos de Liberdade. – Ano 1, n.1 (Out./

    2008) -,- Porto Alegre: Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, 2008.

    FARIA, Carlos Aurélio Pimenta de. Implementação de políticas públicas: teoria e prática. Belo

    Horizonte: Ed. PUC Minas, 2012.

    FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: história da violência nas prisões. Petrópolis: Vozes, 1987.

    http://www.brasilsemmiseria.gov.br/documentos/cartilha-pronatec-bsm-v.2012.pdf.http://www.pdi.justica.pr.gov.br/modules/conteudo/conteudo.php?conteudo=2.

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    GARLAND, David. A Cultura do Controle: Crime e ordem na sociedade contemporânea. Rio de Janeiro:

    Instituto Carioca de Criminologia/Editora Revan, 2008.

    HOWLETT, Michael; RAMESH, M.; PERL, Anthony. Política Pública: seus ciclos e subsistemas: uma

    abordagem integradora. Rio de janeiro: Elsevier, 2013. 1ª edição em 1955.

    KRAHN, Natasha Maria Wangen. Trabalho na prisão: Análise das dinâmicas que envolvem o

    desenvolvimento desta política. 37º Encontro Anual da ANPOCS, 2013. (Disponível em:

    http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=8701&Itemid=

    429). Acesso em: 10 dez. 2013.

    MADEIRA, Lígia Mori. Mudanças no Sistema de Justiça Criminal Brasileiro nas Duas Últimas Décadas:

    rumo a um estado penal? In: XXI World Congress of Political Science, 2009, Santiago do Chile. Online

    paperroom IPSA, 2009. (Disponível em: http://paperroom.ipsa.org/papers/paper_3984.pdf). Acesso

    em 10 dez. 2013.

    ________. Trajetória de Homens Infames: políticas públicas penais e programas de apoio a egressos

    do sistema penitenciário no Brasil. – 1. ed. – Curitiba: Appris, 2012.

    PEGORARO, Juan. Teoria social, Control Social y Seguridad, el nuevo escenario de los años 90. In:

    PAVARINI, Massimo; PEGORARO, Juan. El Control Social en el fin del siglo. Buenos Aires: Universidad

    de Buenos Aires/Secretaria de Posgrado/Facultad de Ciencias Sociales, s/d. p. 75-117.

    SAMPAIO, Juliana, ARAÚJO JR, José Luis. Análise das políticas públicas: uma proposta metodológica

    para o estudo no campo da prevenção em Aids. Revista Brasileira de Saúde Materno-Infantil, Recife,

    v. 6, n. 3, p. 335-346, jul/set. 2006.

    SCHABBACH, Letícia Maria. As prisões no Estado do Rio Grande do Sul. Santa Cruz do Sul: UNISC, 2010.

    Mimeo. [Texto incluído, de forma sintetizada, no capítulo de livro: CANDELORO, Rosana Jardim;

    SCHABBACH, Letícia Maria; MENEZES, Ana Luisa Teixeira de. Educação e Trabalho: o caminho para a

    ressocialização de apenados. In: MENEZES, Ana Luisa Teixeira de; SÍVERES, Luiz (org.). Transcendendo

    fronteiras: a contribuição da extensão das instituições comunitárias de ensino superior. Santa Cruz do

    Sul: EDUNISC, 2011. p. 68-93.

    _________. Relatório Técnico do Projeto de Pesquisa “Prevenção da Violência Urbana: ações do

    PRONASCI em Porto Alegre”. Porto Alegre: FAPERGS, 2012

    SUSEPE, Governo do Estado do Rio Grande do Sul. Projetos e Programas. Publicação em 23/08/2011.

    Disponível em: http://www.susepe.rs.gov.br/conteudo.php?cod_menu=21. Acesso em 17/12/2013.

    http://www.anpocs.org/portal/index.php?option=com_docman&task=doc_view&gid=8701&Itemid=http://paperroom.ipsa.org/papers/paper_3984.pdf).http://www.susepe.rs.gov.br/conteudo.php?cod_menu=21.

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    AS CONEXÕES EXISTENTES ENTRE O PENSAMENTO DE ÉMILE DURKHEIM E A INTERPRETAÇÃO VIANNIANA SOBRE O POVO E AS INSTITUIÇÕES POLÍTICAS NO BRASIL – A CONSTITUIÇÃO DE UMA SOCIOLOGIA POLÍTICA BRASILEIRA

    Felipe Fontana Doutorando em Ciência Política do PPG-Pol/UFSCar

    [email protected] Thiago Pereira da Silva Mazucato

    Mestrando em Ciência Política do PPG-POL/UFSCar [email protected]

    INTRODUÇÃO

    Oliveira Vianna (1883-1951) foi um dos primeiros autores brasileiros que, para explicar

    de maneira profunda o Brasil, considerou as características estruturais inerentes à formação

    de nosso povo, de nossas organizações e de nossas instituições políticas. Populações

    Meridionais do Brasil (1922), por exemplo, é uma obra que tem a função de edificar uma

    interpretação orgânica sobre o Brasil. Esse importante diagnóstico acerca da realidade

    brasileira (aspectos sociais, culturais, econômicos e políticos que perduram e nos caracterizam

    como povo e nação) determinou em muito o modo como o pensador encarava as nossas

    instituições e algumas das saídas políticas necessárias e mais adequadas para o Brasil. O

    interessante é notarmos como, para pensar a formação do Brasil e construir as soluções mais

    condizentes para a nação, edificando assim, em seu pensamento, uma espécie de Sociologia

    Política, Oliveira Vianna angaria uma gama significativa de conceitos, noções e idéias

    durkheimianas.

    Nesse sentido, este artigo busca apresentar rapidamente a interpretação de Oliveira

    Vianna sobre o Brasil; evidenciar como determinadas idéias e conceitos de Émile Durkheim

    são articulados pelo intelectual brasileiro no momento em que ele constrói um diagnóstico e

    um prognóstico sobre a realidade brasileira; entender o vínculo dessa interpretação com as

    soluções políticas e institucionais propostas por Oliveira Vianna para desenvolver e

    modernizar o Brasil; e, por fim, analisar como essas dimensões do pensamento do autor são

    relevantes para apreendermos a constituição de uma Sociologia Política Brasileira que se

    enraizou em nosso Pensamento Político, vinculando-se dessa forma, de maneira discreta ou

    contundente, a diversos trabalhos e estudos.

    Todavia, antes de adentrarmos especificamente na leitura de Oliveira Vianna sobre a

    formação do Brasil e os mecanismos necessários para se modernizar o país faremos,

    mailto:[email protected]:[email protected]

  • 22

    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    resumidamente e de modo a reguardar o objetivo deste trabalho, uma definição daquilo que

    entendemos por Sociologia Política. Segundo nossa visão, esse campo do conhecimento tem

    objetos de investigação muito próximos aos da Ciência Política, tais como: o Poder, o Estado,

    as Instituições Políticas e o Dever e a Função da Política. Contudo, o enfoque diferenciado

    dado à análise destes objetos liga-se, fundamentalmente, com a verificação e a compreensão

    das bases sociais da política; ou seja, quais os ditames e as peculiaridades sociais que

    interferem, modificam e influenciam a política (SOUZA, 2010, p. 12).

    De modo geral, a Sociologia Política busca apreender as condições sociais que

    interferem na política e no poder, dessa forma, questões como a especificidades das elites de

    uma sociedade; a particularidade dos grupos sociais fixados ou não no Aparelho de Estado; as

    características e a importância dos grupos de pressão ou dos movimentos reivindicatórios; as

    consequências de uma ação coordenada pelo Estado (a quem elas se destinam e em qual

    segmento social elas interferem); as ideologias que se ancoram nos grupos sociais de um dado

    agrupamento social; ou ainda, o modo como a sociedade está organizada e os impactos que

    um tipo específico de organização gera na política (HURTING, 1990). No próximo tópico,

    veremos como essas dimensões importantes circunscritas à Sociologia Política foram

    amplamente investigadas por Oliveira Vianna no momento em que ele buscou compreender

    a trajetória do Brasil e, em nossa conclusão, ficará claro como conceitos e posições

    durkheimianas o ajudou a realizar essa tarefa.

    A SOCIOLOGIA POLÍTICA DE OLIVEIRA VIANNA E SUA INTERPRETAÇÃO SOBRE O BRASIL:

    DIAGNÓSTICO E VISLUMBRE DE UM PAÍS MODERNO

    Populações Meridionais do Brasil (1920) é o estudo clássico de Oliveira Vianna que

    claramente possui a intenção de edificar uma interpretação acerca da formação da sociedade

    brasileira e, consequentemente, dos caracteres que nos marcaram indelevelmente como um

    povo sui generis. Nesta obra, o autor busca no Brasil Colônia as raízes e as razões pelas quais

    somos incapazes de atuar de maneira impessoal no espaço público. Além disso, vemos neste

    estudo uma das primeiras utilizações da noção de patriarcalismo no Brasil, concepção esta

    que perpassou e ainda perpassa uma serie de estudos brasileiros que buscam compreender a

    nossa formação, nossas especificidades como povo e as peculiaridades de nossa vida pública.

    Um traço marcante do raciocínio de Oliveira Vianna nessa obra é a necessidade de

    explicar o Brasil não só por dimensões culturais, sociais e políticas. Para o autor, é relevante

    compreender o povo brasileiro considerando a terra, a natureza, a morfologia e a geografia

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    do espaço no qual ele habitou e se constituiu. Através do pensamento do cientista brasileiro

    notamos o quão coercitiva foram as determinações morfológicas e geográficas no

    desenvolvimento de nossa sociedade e, principalmente, na formação de um tipo individual

    que carrega consigo marcas profundas. Em relação a esta posição analítica do autor, notamos

    claramente que Oliveira Vianna procurou atrelar a antropogeografia e a morfologia social aos

    seus estudos, para assim, compreender a formação do Brasil, de seu povo, de suas instituições

    e de sua cultura social e política.

    No Brasil Colonial, segundo Oliveira Vianna, houve uma autonomia exagerada do

    latifúndio que, por sua vez, impediu que o país caminhasse rumo à urbanização e à

    modernidade. Aqui, em um dado momento da colonização a retirada de riquezas feita pela

    Metrópole era efetivada através da exploração da terra, dessa maneira, os investimentos

    nacionais ligavam-se exclusivamente com o desenvolvimento dos latifúndios e das atividades

    rurais. Adicionado a isso, verifica-se que o latifúndio não exigia redes complexas de indústrias,

    de produção e de transportes: tudo que se precisasse para a manutenção da vida e para a

    atividade agrícola era produzido no interior dos latifúndios. Assim, a sociedade colonial

    brasileira é caracterizada por ter profundas raízes rurais, as quais dificultaram fortemente a

    edificação de nossos conglomerados citadinos, zonas urbanas ou cidades. Desta forma,

    adverti-nos o autor, os grupos sociais presentes nas cidades estariam presos ao poder dos

    latifundiários, não possuindo assim, um “espírito corporativo”, o que constitui uma

    problemática, pois, não houve em nosso país a construção de corporações com uma

    “solidariedade moral1”.

    Somado a isso, o intelectual brasileiro mostra que a morfologia territorial do Brasil

    conduziu a um tipo de economia específica da colônia, a qual provocou um não

    desenvolvimento da zona urbana. Dessa maneira, o autor evidenciou que os grupos sociais

    presentes nas cidades eram presos ao poder dos latifundiários, não possuindo assim, um

    “espírito corporativo”, o que é extremamente deficiente, pois, não há a constituição de

    1 Através de uma fala do intelectual fluminense, podemos perceber a especificidade social e cultural de nossas zonas urbanas no Brasil colônia: “Villas, aldeias, arraiaes, todas não passam, ainda agora, de agglomerações humanas em estagnação, e mortiças (VIANNA, 1938, p. 159)”. E continua, “[...] as classes urbanas não gosam aqui nenhum credito – e só a classe rural tem importância. Deante dos grandes latifundiários não se erguem nunca como organizações autônomas e influentes: ao contrario, ficam sempre na dependência delles. Não exercem, nem podem exercer aqui, a funcção superior que exerceram, deante de olygarchia feudal, as communas medievaes. Falta-lhes para isto o espírito corporativo, que não chega a formar-se. São meros conglomeratos, sem entrelaçamentos de interesses e sem solidariedade moral [...]” (VIANNA, 1938, p. 159).

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    corporações com uma “solidariedade moral”. “Espírito corporativo” e “solidariedade moral”

    são duas características ausentes da população inerente ao Brasil Colônia. Segundo o

    pensador brasileiro, os domínios rurais, conformados em suas autossuficiências, limitaram

    nosso caminho rumo à modernidade, fazendo com que se girasse aos seus redores todo o

    sentido do Brasil Colônia. Através desse diagnóstico, Oliveira Vianna, posteriormente,

    desenvolve nesta mesma obra algumas explicações sobre aquilo que nos caracteriza, dentre

    elas, destaca-se a simbiose clássica na qual está fundado o Brasil: a indistinção entre o púbico

    e o privado. Obviamente, a caracterização morfológica do Brasil Colonial não é suficiente para

    explicar a criação deste paradigma clássico, afinal, paralelamente a esta caracterização o

    intelectual articula os conceitos de patriarcalismo e de espírito de clã para construir tal núcleo

    analítico. Contudo, não é possível compreender efetivamente essa indistinção entre o público

    e o privado sem considerar a caracterização morfológica de nossa colônia tal como é

    apresentada por Oliveira Vianna.

    Em Populações Meridionais do Brasil, Oliveira Vianna constata que no Brasil Colônia

    não há uma instituição capaz de proteger os direitos coletivos em detrimento de dados

    agrupamentos sociais: “O homem que não tem terras, nem escravos, nem capangas, nem

    fortunas, nem prestígio sente-se aqui, praticamente, fóra da lei. Nada o ampara. Nenhuma

    instituição, nem nas leis, nem na sociedade, nem na família existe para a sua defesa” (VIANNA,

    1938, p. 201). Segundo o autor, os homens que possuem uma instituição capaz de resguardar

    seus direitos “são, por isso, autônomos. São, por isso, livres. Sob a ação permanente dessa

    confiança interior, o caracter se abdura, se consolida, se crystalisa e adquire a infragibilidade

    do granito ou do ferro” (VIANNA, 1938, p. 201). A autossuficiência dos latifúndios gerou uma

    série de problemas para o desenvolvimento do país. Nesse espaço, a aplicabilidade das leis

    era feita pelo Senhor de Terras, dono do latifúndio e patriarca. Reside nesse diagnóstico do

    intelectual fluminense a afirmação de que na sociedade colonial brasileira a obediência era

    dirigida exclusivamente ao Líder Local, e não às poucas instituições políticas existentes, aos

    líderes do poder central e aos homens da lei ligados a nossa vida pública (VIANNA, 2005, p.

    345).

    Tal diagnóstico de Oliveira Vianna é relevante para entendermos aquilo que o autor

    denomina como espírito de clã. Tal conceito sintetiza um modo de agir por parte dos

    brasileiros que está diretamente vinculado à idéia de uma desobediência para com as leis e

    regimentos inerentes à vida pública em detrimento de relações de compadrio oriundas dos

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    anseios particulares e dos interesses ligados à vida privada (VIANNA, 2005, p. 225-226). Para

    o intelectual brasileiro, o espírito de clã só se constituiu graças ao desmedido poder exercido

    pelo senhor de terras e patriarca no interior dos latifúndios. E é nesse momento que ele

    articula aos seus escritos em Populações Meridionais do Brasil o conceito de patriarcalismo.

    Tal conceito tem o objetivo de explicar a formação familiar que predominou no Brasil Colônia2.

    Oliveira Vianna, de fato, não foi o primeiro autor a usar esse conceito para

    compreender o Brasil. Joaquim Nabuco, por exemplo, já fazia algumas alusões a esta noção.

    No entanto, o patriarcalismo tal como foi utilizado pelo pensador niteroiense revelou algumas

    conclusões a respeito do Brasil e de sua formação diferenciados. Interessantemente, vemos

    em nosso Pensamento Político posterior aos anos trinta a reverberação de uma noção de

    patriarcalismo muito próxima da utilizada por Oliveira Vianna. Evidência disso são os usos

    desse conceito feitos por Sérgio Buarque de Holanda, Victor Nunes Leal e Raymundo Faoro

    em importantes obras ligadas à Ciência e à Teoria Política Brasileira, quais sejam,

    respectivamente, Raízes do Brasil (1936), Coronelismo Enxada e Voto (1948) e Os Donos do

    Poder (1958).

    A exposição destas ideias inerentes à obra Populações Meridionais do Brasil é

    relevante para compreendermos o paradigma analítico e interpretativo cunhado por Oliveira

    Vianna sobre a realidade brasileira e sua formação. O que notamos nessas leituras do

    pensador fluminense é que elas convergem para o entendimento da problemática inerente a

    nossa vida pública; ou seja, é por motivos específicos (herança rural, espírito de clã e

    patriarcalismo) que possuímos uma extrema dificuldade de respeitar leis abstratas e atuar de

    modo impessoal em meio aos espaços públicos e a vida pública. Reside nessa questão,

    posteriormente abordada/retomada pelo intelectual niteroiense em seu pensamento, a

    2 Oliveira Vianna, já em Populações Meridionais do Brasil (1920), expõe uma definição bem acabada do poder patriarcal durante o período colonial. Para ele, tal poder tem uma presença marcante em nossos caracteres como povo: “Na alta classe rural, o contrário. É imensa a ação educadora do pater-famílias sobre os filhos, parentes e agregados, adstritos ao seu poder. É o pater-famílias que, por exemplo, dá noivo às filhas, escolhendo- o segundo as conveniências da posição e da fortuna. Ele é quem consente no casamento do filho, embora já em maioridade. Ele é quem lhe determina a profissão, ou lhe destina uma função na economia da fazenda. Ele é quem instala na sua vizinhança os domínios dos filhos casados, e nunca deixa de exercer sobre eles a sua absoluta ascendência patriarcal. Ele é quem os disciplina, quando menores, com um rigor que hoje parecerá bárbaro, tamanha a severidade e a rudeza. Por esse tempo, os filhos têm pelos pais um respeito que raia pelo terror. Esse respeito é, em certas famílias, uma tradição tão vivaz, que é comum verem-se os próprios irmãos cadetes pedirem a bênção ao primogênito. Noutras, as esposas chamam ‘senhor’ aos maridos, e esses, ‘senhoras’ às esposas. O sentimento de respeito aos mais velhos e de obediência à sua autoridade, tão generalizado outrora no nosso meio rural, é também uma resultante dessa organização cesarista da antiga família fazendeira.” (VIANNA, 2005, p. 100).

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    necessidade de se edificar de maneira artificial em nosso país um Estado Forte, Centralizado,

    Interventor e de predisposições Corporativas que fosse regido por uma elite técnica altamente

    especializada e burocratizada.

    Outra importante questão presente no pensamento de Oliveira Vianna vincula-se com

    a crítica que o intelectual estabelece em relação aos legados negativos de nosso passado

    colonial e os meios pelos quais é possível transformar, desenvolver e modernizar o Brasil.

    Vinculada a este importante debate interno ao pensamento de Oliveira Vianna são articulados

    e teorizados pelo intelectual fluminense alguns relevantes temas e questões, como por

    exemplo: a especificidade do período monárquico no Brasil; a peculiaridade e a relevância do

    Corporativismo na nação brasileira; os atributos distintivos de um Direito do Trabalho, de uma

    Legislação Trabalhista e de um Direito Corporativo para o Brasil; as incongruências e

    inconsistências da Constituição Brasileira de 24 de Fevereiro de 1881; e, por fim, as

    características constitutivas de nossas instituições.

    Diante destes caros temas e debates internos ao pensamento vianniano, escolhemos

    apenas dois para realizarmos aqui uma introdutória apresentação e análise acerca da

    percepção do pensador niteroiense sobre a possibilidade de se transformar e desenvolver o

    Brasil, quais sejam: a interpretação de Oliveira Vianna acerca da Constituição de 1891 e o

    debate por ele oferecido sobre o Corporativismo no Brasil. Contudo, nossa análise não pode

    ser feita sem, minimamente, apresentar a crítica do pensador fluminense à herança colonial

    brasileira e a necessidade de superá-la para, dessa forma, se modernizar nosso país.

    Na obra Instituições Políticas Brasileiras (1949), Oliveira Vianna trabalha de modo

    extensivo com as noções de Direito Costumeiro e de Direto Constitucional. O primeiro está

    estreitamente vinculado com os costumes, tradições, representações e regras coletivas

    experimentadas cotidianamente pela sociedade ou pelo “povo-massa” que foram

    processualmente construídos no Brasil em bases não institucionais, ou seja, em meio à

    realidade social, objetiva e material na qual a população brasileira esteve inserida desde o

    período colonial. Já o segundo, no entanto, foi criado e desenvolvido por nossas elites sem

    levar em consideração aquilo que realmente somos. Segundo o pensador brasileiro, o Direito

    Costumeiro tem mais força que o Constitucional por estar intimamente e intrinsecamente

    ligado com os modos de agir, sentir e pensar de um determinado povo (ou seja, sua cultura).

    Este vínculo tão caro para o intelectual fluminense é, segundo ele, negado por nossos juristas

    no momento em que estes comentam ou edificam leis para o Brasil. De acordo com Oliveira

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    Vianna, uma perspectiva metodológica moderna, em seu tempo, destinada a fornecer amparo

    técnico e científico à ciência política e ao trabalho jurídico deve primar por uma análise

    objetiva do real, articulando assim, os caracteres próprios do costume e do comportamento

    humano de uma determinada sociedade às leis e aos códigos que regem suas instituições

    (VIANNA, 1999, p. 49).

    O não vínculo entre as especificidades culturais de um povo e a forma das leis, assim

    como a problemática circunscrita à importação de complexos culturais, serão as bases da

    justificativa de Oliveira Vianna a respeito da não predisposição da sociedade brasileira a

    formas liberais e democráticas de governo. Além disso, o pensador recorrerá ao estudo do

    desenvolvimento histórico de outras sociedades para afirmar que apenas alguns processos

    específicos de formação levam à conformação de sociedades democráticas (o Brasil, segundo

    o intelectual fluminense não seria, obviamente, um desses agrupamentos sociais justamente

    por conservar na sua trajetória histórica as permissivas e indeléveis marcas do processo

    colonizador). Segundo o pensador niteroiense, um Estado-Nação – de base democrática – Pós

    Revolução Francesa – só pôde existir graças a uma herança histórica que possibilitou a

    emergência de um sistema de governo como esse.

    O grande problema dos povos modernos, segundo o autor, é justamente a intenção

    que eles possuem de ajustar seus costumes, suas características distintivas e suas tradições as

    bem sucedidas formas de organização política que, por vezes, foram fundadas em preceitos e

    condições extremamente específicas. Para Oliveira Vianna, esta é a causa “íntima da crise do

    Estado Moderno” que, em dados momentos, se expressa em Cartas Constitucionais e

    Desenhos Institucionais inadequados e incongruentes quando comparados à efetiva realidade

    social, política, cultural e econômica de um país.

    No caso do Brasil, a herança colonial não só restringia e impedia a construção de um

    governo e de uma política de cunho liberal e democrático. Notamos também que a formação

    brasileira está intrinsecamente relacionada com um peculiar antiurbanismo, com a não

    constituição de classes médias trabalhadoras, com a enorme predisposição a condição de país

    agroexportador e, consequentemente, com o atraso no processo de industrialização. Dessa

    forma, podemos afirmar que a experiência colonial e o seu legado (dentre outras coisas, o

    Direito Costumeiro dela decorrente) são barreiras que impelem a fomentação de uma série

    de atributos e características que amplamente definem aquilo que é uma sociedade moderna

    (ou seja, desenvolvida em seus aspectos sociais, econômicos, políticos, culturais, etc.).

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    Ao pautarmo-nos na interpretação do intelectual fluminense percebemos que

    diferentemente de alguns países da Europa, no Brasil, as raízes culturais de nossa formação

    como povo são outras e excluem radicalmente uma vida pública regulada e ajustada por

    princípios políticos liberais e democráticos de governo e de participação; ou ainda, em

    posições liberais acerca das dinâmicas econômicas, dos processos de industrialização e dos

    movimentos de construção e organização de um operariado urbano-industrial. Para o autor,

    o espírito de clã, o poder exacerbado do latifúndio, o predomínio da atividade agrícola

    monocultora para exportação, a substituição de um poder oficial pelo permissivo

    reconhecimento da autoridade do senhor de terras (latifundiário) e a ausência efetiva de uma

    entidade reguladora impediram e, segundo a sua visão, ainda em seu tempo, dificultavam a

    construção de um Brasil efetivamente moderno e desenvolvido nas mais variadas dimensões.

    Oliveira Vianna, ao passo que destacava as dinâmicas entre a formação dos Estados

    Modernos e os incongruentes desenhos e formas institucionais, legislativas (leis) e

    governamentais recorrentemente requeridos por eles, expõe uma das chaves explicativas

    mais desenvolvidas em sua obra que, por vezes, justificam a idéia de que o Brasil para se

    modernizar necessita de específicas formas de governo, particulares instituições e,

    principalmente, leis preocupadas com as peculiaridades do Direito Costumeiro inerente à

    população brasileira. A expressão máxima dessa leitura e interpretação, de acordo com a

    nossa opinião, foi transposta pelo intelectual fluminense na obra O Idealismo da Constituição

    (1927) com uma ácida crítica à Carta Constitucional Republicana de 1891.

    De modo geral, o autor defende que a Carta Magna de 24 de Fevereiro de 1881, nossa

    primeira Constituição Republicana, era incompatível com a realidade social, política, cultural

    e econômica da sociedade brasileira. Dentre outras coisas, ela resguardava excessivamente

    princípios liberais que só podiam ser alheios à mentalidade brasileira (VIANNA, 1927, p. 85); a

    mesma era, infortunadamente, inspirada de maneira profunda na Constituição Inglesa e da

    Carta Magna Estadunidense (VIANNA, 1927, p. 37-41); ela foi feita por uma elite

    desconhecedora das especificidades do Brasil e, sobretudo, de seu povo (VIANNA, 1927, p.

    21-24); nossa Carta Magna de 1981 protegia e resguardava os permissivos interesses e abusos

    oligárquicos locais e regionais; e, por fim, ela era extremamente inocente quanto à eficácia da

    lei escrita (para o intelectual fluminense, nossos juristas e legisladores acreditavam que a lei

    por si só produziria efeito na sociedade) (VIANNA, 1927, p. 25). De maneira geral, para o

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    pensador fluminense, a Constituição de 1891 estava em completo desacordo com a realidade

    brasileira (VIANNA, 1927, p. 36).

    Todo o problema vinculado com a dificuldade de se constituir leis e instituições

    adequadas no Brasil, questão germinal da obra O Idealismo da Constituição, também aparece,

    não por acaso, em muitos estudos de Oliveira Vianna. Em Instituições Políticas Brasileiras

    (1949), última obra publicada em vida por Oliveira Vianna, encontramos a reunião das

    principais argumentações presentes em sua produção intelectual. Dentre os muitos temas,

    interpretações, raciocínios e idéias recuperadas, o autor fluminense afirma que as leis

    brasileiras cunhadas em 1891, assim como o desenho de nossas instituições políticas, foram

    permissivamente inspiradas nas formas institucionais e legais de outras nações. Assim, para o

    autor, muitos dos arranjos institucionais e legais implementados em nosso país fracassaram e

    não produziram um efeito esperado justamente porque não consideraram as particularidades

    do povo brasileiro. Ou seja, uma contradição entre “país real e país legal”; uma incongruência

    entre “forma e conteúdo”; ou ainda, uma incoerência entre as “ideias e o lugar” (SCHWARZ,

    2000, p. 26, 27, 28).

    Diante desse quadro interpretativo acerca dos problemas decorrentes do legado

    colonial que dificultavam, quando não impediam, o processo de modernização do Brasil e

    sobre os empecilhos de se produzir eficazes e condizentes leis e instituições em nosso país

    que superassem o legado colonial, Oliveira Vianna propõe alguns caminhos para se

    desenvolver a nação brasileira. Dentro das soluções possíveis, nenhuma exclui o

    reconhecimento, por parte do autor, da necessária autoridade do Estado para se transformar

    de modo profundo o Brasil. Ou seja, para o intelectual fluminense, a nação brasileira só se

    desenvolveria efetivamente através da ação de um tipo de Estado forte, centralizado e

    interventor capaz de construir, através de políticas públicas, instituições e leis adequadas, as

    etapas constitutivas de um processo de modernizador de nação.

    Em meio às funções que este tipo de poder central deveria desempenhar, a

    regulamentação do trabalho no Brasil, assim como da classe trabalhadora brasileira, assume

    um importante papel na obra e na vida política de Oliveira Vianna. Na sua vida política

    podemos destacar o período em que ele trabalhou como consultor jurídico no Ministério do

    Trabalho, Indústria e Comércio (de 1932 até 1940) tendo como função a construção dos

    pilares do Direito Trabalhista Brasileiro (MENEZES, 1997, p. 188). Já em seu pensamento,

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    podemos enfatizar as discussões que ele desenvolveu acerca da real efetividade de um

    Corporativismo no Brasil. E é em relação a este último ponto que deteremos nossas próximas

    observações.

    Para Oliveira Vianna, em Populações Meridionais do Brasil, verificamos que a ausência

    de solidariedade social é, desde o início de nossa formação como povo, intrínseca a sociedade

    brasileira. Tal deficiência justificaria a não constituição de corporações comerciais,

    conglomerados industriais e localidades efetivamente urbanas no Brasil. Nesse sentido, para

    o autor a criação dessas organizações autônomas, principalmente as corporações

    profissionais, deveria ser efetivada artificialmente pelo Estado Brasileiro, para assim, o Brasil

    se tornar um país moderno, complexo e, principalmente, integrado mesmo em meio ao

    processo de industrialização e de desenvolvimento econômico (para Oliveira Vianna a

    economia deveria ser guiada pelo Estado Brasileiro porque, dentre vários motivos, as

    atividades econômicas quando não reguladas produzem conflitos e problemas sociais). Na

    forma de sindicatos, essas organizações profissionais seriam constituídas e orientadas pelo

    Estado (QUEIROZ, 1975, p. 112-113).

    Para Oliveira Vianna a importância das organizações profissionais vincula-se com a

    necessidade de se constituir uma efetiva solidariedade social entre a população brasileira.

    Adicionado a isso, também verificamos o quão importante é o papel do Estado no processo

    de edificação dos sindicados profissionais e nessa tentativa de se construir um corporativismo

    no Brasil modelado pelas especificidades de nosso país e de nosso povo. Oliveira Vianna não

    aborda enfaticamente o debate voltado para a compreensão das noções de Corporações e

    Organizações Profissionais, de Corporativismo, de Estado Corporativo e de Sindicalismo em

    suas obras iniciais, tais como Populações Meridionais do Brasil (1920), O Idealismo na Evolução

    Política do Império e da República (1922), Evolução do Povo Brasileiro (1923), O Ocaso do

    Império (1925) e O Idealismo da Constituição (1927). No entanto, a série de estudos intitulada

    de Problemas3 publicada pelo autor é uma boa opção para apreender com mais propriedade

    as concepções do intelectual fluminense acerca desse tema. Dessa forma, para nossas

    análises, selecionamos a obra Problemas de Organização e Problemas de Direção (1952).

    Nessa obra de Oliveira Vianna nós podemos verificar um elemento a mais que explica

    a necessidade de uma sociedade conformada em corporações. Para o autor, o individualismo

    3 Problemas de Direito de Corporativo [1938], Problemas de Direito Sindical [1943], Problemas de Política Objetiva [1930] e Problemas de Organização e Problemas de Direção [1952].

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    oriundo de nosso processo de formação deve ser combatido. Dessa forma, as organizações

    sindicais e corporativas teriam um papel fundamental4. O excessivo crescimento do

    individualismo na sociedade é tratado por Oliveira Vianna como um problema. O

    individualismo e o egoísmo inerentes, em especial, aos empresários, industriais, empregados

    e operários é uma extensão do constante insolidarismo presente na sociedade brasileira.

    Levando em consideração essa perspectiva, notamos que para o autor o Corporativismo é

    uma solução viável para contrariar o quadro negativo que enxerga em nosso país. Além disso,

    é válido lembrar, que a percepção que ratifica uma falta de integração, coesão e união entre

    os indivíduos pertencentes a nossa nação é resultado das especificidades circunscritas à

    formação do Brasil que, por sua vez, impediram a edificação de um processo bem acabado de

    modernização (VIANNA, 1974, p. 30, 31, 34).

    Essas posições de Oliveira Vianna sobre os mecanismos necessários ao processo de

    modernização do Brasil, ou seja, acerca da ação de um tipo de Estado forte, centralizado,

    interventor e de cunho corporativo foram, além de importantes para a vida política e a

    institucionalização/regulamentação do trabalho no país, relevantes para complexificar o

    debate voltado e esse tema em nosso Pensamento Político. Em certa medida, estas idéias de

    Oliveira Vianna foram germinais. Bolivar Lamounier (1978), Evaldo Vieira (1976), Boris Fausto

    (2001) e Wanderley Guilherme dos Santos (1975), grandes estudiosos vinculados à Ciência

    Política Brasileira, teorizaram acerca da corrente intelectual denominada de Pensamento

    Autoritário Brasileiro e afirmavam que o seu nascimento está intimamente ligado com as

    elaborações teóricas de alguns autores que, sobretudo, reconheciam a importância da

    autoridade do Estado como um requisito necessário à transformação e ao desenvolvimento

    do Brasil; e, não é por acaso, que estes pesquisadores destacam as idéias de Alberto Torres e

    de Oliveira Vianna como fundamentais e germinais para a edificação dessa corrente de

    pensamento no Brasil.

    4 “Esta gravitação para o grupo, que estamos assinalando como objetivo polar dos nossos métodos educativos – diga-se de passagem – não visa absorver o indivíduo no grupo, como pretendiam certas doutrinas universalistas ou totalitaristas (Spen, Spengler, Sprangers, Forbenius, Boas, etc.); mas, apenas, completar, em nosso povo, o indivíduo, isto é, dar-lhe uma consciência mais viva e clara da sua solidariedade com o grupo a que pertence, de modo a nos constituirmos numa sociedade de homens, senão voltados, como sacerdotes, ao bem comum, pelo menos sabendo sentir, com vivacidade, o interesse geral, o bem da coletividade, da classe, da localidade, da Nação. Presentemente, no Brasil, existem três centros de educação do homem brasileiro neste sentido: a) as forças armadas; b) as formações escoteiras; c) as organizações sindicais e corporativas” (VIANNA, 1974, p. 27-28).

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    A LIGAÇÃO DO PENSAMENTO DE OLIVEIRA VIANNA A CONCEITOS, NOÇÕES E PARADIGMAS

    DURKHEIMIANOS

    Este tópico do trabalho liga-se profundamente com os resultados da dissertação

    intitulada de A Presença de Émile Durkheim em Oliveira Vianna: Contribuições ao Pensamento

    Social e Político Brasileiro, defendida em março de 2013. De modo geral, acreditamos que essa

    pesquisa demonstra que há importantes vínculos entre o pensamento de Oliveira Vianna e o

    de Émile Durkheim, nesse sentido, o sociólogo francês contribuiu fundamentalmente para o

    pensamento vianniano. Tais contribuições são visíveis quando pensamos em alguns conceitos

    e noções particulares, são eles: os conceitos de Consciência Coletiva e de Solidariedade Social,

    e as noções de Morfologia Social, de Estado e de Corporativismo.

    De maneira ampla e estrutural, verifica-se que a leitura durkheimiana sobre a Terceira

    República Francesa e a percepção de Oliveira Vianna acerca da Formação do Brasil possuem

    um importante ponto em comum: ambos os autores identificavam processos sociais,

    econômicos, políticos e culturais de desintegração. No caso de Émile Durkheim, a

    modernização inerente à sociedade francesa geraria processos que iam contra a integração

    efetiva dessa sociedade; além disso, o autor via nesse momento da História da França a

    possibilidade de unificar efetivamente a sua nação. Oliveira Vianna constata no Brasil, por uma

    série de motivos já expostos, a inexistência de uma solidariedade e de uma união entre os

    indivíduos. Nesse sentido, percebe-se que não é por acaso que alguns conceitos

    durkheimianos puderam ser utilizados pelo intelectual brasileiro no momento em que ele

    estudou a formação do Brasil e de seu povo (FONTANA, 2013, p. 57).

    Em relação aos conceitos de Consciência Coletiva e de Solidariedade, verificam-se

    semelhanças importantes entre aqueles ratificados no pensamento durkheimiano os que

    estavam dispostas em dadas obras viannianas. As marcações do intelectual brasileiro em

    manuais de sociologia e nas próprias obras durkheimianas sinalizavam que ele realizou

    importantes leituras acerca do conceito de Solidariedade Social e de Consciência Coletiva.

    Para fortalecer essa hipótese, comparou-se determinadas afirmações de Oliveira Vianna que

    empregavam estes conceitos a marcações do autor em alguns estudos, tais como: Sociologie

    [1939], de Marcel Déat e La Solidarité Sociale [1907] de G. L. Duprat. (FONTANA, 2013, p. 74).

    Já a concepção de Estado e de Corporativismo existente na obra de ambos os autores

    possui um sentido muito próximo. Assim, verificou-se, a partir das marcações de Oliveira

    Vianna na obra De la Division du Travail Social (1932) presente no Acervo do Museu Casa de

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    Oliveira Vianna e através do livro Lições de Sociologia (1912) e de determinados estudos

    viannianos , que para Émile Durkheim e Oliveira Vianna há um vínculo profundo entre o Estado

    e a Sociedade. Nesse sentido, para eles, o Estado agrega as representações, costumes,

    tradições e regras de um determinado povo ou nação. Assim, nota-se que para os autores o

    Estado é a extensão de uma dada coletividade. No caso de Oliveira Vianna, a

    incompatibilidade entre Estado e sociedade geraria grandes mazelas (FONTANA, 2013, p.

    109).

    Admitir essa relevante ligação entre o Estado e a Sociedade existente no pensamento

    de ambos os autores parece de uma grande obviedade. Contudo, e só a partir disso que se

    consegue compreender os motivos pelos quais Oliveira Vianna, por exemplo, afirma, em

    Instituições Políticas Brasileiras (1949), que determinadas civilizações européias só estavam

    experimentando um regime democrático porque possuíam um Direito Costumeiro diferente

    do nosso. Ou seja, para o autor, a peculiaridade da formação destas civilizações possibilitou o

    nascimento de uma Consciência Nacional forte compatível com uma forma de organização

    democrática de governo. Assim, segundo o pensador brasileiro, as especificidades de um

    determinado poder regulador dependem das características existentes na coletividade que

    ele regula. De modo mais claro, a natureza do Estado deve se adequar, dessa forma, às

    particularidades da Sociedade de que ele faz parte. Essa questão, para nós, é de fundamental

    importância para enxergarmos a dimensão sociológico-política do pensamento vianniano.

    Vinculado assim, constatou-se que a noção de Corporativismo representa a extensão do modo

    como os autores observam e interpretam suas realidades. Residiu nessa interpretação, no

    caso do intelectual brasileiro, a possibilidade dele articular conceitos durkheimianos a suas

    explicações sobre nossa formação, tornando ainda mais compreensível as razões pelas quais

    ambos enxergam no corporativismo como uma solução viável.

    Por fim, observou-se que o conceito de Morfologia Social empregado por Oliveira

    Vianna em alguns de seus trabalhos é altamente inspirado em posições durkheimianas sobre

    o tema que, por sua vez, foram muito lidas e sublinhadas pelo intelectual brasileiro (a principal

    fonte de acesso destas leituras foi a obra Sociologie Générale [1912], de Gaston Richard). Para

    o intelectual francês, a Morfologia Social é uma área importante da Sociologia que leva em

    consideração as características naturais, organizacionais e materiais de uma dada sociedade

    para melhor compreender seus atributos sociais, culturais, políticos, morais, etc. Realizar

    estudos nessa área exige rigor e, para Émile Durkheim, a melhor maneira de realizar isso é

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    N. 03. Ano 2015 – Volume Extra

    retomar as formas primeiras das coletividades que se pretende estudar. De maneira geral,

    acredita-se que o pensador brasileiro desenvolveu estes pressupostos em determinados

    estudos, especialmente em Populações Meridionais do Brasil, no qual ele faz questão de

    enfatizar a importância de retornar a uma de nossas primeiras formas organizacionais (Brasil

    Colônia/Latifúndio) para melhor compreender nossas especificidades econômicas, culturais,

    sociais e políticas (FONTANA, 2013, p. 134).

    De modo geral, estes são os conceitos e noções durkheimianos que ajudaram Oliveira

    Vianna a pensar e explicar o Brasil. Posteriormente, nos deteremos à exposição de como essa

    aproximação entre os dois autores foi relevante para a construção do pensamento vianniano;

    principalmente quando temos em mente a edificação de um tipo singular de interpretação

    sobre o Brasil que engloba as dimensões sociais e materiais do país, para assim, compreender

    seus problemas políticos, mas, sobretudo, os empecilhos que dificultam a sua modernização.

    CONCLUSÃO

    Considerando a definição inicial de Sociologia Política que construímos e as análises

    que realizamos tanto vinculadas à interpretação de Oliveira Vianna sobre o Brasil, quando à

    especificidade das ligações existentes entre o pensamento vianniano e alguns conceitos e

    noções durkheimianos é possivel indagar: qual a relevância dos usos conceituais

    durkheimianos empregados por Oliveira Vianna na constituição da dimensão sociológico-

    política de seu pensamento? Para nós, a presença durkheimiana no pensamento de Oliveira

    Vianna foi fundamental para o autor edificar sua interpretação e seu diagnóstico sobre o Brasil

    que, por sua vez, é a base de toda a sua análise acerca dos problemas políticos da nação e dos

    empecilhos que inviabilizam o nosso desenvolvimento.

    Apreender e caracterizar os ditames sociais nas suas mais variadas dimensões para

    assim compreender e especificar a particularidade da vida política, do Estado e das instituições

    brasileiras foi uma tarefa desempenhada amplamente por Oliveira Vianna que claramente

    liga-se com aquilo que entendemos por Sociologia Política. Todavia, essa tarefa foi dinamizada

    e complexificada ao passo que o intelectual brasileiro fez o uso de algumas conceitualizações

    e noções produzidas por Émile Durkheim.

    No momento em que usa os conceitos de consciência coletiva e de solidariedade social

    para apreender o grau de desintegração intrínseco ao Brasil, Oliveira Vianna ratifica

    postulados durkheimianos e mostra com essa característica da formação brasileira infere,

    incisivamente, na maneira como encaramos aquilo que é público e aquilo que é privado, ou

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    ainda, no modo como avaliamos e requeremos a tipologia e o formato de nossas instituições.

    Não por acaso, e mais uma vez fazendo usos de idéias e posições alinhadas ao pensamento

    durkheimiano, que Oliveira Vianna acredita que para se modernizar o Brasil é necessário que

    tenhamos um Estado Forte, de autoridade amplamente reconhecida, interventor e com

    predisposições corporativas (ou seja, capaz de regular nossas organizações trabalhistas,

    nossas atividades econômicas e edificar uma legislação voltada ao mundo do trabalho

    adequada à realidade nacional).

    Somado a isso, notamos que o uso que o intelectual fluminense faz do conceito de

    Morfologia Social (outra noção profundamente inspirada em posições durkheimianas) liga-se

    enfaticamente com a necessidade de mensurar com mais propriedade as características

    sociais do Brasil. Por mais que este conceito ratifique a importância de se estudar

    profundamente os atributos estruturais, morfológicas, geográficas, físicos e materiais de uma

    população e de seu território, tal tarefa só é necessária para, a partir dela, edificar observações

    e conclusões que proporcionem um entendimento profundo da realidade social do Brasil e de

    seu povo.

    Outro relevante ponto liga-se com o fato de que os trabalhos sobre o Brasil e sua

    formação social, ao passo que articularam-se com esse modo de compreender e estudar a

    realidade social e política brasileira considerando suas dimensões sociais para avaliar e

    entender a peculiaridade de suas instituições políticas, ganharam com os estudos iniciais de

    Oliveira Vianna um fôlego novo e diferenciado: seja por uma questão de métrica, seja por uma

    questão de conteúdo e afinidades interpretativas. Em termos de métrica, verificamos o

    aparecimento de uma série de trabalhos preocupados em revisitar nossa trajetória enquanto

    colônia para dimensionar muitas de nossas positivas e negativas especificidades. Já

    relacionado a conteúdo, notamos em muitos estudos de nosso pensamento social e político,

    posteriores aos anos de 1920, a ratificação de um diagnóstico sobre o Brasil que, quando não

    idêntico, apresentava-se muito próximo ao de Oliveira Vianna, ou ainda, resguardava

    elementos cruciais da visão que o mesmo construiu sobre o Brasil.

    REFERÊNCIAS

    BASTOS, Élide Rugai e Moraes, João Quartim de (org.). O Pensamento de Oliveira Vianna. Campinas: Editora da UNICAMP, 1993. BOTELHO, André; SCHWARCZ, Lilia Moritz. Pensamento Social Brasileiro: um Campo Vasto Ganhando Forma. Revista Lua Nova, v. 82, p. 11 – 16, 2011. CUVILLIER, A. Introduction à la Sociologie. Paris: Libraire Armand Colin, 1936. Disponível em: Acervo do Museu Casa de Oliveira Vianna. Acesso em: 14/07/2011.

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    BRESCIANI, Maria S. Martins. O charme da ciência e a sedução da objetividade. Oliveira Vianna entre intérpretes do Brasil. 2ªed. São Paulo: UNESP, 2007. DÉAT, Marcel. Notions de Sociologie. 10ª Ed Paris: Libraire Félix Alcan, 1939. Disponível em: Acervo do Museu Casa de Oliveira Vianna. Acesso em: 14/07/2011. DUPRAT, G. L. La Solidarité Sociale: ses causes, son évolution, ses conséquences. Paris: Octave Doin, Éditeur, 1907. Disponível em: Acervo do Museu Casa de Oliveira Vianna. Acesso em: 14/07/2011. DURKHEIM, Émile. A divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. São Paulo: Martins Fontes, 1995. ________. As re