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19 /PARADOXO /DEZEMBRO 2013 /JANEIRO 2014 JORGE MOLDER /ART R Diogo Infante Scott Matthew Chef Miguel Vieira Malhadinha Nova Banjo & Guitarra •••

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Martinhal / Palácio de Queluz / 360º / Fangas / Pimenta Rosa / Moules & Beer / Alçado D(i)frente / Laboratório d’Estórias / Made in Portugal / Jorge Molder / Frederico Draw / Paradoxo do Amor / Diogo Infante / Júlio Resende / Sala Escura / Ricardo Dias Ensemble / Scott Matthew / D. Roberto • Marionetas / memmo Alfama / O insólito / Felipe Oliveira Baptista / Banjo & Guitarra de Coimbra / Chef Miguel Vieira / Herdade da Malhadinha Nova / Atitude

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19/paradoxo

/dezembro 2013 /janeiro 2014

jorge molder

/art

RDiogo Infante

Scott MatthewChef Miguel VieiraMalhadinha NovaBanjo & Guitarra

•••

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editorialSaímos, de novo, para a rua. na algibeira le-vámos o caderno para notas tomar e novos testemunhos, vivências e imagens vos dar. Somos assim, que havemos de fazer? É vício bom, sair, então no Pimenta rosa, no Fangas, sem esquecer o moules & beer, é tão viciante que só pensamos: quando voltamos? Have-mos de voltar a cada um e ao martinhal porque quando nos dão mar, dão-nos força, quando nos dão design e mar, dão-nos vida. e não só ao martinhal. alfama e malhadinha nova são também de regresso obrigatório. imprescindí-vel é, igualmente, a música que nos acompa-nha. nesta saída paradoxal levámos connosco Scott matthew, ricardo dias ensemble, júlio resende e trocamos as voltas a dois músicos. e que seríamos de nós se, a cada passeio, bem vestidos não fossemos? Terrível. assim, fomos conversar com o Felipe oliveira baptista, com a alçado d(i)Frente e com a maria que nos fez uma camisola, à maneira! Tínhamos de ir bem apresentados ao Teatro de marionetas, ao Te-atro da Comuna (o infante diogo esperava por nós) e... visitar e conversar com jorge molder. Tantas estórias tem este nosso laboratório que entre teatro, escapadinhas, street art, sabo-res, musicalidades e viagens distantes, fomos cair num Laboratório d’estórias e… e mais não dizemos, é ler para saber!

/direTorJoão Pedro [email protected]

/ediçãoPatrícia [email protected] Quaresma Capitã[email protected]

/direção de arTeJoão Pedro Rato

/CoLaboradoreS neSTa ediçãoAndréa PostigaDulce AlvesHelena Ales PereiraHernâni Duarte MariaMaria PratasPedro Emanuel SantosSusana Carvalho

/FoTograFiaHenrique PatrícioIF Imagem FixaInês PrazeresJoão Pedro RatoJosé MeloPedro CláudioRicardo Junqueira

/iLuSTraçãoRosa FeijãoSara Quaresma Capitão

/FoTograFia CaPaJorge Molder por João Pedro Rato

/TiPograFiaLeitura • www.dstype.com

/redaçãorua Manuela Porto 4, 3º esq.1500-422 Lisboainfo@mutante.ptwww.mutante.ptwww.mutantemagazine.blogspot.ptwww.facebook/MutanteMag

Mutante é uma marca registada.

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04 move/martinhal/Palácio de Queluz/360º

40 art/jorge moLder/Frederico draw/Paradoxo do amor/diogo infante/júlio resende/Sala escura

24 unique/Fangas/Pimenta rosa/moules & beer

113 experience/Herdadeda malhadinha nova/atitude

66 new/ricardo dias ensemble/Scott matthew/D. Roberto • Marionetas/memmo alfama/o insólito

19 /paradoxo /dezembro 2013 /janeiro 2014

30 trendy/alçado d(i)frente/Laboratório d’estórias/made in Portugal

92 today/Felipe oliveira baptista/banjo & guitarrade Coimbra/Chef miguel Vieira

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martinhalARtE E DESIgnA SuL

movetrip

TeXTo patrícia serrado FoTograFia joão pedro rato

Artistas e designers criam o diálogoentre as suas peças e um espaço despidode preconceitos. A simbiose perfeita (quase) à beira mar celebrada durante uma semana para apreciar ao longo de um ano.No Martinhal Beach Resort & Hotel.

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a pintura, as artes plásticas e o design unem-se no paradisíaco martinhal be-ach resort & Hotel, na pacata vila de Sagres, sob a batuta de criadores de dentro e fora de portas numa Semana de Luxo, arte & design, onde as cria-ções, patentes durante um ano, obede-cem a um enquadramento em lugares comuns, à vista de quem se rende aos encantos de um hotel virado para o mar. Portanto, nada melhor que pe-gar num par de chinelos de dedo de uma tão conhecida marca brasileira e passear pelo areal que separa o resort

do atlântico, como fez o artista plásti-co rodrigo oliveira (Sintra, 1978) com a obra "Havaianas em mármore", que casa as cores vibrantes do plástico com o luxo associado à pedra, numa aliança paradoxal em jeito de boas vindas aos hóspedes do martinhal beach resort & Hotel. ato contínuo com o enorme cír-culo composto por centenas de fósforos numa tradução ilusória de um toro. ou a tridimensional "espinha dorsal" com uma conceção pictórica demarcada pe-lo colorido harmonizado com as faian-ças bordalo Pinheiro.

rodrigo oliveira, artista plástico

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Como uma viagem no tempo

numa das paredes, quatro desenhos da série "Folhas de viagem" (2010), da pintora inez Teixeira (Lisboa, 1965), re-produzem paisagens traçadas a negro, emergidas das sombras de uma natu-reza serena convertidas num diário de um percurso virtual. reminiscências representativas de um passado retrata-do, desta vez, numa tela pertencente a uma série de exposições de 2011 intitu-

ladas "Time is on my side", a qual abre uma janela para um cenário preenchi-do pelas sombras negras projetadas num fundo de um azul ténue. o mesmo tom subtil que acompanhava a autora nas suas viagens de final de tarde pelo alentejo. Traços reflexivos num traba-lho que se fecha com as flores verme-lhas de "Fragmentos".

inez teixeira, pintora

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A versatilidade do design

das artes plásticas saltamos para o de-sign industrial. Primeiro com Toni grilo (França, 1979), designer de formação e diretor da Haymann Paris, cuja abor-dagem contemplativa da essência do material e do trabalho com o artesão remetem para o crucial na produção de uma peça. avesso a tendências, o de-signer apresenta uma coleção de peças decorativas em prata, que sustentam a versatilidade de uma matéria prima no-bre convertida em objetos contempo-râneos num circuito associado ao luxo. dan yeffet, designer

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toni grilo, designer

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Por sua vez, dan Yeffet (jerusalém, 1971), designer de produto com várias coleções espalhadas pelo mundo, como o conceituado Victoria & albert museum de Londres, opta por peças de mobiliário de linhas depuradas e objetos inovado-res regidos pela simplicidade que rima com a contemporaneidade do hotel.

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Requinte à beira mar

agora sobre o hotel. Sobre a paisagem que o circunda e o amarra à nature-za agraciada pelo mar que toca, sua-ve, no areal que preguiça defronte dos amplos quartos do hotel. nas varandas contíguas aos aposentos, viradas para o horizonte traçado pelo atlântico, fica rendida a vontade ao dolce far niente tão apetecido por estas terras agarra-das ao silêncio quebrado pelo barulho calmo das ondas… n’o Terraço e n’as dunas, a vista é aca-lentada pela mesma serenidade en-quanto os comensais se entregam aos prazeres da gastronomia algarvia di-tada em pratos da terra e (sobretudo)

do mar, com a assinatura do chef mi- cael, numa carta que reserva espa-ço para a comida destinada a bebés e crianças. afinal, falamos de um hotel familiar, onde instalações e espaços de entretenimento destinados aos mais novos não faltam. aos apreciadores do descanso, o Finisterra Spa é um dos lu-gares de eleição, pelos momentos de-dicados ao relaxamento do corpo e da alma e pela luz natural, ou o m bar, o surf bar para famílias. Sem esquecer a praia do martinhal, ótima para quem faz jogging logo pela manhã… boa estadia.

R www.martinhal.com

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Nas varandas dos quartos apetece preguiçar ao somdo silêncio quebrado pelo som calmo das ondas do mar…

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palácio nacionalde queluzA VERSALHES DA CoRtE PoRtuguESA

moveculture

TeXTo patrícia serrado iLuSTração sara quaresma capitão

De palácio de veraneio a Casa Real. Cenário de festas sumptuosas imersas numa profusão decorativa absorta no efémero, de serões rasgados por serenatas e óperas cantadas a preceito, de jogos equestres e combate de touros. Palco de conspirações, momentos de tragédia e da ocupação francesa. Peça elementar da história de Portugal dos séculos XVIII e XIX.

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a geometria do traço dos jardins do Pa-lácio nacional de Queluz contemplam o rigor do detalhe das avenidas de outrora calcorreadas por nobres, reis e rainhas da dinastia de bragança. Figura de esti-lo da Versalhes de Luís XiV que casa em harmonia absoluta com a Sala do Trono, a sala dos majestosos espelhos, orna-mentada pela talha dourada, assinada pelo escultor-entalhador Silvestre de Faria Lobo, num ambiente de inspiração rococó, bem ao estilo francês. Sala de festas e receções da corte, de audiên-cias oficiais e de teatro. espaço contíguo à sumptuosa Sala da música, preenchida por serenatas e serões de ópera prota-gonizados pelos castrati, em especial Francisco Farinelli que, anos depois, preenche os requisitos da notoriedade como soprano.

Tudo em prol de Deus

a regência da arte da ilusão primorosa do rocóco da capela privada quase se sobrepõe à forte carga religiosa imergi-da num encanto austero rematado pe-los quatro quadros ovais do altar mor da autoria das quatro filhas de d. josé i: d. maria Francisca, d. maria ana Francisca, d. maria Francisca doroteia e d. maria Francisca benedita. Paradoxo sublimado pela divisão de estatuto da sociedade, já que a própria nobreza assistia, defronte do altar mor, às celebrações religiosas, enquanto a realeza presenciava numa pequena sala lateral.

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D. Quixote de Queluz

mundos à parte testemunhou a então sala escura, agora Sala da Lanterni-na, onde embaixadores de outras na-ções, como a de França, aguardavam a realeza para o beija-mão. ato solene mui distinto na época, mas interrom-pido aquando da ocupação das tropas do general junot. Página da história de Portugal cobiçada pelos franceses, que obrigaram ao exílio da família real no brasil e tomaram de assalto o Palácio nacional de Queluz. Termina a invasão, regressa a realeza a terras lusas e su-cedem-se as conspirações, rematadas pelo fim da guerra fraticida protagoni-zada por d. miguel e d. Pedro, que mor-re no Quarto d. Quixote, uma ilusão ao olhar centrado nas belas passagens da magnífica obra de miguel de Cervantes.

Jardins de traço francês

de volta à arquitetura e ao ornato, há que referir a Sala do Café, destinada às senhoras, e a Sala do Fumo, criada para os senhores, ao lado da Sala de jantar, espaço reservado para o repasto. e mais à frente, a Sala de merendas, decora-da a preceito para um piquenique que se abre aos jardins do Palácio nacional de Queluz, de traço francês, decora-dos com esculturas de origem inglesa e italiana, lagos e fontes, elementos sin-gulares que preservam o encanto das páginas da história demarcada pela ar-quitetura palaciana demarcada por uma época de fausto em Portugal. d

R www.parquesdesintra.pt

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dubaiuM MunDonuM DESERto

Dubai, o Emirado Árabe que muitos crêem ser um país é, na verdade, um lugar surreal, difícil de explicar e, mais ainda, de compreender. Um projecto megalómano? Um capricho dos sheyks? O paraíso na terra? Ou um espaço artificial, paradoxal, sem alma ou identidade? O Dubai pode ser um pouco de tudo isto. É, certamente, o destino mais nonsense que visitei.

TeXTo e FoTograFia dulce alves

360º

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20 360º

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Praticamente sem história, sem raízes, sem grande identidade, mas repleto de recordes guiness e outras medalhas de trazer ao peito, o dubai conta com os maiores centros comerciais, os mais al-tos edifícios, as mais prestigiadas mar-cas e empresas. Tudo de topo. e é do topo do burj Khalifa, o mais altaneiro dos arranha-céus, com 830 metros e quase 170 pisos, que podemos constatar o quão paradoxal é tudo aquilo. areia, areia e mais areia… auto-estradas que serpenteiam pelo meio das constru-ções... Construções aqui e ali, todas elas imponentes, assustadoramente imponentes… gruas, bichos de metal a ameaçar mais betão, mais recordes - a média é de um edifício concluído a cada dia -, mais blocos verticais.

de volta a chão firme, apercebemo-nos de que quem nos rodeia é, na sua maio-ria, estrangeiro. dizem os números que

apenas 17% dos habitantes deste emira-do são autóctones. mal damos por eles, a menos que visitemos o único bairro da cidade que se pode dizer tradicional, al bastakyia. nas casas antigas destacam--se as torres de vento, construções pen-sadas para captar os ventos de quaisquer direcções e refrigerar o interior das habi-tações. Porém, hoje estas estão destina-das a pequenas galerias, cafés e casas de hóspedes, com pátios e deliciosos por-menores de arquitectura islâmica.

não muito longe, no interior do For-te al Fahidi, encontramos o museu do dubai, que nos proporciona uma pe-quena viagem aos tempos em que ali se vivia apenas da pesca e do negócio das pérolas. uma amostra de um dubai já quase inexistente, perdido no deser-to e esquecido, até que um punhado de sheyks se lembrou de convertê-lo num pólo de atracção turística.

O investimento feito em pouco mais de quatro décadas conduziu à transformação de uma banal vila de pescadores num destino turístico (e de negócios) luxuoso, dirigidoa uma elite mundial que ali se refugia numa bolha de arimune às realidades distantes.

360º

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Passeando ao fim da tarde junto ao ca-nal, na zona de deira, podemos conti-nuar a vivenciar um outro dubai, mais árabe, mais genuíno e típico. as barcas carregadas que, de margem a margem, levam de tudo e a todos. dali partem também os dhows, embarcações que

levam mercadoria para outros países do médio oriente e também destinos afri-canos. não por acaso, ali perto fervi-lham os mercados, dispersos por ruelas destinadas a comércio de especiarias, essências, tecidos, prata… um cheiri-nho a oriente, por fim.

360º

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Fora dali, daquele epicentro, o dubai é ocidental. o dubai dos arranha-céus, das marcas francesas, das cadeias de comida norte americanas e dos auto-móveis de luxo fabricados em qualquer outro país é um dubai que não se con-tenta com o seu imenso espaço físico

- que muitos diriam estéril não fosse o “ouro negro” - e que se quer projectar no mundo lá fora. um emirado que se converte numa meca do consumo, num aglomerado de hotéis ultra-exclusivos, num destino de duas sílabas que anda nas bocas do mundo.

360º

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Chegar. Inspirar. Ficar. A alma alimentar... e a saída adiar. Bem-vindos ao Fangas!TeXTo sara quaresma capitão FoTograFia inês prazeres

Fangas MERCEARIA & BARSABoRDA MEDIDA...

uniqueflavours

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rua das Fangas, hoje rua Fernandes Tomás. rua outrora de comércio onde fangas eram unidade de medida. me-mória que Luísa Lucas reaviva dando, ao seu espaço, o nome Fangas mer-cearia & bar. Há muito envolvida com a restauração lembrou-se, certo dia: “Porque não criar um espaço só com entradas?!”. da pergunta à resposta, Luísa escolheu a cidade: Coimbra. de-pois de caminhos percorridos, o desejo era voltar. uma vez na cidade, o espa-ço em plena alta Coimbrã. ali, naquela viela, ligeiramente afastado do corrupio do Quebra Costas, sossego é requisi-to. a dimensão do espaço é uma apos-ta prudente: “É pequeno. Por vezes, dá vontade que fosse elástico, mas é esta a essência do Fangas, ser aconchegan-te, como um prolongamento da nossa casa”. À mesa, uma carta extensa, nos petiscos e vinhos, apresentando sabo-res nossos e “sempre com os produtos frescos na base e refeições feitas na hora”, após o pedido. enchidos, con-servas, legumes, fruta, especiarias... Sabores da medida antiga em pequenos pratos onde “apenas se misturam, por pedido, quatro a cinco elementos pois o segredo está na simplicidade da co-mida, no prazer de saborear a essên-

cia de cada alimento e distinguir cada sabor”. no Fangas somos comensais que decifram sabores: nos cogumelos a segurelha, na beterraba o iogurte, no tomate o requeijão e mel, no pastel a hortelã... e sem esquecer os doces no fim dos salgados, da estadia e da adia-da saída. Tudo tão simples e tão rico em sabores que nós medimos sem cansar. o segredo é não pedir tudo, é regressar! Fangas espaço desejado por Coimbra e por quem por ela passa, no coração da uneSCo e só serve entradas! d

R Fangas mercearia bar (facebook)

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as boas novas da gastronomia devol-vem, uma vez mais, o tradicional e lis-boeta Campo de ourique ao roteiro de gourmands exigentes, com Pimenta rosa. o aromático nome de um espaço novo, dominado pela decoração vintage num ambiente cosy de ambas as salas, e pela cozinha tradicional portuguesa.

“Sabores da nossa infância”, que re-metem para genuinidade, “com recei-tas do antigamente e que, nos últimos tempos, desapareceram dos cardápios dos restaurantes Lisboetas”. as pala-vras são de marco Puga que, ao lado de Luís martins, recebem-nos com corte-sia para um repasto dos deuses.

mas porquê Pimenta rosa?o nome prossegue o alinhamento da mercearia gourmet de ambos, de portas abertas há cinco anos no mesmo bair-ro. marco Puga fala sobre pimenteiras, as “árvores decorativas em jardins” e

recorda que a pimenta rosa embarcou em Portugal na época dos descobri-mentos. a pimenta rosa que aromatiza o polvo servido num molho tinto, e que tão bem se desfaz na boca, conquistan-do o palato… À mesa, o fígado junta--se às batatas fritas, estaladiças, lado a lado com generosos folhados de caça, acompanhados por feijão verde, sabo-res que despertam as reminiscências de uma infância longínqua. do mar, o tamboril e o camarão marcam encontro num prato temperado com a sabedoria de quem tão bem sabe cozinhar, assim como o ensopado de borrego e as moe- las à moda antiga, designação que faz jus a tão deleitosa refeição.

e mais não dizemos, porque para co-nhecer há que reservar mesa no n.º 9b da rua Tomás da anunciação, em Lis-boa. bom apetite! d

pimenta rosaA CozInHA à AntIgATeXTo patrícia serrado FoTograFia joão pedro rato

R Pimenta rosa (facebook)

unique flavours

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O genuíno e o tradicional sentam-se, de novo,à mesa, acicatam o palato com um toque de… Pimenta Rosa.

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a estória rende-se à tradição belga, on-de o mexilhão é rei na companhia de estaladiças batatas fritas e maionese. Porém, o segredo está no molho. desta feita, o molusco bivalve faz-se acompa-nhar por sabores vários, como o célebre molho à meunier e os molhos Thai, com gengibre e lemon grass, o Fraîche, à ba-se de crème fraîche e lima, o mediterrâ-nico, de tomate e ervas aromáticas, ou o tão português molho à bulhão Pato.

as moules à moda belga, com pesto, com caril, com cogumelos ou com chili são outras cinco opções de eleição. aos menos corajosos recomendamos o me-xilhão ao natural. aos que não o apre-ciam de todo, sugerimos um naco de carne suculento. e não resista às entra-das. É apenas um conselho…

agora o desafio: encontrar a bebida de cevada perfeita numa carta certeira de cerveja artesanal. duas dezenas, ao to-do! desde as clássicas belgas, às alemãs e holandesas, assim como as portugue-sas, que não querem, de modo algum, perder tão deleitoso encontro e que, de forma airosa, começam a conquistar aos apreciadores de tão refrescante bebida que casa para sempre com o mexilhão ou… talvez não, pois parece que o gin tem também algo a dizer num espaço amplo, acolhedor e descontraído, eleito pela dupla Vasco Simões de almeida e joão garcia que, depois do sucesso do moules & gin, em Cascais, apostam na mui lisboeta Campo de ourique. no n.º 29d da rua 4 de infantaria. ao fundo. d

moules & beerA EStóRIA Do MExILHão E DA CERVEJATeXTo patrícia serrado

R moules & gin (facebook)

unique flavours

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30 TRENDY

alÇadod(i)FrenteVEStIR ARQuItEtuRA(S)

Um lápis. Uma mão livre. Um arquiteto. Arquiteturas. Paisagens. Desenhos vestidos.TeXTo sara quaresma capitão FoTograFia iF imagem Fixa

trendy

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32 TRENDY

Património arquitetónico. Património pai- sagístico. num caso ou noutro caso, pa-trimónio nosso ao qual é devido estima, que deve ser trabalhado para transmitir memória histórica, para se preservarem identidades, para não esquecer. o leque de mecanismos é vasto. não se prenda ao pensamento imediato dos projetos de estirador, régua e esquadro. imagine se, porventura, para a preservação dos nossos legados garantíssemos a sua sal-vaguarda em t-shirts com desenhos de património(s), esquissados pela mão de

uma das profissões que mais apaixona-da por ele é, por uma disciplina que tem no património fundações para proje-tos futuros, um pilar da sua existência, a eterna arquitetura. Seria uma forma de “vestir a camisola” da perpetuação da história, com arte. este ano de 2013 passamos da imaginação ao concre-to: vestimos arquitetura(s) de patrimó-nios arquitetónicos e paisagísticos. Hugo Tocha de Carvalho, arquiteto quedado pelo mundo do património construído, cria a aLçado d(i)FrenTe uma mar-

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ca de camisolas/t-shirts que, com no-me bem projetado, nos faz deixar a ideia de apenas habitar patrimónios e nos concede a honra de vestir arquiteturas passadas e paisagens classificadas, pa-trimónios, dando forma a um significa-do tão simples da arquitetura: uma pele que nos veste. a apostar, claramente, no turista, Hugo cria t-shirts que quer os turistas quer nós mesmos, “donos” do(s) património(s) retratado(s), va-mos querer comprar, mostrar, oferecer, usar. Tendo arrancado esta odisseia com

Coimbra, cidade a que está bem fixado e enlaçado, rumou de seguida ao dou-ro e ao Porto, e promete para breve mais patrimónios noutros locais, de beleza ímpar, no nosso país. Quando existe boa imaginação, em boas e talentosas mãos, ela ganha asas e promete ir longe. Com modelos femininos e masculinos, de manga curta e manga comprida... Que tal vestir arquitetura(s)? Que tal vestir-mos aLçado d(i)FrenTe? d

R alçado difrente (facebook)

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ERA uMA VEz…uMlaboratório d’estóriasTeXTo patrícia serrado FoTograFia joão pedro rato

trendy

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espaço com uma abordagem experi-mental e de união entre a cultura po-pular nacional e as técnicas ancestrais da faiança das Caldas da rainha. ou “sou eu e o Sérgio”, palavras que de-terminam a definição simples de um projeto real fundado por rute rosa e Sérgio Vieira, numa cumplicidade entre as áreas da cerâmica e do design in-dustrial. a fusão de saberes que criam disciplinaridades várias, porque, a bem dizer, aqui a criatividade é inclusiva, ou não fosse este laboratório assoberba-do de experiências de autor, um núcleo aberto a ilustradores, escritores e, até mesmo, filósofos, que partilham, deba-tem e arrumam as ideias em conjunto para cada objeto, pensado e desenhado pelos mentores. É preciso “ir mais além do que criar as peças”, reforça rute ro-sa. e em cada objeto é desenvolvida a mestria de pequenos produtores e ar-tesãos caldenses, que veem a sua ativi-dade secular revivificada em pequenas estórias contadas, peças recriadas por factos da história associados à escrita criativa e guardados numa embalagem com uma identidade própria. assim nasce o conceito de “aplicar as técnicas da faiança das Caldas e criar novas pe-

ças alusivas à cultura e à tradição por-tuguesas”, para que a história iniciada por maria dos Cacos perdure no tempo com o cunho Caldas de Portugal.e sobre a arte de contar estórias des-de março de 2013, rute rosa e Sérgio Vieira não têm tido mãos a medir. À pri-meira obra decorativa é dado o nome de “a medusa e o manjerico”, a “erva dos namorados” oferecida por Perseu a medusa numa roma muito antiga, ato muito presente nas festas sanjoaninas. Segue-se “a alfacinha dos caracóis”, que apraz explicar o epíteto dos lisboe- tas e por que razão são os caracóis tão apreciados em Lisboa, cidade onde os taberneiros de outrora ensinavam ma-landrices aos corvos, como picar as pernas das senhoras, em “o corvo ma-landro”. até que chega são martinho, com “martinho e as estrelas”, peça em forma de ouriço usado para servir as castanhas assadas em dia de são marti-nho. e no natal? “no céu mil estrelas, na terra pilhas de luz”, para iluminar a noi-te da consoada. Por cá ficamos à espera de tão especial quadra festiva. d

R www.laboratoriodestorias.com

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camisola poveirano nAtAL uSAMoS CAMISoLAS tRICotADASTeXTo e FoTograFia maria pratas

made inportugal

made in PorTugaL

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eu gostava de ter uma camisola de ma-lha feita em lã poveira. Vivo muito perto do mar, onde há vento e frio, muito frio no inverno. uma peça de roupa confor-tável, bonita e que dure muitos anos é ter um valor garantido no roupeiro. a Camisola Poveira é isso tudo.não é fácil encontrar lã poveira, aquela que é de fio grosso, com cheiro a ovelha, de branco leite, a verdadeira. Procurar por ela nas lojas onde habitualmen-te compro lãs foi uma autêntica caça ao tesouro, mas acabei por encontrar umas meadas, numa lojinha de vila, que não é retrosaria, mas que vende ren-das, panos da louça para costumizar, meias feitas por medida, tecidos, lãs e outras coisas que os fornecedores de passamanarias vão deixando. Comprei o suficiente para fazer uma camisola de tamanho médio, já que é para vestir por cima de mais uma camada de roupa.Conhecer a Camisola Poveira é com-

preender o processo de transformação, a origem dos materiais e a relação que existe com as pessoas. Fui à Póvoa do Varzim. Foi meio cami-nho para meter as mãos na massa, ou no caso, pôr mãos nas agulhas e trico-tar, o resto do caminho foi feito a ad-mirar a história, com momentos felizes e outros menos felizes, uma história de homens. ao longo dos anos registam-se momentos, os menos felizes, com uma tragédia no mar, em 1892. os povei-ros decretaram luto e o preto impôs-se durante muitos anos. arrumaram-se as camisolas brancas no fundo da gaveta, até à década de 40, quando houve von-tade de a “trazer de volta”. a Camisola Poveira era feita em azura-ra (Vila do Conde) na primeira metade do século XiX. mais tarde é que pas-sou a ser produzida na Póvoa do Var-zim, pela comunidade piscatória. Hoje poucas pessoas se dedicam a produ-

made in PorTugaL

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zir, a não ser que tenham encomendas e essas normalmente destinam-se em grande parte ao turismo. os pescadores vestiam um tipo caraterístico de cami-sola de malha branca, com desenhos, com a função de proteção térmica e de identificação. a caraterização formal é simples: um retângulo de malha que assenta no tronco sem ser justo, com mangas e com decote próximo do pes-coço. afinal, o conforto também tem de dar espaço aos movimentos próprios da faina. a lã é tricotada e depois decorada com bordados a ponto de cruz. os de-senhos são bordados a fio vermelho ou preto e são dispostos simetricamente a um desenho central, no tronco. a temá-tica serve a vida no mar, simplificando os bordados a ícones, a representações

made in PorTugaL

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simbólicas, nunca esquecendo a obri-gação de ter as siglas poveiras – fór-mula gráfica mais ou menos figurativa que regista a propriedade, o brazão de família, o parentesco – em cada cami-sola. as siglas são traços, linhas, é um sistema de comunicação visual simples usado pela comunidade piscatória e que fazem parte das suas vidas, sejam eles barcos, barracas de praia ou outros per-tences. a propósito destas siglas, terão os novos logos hipster sacado daqui a onda das flechas e dos traços paralelos?a minha camisola ficou pronta. ainda não é natal, mas com a camisola vestida já parece: os dias ficam maiores, melhoram e um novo ano volta. até para o ano. d

made in PorTugaL

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Numa manhã soalheira de outono,Jorge Molder abre a porta do seu

estúdio para uma entrevista traduzidanuma conversa descomprometida

sobre a sua relação com a fotografia.TeXTo patrícia serrado FoTograFia joão pedro rato

artobjetiva

jorge molder“Eu sou um construtor, um criador dE imagEns”

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desde cedo que a fotografia suscita in-teresse a jorge molder, o conceituado fotógrafo português que já passou pe-la função de diretor do Centro de arte moderna da Fundação Calouste de gul-benkian, em Lisboa, entre 1993 e 2009. entretanto, em 1994, foi o represen-tante de Portugal na bienal de S. Pau-lo e da bienal de Veneza, em 1999. oito anos depois, a Fundação Telefónica de espanha apresenta uma retrospetiva do seu trabalho distinguido, em 2007, pela associação internacional de Críticos de arte / ministério da Cultura. no início de 2013, uma fotografia da sua autoria é incluída na Coleção de arte da uneSCo sendo, assim, traduzida na primeira pe-ça portuguesa a fazer parte do conjunto de obras de arte da organização.

“Eu não tenho uma grande paixão pela fotografia. Nem nunca tive.”

o trabalho de jorge molder traduz-se numa paixão pela fotografia, pela ima-gem. eu não tenho uma grande paixão pela fotografia. nem nunca tive. Tive uma paixão, e continuo a ter, pela ima-gem. não sei fazer fotografia. mas desde muito novo via quase todas as expo-sições que havia em Lisboa, que não eram assim tantas quanto isso… não tinha uma especial preferência pela fo-tografia. É óbvio que havia muito pou-cas exposições de fotografia, porque esta era menos reconhecida. apesar de todas as limitações do estado novo, as coisas absolutamente extraordinárias e altamente avançadas aconteceram em diversas manifestações, com interven-ções importantes, como as que estive-ram ligadas à fotografia. não tenho uma base de origem de confrontação no sentido de ser o horizonte com o qual nos deparamos como exclusivamente fotográfico. Comecei aos 15, 16 anos… e foi a única coisa que fiz.

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a relação da fotografia com o real e a realidade está subjacente no seu tra-balho? a fotografia tem uma relação diferente, porque está inevitavelmente ligada à realidade mas, ao mesmo tem-po, foi encontrando outras característi-cas curiosas. Surge quando os artistas começaram a interessar-se pela foto-grafia ou talvez quando os fotógrafos se interessaram pela arte. nos anos 60. a partir dessa altura começa-se a servir--se da fotografia como documentação de uma certa arte que não tem como existir como documentação. depois há pessoas que começam a trabalhar a fo-tografia com um estatuto diferente, em que a mesma já não é um documento, é deliberadamente uma obra que se pretende incluída no universo artístico, mas que, de algum modo, pretende re-nunciar a um conjunto de sinais mais ou menos académicos dalguma fotografia tradicional. não se pode meter tudo no mesmo saco, porque pode ser perigoso.

“Não é possível fazeruma auto-representaçãoque não é um auto-retratoe também não é possívelfazer um auto-retrato que nãoé uma auto-representação.“

a imagem retratada é uma auto-repre-sentação que se confunde com o auto--retrato cénico de uma personagem. São universos diferentes… um auto--retrato é uma fotografia de si próprio, a qual pretende, de algum modo, evi-denciar algumas das qualidade íntimas de quem é retratado. uma auto-repre-sentação é uma pessoa que se fotografa a si própria e funciona um bocado como um vulto. achei que estava mais pró-ximo da auto-representação e penso que, hoje em dia, estes dois universos são impossíveis de estar contaminados. não é possível fazer uma auto-repre-sentação que não é um auto-retrato e também não é possível fazer um auto--retrato que não é uma auto-repre-sentação. Se me fizesse esta pergunta há dez anos, eu era muito mais peren-tório ‘não senhora, isto é assim; aquilo é assado’. Hoje em dia tenho as minhas dúvidas, porque acho que forma uma espécie de associação inseparável.

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“O meu trabalho (…) está ligado a questões metafóricas.”

no decurso do seu trabalho, a represen-tação baseia-se na obra de um escritor, é inspirada numa obra cinematográfica, numa ideia…Foi tão útil para mim ler e ver coisas muito importantes como ouvir peque-nas conversas de sala de espera… uma frase, um som, uma palavra… não sig-nifica que dê origem a alguma coisa, mas pode ser o princípio de qualquer coisa. o fundamental é encontrar o te-ma central para o subverter, porque se os temas centrais permanecem sem serem subvertidos são sempre temas muito afetados por uma ideia de apro-fundamento da realidade. eu explico: uma pessoa que faz um trabalho de so-ciologia, de filosofia, tem de respeitar os parâmetros em que trabalha e tem de os aprofundar. a arte funciona de ou-tra maneira. acho que funciona sempre por deslocações. Por isso, costumo di-zer que o meu trabalho não está ligado a questões simbólicas; está ligado a ques-tões metafóricas, porque uma metáfora é uma mudança de sentido. Faz parte do meu trabalho essas permanentes alte-rações de sentido. e… só há um autor

que tem a ver com os meus trabalhos, [Samuel] becket, no sentido de que tem um universo visual, na minha opinião, pelo qual me sinto mais atraído.

“A cor começou a interessar-me, porque posso controlá-la.”

as potencialidades do a preto e branco apelam ao dramatismo sequencial na fotografia tão associado ao seu traba-lho, até surgir a Polaroid e o digital.Vou estabelecer aqui uma diferença que é fundamental para mim: eu sou um construtor, um criador de imagens. Quando tenho de preparar alguma coi-sa, preciso de controlar o que faço. a fotografia a cor nunca me interessou porque nunca tive paciência para en-contrar formas de a controlar. a partir do momento em que a fotografia mu-dou para o digital, descobri que podia criar estratégias de controlo. já tinha, entretanto, feito polaroids, pelas quais me senti muito atraído; corresponde-ram a um mundo cromático com o qual encontrava uma proximidade estreita e

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também havia possibilidade de alterar a cor, subindo ou baixando a temperatu-ra. a passagem para o digital que, para mim, era uma passagem, porque a partir do momento em que existe uma coisa, o que está para trás continua a existir, mas já não existe da mesma maneira. Parti-cularmente na minha vida, a mudança surgiu na altura ideal, embora os primei-ros processos fossem toscos, problema que já não se põe hoje em dia. nessa altura, a cor começou a interessar-me, porque pude começar a controlá-la e, portanto, posso fazer aquilo que quero.

dentro de cada sessão existe um per-curso definido entre as imagens? não há uma delimitação exata, mas há con-tornos e há alguma familiaridade que se vão estabelecendo entre si provocando, por vezes, desvios, mas que se percebe. de vez em quando aparece uma ima-gem que não pertence à série, sendo afastada e posta no seu lugar. Pode ser que um dia venha a ter utilidade… estes contornos vão acontecendo e existe, de facto, cumplicidade, aproximação, atração com os elementos que cons-tituem o todo mas, ao mesmo tempo, mantêm a sua identidade.

em “rei, capitão, soldado, ladrão”, ex-posição a visitar no museu do Chiado,

há uma narrativa a contar ao som de uma canção… eu tive muitos sonhos e sonhei com o título, um bom título para a exposição. um poema infantil que me lembro: “rei, capitão, soldado, ladrão / menina bonita do meu coração”. mas há um outro equivalente em inglês que sãos as “nursery rhymes”, um conjun-to de poemas tradicionais e há um que é muito próximo do nosso, cujo título é “Tinker, tailor, soldier, sailor”, do qual pego no segundo verso que é “rich man, poor man, beggar man, thief” que deu origem a uma série baseada na história de john Le Carré. não tive a preocupa-ção de fazer uma antológica sistemáti-ca nem uma exposição retrospetiva.

“O instagram é muito interessante.”

a evolução da fotografia regista um enor-me potencial no presente, sobretudo com o instagram, que é olhado com desdém pelos mais puristas… respondo com o tí-tulo do filme de um realizador que não é, de certeza, um dos meus preferidos, antes pelo contrário, que é Woody allen: “Wha-tever works”. Hoje, estas questões são de uma mobilidade extrema, portanto a res-posta é de facto essa: desde que funcio-ne… o instagram é muito interessante. d

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artstreet

Frederico drawRoSto D’ARQuItECtuRA

A urbanidade transforma-se. As ruas trazem novas leituras. A arquitetura esquece o devoluto. Novas peles a cobrem. Telas imaginadas. Rostos dramatizados. Urbanidade renascida em rostos desenhados. Frederico DRAW,o street artist: rosto d’arquitetura.TeXTo sara quaresma capitão FoTograFia Frederico draw

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À medida que percorro urbanidades, por arquitetos traçadas, vejo vãos transfor-mados em telas de rua e questiono a dua-lidade. Com toma, um arquiteto, paredes alheias para telas d’arte? onde nasce o street artist? o primeiro contacto com a street art foi prematuro, não recordo se algum dia estabeleci o objetivo: ser stre-et artist. Certo que essa “vontade” se foi tornando mais intensa à medida que me envolvi com a prática e o tema. anterior à intenção de vir a ser arquiteto, a street art desempenhou um papel fundamental no percurso enquanto estudante e artis-ta visual, mas foi posteriormente a estar envolvido com a arquitetura que des-pertou a “vontade” de investir num novo projeto desenvolvido desde então e que aqui apresento. embora matérias distin-tas, a relação entre street art e arquite-tura tem pontos de concordância que, no seu complemento, me ajudam a ter uma diferente e mais crítica leitura do espaço que terá influência no resultado final das minhas obras. no que toca à apropriação das “paredes alheias” o meu trabalho é um registo de intervenção no devolu-to, descaracterizado. interessa-me que a obra aja como agente de transforma-ção da cidade, na reabilitação imagéti-ca, atribuindo ao espaço público urbano novos valores e dinâmicas artísticas que poderão ser geradores de novas vivên-cias espaciais e ocupacionais.

mais passos, nova interrogação. a efe-meridade da tua arte, sua revelia e lei-turas escondidas. Street art ainda é ser contra-corrente? Como defines esta ar-te? Faz parte do movimento street art ser contra-corrente, mais não seja por ainda ser uma arte não institucionalizada. Con-tudo, apercebemo-nos de um crescente interesse por parte de críticos, curado-res ou galeristas em relação à street art, o que leva a crer que, cada vez mais, se reconhece a potencialidade e valor como movimento artístico. acredito que o seu universo é diversificado e polivalente, passando pelo legal e ilegal, pelo público e pelo privado, mas apoiado na mensa-gem, na vontade enraizada de intervir de forma criativa e democrática sobre uma tela acessível a todos, a cidade.

Passo lento. andar sem movimento. Pergunto, ao olhar para a tua arte: como escolhes aquela parede, aquele muro? Como decides onde deixar a tua marca? esta questão é um dos principais pro-blemas que condicionam não só o meu trabalho, mas da maioria dos artistas urbanos. Hoje, a possibilidade de ocu-par e intervir legalmente sobre uma parede ou um muro nas cidades é ex-tremamente difícil e limitada e, quan-do possível, burocrática. no Porto, e.g., cidade onde me encontro mais activo, vive-se uma forte politica anti-graffi-

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ti, uma exagerada falta de abertura e compreensão pelos valores e poten-cialidades da street art. as inexistentes áreas destinadas ou legalizadas fazem com que a maioria das obras dos artis-tas portuenses se encontrem em devo-lutos periféricos ou cidades próximas de politicas mais flexíveis. É certo que dentro de todas estas condicionantes, me preocupo em seleccionar as paredes ou suportes que parecem mais interes-santes à integração do meu trabalho, pela dimensão ou pelo enquadramento espacial e ambiente envolvente.

ainda sem movimento, há um facto que muitos não entendem: na tua arte tens profundo respeito urbanidade constru-ída que raptas para ti, certo? É princípio transversal ao meu trabalho. o respeito que nutro pelo espaço da cidade é uma condição do arquiteto. na minha pro-va de mestrado – “as imagens do es-paço público urbano”, debrucei-me na forma como indivíduos, transeuntes, percepcionam imagens que proliferam no espaço urbano e constroem uma representação mental que lhes é fun-damental na forma como vivenciam,

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“O respeito que nutro pelo espaço da cidade é uma condição do arquiteto.”

R fredericodraw.tumblr.com

se apropriam e se identificam com a ci-dade. nesta lógica, quando me é dada a possibilidade de intervir sobre o espaço público, preocupa-me esse encadea- mento entre a cidade, obra e observa-dor, e a forma como o meu trabalho po-derá ter impacto nessa equação.

Parada, a ver a cidade, acrescento. dás olhares expressivos, carregados de his-tória. Quando um rosto não terminas, o olhar não fica por desenhar. É ele que fala na tua arte? Sim, é comum dizer--se “o olhar é a janela da alma” e nele dedico grande parte do meu trabalho. É através do detalhe do olhar que crio um diálogo com o observador, susci-tando uma relação que transmita uma mensagem que estimule a dúvida, a in-terpretação, a inquietação, mas sobre-tudo a tentativa de descodificação da mesma. o olhar é elemento central das minhas peças e tudo à volta se vai co-meçando a esbater.

Passo, não conheço aquela cara, mas conheço aquela. desconhecidos, co-nhecidos. Quem são os rostos com que dás expressão à cidade? a representa-ção da figura humana, a queda pelas expressões faciais, foi sempre campo de interesse que tem vindo a fazer par-

te primordial da minha obra. desde que comecei a trabalhar a expressão facial e corporal, em papel ou tela, a transpo-sição para a grande escala adivinhava--se inevitável, levando ao que hoje é o enfoque que distingue toda a minha criação. Cativa-me o forte poder ex-pressivo, daí que para mim tenha mais interesse debruçar-me na represen-tação do rosto do desconhecido. des-viando, à partida, imediatas atenções sobre quem é representado para que, ao invés, sobressaia a mensagem, o sentimento enraizado na expressão.

Por fim, caminhando por paredes que esperam desenhos, pergunto onde és mais Frederico. arquiteto, fotógrafo, street artist. Que diz o teu olhar se na parede o desenhares? uma resposta difícil. É impossível dividir-me e tomar partido de qualquer um dos meus cam-pos de interesse. Penso que serei todo um resultado dessas partes que me ca-racterizam, tanto a nível pessoal como profissional e artístico.

E sigo, com o olharna cidade desenhada.

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de rostos e corpos. milhões de feridas que incidem noutras já abertas, que nunca sararam e deixaram de o ser.

enquanto crescia foi morrendo a cada dia que passava. Crescia por fora, mor-ria por dentro. mataram-lhe os sonhos, os aniversários. mataram-lhe o natal. nunca soube muito de nada, era melhor não pensar. mas havia nela uma certeza: não queria passar por tudo aquilo nova-mente. e se o seu filho passasse, seria ainda pior. não deixaria que alguém ou algo lhe fizessem mal. Que o magoas-sem. apenas com dois anos, sentia que ele já sofria com ela... e porque o amor é capaz de tudo, mesmo tudo, ela iria sal-vá-lo custasse o que custasse. Salvá-lo do mundo, essa noite. a noite estava gelada, mesmo muito fria, mas já não fazia mal. Ficaria tudo bem.

*na madrugada de sábado, dia 2 de novembro de 2013, uma jovem mãe caiu do sexto andar de um prédio na cidade de Braga, com o filho de dois anos ao colo. Dizem que se suicidou.

ainda se lembra do hálito podre; dos olhos selvagens que a olhavam sem a ver; dos maus cheiros, dos cheiros estra-nhos, do cheiro a sexo; do cheiro animal. não era por dinheiro - era pelo dinheiro. era pelo ter que ser, e por não conseguir que fosse de outra maneira. Por que a obrigaram - não sabe se um deus, diabo ou pessoa - ou porque o destino existe e caprichosamente assim quis. Tem-no nas mãos, nos braços, no re-gaço. a noite está fria, gelada como nunca esteve. mas ele continua quente, imensamente quente, que lhe contraste e fere o corpo. ela fria, ele quente, en-caixam-se como só o amor permite. ela sofre, como sempre sofreu e nunca ninguém entendeu. deixou de querer ex-plicar. deixou de tentar explicar ou per-ceber. ou então já não sofre, pois para ter consciência disso, precisava de o compa-rar com algo bom que já não sente. Só o tem a ele. o amor deles que é um só e inseparável. era ainda muito jovem quan-do ele nasceu. ainda é, mas sente-se ve-lha e cansada. Poucos anos de vida, foram centenas de anos de sofrimento, milhares

paradoxodo amortExto pedro emanuel santos ILuStRAção rosa Feijão

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Infante de reinado dedicadoà representação. Ator de corte que o aplaude. Diogo de Shakespeare, Brecht, Sófocles...e quem sabe, um dia, de Rostand.

diogo inFanteREPRESEntAR, Ponto!

TeXTo sara quaresma capitão FoTograFia ricardo junqueira

artstage

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Fugindo de Corinto tentou evitar terrível profecia. Quis contornar destino traça-do, mas por homem de Laio, Édipo viu que em vão tinha sido sua tentativa. Sente que lhe foi lançada profecia, de ser ator? gostaria de crer que sim, que há uma pré-disposição que determina caminhos, mas eles mudam. acredi-to que escrevemos o nosso caminho, eu quis este. Seja por indicação divina ou de outra natureza, cedo percebi que queria fazer isto. representar, a chorar ou a rir, em que registo fosse, queria re-presentar. É uma forma de me exercer, expressar e comunicar. em miúdo era tímido e, embora bastante articulado, tinha algumas dificuldades na comuni-cação com os outros e só quando subi a um palco é que percebi que tinha visi-bilidade e fui conquistando esse espaço.

mack the Knife casou com Lucy brown e com Polly Peachum e não vivia sem jenny. Teatro, cinema, televisão. nu-ma “Ópera de Três Vinténs” quem se-ria, o primeiro laço, o ilegal segundo e a amante? difícil? não, não é difícil. Lem-brei-me que fiz de inspetor brown e te-

nho pena de não ter feito mack, papel maravilhoso, mas na altura era muito novo. não consigo fazer uma opção. gosto de representar! em cada área, em cada mulher da minha vida, tenho um prazer distinto e é tão fantástico. na di-versidade nós podemos completar-nos. Se me obrigarem a escolher uma para o resto da vida, creio que seria, necessa-riamente, o teatro. É o espaço de reen-contro e uma espécie de casa. Seja aqui (Comuna) ou em que palco for.

“ah, as praias longínquas, os cais vis-tos de longe, / e depois as praias próxi-mas, os cais vistos de perto.” olhando para trás e mais perto, qual foi o cais que mais gostou? os cais que mais gos-tei são os que estão para vir. não sou de ficar agarrado ao passado. encaro-o como percurso, transição necessária, crescimento; prezo muito isto, mas não fico agarrado a nenhum porto. estou sempre a olhar para a frente. Às vezes, olho demais, para aquilo que não se vê. esse projeto da “ode marítima”, de on-de tiraste esse texto fantástico, posso dizer-te como curiosidade que ele vai

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voltar a acontecer! Foi tão feliz, deixou--me uma impressão tão intrínseca que, naquela noite em Coimbra, decidimos fazer um espectáculo, com os mesmos intervenientes, mas com dimensão te-atral, a estrear em março no Teatro São Luiz e depois no Teatro São joão.

“e quando o navio larga do cais/ e se re-para de repente que se abriu um espaço/ entre o cais e o navio,/ Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,/ uma né-voa de sentimentos de tristeza.” a cada trabalho acabado, quando um espaço se abre, há tristeza? Suponho que sim, mas não a sinto, como não gosto de despedi-das, evito-as. nunca digo adeus. digo até já e quando estou a tirar um pé daqui, já tenho o outro num outro sítio qualquer. Lá estou eu a olhar para a frente.

não há tempo para saudade? Há, mas não gosto da ideia da nostalgia. Te-nho medo de ficar amarrado e que esse sentimento me retenha, me impeça de progredir. Sou muito emocional, se ca-lhar por isso, compenso com uma certa racionalidade e uma vontade de ir.

Tudo começa com egeu que tudo acer-ta com o duque de Éfeso. depois, vem adriana que baralha tudo com o drô-mio de Siracusa na entrada. Todas as peças, quando em cena, têm uma “Co-média de erros”? a vida é feita de er-ros. isso é tão delicioso. não podemos perder a capacidade de rirmos de nós próprios e de não levar isto demasia-do a sério porque senão perde algum sentido e leveza. o olhar da vida pelas crianças é tão fantástico por isso, por-que eles têm essa capacidade de des-construção e tento aplicar isso naquilo que faço. esforço-me. Sou tendencial-mente sério e tento que outros me di-gam “diogo, isto era uma brincadeira! relaxa!”. Hoje, estou muito mais sere-no desse ponto de vista, abraço com mais espontaneidade a falha.

abraçamos a “Comédia de erros”? ab-solutamente! a vida é uma comédia de erros, é com eles que aprendemos.

e quando nada falha, quando olívia fica com Sebastian e Viola com orsino... É uma “noite de reis” ou é só uma noi-

“Representar, a chorar ou a rir,em que registo fosse, queria representar.”

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te de infantes? infante é pouco. Quando tudo corre bem é sublime e, às vezes, passamos uma vida inteira em que is-so não chega. eu tive muitas noites de infantes, fantásticas, de príncipes, don-zelas e cortes, mas continuo a perseguir esse momento último em que tudo faz sentido, apoteótico, libertador e se ca-lhar ele nunca chegará. ou se calhar já o tive... estou sempre à procura dele por-que creio que é sempre mais.

“Vós sois o sal da terra”. Preservar o bem, para evitar males como a soberba, a pre-sunção ou a traição. no “Sermão de San-to antónio aos Peixes”, Pe. antónio Vieira é educação. representar estas obras é o nosso sal? Foi essa a razão que me levou a desenvolver este projeto, ver que havia espaço para ele, que uma grande parte dos miúdos ficam atentos e que a ouvi--lo descobrem um texto que lido teriam mais dificuldade em entrar. Tento fazê-lo

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“A vida é uma comédia de erros, é com eles que aprendemos.”

de uma forma contemporânea, acessí-vel e desse ponto de vista, é educativo, a vários níveis. Por um lado desconfiar da ideia pré-feita de que as coisas são eru-ditas e inacessíveis. Às vezes o que isso pressupõe é um pequeno esforço que pode ser muito recompensador porque nos devolve uma dimensão de nós pró-prios que desconhecíamos. Temos que arriscar, sair da nossa zona de conforto e fazer esse esforço que para mim tem sido sempre muito recompensador e mesmo quando não é, continua a ser educativo, porque aprendo com os erros. Cá está, “Comédia de erros”! “Somos feitos da mesma matéria de que são feitos os sonhos”, doce “Tempesta-de”. de que são feitos os sonhos do dio-go? Creio que somos feitos da matéria dos sonhos. Se não tivéssemos capa-cidade de sonhar, não tínhamos capa-cidade de evoluir como povos, seres individuais e pensantes. É o sonho que nos leva mais longe e os meus sonhos, são sempre de alcançar algo que seja palpável, realizável. não perco muito tempo com sonhos irrealistas, gosto de

sonhar com aquilo que sei que consigo alcançar, de me desafiar a ir mais longe, nem sempre consigo, mas não concebo a vida sem sonho.

“bem pago está quem por satisfeito se dá”, uma vez satisfeitas as curiosida-des e como “bem está o que em bem acaba” por fim, “o louco, o amoroso e o poeta estão recheados de imaginação”. o diogo está recheado de? estou re-cheado de amor. Tenho a felicidade de ter vivido sempre acompanhado de um sentimento que me fortaleceu e per-mitiu acreditar em mim e no Homem. acredito, convictamente, na capacida-de do Homem de se exercer, reinven-tar e tento somar tudo isso nas parcelas que me couberem, tirar o maior parti-do disto porque cada vez mais tenho a consciência que a vida é curta e há que aproveitá-la, cada momento. É isso que estou a procurar fazer, a saborear tudo o que a vida tem para me dar, tentando resistir, às contrariedades da vida por-que preciso de sorrir, de mover todos os músculos na cara que me levam a sor-rir. É uma óptima terapia. d

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artmusic

júlio resende Do PIAnoFAz uM gRIto

“Foi Deus” que “(n)Uma Casa Portuguesa”, certo dia, decidiu tomar iniciativa rara Nele e disse pianinho, pianinho... “Vou dar de beber à dor”.E passou para “A casa da Mariquinhas” sem, no entanto, deixar aquela “Estranha forma de vida”. Dizem-me que foi num “Barco negro” e que na proa levava uma “Gaivota” cheia “Medo” que não houvesse, no mar, “Amêndoa amarga” para depois cantar: “Ai Mouraria”... TeXTo sara quaresma capitão FoTograFia pedro cláudio

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jovem, mas veterano, júlio resende é, indubitavelmente e já, um dos grandes pianistas da nossa contemporaneida-de. músico de formação clássica, tinha um vazio, não podia ser só intérprete de peças que não se davam ao improviso. Virou o barco e partiu à descoberta do jazz onde o seu talento nato, e de cer-teza inato, o colocou lado a lado com geniais mestres do piano jazz: bernar-do Sassetti, mário Laginha e joão Pau-lo. Como pianista brilhante que é, quer sempre novos e maiores desafios e, pa-radoxalmente aos seus amigos, o fado era-lhe, e é-lhe, tão querido. Conse-quência natural, do amor de um estilo fez um novo estilo. reinventa o Patri-

mónio imaterial da Humanidade. Faz dele, do fado que o cativa, case study. aplica-se no estudo, esmiúça os mean-dros e encantos, aprende-lhe a história de fio a pavio, em jeito de tabuada diz o repertório e os fadistas, e apresenta-se a prova final prática. À prova, deu-lhe o nome de “amália por júlio resende”. o fim a que se propunha era simples, mas de complexidade elevada, “o grande objetivo desde disco é tocar o portu-guês em mim”. na memória justifica-tiva confidencia-nos: “Entre as minhas memórias musicais mais antigas está a voz da Amália a cantar ‘A Casa Portu-guesa’ ou o avassalador ‘Estranha for-ma de vida’. Quis dizer isto com o piano.

“O grande objetivo desde disco é tocar o português em mim”

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R www.julioresende.com

E agora que sentia vontade de fazer um disco a solo queria fazer um disco a solo muito, muito pessoal”. Pois, que se to-que amália pelas mãos de júlio resende, numa escolha irrepreensível de 11 fados tão nossos; 11 interpretações excecionais que pedem para ser, somente, ouvidas, sentidas; 11 momentos que gonçalo m. Tavares ilustrou, com palavras, na edi-ção física do disco. na performance de “barco negro” parecem os deuses a ba-ter à porta d”a casa da marquinhas” e o “medo”? o “medo” é o trazer de volta, numa “gaivota”, a voz de amália... Com estes 11 fados transformados tor--namo-nos, seguramente, crentes. Cren- tes na genialidade musical de júlio re-

sende que faz, tira e dá, do e ao piano, a sua expressão máxima, que cada nota tocada traz a voz de amália e o impro-viso consigo, e de forma tão etérea que lembramos que “Foi deus” que “pôs as estrelas no céu, e fez o espaço sem fim deu luto às andorinhas (…)”. a prova é passada com distinção máxi-ma e louvor, por júlio resende. ele que é genuinamente português e se “nu-ma casa portuguesa fica bem, pão e vinho sobre a mesa (…) fica bem esta franqueza, fica bem, que o povo nunca desmente”: Álbum obrigatório. música portuguesa, com certeza! d

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TeXTo hernâni duarte maria

salaescura

murnau, auroraE o ExPRESSIonISMoDo CInEMAALEMão

”sunrise”, 1927 (20th century fox)

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o expressionismo alemão no cinema é conhecido como uma vanguarda. no entanto, ao contrário de outras escolas que submeteram os filmes numa base de experimentação de uma narrativa anticomercial e contra os padrões clás-sicos estabelecidos por d.W.griffith, o expressionismo absorve e reconfigura a estética, sendo esta absorvida por um público ávido e sedento consumidor do produto industrial.e aqui reside o cinema expressionista alemão, que era calcado pela predomi-nância do fantasmagórico e focava este universo do absurdo e surreal, das len-das, através de uma elaborada estética visual, que olhando para esse resultado nos tempos de hoje, é genial!os personagens são criados através de crises, crises essas que, em muitos ca-sos, chegam a tocar no catastrófico, o personagem sombrio, soturno, actuan-do na arquitectura da cena, ressaltando sempre o tom mórbido dos persona-gens, através de uma estilizada e exu-berante luz cénica, de uma direcção de arte de régua e esquadro, e sobretudo a negra expressão facial dos actores. me-do no bom sentido…Toda a mise-en-scène é fabulosa e es-quematizada. os objectos inseridos nas cenas introduzem sempre um contexto simbólico. em destaque temos, assim, a sombra, a olheira, o espelho, a escada,

a casa. esta sequência são tramites es-senciais ao filme, criando uma atmosfe-ra dramática, em total harmonia com a fotografia do filme, trabalhando esta no contraste entre o claro-escuro.Poderia referir vários cineastas alemães que foram os impulsionadores do cine-ma expressionista alemão, mas focarei para mim, um dos mais visionários e im-portante cineasta alemão, F.W. murnau.murnau será mais conhecido ao comum dos espectadores, talvez , pelo seu filme “nosferatu”. Porém, além deste, mui-to conhecido, murnau realizou um dos mais belos filmes da década de 1920’, como “aurora” ou, no seu título origi-nal, “Sunrise: a song of two humans” de 1927. o filme centra-se num pobre agri-cultor que elabora um esquema para matar a sua mulher após ter conhecido uma bela mulher da cidade, com quem se envolve num romance vertiginoso. É um melodrama extraordinário com todos os elementos do expressionismo alemão, embora tenha sido o primeiro filme de murnau realizado nos eua. este filme mudo também tem outro aliciante: é dos raros filmes mudos que não têm as letras intercaladas com as imagens. uma beleza desconcertante, este filme é uma viagem, é a “aurora” do cinema mundial e, como alguém disse, e esse alguém foi outro grande cineasta, François Truffaut, “o filme mais belo do mundo”. d

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ricardo dias ensembleoS CInCo nA CoIMBRA ContEMPoRânEA

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Desafio. Convite. Jantar. Muito conversar. São Fado de Coimbra e improviso. São tradição e originalidade. São novo Fado embalado.

Na cidade de Coimbra, nasce uma nova aventura na música que tem, no seu Fado, suas raízes – Ricardo Dias Ensemble. Querem levar o Fado de Coimbra, tão ligado à academia, mais além, dando-lhe leveza única sem perder aquele travo de capas negras que, para quem aprendeu a dizer saudade, é mais especial. Do jantar nasce esta introdução à primeira aventura que Os Cinco na Coimbra Contemporânea vão editar. Passa-se tudo em torno de uma mesa; à cabeceira ficou o mestre, diretor artístico. É ele que comanda esta trupe, sem algazarras. Traçou um plano, convocou as hostes e...TeXTo quaresma capitão FoTograFia henrique patrício (hp) e josé melo (jm)

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...dão novo arranjo ao Fado de Coimbra partindo das suas bases, experimen-tam novos sons que deem destaque à sua poesia e música tão características. Porquê reinventar o Fado de Coimbra? ricardo j. dias (rjd): Há dois anos o ri-cardo dias disse que gostava de fazer um disco com o nome: ricardo dias en-semble. a ideia vem de termos em co-mum o nome, vivências e de tocarmos juntos no À Capella. Ficou a sementinha. eu não tocava Fado de Coimbra, come-cei a tocar na Capella e logo inclui ins-trumentos que não são comuns a este Fado: acordeão, piano. Fui adaptando a linguagem ao Fado e percebi que ia re-sultar. depois, como também já traba-lhava com o bernardo moreira, era só juntar dois mais dois. o bernardo tem alguma afinidade com Coimbra e já ti-nha feito um disco sobre Carlos Paredes; não esquecer o ni Ferreirinha que me massacrava a dizer ‘temos de fazer um disco’. resolvemos fazer um disco com arranjos diferentes, com abordagem diferente. um projeto sólido de música que versa sobre Coimbra, mas que é, antes de mais, música portuguesa.

Cinco elementos na base. Cinco a Coim-bra ligados. dois com o mesmo nome. Três com nome diferente. a soma é sempre cinco. Como se juntam?rjd: eu, o ricardo e o ni somos o trio inicial, tocávamos juntos na Capella (da qual somos sócios); o bernardo arras-tei-o eu, já conheço e toco com ele há muito tempo. o zé foi sugerido e nem foi preciso avaliar. Foi consensual. era a pessoa indicada para o cargo, pela presença de palco e expressão. nor-malmente, a forma de cantar o Fado de Coimbra é um bocadinho operática e o zé é tudo menos isso, é natural, tem uma expressão fantástica. o disco tem uma série de convidados, mas tem esta estrutura base definitiva que somos nós os cinco.ni Ferreirinha (nF): zé, porque aceitaste o convite?zé Vilhena (zV): (risos) era impossível re-cusar. Para quem canta, começar a fa-zê-lo com gente da vossa envergadura torna tudo mais elegante e sensível. Pos-so dizer que subir a um palco convosco torna-se fácil, são um apoio único.

“Um projeto sólido de música que versa sobre Coimbra,mas que é, antes de mais, música portuguesa.”

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Para a aventura deste ensemble estão alinhados os seguintes protagonistas: ri-cardo j. dias (acordeão e piano / diretor artístico), ricardo dias (guitarra de Coim-bra), bernardo moreira (contrabaixo), ni Ferreirinha (guitarra clássica) e josé Vi-lhena (voz). Que mais valia traz cada um de vós?rjd: do ponto de vista musical é um projeto sólido, ouves e é coeso, sem fa-lhas. É muito bem tocado e foi arquite-tado para isso. o ricardo tem um som fantástico, está em forma. o zé está com a voz no ponto perfeito. o ni é ful-cral, é ouvires uma viola inteligente e harmónica, na respiração e nos tempos. o bernardo tem uma capacidade de im-provisação fora de série.

nF: o ricardo j. não falou dele próprio, mas eu falo. Para se fazer diferente de tudo o que foi feito até agora, no Fado de Coimbra, quer musicalmente quer na produção, tinha de ser com o ricardo. a estética musical dele é maravilhosa e perfeita para renovar o nosso Fado. É musicalmente consolidado e reco-nhecido. É o diretor artístico pelo seu know-how, carreira, pelas pessoas que trouxe para o grupo. outro ponto forte é o outro ricardo, genial na guitarra. eles são os dois pilares.zV: Tu não imaginas o conforto que é para quem canta. o que tenho agora é uma coisa que não consigo explicar. Te-nho um apoio completo musicalmente, o cantor está muito exposto e aqui, isso é atenuado.

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músicos consolidados no seu instru-mento, com segurança suficiente para visitar novos arranjos.rjd: Sim, não estamos presos a um estilo, podemos ir mais além. É esta a grande diferença.

o alinhamento passa por josé afonso, edmundo bettencourt, Carlos Paredes... Há alguma teoria na escolha do vosso alinhamento ou foi apenas por serem as músicas que mais vos encantam?ricardo dias (rd): nas instrumentais foi por alguma rotina. já tocávamos há muito e em conjunto gostávamos de tocar temas de Carlos Paredes e um do avô, gonçalo Paredes. depois também foi em função dos cantores, zé e convi-dados, que tiveram uma palavra a dizer.nF: Quem nós fomos buscar, além do

zé, são também sócios da Capella, o que nos faz identificá-los com músi-cas. estão habituados a interpretá-las, dá segurança. este é o nosso primeiro trabalho, com o claro objetivo de passar fronteiras. não queríamos temas com-plexos. muito do nosso potencial públi-co, lá fora, vai ter o primeiro contacto com este reportório connosco, se ofe-recemos logo o erudito... Vamos levar o que mais se associa a Coimbra. Temas emblemáticos, que nos permitirão dar o salto em frente...rd: ...para algo novo.

na sua história, Fado de Coimbra está embrenhado no mundo de capas ne-gras, nos tunantes. Vão trazer essa es-tética ou há um desligar das capas?(zV): a capa fará parte obrigatória do

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espetáculo, em dois ou três temas. ela faz parte da cultura, simbologia e matriz da cidade, é incontornável. Todavia, vai ser usada de forma leve e não clássica.(nF): durante os concertos teremos a parte lúdica a explicar a capa. Há esse propósito. nos temas mais clássicos, em que entra a capa, será explicado ao público a sua ligação à cidade, à aca-demia. não vamos tocar música a seco. Queremos chegar ao fim dos concertos e deixar luzes de Coimbra.

“Coimbra” é o nome escolhido para o vosso álbum de estreia. Porquê escolha tão simples?rjd: Temos de começar por algum lado: critério da simplicidade, com muito tra-balho dentro. este tipo de música não é conhecido lá fora. Quando dizes Fado remetem para Lisboa. assim, queremos ser divulgação e música. rd: É o ponto comum a todo o nosso contexto.nF: de repente, aparece um ensemble que pode ser tudo o que tu quiseres, de onde quiseres. Tinha de haver uma lei-tura rápida à música de Coimbra e o no-me diz tudo. Somos de Coimbra, projeto de Coimbra, guitarra de Coimbra e mú-sica base de Coimbra. daqui a uns anos criamos outros nomes!bons sons! d

Álbum editado: 12/2013.Convidados: antónio ataíde e nuno Silva (voz), joão moreira (trompete), bruno Costa (guitarra de Coimbra).Produção: josé melo Productions.

R ricardo dias ensemble (Facebook)

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scott matthew[DES]APREnDER

Chama-se “Unlearned”, porqueScott Matthew quis que as pessoas esquecessem as canções originaispara melhor compreenderemestas novas versões.Ainda que se reconheçam as palavras,a forma de cantar do músico australiano faz-nos perceber que este é um mundo onde vamos ter de escutar para aprender.TeXTo helena ales pereira FoTograFia michael mann

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o seu mais recente trabalho chama-se “unlearned”. disse que era como se re-tirasse o apreendido da cabeça; é pre-ciso esquecer a habitual forma de fazer as coisas, para se poder reaprender uma nova maneira. Teve de desaprender al-guma coisa para fazer este trabalho? o processo de reinterpretar as canções e a forma de as fazer implicou algum de-saprender da minha parte. depois das canções ‘despidas’ dos seus arranjos originais e encontrados novos arranjos, gravá-las foi quase como fazer o meu álbum anterior. mas este processo de desaprender é também para o ouvinte.

É por isso que estas canções soam como novas? até diferentes das habituais co-vers? algumas ficaram muito diferentes, outras são quase como que uma homena-gem a algumas destas grandes canções. mas o ouvinte tem sempre de abandonar a ideia preconcebida relativamente a um destes artistas e a estas canções.

É habitual incluir covers no alinhamento dos seus concertos. isso foi uma das ra-zões que o levou a fazer este trabalho?Sempre quis fazer um álbum só de co-vers, mas sentia que precisava de es-perar pelo momento certo. ou seja, depois de provar que seria capaz de fa-zer o meu próprio trabalho de originais. e, sim, alguma destas canções foram

já tocadas em concertos, porque estas músicas são, de alguma forma, uma espécie de registo no tempo das minhas influências, porque eram tocadas pelos meus pais e agora pelos mais jovens.

Foi difícil escolher apenas estas 14 – mais 4 disponíveis no álbum digital? Co-mecei com uma lista bem grande mas, obviamente, não era possível gravá-los a todos. Com o tempo e ao longo dos en-saios, fomos percebendo que algumas destas canções eram mais sólidas: mais bem-formuldas e reais. Começamos por trabalhar essas canções antes de entrar em estúdio, mas os arranjos posteriores acabaram por alterar a forma de as to-car e cantar. novas ideias foram sendo acrescentadas e outras retiradas.

Qual foi a mais difícil de trabalhar? Hou-ve alguma altura em que pensou: “gos-tava de cantar esta como no original”? não, porque nunca tive a intenção de imitar o original. as mais difíceis, para mim, foram as canções mais minima-listas, porque precisavam de ter uma vocalização muito forte, quase perfeita, porque havia muito pouco que pudesse ‘disfarçar’ as falhas. eu só queria fazer a melhor vocalização e interpretação, atendendo às circunstâncias, e não considerando o original.

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referiu numa entrevista que as três canções da sua vida eram: “Well in Wonder”, de The Smiths; “in This Hole”, de Cat Power; e “Like Someone in Love”, a versão de Chet baker. no entanto, ne-nhuma delas faz parte deste álbum. es-colhi uma canção do morrisey – “There’s a Place in Hell For me and my Friends” - porque é uma canção muito especial para um amigo meu. Cat Power já tinha feito uma cover da sua própria canção e a björk cantou Chet baker... mas gosta-va muito de cantar jazz no futuro.

apesar dos diferentes backgrounds destes artistas e da diversidade das canções, conseguiu fazer um álbum que soa a Scott matthew, como se fos-se a primeira vez que elas fossem to-cadas. Foi difícil criar novos arranjos para transmitir esta originalidade? não, o processo foi muito orgânico. ajudou muito o facto de os meus amigos se-rem músicos o que facilitou, e muito, todo estes processo. Por isso, acabou por não precisarmos de muito tempo para o fazer.

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descreve-se a si próprio como um “fa-zedor de ruído calmo”. mas ruído parece uma coisa negativa... Percebo o que está a dizer. Quando se descreve algo como ruidosa, não é de uma forma prazero-sa. mas acho que a palavra ‘calma’ faz toda a diferença. ao afirmar isto, queria dissipar algum tipo de superioridade que poderiam colar naquilo que faço. Fa-zer música para mim é algo que vem de dentro e não acho que me torne melhor do que os outros ou que seja assim tão profundo. no fundo é um ruído calmo. d R www.scottmatthewmusic.com

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TeXTo sara quaresma capitão FoTograFia marionetas da Feira

marionetas da FeiraD.RoBERto, REgRESSo Do HERóI

A boca de cena aparenta tamanhoreduzido. Os atores estão ali,nos bastidores, inanimados, adormecidos nos sonhos de histórias que querem reviver. Há um silêncio estranho atrás cortina. Há um passado quase esquecido. Há estórias adormecidas. Há olharessem cor e… o silêncio esbate-se.

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um burburinho corre baixinho. os ato-res despertam do que parecia um feiti-ço. alinham-se por entre panos e fios, ajeitam as vestes que são sua pele, pas-sam a última cor, lançam olhares peri-féricos. esperam, com curiosa cautela, entrar em cena; afinal, o mais admirado herói popular, do mais antigo teatro de fantoches de raiz popular, em Portugal, está em palco: d. roberto.a história que carrega em si vem de há longe dos tempos em que uma Com-media dell’arte passava fronteiras e comediantes e bonecreiros itinerantes contagiavam uma europa medieval em representações litúrgicas, mas com o

tempo os risos soltos que provocava, a irreverência, espírito crítico, tão típico deste teatro, levou-o ao silêncio no re-presentar liturgias no idos séculos XVi e XVii... Por cá, e por lá, do silêncio fez-se uma mudança e companhias nasciam, autos religiosos de cariz popular subiam aquele pequeno palco e nas estradas, por aí a fora, foram novos caminhos encontrados. a história é mui longa e rica, e no meio de mudanças e visitas, aparece, no século XViii o herói popular d. roberto. de nome sonoro, mais tarde firmado, foi ele que nos levou a falar de tão bela arte. apresentamos, com rui Sousa, Teatro dom roberto!

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renascerrui, também andaste em bastidores de sonhos e um dia acordaste para projeto tão rico? eu vivia num mundo de ilu-são (pensando sempre poder irromper pelas trevas com o meu dom da arte). Passava o dia a dia num pesadelo, de atrofio criativo, onde tudo eram cargos e falta de inspiração. de repente, sem contar passo, de um pesadelo a um so-nho no dia em que fui ‘atropelado’ por uma marioneta criada por mim, numa formação ao acaso. Como uma gota que transborda um copo no limiar do cheio, esta marioneta olhou para mim e transmitiu-me um subjetivo legado que eu um dia penso poder concluir. o permitir usar e abusar de técnicas e o misturar de artes faz desta arte, para mim, a mais bela, criativa e tradicional de todas (onde o marionetista pode ser também escultor, cenógrafo, ator, ma-nipulador…).

HistóriasHá duas histórias que são os pilares que sustentam a tua boca de cena quando na teia te moves: “o barbeiro” (con-ta apresentada a d. roberto acaba em bela e animada pancadaria de humor e justiça) e “Tourada à Portuguesa” (pu-ra comédia, cenas ligadas à tauroma-quia onde o nobre touro leva sempre a

melhor). mas há ainda “a rosa e os Três namorados” (comédia de cordel), “o Castelo dos Fantasmas” (adaptação do “joão Sem medo”) e uma comédia ao gosto do nosso génio popular, “o mar-quês de Pombal e os jesuítas” (inqui-sidores são lançados ao mar pejado de tubarões e d. roberto, a cada um lan-çado, diz: “mais um padreca!”). os pila-res mantêm-se? Quando eu, o alberto Castelo e a Telma Pedroso resolvemos abraçar este desafio de colocar em ce-na o Teatro dom roberto, sabíamos do legado, passado pelos mestres, que existiam quatro peças mais recorrentes e duas menos. optamos por ”o barbei-ro” e “Tourada à Portuguesa”, pois são bastante conhecidas e ainda moram na memória popular. em relação à “ro-sa e os Três namorados” e ao “Castelo dos Fantasmas” são histórias que te-mos como objetivo colocar um dia em cena. Para já estamos a produzir duas novas estreias do Teatro dom roberto: o clássico que se diz ter existido - ‘zé do Telhado’, e outra de raiz, seguindo to-das as matrizes desta arte popular. diz--se de boca a boca que existiam mais de cinquenta histórias, para além das mais conhecidas.

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Personagem(ns)Quem é o d. roberto para ti? descreve a alma do herói que nos faz chorar de tanto rir e caracteriza cativante boneco. Quais são os seus traços para, caso por mim ele passe, o reconhecer sem he-sitar e lhe dar um belo saludo! europa fora existem outros heróis como o dom roberto. Todos eles seguem as mesmas linhas e tendem a ser muito semelhan-tes. em Portugal, o nosso herói tem ape-nas de seguir duas coordenadas: sorriso de ‘tacha arreganhada’ e ter de cor de pele um rosa bem forte. o nosso herói é, para todos os bonecreiros, quase co-mo um alter ego que extravasa todo um sentimento de revolta, estando ao lado dos injustiçados (algo intemporal).

Cenárioo vosso espaço cénico é singelo, único, com diretrizes que não devem falhar: a chita, que me salta à vista, quando me sento à espera do herói. Que nos ensinas sobre o palco? a guarita ou a barraca é coisa de simples transporte e montagem, pois há muitos anos atrás o Teatro dom roberto era ganha-pão de gente simples e humilde, carregada de pobreza e com a guarda sempre à perna. os antigos mestres tinham de montar e desmon-tar a barraca rapidamente para exercer a sua função de maneira ágil a fim de, mal terminasse, juntar as moedinhas e fugir

para outro sítio. Fugia-se pois os con- teúdos dos espectáculos eram corrosi-vos e bem populares, tendo como alvos de abate a guarda e o clero. assim, o ce-nário passava por ser o melhor pano que houvesse à mão e a árvore mais bonita que se pudesse ter como fundo.

PalcosQueremos ver e rever arte tão precio-sa, onde a podemos encontrar? Por que estradas anda e pára o palco? esta arte pode ser vista em três modalidades: o Teatro dom roberto, o Teatro das ma-rionetas de fios, como era feito nos antigos pavilhões das feiras, e o tea- tro mais experimental com marione-tas, mas com baixa dimensão na nossa estrutura. nós andamos sempre por aí, como dizemos habitualmente. de pra-ça em praça, de palco em palco, sempre com a tradição no coração e prontos a divulgá-la. Se quiserem podem visitar o nosso próprio palco, que fica na nossa sede em Santa maria da Feira e desfru-tar, sozinho ou em grupo, de espectá-culos, workshops e todo o ambiente de uma companhia de teatro de marione-tas. Temos, em vista, várias datas para o natal e já para 2014, e para as sabe-rem basta visitar o nosso Facebook e o nosso blog. Lá terão todas as novidades e agenda para poderem ser felizes.d

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R marionetas da Feira (facebook)

R www.ruisousa.pt

Vamos ao Teatro Dom Roberto!Ali há algo de paradoxo...

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memmo alFama

Entre os telhados vermelhos do casario de Alfama e o rio Tejo, descobre-se um espaço inusitado. Um hotel que se integra na paisagem típica da zona velha e que a consegue fazer sobressair. Um espaço onde se percebe que o tempo passa de outra forma. Sejam bem-vindos ao memmo Alfama.TeXTo helena ales pereira FoTograFia ricardo junqueira

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ESPAço DE DESCoBERtA

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À entrada, uma mesa com 166 pés de metal cria uma atmosfera moderna, quase festiva, contrastando com o pró-prio edifício e com as peças de madeira maciça que vamos encontrando pe-lo hotel. Quem chega pode aproveitar o conceito do late check in: ir primeiro até ao quarto, descansar, e voltar mais tarde para as habituais formalidades. bem no coração de alfama, o memmo alfama é o primeiro boutique hotel nes-ta histórica zona, mas parece fazer já parte da tradição envolvente, graças à recuperação da fachada e do interior, da responsabilidade do arquiteto Sa-muel Torres de Carvalho.aqui dentro, sentimo-nos em casa e esta sensação é-nos dada pela dimen-são aconchegante do espaço e pelo uso de objetos quentes e confortáveis na decoração, como as cadeiras e os sofás da sala onde se pode saborear os pe-quenos-almoços, até à mesa comprida de madeira que parece saída da casa de província dos nossos avós.a piscina vermelha, localizada no terra-ço, virado a sul, cria um elo de ligação com os telhados de telha vermelha, mas consegue também levar-nos a mergu-lhar o nosso olhar no rio Tejo, a linha de

horizonte deste hotel. um espaço que pretendeu, desde a sua génese recriar o ambiente da autentic Lisbon, como nos explicou joão Corrêa nunes, um dos mentores do projeto. “Este é um hotel que se descobre e que reflete a ideia de uma Lisboa autêntica”, conta-nos.e esta autenticidade está nos porme-nores da recuperação do edifício, que aproveitou, por exemplo, o chão original de pedra dos dois quartos do torreão; nas abóbodas de tijolo dos dois fornos, localizadas no piso térreo; na muralha Fernandina que percorre parte do ter-raço; nos cabides velhos e nas capas de discos de fados antigos que enfeitam as paredes dos quartos, ou não estivésse-mos em um dos bairros típicos do fado. o lado contemporâneo é representado pelo novo edifício que alberga o wine bar e por detalhes como as janelas de grandes dimensões das zonas comuns que per-mitem usufruir da vista sobre o bairro e o rio. no interior, a tranquilidade do branco nas paredes dos quartos contrasta com os apainelados de madeira ondulados, presentes nos corredores, e que pare-cem uma continuidade das cortinas que, naqueles espaços, ocultam as casas-de--banho que usufruem da luz natural.

No memmo Alfama, vive-se os sinais do tempo, do mais antigo ao mais contemporâneo,desde a fachada antiga aos interiores modernos.

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o estilo depurado e simples dos quartos permite que seja a paisagem urbana e natural a brilhar. É como se as janelas com portadas de madeira fossem uma moldura da cidade no interior dos quar-tos, criando um equilíbrio entre a vista e a privacidade de quem aqui dorme. em cada um dos 42 quartos há pormenores distintos, como os poufs de lã e algodão artesanais às mesas de cabeceira de madeira maciça, a lembrar que numa casa nem tudo é uniforme e cada peça tem um valor único e simbólico.

no wine bar, destaca-se a fotografia da autoria do fotógrafo alemão alexander Kock, um dos anteriores inquilinos do edifício original. depois, há ainda o ser-viço personalizado; o pequeno-almoço que pode ser tomado às horas que se quiser e no espaço que os hóspedes es-colherem; tudo o mais deve ser desco-berto por quem aqui fica ou vai ficando, porque, quando aqui se chega, tem-se vontade de convidar os amigos para vir cá ter, saborear umas tapas e beber um bom vinho pela noite dentro. d

“Conseguir ter o hotel a funcionar, em Alfama,de forma que este pareça integrado na dinâmicado bairro foi algo que nos motivou”samuel torres de carvalho, arquiteto

R www.memmoalfama.com

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sa, raiva, incompreensão. a força com que o inesperado nos atinge. Com fúria marcial, fechara o computador como se desfizesse uma pilha de tijolos, gerando uma onda de vibração intensa. Contem-plou depois os estragos, a cratera aberta na secretária, o vento que entrava sem cerimónia pelo buraco da janela. Com medo de si próprio, agarrou nas chaves e fez-se à estrada. não queria pensar em nada, Vimos pelo presente e-mail, em absolutamente nada o plano de reajus-tamento da empresa, mas as palavras teimavam em colar-se-lhe à memória a redução do número de efetivos, como se projetadas no ecrã do para-brisas. Pre-cisava de se sentir em movimento, longe dali, mas achou-se subitamente pre-so naquele para-arranca sem sentido. À passagem do reboque, compreendeu tratar-se de acidente. Porque tempo era coisa que não lhe haveria de faltar, resol-veu-se. Saiu do carro e um forte arrepio, lembrando o casaco deixado no cabide,

TeXTo susana carvalho

dois minutos apenas e já os primeiros curiosos chegavam ao local, sedentos de aparato e histórias cabeludas. a cha-pa de matrícula, onde letras e números se desentendiam, compunha uma le-genda difícil num quadro que, por si só, desafiava a compreensão. Para desilusão geral, a sinistrada, única ocupante, saiu de gatas mas por seu pró-prio pé. e parecia determinada a procurar no chão algo mais que pudesse ter perdi-do, além do controlo do carro. Palpando os lábios com os dedos, como para ajudar a desencarcerar o discurso, tentou cha-mar a atenção daqueles que, esquecidos do socorro, se concentravam noutras questões vitais: “derrapou? adormeceu? enfrascou-se?”. as primeiras palavras vieram reanimar a assistência, dando consistência à última hipótese:- acho que fui atingida por um meteorito! Perante uma fila de carros desgovernada, mário encostou à berma. Saíra de casa desconcertado, incapaz de gerir surpre-

o insólito é uM LugAR-CoMuM

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voltou a trazer-lhe à ideia a precipitação com que saíra de casa. Por favor não res-ponda a este email. Puxou a porta com força e fechou os olhos. o outro mundo, que não o seu, ficou onde estava.no perímetro do acidente, tudo difuso. apercebeu-se de movimentações fluo- rescentes, de uma vibração de autori-dade a ressoar numa voz, de uma at-mosfera de fim de emissão, pontuada pelos intercomunicadores. não pôde conter o pasmo: no centro de uma es-tranha depressão no pavimento, um car- ro capotado, num chão de jardim. um escaravelho feio, inofensivo, de entra-nhas metálicas viradas ao céu. – Hum… hum… aselhice ou bebedeira! - sentenciou alguém atrás de si, com um hálito incendiário.num relance, fixou uma mulher sentada na traseira da ambulância. embrulhada numa manta, rejeitava as diligências médicas, reiterando a sua saúde per-feita e era aconselhada por um polícia, nervoso o suficiente, a soprar num apa-relhinho. na mão, exibia um fragmento escuro, repelido com veemência, pela autoridade. mário tentou, sem sucesso, perceber de que se tratava. Talvez um amuleto. em que acreditaria agora? desiludido com os valores, o polícia aco-

modava o bloco dos autos à prega da barriga e principiava a escrever. mas escrever o quê? definitivamente, esta- va mergulhado no caos. nada funcionava. nem balão, nem semáforos; até a Central reportava dificuldades de comunicação por baixa de energia. e aquela mulher a insistir na conspiração dos astros, com um estilhaço de plástico rígido na mão. Se porventura fora este polícia uma al-ma mais sensível, assomar-lhe-iam de-certo ao pensamento algumas reflexões sobre a fragilidade da condição humana, perante os caprichos do universo. Tam-bém ele, afinal, se sentia atingido pelo imponderável. Prestes a acabar o turno, pimba… saíra-lhe aquela ao caminho. ao seu lado, um colega intervinha para reconduzir à Terra um guedelhudo com pinta de artista que garantia ao con-dutor do reboque estar na presença de uma instalação de superior arte urbana, “ao nível do melhor que se faz lá fora”. deu o polícia umas pancadas no alco-olímetro e encostou-o ao ouvido, na esperança de lhe sentir alguma espécie de pulsar mecânico. respirou fundo e voltou-se para a vítima:- Vamos lá tentar novamente. Sopre aí com convicção, a ver se tudo isto co-meça a fazer sentido… d

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Felipeoliveirabaptista

DEz AnoS EMmisE-En-scènE

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A geometria dos espelhos cria um jogo angular interpretativode cada silhueta traduzida por uma imersão estética de uma linguagem tridimensional em permanente diálogo com o processo criativo de um percurso com assinatura: Felipe Oliveira Baptista. A exposição de uma marca. O arquivo pessoal traduzido num cérebro tecnológico absorto em encontros registados pelo designer de moda português [e diretor criativo da Lacoste]. 12 instalações que refletem cinco temáticas presentes no decurso de uma década. Para ver no MUDE, em Lisboa. Até 16 de fevereiro de 2014.TeXTo patrícia serrado FoTograFia joão pedro rato

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a instalação desenhada e concebida pe-lo bureau betak, em particular o “espe-lho da mente”, consiste na tradução do arquivo pessoal de Felipe oliveira bap-tista. Pode-se considerar o arquivo da marca Felipe oliveira baptista. a parte com o lado mais pessoal é a que contém o vídeo, os compostos de pesquisa que, normalmente, o público não vê. Tam-bém foi interessante quando falámos com o alex [betak] e comecei a mostrar todos os artigos do meu sketchbook e de vídeo, todo o trabalho de investiga-ção. o mostrar este lado criativo.

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Falamos de um pensamento reflexivo sobre uma sociedade transversal à mo-da? a ideia é ter um ecrã para o cen-tro, é entrar no meu cérebro, de certa maneira, de as pessoas verem o que me interessa, para o que olho, as minhas referências culturais, sociais, estéticas, a arte… isto é interessante, porque dá um outro contexto às roupas.

o posicionamento dos espelhos em di-ferentes ângulos e direções apontam para um trajeto real de Felipe oliveira baptista. Considera-se um criador mul-tifacetado? gosto muito de tudo o que toca nas outras disciplinas de design.

gosto de fotografia, do lado da mise-en- -scène sobre o qual trabalhei bastante com o alex na instalação e na ideia de como queríamos o espaço e também do que não queríamos que o espaço fos-se. Foram estes os primeiros pontos que decidimos também com a bárbara Coutinho [diretora do mude], porque não queria fazer uma retrospetiva clás-sica. a ideia destes espelhos dá-lhe um ar mais lúdico e mais aberto e menos ‘museal’. acho interessante ver-se um modelo com outra atenção sem perder de vista os objetos de design. a mise--en-scène ajuda muito neste jogo.

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o cérebro tecnológico é a peça que de-sencadeia esta viagem por entre as múl- tiplas imagens. até onde e por que mundos nos leva? É o outro lado, porque tem bastante importância e dá um outro contexto às fotos. Leva a uma interpre-tação do processo criativo, das referên-cias, a ideia dos ecrãs, que ‘falam’ de uma coleção e têm imagens que esta-vam na minha parede, cadernos de co-lagens, imagens de desfiles, editoriais de moda… São imagens que andam à volta de uma maneira aleatória. e há ecrãs a filmarem as pessoas e ecrãs táteis em que se pode fazer zooms e ver mais tex-tos descritivos. Há uma presença forte da tecnologia nesta exposição.

Há uma clara rendição às artes e aos encontros inesperados registados pelo seu olhar face ao mundo que o rodeia. São sobretudo maneiras intuitivas, do que gosto e do que me interessa, do que me provoca reações, algum traba-lho que me inspirou ou me fez pensar… e fazer dialogar coisas que são comple-tamente opostas ou não fariam sentido umas à frente das outras. acho que isto, às vezes, cria tensões e estes resulta-dos e geometrias são engraçados. É, de uma certa maneira, também um esta-do de espírito de estar sempre a querer conhecer e aprender, porque quando alguma coisa me interessa e pretendo integrar no meu trabalho, levo um bo-cado de tempo a pesquisar sobre esse

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R www.felipeoliveirabaptista.com

assunto. Tem um lado cultural, um lado de mise-en-scène, de narração, atitu-de, cor, imagem…

Sobre as cinco temáticas em “debate” na exposição – Proteção, novos unifor-mes e roupa de trabalho, revisitando os clássicos, geometrias variáveis e Tec-nologia vs natureza –, tudo isto faz par-te do modus operandi de Felipe oliveira baptista. São pontos comuns no decur-so do seu trabalho? Sim, são pontos co-muns. as temáticas estão organizadas ou podemos unir entre as variáveis. Há três coleções que ‘falam’ nisso. Sobre a dos [novos] uniformes [e roupa de tra-balho] há duas. Temos outros temas, como o revisitando os clássicos, que foram feitos em todas as coleções. Por-tanto, temos temas que são ilustrados por coleções específicas ou temas que foram retratados em quase todas as coleções. as duas abordagens existem para que as pessoas escolham o seu próprio percurso dentro da exposição.

a interpretação da moda por Felipe oliveira baptista, com a procura de uma nova feminilidade, uma vez que a própria moda obriga-se a ser-se única, exclu-siva, converge num desafio incessante. acho que ai que é interessante o traba-lho de pesquisa e pessoal. Há uma certa liberdade de autor, há uma individuali-

dade. essa busca de nova feminialidade é sempre um desafio que nunca morre. a moda está muito ligada às nossas vidas e do que nos rodeia. o nosso trabalho é apresentar às pessoas o que elas precisam amanhã – se calhar não precisam, mas fazêmo-las acreditar de que precisam desta ideia de combinar um conceito, de coabitar com um peça que seja desejável e que seja imediata. uma peça que deve ter um valor estético que não precise de contextos e, já que estamos num museu, vamos ver de onde vem a moda e porquê.

Há uma peça ou cor que interpreta a intemporalidade na moda? na verdade adoro ver uma peça de uma coleção an-tiga vestida hoje em dia e achar que ela podia ser de há seis meses. Para mim é o maior elogio, olhar para trás e ver que há coisas que envelhecem e outras que não e isso não se pode dizer de avanço; e a busca dessa intemporalidade pode parecer pretensiosa como démarche, mas quando funciona é o mais difícil a fazer e uma certa modernidade que não está tão ligada ao antes. d

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TeXTo sara quaresma capitão FoTograFia henrique patrícioConVidadoS joão rui, a jigsaw & tiago curado almeida, pensão Flor eSPaço galeria santa clara, coimbra

banjo & guitarrade coimbraPARoDoxo MuSICAL

Paradoxo. Ocorre-me, subitamente: desconchavo. Depois, por extensão:facto incrível. No fim: opinião contráriaà comum. No encalço do significado final, coloco phones e carrego play, às cegas. “Drunken Sailors & Happy Pirates”,a Jigsaw. Pura ordem alfabética?O diabo faz das suas.

newmusic

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Música. O som ia ser a minha efeméride paradoxal.Com imaginação sem peias, sigo para dimensão paralela e troco sons, baralho a visão, ou não. Crio um universo visual de sons selados e sons trocados. Na ficção tudo pode ser verdade,mas só o empirismo atesta paradigmas e “ah, memória, inimiga mortal do meu repouso!”, dizia Cervantes. No sossegoda divagação relembro Flor, de musical Pensão. Feito.Tenho uma ideia, duas vítimas, despeço-me do dia abraçando a noite, esperanto de ambas. Com o diabo no rasto, viajo entre dimensão paralela e realidade: músico folk com guitarra de Coimbra, músico da guitarra de Coimbra com banjo, e o inverso. João Rui (JR). Entoa inglês com rouquidão demarcada, ad hoc digo que é D.O.C., é Jigsaw e o banjo. Tiago Almeida (TA), tem a soloa melodia da cidade transformada, na Pensão o travo de Lisboa,é guitarra. Juntas as vítimas, que se tente a inversão!

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Falando de cordas alheias.jr: Sendo de Coimbra é natural que, a dado momento, ouças o som da guitar-ra algures. Som muito bonito. nunca me tinha debruçado sobre ele até descobrir Carlos Paredes, o instrumento levado a um virtuosismo incrível, ao ouvi-lo fi-quei boquiaberto, rendido. nas mãos de Paredes vejo como um instrumento su-blime, aumentou-lhe a capacidade de forma ímpar. Ta: adoro o som! a referência que tenho é de um período da pop-rock em que se foi buscar muito o banjo, é a única. não tenho rigorosamente nada a acrescentar. Fora isto, não acompanhei nada, zero de banjo.

Penso: vai findar em desconchavo.

especificidade do som trocado. emoção ou técnica. divagar.jr: gosto muito do som e, lá está, a for-ma como Paredes gravou permite-lhe outra compreensão. Quando usado no Fado de Coimbra, tem o seu quê, mas não chega àquele grau virtuoso. está a servir a canção, com mais a acontecer, o som acaba por ser diferente, mas ai também teríamos de dividir a questão entre guitarra de Coimbra e guitarra de Coimbra de Paredes. o som é extrema-mente melódico, facto de estar afinada um tom abaixo torna-o mais quente.

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Ta: Som do banjo. ele está em vantagem!Se quiseres o joão toca.jr: Sim, toco e vais falando.Ta: boa ideia, toca! Tenho aquele ima-ginário john Wayne. Falas em banjo e imagino john Wayne em “a Velha ra-posa”, uma banda de saloon, guitarras e harmónica. o banjo remete-me para esse imaginário. jr: É natural, muitos filmes western têm o banjo. Peço rum? Henrique fotografa. bem--vindo, Paradoxo.

Posturas. Tiago, curvas-te e enamo-ras as cordas. joão, um estar nureyev a dançar com cordas. dedilhando.Ta: Quando toco envolvo-me, com-pletamente, com a guitarra. Há muita emoção onde as melodias te levam e, inconscientemente, acabas por dar in-tensidade ao teu corpo, acompanhan-do o que tocas. Se te envolveres mais, melhor. Há uma relação íntima com a guitarra e a sua forma permite-o.jr: o banjo não consegue abordagem tão clássica. Tem origens tão antigas, pas-saram por tanto e vários tipos de banjo. até este banjo bluegrass, há com o braço mais comprido, outras formas em bai-xo… na guitarra de Coimbra não há isto. na postura é complicado ir para cima do banjo, não permite que te debruces. não há distanciamento, mas técnicas que

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impedem, independentemente de, ao tocares, sentires o instrumento. e eu noto, na fotografia que vos troco sons, a postura que têm com as cordas, não muda. e esta hein? Será do instru-mento ou de vós? um dia falamos.

Cenários no breu da noite. Pequenas salas. anfiteatros. Silêncio para o som.jr: Tanto o som do banjo como da guitar-ra, inserindo na música que fazemos, é natural que, além do espaço, instrumen-tos e como os usamos, a noite, a solidão e acima de tudo o silêncio, ajudam. São veículo para o que queremos transmitir. assim compomos músicas. Logo, quan-do tocamos num anfiteatro ou pequenas salas, onde há o silêncio, são espaços perfeitos, os instrumentos vivem melhor. estamos a falar de instrumentos acústi-cos que, além do som que ouves, tem o próprio som do instrumento. no banjo, e guitarra de Coimbra de certeza, ouves o próprio instrumento e em salas silen-ciosas consegues ouvir esse som. Fazer esse tipo de concertos, sem microfones, ouvindo o som puro do instrumento, é do melhor. São raras as ocasiões, mas boni-tas. eis porque gosto desses cenários e, creio, que o Tiago também, são propícios a este tipo de música. Ta: Sim! e a noite faz parte de nós. a solidão e o silêncio, como disse o joão, fazem parte do método de composi-

ção. eu não componho de dia, não sei compor à luz do dia, é demasiada luz e depois tenho queda para melodrama, abatimento, desejo, paixão, sensuali-dade… a noite torna-se inerente.

earl Scruggs. Carlos Paredes. referên-cias que são o próprio instrumento. uma palavra.jr: Scruggs é único! nada mais posso acrescentar além disso, toca que nem um diabo. o que o caracteriza é ser, apenas e só, único. Ta: menino! ele arranjou uma nova lingua-gem para a guitarra de Coimbra e, quan-do descobriu que podia ser tudo diferente, imagino-o fascinado, como um miúdo quando recebe Legos novos, a fazer mil construções com as mesma peças.

ambos folk, sentido literal. Cordas nun-ca cruzadas. Porquê? Ta: Porque não calhou. o que não quer dizer que no futuro…jr: Sim, não calhou. Há anos, na des-coberta de instrumentos, com o jor-ri, raptámos uma guitarra de Coimbra, mas havia problema na afinação. não pude mexer muito. Talvez, se tivesse si-do diferente, teríamos usado a guitarra. nos jigsaw, quando temos um instru-mento novo gostamos de lhe encontrar a nossa linguagem. um pouco como o Tiago, que não toca no sentido tradicio-

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nal, aproveitando a riqueza harmónica. não tive tempo suficiente para encon-trar uma canção na guitarra. não volta-mos a tentar, para já.

o fim. uma música jigsaw para levar travo de guitarra de Coimbra. uma música Pen-são Flor para balançar com som do banjo.jr: Hoje, nenhuma. até podia encai-xar, mas para nós, no momento em que criamos, a canção tem de pedir o ins-trumento e nenhuma pediu guitarra de Coimbra. não descarto a hipótese, mas tem que ser pensada para tal. Quando componho a parte de guitarras, ban-jos… vou decidindo o instrumento que entra, tem de haver aquele espaço, ali na composição, definido na raiz. Se tiver a compor de propósito é diferente, se tiver a pensar só no arsenal que temos, torna-se complicado.Ta: Há músicas novas onde talvez, ainda há o espaço da indefinição. das edita-das porventura em “não Sei nada Sobre o amor” fizesse sentido. Tem um ritmo onde poderia entrar o som do banjo.

o folk falou de guitarra, mas com banjo na alma. a guitarra foi ao banjo, mas 12 eram as cordas na voz. e o significado de paradoxo? É opinião contrária à co-mum, dizer que este facto incrível, da guitarra ser indie e o banjo português, é um desconchavo!

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todaychef’s table

O cargo de chef executivo do restaurante Costes, em Budapeste, enfatiza a diplomacia de um português na cozinha húngara, reconhecimento traduzido numa estrela Michelin mantida desde março de 2010. Falamos de Miguel Vieira, o chef, que depois de passar por uma mão cheia de constelações pela Europa, arrumou as malas na cidade de Budapeste. Proeza interpretada pela grande paixão pela gastronomia sem esquecer, porém, a palavra saudade…TeXTo patrícia serrado FoTograFia joão pedro rato

miguel vieirauM CHEF EM BuDAPEStE

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Há uma dezena e meia de anos saiu de Portugal rumo a Londres, para estudar gestão hoteleira, mas bastou uma aula de cozinha para descobrir a sua verda-deira vocação. Tive sorte de ter desco-berto aquela que acho que é a minha vocação. acabei o 12.º ano em Cascais e não sabia o que havia de fazer, como a

“Temos de fazer todos os dias os pratos coma mesma qualidade e sempre ao mesmo nível.”

maioria dos jovens, mas achei que ges-tão hoteleira seria uma aposta segura. Fui para Londres. no segundo ano des-se curso tive aulas de cozinha e, logo na primeira aula, cheguei à conclusão de que não queria um trabalho das nove às cinco, sentado à frente do compu-tador. já em casa, comecei à procura

pêssegos escalfados, framboesa coalhada, sorvete de verbena limão. vinho: oremus tokaji aszú 5 puttonyos licorosorota das estrelas 2013 no restaurante feitoria, do altis belém hotel, em lisboa

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de escolas de cozinha e, passado um mês, estava inscrito na Cordon bleu [de Londres], onde tirei o curso de cozinha e pastelaria. estamos a falar dos anos 1998, 1999. era uma mundo novo…

a rota dos sabores prosseguiu por Fran-ça, espanha… Lugares de aprendizagem que lhe valeram o conhecimento. Técni-cas, maneiras de trabalhar… como gerir uma cozinha, como lidar com pessoas, porque o nosso trabalho também envol-ve recursos humanos – numa cozinha, temos entre dez a 15 pessoas a cargo. Tive sempre muito cuidado na escolha dos sítios onde estive. era, obviamente, a comida que mais me chamava a aten-ção, ou seja, trabalhei com pessoas que me suscitavam interesse pelo que e co-mo cozinhavam; e tentei sempre apa-nhar o que achava que valia a pena.

de repente, vai de malas e bagagens para a Hungria, como chef executivo no novíssimo restaurante Costes – de por-tas abertas desde junho de 2008 –, em budapeste, e “constrói” uma cozinha de raiz. Foi muito difícil. ainda hoje não é fácil. ou seja, a Hungria é um país ‘re-lativamente recente’, está ainda numa

fase de transição. depois de cinco anos a trabalhar no país, ainda não consigo do-minar o idioma. acho que é impossível! estou sozinho, o clima é diferente do de cá, não tenho ninguém com quem falar e, acima de tudo, a pressão de ‘abrir’ al-go do nada… é um desafio imenso! mas, começámos muito bem. Tenho de saber transmitir o que pretendo às pessoas que trabalham comigo, temos de fazer todos os dias os pratos com a mesma qualidade e sempre ao mesmo nível. no início foi um processo de aprendi-zagem, porque estava a adaptar-me e, ao mesmo tempo, a tentar ‘educar’ as pessoas que trabalhavam comigo.

o restaurante Costes é o único restau-rante da Hungria com uma estrela mi-chelin, atribuída pela primeira vez em março de 2010, distinção que redobra o desejo de criar, ensinar… É o reconheci-mento, principalmente pelas dificulda-des que senti nos primeiros dois anos na Hungria, mas com muita vontade de fa-zer e meter a paixão que eu meto na co-zinha. É o reconhecimento do trabalho de todos que passaram pelo Costes. em contrapartida, há mais pressão, porque agora tens uma coisa que podes perder.

“É o reconhecimento do trabalho de todos que passaram pelo Costes.”

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a carta, associada aos produtos da épo-ca, denota uma dose extra de criativi-dade e uma vontade inesgotável de criar novos pratos. agora reduzimos bastante a carta. Só tem 14 pratos e praticamente todas as semanas entra um prato no-vo, mas tudo depende dos produtos da época. Vou ao mercado de manhã, vejo o que há e usamos. a partir do momento em que o produto deixa de existir, mu-do. É um desafio. Faz parte. É disso que eu gosto. Sou cozinheiro, por isso… das 24 horas do dia, penso em comida dez ou 15. É a minha paixão! É o que gosto de fazer. e tudo surge naturalmente…

a apresentação é um dos pratos fortes do restaurante Costes que, acima de tu-do, prima pelo sabor. Quando penso em alguma coisa sei se vai saber bem ou não, se faz sentido no paladar. a ques-tão da apresentação é, por sua vez, uma questão de fazer prova. Podemos fazer a apresentação do mesmo prato de cinco maneiras diferentes até que haja uma que cative o olhar. mas há pratos que nunca entraram no menu e outros que, ‘em cinco minutos’, estão perfeitos! ou seja, a apresentação é muito importan-te, porque é a primeira coisa que vemos.

mas se te perguntar qual foi o prato que mais gostaste ou que te marcou, a res-posta que me dás tem a ver com o sabor. o fundamental é como sabe. Tem de ser delicioso. Tem de saber bem. a principal preocupação é sempre o sabor.

a qualidade dos produtos é outro dos valores intrínsecos na cozinha do chef miguel Vieira, porém depende de uma logística bem formatada. agora é, mas diria que 60 por cento do que tenho no menu é importado, como o peixe, por-que a Hungria não tem mar, e a car-ne, tirando o foie-gras que é óptimo, provavelmente, o melhor do mundo, e uma raça de porco que existe no país [o mangalitsa], as verduras e os legumes do dia, que compro no mercado local, algum peixe de rio…

Portugal está traçado na rota do chef? É uma questão da oportunidade apare-cer. desde 1999 que estou lá fora. acho que o tinha a fazer e a aprender – não digo que que sei tudo, de maneira algu-ma –, mas a experiência que queria ga-nhar lá fora já ganhei e, por isso, assim que surgir uma oportunidade de voltar não a vou perder! d

“Assim que surgir uma oportunidade de voltar não a vou perder!”

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herdade da malhadinha novaA VIDA é uMA ExPERIênCIASEM LIMItE

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Num Alentejo outrora despido de desafios,os vinhedos determinam um vinho que, ao longode uma década, reúne consensos à mesa.Assim, como o azeite, fruto da azeitona de oliveirasdo passado e do presente. Assim como o silêncio recatado pela serenidade da natureza e por uma paisagem imponente que circunda a adega,o restaurante e o hotel, uma casa de traça antiga que une o contemporâneo ao tradicional numa partilha finamente equilibrada. Bem perto de Albernôa. O nome:Herdade da Malhadinha Nova Country House & Spa.TeXTo patrícia serrado FoTograFia joão pedro rato

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ao fundo, a casa de família, que guar-da o precioso traço alentejano, dá as boas-vindas. de fora, os sons do cam-po invadem a planície a perder de vis-ta enquanto prosseguimos de carro até ao hotel, pois a casa dos hóspedes da Herdade da malhadinha nova fica mais à frente, rodeada de vinhedos, imersa numa tranquilidade profunda. na Country House, a receção dá início a uma espécies de second life apetecível num ambiente confortável e, ao mesmo tempo, tão trendy protagonizado por pe-ças antigas que coabitam em serenidade absoluta com a decoração contemporâ-nea rematada pelo tom cru em contraste com o mobiliário de madeira de um cas-tanho escuro que nos remete para a uma infância ditada pelos anos passados em

casa das nossas avós. Sem que a lareira, grande, da sala, passe despercebida, so-bretudo nos dias frios que estão de volta; nem a mesa enorme, no espaço contíguo à cozinha concebida como open spa-ce, a qual recebe os hóspedes logo pela manhã, com generosos pequenos almo-ços firmados pela variedade e pelas co-res vibrantes da fruta da herdade; nem o sumptuoso candeeiro de teto, com a assinatura do designer francês Philippe Starck, colocado sob o meio da mesa da sala, chame a atenção dos nossos olhos.dos amplos aposentos sobressai a fu-são do design minimalista da decoração com a arquitetura típica do alentejo, perfil de conforto e bom gosto rema-tados por tons suaves que casam bem com a candura das paredes interiores.

Após uma viagem longa bafejada pelo sole em boa companhia, eis o momento da chegada.

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À mesa do adega, o restaurante da her-dade, estão rita e joão Soares, dois dos mentores da Herdade da malhadinha, Luís duarte, enólogo consultor, e nu-no gonzalez, enólogo residente, ambos responsáveis pelos malhadinha e pelos monte da Peceguina. afinal, os néctares dos deuses são a matéria prima precio-sa da família Soares, bem como o de-senho das vinhas e das castas para este terroir, os quais se convertem no mérito de Luís duarte.e porque a experiência é versada na gas- tronomia, começa a apresentação da carta de outono assinada por joachim Koerper, o chef consultor cuja “sensi-bilidade” e a “experiência” são enalte-cidas por rita Soares, a administradora desta propriedade alentejana, que nos dirigiu o convite para um almoço cin-co estrelas iniciado por um Creme de castanhas com cogumelos de Paris cujo sabor persiste na contemplação do pa-lato numa combinação perfeita com um malhadinha branco 2005. o vinho exis-te apenas no espaço em questão, à se-melhança de todos os que antecedem a última colheita. a conversa prossegue pela gastrono-mia, que mui surpreende com a boche-cha de porco acompanhada por um duo de abóbora. “A cozinha alentejana com um toque contemporâneo”, reforça

rita Soares. no momento do brinde, o protagonismo é desempenhado por um monte da Peceguina tinto 2004, perfei-to na combinação com um prato dese-nhado para a estação. a finalizar, uma Tarte de pêra “da nossa herdade” com gelado de baunilha criada em sintonia com os tons do outono, sob a batuta do chef executivo bruno antunes. “Nas estadias longas sugerimos uma refeição regional”, declara rita Soares. desafio aceite. o almoço do dia seguin-te converteu-se num roteiro pelos sa-bores do alentejo, com uma seleção de enchidos e um queijo de cabra gratina-do harmonizado com orégãos e azeite Herdade da malhadinha nova, extraído da azeitona dos 70 hectares de olival da herdade. Seguiu-se um prato típico de carne de novilho com grão, batata do-ce, abóbora, enchidos… um repasto “de comer e chorar por mais”, da autoria da cozinheira Vitalina, que tão bem conhe-ce a gastronomia da região. a rematar, um duo composto por um bolo de cho-colate húmido com gelado de baunilha. o repasto ideal para quem se aventura a andar de bicicleta durante duas horas e meia. a propósito dos passeios de bicla, recomendamos que marque a Herdade da malhadinha nova no gPS do telemó-vel para qualquer eventualidade…

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O contemporâneonuma cozinha de tradição

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o sol repousa suavemente para lá dos montes quando ainda percorremos a herdade de moto 4 – sim, uma aven-tura em pleno alentejo – rematado por um curto passeio de bicicleta, pois o compasso de espera é inatingível e o workshop Cooking experience tem hora marcada. em cima da bancada da co-zinha em open space da Country Hou-se estão os ingredientes indispensáveis para um prato típico da região: migas de espargos com porco preto. beirão de alma e coração, bruno antunes imbuiu o espírito da cozinha do alente-jo já lá vão três anos, revelações feitas numa conversa animada sobre o vinho, a gastronomia e a importância da quali-dade dos alimentos, durante a qual joa-chim Koerper elogia as migas alentejanas do chef residente. e porque o workshop

é para isso mesmo, não resistimos! “me-temos a mão na massa” sob a supervi-são de ambos e aprendemos, passo a passo, a receita genuína da conceção de um deleitoso repasto além Tejo. já no fi-nal, joachim Koerper encarregou-se do empratamento, processo criativo dota-do de sabedoria, mas desfeito em garfa-das acompanhadas de louvores.a experiência prolonga-se à mesa do adega, com mais dois pratos da carta da estação: Puré de grão de bico com ovo escalfado, presunto de pata ne-gra e cogumelos de outono e bacalhau acompanhado por trouxa de couve em emulsão de tinto. um repasto divinal harmonizado com monte da Peceguina branco 2012 e uma boa conversa, fi-nalizado pela subtileza de macarrons e gelado de natas, para terminar em bem.

Gastronomia aromatizada com dois dedos de conversa

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Três dias harmonizados com bom vinhoo mesmo não seria se nos despedísse-mos sem dizermos uma palavra sobre o vinhedo – 33 hectares ao todo –, as uvas colhidas pelas mãos de quem sa-be, as castas – sete brancas e sete tin-tas –, o vinho aprimorado ao longo de uma década na adega construída de raiz com um layout traduzido por gravida-

de. uma retrospetiva ascendente no culto da qualidade suprema identificada por rótulos que primam pela diferença e pela exclusividade, criados pelas mãos dos filhos de joão e rita Soares e de joão Soares – o terceiro sócio –, verda-deiros mestres da arte do desenho. Tra-ços delineadores do princípio de uma história iniciada pela nova geração da

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família Soares, vinculada a um presente demarcado por 450 hectares e de olhos postos no futuro. e o mesmo não seria se nos despedíssemos sem falarmos do refúgio dos deuses em pleno alentejo, um lugar concebido para relaxamento total do corpo e a entrega da alma por uma soma de minutos traduzidos numa eternidade tão apaziguadora; e sem di- R www.malhadinhanova.pt

zermos para se render às experiências made by Herdade da malhadinha no-va, onde a gastronomia, a aventura e o desporto, o romantismo, a enofilia, a natureza, as artes, e a tradição regio-nal não conhece limites, porque há que “fazer da vida uma festa”. d

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luiz argentaRIo gRAnDEDo VInHo

aTiTude

História e evolução, tradição e inovação, antigo e moderno fazem da Luiz Argenta uma vinícola singular no Rio Grande do Sul e uma das dez mais belas do mundo.TeXTo e FoTograFia andréa rocha postiga

atitude

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o vinho brasileiro, infante na história vitivinícola, engrenou verdadeiramente neste apaixonante e exigente mercado há menos de duas décadas. Se é verdade que temos ainda um longo caminho, é tam-bém certo que as bússolas parecem andar bem reguladas, norteando sua trilha.na Serra gaúcha, mais precisamente na região de altos montes, que empresta o nome à recém conquistada indicação de procedência, a Luiz argenta emerge dos planaltos que reúnem a combina-

ção ideal dos elementos necessários à produção do néctar de dionísio.ou de baco – as raízes italianas, a ma-jestosa paisagem e as semelhanças cli-máticas justificam o grande potencial deste terroir, um dos mais privilegia-dos do sul do brasil. aliando o saber--fazer deste povo alegre, hospitaleiro e trabalhador, às condições idealmente favoráveis à produção vinícola, a Luiz argenta viria a se tornar uma justa re-ferência na região.

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as terras foram adquiridas pelos irmãos deunir e itacir neco argenta em 1999, à ocasião da falência dos antigos pro-dutores. Sua destinação originária foi mantida, mas o replantio das vinhas seria necessário à recondução da tra-jetória. após duas safras excepcionais, 2005 e 2009, ano em que a vinícola é fundada como homenagem ao pai, no-meando os vinhos. nascia novo refe-rencial da vitivinicultura gaúcha.Contrasta com as belas paisagens da região a arquitetura arrojada de Van-ja Hertcert, inspirada nas vinícolas da região de rioja, harmonizando com maestria beleza e técnica. estratégias capazes de contornar as adversidades climáticas do expressivo verão serra-no são responsáveis pelo arrefecimen-to nos locais de produção: teto duplo e ondulado e parede em pedras conser-vadas na escavação do terreno.

o sistema de vinificação por gravida-de aproveita-se da profundidade na construção, utilizando-se da lei natural para pressionar, fermentar e levar o vi-nho às barricas para o envelhecimen-to. garrafas de design trazidas da itália assumem exóticas formas, sendo ma-nualmente rotuladas. mas é à profun-didade de 12 metros que a obra atinge o clímax: a adega incrustada na rocha é outro charmoso exemplar arquitetô-nico, abrigando as elegantes barricas de carvalho francês vindas da espanha, onde os vinhos repousam ao som de suaves notas musicais que ecoam pela múltiplas abóbadas do espaço.Vinhos alegres e frutados, entre tintos e brancos, compõem a “L.a. jovem”: notas de maracujá e pêssego marcam o Sauvignon blanc, cujo frescor é ideal para os pratos estivais e da gastrono-mia asiática.

Marcante sintonia:Precisão e paixão, beleza e técnica surpreendemno premiado ou acervo vínico da Luiz Argenta.

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Vinhos mais sérios reservam-se ao acervo Luiz argenta, linha de safras ex-cepcionais, com passagens mais longas por madeira. Sublinho o notável Luiz ar-genta Cuvée, 50% Cabernet sauvignon e 50% merlot, espelhando com distin-ção o terroir gaúcho que tão bem rece-beu a casta merlot com suas condições geoclimáticas. os 14 meses em barrica são responsáveis pela atribuição de es-trutura e complexidade a este 2005 de marcante persistência.a alquimia resultante é um belo acervo vínico. no simbolismo dos rótulos, com sinais gráficos, o conceito da persona-

lidade de seus vinhos e espumantes: permitem diferentes interpretações, com significado perene no tempo e ar-rojados no design.a bela tarde de imersão encerra-se com o pôr-do-sol de primavera na vinícola--boutique; hora de os vinhos repousa-rem ao som da suave música que ecoa pela cave; hora de as vinhas prepara-rem-se para serem banhadas pela lua; hora de a Luiz argenta orgulhar-se da colheita dos frutos semeados. uma ex-periência a não perder. d

R www.luizargenta.com.br

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