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MÚSICA, DISCURSO, DISPOSITIVO, IDENTIDADE NACIONAL E DITADURA MILITAR NO BRASIL: “PRA FRENTE BRASIL” Nayara Crístian Moraes 1 Maria de Lourdes Faria dos Santos Paniago 2 Resumo: Tem-se como objetivo neste trabalho buscar compreender momentos do período de ditadura militar no Brasil através da análise de determinadas canções da época. Para isso nos embasamos em conceitos de Michel Foucault, tais como: discurso, dispositivo e verdade, fazendo também um diálogo com Michel de Certeau quanto à sua “operação historiográfica”, que nos permite observar um discurso que tentava forjar uma identidade nacional em meio à ditadura militar, produzindo verdades duvidosas em processo histórico de extrema impunidade. Neste sentido, a música se apresenta como um dispositivo na sociedade. Aternos-emos por hora na canção “Pra Frente Brasil” de Miguel Gustavo, analisando os enunciados da letra da música, mas também o que para Foucault e Certeau é extremamente importante ao pensarmos o discurso: o lugar no tempo e o sujeito que fala. Por fim, pretende- se refletir e levantar questões pertinentes quanto ao processo que rememoramos hoje neste ano de cinquentenário da Ditadura Militar no Brasil não nos esquecendo de que a cultura é uma importante representação da sociedade e mais ainda, do sujeito. Entendemos que as produções de verdade se davam e se dão nas grandes instituições, nas grandes práticas discursivas, mas também e principalmente em toda a estrutura de relação entre os sujeitos, sejam em suas práticas cotidianas ou em sua produção dentro de instituições governamentais ou não. Palavras Chave: Música. Discurso. Dispositivo. Identidade Nacional. Ditadura Militar. 1- CAMPO DE EMERGÊNCIA DO DISCURSO: O CONTEXTO Foucault trata a importância do lugar e condição de emergência de um discurso, desta forma, estudar o tempo em que se emergiu tais discursos, neste caso, em canções, no período da ditadura militar no Brasil,é importante para percebermos os valores de verdade: O referencial do enunciado forma o lugar, a condição, o campo de emergência, a instância de diferenciação dos indivíduos ou dos objetos, do estado das coisas e das relações que são postas em jogo pelo próprio enunciado: define as possibilidades de aparecimento e de delimitação do que dá à frase seu sentido, à proposição seu valor de verdade (FOUCAULT, 1987, p. 104). 1 Bolsista de Iniciação Científica PIVIC, Acadêmica do Curso de História UFG - Regional Jataí, [email protected]; Autora. 2 Professora do Curso de Letras e dos programas de Pós-Graduação em Educação e Letras e Linguística UFG Regional Jataí, [email protected]; Co-autora e Orientadora.

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MÚSICA, DISCURSO, DISPOSITIVO, IDENTIDADE NACIONAL E DITADURA

MILITAR NO BRASIL: “PRA FRENTE BRASIL”

Nayara Crístian Moraes1

Maria de Lourdes Faria dos Santos Paniago2

Resumo: Tem-se como objetivo neste trabalho buscar compreender momentos do período de

ditadura militar no Brasil através da análise de determinadas canções da época. Para isso nos

embasamos em conceitos de Michel Foucault, tais como: discurso, dispositivo e verdade,

fazendo também um diálogo com Michel de Certeau quanto à sua “operação historiográfica”,

que nos permite observar um discurso que tentava forjar uma identidade nacional em meio à

ditadura militar, produzindo verdades duvidosas em processo histórico de extrema

impunidade. Neste sentido, a música se apresenta como um dispositivo na sociedade.

Aternos-emos por hora na canção “Pra Frente Brasil” de Miguel Gustavo, analisando os

enunciados da letra da música, mas também o que para Foucault e Certeau é extremamente

importante ao pensarmos o discurso: o lugar no tempo e o sujeito que fala. Por fim, pretende-

se refletir e levantar questões pertinentes quanto ao processo que rememoramos hoje neste

ano de cinquentenário da Ditadura Militar no Brasil não nos esquecendo de que a cultura é

uma importante representação da sociedade e mais ainda, do sujeito. Entendemos que as

produções de verdade se davam e se dão nas grandes instituições, nas grandes práticas

discursivas, mas também e principalmente em toda a estrutura de relação entre os sujeitos,

sejam em suas práticas cotidianas ou em sua produção dentro de instituições governamentais

ou não.

Palavras Chave: Música. Discurso. Dispositivo. Identidade Nacional. Ditadura Militar.

1- CAMPO DE EMERGÊNCIA DO DISCURSO: O CONTEXTO

Foucault trata a importância do lugar e condição de emergência de um discurso, desta

forma, estudar o tempo em que se emergiu tais discursos, neste caso, em canções, no período

da ditadura militar no Brasil,é importante para percebermos os valores de verdade:

O referencial do enunciado forma o lugar, a condição, o campo de emergência, a

instância de diferenciação dos indivíduos ou dos objetos, do estado das coisas e das

relações que são postas em jogo pelo próprio enunciado: define as possibilidades de

aparecimento e de delimitação do que dá à frase seu sentido, à proposição seu valor

de verdade (FOUCAULT, 1987, p. 104).

1 Bolsista de Iniciação Científica – PIVIC, Acadêmica do Curso de História – UFG - Regional Jataí,

[email protected]; Autora. 2 Professora do Curso de Letras e dos programas de Pós-Graduação em Educação e Letras e Linguística – UFG

– Regional Jataí, [email protected]; Co-autora e Orientadora.

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É aqui que nos esbarramos com a “operação histor iográfica” de que fala Michel de Certeau

em seu livro A escrita da história, pois para ele o gesto do historiador sempre liga as ideias aos

lugares, mais uma vez destacando a emergência e condição de um discurso, de uma prática e atividade

humana no processo histórico:

Encarar a história como uma operação será tentar, de maneira necessariamente

limitada, compreendê-la como a relação entre um lugar, procedimentos de análise, e

a construção de um texto. É admitir que ela faz parte da “realidade” da qual trata, e

que essa realidade pode ser apropriada “enquanto atividade humana”, “enquanto

prática”. Nessa perspectiva, gostaria de mostrar que a operação historiográfica se

refere à combinação do lugar social, de práticas “científicas” e de uma escrita. Essa

análise das premissas, das quais o discurso não fala, permitirá dar contornos precisos

às leis silenciosas que organizam o espaço produzido como texto. A escrita histórica

se constrói em função de uma instituição cuja organização parece inverter: com

efeito, obedece a regras próprias que exigem ser examinadas por elas mesmas

(CERTEAU, 2011, p. 47).

No processo de ditadura militar no Brasil, foram criadas instituições responsáveis por

organizar propagandas para o governo vigente. Ora, esse marketing era extremamente

necessário para que se fizesse valer todas as prerrogativas do AI 5, que instaurava uma

completa máquina de repressão e censura. Neste pano de fundo, entendemos que o discurso,

sendo um dispositivo de poder, alcançaria nos elementos de cultura da sociedade sua

personificação quanto à produção de verdades que levaria o povo a acreditar que a ditadura

militar protegia e fazia desenvolver seu país:

O país, comparado a um imenso canteiro de obras, foi tomado por incontida euforia

desenvolvimentista. O governo Emílio Garrastazu Médici criou então uma agência

própria de propaganda, a Assessoria Especial de Relações Públicas (Aerp) para

martelar slogans otimistas, animando, encorajando, com mensagens positivas,

construtivas e ufanistas: Pra Frente, Brasil. Ninguém segura este país. O futuro

chegou. Brasil, terra de oportunidades. Brasil, potência emergente. Para os que

ainda discordavam, restava a porta de saída, segundo plágio de conhecida campanha

estadunidense: Brasil, ame-o ou deixe-o (REIS, 2014, p.81).

Discursos como estes, imbuídos de poder e verdade alcançaram na música o ufanismo

e a construção de uma identidade nacional forjada para apagar os lamentos nos porões de

repressão dos “anos de chumbo”. O que contribuiu para que a sociedade civil, principalmente

parte da elite brasileira contribuísse com a ditadura? A imaginada burguesia nacional, que

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deveria defender a democracia nos manuais políticos do PCB, aderiu ao golpe

(NAPOLITANO, 2014, p.315). O governo desenvolveu inclusive uma política cultural

complexa censurando, mas também apoiando o desenvolvimento cultural no país permitindo

o crescimento do mercado fonográfico, da televisão e do cinema, pois como afirma ainda

Napolitano, esse apoio era o eixo dessa modernização. Além disso, o mecenato cultural era

um importante dispositivo do governo para tentar “cooptar” opositores e mantê-los sob

controle, mesmo permitindo certa liberdade de expressão em suas obras (NAPOLITANO,

2014, p.99 e 199). Napolitano chama este tipo de política proativa, que não abria mão de

instrumentos de repressão, mas tinha estratégias que articulavam à cultura a favor do governo.

Para compreendermos a música como um elemento da cultura, sensível a

manifestações sociais, é importante refletir sobre a música brasileira (NAPOLITANO, 2002,

p. 5). Ao pensarmos nossa música, é de suma importância neste trabalho, analisar os discursos

que a tornaram parte de uma biopolítica que fazia viver uns para deixar morrer outros. Num

discurso em que uns poderiam morrer para que outros pudessem viver, o governo militar nos

“anos de chumbo” se solidificava com mecanismos de poder que tinham como principal arma

a propaganda de um país que iria para frente e se desenvolveria:

A primeira metade dos anos 1970, considerados anos de chumbo, tende a ficar

pesada como o metal da metáfora, carregando para as profundezas do silêncio a

memória nacional. Esses anos precisam ser revisitados pois foram também anos de

ouro, descortinando horizontes, abrindo fronteiras geográficas e econômicas,

movendo as pessoas em todas as direções da rosa dos ventos, para cima e para baixo

nas escalas sociais, anos obscuros para quem descia, mas cintilantes para os que

ascendiam. Naquelas areias movediças, havia os que afundavam e os que emergiam,

surgidos de todos os lados, desenraizados, em busca de referências, querendo aderir.

Anos carregados de terror e medo, porém prenhes a fantasias esfuziantes,

transmitidas pela televisão, em cores, alucinados anos, com seus magníficos desfiles

carnavalescos e tigres e tigresas de toda a sorte dançando ao som de frenéticos

dancin’days (REIS, 2014, p.91).

Numa regulamentação desenfreada, o poder no governo produzia verdades em seus

discursos vários, articulados em vários tipos de enunciados, entre eles a canção. A música, um

elemento de fácil acesso do público, um elemento do cotidiano do brasileiro em plena época

de modernização, do rádio, da televisão e dos festivais, pode nos levar a compreender como

se deu a construção da identidade nacional em tempos autoritários.

Com este trabalho, procuramos entender os discursos de cunho ufanistas e a produção

de verdades veiculados na música, principalmente pós Ato Institucional Nº5. Guiados por

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Michel Foucault, procuraremos em seus conceitos de discurso, verdade, poder, saber,

biopolítica, dispositivo e governamentalidade, compreender na produção musical, no recorte

histórico supracitado, a dinâmica de se tentar encobrir os feitos cruéis do regime militar,

Nosso objetivo é, então, desvelar as estratégias linguísticas utilizadas para fabricar uma nova

identidade de brasileiro, mais dócil e complacente com as atrocidades da ditadura. Para

melhor compreensão desse período histórico, utilizaremos escritos sobre Ditadura Militar de

Carlos Fico, Daniel Aarão Reis, Rodrigo Pato Sá Motta, Marcos Napolitano, Paulo César de

Araújo e Marcelo Ridenti. No primeiro momento desta investigação, foi feita uma pesquisa

bibliográfica a respeito da ditadura militar, identidade nacional, ufanismo e música. Em

seguida foi feito um estudo teórico relacionado à Análise do Discurso, especialmente os

construtos de Michel Foucault que foram mobilizados para a análise do corpus, delimitado

neste artigo pela canção Pra Frente Brasil, de Miguel Gustavo.

Em um contexto conturbado, em que os direitos foram invertidos, suspensos. Em um

país que retrocedia (CARVALHO, 2002), instalava-se o otimismo e a necessidade de uma

identidade nacional, uma identidade construída em “verdades” forjadas na violência e no

discurso, produzidas de tal maneira que se docilizassem e se tornassem úteis os indivíduos, o

povo.

Assim, neste reinvento do otimismo na imaginação brasileira (FICO, 1997), neste

contexto conturbado e sombrio da nossa história, acreditamos demonstrar práticas e

mecanismos de poder nos discursos ufanistas e identitários nacionalistas. Entendemos que

esta pesquisa, de alguma maneira, também contribuirá com os injustiçados da ditadura militar,

partindo do pressuposto de que é importante entender o que levou um país a formar um corpo

da sociedade a colaborar com as repressões (FICO, 1997).

2- TECENDO A TRAMA DE PODER: DISCURSO E DISPOSITIVO

Para o filósofo Michel Foucault em a ordem do discurso, analisar o discurso é mais do que

pensar na palavra falada observando apenas sua construção semântica. Pensar o discurso é

também pensar a condição do discurso, seu plano discursivo, sua vontade de verdade, sua

condição de verdade legitimada em instituições e saberes que em conjunto com as práticas

(FOUCAULT, 1996, p. 15-17) se colocam na sociedade ao longo do tempo, ao longo da

história, assim, em Arqueologia do saber diz que:

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Empreender a história do que foi dito é refazer, em outro sentido, o trabalho da

expressão: retomar enunciados conservados ao longo do tempo e dispersos no

espaço, em direção ao segredo interior que os precedeu, neles se depositou e aí se

encontra (em todos os sentidos do termo) traído. Assim se encontra libertado o

núcleo central da subjetividade fundadora, que permanece sempre por trás da

história manifesta e que encontra, sob os acontecimentos, uma outra história, mais

séria, mais secreta, mais fundamental, mais próxima da origem, mais ligada a seu

horizonte último. Essa outra história que ocorre sob a história, que se antecipa

(FOUCAULT, 1987, p. 140).

Ainda acerca do discurso, há a questão da materialidade do mesmo. Para Foucault a

produção do discurso envolve a subjetivação porque esta produção envolve também controle,

organização e redistribuição fundados em procedimentos que conjuram poderes e perigos para

que os discursos se materializem nas sociedades. Para o estudioso contemporâneo, não é

possível estudar o discurso sem enxergá-lo tendo em vista suas condições, seus jogos e seus

efeitos (FOUCAULT, 1987).

Para ele é preciso questionar nossa própria vontade de verdade e restituir ao discurso

seu caráter de acontecimento; suspender enfim, a soberania do significante (FOUCAULT,

1996, p. 51), tal como afirma Maria do Rosário Valencise Gregolin, estudiosa do discurso

foucaultiano da UNESP em Análise do discurso e mídia: a (re)produção de identidades:

A discursividade tem, pois, uma espessura histórica, e analisar discursos significa

tentar compreender a maneira como as verdades são produzidas e enunciadas.

Assim, buscando as articulações entre a materialidade e a historicidade dos

enunciados, em vez de sujeitos fundadores, continuidade, totalidade, buscam-se

efeitos discursivos. Foucault propõe analisar as práticas discursivas, pois é o dizer

que fabrica as noções, os conceitos, os temas de um momento histórico. A análise

dessas práticas mostra que a relação entre o dizer e a produção de uma “verdade” é

um fato histórico (GREGOLIN, 2007, p. 15).

Ora, este acontecimento de que fala Foucault se produz como ele mesmo diz como

efeito e em uma dispersão material, que só conseguiremos entender se nos propormos a

desconstruir discursos de verdade.

Ainda em Arqueologia do saber (1987), Michel Foucault em relação ao discurso,

busca o enunciado e o plano discursivo na tentativa de fazer do enunciado uma espécie de

átomo do discurso justamente porque a gramática não dá conta do mesmo, porque o

importante é o que se produz no próprio ato do discurso, no fato de ter sido anunciado,

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fazendo com que os efeitos dos discursos ganhem mais importância porque tal como afirma

Foucault:cada ato tomaria corpo em um enunciado e cada enunciado seria, internamente

habitado por um desses atos.

Buscando o conceito dispositivo no dicionário de conceitos foucaultianos de Judith

Revel, Foucault: conceitos essenciais, encontramos ao longo da obra vários tipos de

dispositivos de poder colocados por Foucault, dos quais podemos citar, por exemplo:

dispositivos de regulamentação de discursos, dispositivo de sexualidade, dispositivos

discursivos que sustentam práticas, dispositivos securitários ou de segurança, dispositivos de

saber e dispositivos disciplinares. Quando vamos ao significado do conceito de dispositivo

encontramos na explicação de Judith Revel uma informação fundamental para este estudo:

Em As palavras e as coisas Foucault coloca o dispositivo como episteme onde o dispositivo é

estritamente discursivo, entretanto tempos depois, o conceito de dispositivo contém

igualmente instituições e práticas:

Um dispositivo é "um conjunto decididamente heterogêneo que engloba discursos,

instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas

administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais,

filantrópicas, em suma: o dito e o não-dito l..']'O dispositivo é a rede que se pode

estabelecer entre esses elementos". O problema é, então, para Foucault, o de

interrogar tanto a natureza dos diferentes dispositivos que ele encontra quanto sua

função estratégica (REVEL, 2005, p. 40).

Gilles Deleuze, filósofo também francês fala do conceito de dispositivo que Foucault

criara. Para ele, o dispositivo se constitui em linhas visíveis e invisíveis. Linhas de

enunciação, força e subjetividade inclusive. Entretanto Deleuze acredita que é preciso:

Desenredar as linhas de um dispositivo, em cada caso, é construir um mapa,

cartografar, percorrer terras desconhecidas, é o que ele chama de trabalho de

terreno. É preciso instalarmo-nos sobre as próprias linhas; estas não se detêm apenas

na composição de um dispositivo, mas atravessam-no, conduzem-no, do norte ao

sul, de este a oeste, em diagonal (DELEUZE, 1999, p. 155).

Desenredar as linhas de um dispositivo vai de encontro com o que Foucault propõe

que se faça: interrogar estes dispositivos encontrando sua função estratégica. Ainda para

Deleuze, a historicidade dos dispositivos nos remete à importância dos regimes de

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enunciados. Tais dispositivos atravessam os limiares em direção a campos variados da

sociedade:

Se há uma historicidade dos dispositivos, ela é a dos regimes de luz – mas é também

a dos regimes de enunciado. Porque os enunciados, por sua vez, remetem para linhas

de enunciação sobre as quais se distribuem as posições diferenciais dos seus

elementos. E, se as curvas são elas próprias enunciadas, é por que as enunciações

são curvas que distribuem variáveis, e, assim, uma ciência, num dado momento, ou

um género literário, ou um estado de direito, ou um movimento social, são definidos

precisamente pelos regimes de enunciados a que dão origem. Não são nem sujeitos

nem objectos, mas regimes que é necessário definir pelo visível e pelo enunciável,

com suas derivações, as suas transformações, as suas mutações. E em cada

dispositivo as linhas atravessam limiares em função dos quais são estéticas,

científicas, políticas, etc (DELEUZE, 1990, p. 155).

Em uma conferência em 2005 no Brasil, o filósofo italiano Giorgio Agamben destaca

três pontos fundamentais do conceito foucaultiano de dispositivo:

Resumamos brevemente os tres pontos:

1) É um conjunto heterogêneo, que inclui virtualmente qualquer coisa, linguístico e

não linguístico no mesmo título: discursos, instituições, edifícios, leis, medidas de

segurança, proposições filos6ficas etc. O dispositivo em si mesmo é a rede que se

estabelece entre esses elementos.

2) 0 dispositivo tem sempre uma função estratégica concreta e se inscreve sempre

em uma relação de poder.

3) É algo de geral (uma "rede") porque inclui em si a episteme, que para Foucault é

aquilo que em uma certa sociedade permite distinguir o que é aceito como um

enunciado científico daquilo que não é científico.

(AGAMBEN, 2005, p. 9-10)

Outra questão importante que podemos ver nas ideias de Agamben acerca do conceito

aqui tratado é a questão da subjetivação que mascara e acompanha a identidade pessoal:

Recapitulando, temos assim duas grandes classes, os seres viventes (ou as

substancias) e os dispositivos. E, entre os dois, como terceiro, os sujeitos. Chamo

sujeito o que resulta da relação e, por assim dizer, do corpo-a-corpo entre os

viventes e os dispositivos. Naturalmente as substancias e os sujeitos, como na velha

metafísica, parecem sobrepor-se, mas não completamente. Neste sentido, par

exemplo, um mesmo indivíduo, uma mesma substancia, pode ser o lugar dos

múltiplos processos de subjetivação: 0 usuário de telefones celulares, o navegador

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na internet, 0 escritor de contos, o apaixonado par tango, 0 não-global etc etc. A

ilimitada proliferação dos dispositivos, que define a fase presente do capitalismo, faz

confronto uma igualmente ilimitada proliferação de processos de subjetivação. Isto

pode produzir a impressão de que a categoria da subjetividade no nosso tempo

vacila e perde consistência, mas trata-se, para sermos precisos, não de um

cancelamento ou de uma superação, mas de uma disseminação que acrescenta. 0

aspecto de mascaramento que sempre acompanhou toda a identidade pessoal

(AGAMBEN, 2005, p. 13).

Já agora tendo em vista os conceitos acima relacionados, é preciso que entendamos

como a canção no período de ditadura militar podem ter construído verdades acerca da

identidade nacional do nosso país em um período negro de nossa história. É preciso então

desconstruir as verdades, observando a historicidade da canção que aqui chamamos de

dispositivo de poder, dispositivo discursivo, cultural e social, dispositivo este que também

teve suas funções estratégicas na construção da imagem do mito do paraíso brasileiro.

3- DESCONSTRUINDO VERDADES: PRA FRENTE BRASIL

O governo ditador militar se preocupou com a “salvação” do país diante do

comunismo iminente da época, torturando e matando muitos, tendo um discurso em que uns

morriam para que outros vivessem, mas também se preocupou com o exercício da

governamentalidade, utilizando de estratégias que justificassem a violência e as censuras. É

neste cenário que as canções, inseridas no plano das biopolíticas fazem todo o sentido de

dispositivo.

Nas décadas de 1960 e 1970 no Brasil, surgem canções como as que pretendemos analisar,

ora tentando buscar a identidade nacional junto ao povo, sendo cantadas pelo povo, ora sendo

utilizadas em propagandas institucionais direcionadas pela AERP, ou mesmo sem intenções,

mas com efeitos de sentido que ajudaram a mitificar e construir o chamado período de

desenvolvimentismo brasileiro.

O sociólogo Marcelo Ridenti em seu livro Em busca do povo brasileiro afirma esta

busca durante o período da ditadura militar, afirma também o interesse do governo na

intervenção do estado no chamado desenvolvimentismo nacional:

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Do fim dos anos 1950 ao início dos anos 1970, nos meios artísticos e

intelectualizados de esquerda era central o problema da identidade nacional e

política do povo brasileiro; buscavam-se a um tempo suas raízes e a ruptura com o

subdesenvolvimento, numa espécie de desvio à esquerda do que se convencionou

chamar de Era Vargas, caracterizada pela aposta no desenvolvimento nacional, com

base na intervenção do Estado. Esse tema foi diluindo ao longo dos anos,

especialmente após o fim da ditadura militar civil (RIDENTI, 2014, p.1).

Durante a ditadura militar, se via percorrer um poder que para Michel Foucault

consiste em biopoder. O poder sobre o corpo, o poder sobre as populações. Um poder operado

segundo a governamentalidade. Ora, a violência para que fosse executada precisava apoiar-se

em justificativas. “Salvar o país dos comunistas” era o lema da vez. Empresários apoiavam

com os slogans em seus cartazes: “Brasil, ame-o ou deixe-o”. O professor/historiados da

UFMG, Rodrigo Patto Sá Motta explica e confirma bem esta estratégia governamental:

Assim, é fundamental compreender os mecanismos que explicam o apoio à ditadura,

sobretudo as estratégias e políticas elaboradas pelo Estado para conquistar

legitimidade. Esclarecer a complexidade do fenômeno autoritário para, quem sabe,

superá-lo, demanda revelar a existência de conexões situadas para além do aparelho

estatal. É imprescindível perceber que o regime militar, para perdurar, adotou outras

armas além da violência. E como durou! A ditadura brasileira foi violenta, como

sabemos bem. Matou, torturou, exilou e demitiu. Entretanto, o Estado autoritário

combinou a violência com estratégias de negociação e acomodação, para aplacar as

oposições e reduzir a resistência a seu poder. Nesse sentido, As políticas de

modernização objetivavam também a conquista de legitimidade, pois buscavam

atrair apoio social e desmobilizar os opositores. Tais estratégias foram

particulamente visíveis na relação do Estado com as elites intelectuais, em particular

profissionais acadêmicos e produtores culturais (MOTTA, 2014, p. 55).

O efeito do discurso aconteceu, os enunciados alcançaram um público grande no

período, e a busca pela identidade em alguns momentos acabou se tornando o sufocamento de

uma identidade verdadeira para deixar sobressair talvez uma identidade paradisíaca e mítica

se contrastada com o contexto de sua produção. Canções como Pra Frente Brasil , de Miguel

Gustavo, que gravou também Eu Adoro Você e Marcha do Sesquicentenário da

Independência, apareceram sendo cantadas pelo povo e chegou a virar o hino do presidente

Médici nos jornais. Acerca do sucesso Pra Frente Brasil de Miguel Gustavo:

...Grande sucesso. Como seria, 15 anos depois, um jingle que Gustavo fez por

encomenda da Rádio Globo, para produtos que patrocinariam a cobertura da Copa

de 70. Ficou tão boa a marcha, com tanto apelo e vibração, que pediram ao

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compositor para substituir os nomes dos produtos por algo mais geral e menos

comercial. Pois o resultado, “Pra frente Brasil”, acabou virando sucesso nacional,

hino da seleção tricampeã do mundo e uma das maiores peças de propaganda dos

tempos do general Médici (MÁXIMO, João apud PICCINO, 2012, p. 78).

Acerca do “Brasil que vai pra frente” na ditadura militar, Jairo Severiano e Zuza

Homem de Mello descrevem Pra Frente Brasil assim em A canção no tempo:

Muita música já foi feita em homenagem à seleção brasileira de futebol, algumas até

de bastante sucesso como a “Marcha do Scratch Brasileiro” de Lamartine Babo, que

praticamente inaugurou em 1950 os auto-falantes do Maracanã, e “A taça do mundo

é nossa”, de Maugeri, Dagô e Lauro, marcha comemorativa das copas de 58 e

(devidamente atualizada) de 62. Nenhuma, entretanto, tem a força, a beleza e a

popularidade de “Pra frente Brasil”, do compositor Miguel Gustavo. Quem assistiu a

epopeia do tri é imediatamente transportado àqueles dias de euforia ao ouvi-lá, de

preferência na gravação original do Coral do Joab: “Todos juntos, vamos / pra frente

Brasil, Brasil / salve a seleção...” O mais curioso é que esta composição era a

princípio um simples jingle, encomendado por uma cervejaria patrocinadora de

transmissões esportivas. Mas a vibração que “Pra frente Brasil” despertou nos

noventa milhões de brasileiros citados em seus versos transcedeu sua função

promocional, transformando-a no hino da seleção (SEVERIANO e MELLO, 2006,

p. 156).

Noventa milhões em ação/Pra frente Brasil, /Do meu coração... /Todos juntos

vamos, /Pra frente Brasil, /Salve a Seleção! /De repente /É aquela corrente pra

frente, /Parece que todo o Brasil deu a mão... /Todos ligados na mesma emoção... (Pra Frente

Brasil, Miguel Gustavo, 1970). Além do samba e do futebol, criavam-se outros dispositivos

para construir uma determinada identidade de brasileiro, absolutamente apaixonado por tudo

o que o país tinha de bom. É dessa época a música Eu te amo, meu Brasil, da dupla Dom e

Ravel, cujos versos, tanto tempo depois, ainda continuam presentes em nossa memória: Eu te

amo, meu Brasil, eu te amo/Meu coração é verde, amarelo, branco, azul anil/Eu te amo, meu

Brasil, eu te amo/Ninguém segura a juventude do Brasil. Havia um motivo muito forte para

que a música afirmasse com tanta insistência as belezas do país: as praias mais ensolaradas,

o céu com mais estrelas, as tardes mais douradas e as noites mais belas, tudo isso abençoado

pela mão de Deus. Trata-se de discursos em confronto.

Na copa de 1970, Pelé, Gérson, Jairzinho e Carlos Alberto foram os principais

responsáveis, naquele dia de junho, pela goleada na Itália que consagrou o Brasil como

tricampeão mundial de futebol. A cada gol, eclodia Brasil adentro muitos gritos de euforia.

Brasil afora o que se construía era uma imagem cada vez mais fortalecida de país jovem, com

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muita mulata, samba, alegria e... futebol, é claro. Mas, ao mesmo tempo em que se difundiam

brados de alegria, abafavam-se sussurros de desespero, porque naqueles tempos o Brasil vivia

sua época mais tenebrosa. Era a Ditadura Militar instaurando repressão e tortura, mortes,

medos e discursos legitimadores destas atrocidades:

Recentemente fomos palco para dois grandes eventos esportivos: Copa das

Confederações em 2013 e Copa do Mundo de Futebol em 2014, e receberemos ainda as

Olimpíadas em 2016. É possível que, tal como aconteceu em 1970, se tenha criado e se crie

um grande espírito ufanista para fazer com deixemos deixe de ver alguma coisa errada. Mas

brasileiro não é bobo não! Com camisa verde e amarela, bandeiras e foguetes, às vezes

torcemos pra valer. Mas quando a partida termina dentro do campo, nossas lutas cotidianas

precisam ser retomadas, para que outros direitos sejam reivindicados e novas conquistas

sejam alcançadas. Só assim, poderemos cantar a música de Dom e Ravel, sem permitir que ela

nos embace o olhar, e poderemos extrair de seus versos seus sentidos mais construtivos: A

mão de Deus abençoou/Em terras brasileiras/Vou plantar amor/As tardes do Brasil são mais

douradas-mulatas./ Brotam cheias de calor/A mão de Deus abençoou/Eu vou ficar

aqui/Porque existe amor. Assim, compreender as condições históricas, sociais e ideológicas

que possibilitam a emergência dos discursos é condição para que se façam leituras críticas.

4- DESVENDANDO A REDE: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES FINAIS

As críticas ao ufanismo não se tratam aqui de “anti- patriotismo” porque o discurso

ufanista continuou muito bonito tratando o enaltecimento de uma nação, de um povo, até de

um time verde e amarelo; mas a fragilidade da defesa deste mesmo discurso está nas

circunstâncias em que o mesmo acontece. Como dito anteriormente, na história e para

Foucault, quando um discurso está sendo proferido, uma verdade está sendo criada, uma

verdade está sendo produzida, porque não existe uma verdade absoluta, mas verdades que se

formam ao longo do tempo, através dos sujeitos, através de seus discursos no tempo. Longe

de entender os sujeitos como passivos. Obviamente muitas verdades não são aceitas. Era por

isso que os protestos e resistências existiam nos anos de chumbo. É por isso que estudos como

este tentam desconstruir determinadas verdades forjadas em saberes legitimados pelo tempo,

pela mídia, pelas instituições ou até mesmo pelo próprio seio da cultura e do povo. Nestes

espaços as ambiguidades dos discursos permearam estes duros tempos de ditadura militar.

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Assim, a canção, esta estrutura de versos escritos, cantados em harmonia com a

melodia perpassam os campos discursivos da sociedade, a serviço das instituições

governamentais ou não, mas também a serviço da busca pela identidade nacional, para

justificar uma ditadura ou para “abrasileirar” os corações do próprio povo. Neste sentido

percebemos que a música se torna um dispositivo, porque nela se cruza o dito e o não dito.

Ela responde a uma urgência histórica, ela é também um tipo de estratégia social,

governamental, propagandista, um dispositivo de subjetivação, saber e poder, que é capaz de

produzir uma verdade. A verdade de um país tropical, admirado pelo mundo por suas belezas

variantes, uma verdade que generaliza, pois não contabiliza o sofrimento, a repressão e a

censura vivida pelo mesmo país chamado de paraíso.

A música analisada tem um perfil ufanista, na maioria das vezes chamando atenção

para o papel do coletivo, alguns versos muito repetidos facilitando a memorização, buscando

quem se mantivesse alegre em tempos autoritários. Algumas canções da mesma época foram

apropriadas pelo governo militar, é o caso de Pra Frente Brasil, outras foram apenas

admiradas por ele, e algumas simplesmente foram cantadas por um povo que desejava o mais

rápido possível se tornar realmente a nação que se cantava.

Os anseios de intelectuais e indivíduos em busca de certa “brasilidade” no tempo de

autoritarismo militar no governo brasileiro ficaram expostos de forma benéfica ou não, mas é

nosso papel, como sujeitos da história, desconstruir verdades que não se pautam na realidade

vivida, na experiência traumática da ditadura, pois entende-se que o tipo de “nacionalismo”

formado durante o período pode não, algumas vezes, não condizer com período traumático

pós golpe e não revolução que foi governo de regime militar brasileiro. Enquanto uns

comemoravam os gols do país, outros eram massacrados, desaparecidos e mortos, tendo suas

mortes e seu desaparecimento justificados por discursos que de uma forma ou de outra,

acabavam maquiando a triste realidade, acabavam justificando o poder sobre os corpos, e tal

discurso ufanista esteve presente nas canções aqui relacionadas. Concordando com Daniel

Aarão Reis é preciso concluir que:

Não há como se libertar da ditadura sem pensar nela. Nos medos dos quais ela foi

produto, nas marcas, visíveis a olho nu, que ela gravou- com ferro e brasa- no lombo

da sociedade. O pensamento crítico pode constituir a melhor defesa da democracia, à

maneira de um antídoto às tentações autoritárias, sempre à espreita, prontas a

ressuscitar tão logo reapareçam no horizonte novas crises e outras ameaças à ordem

(REIS, 2014, p. 172).

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Este exercício de pensar a ditadura para construirmos um pensamento crítico e

antídoto de autoritarismo nos faz ver este trabalho como tal meio. Canções que representaram

tempos de ufanismo e ditadura nos fizeram perceber algumas verdades, nacionalistas demais

para terem crédito absoluto sem críticas tendo em vista o contexto conturbado ao qual

pertencem. Entendemos que as produções de verdade se davam e se dão nas grandes

instituições, nas grandes práticas discursivas, mas também e principalmente em toda a

estrutura de relação entre os sujeitos, sejam em suas práticas cotidianas ou em sua produção

dentro de instituições governamentais ou não, entendemos também que analisar o papel de

sujeitos imbricados na arte, na política, na cultura em prol de uma busca, uma imagem

nacionalista ou um governo buscando a mesma coisa, só que com diferentes fins nos leva ao

exercício de crítica que Michel Foucault propôs ao pensar o poder como micro, como rede.

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