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1 Mundo do Trabalho escravo em Pernambuco (século XIX) BEATRIZ BRUSANTIN 1 * REBECA CAPELA PONTES** Introdução: o mundo do trabalho pernambucano. Este texto faz parte de um projeto de pesquisa maior cujo o titulo é “Experiência e Cultura dos trabalhadores de Pernambuco entre 1831-1889” 2 . Trata-se, portanto, de uma pesquisa em andamento cujos resultados ainda estão sendo elaborados e analisados. O grupo trabalha em sua maioria com documentos da Secretaria de Segurança Pública do estado, focado no período do século XIX e que está arquivada no Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano (APEJE). Além destas fontes principais, também trabalhamos com o cruzamento de outras fontes, entre elas, as fontes estatísticas referentes ao período. Entre as temáticas que este mundo de informações nos possibilita enveredar, respeitando o tema principal, escolhemos para este texto a perspectiva analítica sobre a cultura profissional dos trabalhadores pernambucanos. Inicialmente devemos ressaltar que quando focamos os trabalhadores estamos obviamente incluindo os escravos e as escravas. Estamos, portanto, refletindo sobre uma sociedade escravista, e toda o seu caráter autoritário senhorial, sua violência, suas desigualdades e atos desumanos. Como segundo ponto esclarecedor, é pertinente destacar que, quando nos arriscamos em falar sobre cotidiano e cultura profissional, objetivamos alcançar todas as classes sociais que incluem o mundo do trabalho na segunda metade do XIX. A perspectiva, portanto, é problematizar dados estatísticos sobre o trabalho, dando voz aos possíveis agenciamentos dos trabalhadores, escravos, livres e libertos, diante de um sistema produtivo extramente hierarquizado e com as *Doutora em História Social pela UNICAMP (SP) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). [email protected]. **Arquiteta Urbanista e aluna de graduação do curso de História da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pesquisadora Voluntária PIBIC. [email protected] 2 Projeto de Pesquisa PIBIC/IC – UNICAP coordenador pela Profa. Dra. Beatriz Brusantin, no qual, Rebeca Pontes é pesquisadora de iniciação científica.

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Mundo do Trabalho escravo em Pernambuco (século XIX)

BEATRIZ BRUSANTIN 1*

REBECA CAPELA PONTES**

Introdução: o mundo do trabalho pernambucano. Este texto faz parte de um projeto de pesquisa maior cujo o titulo é “Experiência

e Cultura dos trabalhadores de Pernambuco entre 1831-1889”2. Trata-se, portanto, de

uma pesquisa em andamento cujos resultados ainda estão sendo elaborados e

analisados. O grupo trabalha em sua maioria com documentos da Secretaria de

Segurança Pública do estado, focado no período do século XIX e que está arquivada no

Arquivo Público Estadual Jordão Emereciano (APEJE). Além destas fontes principais,

também trabalhamos com o cruzamento de outras fontes, entre elas, as fontes

estatísticas referentes ao período. Entre as temáticas que este mundo de informações nos

possibilita enveredar, respeitando o tema principal, escolhemos para este texto a

perspectiva analítica sobre a cultura profissional dos trabalhadores pernambucanos.

Inicialmente devemos ressaltar que quando focamos os trabalhadores estamos

obviamente incluindo os escravos e as escravas. Estamos, portanto, refletindo sobre

uma sociedade escravista, e toda o seu caráter autoritário senhorial, sua violência, suas

desigualdades e atos desumanos. Como segundo ponto esclarecedor, é pertinente

destacar que, quando nos arriscamos em falar sobre cotidiano e cultura profissional,

objetivamos alcançar todas as classes sociais que incluem o mundo do trabalho na

segunda metade do XIX. A perspectiva, portanto, é problematizar dados estatísticos

sobre o trabalho, dando voz aos possíveis agenciamentos dos trabalhadores, escravos,

livres e libertos, diante de um sistema produtivo extramente hierarquizado e com as

*Doutora em História Social pela UNICAMP (SP) e docente da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). [email protected]. **Arquiteta Urbanista e aluna de graduação do curso de História da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP). Pesquisadora Voluntária PIBIC. [email protected] 2 Projeto de Pesquisa PIBIC/IC – UNICAP coordenador pela Profa. Dra. Beatriz Brusantin, no qual, Rebeca Pontes é pesquisadora de iniciação científica.

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forças hegemônicas constantemente em ação. Iniciaremos, aqui, desse modo, uma

reflexão que obviamente não se esgotará e está dando seus primeiros passos.

Pretendemos entender mais sobre o mundo do trabalho, e nele, a construção cultural das

profissões rurais e urbanas pelas autoridades, pelas insituições e também pelos próprios

trabalhadores. Assim, pensar a cultura profissional é pensar os poderes intrínsecos à ela:

a dominação senhorial e a dominação patronal. Por outro lado, refletir sobre a cultura

profissional, leva-nos a pensar o não-profissional, o que estava à sombra da profissão,

ou ainda, o que estava sendo excluído pelas autoridades e instituições dentro do sistema

escravista. Quais eram as opções oficialmente aceitas e disponibilizadas pela sociedade

branca e senhorial? Quais eram as reais alternativas dos trabalhadores pardos, crioulos e

pretos, livres, libertos e escravos? Em suma, finalizando esta notas introdutórias, vale

citar um grande historiador do mundo do trabalho:

“A história de qualquer classe não pode ser escrita se a isolarmos de outras

classes, dos Estados, instituições e idéias que fornecem sua estrutura, de sua

herança histórica e, obviamente, das transformações das economias que

requerem o trabalho assalariado industrial e que, portanto, criaram e

transformaram as classes que o executam” (HOBSBAWM, 2000: 11)

A demografia escrava no estado de Pernambuco (século XIX).

A maior prova da significativa da quantidade de cativos no estado de

Pernambuco, inclusive em seu interior, desmentindo a ideia de uma escravidão branda,

é a demografia documentada pelo DGE na década de 70 do século XIX, com a

obrigatoriedade das matriculas, após a lei do ventre livre sancionada, em 28 de setembro

de 1871.

“De fato, o impacto (político, social e jurídico) da lei de 1871 não foi

pequeno, e a matrícula geral dos escravos foi talvez sua mais significativa

materialização. Com sua instituição, além do silêncio ritual, as relações

entre raça e cidadania modificaram-se de modo radical. Até então, os

chamados homens livres “ de cor” precisavam ser socialmente reconhecidos

como tal, o que no mínimo limitava sobremaneira seu direito de ir e vir além

das já referidas redes imediatas. Após 1871, deslocava-se o ônus da prova :

era o senhor que precisava apresentar a matrícula de seu escravo. Sem ela,

qualquer pessoa “de cor” era juridicamente livre. A instituição da matricula

se, por um lado, servia para garantir futura indenização ao direito de

propriedade senhorial no processo gradual de abolição para o qual a lei

sinalizava, de outro, pela primeira vez, rompia com a associação legal entre

cor e suspeita da condição de escravidão.” (GRINBERG et al., 2009:22-23)

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ZMN Goyanna 278 306 584 62 55 117 4 2 6 212 249 461ZMN Itambé 487 473 960 123 125 248 6 3 9 358 345 703ZMN Nazareth 667 659 1.326 141 148 289 9 8 17 517 503 1.020ZMS Cabo 338 348 686 82 106 188 9 11 20 247 231 478ZMS Ipojuca 267 213 480 54 42 96 7 4 11 206 167 373ZMS Gamelleira 82 111 193 21 27 48 2 1 3 59 83 142ZMS Escada 435 463 898 133 150 283 6 7 13 296 306 602ZMS Palmares 316 330 646 78 76 154 8 8 16 230 246 476ZMS Rio Formoso 240 231 471 63 61 124 3 2 5 174 168 342

A Panellas 89 104 193 4 7 11 0 2 2 85 95 180A Caruaru 149 164 313 36 46 82 2 3 5 111 115 226A São Bento 61 67 128 12 3 15 2 0 2 47 64 111A Bonito 153 146 299 43 33 76 16 24 40 94 89 183A Bezerros 203 219 422 53 37 90 5 2 7 145 180 325A Brejo 310 312 622 68 52 120 2 8 10 240 252 492A Bom conselho 125 131 256 7 10 17 1 5 6 117 116 233A Águas Bellas 55 42 97 2 2 4 0 0 0 53 40 93S Cimbres 223 223 446 11 17 28 1 1 2 211 205 416S Flores 35 28 63 4 5 9 0 0 0 31 23 54S Villa bella 159 165 324 10 5 15 0 0 0 149 160 309S Triumpho 12 6 18 2 0 2 0 0 0 10 6 16S Boa Vista 11 9 20 0 1 1 0 0 0 11 8 19S Cabrobó 111 112 223 10 15 25 5 1 6 96 96 192S Salgueiro 19 22 41 2 0 2 1 1 2 16 21 37

4.825 4.884 9.709 1.021 1.023 2.044 89 93 182 3.715 3.768 7.483Somma:

PERNAMBUCO 1876

Zonas Municipios

Matricularão-se até

Dezembro de 1876

Falecerão até Dezembro

de 1876

Mudarão-se para outros

municípios até

dezembro de 1876

Ficarão Existindo no

último do anno de 1876

O objetivo da análise das tabelas do DGE, Diretoria Geral de Estatística, na área

geográfica que estudamos, é entender a dinâmica populacional dos escravos e suas

oscilações dentro do nosso recorte temporal. Estas não são estáticas, variando devido à

natalidade, mortalidade, migrações e envelhecimento, que são contempladas e

especificadas por ano em cada tabela referente aos anos de 1875, 1876 e 1878.

Segue tabelas dos anos de 1875, 1876 e 1878 e colocações:

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ZMN Goyanna 1.751 1.876 3.627 3.120 872 135 32 581 604 556 1.349 299 167 39 2.293 77 312 118 797 747 2.880ZMN Itambé 1.985 2.111 4.096 3.212 695 89 90 791 780 661 1.431 227 84 21 2.525 94 3 185 1.269 159 8.917ZMN Nazareth 3.160 3.385 6.545 5.257 1.011 217 123 1.283 1.090 992 2.234 477 288 52 4.809 104 117 409 1.606 84 6.461

A Caruaru 1.911 2.146 4.057 3.602 405 76 27 808 874 575 1.292 276 0 43 2.290 416 88 15 1.826 203 8.881A Brejo 1.336 1.502 2.838 2.513 218 47 27 505 625 424 799 240 110 48 1.656 200 0 12 970 47 2.791A Bonito 1.779 1.708 3.487 3.031 429 82 63 678 683 511 1.165 251 110 49 2.101 14 2 601 824 0 3.512A Aguas Bellas 250 256 566 450 52 4 8 7 106 57 51 40 137 10 330 61 0 0 115 23 483A Bom conselho 31 45 76 61 12 3 0 11 18 9 22 11 8 12 75 1 0 0 0 13 63

ZMS Cabo 1.938 2.333 4.271 3.847 328 106 36 514 660 675 1.411 588 299 45 2.751 72 1 716 751 97 4.194ZMS Ipojuca 1.848 1.550 3.398 3.080 285 83 21 43 518 467 1.088 400 320 111 2.091 179 4 436 689 68 3.880ZMS Rio Formoso 2.719 2.298 5.017 4.313 533 171 39 638 722 718 1.754 631 392 123 3.506 401 26 481 689 209 4.888ZMS Escada 3.556 2.894 6.450 5.891 816 213 52 821 1.011 1.044 2.424 700 286 82 5.167 73 16 918 216 249 6.191

S Cimbres 1.319 1.344 2.663 2.288 333 47 46 492 566 374 712 221 178 40 1.470 143 0 510 538 60 2.603S Cabroró 519 533 1.052 905 117 32 0 196 260 169 281 84 31 33 1.017 7 0 0 0 41 1.013S Villa Bella 537 541 1.078 903 148 25 1 195 215 203 325 78 80 5 849 2 0 482 215 23 1.055

24.639 24.522 49.221 42.473 6.254 1.330 565 7.563 8.732 7.435 16.338 4.523 2.490 713 32.930 1.844 569 4.883 10.505 2.023 57.812

Provincia de Pernambuco 1875Quadro estatístico do número dos escravos matriculados nas estações fiscaes

Zonas Municipios

Sexo Estado CivilIDADE Profissão Residência

Somma: Projeto de Pesquisa: Experiência e Cultura dos Trabalhadores de Pernambuco entre 1831- 1889”

Fonte: DGE: Diretoria Geral de Estatísticas (RJ)

A tabela de 1875 é dividida por gênero, estado civil, idade, profissão e

residência (rural ou urbana). Nesta tabela chamou a nossa atenção a Zona da Mata

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Norte, possuidora do maior número de escravos, após a capital. O número expressivo de

escravos no município de Itambé 8.917 na área rural e Nazareth 6.461. Na Zona da

Mata Sul em Escada com 6.191 também na área rural. No Agreste no município de

Caruaru 8.881 na área rural. Sendo Bom conselho no Agreste o menor número 63 na

área rural.

Projeto de Pesquisa: Experiência e Cultura dos Trabalhadores de Pernambuco entre 1831- 1889”

Fonte: DGE: Diretoria Geral de Estatísticas (RJ)

A tabela seguinte 1876, os números das matrículas caem sensivelmente,

possivelmente por se limitar só a área urbana destas cidades, mas a diferença de

números matriculados é tão grande que fica aqui um questionamento, sobre a fidelidade

dos números, ou a que realmente se referiam, nela encontramos os seguintes números:

A Zona da mata Norte o número de escravos em Itambé cai para 703, sendo 212

homens e 249 mulheres, em Nazareth cai para 1.020 sendo 503 mulheres e 517 homens.

Na Zona da Mata Sul Escada teria 602 dos quais 296 homens e 306 mulheres e No

Agreste Caruaru 226 com 111 homens e 115 mulheres, no Sertão o menor número seria

Salgueiro com 37.

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ZMN Goyanna 1.795 1.911 3.706 125 113 238 49 70 119 6 9 15 79 85 164 1.536 1.634 3.170

ZMN Itambé 1.958 2.118 4.076 102 96 198 13 19 32 0 0 0 152 151 303 1.691 1.852 3.543

ZMN Nazareth 3.160 3.387 6.547 175 149 324 42 55 97 23 23 46 210 188 398 2.710 2.972 5.682

ZMS Cabo 2.044 2.392 4.436 225 121 346 24 48 72 9 6 15 248 194 442 1.538 2.023 3.561

ZMS Escada 2.960 2.358 5.318 249 145 394 19 26 45 11 9 20 240 134 374 2.441 2.044 4.485

AGRE Panellas 576 623 1.199 7 11 18 2 3 5 0 0 0 19 17 36 548 592 1.140

AGRE Caruaru 969 1.046 2.015 33 24 57 15 14 29 8 12 20 52 44 96 861 952 1.813

AGRE Bonito 843 830 1.673 67 45 112 4 14 18 3 2 5 132 169 301 637 600 1.237

AGRE Bezerros 935 977 1.912 25 28 53 23 15 38 0 0 0 56 39 95 831 895 1.726

AGRE Brejo 1.336 1.502 2.838 29 42 71 39 36 75 10 1 11 88 68 156 1.170 1.355 2.525

SERT Cimbres 1.478 1.219 2.697 16 13 29 1 4 5 0 0 0 33 23 56 1.428 1.179 2.607

SERT Flores 182 218 400 1 6 7 0 0 0 0 0 0 13 11 24 168 201 369

SERT Ingazeira 548 633 1.181 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 548 633 1.181

SERT Villa bella 912 913 1.825 11 11 22 3 3 6 0 0 0 3 1 4 895 898 1.793

SERT Triumpho 131 149 280 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 0 131 149 280

SERT Cabrobó 526 542 1.068 15 18 33 14 13 27 3 1 4 34 33 67 460 477 937

SERT Salgueiro 122 151 273 2 1 3 1 4 5 0 0 0 11 6 17 108 140 248

Somma: 20.475 20.969 41.444 1.082 823 1.905 249 324 573 73 63 136 1.370 1.163 2.533 17.701 18.596 36.297

Por peculio seu ou por

graça de seos senhores

Pelo fundo de

Emancipação

Pernambuco DGE Relatório 1878

18

78

Zonas Municipios

Matriculados e Averbados

até dezembro de 1878

Fallecerão até dezembro

de 1878

Alfoariarão-se até dezembro de 1878Mudarão-se para outros

municípios até dezembro

1878

Ficarão existindo no

ultimo do anno de 1878

Projeto de Pesquisa: Experiência e Cultura dos Trabalhadores de Pernambuco entre 1831- 1889”

Fonte: DGE: Diretoria Geral de Estatísticas (RJ)

Na Zona da Mata Norte, o número de escravos no município de Itambé 3.543 e

Nazareth 5.682. Na Zona da Mata Sul em Escada com 4.485. No Agreste no município

de Caruaru 1.813. Enquanto no Agreste, Salgueiro, que tinha 37 sobe para 248.

É necessário continuar a busca e estudar os livros de registros, quem sabe

inventários post- mortem, e outras fontes para continuar o processo de compreensão e

descobrir o porquê destas discrepâncias numéricas. Segundo um estudo realizado sobre

a comarca de Nazareth, constatmaos que, oficialmente, seu número de escravos

manteve-secosntante mais que outros municípios. Neste caso podemos entender

Nazareth através da tese de doutorado de Beatriz Brusantin:

“Foi, principalmente, a partir da década de 1870, momento de “grande

transformação social e econômica no parque açucareiro nacional como um

todo, que, particularmente Pernambuco, então principal produtor de açúcar

do país, e mais especificamente a Zona da Mata, recebeu grande parte dos

investimentos do governo imperial avançando tecnologicamente. O objetivo

do governo era que a indústria açucareira nacional se mantivesse no

mercado internacional do açúcar o qual, naquele momento, contava com o

crescimento da produção europeia de açúcar de

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beterraba”.(BRUSANTIN,2011.p 40-41)

Assim fica claro que não existe um número aleatório fixado por sorte e acaso,

existem sim, fatos históricos que devem explicar as alterações dos números e sua

persistência dentro dos quadros de matricula dos escravos. O estudo demográfico e

locação geográfica dos mesmos por municípios destes grupos sociais parecem

essenciais para entender como acontecia sua movimentação e articulação seja na busca

de liberdade, na transição de informação do que ocorria em outras partes do império,nas

resistências escravas no sudeste, nos planos de fugas ou na “liberdade mascarada” nas

grandes cidades.

As festas tinham um importante papel na construção da liberdade, por procionar a

sociabilização e o divertimento, no dia a dia inexistente. Lembrando que, segundo

Carvalho, também traziam a tona, brigas entre grupos rivais, que antecediam sua vinda

da África. Todavia esquecido, pela consciência de fazerem parte do mesmo grupo

social, se recorriam nestas horas para criação de estratégias. Criando um mundo

paralelo na escravidão aonde o negro, era livre para decidir um destino melhor. Afinal a

alforria não era a real resposta que traria a liberdade para um escravo, era quase que

inconsciente na maioria deles, a liberdade só aconteceria se fosse para todos

(CARVALHO, 2010:256).

Reconhecendo-se como profissionais? Trabalhadores rurais noresenceamento de 1872, em Pernambuco.

Entende-se pelos anos da década de 70 do século XIX, como um período único

na história do trabalhador brasileiro, de passagem ou “trasição”do trabalho escravo para

o trabalho “livre”ou assalariado. Sidney Chalhoub coloca isso com muita propriedade

no prefácio do livro os “Trabalhadores na Cidade”, buscando entender a cultura dos

trabalhadores do século XIX na cidade do Rio de Janeiro, capital do Império, e em São

Paulo.

“As personagens que nos interessam são os trabalhadores, vocábulo que

cria alguns problemas no mesmo instante em que arreda outros.

“Trabalhadores” são eles, todos, para baralhar de vez a separação rígida

entre escravidão e liberdade, cativos e proletários. Movimento analítico

tenso este, é forçoso reconhecer, pois diferentes eram eles, escravos e

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trabalhadores ditos livres. No horizonte da escravidão a ficção que

fundamentava a exploração do trabalho era a dependência pessoal,

enfeixada na condição de propriedade, de cousa tida e havida, conferida ao

escravizado. No mundo sem escravidão, mas muita vez coetâneo dela,

permeado de início por ideias e práticas incertas sobre como ordenar o

trabalho, fincou-se aos poucos a fantasia da liberdade do trabalhador, livre

para ir e vir ao sabor do mercado, deus caprichoso do desemprego e da

precariedade em meio a estruturas supostamente impessoais de vigilância e

de controle social.”(Chaloub,2009:12-13)

Voltando-nos para Pernambuco, às cidades do interior do estado, no ano de

1872, no primeiro senso brasileiro, verficamos paróquias, freguesias e cidades com

perfis econômicos variados, mudando a velha pespectiva histórica de que em

Pernambucoteve uma escravidão branda, concentrando-se de maneira quase única na

produção açucareira, consequentemente de escravos de profissão lavradores.

Compreende-se, cada vez mais, que a escravidão estava onipresente, dentro de toda a

produção de bens de consumo,há muito já institucionalizada nesta província de antiga

colonização.

A lista de profissões encontradas no senso nas cidades rurais era composta por:

artistas, as vezes denominado unicamente assim, as vezes distrinchados como artesões

de madeira, metais, edificações, vestuários, calçados, chapeleiros, marítimos3, tecidos,

jornaleiors, criados, serviço doméstico, lavradores, pescadores e sem profissão. Em sua

maioria lavradores, sem profissão, domésticos e criados, constantes em todas as villas e

cidades.

Veja a lista de profissões dos cidadões inclusos no recenseamento geral do

Brasil em 1872, em Pernambuco,nas urbes4:

“Juizes, Advogados, Notarios e escrivães, Procuradores, officiaes de justiça,

Medicos, Cirurgiões, Pharmaceuticos, Parteiros, Professores e homens de

letras, Empregados Públicos, Artistas, Militares, Maritimos, Pescadores,

Capitalistas e Proprietarios, Manufactureiros e Fabricantes, Comerciantes,

Guarda-livros e Caixeiros, Costureiras, Operarios Canteiros, Calceteiros,

Mineiros e Cavouqueiros, em Metaes, em Madeiras, em Tecidos, de

Edificações, em Couros e Pelles, em Tinturaria, de Vestuarios, de Chapéos,

de Calçado, Lavradores, Criadores, Criados e Jornaleiros, Serviço

domestico, Sem Profissão. (Fonte: IBGE:1872)

De acordo com o mesmo receseamento, comparando as províncias, coloca-se

3 Marítimo é o pescador que trabalha a bordo de um barco de pesca. 4 Entende-se aqui Urbes por sinônimo de cidadegrande, com umainfraestrutura superior as demais.

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que só 105 homens escravos e 52 mulheres escravas, em toda a província de

Pernambuco, sabiam ler e escrever. Um número alto se compararmos ao Rio Grande do

Norte, que no total registrou-se 4 homens e 3 mulheres, porém altíssimo quando a

capital do império, Rio de Janeiro, só possuía 79 homens e 28 mulheres registradas

como capaz de ler e escrever. Mas como Pernambuco poderia ter mais escravos letrados

que a própria corte?

Quadro profissional do Censo de 1872- IBGE

Fonte: IBGE reseceamento 1872 província de Pernambuco

O receseamento aborda escravos e livres, isto é, antigos escravos já livres no ano

do receseamento e escravos durante o ano corrente. Esta primeira lista de profissões

corresponde a lista encontrada de escravos, a segunda, equivale às encontradas em toda

a província e incluia brancos, pardos mulatos, livres e escravos.

Em cidades como Nazareth da Mata, localizada na Zona da Mata Norte,

caracterizada tipicamente com a roupagem da zona açucareira, manteve-secom o

número mais alto de matrículas de escravos durante os levantamentos de 1872, 1875,

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1876 e 18785, possuía o maior número de escravos na zona rural, enquadrados como

lavradores 1.927, só perdendo em número de escravos gerais, neste ano específico para

o Cabo (3.533) e Escada6 (4.050), dois outros centros de produção da zona da mata sul.

De fato, na região da zona da mata pernambucana se concentrava a maioria dos

escravos da província, porém não exclusivamente na produção da cana.O município do

Cabo, por exemplo, possuía um número significativo de escravos trabalhando em outras

áreas profissionais como: calçadose chapéus-132, jornaleiros e criados-1.532,

empregados domésticos (zona rural)-1.632 e lavradores-560. E por fim, o mais curioso,

o registro de 833 escravos enquadrados como “sem profissão”.

A princípio observamos que o trabalho escravo no Cabo era utilizado em

manufatura de calçados e chápeus, que deveriam ser até quiçá vendidos na capital da

província, e que seu perfil agrícola só fica possível na vaga conotação que o termo “sem

profissão” trás, em número tão elevado como 833 escravos.

Em Goyanna, na villa de Nossa Senhora do Rosário, localizada também na

mesma zona, aparece no senso com um vazio de 1.493 escravos sem classificação ou

“enquadramento” profissional, nem mesmo se quer demominados como “sem

profissão” ou “criados”. Categorias que por sí só dão margens a muitas discrepâncias de

definicões de funções que, efetivamente, os cativos poderiamdesenpenhar. Contava com

400 escravos categorizados no senso como domésticos, entre eles homens e mulheres,

sendo mulheres nesta categoria sua grande maioria. E em “criados” o gênero masculino.

Neste caso, podemos sugerir a figura do criado como oantigo “valet”7 no Pernambuco

rural do século XIX.

Nas outras villas, tanto no Agreste, no Sertão ou na Zona da Mata,os números

são mais precisos, ou os enquadramentosdas profissões reconhecidos mais facilmente.A

discrepância numérica, encontrada em Goyanna, sem indentificação,não se repete, varia

5Levantamentos disponíveis no site do IBGE, e nos resultados da pesquisa do PIBIC do projeto da equipe. 6Escada sempre manteve um número significativo de escravos dentro da província mesmo nos anos posteriores estudos nas tabelas citadas. 7 Em inglês, valet como um assistente pessoal é registrado desde 1567, apesar de o uso do termo na corte inglesa medieval ser mais antigo, e a variante varlet é citada desde 1456, de acordo com o Dicionário Oxford. Ambos são assimilações do francês valet (com o t mudo no francês) ou varlet, variante do francês antigo vaslet "empregado do homem", que originalmente significava "jovem". Supõe-se que o termo é derivado ainda do galo-românico vassellittus, "jovem nobre, servente", diminutivo do latim medieval vassallus, de vassus, "empregado".Fonte:http://pt.wikipedia.org/wiki/Valet

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numa margem de erro pequena, apenas entre 87 a 0.

Nesta diferença de mil escravos totalmente ignorados pelo senso, o caso da na

villa de Nossa senhora do Rosário em Goyanna,está a pergunta que gostariamos de

compreender: como era feita essa seleção de profissões? Por que deliberadamente

deixar essas e categorizar outras. A grande probabilidade é que se encontrassem nos

cortes das canas, e no campo dos engenhos, mas por que não classifica-los como

lavradores?

A primeira impressão que se dá é o desconhecimento real de todas as funções

desempenhadas. Podemos também sugerir que não se reconhecia como tal, ou que era

costume englobar tudo e não trabalhar com específicidades. Porém para qualquer

devagação dentro deste censo, primeiro devemos compreender por quem ele foi feito.De

onde surgiram as categorias indentificadas como profissões dos escravos? Esta pergunta

quase se auto-responde, na pespectiva de cima para baixo como era feito os

levantamentos positivistas imperiais.

Então apesar de rica fonte de informação sobre as profissões e cotidiano destes

trabalhadores, entendemos que o Censo de 1872 é uma fonte confiávelcom pouca

margem de erro. Obviamente, sempre devemos problematizar os dados registrados.

O emprego da porta para dentro e o crime pelo mundo a fora.

Na capital da província de Pernambuco, Recife, antes mesmo de 1830 a maioria

dos trabalhadores alforriados eram mulheres negras e mulatas. Mulheres estas que se

apropriavam, ou não, das vantagens que tinham, perante os escravos homens, obtinham

mas cedo a alforria. Sua vantagem consistia na proximidade dos senhores, e de agrados

que poderiam dar e receber. (CARVALHO, 2010:214-223)

Eram elas amas de leite, cozinheiras, engomadeiras, faxineiras. E estavam

onipresentes na sociedade escravista. Difícil dizer o que o luxo da escravidão não

poderia oferecer aos senhores de conforto e serviços. De pentear o cabelo, a limpar o a

calçada da casa. Sabe-se que mesmo sendo submetidas a humilhações, assédios e

estupros por seus senhores e ódio de suas patroas, era melhor que trabalhar nas ruas

local que era sinônimo de insegurança, morte, prostituição e fome. A empregada

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doméstica assalariada surgirá aí nesta condição específica de ex-escrava e, junto a elas,

suas concorrentes que baixavam suas possíveis rendas, as próprias escravas.

O caminho para a liberdade não foi linear. Libertas e escravas muitas vezes

trabalhavam lado a lado sem qualquer diferença. Não que isso fosse novidade, mas

gradualmente começou a migração de mulheres - fugidas, libertas, alforriadas livres -

atrás dos sonhos de liberdade que a cidade tanto oferecia - apesar de, muitas vezes,

serem puramente ilusórios.

De perto as luzes das cidades nada mais eram do que fogo, e fogo é sinônimo de

perigo. A cidade do século XIX era barulhenta, suja, confusa e bastante perigosa.

“Ninguém poderia ser negro – preto ou pardo – livre ou liberto, em segurança, numa

sociedade em que escravizar ao arrepio das leis vigentes se fizera direito senhorial

costumeiro.”(CHALHOUB, 2009: 26) Todavia com a diversidade de situações jurídicas

nelas existentes, e as ligações sociais que nelas eram possíveis fazer - diferente dos

Engenhos - uma sociedade sobrevivente paralela ia se formando. E o caminho para

começar a participar dela começava por se tornar um escravo de profissão. Isto é, um

escravo de ganho, que rendendo o bastante, poderia até tentar negociar sua alforria e de

seus familiares. Em verdade tudo era mais possível na cidade. (CARVALHO, 2010:

223).

Outra profissão importante dentro daurbe pernambucana eram os canoeiros

responsáveis pelo movimento do transporte fluvial nos rios que cruzam a cidade. Eles

exerciam um emaranhado de funções sociais: passagem de informações, contatos entre

os Engenhos, transporte de água limpa para consumo, e de pessoas. Foram verdadeiros

percursores na formação dessa sociedade paralela.

“Os canoeiros do Recife tinham mais autonomia do que muita gente livre.

Muitos desses escravos pagavam semanalmente uma certa quantia ao senhor

e moravam nas cidades nos seus próprios casebres, espalhados nos

arredores da cidade, na periferia das ilhas de Santo Antônio e da Boa Vista,

nos limites entre os mangues e a terra firme, nas casas palafitas na beira dos

rios. Havia, portanto, uma contradição entre necessidade de controle do

escravo e a natureza das ocupações urbanas, que para gerarem lucro,

muitas vezes exigiam uma grande movimentação do trabalhador. Essa era a

diferença marcante entre escravo urbano e rural. Sendo que, nas senzalas

dos engenhos, onde se apinhavam dezenas de negros, ficava mais fácil para

os cativos criarem seus próprios códigos de convivência e manter os brancos

afastados, preservando uma certa privacidade étnica. Isso era difícil nas

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apertadas senzalas dos sobrados do Recife. Por essa razão, era interessante

conseguir o direito de morar fora, no seu próprio barraco, por precário que

fosse.” (CARVALHO, 2010:242)

Não muito distante da capital, vários homens e mulheres viviam no campo

vagando de vila em vila tentando fugir da estrutura extrativista da sociedade escravista.

Presentes dentro dos engenhos e nas cidades. Para sobreviver a tanta “onipresença” da

escravidão e da desapropriação do corpo, pelos senhores de engenhos: negros, brancos,

pardos, livres e mulatos escravos ou não, viviam na “bandidagem” e na “vadiagem”

roubando cavalos, e revendendo-os. Ajudando fugas, até quem sabe negociando

melhores patrões para escravos fujões.

“A fuga para o mato era uma decisão extrema, que envolvia riscos. O nosso

personagem reuniu suas esperanças e partiu em busca de dias melhores, o

que não implica em dizer que a sua vida seria fácil e abundante daí em

diante. A construção da sua ideia de liberdade era baseada na sua

experiência, e nas tradições de sua cultura. Isolado estaria socialmente

morto. Não haveria a liberdade social, o que é o que nos interessa aqui.

Para que esta fosse alcançada no mato, era preciso que o fugitivo passasse a

pertencer a uma comunidade alternativa: o quilombo. Mas mesmo aí o

processo continuava.” (CARVALHO, 2010:215-216)

Os quilombos vingaram até o fim da Cabanada, isto é, até o começo da segunda

metade do século XIX. Nos anos de 1870, o mundo da fuga, estava muito mais perto do

mundo legal. Roubos e trocas de passaporte, contrabando, roubos de vilas. Muitas eram

as possibilidades de se sustentar e fugir do sistema sem olhar para trás e muitos faziam.

Em fuga, o sistema era personificado na polícia, que eventualmente, dava de cara com

essasfiguras que habitam o imaginário dos quilombolas, dos cangaceiros e cavaleiros do

Sertão e Agreste pernambucano.

A polícia era uma espécie de prima pobre do sistema, que vivia de calças curtas,

sem recursos nem se quer para se manter. Os documentos mais frequentes em todos os

documentos policiais das cidades da zona da mata norte pesquisadas, por exemplo, eram

súplicas em forma de cartas, requerendo mais recursos para as “cadeias” e mais

contingente. Restava para a polícia fazer o que podia, para cumprir seu “dever” e se

manter.

E nos autos de correspondência entre o chefe de polícia locado na capital da

província, e seus delegados e subdelegados espalhados no interior, havia em sua maioria

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a solução mais árdua que um ladrão de cavalo poderia sonhar. O recrutamento forçado.

A maioria dos presos era enviado para o exército, visto que a polícia do interior não

tinha dinheiro, as vezes nem infraestrutura, para manter seus presos, e dar conta do dia a

dia das cidades violentas destes tempos, recheadas de crimes passionais nas senzalas e

fora delas.

Um caso ocorrido, serve de bom exemplo, no dia 22 de janeiro de 1862, com

Manoel Florentino dos Santos e Victorino Gomes de Oliveira. Presos com posse de

cavalos roubados de um senhor, sendo logo Victorino reconhecido criminoso por

latrocínio na Villa de Rio Formoso há alguns atrás, sendo os dois despachados para o

recrutamento.8

Esses seriam parte do exército quiçá de uma guerra que neste ano começaria, no

caso, a Guerra do Paraguai, onde morreriam de fome, ou de epidemia, ou dos dois. No

mundo dos documentos oficiais policiais, analisar através da perspectiva atual, a

instituição policial é até passiva de pena. Porém uma vez recrutados os criminosos

vivam uma vida de liberdade encarcerada que talvez superasse o papel da polícia no

Brasil Imperial em estágio de abandono e desorganização.

O risco do submundo do crime não seria mais feliz do que pertencer a grupos

sociais dentro do tão violento sistema escravista? Provavelmente sim, ou não. Fugir dos

castigos, humilhação, da desapropriação do próprio corpo, do estupro, de ver filhos

sendo vendidos como coisas, tudo isso deveria servir de estímulo mais que convincente

para seguir na vida de incertezas do crime, mas experimentando alguns momentos de

liberdade, principalmente se fosse feito em bandos, ou duplas. A relação entre a

liberdade social e a liberdade jurídica será sempre muito íntima durante a escravidão.

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8Livro de correspondência policial localizado no Recife. Nazareth- SSP vol. 244(1862-1863). APEJE/Recife.

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