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CÃES & CIA • 402 60 Mundo das Aves O valentão dos campos de futebol Q uem não conhece o Quero-Quero? Essa, talvez, seja uma das aves mais comuns e conhecidos por todos os brasileiros. Pre- sente nas paisagens abertas de toda a Améri- ca do Sul, o Quero-Quero (Vanellus chilensis) faz parte do gênero Vanellus, amplamente dis- tribuído por todo o globo (veja nas fotos duas outras espécies do mesmo gênero, a Vanellus vanellus e a Vanellus cayanus). Em comum, as aves desse gênero apre- sentam plumagem com bastante contraste, na qual predominam as cores cinza, branco e preto; têm porte médio; hábitos terrícolas, bico relativamente curto e pequenos espo- rões nas bordas das asas. Todas as espécies do gênero, inclusive o Quero-Quero encon- trado no Brasil, são bastante tolerantes aos ambientes mais modificados. Retratadas desde a antiguidade, ocorrem em pastagens e possuem forte vocalização, que pode ser ouvida a uma distância considerável. Indicador de biomas degradados O “nosso” Quero-Quero é notável por di- versas razões. Faz parte das tradições folclóri- cas gaúchas (apesar de encontrado em todo o Brasil, sempre foi mais comum e abundante Por LUÍS FÁBIO SILVEIRA O Quero-Quero, ave típica de áreas abertas, é encontrado praticamente em toda a América do Sul. Muito tolerante a ambientes alterados, vive em casais e defende agressivamente seus ninhos e filhotes, que são capazes de seguir os pais logo após o nascimento. A vocalização alta e chamativa faz desta espécie uma das mais conhecidas no Brasil Quero-Quero (Vanellus chilensis): uma das espécies de aves mais comuns em todo o continente Lias Impa Dario Sanches

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Page 1: Mundo das Aves O valentão dos campos de futebol - ib.usp.brlfsilveira//pdf/a_2012_cecqueroquero.pdf · Mundo das Aves O valentão dos campos ... ca do Sul, o Quero-Quero (Vanellus

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Mundo das Aves

O valentão dos camposde futebol

Quem não conhece o Quero-Quero? Essa, talvez, seja uma das aves mais comuns e conhecidos por todos os brasileiros. Pre-

sente nas paisagens abertas de toda a Améri-ca do Sul, o Quero-Quero (Vanellus chilensis) faz parte do gênero Vanellus, amplamente dis-tribuído por todo o globo (veja nas fotos duas outras espécies do mesmo gênero, a Vanellus vanellus e a Vanellus cayanus).

Em comum, as aves desse gênero apre-sentam plumagem com bastante contraste, na qual predominam as cores cinza, branco e preto; têm porte médio; hábitos terrícolas, bico relativamente curto e pequenos espo-rões nas bordas das asas. Todas as espécies do gênero, inclusive o Quero-Quero encon-trado no Brasil, são bastante tolerantes aos ambientes mais modificados. Retratadas desde a antiguidade, ocorrem em pastagens e possuem forte vocalização, que pode ser ouvida a uma distância considerável.

Indicador de biomas degradadosO “nosso” Quero-Quero é notável por di-

versas razões. Faz parte das tradições folclóri-cas gaúchas (apesar de encontrado em todo o Brasil, sempre foi mais comum e abundante

Por LUÍS FÁBIO SILVEIRA

O Quero-Quero, ave típica de áreas abertas, é encontrado praticamente em toda a América do Sul. Muito tolerante a ambientes alterados, vive em casais e defende agressivamente seus ninhos e filhotes, que são capazes de seguir os pais logo após o nascimento. A vocalização alta e chamativa faz desta espécie uma das mais conhecidas no Brasil

Quero-Quero (Vanellus chilensis): uma das espécies de aves mais comuns em todo o continente

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Luís Fábio Silveira é doutor em Zoologia e curador das coleções ornitológicas Museu de Zoologia da USP; membro do Comitê Brasileiro de Registros Ornitológicos (CBRO); pesquisador associado da World Pheasant Association (UK); autor de doze livros sobre aves e de dezenas de artigos científicos publicados.

de voar, já que as penas de voo só aparece-rão com algumas semanas de vida. Enquan-to isso, para se defenderem de predadores, agacham-se no solo, onde ficam imóveis por vários minutos. A plumagem, que se camufla perfeitamente com o ambiente, os torna difí-ceis de ser detectados.

Com relação à escolha do local de ni-dificação, os Quero-Queros não são muito seletivos. Não é por outro motivo que se tornaram presença constante nos campos de futebol brasileiros, por exemplo. Nesses locais, usados por esportistas apenas uma ou duas vezes por semana, encontram gra-mados amplos, cheios de insetos e quietos durante boa parte do dia. Como são aves que toleram muito bem a presença do Ho-mem, acabam por ser uma das presenças mais constantes nos estádios de futebol. Infelizmente, quem sai perdendo é sempre o Quero-Quero. Não são incomuns as ce-nas em que essas aves são atropeladas por jogadores de futebol ou recebem boladas que, em muitos casos, fraturam asas ou são fatais.

Como se percebe, não têm sido favorá-vel para os Quero-Queros as áreas abertas – cheias de comida e de oportunidades para construção de ninhos e criação de filhotes –, quando conjugadas com o uso intensivo por seres humanos, mesmo que temporaria-mente.

Batuíra-de-esporão (Vanellus cayanus): presente da Amazônia até o Paraná e em toda a América do do Sul (observe como a asa ganha cores ao ser aberta) Abibe-comum (Vanellus vanellus): vive na Europa e na Ásia

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na região sul do Brasil). Aproveitan-do-se do desmatamento das áreas florestais brasileiras, se expandiu len-tamente nas últimas quatro décadas e hoje ocorre em grande abundância em todos os biomas do País, o que o tornou um indicador de ambientes onde a biodiversidade foi alterada para pior.

Mesmo assim, o Quero-Quero tem o importante papel de auxiliar no controle biológico de insetos, sua principal fonte de alimento, sendo muito útil nas pastagens e em outras áreas abertas.

Difícil de ignorarNão há como não perceber o

Quero-Quero. Além de ser ave terrí-cola relativamente grande, com cerca de 40 centímetros de comprimento total, e de ter plumagem chamativa e de cores contrastadas, está sem-pre vigilante. Emite uma vocalização muito alta e impossível de ser ignora-da, que pode ser ouvida a centenas de metros, ao primeiro sinal de que algo diferente está acontecendo. Se a ameaça persistir, o grupo, formado por casais ou familiares, costuma dar voos rasantes em direção à fonte da perturbação, o que geralmente surte efeito. Outra característica do Quero-Quero são dois pequenos esporões afia-dos na borda das asas, que podem ser utilizados para intimidar um preda-dor mais ousado.

Atração por camposde futebol

Mas é na época da reprodução, de junho a dezembro, que os Quero-Queros são mais notados. Em seu ninho extrema-mente simples (se é que podemos chamar de ni-nho uma pequena depres-são no solo, sem muitos cuidados), são colocados até quatro ovos que se ca-muflam muito bem com o capim seco. Após três se-manas de incubação, feita por revezamento do casal, os filhotes nascem já ca-pazes de seguir os pais pelos campos, assim que a plumagem seca. Mas não são ainda capazes