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Seja física ou psicológica, a violência contra a mulher ainda é gritante. Vítimas de assédio e abuso sexual, violência doméstica e discri- minação, as mulheres são obrigadas a “aceitarem” o machismo e todas as suas marcas como “naturais”. Mas foi do grito de “basta” de milhares de mulheres que se organizaram em movimentos feministas que surgiu o Dia Mundial de Combate à Violência Contra a Mulher – 25 de novembro. A data foi instituída no 1º En- contro Feminista Latino-americano e Caribenho, em 1981, em home- nagem às irmãs dominicanas Pátria, Minerva, e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”. Elas foram torturadas e assassinadas por luta- rem contra a ditadura de Trujillo, na República Dominicana. Em 1999, a ONU proclamou a data como ”Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher”. A história de luta de mulheres como essas e dos movimentos femi- nistas incentivaram a organização das bancárias pela igualdade de direitos, de oportunidades e contra a violên- cia. Dessa mobilização surgiu o Cole- tivo de Mulheres e o Mulher 24 Ho- ras, lançado em 1993. O jornal se tornou um impor- tante instrumento de debate dos problemas que afetam as mulheres. Esta edição traz encarte especial sobre a ameaça aos direitos femini- nos com o PL 5069 e o Estatuto da Família. Relacionamento abusivo, assédio sexual e a opressão contra as mulheres negras também são abordados. As matérias e os relatos mostram que é preciso lutar e resis- tir a toda forma de opressão. Editorial Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Jessé Gomes de Alvarenga - Diretor de Imprensa: Carlos Pereira de Araújo - Editoras: Bruna Mesquita Gati - MTb 3049-ES, Elaine Dal Gobbo MTb 2381-ES e Ludmila Pecine dos Santos - MTb 2391-ES - Estagiária: Lorraine Paixão - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 108 - Novembro-Dezembro/2015 - [email protected] - Tiragem: 11.000 exemplares Mulher 24 HORAS É preciso resistir VEJA NESTA EDIÇÃO 3 Mulheres lutam contra ameaça de direitos na Câmara Federal #MeuPrimeiroAssédio: campanha denuncia violência na infância Mulheres Negras Yzalú ENCARTE Mulher 24 Horas - 108 - NOVEMBRO-2015.indd 1 24/11/2015 14:23:44

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Page 1: Mulher - Sindibancários ES · violência contra a mulher ainda é gritante. Vítimas de assédio e abuso ... cabelo e tem alguns anos que estou com o meu natural. A questão do cabelo

Seja física ou psicológica, a violência contra a mulher ainda é gritante. Vítimas de assédio e abuso sexual, violência doméstica e discri-minação, as mulheres são obrigadas a “aceitarem” o machismo e todas as suas marcas como “naturais”. Mas foi do grito de “basta” de milhares de mulheres que se organizaram em movimentos feministas que surgiu o Dia Mundial de Combate à Violência Contra a Mulher – 25 de novembro.

A data foi instituída no 1º En-contro Feminista Latino-americano e Caribenho, em 1981, em home-nagem às irmãs dominicanas Pátria, Minerva, e Maria Teresa, conhecidas como “Las Mariposas”. Elas foram torturadas e assassinadas por luta-rem contra a ditadura de Trujillo, na República Dominicana. Em 1999, a ONU proclamou a data como ”Dia Internacional para a Eliminação da Violência Contra a Mulher”.

A história de luta de mulheres como essas e dos movimentos femi-nistas incentivaram a organização das bancárias pela igualdade de direitos, de oportunidades e contra a violên-cia. Dessa mobilização surgiu o Cole-tivo de Mulheres e o Mulher 24 Ho-ras, lançado em 1993.

O jornal se tornou um impor-tante instrumento de debate dos problemas que afetam as mulheres. Esta edição traz encarte especial sobre a ameaça aos direitos femini-nos com o PL 5069 e o Estatuto da Família. Relacionamento abusivo, assédio sexual e a opressão contra as mulheres negras também são abordados. As matérias e os relatos mostram que é preciso lutar e resis-tir a toda forma de opressão.

Editorial

Informativo do Sindicato dos Bancários/ES - Coordenador Geral: Jessé Gomes de Alvarenga - Diretor de Imprensa: Carlos Pereira de Araújo - Editoras: Bruna Mesquita Gati - MTb 3049-ES, Elaine Dal Gobbo MTb 2381-ES e Ludmila Pecine dos Santos - MTb 2391-ES - Estagiária: Lorraine Paixão - Diagramação: Jorge Luiz (MTb 041/96) - nº 108 - Novembro-Dezembro/2015 - [email protected] - Tiragem: 11.000 exemplares

Mulher 24 HORAS

É preciso resistir

VEJA NESTA EDIÇÃO

3

Mulheres lutam contra ameaça de direitos na

Câmara Federal

#MeuPrimeiroAssédio: campanha denuncia violência na infância

Mulheres NegrasYzalú

ENCARTE

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A armadilha do relacionamento abusivo

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Mulher 24 HORAS

O controle de como se vestir, dos horários, dos amigos, dos lugares aonde vai, das

redes sociais e a dependência emo-cional são apenas alguns exemplos do que acontece em um relaciona-mento abusivo. Essa é uma armadi-lha perigosa, que pode saltar da vio-lência psicológica à agressão física em um piscar de olhos.

O relacionamento abusivo é revelado até mesmo em atitudes que parecem ser simples, como na frase “você vai sair com essa roupa? Assim você parece uma vadia”. São com-portamentos justificados pelo “amor” que estabelecem uma relação de con-trole e de poder sobre o outro.

O Mapa da Violência 2015 re-vela a marca de sangue de centenas de mulheres que mancham o Espí-rito Santo. De acordo a pesquisa, o Estado ocupa o segundo lugar em assassinato de mulheres, com uma taxa média de 9,3 homicídios a cada 100 mil mulheres, perdendo somen-te para Roraima, com taxa de 15,3.

Apesar da violência física ser a mais frequente (48,7%) entre os ca-sos, a violência psicológica também vitimiza mulheres e está presente em 23% dos atendimentos, como apon-ta o Mapa da Violência. Mesmo com esse alto percentual, o atendimento

a mulheres vítimas dessa violência ainda é um desafio, como destaca a integrante do Coletivo Femenina, Ana Lucia Rezende.

“Temos um desafio maior que é o de reivindicar que as políticas públicas sejam garantidas de fato. As delegadas não estão preparadas para atender a violência psicológica. Se a mulher não tem uma marca de violência no corpo, parece que não foi violentada. Vivemos no estado mais violento e sentimos na carne o que é essa dor”, enfatiza.

O descaso do poder público com essa questão mantém o cami-

nho livre para a prática da violência contra a mulher, como denuncia Ana Lucia. “Vivemos um momento de re-trocesso das políticas públicas. “No Espírito Santo foi criada uma Sub-secretaria da Mulher, mas ainda não tem sequer uma subsecretária nome-ada e não há equipe para trabalhar. As políticas públicas estão paradas e, além disso, também perdemos a Se-cretaria Nacional da Mulher”, pontua.

Diante desse cenário, a mobi-lização e organização das mulheres é primordial para garantir a efetivação das políticas públicas de proteção à mulher.

Rede de proteção ainda é incipiente

“Tire essa roupa”, “se você me ama vai fazer o que estou mandando”. Por trás de frases “inofensivas” como essas está a prática de violência psicológica contra milhares de mulheres no país, vítimas de relacionamentos abusivos.

Muitas mulheres não se dão conta desse tipo de rela-cionamento, como explica a doutora em Psicologia e Mestre em Políticas Públicas, Andrea dos Santos Nascimento. Para ela, a repressão à mulher é uma questão cultural e que está enraizada na sociedade.

“A mulher acaba se culpando, dizendo para si mesma que não é in-teressante, que não se veste bem, e não se percebe em um relacionamen-to abusivo. Isso porque somos criadas para ser a mulher exemplar, aquela que aguenta tudo calada e com sabe-doria, com o papel de obedecer. E se for reclamar, tem que ser com jeitinho. Já ao homem foi dado o papel de ma-

cho reprodutor. O homem pode tudo e a mulher quase nada. A mulher é víti-ma, portanto, de violências cotidianas desde a infância”, destaca a doutora.

DENUNCIE

Um relacionamento abusivo pode não chegar à violência física, mas nem por isso deixa de ser agressivo. Quebrar o silêncio e buscar ajuda dos amigos, familiares e da rede de prote-ção às mulheres são saídas para as ví-timas. Para informações ligue gratuita-mente para a Central de Atendimento à Mulher discando 180.

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Sérgio Cardoso

“Se hoje eu sou uma mulher negra bem resolvida é porque eu fui uma criança

negra bem resolvida.”

Identidade e resistênciaXis-Makeda, nome

artístico adotado por Gisele Jesus Vicente, é professora de história e agente cultural. Nesta entrevista, ela fala sobre sua história de enfrentamento à opressão contra a mulher negra e como atua no fortalecimento da cultura afro.

Palavra de Mulher

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Mulher 24 HORAS

Como a mulher negra percebe o racismo no seu cotidiano?

Percebo de várias for-mas. Por exemplo, é muito forte o racismo em relação ao cabelo e tem alguns anos que estou com o meu natural. A questão do cabelo para nossa sociedade é determinante para a mulher negra, pois depende de alguns fatores externos, como a moda, economia, mídia, coisas que vão determinar se elas vão assumir ou não sua identida-de raiz. Agora, estamos pas-sando por um processo em que está na moda o cabelo “black” novamente, como na década de 70. A moda é de-terminada pelo mercado.

Fale um pouco de suas referências familiares.

Minhas duas avós susten-taram as famílias sozinhas. As mulheres sempre foram o ponto chave da minha família. Minha formação foi ouvindo “você tem que ser forte”, “tem que tomar rumo de tudo”, “não pode esperar que um homem resolva seus pro-blemas, que seja o dono da sua vida”, “você vai decidir sua vida”.

Se hoje sou uma mulher negra bem resolvida é porque fui uma criança negra bem resolvida. Na minha infância, não tinha misté-rio, não tinha o que não se podia perguntar.

Não tinha vergonha de ser negra, o que havia era o enfren-tamento a toda história de precon-ceito. Minhas avós me ensinaram a enfrentar o racismo, o machis-mo, os efeitos do capitalismo, os “ismos”, os egoísmos.

Hoje, você se dedica à preservação da identidade negra. Como você desenvolve esse trabalho?

O meu trabalho é voltado

para a cultura negra, não só para a mulher, mas para criança, a discussão sobre o patrimônio cultural, seja ele material ou imaterial. A ques-tão da mulher é muito forte para mim, porque está liga-da à minha ancestralidade, à minha família de forma mais direta. Venho de uma família bem matriarcal, de mulheres muito fortes. Ao trabalhar a cultura negra, exploramos o resgate, a preservação, a valorização, a produção des-sa cultura, a formação que abrange especificamente os grupos de mulheres e crian-ças. Desenvolvo as atividades com mulheres e crianças, pois é algo que caminha junto. Não tem como trabalhar com criança se você não trabalhar com a mãe, pois ela está di-

retamente ligada à formação da criança.

Como é o processo de resgate da identidade negra?

É constante. Para nós mu-lheres e homens negros essa lembrança é muito curta, por-que muito nos foi roubado. Queimaram nossos documen-tos, tiraram nossos nomes, co-locaram em nós nomes cristãos e números como mercadoria.

Hoje em dia a gente fala muito em luta pela igualdade, a luta pela justiça e pouco se faz de repara-ção de fato. Quando eu me liber-tei da química do cabelo eu passei a me olhar na frente do espelho como limpa. E nesse mesmo pro-cesso eu larguei a maquiagem, eu larguei o batom e fui resgatando a minha roupa, os meus cordões, a minha identidade e isso tornou a minha maior força.

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Mulher 24 HORAS

Mala Direta PostalBásica

9912258789/2014-DR/ESSINDIBANCÁRIOS-ES

... CORREIOS ...

Mulher 24 HORAS

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e comentários para o e-mail

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Mulheresantenadas

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Entre os dias 05 e 06 de dezem-bro, o Clube de Pesca, em Santo Antônio, recebe a 2ª edição do Encontro das Pretas. O evento é aberto a todos e a programação conta com oficinas, palestras e workshops sobre identidade negra, representatividade e empoderamento. Participe!

N em sempre o assédio sexu-al se limita a uma “simples” cantada. Falar sobre essa

violência pode trazer lembranças do-lorosas, marcas profundas e que ain-da estão vivas na mente das vítimas, como os sentimentos de invasão, de sujeira, o medo de sair de casa e de se relacionar com homens.

A recente campanha “#meu-primeiroassédio”, lançada pelo site thinkolga.com, trouxe à tona o drama vivido pelas mu-lheres, muitas vezes vítimas de assédio sexual ainda na infân-cia. A campanha iniciou após comentários ofensivos e de cunho sexual que circularam pela internet sobre a menina Valentina, de apenas 12 anos, participante do programa Mas-terChef Júnior (Band). Valenti-na foi chamada de vagabunda, safada e foi mais uma vítima do machismo que violenta as mu-lheres, simplesmente por sua beleza chamar atenção.

Em poucos dias, mais de três mil histórias sobre o pri-meiro assédio foram compartilhadas no Twitter. Os relatos revelam uma das faces cruéis desse crime: os as-sediadores são, na maioria das ve-zes, rostos conhecidos, como pais, tios, padrinhos, vizinhos, membros da igreja. Por medo e sentimento de culpa, as vítimas optam pelo silêncio.

“Construímos a ideia de que o assédio é natural e na maioria das vezes nos culpamos. A gente pensa: ‘eu que fiz errado’. Mas é preciso quebrar essa questão da naturali-zação das cantadas e do assédio. O processo é de reflexão dos papéis

sociais e de ruptura com essa ques-tão cultural de que a mulher nasceu para isso, que cantada é elogio.”, enfatiza a integrante do Coletivo Fe-menina, Ana Lucia Rezende.

LIBERTAÇÃO

Gritar “chega” e denunciar é um dos passos da libertação femi-nina dessa situação de violência. É

As marcas doprimeiro assédio sexualQual mulher nunca ouviu aquela cantada constrangedora do tipo “que gostosa” ou teve que atravessar a rua para não ser assediada?

preciso reconhecer-se como vítima. Não pegue o caminho mais longo ou atravesse a rua. Grite e denuncie. Assédio sexual é crime!

Sentimentos que não passam

“Tinha uns cinco ou seis anos e um dia, após um encontro de um missionário da igreja com as crian-ças, brincávamos de pique-esconde. Eu me escondi na sacristia e todo mundo foi encontrado, menos eu. O que lembro é do missionário sentado na cama, que ficava na sacristia, me acariciando. Eu devia estar em pé, no meio das pernas dele. Ele pegava no meu rosto, falava coisas que eu não entendia, me beijava. Comecei a ficar apavorada, porque as outras crianças não me achavam. Senti um pavor enorme, mas ele continuou.

Para eu sair, ele distraiu as crianças para que não me vissem. Ali, tive a certeza de que tinha algo errado e que eu estava participando daquilo. Foi uma sensação muito ruim. Nunca contei para ninguém e esqueci disso. Mas quando cheguei na adolescên-cia, tinha um pavor tão grande que, apesar de paquerar, não conseguia namorar ninguém. Tentava entender porque eu sentia isso, até que um dia veio essa cena da minha infância na minha cabeça, e foi o mesmo senti-mento de medo. Não consegui me resolver e minha primeira relação se-xual foi com mais de 30 anos. Não sei como lidei com aquilo na infância, mas prejudicou muito minha vida pessoal e afetiva. Os sentimentos de violência, de abuso e de invasão não passam e me afetam até hoje.

Relato de uma bancária da Caixa, aposentada, 59 anos

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