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Pedro Brito

MUITO A NAVEGARUma análise logística dos portos brasileiros

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Copyright © Pedro Brito, 2010

Direitos de edição da obra em língua portuguesa no Brasil adquiridos pela Topbooks EdiTora. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser apropriada e estocada em sistema de banco de dados ou processo similar, em qualquer forma ou meio, seja eletrônica, de fotocópia, gravação etc., sem a permissão do detentor do copyright.

EditorJosé Mario Pereira

Editora assistenteChristine Ajuz

Coordenação EditorialRicardo Marques da Silva

RevisãoMiguel Barros

GráficosRenato Akimasa Yakabe

CapaJulio Moreira

Fotos de capa e contracapaGentil Barreira (porto de Fortaleza, fotos 1, 2, 4 e 6); Sérgio Coelho (porto de Santos, fotos 3, 5 e 8); Asscom - CODESA (Porto de Vitória, foto 7).

DiagramaçãoFiligrana

Todos os dirEiTos rEsErvados por

Topbooks Editora e Distribuidora de Livros Ltda.Rua Visconde de Inhaúma, 58 / gr. 203 — CentroRio de Janeiro — CEP: 20091-000Telefax: (21) 2233-8718 e 2283-1039Email: [email protected]

Visite o site da editora para mais informaçõeswww.topbooks.com.br

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À memória de meu pai, a quem devo os ensinamentos e o exemplo de honra, ética e retidão.

Com amor, para a minha família, a quem tudo devo.

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AGRAdEcIMENTOs

“Não sou eu quem me navega, quem me navega é o mar”. Inicio meus agradecimentos com versos de Timo-neiro, composição de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho, que expressam muito bem o sentimento e os anseios que senti ao escrever Muito a Navegar.

O mar e sua imensidão de possibilidades são, na verdade, as idas e vindas da vida e o sem-número de ami-gos, profissionais, técnicos, equipe da SEP, presidentes e diretores das Docas e empresários que, direta ou indire-tamente, contribuíram para que este livro fosse possível. Um comentário aqui, uma sugestão ali, o lembrete de um esquecimento, uma crítica a um assunto, uma leitura mais apurada, dados, pesquisas de referência e três anos de convivência diária respirando os ares portuários me

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permitiram atracar em porto seguro para escrever este diário de bordo muito particular.

Nesta viagem, destaco o apoio de companheiros como o economista Augusto Wagner, dirigente da SEP, fundamental na estruturação e no desenvolvimento dos projetos da Secretaria; do economista Nilson Holanda, es-pecialista em gestão pública e planejamento estratégico, que ajudou na análise e na interpretação da real situação do setor; dos empresários Richard Klein e Wadi Jasmin, com cuja visão pude enxergar o potencial do mercado e os gargalos na área, e dos jornalistas Ricardo Marques da Silva e Vitor Hugo Marques, pela discussão da lingua-gem e a orientação do melhor estilo e da abordagem a serem adotados por mim no livro.

A todos, meus sinceros agradecimentos e a certeza de que, juntos, temos muito ainda a navegar.

Pedro Brito

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sUMáRIO

13 — Apresentação — Olhar voltado para o futuro

17 — Prefácio — Matriz criativa para a gestão dos portos

21 — Capítulo 1 — Logística: a palavra-chave

35 — Capítulo 2 — Navios cada vez maiores

43 — Capítulo 3 — Portos públicos, operação privada

53 — Capítulo 4 — Marco regulatório

59 — Capítulo 5 — Arranjo institucional

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63 — Capítulo 6 — Um salto em três anos

71 — Capítulo 7 — Tempo de mudança

77 — Capítulo 8 — Equipes 100% técnicas

83 — Capítulo 9 — “... e não morreu ninguém”

91 — Capítulo 10 — Uma nova matriz logística

97 — Capítulo 11 — Eliminando gargalos

105 — Capítulo 12 — Obras em todos os portos

109 — Capítulo 13 — Copa do Mundo e Olimpíadas

115 — Capítulo 14 — Um navio, 935 informações

121 — Capítulo 15 — Enfim, planejamento levado adiante

125 — Capítulo 16 — O futuro

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APREsENTAÇÃO

Olhar voltado para o futuro

Agnes Barbeito de Vasconcellos*

Muito a Navegar — Uma Análise Logística dos Portos Bra-sileiros começa com um dado expressivo extraído de um estudo independente do Banco Mundial: em apenas três anos, o Brasil galgou 20 posições em um ranking de 155 países com melhor desempenho logístico no setor portuá-rio. E o livro segue tratando dos portos não de maneira isolada, mas como um elo importante da cadeia logística de distribuição de bens — este, sim, o verdadeiro sal da atividade econômica global.

Sem eficiência nos portos — sabe o autor muito bem — não há como melhorar a produtividade e a competi-tividade do Brasil no panorama internacional. Porém, é

* Agnes Barbeito de Vasconcellos é presidente da Associação Brasileira

de Terminais e Recintos Alfandegados (ABTRA)

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preciso considerá-los dentro de um contexto maior. “Ouso afirmar que hoje a logística deve ser analisada como fator estratégico e requisito essencial para o desenvolvimento da economia (...) A logística deve, definitivamente, ser re-conhecida como motor estratégico do desenvolvimento da economia brasileira”.

Para quem não conhece bem a história de Pedro Bri-to, Muito a Navegar revela um pouco da trajetória de um líder colocado à frente de uma atividade de tradições mi-lenares com a qual não tinha nenhuma familiaridade. Re-lata como um homem de finanças, perspicaz e pragmático, vindo da iniciativa privada, antes ministro da Integração Nacional até assumir a Secretaria de Portos, apostou que a abordagem de gestor e executivo seria fundamental para o sucesso de sua empreitada: mudar a feição dos portos brasileiros.

Não há no livro a intenção de autopromoção, de elo-gio em boca própria (que, todos sabem, é vitupério). Como ele próprio diz no capítulo 8: “Sempre fui um quadro técni-co. (...) Eu não era um especialista em portos, longe disso”. E é com essa franqueza deliciosamente nordestina que Pedro Brito, em Muito a Navegar, faz uma análise desapaixonada da situação mundial, repleta de dados, estudos e muito de sua vivência lidando com os portos brasileiros. A obra é um relato dinâmico de quem humildemente ouviu, ouviu, ou-viu, constatou, procurou, imergiu e emergiu quebrando pa-radigmas, apresentando soluções lógicas, focando a neces-sidade do planejamento e de pensar para o Brasil uma nova e integrada matriz logística.

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Com os olhos voltados para o futuro, Pedro Brito, que abriu as portas para que a iniciativa privada entras-se de forma organizada nos portos brasileiros, obcecado por resultados, discute a questão portuária como poucos. Chama atenção para a necessidade de se incluir na matriz logística o grande potencial hidroviário brasileiro, “com mais de 40 mil km de vias fluviais ainda subaproveita-das”; discorre sobre as obras que serão necessárias em to-dos os portos; fala da integração com os modais de trans-porte e com os portos secos; reflete a respeito da urgência de diminuir a burocracia, e ainda preconiza que o Brasil esteja preparado para os grandes eventos que serão reali-zados nesta década: a Copa do Mundo e as Olimpíadas.

Nos 16 capítulos de Muito a Navegar há muito a aprender e refletir. No fundo, este relato do mergulho de um nobre cavaleiro no mundo intrigante dos marujos e das histórias de beira de cais não poderia resultar em ou-tra coisa senão em leitura digna de um cordel cearense da melhor qualidade.

Queiramos ou não, Pedro Brito entra para a história, pois “nunca antes neste país” houve um Ministério dos Portos. Aconteça o que acontecer, ele deixou claro que as demandas do setor não podem se perder nos corredores da burocracia. Ainda há muito a fazer? É claro que sim. E, para encerrar esta apresentação, permitam-me plagiar suas próprias palavras: “Ainda há muito a navegar, mas — tenho certeza — estamos finalmente na rota certa”.

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PREFácIO

Matriz criativa para a gestão dos portos

Ciro Gomes

Um dos mais graves problemas brasileiros, premissa e explicação de muitos outros, é a brutal perplexidade conceitual acerca do modelo estratégico que nos deveria guiar como país ao futuro.

A exaustão do velho modelo nacional desenvolvi-mentista que nos tirou da monocultura – e nos trouxe ao posto de décima quinta economia industrial do planeta – nos pegou em meio à esclerose do período autoritário, e legou um custo de grave emergência à democracia nas-cente: a inflação galopante.

A estabilização demorou muito, e foi feita em meio à esmagadora moda neoliberal. O que era ideologia de baixa qualidade foi adotado pelas elites brasileiras como se fora ciência boa. O preço pago pela nação brasileira não tem

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precedentes na história do capitalismo mundial, ou talvez tenha similitude atenuada no ruinoso caso argentino.

Alguns números que os predadores internaciona-listas escondem do amplo conhecimento popular: em apenas oito anos, a dívida pública brasileira, que havia demorado 500 anos para chegar aos 38% do PIB, como custo do financiamento da estratégia de industrialização forçada e de sua infraestrutura saltou para 78% do PIB.

Como consequência inevitável, a carga tributária saltou de 27% para 35% do PIB. E o inacreditável: no mes-mo período foram vendidos U$100 bilhões de dólares de patrimônio público. A taxa de investimento público caiu a um dos menores valores da história – 0,36% do PIB – e a infraestrutura do país se deteriorou a ponto de irmos ao colapso na oferta de energia elétrica. O incrível é que este conjunto de números absolutamente incontestáveis ainda não é, para as frações dominantes de nossa elite, revelador da estupidez inominável do modelo.

É neste contexto que Muito a navegar, de Pedro Bri-to, significa notável contribuição à superação, de uma vez por todas, de nossas perplexidades ideológicas, oferecendo não um debate teórico, mas sim uma visão prática e testemunhal de como as coisas devem ser no Brasil, de hoje ao futuro.

Não poderia ser diferente: nosso setor portuário sofreu tudo o que podia sofrer, desde a decadência do modelo nacional desenvolvimentista até o completo equívoco – para dizer o menos – do modelo neoliberal à brasileira

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dos anos FHC. Sucateado, com modelagem incongruen-te, aparelhado pela politicagem e pela corrupção mais desbragada, o porto brasileiro virou um dos maiores obs-táculos à nossa competitividade sistêmica.

Pedro Brito oferece os números. Compara-nos com o mundo, demonstra concretamente o descalabro encontrado, menos para fazer discurso político e mais para estabelecer as bases concretas para a superação dos graves problemas.

O ministro dos Portos não é um teórico, mas com-preende muito bem a premissa intelectual correta com base para o desenvolvimento bem sucedido de uma po-lítica. Seu livro nos oferece a matriz institucional imagi-nosa e criativa para a gestão de portos. Vale observá-la para intuir o experimentalismo institucional sempre ne-cessário a um Brasil de desigualdades tão abissais.

Conheço Pedro Brito há décadas. É, sem favor, um dos melhores gestores públicos com quem já convivi. O trabalho que desenvolve como secretário especial da Pre-sidência da República para os portos já vem produzindo resultados, citados pelos que acompanham o assunto como entre os melhores da história recente do Brasil.

Com Muito a navegar, Pedro Brito dá uma con-tribuição conceitual – teórica e prática – para essa tão importante faceta de nossa infraestrutura. E mais: dei-xa uma contundente demonstração de que inteligência, experiência, liberdade frente a preconceitos e crença na força do Brasil são o caminho de superação de nossos problemas.

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capítulo 1

Logística: a palavra-chave

Em apenas três anos, entre 2007 e 2010, o Brasil galgou 20 posições no ranking dos 155 países com melhor de-sempenho logístico no setor portuário, segundo estudo do Banco Mundial elaborado com base em indicadores técnicos e na visão das empresas que operam no setor — ou seja, uma avaliação de mercado. No relatório, absolu-tamente independente, o Brasil saltou da 61a para a 41a posição na classificação de 155 países do Índice de De-sempenho Logístico (LPI — Logistical Performance Index) do Bird, o que é um resultado excepcional sob qualquer ponto de vista. Além desse notável avanço do Brasil, a análise do Banco Mundial revelou que, no mesmo pe-ríodo, a Alemanha tirou de Cingapura o primeiro lugar entre os sistemas logísticos portuários mais eficientes do

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mundo. Cingapura caiu para o segundo lugar, seguindo-se, em ordem decrescente, Suécia, Holanda, Luxembur-go, Suíça, Japão, Reino Unido, Bélgica e Noruega. Entre os dez primeiros colocados, chama atenção a ausência de potências econômicas como Estados Unidos (15o lugar), França (17o), Itália (22o), Espanha (25o) e China (27o). O Brasil obteve a melhor classificação na América Latina, acima da Argentina, que ficou em 48o lugar, do Chile, em 49o, e do México, em 50o. O estudo, denominado The Logistics Performance Index and Its Indicators, foi elabo-rado pelo Banco Mundial em colaboração com a Escola de Negócios de Turku, da Finlândia, e está disponível na íntegra em http://siteresources.worldbank.org/INTTLF/Resources/LPI2010_for_web.pdf.

O LPI do Banco Mundial busca avaliar o ambien-te logístico dos países tendo como base uma média de

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sete avaliações — cujas notas variam do mínimo de 1 ao máximo de 5 — considerando as seguintes dimensões de desempenho:

eficiência do processo de liberação ou desembaraço de • cargas nas alfândegas e em outras agências de controle de fronteiras (clearance process);

qualidade do transporte, da infraestrutura e da tecno-• logia de informação, associada ao sistema de logística (infrastructure);

facilidade e disponibilidade (• easyness and affordability) para fazer embarques internacionais a preços competi-tivos (international shipments);

competência e qualidade da indústria local de logísti-• ca, dos operadores portuários, dos corretores de alfân-degas etc. (logistic competence);

rastreamento e acompanhamento de cargas (• tracking and tracing);

custos domésticos de logística (custos de transportes, • armazenagem e manejo de cargas);

tempestividade, rapidez e economia de tempo (• time-lessness).

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O índice é construído a partir de uma pesquisa nas bases operacionais das principais empresas transporta-doras que despacham mercadorias e cruzam fronteiras internacionais. Foi concebido para avaliar a percepção desses profissionais a respeito do desempenho da logís-tica comercial não apenas dos países onde operam, mas também daqueles com os quais trabalham. É um indica-dor basicamente qualitativo, mas utiliza também algu-mas informações de natureza quantitativa.

No caso do Brasil, quando se analisam os diversos itens que compõem seu LPI, deve-se observar que as nos-sas principais deficiências não estão em falhas de infraes-trutura, ou na competência logística, nem em problemas de rastreamento de cargas ou tempo de transporte. Elas se devem, principalmente, ao impacto negativo da buro-cracia aduaneira e fiscal (baixa eficiência no processo de liberação ou desembaraço de transações nas alfândegas e em outras agências de controle de fronteiras) e de outros fatores que dificultam o processo de embarque de merca-dorias destinadas ao exterior. Esses são os itens em que a classificação parcial do Brasil é pior do que a classificação geral — ou seja, onde estamos, hoje, abaixo do 41o lugar.Por outro lado, quando comparamos os resultados de 2007 e 2010, verificamos que os indicadores do Brasil melhoraram em quase todas as dimensões, exceto, exa-tamente, na parte de burocracia e controles de fronteiras, onde ocorreu até um leve retrocesso.

Note-se que a pesquisa não está focada em nenhum modal em particular, dado que enfatiza o ambiente, a

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cadeia e o processo da logística. Mas, evidentemente, a elevação da classificação do Brasil está estreitamente re-lacionada à melhoria do desempenho do setor portuário nos últimos anos, por uma série de razões. Em primeiro lugar, o foco do Banco Mundial é o comércio internacio-nal, e este depende estreitamente do setor portuário. Em segundo lugar, o relatório do Banco Mundial apresenta algumas avaliações da situação dos diferentes modais, para grandes regiões. No levantamento do LPI domésti-co do relatório de 2010, a qualidade da infraestrutura da América Latina foi avaliada como baixa ou muito baixa nas seguintes proporções, por modo de transporte: ferro-vias, 86%; rodovias, 50%; portos, 34%; aeroportos, 25%; armazenagem e transbordo, 20%; e telecomunicações e TI, 15%.

Na mesma linha de raciocínio, a competência dos provedores dos serviços era considerada “baixa ou muito baixa” na proporção de 22% para os portos, 23% para as rodovias e 51% para as ferrovias. Ou seja, o sis-tema portuário tem tido, sistematicamente, uma avalia-ção mais positiva do que os sistemas rodoviário e fer-roviário. Em relação a esses últimos, o Banco Mundial registra que a infraestrutura e as conexões ferroviárias são hoje um problema em todo o mundo; e termina por concluir que “grandes mudanças qualitativas são neces-sárias para eliminar o hiato em desempenho logístico, qualidade e confiabilidade dos serviços ferroviários. Como essas melhoras dependem de mudanças institu-cionais na administração e na operação das ferrovias, a

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reforma do setor ferroviário está se tornando uma parte importante da agenda de desenvolvimento do setor de transportes”.

Em terceiro lugar, um dos poucos indicadores quantitativos incluídos na avaliação do LPI é o do tem-po médio, em dias, para realizar uma exportação ou uma importação, tarefa que, predominantemente, tem a intermediação dos portos. Entre 2007 e 2010, esse tempo médio baixou de 3,4 dias para 2,8 dias na exportação, e de 7,0 dias para 3,88 dias na importação, no caso do Bra-sil. Os números correspondentes para a Lituânia foram de 4,5 para 2 dias na exportação, e de 4,5 para 2,29 na importação. Selecionamos esses dois países porque (ex-cluído o Líbano) foram os que conseguiram os maiores avanços no LPI entre 2007 e 2010 — o Brasil, com um salto de 20 posições à frente, e a Lituânia, com um pro-gresso de 13 posições.

Finalmente, o setor portuário brasileiro foi o úni-co modal que, nos últimos anos, passou por uma grande transformação institucional, a partir da Lei de Moderni-zação dos Portos (8.630/93) e da criação da Secretaria de Portos, em 2007, quando começou a ser corrigido o aban-dono a que haviam sido relegados os investimentos por-tuários nas últimas décadas.

Creio que essas considerações são suficientes para justificar nossa pretensão de atribuir ao setor portuário parte do mérito pela melhoria dos padrões de logística do país.

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As razões que explicam o sucesso de alguns dos países que se destacam hoje em logística portuária me-recem uma avaliação mais detalhada, como parâmetro de comparação com o Brasil e como benchmark para in-dicar os caminhos que devem ser trilhados, de olho no futuro e num ritmo compatível com o nosso potencial de crescimento. Cingapura é um caso à parte, uma cida-de-estado insular com apenas 710,2 km² de área — me-nos da metade da capital de São Paulo — e 4 milhões de habitantes, localizada no Sudeste Asiático e síntese do conceito de economia de mercado. O país é praticamente um porto gigante, o maior do mundo, em torno do qual se estende uma nação, com uma das maiores rendas per capita do planeta. Em decorrência de sua posição geo-gráfica e de outras particularidades relacionadas à ló-gica do comércio internacional, o porto de Cingapura, sozinho, movimenta um volume de contêineres quatro

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vezes maior do que todos os portos brasileiros, soma-dos. No entanto, a prioridade que Cingapura concede à sua condição de porto estratégico para a Ásia e a ênfase ao comércio exterior não a tornam a melhor referência para uma análise das reais demandas do Brasil no setor portuário.

A situação de algumas nações ocidentais é dife-rente. A Alemanha, por exemplo, não conquistou a li-derança em eficiência logística no relatório do Banco Mundial apenas por sua situação geográfica, nem por-que se sustenta em uma base econômica que depende quase exclusivamente do comércio internacional, como Cingapura. A Alemanha organizou, ao longo de muitos anos, uma consistente cadeia de investimentos em in-fraestrutura dedicada ao atendimento da logística efi-ciente e segura, configurada, entre outros indicadores, por instalações como Duisport, um importante porto fluvial localizado em Duisburg, cidade com 490 mil ha-bitantes, no oeste do país, na região de Düsseldorf. Na verdade, Duisport consiste em uma complexa platafor-ma logística cuja âncora é seu porto fluvial, às margens do rio Reno, onde chegam e de onde partem caminhões, trens e barcaças com cargas que seguem até os portos marítimos, a fim de que as mercadorias sejam distribuí-das no mercado interno e por toda a Europa. O fluxo de cargas na plataforma logística envolve, nos dois senti-dos, os portos de Antuérpia, Roterdã e Hamburgo e os mercados consumidores da Europa Ocidental, Europa Oriental e região dos Bálcãs. Esse é um exemplo perfeito

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de intermodalidade. Atualmente, Duisport movimenta quase 100 milhões de toneladas de carga por ano, mais do que o porto de Santos.

O conceito que envolve a criação de plataformas logísticas e a prioridade ao transporte hidroviário é tão importante para a Alemanha que há cerca de 30 anos o país começou a desenvolver um projeto de construção de um canal artificial, já concluído, para ligar o rio Reno ao rio Danúbio. Tem 172 km de comprimento, em torno de 60 m de largura e cerca de 4 m de profundidade e permite a navegação durante o ano inteiro, graças às suas 17 eclusas. Graças a esse canal, o navio que chega ao porto holandês de Roterdã, por exemplo, no norte da Europa, pode levar sua carga até o mar Negro, na outra ponta do continente, porque todos os rios da re-gião, que rompem fronteiras de vários países, são inter-ligados por sistemas de canais, numa extensão de quase 3.800 km. As manobras que se realizam nas 17 eclusas do grande canal impõem, evidentemente, um custo operacional elevado ao governo alemão, já que todas as tarifas pagas pelos navios, de qualquer bandeira, repre-sentam apenas 10% do custo de operação. Isso significa que 90% dos custos são bancados pela sociedade alemã, que tem consciência das vantagens de permanecer na liderança estratégica em logística na Europa, conside-rando o que essa hegemonia significa como fonte per-manente de emprego, de renda e de novos negócios. A sociedade alemã recupera o investimento na construção e na manutenção de uma obra como essa por meio dos

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benefícios que um sistema eficiente de logística é capaz de gerar para a população. A preocupação é com os ga-nhos econômicos indiretos, e não com as tarifas pagas pelos navios que trafegam no canal. Essa é, sim, uma indicação do que se deve fazer no Brasil, especialmente em termos de mudança de mentalidade e de cultura. Trata-se, mais uma vez, de intermodalidade e de inteli-gência logística, não custa repetir.

A Bélgica é outro bom exemplo, uma nação ter-ritorialmente pequena e muito rica exatamente porque desenvolveu uma estratégia de Estado para a área de logística. Sua costa é minúscula, com cerca de 65 km de extensão, mas apenas um de seus portos importantes, o de Antuérpia, possui um cais com 160 km de compri-mento, quase três vezes mais longo do que todo o seu litoral, e uma malha ferroviária própria de 1.100 km. Com o suporte de seus três principais portos — Antuér-pia, Gent e Zeebrugge —, a Bélgica conseguiu montar uma estrutura de logística tão fantástica que a qualifi-cou como um dos países mais desenvolvidos do mundo, ostentando hoje uma renda per capita em torno de 35 mil euros. Só a título de curiosidade, todas as estradas belgas são iluminadas e não cobram pedágio, para não falar de outros benefícios sociais para a população.

Países como os Estados Unidos também desenvol-veram sistemas de logística capazes de duplicar o nível de eficiência no transporte de contêineres por trens e caminhões. Em grande parte das ferrovias e rodovias norte-americanas, um contêiner pode ser empilhado

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sobre outro durante o transporte, porque os túneis, as pontes e todas as demais interferências de tráfego são calculados com base na altura de dois contêineres, dife-rentemente do Brasil, onde os túneis, pontes e viadutos só comportam a altura de um único contêiner. Outro exemplo: quem viaja pelo interior da Alemanha ou da Holanda raramente vê caminhões com contêineres nas estradas, porque a logística no país é de tal forma efi-ciente que as mercadorias de todos os contêineres são concentradas em centros de distribuição e dali partem em veículos cobertos para plataformas logísticas, de onde são embarcadas para outros destinos. O conceito de intermodalidade funciona com perfeição. Em qua-se toda a Europa existem centros de logística em que os modais ferroviário, rodoviário e, principalmente, hidroviário se conectam e as cargas são remanejadas de acordo com o destino, para exportação ou para dis-tribuição no mercado interno, harmonicamente, como uma orquestra bem ensaiada.

Para o Brasil, a lição aprendida nessas e em muitas outras experiências é clara: precisamos compreender os portos como um elo vital da cadeia logística. A palavra-chave é logística, repito. Etimologicamente, a raiz de logís-tica é militar. Na caserna, trata-se de tudo o que se refere a alojamento e transporte da tropa, equipamentos, produ-ção, distribuição, manutenção e movimentação de mate-rial e às demais atividades requeridas por um exército em guerra. Napoleão e Hitler sofreram derrotas dramáticas por problemas de logística, quando ordenaram que suas

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tropas invadissem a Rússia durante o inverno. O exérci-to russo simplesmente tratou de impedir que os invaso-res tivessem acesso aos suprimentos. Hoje, para manter a presença dos Estados Unidos no Afeganistão, todo o fluxo de suprimento logístico militar se dá pelo porto de Riga, na Letônia. No entanto, é evidente que o exército norte-americano mantém planos alternativos, senão bastaria que o outro lado do conflito fechasse o porto de Riga para sufocar as tropas dos Estados Unidos. Mais uma vez, por-tanto, tudo se concentra em planejamento logístico.

Nos dicionários, o termo logística, em sua origem grega, relaciona-se a cálculo, raciocínio e razão, a aritmé-tica e álgebra. Nos portos do Brasil, essa acepção e a fon-te militar da palavra se combinam para indicar soluções lógicas, inadiáveis e indispensáveis para que se obtenha um ritmo de crescimento econômico verdadeiramente sustentado. E o que diferencia hoje a eficiência de um país em relação a outro é a maneira como cada qual organiza sua logística. Por que no relatório do Banco Mundial a Alemanha é o número um do ponto de vista de eficiência logística? Porque a Alemanha organizou uma completa e consistente cadeia de investimentos em infraestrutura voltada para o atendimento da logística eficiente, com planejamento de longo prazo. É essa visão de logística que o Brasil precisa desenvolver. O Brasil é hoje o líder mundial na produção de commodities, especialmente de bens agrícolas e minérios. Produz e exporta para o mundo e precisa, portanto, ter uma matriz de logística eficiente, para não perder essa hegemonia. Num país de dimensões

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continentais como o nosso, como transportar grãos, carne e minérios do Centro-Oeste e da Região Norte para a Chi-na ou para a Europa, sendo preciso cruzar milhares de quilômetros em território nacional, quase sempre por es-tradas sem condições ideais de tráfego? Isso somente será possível por meio de uma logística inteligente, eficiente e segura, que depende, evidentemente, de infraestrutura adequada.

Por isso a logística é fundamental para o desenvol-vimento econômico do Brasil, considerando as demandas necessárias à sustentação da expansão que se projeta para os próximos anos. Ouso afirmar que, hoje, a logística deve ser analisada como requisito essencial e fator estratégico para o desenvolvimento da economia brasileira. Porém, até há pouco tempo, os portos brasileiros não eram vistos do ponto de vista da cadeia logística. Havia uma tendên-cia a focá-los de forma isolada, desconectada dos demais modais de transporte e ignorando as suas relações com o aparato produtivo e o sistema econômico a que devem servir, algo que, sem dúvida, deriva da nossa tradição de administração pública enfeudada, setorizada, depar-tamentalizada e corporativista. Essa é uma visão ultra-passada. Por si só, um porto não tem sentido se não fizer parte de uma rede, de uma cadeia, de um sistema. É esta a grande novidade conceitual que precisamos disseminar hoje no país: a logística deve, definitivamente, ser reco-nhecida como motor estratégico do desenvolvimento da economia brasileira.

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capítulo 2

Navios cada vez maiores

Neste exato momento, em algum oceano do mundo, navega um gigante. Ele se chama N/M Emma Maersk, tem perto de 60 m de largura, quase 400 m de comprimento, o equivalente a quatro quarteirões, e é dinamarquês. É o maior navio transportador de contêineres do mundo e, não custa lembrar, como curiosidade — porque nos ma-res nem sempre tudo é apenas business —, que seu nome homenageia a esposa falecida do sr. A. P. Moller, presi-dente e fundador do grupo que o construiu, o Moller-Maersk. Esse meganavio pode transportar entre 13 mil e 15 mil contêineres (dependendo do peso médio da carga embarcada nos contêineres), que, enfileirados, se esten-deriam por cerca de 78 km. Ele quase não navega ao sul do Equador e não cabe em nenhum porto brasileiro — e

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isso não representa problema algum. Não precisamos, por enquanto, receber o Emma Maersk, porque os nossos fluxos de comércio não demandam navios desse porte. Precisamos, isto sim, receber de forma adequada os ti-pos de navio que nos visitam e, mais do que tudo, criar condições para movimentar de maneira eficaz as mer-cadorias que eles transportam, de acordo com as reais demandas da empolgante ascensão econômica do nosso país. Para isso, é necessário identificar e eliminar os pro-blemas que acabam por causar os entraves no sistema portuário brasileiro, objetivamente. O gargalo é logísti-co, e não portuário.

O Emma Maersk não frequenta os portos sul-ame-ricanos não por causa das limitações de nossos portos, mas, sobretudo, por uma questão de lógica do comércio global, que flui, de forma predominante, no sentido les-te-oeste, no eixo Ásia-Europa-Estados Unidos. Os fluxos no sentido norte-sul são complementares e de restrita participação no comércio global transportado em contêi-neres. Basta observar o mapa de localização dos maio-res portos de contêineres do mundo para que se perceba, com clareza, como se move o fluxo de comércio. Os 25 maiores portos de contêineres estão exatamente no eixo leste-oeste — Estados Unidos, Europa e Ásia, ao longo do hemisfério norte. Nos eixos norte-sul do comércio, há poucos grandes portos: Santos e os portos exportadores de minérios, no Brasil; Manta, no Equador; alguns portos sul-africanos e australianos, e só. Trata-se de uma questão de escala do comércio global, pura e simplesmente.

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Também é fundamental acrescentar na avaliação dos portos brasileiros o crescimento acelerado da con-teinerização da carga geral. Hoje, cerca de 70% da carga geral do mundo inteiro já é transportada por contêineres, enquanto na década de 1980 essa participação não passa-va de 20%. Quando se trata de centenas de milhões e mi-lhões de toneladas de carga, uma diferença de 50 pontos percentuais é gigantesca. Uma das primeiras mercadorias a ser transportada em contêiner foi o café, pelo seu alto valor e pela proteção conferida à carga. Hoje em dia, até o açúcar, um dos granéis de baixo valor, também é costu-meiramente já transportado em contêineres, e não mais exclusivamente a granel, como se fazia alguns anos atrás.

A utilização de contêineres cresce sem parar, e o Brasil acompanha esse perfil, assim como a quase totalidade

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dos países, com raras exceções. Por exemplo, a Rússia tem baixo nível de conteinerização de cargas e é um dos países da Europa que dispõem de um sistema de logística portuária ainda muito deficiente, assim como a Itália. A França evoluiu em algumas áreas, com portos como o de Le Havre, que é competitivo, mas outros portos franceses são deficientes, devido a problemas trabalhistas ou à fal-ta de investimentos governamentais. Casos semelhantes ocorrem em outros países, mas não são a regra.

O fato a se destacar é que os portos tiveram de acompanhar o crescimento vertiginoso dos navios. Nas décadas de 1960 e 1970, os navios padrões (da primeira geração Panamax) movimentavam 1.700 TEUs — iniciais de Twenty-foot Equivalent Unit, ou unidade equivalente a um contêiner de 20 pés, ou a um contêiner padrão de 20 pés de comprimento, equivalente a 6,10 m de comprimen-to por 2,44 m largura e 2,59 m de altura, o que significa cerca de 39 m3. Os contêineres que giram o mundo inteiro em navios, trens e carretas foram padronizados pela ISO em janeiro de 1968 em 20 ou 40 pés. Recentemente, foram introduzidos contêineres de 45 pés, mas ainda não se tem certeza se a nova padronização será adotada universal-mente. A criação do contêiner foi como pôr o ovo em pé: uma solução simples e genial. Toda a logística de trans-porte mundial se adaptou a esse padrão — os caminhões, os trens, as barcaças e a altura dos túneis, das pontes e dos viadutos. Então, quando se fala em 2 TEUs, a medida equivale a um contêiner de 40 pés ou a dois contêineres de 20 pés.

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A partir da década de 1980, houve um aumento crescente no tamanho dos navios, e hoje há embarcações gigantescas (do padrão Post-Panamax) que podem movi-mentar até 15 mil TEUs, como o Emma Maersk. Do ponto de vista do armador, navios maiores significam ganho de escala e, portanto, redução de custos. Um armador coloca num navio de 15 mil TEUs o equivalente a dez vezes o volume de carga que recebia um dos navios que opera-vam cinco décadas atrás, com ganhos enormes em econo-mia e eficiência. Para os portos, isso requer investimento em novos cais de atracação, novos equipamentos e dra-gagem. Exemplificando, um navio de 1.700 TEUs pode operar em um cais com 5 m de profundidade, enquanto um navio de 15 mil TEUs precisa de 15 ou 16 m, depen-dendo do local, se é mais ou menos abrigado. Além disso, o Emma Maersk necesssita de guindastes de pórtico capa-zes de alcançar 22 fileiras de contêineres ao longo do cos-tado, enquanto os navios Panamax estavam restritos ao máximo de 12 fileiras, devido à largura do canal do Pa-namá, e os Post-Panamax a 16-19 fileiras. Para complicar ainda mais a operação dos meganavios, os guindastes de pórtico precisam ser mais altos, operar a uma velocidade maior para percorrer um percurso maior num tempo me-nor, e pesam muito mais do que os guindastes utilizados nos Panamax, exigindo que os cais de atracação sejam reforçados para suportar o peso de até 1.800 toneladas desses equipamentos.

Em 2010, o estuário do porto de Santos foi apro-fundado para 15 m, na primeira fase de um projeto de

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dragagem que, em seguida, atingirá 17 m. Com a pro-fundidade anterior, de 13 m, Santos não recebia navios de classe superior ao Post-Panamax, de 4.800 TEUs. Com a dragagem para 15 m, o maior porto brasileiro se tor-na capaz de receber navios Super Post-Panamax, de até 8.600 TEUs. A dragagem, portanto, gera imediatamen-te mais eficiência na operação portuária, porque navios maiores vão entrar no porto, de modo a reduzir custos. Somente essa providência de dragagem em Santos, se nenhuma outra obra fosse feita na área, já revoluciona todo o sistema de tráfego internacional de navios para o Brasil, porque consolida o porto de Santos como o maior do Cone Sul em relação à capacidade de receber grandes navios, tornando-se o centro de atração de grandes em-barcações no continente. Apenas isso aumenta em mais de 100% a capacidade de movimentação dos terminais

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de contêineres do porto de Santos, porque quase dobra o tamanho dos navios que pode receber e que passam a ser operados com uma produtividade maior.

Contudo, não basta apenas a dragagem dos canais de acesso aos portos. Os terminais têm que se preparar igualmente para receber adequadamente esses novos navios. Os cais com 250 m de extensão que antes eram adequados para operar navios Panamax já não são mais capazes de operar os meganavios — mais largos, mais altos e com maior calado —, porque senão as extremi-dades da embarcação ficariam de fora. Os cais precisam ser adequados e os equipamentos substituídos. O cresci-mento inexorável dos navios exige uma série de investi-mentos do governo, a quem cabe manter a infraestrutura marítima e terrestre, e dos operadores-arrendatários dos portos públicos e terminais privativos, em relação à ex-tensão e à profundidade dos cais de atracação e à ade-quação dos guindastes para operar os meganavios. Es-ses investimentos só se justificam se houver escala. Um moderno portêiner (nome dado ao guindaste de pórtico) custa cerca de 8 milhões de dólares ao operador (livre de impostos por conta do Programa Reporto, instituído pelo presidente Lula); logo, não dá para fazer um inves-timento desse porte sem sólida justificativa econômica. Enfim, cada porto deve estar preparado para os navios que o demandam, e não para a eventualidade de uma vez por ano receber um navio de 15 mil TEUs como o Emma Maersk. O porte do maior navio que demandará o porto de Santos, que é o maior porto da América Latina,

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será o Super Post-Panamax, da classe Santa da armado-ra alemã Hamburg-Sud, com 8.600 TEUs, e para isso os portos estão sendo preparados.

O mais importante é que a sociedade se convença de que investimento em porto é retorno certo para o país. A produtividade da economia brasileira depende direta-mente da eficiência de sua logística portuária, e o Brasil não tem como melhorar sua produtividade e sua compe-titividade se não avançar muito em eficiência logística. Em última análise, a competitividade brasileira nos mer-cados globais dependerá — e muito — da eficiência de sua cadeia logística.

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capítulo 3

Portos públicos, operação privada

O foco de toda abordagem do setor portuário deve ser a constatação de que portos são ativos estratégicos que re-querem planejamento do governo e investimentos públi-cos para funcionar com eficiência. Um porto não é só um local à beira do mar, com águas abrigadas, propícias para receber navios. Um porto é um sistema complexo que, para se tornar eficiente, precisa de bons acessos terrestres, sistemas de energia elétrica, de esgotos, de tratamento de água, de comunicação — ou seja, precisa de investi-mentos públicos. Quem financia o porto, na verdade, é a sociedade como um todo, fundamentando-se no retorno socioeconômico que o setor é capaz de gerar, e por isso os portos devem ser públicos, geridos pelo Estado de acordo com os interesses da sociedade, e operados pela iniciativa

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privada. Mas, ainda hoje, há quem defenda a mudança desse modelo de administração portuária. Existe pressão para que se privatizem os portos e, frequentemente, se vê no Congresso a ação de fortes lobbies trabalhando a favor dos interesses de alguns grandes armadores. No passado esse anseio poderia até ser legítimo, porque os portos pú-blicos eram operados pelo governo, e não pela iniciativa privada, como hoje, e de fato não funcionavam de ma-neira adequada, com custos altos e problemas sérios em quase todas as áreas. Mas, se tal crítica era anteriormen-te pertinente, hoje não faz nenhum sentido, e qualquer pressão para mudar o atual modelo é um equívoco.

Quando se comparam os portos brasileiros com os mais eficientes portos no mundo, a diferença objetiva que se encontra é no arranjo societário. No Brasil, os portos

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pertencem à União. Na Europa, normalmente, pertencem aos municípios, ou às vezes a uma sociedade que reúne os municípios e a União. Na Holanda, por exemplo, 66% das ações do porto de Roterdã pertencem ao município e 33% são do governo central. Os portos espanhóis perten-cem às suas Comunidades Autônomas (equivalentes aos estados do Brasil, mas com mais autonomia): a Catalunha é dona do porto de Barcelona, a região de Valência controla o porto de Valência e assim por diante. No caso da França, todos os portos pertencem à União, como aqui no Brasil. Lá, o Ministério da Infraestrutura coordena o trabalho por-tuário. Já na Itália a situação é mais confusa, e o país tem portos pouco eficientes. O principal porto italiano, que é o de Gênova, apresenta carências sérias em vários setores. Nos Estados Unidos, os portos pertencem às unidades fe-deradas: o de Nova York é propriedade do estado de Nova York; o de Los Angeles pertence ao estado da Califórnia, e assim por diante. Na Índia, todos os portos são proprieda-de do governo central, assim como ocorre em toda a Ásia, de maneira geral. Existem duas exceções: os portos da In-glaterra, que, durante o governo de Margaret Thatcher, es-tavam numa situação de caos absoluto, com greves perma-nentes, e a primeira-ministra, numa decisão limite, resol-veu privatizá-los; e, nessa mesma linha, os portos da Nova Zelândia, que são privados. No resto do mundo os portos são públicos, operados pela iniciativa privada.

O formato consagrado no mundo é o landlord port model, em que os portos têm a propriedade da terra e o governo planeja sua estrutura. A operação é privada,

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por meio de um sistema de arrendamento concedido em licitações públicas. O que varia de país para país é a legislação, que pode ser mais restritiva ou mais fle-xível. E existem diferenças culturais, evidentemente. Mas, objetivamente, não há o que discutir em relação ao modelo portuário brasileiro. Qualquer pressão para mudá-lo se prende unicamente a interesses estritamen-te empresariais e privados, desvinculados dos interes-ses do país. O negócio portuário é o que os economistas chamam de monopólio natural, e essa é mais uma razão para que a atividade portuária seja dirigida pelo Esta-do. Um monopólio natural é uma atividade que exige investimentos de grande porte e tem como contrapar-tida os benefícios de rendimentos crescentes de escala. É o que ocorre com os investimentos em infraestrutura de energia, transportes ferroviários, portos, saneamento básico etc. Nesses setores, seria antieconômico ter mais de um provedor dos serviços. Ou, ainda que isso fosse possível, a tendência seria que um dos provedores fosse mais rápido ou competente no aproveitamento das eco-nomias de escala e, progressivamente, deslocasse seus competidores, transformando-se num monopolista. Por isso, os serviços de infraestrutura ou são controlados diretamente pelo governo, como acontecia no passado, ou são concedidos a empresas privadas, mas sob estri-ta regulação e supervisão governamental. O único setor que em parte escapou a essa camisa de força foi o de comunicações que, graças ao avanço tecnológico, criou novas opções de prestação de serviços, abrindo espaço

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para algum tipo de competição entre os diversos prove-dores do serviço.

Dentro de sua área de influência, numa delimita-ção mais restrita, um porto tem uma clientela cativa e, assim, é de fato um monopólio. Ampliando-se essa área, podemos ter algum tipo de competência, mas a tendência para o monopólio é inexorável — ou porque os poucos operadores eficientes vão se unir para combinar preço, ou porque os mais eficientes, pela simples lógica econô-mica, vão eliminar o espaço dos menos eficientes.

Não se trata de o Estado operar o porto, como ocor-ria no passado. Na atualidade, no Brasil, o porto é sempre operado pela iniciativa privada. Cabem ao Estado as fun-ções de regulação, planejamento estratégico e as obras de infraestrutura de acesso hidroviário (comum a todos os terminais) e acesso terrestre. Na verdade, essa discussão, hoje, só acontece em relação aos portos de contêineres, porque a lei brasileira permite a criação de portos privados para movimentar cargas próprias. Por exemplo, a Trans-petro, operadora da Petrobras, possui terminais próprios, assim como a Vale. Pelo porto de Itaqui, no Maranhão, a Vale exporta cerca de 100 milhões de toneladas de mi-nério anualmente e desenvolve um projeto de expansão para chegar a 230 milhões de toneladas. Na área de grãos, a Bunge e a Cargill têm seus próprios portos, e coope-rativas empresariais também podem ter seus terminais privados. Portanto, a pressão que existe é para terminais de contêineres, que são muito lucrativos para os operado-res. Por isso alguns armadores querem ter seus próprios

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portos de contêineres, o que não atende aos interesses da sociedade, porque uma companhia que monte seu porto dará prioridade a seus próprios navios, e os outros usuá-rios não serão atendidos, ou serão mal atendidos. O porto tem de ser público porque presta um serviço para a cole-tividade, para o grande ou para o pequeno importador ou exportador, e porque são equipamentos estratégicos que dependem dos investimentos em infraestrutura para funcionar com eficiência. É simples, e não há como fugir dessa obviedade.

Há ainda um agravante que merece destaque. Os terminais de contêineres têm um ganho significativo de redução de seus custos unitários (pela diluição dos cus-tos fixos por uma quantidade maior de contêineres movi-mentados) que deve ser compartilhada com os usuários. Justamente aí é que entra o papel regulador do Estado, garantindo tarifas módicas, tratamento isonômico para todos os usuários, grandes ou pequenos, e a continuida-de dos serviços a serem prestados. São as características usuais de um serviço público. Caso contrário, é eviden-te que os terminais, sem o poder regulatório do Estado, capturariam em seu próprio benefício os resultados das economias de escala e poderiam escolher os melhores clientes, renegando os menos rentáveis.

De qualquer modo, as polêmicas que frequente-mente se travam em torno do marco regulatório do setor portuário têm inspirado importantes reflexões. Recente-mente, foi publicado um artigo de um professor de eco-nomia da PUC em defesa da livre instalação de novos

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portos privados no país, o que constituiria, a seu ver, ga-rantia de eficiência econômica. A intervenção do poder público nos mercados é de fato indesejável e deve ser combatida quando estes funcionam de maneira perfei-ta. Segundo Adam Smith, quando os mercados funcio-nam corretamente, os agentes econômicos, em busca de seus próprios interesses, tomam decisões que beneficiam toda a sociedade — como se uma “mão invisível” orga-nizasse essas decisões “egoístas” em benefício do bem-estar de todos. Porém, quando um mercado específico não é capaz de gerar os sinais adequados para orientar as decisões privadas, em virtude da existência do que se convencionou chamar de “falhas de mercado”, cabe ao poder público intervir e regular seu funcionamento, de modo a garantir a consecução de interesses coletivos. A regulação pública consiste, justamente, em deixar com a iniciativa privada a responsabilidade pela oferta e pela gestão do serviço, garantindo, dessa maneira, as vanta-gens inerentes ao sistema de mercado, ao mesmo tempo em que restringe parcialmente as entradas e saídas de empresas do mercado e a autonomia de decisão do em-presário, substituindo seu comportamento maximizador de lucros por regras administrativas que garantam um resultado socialmente aceitável.

A atividade portuária, a exemplo dos demais seto-res de infraestrutura, apresenta traços evidentes de um mercado que demanda regulação para seu adequado fun-cionamento. Suas atividades são caracterizadas pela ele-vada escala de produção e por altos níveis de integração,

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implicando custos fixos de instalação e funcionamento elevados, que impõem uma restrição objetiva ao número de produtores presentes no setor, em decorrência de cri-térios estritos de eficiência econômica e bem-estar. Além da restrição objetiva ao número de participantes, as ati-vidades de infraestrutura são, de modo geral, caracteri-zadas como “indústrias de rede”. Esse tipo de indústria apresenta, em maior ou menor grau, economias de esca-la, escopo e densidade nas suas operações. Tais atributos contribuem de forma direta para uma situação de inevitá-vel concentração econômica, uma vez que quanto maior for a produtividade de uma empresa, menor serão seus preços, porque por mais unidades se dividirão os altos custos envolvidos em tal processo.

Em função da presença de economias de rede, a entrada de novas empresas nesses mercados específicos eleva o custo médio, reduzindo a eficiência econômica, a partir de um número de participantes que pode ser tecni-camente definido. É importante notar que, nesses casos, a concentração não é algo a ser combatido nem eliminado. Pelo contrário, a atomização da oferta com a livre entra-da no mercado, como solicitam os liberais, como santo remédio para todo e qualquer setor da economia, apenas impediria a captura das mencionadas economias, elevan-do custos de operação e, por conseguinte, os preços finais cobrados aos usuários, em prejuízo da eficiência econô-mica social. Ao contrário do que às vezes se apregoa, nos setores que apresentam falhas de mercado importantes e nos setores de infraestrutura, em especial, a regulação de

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mercado existe para possibilitar a operação eficiente, com os menores custos possíveis, garantindo ao mesmo tem-po taxas de retorno compatíveis com os elevados inves-timentos realizados. Por isso, a regulação, nesses casos, passa também pela definição de um número eficiente de ofertantes, capaz de garantir a captura das economias de rede inerentes à atividade, em prol da redução de preços e do interesse da coletividade.

Basicamente, a associação de porto público a porto “em mãos estatais” é equivocada. O porto público, hoje, é explorado pela iniciativa privada e está, portanto, nas “mãos da iniciativa privada”. É clara a necessidade de investimentos públicos e privados numa economia em permanente crescimento, em que o fluxo de comércio in-ternacional aumenta ano a ano. Em vez de inibir, a mo-delagem brasileira estimula e ordena investimentos. Não haveria no sistema portuário brasileiro uma carteira de alguns bilhões de dólares de investimentos privados em curso se assim não fosse.

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capítulo 4

Marco regulatório

Em relação aos avanços relacionados ao marco regula-tório, a grande mudança ocorreu a partir da Constituição de 1988 e da Lei 8.630, promulgada em 1993 e conheci-da como Lei de Modernização dos Portos, que tirou do Estado o monopólio da operação portuária. Até então, a operação portuária era deficiente e problemática, para di-zer o mínimo. Consolidou-se, assim, a partir de sistemas de licitação, a presença da iniciativa privada na operação portuária, modelo proposto à época pelo Banco Mundial em sua consultoria à Portobrás. Hoje o Brasil tem uma das leis mais modernas e flexíveis do mundo no setor portuá-rio, com espaço definido para o Estado, para os operado-res privados e para terminais privativos. A Lei 8.630 foi o divisor de águas do sistema portuário brasileiro e, em

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2008, o Decreto 6.620 reforçou o marco regulatório ao dis-ciplinar a concessão de novos portos à iniciativa privada, sem que o Estado perdesse o poder de decisão acerca da conveniência da criação de novos portos, considerando a eficiência econômica sistêmica e critérios estratégicos a respeito da localização ideal, do tipo de instalação e do investimento a ser amortizado.

Todas as ações encaminhadas nos últimos anos pela SEP, com o objetivo de criar uma cadeia logística verdadeiramente eficiente, foram planejadas com o pen-samento voltado para o futuro, para os pilares da eco-nomia e o potencial do Brasil. Em primeiro lugar, como costuma acontecer em áreas consolidadas ao longo dos séculos, qualquer mudança significativa nos portos bra-sileiros envolve uma questão sobretudo cultural, por isso

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mesmo requer esforço maior. Não se trata de um trabalho para um único governo, pois deve se sustentar em plane-jamento de longo prazo. As bases para a mudança, con-tudo, já foram lançadas no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, quando ele decidiu investir pesada-mente em infraestrutura, mesmo que, no primeiro mo-mento de planejamento, não se percebesse com clareza

uma visão de logística integrada dos portos. De qualquer modo, quando se começa a investir de forma consistente na infraestrutura, na melhoria e na construção de estra-das, ferrovias, portos e hidrovias, criam-se com naturali-dade os fundamentos que permitem, em seguida, o de-senvolvimento de sistemas integrados e a aplicação da inteligência logística e do conceito de rede que os países líderes já estão adotando. No âmbito de políticas públi-cas, portanto, as bases foram lançadas.

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A iniciativa privada, por sua vez, domina com muita clareza essa necessidade, sempre dominou, porque tem conhecimento prático do que se faz no mundo corporativo e acompanha suas demandas. É importante destacar que a iniciativa privada está in-vestindo nos portos brasileiros como nunca havia in-vestido no passado. Em Santos, por exemplo, estão sendo construídos dois novos terminais de contêine-res, e um terceiro se encontra em fase de planejamen-to, com investimentos privados a partir de licitações abertas pelo porto. Os empresários sabem que Santos tem um imenso potencial de expansão em áreas como a de granéis líquidos, em que o porto está em utiliza-ção plena de sua capacidade instalada. Na exportação de granéis, mesmo com o desenvolvimento dos portos

nas regiões Norte e Nordeste, Santos continuará sen-do por muitos anos o principal ponto de escoamento da produção brasileira de grãos, como soja e milho, assim como de açúcar.

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O que também está por trás de todos esses investi-mentos é a segurança que o setor privado manifesta hoje no marco regulatório, porque o empresário só aplica o di-nheiro dele se estiver plenamente convicto de que a legis-lação e as regras são consistentes e duradouras, e confiar no crescimento da economia brasileira. Um investimento em porto é sempre uma aposta de longo prazo, algo para um horizonte de cinco décadas. Hoje, a iniciativa privada percebe no Brasil uma solidez institucional e política que não se vê na China nem na Índia, por exemplo, e essa cer-teza fundamenta o investimento.

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capítulo 5

Arranjo institucional

Tenho consciência absoluta de que a produtividade da economia de um país, como um todo, depende em gran-de parte da eficiência logística. O Brasil não tem como au-mentar a produtividade de sua economia e ganhar com-petitividade sem uma eficiente plataforma de logística. Isso é assim no mundo inteiro. Hoje, no entanto, a área de logística no Brasil está dividida entre diversos minis-térios, o que não parece sensato. A lógica é que se concen-tre em um único órgão. Estamos caminhando para isso, e o próprio mercado tem demandado que a Secretaria de Portos assuma esse papel. Muitos empresários da área portuária têm sugerido que a Secretaria se transforme em algo como um Ministério de Logística. É claro que uma mudança desse nível requer avaliação aprofundada, mas

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há um consenso em torno da ideia de que será preciso concentrar em um único ministério a administração de tudo o que se refere à logística portuária. Por exemplo, o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (DNIT), braço do Ministério dos Transportes responsável por obras, não tem essa visão estratégica porque não é essa a sua abordagem nem a sua função. Não podemos sair construindo estradas ou ferrovias sem a preocupação com a inteligência logística, sem pensar em criar redes, sem pensar em intermodalidade e na conectividade dos portos com os outros modais. E é preciso planejar estrate-gicamente esse setor, harmonicamente e a partir de uma única base de gestão.

A questão do porto seco, por exemplo, só para citar um dos muitos itens que compõem a complexa logísti-ca do setor, hoje configura um claro equívoco legal, por ser tratada como função da Secretaria da Receita Federal, que é quem faz as licitações e determina o destino dessas instalações. Um porto seco é uma área alfandegada fora do cais. Simplesmente pelo fato de ser a Receita Federal que faz o alfandegamento, como o faz nos portos marí-timos, é esse órgão que cuida do processo de criação de portos secos, o que é um absurdo do ponto de vista logís-tico. Porto seco tem de ser alfandegado, evidentemente, mas isso não significa que, simplesmente por causa dessa imposição legal, deve caber à Secretaria da Receita Fede-ral a tomada de decisão a respeito de sua localização, ta-manho e características operacionais, entre tantas outras providências de planejamento. Trata-se de uma decisão

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logística, estratégica, e que obrigatoriamente deverá ser apreciada de forma sistêmica, considerando os portos se-cos como elos da rede logística nacional. Portanto, fora do âmbito das atribuições da Receita Federal. O porto de Barcelona tem um porto seco em Madri, utilizado como plataforma logística para receber as cargas, numa área alfandegada pelo órgão espanhol equivalente à Receita Federal, mas toda a gestão logística é de competência do porto. O Brasil tem vários portos secos, todos licitados pelo Ministério da Fazenda, numa visão de alfândega, o que é um desvio conceitual, pois é evidente a necessidade de uma visão logística. É claro que a alfândega vai fisca-lizar o porto seco, vale repetir, mas a decisão de sua lo-calização é exclusivamente estratégica e logística, jamais fiscal. Precisamos superar nossa tendência histórica de valorizar mais a forma do que o conteúdo, sobrepor os meios aos fins, privilegiar o processo e não o objetivo.

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capítulo 6

Um salto em três anos

De volta ao relatório do Banco Mundial citado no início desta análise, o salto do Brasil da 61a para a 41a posição entre os países com melhor desempenho logís-tico no mundo — podendo-se atribuir isso em grande parte ao setor portuário — foi um avanço importante e surpreendeu muita gente que não acompanha de perto o que vem acontecendo ultimamente na beira do cais. De fato, galgar 20 posições em apenas três anos, num ranking estratégico tão disputado e no qual nosso país nunca se destacou, pode parecer um acontecimento inesperado à primeira vista. No entanto, a boa notícia simplesmente reflete um movimento que, sem muito alarde, iniciou-se com a criação da Secretaria Especial de Portos da Presidência da República (SEP-PR), em 7

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de maio de 2007 — posteriormente, pela Medida Pro-visória no 483/2010, a SEP se transformou em minis-tério vinculado à Presidência da República e passou a se chamar Secretaria de Portos. Por feliz acaso, a cria-ção da SEP, que assumiu atribuições antes delegadas ao Ministério dos Transportes, coincidiu com a divulgação do primeiro estudo do Banco Mundial, e a evolução re-gistrada nos três anos que decorreram até o segundo levantamento representa um indicador absolutamente isento e confiável do resultado das mudanças que, no período, foram promovidas no sistema portuário bra-sileiro. É impossível desvincular o resultado do estudo do Banco Mundial da atuação da Secretaria de Portos no período entre 2007 e 2010.

A leitura do relatório do Banco Mundial tem valor em qualquer contexto, mas também é preciso admitir que a 41a primeira posição num ranking de desempenho lo-gístico dos portos é ainda insuficiente para um país que ostenta a posição de oitava maior economia mundial. As razões que explicam essa aparente contradição se con-centram em vários eixos. Para começar, o índice de per-formance logística do Banco Mundial se baseia em sete indicadores, um dos quais é a alfândega, o único em que o Brasil não evoluiu. Com avanços na área alfandegária, em especial na burocracia da Receita Federal, poderíamos ter saltado, talvez, para a 30a posição. Objetivamente, até 2012, é bem possível que o país ganhe pelo menos mais dez posições nesse ranking, desde que obstáculos óbvios sejam removidos. Passos importantes nesse sentido já

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foram dados, com destaque para o projeto Porto Sem Pa-pel, como está detalhado no capítulo 14, mais à frente.

Outra questão que explica o lento avanço brasileiro é o próprio contexto histórico do desenvolvimento eco-nômico do país, cujas demandas no setor portuário são diferentes das de muitas outras nações, principalmente porque a força de nossa economia nunca foi muito de-pendente do comércio exterior. Por volta de 1950, quando passava por uma fase áurea de desenvolvimento, às vés-peras da inauguração de Brasília, já ocupando posição de destaque entre os países emergentes, o Brasil registrava 2,5% de participação no comércio mundial. Esse porcen-tual foi caindo ao longo do tempo e, nas décadas seguin-tes, o fluxo de comércio brasileiro chegou a responder por menos de 1% das transações mundiais. Depois cres-ceu lentamente até se estabelecer em torno de 1,25%, com leve tendência de expansão.

Em outra base de comparação, de acordo com o World Development Report 2010, do Banco Mundial, o coeficiente de abertura econômica (exportações mais ex-portações sobre o PIB) do Brasil era de 27% em 2008. No confronto com nações como a Bélgica, por exemplo, há uma diferença abissal. Na Bélgica, por várias de suas peculiari-dades, principalmente pelo reduzido espaço territorial, o comércio exterior representa cerca de 1,9 vez o valor do PIB, utilizando-se os mesmos dados do WDR/Bird acima citados. Existem muitos outros exemplos que explicam por que um país investe mais ou menos na logística portuária — quanto menor seja a dependência do comércio exterior,

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menor será a urgência em investir no sistema portuário. Esse é um lado da explicação, mas não o único.

A matriz exportadora brasileira vem mudando ao longo do tempo, com agregação de valor aos produtos oferecidos aos mercados internacionais, embora o país continue sendo o maior exportador mundial de commo-dities, seja de alimentos, seja de minerais — essa é, in-contestavelmente, uma especialidade da economia na-cional, uma vocação justificada pela amplitude de nossos recursos geológicos, territoriais e climáticos. Mas o fato é que, com o tempo, o comércio internacional começou a ter peso cada vez maior na economia brasileira, devido ao aumento de nossas transações externas em um ritmo superior ao do crescimento do produto interno. A aber-tura de mercado na década de 1990 foi o ponto marcante dessa tendência. Obrigatoriamente, um movimento eco-nômico tão significativo haveria de colidir com as defi-ciências da estrutura portuária, que precisou se adaptar a essa nova realidade depois de muito tempo em que não figurou como prioridade nos investimentos de base. A nova realidade da economia brasileira, hoje muito mais dinâmica na área de comércio exterior, passou a requerer providências mais urgentes do governo federal, que co-meçou a se incomodar com o fato evidente de que o setor portuário não conseguia acompanhar a velocidade da ex-pansão das exportações e das importações, num contexto em que o país assumia a condição de protagonista e fiel da balança entre as nações emergentes em um novo equi-líbrio regional.

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Em 2003, o Brasil registrava uma corrente de co-mércio exterior (importações mais exportações) estag-nada no patamar de 100 bilhões de dólares anuais, e em 2008 esse valor se elevou para 371 bilhões de dólares, um crescimento extraordinário em apenas cinco anos, que corresponde a uma taxa média de 21% ao ano. E a ver-dade é que os portos brasileiros deram conta do recado, considerando que mais de 95% da corrente de comércio passam pelos portos brasileiros, em termos de volume, e cerca de 80% em termos de valor. É preciso destacar esse fato. No mundo todo houve um movimento semelhante. Até a década de 1990, o crescimento do PIB global era acompanhado, na média, pelo crescimento do comércio internacional. No entanto, a partir de 1990 as curvas des-ses dois gráficos se abriram completamente: enquanto o PIB mundial apenas dobrou no período de 1980 a 2008, o volume do comércio global foi multiplicado por seis.

Finalmente, a 41a posição do Brasil no ranking do Banco Mundial, bem aquém do nosso potencial, resulta, sobretudo, da falta de estratégia política para a área de logística portuária, além, evidentemente, da baixa priori-dade atribuída à expansão do setor ferroviário e à recu-peração da malha rodoviária nacional. Foi a visão estra-tégica que fez com que países territorialmente pequenos, como Holanda, Cingapura, Bélgica e Japão, se tornassem potências econômicas. Essas nações compensaram a es-cassez territorial com investimento consistente em logís-tica. O Japão, um conjunto de ilhas com superfície equi-valente ao tamanho de Goiás, possui mais de mil portos.

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Cingapura, uma ilha que um atleta percorre de um lado ao outro em uma corrida de 18 km, possui o maior porto

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do mundo. Então, não são necessariamente os grandes países os que se destacam no setor portuário. Alguns dos menores países são mais eficientes exatamente porque dependem muito mais dos portos. Mas, pela expansão de seu comércio exterior, pela sua força econômica e pelo seu novo papel de liderança entre as nações emergentes, o Brasil chegou a um ponto de inflexão em que as mu-danças no setor portuário se tornaram inadiáveis.

Foi nesse contexto que, no início de 2007, consolidou-se a decisão de criar a Secretaria de Portos e desvincular o setor portuário do Ministério dos Transportes, num insight estratégico do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

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capítulo 7

Tempo de mudança

Cheguei a Brasília, pela primeira vez, quando Ciro Go-mes foi nomeado ministro da Integração Nacional, cargo que exerceu de 1o de janeiro de 2003 a 31 de março de 2006, e fui convidado a ser chefe de seu gabinete. Ciro e eu somos de Fortaleza, mas só o conheci em 1992, depois de sua eleição para governador, quando ele me chamou para presidir o Banco do Estado do Ceará (BEC). Antes, eu havia construído uma carreira longe da política, no se-tor privado, e em 1992 era superintendente financeiro do Banco do Nordeste. Ele, como governador, procurava um presidente com currículo técnico para o BEC, e nós não nos conhecíamos pessoalmente. Houve uma indicação técnica e ele me deu todas as condições de trabalho, entre as quais carta branca para escolher diretores e formar as

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equipes. Esse é bem o estilo do Ciro, de buscar apoio em pessoas com currículo técnico e dar a elas liberdade de trabalho. Foi assim na presidência do BEC e foi assim, depois, quando ele me escolheu para ser secretário da Fa-zenda do Governo do Ceará, e esse mesmo estilo se man-teve no Ministério da Integração Nacional, quando atuei como seu chefe de gabinete. Nesse período, conseguimos conquistar a confiança do presidente Lula para pilotar projetos estratégicos como, por exemplo, a montagem de toda a engenharia financeira da ferrovia Transnordestina, que corta todo o Nordeste, com uma malha de 1.800 km de trilhos, e possibilita acesso aos portos de Suape, em Pernambuco, e de Pecém, no Ceará. Também foi o que ocorreu na montagem do projeto de integração das águas do rio São Francisco a bacias não perenes do Nordeste, outra obra estratégica para a região que se tornou reali-dade no período em que atuei no ministério. Em Brasí-lia, comecei como chefe de gabinete de Ciro, no primeiro ano do primeiro mandato do presidente Lula. Depois, fui secretário-executivo do ministério e, em seguida, minis-tro da Integração Nacional, ao assumir o lugar dele no momento em que entregou o cargo para cuidar de sua campanha à Câmara Federal. Fui ministro durante um ano e três meses, entre 2006 e 2007.

Acho que Ciro Gomes me convidou para ser seu chefe de gabinete sem muita certeza de que eu fosse con-cordar, porque, para mim, seria uma mudança muito grande sair de onde estava, em Fortaleza, construindo uma carreira sólida na iniciativa privada, e ir para Brasília

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respirar política. Porém, conhecendo Ciro como o conhe-ço, a maneira como ele desenvolve um trabalho voltado, em primeiro lugar, para a coletividade, preocupando-se de fato em mudar as coisas para o atendimento do que se espera que seja o trabalho de um governo, julguei que o convite representaria um desafio empolgante. Além do mais, sempre achei que o Ministério da Integração deve tratar, basicamente, do reequilíbrio da federação, o que é uma de minhas preocupações fundamentais. Não po-demos imaginar um país efetivamente desenvolvido se persistem desigualdades intensas e injustificáveis entre suas áreas, regiões e populações. Quando comecei a estu-dar economia, aos 18, 19 anos de idade, o primeiro dado que chamou minha atenção foi o fato de que o Nordeste brasileiro representava apenas 12% a 13% do PIB nacio-nal, embora concentrasse 30% da população do país — um indicador muito eloquente do desequilíbrio regional brasileiro. Quarenta anos depois, a situação permanece a mesma: o Nordeste responde por 13% do PIB do Brasil e por 30% da população.

Então, o Ministério da Integração Nacional, por conceito, deveria ter, em essência, o papel de criar e de-senvolver programas capazes de minimizar esse desequi-líbrio e inserir de fato o país como candidato a grande potência. Porque é impossível pensar o Brasil como uma grande potência se existem um estado como São Pau-lo, que produz quase 30% do PIB nacional, e um estado como, por exemplo, o Piauí, que é absolutamente pobre e responde por menos de 0,5% do PIB. A referência ao

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Piauí não é gratuita, pois se trata do único estado bra-sileiro que tem costa mas não tem porto. Agora, essa si-tuação de pobreza está mudando, pois, pelo que sei, a soja no cerrado piauiense está proporcionando uma nova dinâmica à economia do estado, e a SEP está concluindo o porto de Luís Correia, que havia sido iniciado 30 anos atrás. A questão dos portos está diretamente relacionada a essas questões de desigualdades regionais, que são um dos vetores do atraso das economias emergentes. Essa é uma das preocupações atuais até mesmo dos países mais ricos. A Alemanha, por exemplo, investe fortemente em programas de desenvolvimento regional, em especial de-pois da queda do Muro, para minimizar os efeitos negati-vos de áreas mais atrasadas na economia como um todo. É em exemplos como esses que precisamos pensar quan-do planejamos o Brasil no longo prazo.

Portanto, quando assumi o cargo de ministro da Integração Nacional, em março de 2006, sabia que teria de enfrentar grandes desafios. O primeiro deles era dar continuidade à meta de Ciro de montar uma estrutura capaz de garantir a funcionalidade e o objetivo para os quais o órgão havia sido criado: tratar das questões regio-nais, do planejamento regional, reduzir as desigualdades. Um dos motivos que me levaram a aceitar o desafio foi a aproximação com o presidente Lula, que se amiudou nas audiências de trabalho.

Atuei como ministro da Integração Nacional até o início de 2007, e logo em seguida o presidente me cha-mou para uma conversa, de maneira muito espontânea, e

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convidou-me para comandar o projeto de criação da Se-cretaria de Portos, vinculada diretamente à Presidência da República. A relação que eu tinha com Lula se con-centrava, como já citei, nos projetos estratégicos de seu interesse pessoal, como a ferrovia Transnordestina e a integração de bacias ao rio São Francisco, que acompa-nhei como chefe de gabinete e secretário-executivo de Ciro Gomes e, em seguida, como ministro da Integração Nacional. Então, em março de 2007, surgiu o convite para estruturar e comandar a Secretaria de Portos da Presidên-cia da República e assumir uma função que, até então, pertencia ao Ministério dos Transportes.

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capítulo 8

Equipes 100% técnicas

Sempre fui um quadro técnico. Quando o presidente Lula me convidou para criar a Secretaria Especial de Portos, ele se baseava justamente numa perspectiva de trabalho técnico. O fundamento do convite foi essen-cialmente técnico, porque, no caso do setor portuário, a referência do presidente envolvia um contexto de ten-tativas frustradas ao longo dos primeiros quatro anos de seu governo, sem que houvesse avanço significativo no setor. Os portos brasileiros sempre foram fonte cons-tante de desgaste político, maior até do que os consi-deráveis prejuízos financeiros das companhias docas. Houve várias tentativas frustradas de consolidar novos rumos, inclusive com a participação da comunidade empresarial portuária.

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Nas conversas com o presidente, foi possível per-ceber que a ideia de criar uma Secretaria de Portos par-tiu da sensibilidade política dele. Isso ficou subentendido a partir da visão que ele tinha das deficiências do setor em relação às necessidades da economia brasileira. O presidente Lula tem uma maneira muito particular de trabalhar. Nos projetos que define como estratégicos, ele acompanha tudo, quer ver os detalhes, discute, quer saber como pode ser feito, faz perguntas, indaga por que não funcionou. Tudo isso estimulou uma aproximação nossa, no aspecto técnico, que foi se estreitando com o tempo. Pude conhecê-lo melhor e perceber a origem real das re-clamações que ele apresentava em relação à incapacidade de atendimento do setor portuário às demandas do cres-cimento e da diversificação da economia brasileira. Lula se incomodava com o fato de a infraestrutura portuária não conseguir acompanhar a velocidade do avanço da economia do país.

De minha parte, o convite para comandar o pro-cesso de criação da Secretaria de Portos surgiu como uma missão desafiadora, nova. Pensei que seria uma oportunidade única de criar algo relevante a partir do zero, uma estrutura que nascesse sem vícios; enfim, uma utopia possível em Brasília. Com as atribuições que o presidente Lula me concedeu, eu teria condições de formar uma equipe de técnicos como nunca se viu, sem ingerência política, diferentemente de quando se assume um ministério já pronto, com toda a estrutura montada.

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Eu não era um especialista em portos, longe disso, mas tinha experiência em gestão, o que é, de fato, o que importa em administração. Comecei a trabalhar muito cedo, aos 14 anos, em um sistema de treinamento ine-quivocamente destinado a formar tomadores de decisão, quando prestei concurso público e ingressei no Banco do Nordeste. Na época era possível prestar esse concurso com 14 anos, seguindo-se três anos de estágio no banco, para conhecer todas as áreas da instituição. Tive, assim, a sorte de participar do Curso de Habilitação Bancária do BNB, uma experiência extraordinária e talvez única entre as empresas estatais brasileiras. Comecei então mi-nha vida profissional, ainda adolescente, num banco em que, mais de duas décadas depois, cheguei à diretoria. Portanto, mais importante do que a especialização, pen-so que a competência essencial em qualquer cargo seja a capacidade de tomar decisões. Tomar decisões acertadas é o atributo que forma os bons executivos, públicos ou privados. É algo que não se aprende em escola; aprende-se num processo de aferição de riscos no dia a dia, que aos poucos desenvolve essa perspectiva, esse talento de tomar decisão, o que é vital em qualquer função execu-tiva. O executivo capaz de tomar decisões corretas tem sucesso num banco, numa indústria de alimentos, num órgão de governo, em qualquer lugar. Evidentemente, é preciso conhecer o negócio em si, mas esse é um processo que se desenvolve naturalmente a partir da formação de uma equipe de técnicos competentes, que proporcionam os fundamentos ao gestor.

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Confesso, porém, que, conhecendo o sistema por-tuário brasileiro como conheço hoje, eu não imagina-va à época, com clareza de detalhes, a grandiosidade, a complexidade e a importância do setor. Eu via os portos como os vê um teórico que estuda economia, que estu-da a funcionalidade das empresas e sabe que o fluxo de mercadorias tem de contar com uma logística adequa-da para chegar ao mercado internacional e ao mercado interno. Conhecia as deficiências do setor por leituras e pelas informações do dia a dia, como qualquer cidadão interessado. Tinha noção dos parâmetros básicos de efi-ciência, sabia que a produtividade da economia depende de logística e que deficiências nessa área representavam um componente significativo do chamado custo Brasil. Havia uma crítica pesada em cima dos portos. Era isso o que eu conhecia, e sabia que seriam enormes os desafios de criar um órgão específico para dar novos rumos ao se-tor. Ao mesmo tempo, parecia uma oportunidade única. Se alguém assume a presidência de uma empresa que já é campeã em eficiência, com uma marca reconhecida, o espaço para agregar valor é muito pequeno. Seria preciso trabalhar muito apenas para não perder prestígio, e have-ria pouco a conquistar. Mas, ao contrário, se um executi-vo pega um time desmoralizado e sem avanços recentes, o trabalho, do ponto de vista de ganhar espaço, de ga-nhar marca, pode ser muito mais consistente. É possível, com transformações importantes, deixar uma marca para a vida inteira, de alguém que conseguiu promover a reto-mada de todo um setor.

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Três anos depois da criação da Secretaria de Por-tos, constato que minha análise estava de fato correta, porque o setor continua apresentando grandes oportuni-dades, e foi imensamente gratificante o pouco trabalho que pudemos fazer — pouco porque são quase insupe-ráveis as restrições orçamentárias e os limites dos marcos regulatórios, não por deficiência do processo decisório, mas porque esse é o ambiente inevitável em qualquer go-verno central. Quando se determina, por exemplo, que a dragagem no porto do Rio de Janeiro vai começar no dia “x” e terminar no dia “x” mais “n”, esse prazo está sujeito a um conjunto de restrições que não depende da capaci-dade de decisão do gestor. São dificuldades inerentes ao setor público, de outra ordem das que se encontram no setor privado, onde não há esse tipo de interferência nem controles externos ou necessidade de licitação para tudo. O executivo do setor privado encontra, sim, restrições or-çamentárias fortes e metas de lucratividade impositivas, e tudo isso orienta as decisões. Mas no setor público os limites de atuação são mais severos, e não há o que fazer a não ser trabalhar de acordo com as restrições típicas. Para obter sucesso como executivo no setor público é pre-ciso mais dedicação ao trabalho, mais jogo de cintura e muito mais entusiasmo do que se requer do executivo do setor privado, cujo perfil ideal é o de quem mira, sobre-tudo, o lucro para os acionistas. No setor público nada é tão objetivo; tudo depende da política, da habilidade de tratar cada evento político com a importância que de fato merece, de dar a atenção devida aos diversos atores

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envolvidos no processo. Por isso, são raros os executivos do setor privado que, mesmo com muita competência, adaptam-se ao ambiente político.

Portanto, assumi a Secretaria de Portos com abor-dagem de executivo, de gestor, e credito os bons resul-tados obtidos justamente à equipe que consegui formar tanto na própria Secretaria como nas companhias docas que administram os portos. Quando se anuncia um novo órgão de governo em Brasília, logo começam as pressões, a disputa pelos cargos. Na área portuária, no período em que a administração cabia ao Ministério dos Transportes, cada partido da base governista tinha sua fatia de indi-cações nas companhias docas. O partido mais forte in-dicava o presidente e os demais indicavam os diretores. É claro que esse método não poderia funcionar, porque o foco dos diretores nomeados era o alcance político do cargo, e não o negócio portuário em si, que é estritamen-te técnico e que envolve, adicionalmente, o conceito de desenvolvimento regional integrado ao do país. Além do caráter transitório dos cargos, os indicados, geralmente, eram pessoas sem a necessária formação técnica e execu-tiva para comandar unidades de área tão estratégica.

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capítulo 9

“... e não morreu ninguém”

Não é fácil resistir às pressões políticas. Antes de tudo, é preciso ter o respaldo do presidente da República, porque é no gabinete dele que acaba desaguando a disputa por cargos. Em segundo lugar, devem prevalecer a mentalida-de e a decisão do gestor, de modo a não deixar dúvida a respeito de suas convicções. O gestor precisa criar a ideia de que aqueles cargos não estão disponíveis, não são ne-gociáveis em acordos políticos domésticos. Esse é um viés da minha formação técnica. Minha consciência objetiva é que não há como construir uma estrutura 100% eficien-te se não se contar com uma equipe técnica formada por profissionais habilitados do ponto de vista da formação executiva e da formação especializada no setor. É um con-ceito lógico, mas, infelizmente, nem sempre aceito.

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Minha preocupação maior sempre foi o porto de Santos, porque por ali passam 25% de todo o comércio internacional brasileiro. É a vitrine e a imagem para o mundo de tudo o que acontece no Brasil no setor portuá-rio. Então, não adiantava transformar outro terminal em modelo portuário brasileiro se deixasse Santos de lado. Por isso mesmo, em Santos estavam os cargos mais dis-putados politicamente. Hoje, por incrível que pareça, o porto de Santos é administrado por uma equipe de dire-tores 100% técnica, e o mesmo ocorre em todas as demais companhias docas. Afirmo sem medo de errar: não existe no porto de Santos uma única indicação política, embora as pressões tenham sido enormes. Hoje todos sabem que essa é a regra na Secretaria de Portos. Aparecem pedidos, evidentemente, mas sem força, sem insistência, porque todos já sabem qual é a regra. Eu me lembro bem de uma observação de Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, que nos deu muito apoio nesse projeto de formar unicamente equipes técnicas. Depois que o processo foi concluído e as mudanças estavam consolidadas, ela disse: “Pois é, você formou suas equipes só por critério técnico, sem ceder às pressões políticas, e não morreu ninguém”.

Esse comentário me leva a uma pergunta que me fazem com frequência: por que não existe no Brasil um porto como o de Roterdã, ou o de Antuérpia? Do ponto de vista do modelo de administração e de operação, eles são muito semelhantes, cada qual com suas particulari-dades. A primeira diferença entre os portos brasileiros e os mais eficientes de outras regiões do mundo se refere

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justamente à gestão profissional. Nos países desenvol-vidos, os diretores e executivos da autoridade portuária são profissionais do mercado, especialistas em suas áreas, embora os portos sejam públicos. Em nenhuma parte do mundo acontece o que se via anteriormente no Brasil, onde os diretores das companhias docas eram indicados por interesses meramente políticos, sem nenhum vínculo com a necessidade de se ter gestores profissionais, autên-ticos executivos da área de logística.

Mas a profissionalização da gestão não basta, é apenas o começo, porque também é preciso que haja uma estrutura profissional em todos os níveis. As companhias docas têm de ser renovadas como um todo nessa nova cultura de profissionalização, para que se tornem empre-sas lucrativas, financeiramente independentes, que trei-nem constantemente seu pessoal e tenham sistemas de acompanhamento de resultados e remuneração variável em função do desempenho. Tudo isso está sendo implan-tado nas companhias docas, com o objetivo de moderni-zar essas empresas, para que tenham visão de negócio. O porto é um centro gerador de riqueza, de empregos e de novas oportunidades e indutor do desenvolvimento regional. Então, a visão de negócio e de geração de resul-tados deve ser um componente cultural nas companhias docas. Essa mudança, na minha visão, é básica, talvez a mais fundamental de todas. Se isso não acontecer, tudo o mais pode ficar comprometido. Hoje, na Secretaria de Portos, a visão é absolutamente profissional, mas é preciso continuar avançando. O corpo funcional das companhias

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docas ainda tem resquícios de sua origem: eram empre-sas de operação portuária, e não de planejamento e auto-ridade portuária.

Tenho a absoluta certeza de que os bons resultados obtidos nos três primeiros anos de atuação da Secretaria de Portos devem ser creditados à possibilidade que tive-mos de montar equipes técnicas, sem injunções políticas. Esse foi o aspecto fundamental para o início do proces-so de mudança. Hoje, o quadro da Secretaria de Portos é muito pequeno por qualquer padrão de comparação: são cerca de 150 pessoas em Brasília, quase nada para a im-portância da SEP e para os padrões de Brasília. E, como disse Dilma, ninguém morreu por causa disso.

Mas, antes de tudo, precisávamos encontrar um espaço físico oficial para iniciar, efetivamente, o traba-lho, a partir do zero. Começamos numa pequena área no Ministério dos Transportes, nosso primeiro endereço. Logo que fui convidado para o cargo, realizaram-se no meu apartamento, no Setor Hoteleiro de Turismo Nor-te, os encontros preliminares para a formação da equipe. Depois do Ministério dos Transportes, ocupamos algu-mas salas no Ministério da Previdência até a definição da sede definitiva, num prédio localizado no Setor Comer-cial Norte de Brasília.

O processo de aprendizagem, para mim, se iniciou no período de formação da equipe. Logo percebi a di-mensão e a complexidade da questão portuária brasilei-ra, nas conversas com os diversos técnicos que comecei a entrevistar e com outros a quem procurei em busca de

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informação. Encontrei pessoas que, além de competen-tes, conheciam profundamente o negócio portuário em seus diversos aspectos, e foi assim que pude montar uma equipe absolutamente qualificada. Hoje, a Secretaria con-ta com profissionais como os especialistas em engenha-ria portuária, que dominam o conhecimento a respeito da construção de portos, mas não os aspectos comerciais do negócio. É aquele técnico que sabe a melhor forma de construir um porto, como o cais tem de ser feito, que espécie de construção precisa ser realizada naquele tipo de solo, naquela localização. Outros são especialistas nos equipamentos que devem ser instalados em cada porto, que são cada vez mais modernos, com mais tecnologia de informação, e que, em alguns casos, prescindem até mes-mo do homem, pois podem ser operados automaticamen-te por controle de satélite. Há ainda outros profissionais que são especialistas na gestão do negócio. Então, quem está à frente de uma equipe como essa precisa ter habili-dade para aproveitar os talentos individuais de cada um, em seus diversos aspectos. Não adianta indicar o melhor engenheiro portuário do país para administrar o porto de Santos. Provavelmente, ele não seria um bom presidente, pois passaria o dia no cais vendo se aquela construção está correta e deixaria de lado os muitos outros aspectos do negócio.

Então, na formação desse time, eu tinha a certeza de que não havia outro caminho possível para fazer a mudança que não fosse por meio da busca da especia-lização. Não vejo outra maneira de trabalhar que não

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seja a ambição de transformar a Secretaria numa área blindada a injunções políticas. Essa ideia pode parecer excessivamente otimista, mas não é quixotesca. Tanto é viável que criamos o precedente: não coloquei na Secre-taria de Portos nenhum amigo, nenhum parente e não houve indicações políticas — e essa é uma herança de que sempre me orgulharei.

Embora muita gente não acredite, é possível, sim, quebrar paradigmas e mudar uma cultura aparentemen-te intocável. Quase todas as realizações são consequên-cia de uma mudança cultural, de mentalidade, e isso se verifica também no meio empresarial. A forma como os empresários olhavam e usavam os portos no passado é completamente diferente da maneira como eles se com-portam hoje, isso dito por eles. O empresário sobrevive em qualquer meio. Se no passado existiam determinadas regras, principalmente as não escritas, os empresários se adaptavam a elas para sobreviver, mesmo tendo a cons-ciência de que, daquele jeito, o setor não avançava e não se modernizava. Se as regras mudam, os empresários e o mercado acompanham as mudanças, por pragmatismo.

Institucionalizado o sistema de gestão profissio-nal nas companhias docas e nos conselhos fiscais e de administração, fez-se a primeira grande mudança, mas ninguém garante que isso não seja alterado no futuro. Portanto, é necessário blindar essa estrutura, do ponto de vista legal. A Secretaria de Portos trabalha para apresen-tar ao Congresso um projeto de legislação que garanta mandatos para os gestores profissionais e que assegure

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que a escolha desses gestores seja feita por critérios téc-nicos, como ocorre na Espanha, na França e em outros países. Na França, por exemplo, a lei determina que o di-retor do porto deve ser um profissional de mercado com habilidades e qualificações bem definidas e específicas, com um mandato de no mínimo cinco anos. Esse seria um modelo melhor do que o que se aplica no Brasil nas agências reguladoras, porque este concede mandato mas não aborda o aspecto da qualificação. O que propomos é um modelo mais parecido com o do Banco Central brasi-leiro, que vem sendo, ao longo do tempo, administrado por uma diretoria que, de fato, é do ramo.

Outra providência necessária envolve a redefinição da estrutura e do papel dos conselhos das autoridades portuárias, que também integram o sistema de gestão. O Conselho de Autoridade Portuária não tem poder de de-cisão no dia a dia da empresa, mas aprova as diretrizes e as questões estratégicas. Do ponto de vista legal, é preci-so melhorar a formação desse conselho e, principalmen-te, assegurar que sua presidência seja ocupada por um membro da comunidade portuária que conheça bem as necessidades e os problemas do setor e saiba, com isen-ção, como enfrentá-los.

As relações trabalhistas no sistema portuário são igualmente dignas de profunda reflexão, pois represen-tam um aspecto importante, grave e difícil do setor por-tuário brasileiro. A Lei 8.630/93 foi criativa quando es-truturou os órgãos gestores de mão de obra do trabalho portuário (Ogmos), quando a operação do porto passou

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a ser feita por empresas privadas. O Ogmo também é um órgão privado, idealmente estruturado como uma empre-sa e mantido pelas operadoras portuárias, que requisitam trabalhadores de acordo com as necessidades de determi-nado serviço de embarque ou desembarque de carga. Há um modelo semelhante, porém mais eficiente, em Valên-cia. A diferença fundamental é que, nesse porto espanhol, o equivalente ao Ogmo é uma empresa de fato, com acio-nistas que têm interesse em que o órgão funcione como uma entidade autossuficiente. Essa visão não prevalece nos Ogmos brasileiros, porque todos eles, sem exceção, estão com problemas graves, com pendências trabalhis-tas imensas e insolúveis, porque não lhes foi dada a con-cepção de empresa.

Formalmente, a Secretaria de Portos não pode inter-vir na questão, mas sempre tentou participar das discus-sões e defende a ideia de que o impasse só pode ser resol-vido por meio de uma mudança na legislação e, sobretudo, por uma ampla negociação com os trabalhadores portuá-rios. Hoje, como está, o Ogmo não satisfaz nem o trabalha-dor nem as empresas. De qualquer maneira, entendo que o desenvolvimento do setor portuário não pode ser visto apenas pelo prisma do capital, pois temos que incorporar nas tomadas de decisões estratégicas os trabalhadores dos portos e sua larga tradição histórica de luta, como fator preponderante na busca de uma convivência justa e de-mocrática, para benefício social do país. Em nenhuma cir-cunstância, os trabalhadores portuários devem ser alijados das discussões que envolvam o futuro do setor.

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capítulo 10

Uma nova matriz logística

Desde que iniciamos o planejamento da estrutura da Secretaria de Portos e a montagem do seu embrião organizacional, a ideia sempre foi abranger não só os portos marítimos, mas também os portos fluviais e os transportes aquaviários. O nome que imagina-mos inicialmente para a pasta era Secretaria de Por-tos e Transportes Aquaviários. A Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), órgão regulador vinculado ao Ministério dos Transportes, seria ligada à Secretaria. Mas, depois, a Antaq manteve-se separa-da da Secretaria, que ficou com os portos marítimos, enquanto os portos fluviais e o transporte aquaviário permaneceram sob a responsabilidade do Ministério dos Transportes.

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Do ponto de vista da administração logística, não há nenhuma razão objetiva para que todas essas áreas não sejam unificadas, até porque é assim que funciona no mundo inteiro: um único órgão cuida de transportes aquaviários e dos portos, sejam eles marítimos, fluviais ou secos. Tudo é logística portuária. Defendemos esse modelo e continuamos a trabalhar para que seja implan-tado, pois é o modelo aceito pela comunidade portuária e, de maneira quase unânime, pelo próprio governo fe-deral. Trata-se da unicidade de uma lógica de integração logística. Qualquer porto importante do mundo, como o de Roterdã, por exemplo, tem sua acessibilidade garan-tida pelo transporte fluvial, por meio de barcaças que le-vam e retiram cargas. Na Europa e em outras regiões do mundo, o transporte fluvial chega a ser mais importan-te do que o transporte rodoviário, e precisamos pensar em fazer essa transformação no Brasil, onde o transporte rodoviário tem peso maior, apesar de ser o mais caro e o mais poluente. Temos que começar a mudar a matriz de transporte brasileira, e o Plano Nacional de Logística de Transporte (PNLT) já prevê isso, fazendo com que as hidrovias, que hoje respondem por apenas 13% do flu-xo de mercadorias no país, passem a responder por pelo menos 29% até 2025.

O Brasil possui um rico potencial hidroviário, com mais de 40 mil km de vias fluviais inaproveitadas em grande parte, e esse é um meio de transporte muito menos poluente e muito mais barato. Coisas importan-tes já começam a acontecer nesse sentido, como é o caso

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do porto de Vila do Conde, no Pará, cujo acesso se dará pela hidrovia do rio Tocantins. O mesmo ocorre em re-lação às ferrovias, que hoje representam apenas 25% da matriz de transporte, mas podem chegar a 32% de par-ticipação nos próximos 15 anos. Isso é o que chamamos de intermodalidade, a utilização de diversos modais, o modelo de mais funcionalidade para as características continentais do Brasil. Trata-se de mudanças na matriz de transporte que vão aumentar a eficiência, baratear a logística e poluir menos o ambiente, tanto com o trem como com as hidrovias. É claro que muito investimento precisará ser feito para que isso se concretize, mas não há outro caminho, e os benefícios sociais e econômicos serão compensadores.

A própria expansão programada para o porto de Santos será inviável se não for modificada a atual ma-triz logística, baseada no transporte rodoviário. Numa

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previsão conservadora, o porto de Santos vai passar das 83 milhões de toneladas movimentadas em 2009 para 230 milhões de toneladas em 2024. Em contêineres, pro-jeta-se um salto dos atuais 3 milhões de TEUs para 10 milhões no mesmo período. Ou seja, Santos vai triplicar sua capacidade nos próximos 15 anos, e as exigências se-rão enormes do ponto de vista dos acessos terrestres. Re-movidos os gargalos do próprio porto, como dragagem, equipamentos, novos cais e toda a parte da tecnologia da informação, aparecerá com muita força o gargalo dos acessos terrestres.

Hoje, quase 15 mil caminhões trafegam diariamen-te no porto de Santos, o que já representa um problema sério. Imagine-se então o que ocorrerá nos próximos 15 anos, sendo que no caso da Baixada Santista existe um agravante do ponto de vista geográfico: a serra do Mar, que dificulta muito os acessos ferroviários e rodoviários ao planalto. Então, é preciso ser criativo e pensar em ou-tras possibilidades. Nesse sentido, a Secretaria de Portos contratou a Universidade de São Paulo (USP), que já está fazendo um estudo do aproveitamento das bacias em tor-no do porto de Santos. A ideia básica sugere que grande parte dos contêineres poderá ser retirada por barcaças até zonas de apoio logístico, fora do porto, para evitar que o caminhão vá até o cais. As barcaças entrariam e sai-riam com os contêineres até as zonas de apoio logístico, de onde seriam então transportados ao destino por cami-nhões. O porto do Rio de Janeiro já começou a desenhar uma solução semelhante, utilizando barcaças na baía de

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Guanabara para fugir do tráfego urbano. Outra alternati-va seria a instalação de dutos para o transporte de líqui-dos diretamente para o navio.

Todos esses estudos estão sendo realizados, com parceiros qualificados, mas o primeiro passo para a verdadeira mudança seria a concentração na Secretaria de Portos, ou em outro órgão federal semelhante, de todas as operações relacionadas à logística portuária, para reunir o transporte aquaviário e os portos marí-timos e fluviais, modelo aceito universalmente. Um modal precisa conversar com o outro; não podem ficar incomunicáveis.

A designação de um único órgão para cuidar dos portos e do transporte aquaviário beneficiaria também a navegação de cabotagem, a fim de se aproveitar melhor o potencial hidroviário do país. É preciso, por exemplo, investir muito em eclusas, para viabilizar grande parte das hidrovias brasileiras. No passado, construía-se uma hidrelétrica sem a preocupação de planejar as eclusas, o que, em geral, eliminava a possibilidade de navegação do rio. Se as eclusas forem construídas depois que a hi-drelétrica estiver pronta, haverá um aumento absurdo de custo. Se as eclusas forem construídas simultaneamente com a hidrelétrica, o custo será praticamente zero quan-do comparado ao investimento total, e o projeto já deixa-ria o rio navegável.

A Secretaria de Portos também tem um grupo es-pecífico trabalhando no desenvolvimento da cabotagem. É preciso que se dê massa crítica à cabotagem para que

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esse modal se desenvolva e tenha carga com escala sufi-ciente. Mas deve haver um plano de negócio para incen-tivar a cabotagem. Então, com a dragagem dos 20 princi-pais portos, com o reequipamento e o reaparelhamento de portos menores, como Natal, Maceió, Cabedelo e Mu-curipe, em Fortaleza, e também dos portos da Amazônia, haverá condições de incentivar o desenvolvimento da na-vegação de cabotagem, que é fundamental para a matriz de logística brasileira. O projeto de elevar de 13% para 29% a participação das hidrovias só se viabilizará com o incentivo à cabotagem.

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capítulo 11

Eliminando gargalos

Um dos primeiros desafios impostos à Secretaria de Por-tos foi a definição das prioridades, considerando a inevi-tável limitação de recursos e a necessidade de se recupe-rar o tempo perdido. Iniciamos, então, pelo que era mais urgente, pelos gargalos que travavam o desenvolvimento do setor portuário brasileiro, independentemente do pla-nejamento de médio e longo prazo que começávamos a desenvolver. Em logística portuária, existe um conceito claro: quando se elimina um gargalo, o outro aparece — ou seja, existe uma fila de gargalos. A lógica é que o porto seja o mais eficiente possível, com menor tempo de espera dos navios, com rapidez no embarque e no desembarque de carga, pelo menor preço possível. Esses são alguns dos critérios objetivos que medem a eficiência de um porto.

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E o que impede que o porto de Santos tenha o mes-mo desempenho dos portos de Roterdã ou de Cingapu-ra, além da escala e da lógica geográfica do comércio in-ternacional? Para começar, a profundidade do canal do cais de Santos não era a mais adequada, e isso fazia com que, em vez de receber navios de 8.600 TEUs, só recebes-se navios de 4.800 TEUs, o que reduzia a eficiência pela metade. Em vez de operar um navio grande, Santos pre-cisava operar dois ou três menores para movimentar o mesmo volume de carga; ou, em vez de operar um navio grande totalmente carregado, operava um navio grande carregado pela metade. Isso é ineficiência na veia. A fal-ta de profundidade do porto é mais determinante para a sua eficiência do que a qualidade dos equipamentos, que, em última análise, refletem a capacidade do termi-nal e, no modelo utilizado no mundo inteiro, dependem do investimento do operador privado, não do Estado. E quando é que o operador vai se sentir estimulado a ins-talar equipamentos maiores e mais modernos? Quando o porto, do ponto de vista da infraestrutura, justificar esse investimento — e o Brasil ficou parado no tempo na área de dragagem.

A falta de profundidade, portanto, era o garga-lo número um em Santos, um porto que encerrou 2009 com uma movimentação de quase 83 milhões de tone-ladas de carga e responde por um quarto de todo o co-mércio internacional do Brasil. A necessidade de apro-fundamento dos portos deu origem, então, ao Progra-ma Nacional de Dragagem conduzido pela Secretaria

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de Portos com recursos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC 1 e PAC 2). Diagnosticou-se que o Brasil precisava dragar um volume de cerca de 80 mi-lhões de m3 em seus portos.

O segundo gargalo diagnosticado em 2007 era a deficiência da infraestrutura construtiva dos portos. Ter-minais como os de Vila do Conde e Santarém, no Pará, importantes exportadores de grãos, não contavam com berços de atracação adequados, embora possuíssem pro-fundidade suficiente. Santarém é um caso típico: tem profundidade natural e não precisa de dragagem, mas os equipamentos de infraestrutura e a ausência de berços de terra no tamanho correto representavam fatores de ine-ficiência. Os navios são cada vez maiores e exigem mais profundidade e mais comprimento de cais. No passado,

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era possível atender navios com um cais de 150 m de comprimento, mas atualmente um cais com menos de 300 m deixa de fora a ponta de um grande navio, e isso é ineficiente. Também era preciso construir novos píeres em alguns portos importantes. Por exemplo, em Santos a dragagem do canal vai atingir 15 m de profundidade, mas o cais só está preparado, estruturalmente, para uma profundidade de 12 m. Isso significa que, além da draga-gem do canal, é preciso aprofundar também a estrutura do cais, fazer o reforço estrutural para que ele se adapte à nova condição, senão de nada adiantará a dragagem. São obras caras, mas indispensáveis. O terceiro gargalo são os acessos aos portos — ferrovias, rodovias e hidrovias —, já mencionados.

A partir do diagnóstico dos principais gargalos e das prioridades, de acordo com os recursos financeiros disponíveis, a Secretaria de Portos desenvolveu os res-pectivos programas de ataque, com ênfase no Programa

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Nacional de Dragagem, em plena execução. Todos os recursos destinados aos projetos da Secretaria de Por-tos foram provenientes do PAC e entraram com nível

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de execução orçamentária garantido pelo governo, sem contingenciamento. O Programa Nacional de Draga-gem, no PAC 1, está investindo R$ 1,6 bilhão na draga-gem dos 20 mais importantes portos brasileiros. O PAC 2 contempla, ainda, a segunda fase do aprofundamento dos portos do Rio de Janeiro e Santos, bem como o de Paranaguá e canais alternativos no porto de Itaguaí (RJ). Portos menores também serão contemplados. Portanto, pode-se afirmar que, hoje, o gargalo da falta de draga-gem já não existe mais nos portos brasileiros.

Além disso, houve uma mudança muito importan-te, e que foi pouco percebida, no marco regulatório da dragagem. Antes, quando era licitado um serviço de dra-gagem no porto de Santos, por exemplo, a empresa vence-dora executava a obra, recebia o pagamento e ia embora. No entanto, a recomposição de sedimentos no porto de Santos, por força do regime de assoreamento e de outras características geológicas, ocorria rapidamente. Fazia-se a dragagem para 13 m de profundidade e, um ano de-pois, o canal já estava com apenas 11 m ou 12 m, porque a manutenção não era associada à obra de aprofundamen-to. A Secretaria de Portos promoveu então a necessária mudança na lei e criou o conceito de dragagem por re-sultados, o que significa dizer que a empresa que ven-ce a licitação para a dragagem de aprofundamento terá a responsabilidade contratual de cuidar da manutenção por um período de até seis anos. Na proposta que a SEP apresentou, esse prazo se estendia por dez anos, mas o Congresso reduziu para seis, em razão da legislação que

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rege as licitações públicas. De qualquer modo, com esse novo instrumento legal, a empresa que está aprofundan-do o porto de Santos para 15 m cuidará da manutenção dessa dragagem enquanto durar o contrato. Ou seja, são feitos o aprofundamento e a manutenção, simultanea-mente, para garantir que essa profundidade se mantenha nos próximos anos, por meio de uma única licitação e de um único contrato.

Outra importante mudança legal foi a que permi-tiu a participação de empresas internacionais nas licita-ções de dragagem, o que antes não era possível. O mer-cado de dragagem é muito concentrado, no mundo in-teiro, e hoje se destacam duas grandes empresas belgas e duas holandesas, que possuem não só a tecnologia, mas também os maiores equipamentos e detêm cerca de 55% do mercado mundial de dragagem. Além dessas quatro companhias, existem algumas empresas chinesas, algu-mas norte-americanas que se dedicam apenas ao merca-do local e algumas japonesas e coreanas. Trabalham no Brasil dragas chinesas em Santos, belgas em Aratu, Sal-vador e Rio de Janeiro, holandesas no Rio Grande do Sul e assim por diante. As empresas brasileiras simplesmente deixaram de existir, porque o mercado local estava estag-nado. A nova legislação e a nova política nacional de dra-gagem representam, hoje, fortes incentivos à criação de um mercado local consistente, para que o Brasil não fique totalmente dependente das multinacionais. Estão sendo criadas as bases para o renascimento do mercado local de dragagem, que tem tudo para crescer e criar massa

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crítica. Duas empresas brasileiras já estão se habilitando, ao mesmo tempo em que outras companhias se mostra-ram interessadas em atuar no setor. E o mercado não se limita às obras nos portos marítimos públicos, pois será preciso dragar hidrovias, como o rio Tocantins, assim como os portos privados.

Em resumo, portanto, 2007 foi o ano em que se adaptou o arcabouço jurídico na área de dragagem; em 2008, a Secretaria de Portos cuidou dos projetos e lançou as primeiras licitações do Programa Nacional de Draga-gem, e em 2009 e 2010 concluiu os processos de contra-tação, para início das obras. Até o final de 2010, início de 2011, os portos brasileiros mais importantes estarão recebendo navios com calado de até 14 m ou 15 m, que transportam quase 9 mil TEUs, e o setor portuário do país estará inteiramente adaptado às reais demandas do comércio internacional e em condições de competir com o resto do mundo.

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capítulo 12

Obras em todos os portos

Ao mesmo tempo em que eliminava o gargalo que resultou de muitos anos sem que se realizassem, efe-tivamente, as obras necessárias de dragagem, a Secre-taria de Portos precisou cuidar também da atualização da infraestrutura construtiva dos terminais. Em 2007, quando começamos a desenhar as ações da Secretaria de Portos, as janelas de planejamento já estavam fecha-das pelo governo, tanto o Plano Plurianual quanto o orçamento do ano seguinte. A SEP simplesmente her-daria os recursos que já haviam sido propostos para o setor pelo Ministério dos Transportes, no ano anterior. Teríamos que tocar, inicialmente, um rol de obras pla-nejadas pelo Ministério dos Transportes e pelo DNIT, algumas das quais com problemas de embargo no licen-

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ciamento ambiental e no Tribunal de Contas da União, e outras que, como ocorria no porto de Rio Grande, tinham sido iniciadas em 1999 e ainda não estavam concluídas. Além disso, alguns projetos apresentavam baixa qualidade ou discutível relevância e requeriam uma completa revisão. Os desafios impostos pelas cir-cunstâncias requeriam velocidade de decisão da equi-pe inicial da SEP, para que se fizesse uma nova mode-lagem portuária.

Não havia alternativa: deveríamos começar com as obras mais urgentes, desde que estivessem em har-monia com um projeto maior, destinado a planejar de fato o futuro dos portos brasileiros e a maneira como eles deveriam crescer e se adaptar à malha do comér-cio global. As primeiras obras foram financiadas com recursos do PAC 1. Quando o governo preparava o PAC 2, a SEP, enfim, teve a possibilidade de elaborar seus projetos com antecedência e clara definição das prioridades.

Entre 2007 e 2010, realizaram-se obras em quase todos os portos brasileiros: ampliação de píeres e de cais, construção e recuperação de berços de atracação, instalação de terminais de passageiros, construção de terminais de múltiplo uso e de pátios de estocagem, reforço de cais, de píeres de atracação e de pontes de acesso, melhoria, abertura e ampliação de acessos ter-restres e muitas outras — tudo isso, evidentemente, sem falar na dragagem dos 20 portos mais importan-tes do país.

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capítulo 13

copa do Mundo e Olimpíadas

Nos próximos anos o Brasil será sede de dois dos maio-res eventos esportivos do planeta: a Copa do Mundo de futebol, em 2014, em vários estados, e as Olimpíadas de 2016, no Rio de Janeiro — e os portos também vão preci-sar estar à altura da grandiosidade dessas competições de caráter mundial. Nesse caso, de forma diferente: em vez de atuar como um elo da cadeia logística do fluxo de mercadorias, os portos vão abrigar transatlânticos com turistas que precisarão ser recebidos com eficiência.

Para a Copa do Mundo, já estão consignados in-vestimentos de mais de R$ 700 milhões em portos como Santos, Rio de Janeiro, Salvador, Manaus, Recife, Natal e Mucuripe. Quase metade será aplicada no Rio de Janei-ro, e certamente haverá outros investimentos em obras

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que compreendem a construção, recuperação e adapta-ção de armazéns em terminais de passageiros, construção de cais e berços de atracação, abertura e pavimentação de vias de acessos e estacionamentos, entre muitas ou-tras. O planejamento prevê ainda a ampliação de leitos em navios de cruzeiro e a melhoria da qualidade de aten-dimento ao embarque e ao desembarque de passageiros e tripulantes, além do aperfeiçoamento da atracação de navios, atendendo aos requisitos de vigilância sanitária, alfândega e segurança.

No Rio de Janeiro, um investimento de R$ 315 mi-lhões permitirá a construção de três cais, que duplicarão a capacidade de recebimento de navios de turismo. O transatlântico tem prioridade de atracação em relação a qualquer navio de carga, e hoje, no porto do Rio de Ja-neiro, na alta temporada, quando chegam oito, dez na-vios de turismo no mesmo dia, há eventualmente até a necessidade de desatracar navios de carga que estejam operando para dar lugar aos navios de passageiros, com prejuízo das operações de embarque e desembarque de mercadorias. A construção desses três novos píeres, que vão abrigar seis posições de atracação, irá, portanto, mais do que duplicar a capacidade do porto para receber tran-satlânticos e atenderá diretamente a Copa do Mundo e as Olimpíadas. Embora o Rio de Janeiro disponha da segun-da maior oferta hoteleira do país, o número de leitos na cidade é bem inferior à demanda nesses curtos períodos de concentração. Serão contratados navios que ficarão ancorados e servirão de hotel durante a Copa.

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Para as Olimpíadas, evidentemente, os investimen-tos se concentrarão no Rio de Janeiro, e nesse caso ganha ênfase o histórico conflito entre as cidades e os portos. Quando nasce um porto, a cidade cresce em torno dele, e foi assim no Rio de Janeiro, em Santos, em Fortaleza, em Salvador, no Recife. No primeiro momento se destacam os fatores positivos, porque o porto estimula a criação de emprego e a atividade econômica, mas depois surgem problemas urbanos. Nos modernos portos que estão sen-do construídos no Brasil já se leva em conta essa preocu-pação. Por exemplo, o porto do Pecém, no Ceará, a 100 km de Fortaleza, cuja construção se iniciara dez anos atrás, opera hoje com muita eficiência. O governo do estado se preocupou em transformar em área de proteção uma vas-ta região limítrofe, no conceito de porto-indústria, e ali só podem se instalar empreendimentos industriais.

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Mas no Rio de Janeiro o porto é visto pela popula-ção da cidade como um obstáculo que atrapalha a vista da baía de Guanabara. Por isso ganhou força a neces-sidade de implantação de um projeto de revitalização portuária e de integração porto-cidade. Não se trata de uma responsabilidade direta do porto, e sim do municí-pio, por ser uma questão urbanística, mas é natural que a autoridade portuária participe, assim como a União, para que o problema se transforme em algo positivo para todos os envolvidos. Existem ótimas referências, como Barcelona, que foi sede das Olimpíadas de 1992 e, por isso, desenvolveu um fantástico projeto de revitali-zação da área portuária. Hoje, quem vai à cidade, uma das mais visitadas da Europa, inevitavelmente se encan-ta, porque ao lado do porto foi criada uma imensa área de lazer, como um grande parque, que se transformou em atração turística. Outro caso exemplar é Hamburgo, na Alemanha. A Alemanha, apesar de sua hegemonia mundial em logística, só possui um porto de mar im-portante, o de Bremerhaven, e seu grande porto é o de Hamburgo, que é fluvial. Ali a cidade também tomou conta do porto. Mas está em curso um grande projeto de revitalização de áreas degradadas, como acontece hoje no Rio de Janeiro. Um exemplo mais próximo é Buenos Aires, que também executou projetos importantes de re-vitalização na área portuária.

O modelo de revitalização do porto do Rio de Ja-neiro foi bem planejado, com o envolvimento do estado, da prefeitura e do governo federal. Está sendo criada uma

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Sociedade de Propósito Específico (SPE), que emitirá os Cepacs, ou Certificados de Potencial Adicional de Cons-trução, títulos municipais para financiar obras públicas que vão captar recursos para investimento nos projetos imobiliários. O BNDES, num primeiro momento, compra parte desses títulos, para dar a base inicial à captação dos recursos necessários, e a União está examinando terrenos que lhe pertencem para definir a forma de agregá-los à SPE, o mesmo ocorrendo com a autoridade portuária.

O projeto segue uma premissa básica: o porto não pode perder sua capacidade operacional. Ao contrário, o porto do Rio de Janeiro está com um grande programa de expansão e foi dragado para uma profundidade de 15,5 m para receber grandes navios. Os terminais de contêineres, que hoje têm uma capacidade instalada de 1 milhão de TEUs, vão passar para 3 milhões de TEUs, com investi-mento privado de quase R$ 1 bilhão. O terminal de veí-culos, que inclusive faz toda a exportação para a Merce-des-Benz, numa concorrência vencida por uma empresa brasileira que competiu com operadores internacionais, adotou uma solução muito criativa: em vez de usar par-te do porto para armazenar os veículos, está construindo um edifício-garagem que irá economizar área, que pode-rá ser utilizada para expandir o terminal de contêineres. Também a ampliação dos acessos terrestres já foi prevista e, no trecho inicial do porto, onde atracam os transatlân-ticos, houve a recuperação dos armazéns antigos.

Semelhante à ideia de integração urbana, o concei-to de porto-indústria também merece ser mencionado,

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pois se trata de projeto para o futuro, solidamente apoia-do nas demandas da economia brasileira. O Ceará, por exemplo, está recebendo investimentos de uma siderúr-gica, de uma refinaria e de uma indústria cimenteira que só foram possíveis por conta do porto de Pecém. Como conceito de negócio, o porto é sempre um foco de atração de investimentos, mas isso ocorre no longo prazo. Suape, em Pernambuco, que foi iniciado há mais de 30 anos, só hoje está tendo sucesso verdadeiro na estratégia de atra-ção de investimentos, e na região já se instalaram uma si-derúrgica e vários empreendimentos, por conta do porto, exclusivamente.

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capítulo 14

Um navio, 935 informações

Quando um navio embarca ou desembarca sua carga num porto brasileiro, essa única operação gera 935 informações que são utilizadas por pelo menos 26 diferentes órgãos fe-derais, estaduais e às vezes municipais que têm interve-niência nos portos. É isso mesmo: 26 órgãos e 935 informa-ções, sem contar as inúmeras repetições, como o nome do navio, o nome do comandante, porto de embarque, peso da carga e assim por diante, que constam de dezenas de documentos. Trata-se de informações necessárias, mas que poderiam ser tomadas de forma muito mais eficiente. O atual sistema é insano e precisa ser alterado com urgência. A pesadíssima burocracia para o desembaraço de merca-dorias não é um gargalo físico, que requeira obras, mas re-presenta um entrave logístico tão relevante quanto a falta

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de dragagem, porque obriga a que o navio fique parado e colabora para aumentar o custo Brasil, mesmo num porto que não seja deficiente em carga e descarga.

Hoje, no Brasil, são necessários 5,4 dias em média para liberar uma carga — um contêiner, por exemplo. Nos portos mais eficientes do mundo, esse tempo não passa de um dia, e tal diferença representa um abismo em termos de produtividade e competitividade, um dife-rencial dramático. Confesso que, em viagem, quando me perguntam a respeito dessa questão, fico constrangido em revelar que no meu país precisamos de 5,4 dias para libe-rar uma mercadoria. Isso é absolutamente incompatível com o crescimento do comércio internacional brasileiro.

O remédio encontrado pela SEP para desatar os principais nós dessa teia insuportável de burocracia se chama Porto Sem Papel, um projeto de inteligência lo-gística desenvolvido em conjunto com o Serpro que, de fato, não é novidade do ponto de vista conceitual. Mui-tos países já aplicam controle semelhante. Trata-se de um sistema de tecnologia da informação que consiste em uma única entrada de dados, ou Single Window. O escopo é receber informações uma única vez, para um único banco de dados, cujo acesso é permitido a todos os envolvidos, cada qual em sua área de competência. O novo processo vai limpar a confusão e, mais impor-tante, indicar onde se localizam os atrasos e os focos de burocracia.

O nome Porto Sem Papel não é exagerado. De fato, o que se pretende é abolir os papéis criados em cada um

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dos 26 órgãos que intervêm nas operações de embarque e desembarque de carga. Com a janela única, antes mesmo de chegar ao cais o navio já transmite ao concentrador de dados todas as informações digitalizadas de cada item de sua carga. Ou seja, o armador, ou seu representante, incorpora em uma única janela as informações a respeito das mercadorias e do navio e as encaminha ao concen-trador de dados, que as distribui para os anuentes com as tabelas já preenchidas, de acordo com a competência específica de cada órgão. A primeira vantagem imediata é que o armador terá de passar as informações uma úni-ca vez, o que resulta em economia de tempo e de custos, eliminação de possibilidade de erros e maior consistência dos dados.

A meta inicial, assim que o projeto estiver implan-tado em todos os portos, é reduzir de 5,4 dias para 2,5 dias o tempo necessário para o desembaraço da mercadoria. Será um avanço extraordinário, embora, evidentemente, não seja o ideal. O benchmark da Secretaria de Portos é reduzir esse prazo para apenas um dia, como ocorre na Alemanha, na Holanda, na Bélgica, no Japão e em Cinga-pura, por exemplo. Se eles conseguem, nós também po-demos conseguir. Se o Brasil quer fazer crescer seu fluxo de comércio internacional, com produtividade e compe-titividade, tem que se adaptar a essas regras, precisa bus-car a excelência.

A implantação do projeto começou em 2010 nos portos de Santos, Vitória e Rio de Janeiro e, gradativa-mente, se estenderá a todo o país. O projeto foi proposto

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pela SEP, que também cuidou da articulação com os de-mais agentes do governo federal e defendeu a ideia no âmbito da Casa Civil da Presidência da República, para fazer com que o programa fosse contemplado com recur-sos do PAC. A primeira etapa consistiu no treinamento do pessoal que cuidará da operação do sistema. Na segunda etapa, foi desenvolvido o concentrador de dados, para o início da simulação, com a participação dos seis princi-pais anuentes — dos 26 órgãos que interferem nas ope-rações portuárias, seis sempre estão presentes em cada desembaraço: a autoridade portuária, a Marinha, a Agên-cia Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), a Receita Federal, a Polícia Federal e o Ministério da Agricultura.

O Porto Sem Papel está abrigado no amplo guarda-chuva de um programa de inteligência logística desen-volvido pela Secretaria de Portos, que reúne várias outras

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ações destinadas a, efetivamente, criar uma teia de TI ca-paz de racionalizar o funcionamento do porto. Para isso, considerando a parte institucional e os avanços em tecno-logia da informação, foram destinados, no PAC 2, inves-timentos de cerca de R$ 500 milhões em quatro anos, até 2014. Destacam-se entre essas ações os sistemas de rastrea-bilidade de carga, que se baseiam numa equação simples: quanto mais se dispuser de informações prévias da carga que chega ao porto, maior será a segurança, menor será a burocracia e mais ágil será o despacho, o que resulta na en-trada e na saída do navio em menor tempo; portanto, com menor custo. Estão sendo desenvolvidos dois programas de rastreabilidade de carga, começando pela rastreabilida-de terrestre, com recursos de 600 mil dólares provenientes de convênio firmado entre a SEP e o governo norte-ame-ricano.

A segunda ação do projeto de inteligência logísti-ca refere-se ao controle do tráfego de embarcações. A Se-cretaria de Portos padronizou as regras e estabeleceu os requisitos mínimos que devem ser observados para a im-plantação de sistemas de gerenciamento e monitoramen-to de navios nos portos, ou VTMS (Vessel Traffic Manage-ment System), que vão aumentar a segurança e a rapidez na entrada e na saída de navios. O VTMS deverá abran-ger a área marítima do porto e os canais de aproximação, inicialmente em Santos, no Rio de Janeiro, Rio Grande, Itaguaí, Salvador e Aratu. Assim como existe o sistema de controle de tráfego aéreo, o mesmo ocorre em relação aos navios. Quando está a 20 milhas da costa de Santos, por

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exemplo, a embarcação já começa a ser monitorada, ao mesmo tempo em que recebe e envia informações para o concentrador de dados. Trata-se, portanto, de um conjun-to de sistemas inteligentes que estão sendo contemplados com investimento federal, a fim de melhorar a eficiência da logística portuária.

Outro eixo do programa de inteligência logística da SEP é a padronização dos sistemas informatizados das companhias docas. Historicamente, não se sabe por que, cada porto brasileiro desenvolveu sistemas próprios e distintos de TI, e um não conversa com o outro, por in-crível que pareça. Não é difícil imaginar o que acontece-ria com a implantação do projeto de Single Window, caso essa torre de Babel fosse mantida. Existem no Brasil 34 portos públicos, e provavelmente 34 diferentes sistemas de tecnologia de informação. O concentrador de dados recolheria as informações do armador, faria a consolida-ção em um único banco e uniformizaria todos os dados. Até então tudo transcorreria sem problemas, mas a par-tir daí o Serpro teria de customizar as informações para que pudessem ser acessadas pelos 26 órgãos com inter-veniência nos portos. Se dependesse disso, a implanta-ção do projeto Porto Sem Papel demandaria pelo menos mais uma década. A Secretaria de Portos propôs, então, a padronização dos sistemas de informação de todos os portos públicos, uma providência lógica e inadiável, que está sendo articulada com recursos do PAC 2.

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capítulo 15

Enfim, planejamento levado adiante

É possível que o maior legado deixado ao país pela Se-cretaria de Portos em seus três primeiros anos de atuação seja o planejamento estratégico de longo prazo. A meta imposta a seus técnicos foi desafiadora: pensar em como deveriam ser os portos brasileiros nos próximos 20 anos, com base nas demandas objetivas da economia do país e nos interesses da sociedade. Existem evidências de que desde a década de 1950 foram feitas três ou quatro ten-tativas de elaboração de planos portuários, alguns com estudos de base razoáveis. Faltou, no entanto, integração, porque quase sempre a prioridade foi fazer planos espe-cíficos para cada companhia docas. E o sistema de pla-nejamento portuário não se consolidou porque foi abor-tado com a desastrosa reforma do ex-presidente Fernan-

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do Collor e a extinção da Portobrás. O grande problema foi que a maioria desses planos jamais chegou à fase de implementação. Alguns foram até bem formulados, mas não conseguiram ultrapassar o estágio primitivo de sim-ples declarações de intenções.

Como resposta a essa demanda, a SEP decidiu ela-borar o Plano Nacional de Logística Portuária para as próximas duas décadas. Para sustentar-se, firmou convê-nio com centros de excelência acadêmica como a Univer-sidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e buscou apoio na expertise de portos importantes, como o de Roterdã, na Holanda, para criar um plano estratégico capaz de nor-tear com solidez os investimentos futuros no setor.

Como subproduto do Plano Nacional de Logística Portuária, estão sendo elaborados os planos diretores dos 12 mais importantes portos brasileiros, e aqui destaco es-pecificamente o caso de Santos, cujo planejamento foi an-tecipado, considerando sua condição de porto mais im-portante da América Latina. A SEP contratou, por meio do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), com investimento de 1,3 milhão de dólares, uma empre-sa que já concluiu o plano diretor de Santos. Ficou de-monstrado, entre outras questões relevantes, que o porto triplicará seu nível de atividade nos próximos 15 anos, passando das 83 milhões de toneladas movimentadas em 2009 para 230 milhões em 2024, como já mencionamos. Em termos de contêineres, passará de uma capacidade instalada de 3 milhões de TEUs para 10 milhões de TEUs. Isso vai orientar e direcionar o governo e os operadores

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privados do ponto de vista de quais investimentos de-vem ser feitos para garantir a eficiência de Santos.

Nesse ponto se destaca outro estudo, contratado com a USP, para o projeto de acessibilidade ao porto de Santos, que hoje se encontra estrangulado pela circula-ção de quase 15 mil caminhões por dia. É absolutamente impensável triplicar esse fluxo para 45 mil caminhões se forem mantidas as mesmas condições de acessibilidade. Torna-se inadiável, portanto, mudar toda a matriz de acesso ao porto de Santos, reduzindo a presença de cami-nhões e aumentando a participação de outros sistemas de transporte, principalmente por hidrovias, dutovias e fer-rovias e, sobretudo, com a criação de plataformas logís-ticas fora do porto. Então, no caso de Santos e talvez na maioria dos portos, o grande gargalo no futuro imediato será a acessibilidade.

A ausência de planejamento no passado travou o desenvolvimento do setor portuário brasileiro. Hoje, im-planta-se no Brasil um sistema de planejamento de médio e longo prazo sem precedentes, que, de forma coordena-da, integrada e em harmonia com uma série de outras providências, representará o ganho em eficiência logística que o país precisa conquistar para competir em condições de igualdade com os melhores portos do mundo.

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capítulo 16

O futuro

A certeza de que o Brasil crescerá ainda mais nos pró-ximos anos não é uma avaliação exclusivamente nossa, mas também do mercado global. Com objetividade, o mundo inteiro identifica na economia brasileira as bases necessárias para que o país atinja um estágio seguro de crescimento sustentado, que terá impacto direto nos por-tos. Tecnicamente, a produtividade da economia do país como um todo depende em grande medida da eficiência de sua logística. Se o Brasil tiver portos eficientes operan-do com alta produtividade, haverá um reflexo direto no crescimento da economia.

O porto é um elo vital da cadeia de logística, mas não pode ser avaliado isoladamente, desconectado dos demais componentes dessa rede. Gosto muito de uma

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das várias definições de logística: é a administração de estoques em movimento. Isso significa, por exemplo, que quem produz soja no Centro-Oeste brasileiro precisa sa-ber exatamente como vai fazer para que sua mercadoria chegue ao mercado consumidor. Pode ser a China, os Es-tados Unidos ou algum país da Europa, mas de qualquer maneira o produtor terá de montar um complexo sistema de transporte, eficiente e com o menor custo possível — e isso é logística. O Brasil está se consagrando como um grande exportador de commodities, e qualquer centavo gasto a mais na logística significa redução da competiti-vidade, redução do lucro do produtor ou até mesmo re-dução da possibilidade de criação de empregos. E a efi-ciência da logística não está só nos portos, e sim em todo o caminho percorrido por uma mercadoria, desde a área de produção até os centros de consumo, o que pode en-volver transporte por trem, caminhão, barcaça, avião ou navio. De seu lado, o porto precisa ser eficiente para não provocar demora na recepção do caminhão ou no despa-cho do navio. A eficiência logística é que vai determinar, no final das contas, o poder do Brasil de competir com os demais atores que disputam o mercado internacional.

Para fazer bonito nessa competição, o Brasil terá de concentrar esforços em algumas áreas que, hoje, ainda representam entraves ao modelo de crescimento susten-tado, o primeiro dos quais, na minha avaliação, é a pre-cariedade da infraestrutura. Não há estradas que permi-tam o escoamento adequado da produção, assim como faltam sistemas ferroviários e hidroviários compatíveis

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com a demanda brasileira. Nesse conjunto de infraestru-tura, considerando todos os itens da cadeia logística, o elo mais bem preparado atualmente é o setor portuário — para surpresa de quem não acompanhou sua evolução nos últimos anos. Considero, portanto, que a precarieda-de da infraestrutura seja o entrave número um ao cresci-mento sustentado da economia brasileira.

O segundo entrave são as baixas taxas de poupan-ça e investimento, a chamada formação bruta de capital, que representa menos de 19% do PIB, diferentemente de outros países em crescimento, como a China (mais de 30% do PIB) e a Coreia do Sul (37%), só para citar alguns exemplos. A baixa taxa de poupança e investimento não dá ao Brasil a garantia de que índices de crescimento da economia entre 5% e 6% ao ano sejam sustentáveis. Se a poupança interna é insuficiente para as necessidades do país, será preciso financiar o crescimento com poupança externa, que gera déficit nas contas com o resto do mun-do. Não há como financiar o crescimento econômico to-mando dinheiro de fora e pagando caro por isso.

Por outro lado, nossos custos de logística estão en-tre os mais elevados do mundo e correspondem a 15,4% do PIB, de acordo com o estudo How to Decrease Freight Logistics Cost in Brazil (Como reduzir custos com logística e transporte no Brasil), publicado em fins de 2008 pelo Banco Mundial (Bird). Esse número é quase o dobro do norte-americano (8,5%), e, segundo o próprio Bird, pode chegar a até 18% de todo o PIB nacional, o que representa custos da ordem de US$ 290 bilhões. Portanto, reduzindo

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nossos custos de logística para algo como 10% do PIB, o que é objetivamente factível, poderíamos alavancar nossa formação bruta de capital para mais de 20% do PIB, o que daria forte impulso ao crescimento sustentado da econo-mia brasileira.

Finalmente, o terceiro entrave ao desenvolvimen-to sustentado é o excesso de gastos públicos, quase uma tradição no Brasil. O Estado brasileiro, historicamente, gasta muito e, por vezes, de maneira pouco eficiente, pri-vilegiando gastos de custeio. Por isso, falta dinheiro para investimento. A estrutura orçamentária brasileira é muito rígida, e o grosso das despesas é vinculado à receita. Além disso, o exagerado e ineficiente aparato normativo decor-rente do sistema de controle dilata prazos de execução de obras e aumenta os custos. O que sobra, de fato, para a boa gestão orçamentária e para investimentos é muito pouco.

Então, na minha visão de economista, estes são os três mais importantes entraves que terão de ser comba-tidos com vigor para permitir que a economia brasileira continue crescendo de forma sustentada: infraestrutura precária, baixa taxa de poupança e de investimento e ex-cesso de gastos públicos.

A isso se aliam as assimetrias que existem entre o perfil da economia brasileira e o dos outros países, a pri-meira das quais é a taxa de juros, a maior do mundo, fato que tem consequências imediatas no nosso dia a dia. Não é possível financiar o desenvolvimento de uma nação, os investimentos das empresas e o crédito ao consumi-dor com juros tão altos, enquanto outras nações, como

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Estados Unidos, Japão e China, praticam taxas negativas ou muito baixas. Todos os principais competidores inter-nacionais de commodities trabalham com taxas de juros muito menores do que as taxas brasileiras. O BNDES tem papel importante como financiador da atividade produ-tiva, ao oferecer juros mais baixos, mas de modo geral as empresas brasileiras — principalmente as de pequeno e médio porte, que empregam muita gente — têm seu poder de crescimento bloqueado por taxas de juros abso-lutamente superiores às que são praticadas pelos compe-tidores internacionais.

Outra assimetria é tecnológica. O Brasil avançou muito em certos setores, como o agronegócio, que apli-ca algumas das tecnologias mais avançadas do mundo, mas em determinadas áreas críticas como nanotecnolo-gia, biotecnologia e ciências espaciais, por exemplo, ain-da estamos com 20 ou 30 anos de atraso em relação aos nossos principais competidores. O pior é que o país não está investindo o suficiente na formação de pessoas e no desenvolvimento da engenharia de ponta, como o fazem a China e a Coreia, por exemplo. Tudo indica que os Esta-dos Unidos continuarão sendo líderes mundiais durante muitos anos, porque têm como base de seu crescimento a decisão de investir fortemente e de forma permanente em tecnologia. É impossível imaginar que um país possa ser líder sem avançar em desenvolvimento tecnológico nas diversas áreas de conhecimento.

O ambiente de negócios restrito também pode ser definido como uma assimetria, considerando o conjunto

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de problemas que inibe o crescimento das empresas, en-tre os quais se destacam o excesso de burocracia, as leis trabalhistas que desestimulam a contratação e, com des-taque, a alta carga tributária, fatores que de maneira geral compõem o custo Brasil.

O futuro do Brasil, portanto, está diretamente re-lacionado ao encaminhamento de soluções para essas questões. O setor portuário, analisado na perspectiva mais ampla da logística e da infraestrutura, precisa cres-cer para deixar de ser um gargalo. O dado essencial é que a economia brasileira está avançando com consistência e possui fundamentos para manter a curva positiva, como ficou demonstrado na crise de 2008-2009, quando os in-vestimentos em portos se mantiveram, porque são apos-tas de longo prazo. Esta é a questão vital para o Brasil: pensar nos entraves mais urgentes e, ao mesmo tempo, planejar o longo prazo.

É o que acontece em Santos, cuja capacidade deve triplicar nos próximos 15 anos, o que não é ruim, ao con-trário, porque a escala é o que determina a eficiência do negócio portuário. E aí se destaca o papel estratégico do governo. Precisamos evitar que o crescimento do porto de Santos seja caótico, para que toda a sua potencialida-de se transforme em algo positivo para o Brasil e para a economia brasileira. O grande papel do governo é or-denar o crescimento, cuidar das obras de infraestrutura, manter a profundidade adequada dos portos, planejar os acessos terrestres e aquaviários, criar zonas de apoio lo-gístico, reduzir drasticamente a burocracia, desenvolver

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sistemas de inteligência em TI e eliminar os gargalos — e essa é mais uma razão que justifica o modelo de porto público com operação privada, porque uma das respon-sabilidades fundamentais do governo é o planejamento. Na mesma situação de Santos encontram-se os demais portos públicos brasileiros, que vivem um período de di-namização sem precedentes.

Hoje o Brasil está em 41o lugar no ranking dos paí-ses com os sistemas logísticos mais eficientes do mundo. Já esteve muito pior, e tem muito a avançar, dependen-do apenas do que será feito nos próximos anos. Não há como não acreditar no Brasil, e cabe a nós criar as condi-ções para que se consolide o crescimento verdadeiramen-te sustentado do país, capaz de proporcionar fluxo ade-quado às nossas exportações e importações, aumentando a obtenção de riqueza que inevitavelmente se traduzirá em emprego e benefícios para a população e em redução das desigualdades regionais e das injustiças sociais. Ain-da há muito a navegar, mas — tenho certeza — estamos finalmente na rota certa.

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