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MUDAR É PRECISO: DA EDUCAÇÃO FÍSICA PARA A MOTRICIDADE HUMANA Alyne Cristina Silva 1 Ana Maria Pereira 2 Resumo Este estudo é fruto de um o Projeto de Pesquisa, da UEL intitulado: Formação inicial e desenvolvimento profissional contínuo de professores de Educação Física: integrando Possibilidades de Pesquisa e Extensão e teve como objetivo saber o que é Ciência da Motricidade Humana, bem como verificar quais os contributos desta ciência para a Educação Física. A metodologia utilizada se ateve em pesquisas bibliográficas que incluiu análises e interpretações de estudos já realizados sobre esta temática. Concluímos que a Motricidade Humana pode colaborar com a Educação Física, pois resgatou a área do paradigma tradicional, do movimento do físico tão só. Todavia, remeteu a área para o paradigma da complexidade, perspectivando o movimento intencional, com sentido e significado, do ser humano inteiro e práxico, rumo à transcendência. Palavras-chave: Educação Física. Motricidade Humana. 1. Introdução A Educação Física é uma área que desde a década de 80 do século passado enfrenta alguns problemas, dentre eles, o que merece destaque, é a limitação do próprio termo Educação Física, que nas aulas tradicionais está reduzido ao simples educar do físico, característica essa resultante do dualismo cartesiano, que tem como precursor René Descartes, que separa corpo e alma, em que a esta é a razão, é o superior e aquele sendo apenas um maquinário não consciente. Segundo Tojal (2004), a Educação Física, na nossa sociedade, é identificada como sendo uma aula livre, baseada somente em atividades esportivas, sem preparação ou objetivo a ser alcançado. Essa maneira de ver a Educação Física acontece porque o paradigma proposto por Descartes ainda está presente nos dias de hoje com uma concepção fixa, determinista e divisível. Todavia, ao separar corpo/sensível da alma/inteligível, e também, a 1 Graduanda do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Londrina 2 Professora Drª do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Londrina

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MUDAR É PRECISO: DA EDUCAÇÃO FÍSICA PARA A MOTRICIDADE HUMANA

Alyne Cristina Silva1

Ana Maria Pereira2

Resumo Este estudo é fruto de um o Projeto de Pesquisa, da UEL intitulado:

Formação inicial e desenvolvimento profissional contínuo de professores de Educação Física: integrando Possibilidades de Pesquisa e Extensão e teve como objetivo saber o que é Ciência da Motricidade Humana, bem como verificar quais os contributos desta ciência para a Educação Física. A metodologia utilizada se ateve em pesquisas bibliográficas que incluiu análises e interpretações de estudos já realizados sobre esta temática. Concluímos que a Motricidade Humana pode colaborar com a Educação Física, pois resgatou a área do paradigma tradicional, do movimento do físico tão só. Todavia, remeteu a área para o paradigma da complexidade, perspectivando o movimento intencional, com sentido e significado, do ser humano inteiro e práxico, rumo à transcendência. Palavras-chave: Educação Física. Motricidade Humana.

1. Introdução A Educação Física é uma área que desde a década de 80 do século

passado enfrenta alguns problemas, dentre eles, o que merece destaque, é a

limitação do próprio termo Educação Física, que nas aulas tradicionais está

reduzido ao simples educar do físico, característica essa resultante do

dualismo cartesiano, que tem como precursor René Descartes, que separa

corpo e alma, em que a esta é a razão, é o superior e aquele sendo apenas um

maquinário não consciente.

Segundo Tojal (2004), a Educação Física, na nossa sociedade, é

identificada como sendo uma aula livre, baseada somente em atividades

esportivas, sem preparação ou objetivo a ser alcançado. Essa maneira de ver a

Educação Física acontece porque o paradigma proposto por Descartes ainda

está presente nos dias de hoje com uma concepção fixa, determinista e

divisível. Todavia, ao separar corpo/sensível da alma/inteligível, e também, a

1 Graduanda do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Londrina 2 Professora Drª do curso de Licenciatura em Educação Física da Universidade Estadual de Londrina

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teoria da prática não consegue resolver os problemas de ordem dualista e

viabilizar uma autêntica práxis emancipadora.

Diante deste contexto estudamos de modo radical e de conjunto a Ciência

da Motricidade Humana, porque ela faz uma ruptura com tradicional Educação

Física e defende uma autêntica práxis rumo à evolução da área.

2. O precursor da motricidade humana: Manuel Sérgio O idealizador da Ciência da Motricidade Humana é o português Manuel

Sérgio Vieira e Cunha. Conforme Tojal (1994), ele é formado em filosofia pela

Faculdade de Letras de Lisboa, na década de 60, mesmo período trabalhava

na direção e no jornalismo desportivo.

Nessa mesma década, ele entrou no Centro de Documentação e

Informação do Fundo de Fomento do Desporto, local em que começou a ter

contato com profissionais do ramo da Filosofia e Educação Física. Nesta época

Manuel Sérgio conheceu o professor José Maria Cagical, que o convidou para

trabalhar no INFE (Instituto Nacional de Educação Física) de Madri.

Nos anos 70 Manuel Sérgio dirigiu um Clube de Futebol chamado “Os

Beleneses”, e foi neste período que começou a se preocupar com o desporto

de seu país, e por esse motivo começou a escrever sobre esse assunto. Ainda

na década de 70, ministrou a disciplina “Filosofia das atividades corporais” no

Instituto Superior de Educação Física da Universidade Técnica de Lisboa

(ISEF, ULT). Atuando nessa Universidade ele declarou ser impossível existir

essa Filosofia sem ser sustentada por uma ciência, já que queria “provar a

existência da Ciência da Motricidade Humana.” (TOJAL, 1994, p. 118).

Para conseguir estruturar sua proposta, Manuel Sérgio buscou ajuda em

vários autores, um deles foi Merleau-Ponty que diz que é através da

intencionalidade existencial que o homem se descobre como homem e que

consegue compreender o mundo. Manuel Sérgio elucida que Merleau-Ponty

compreende a práxis como “um agir significador”, porque ela é a “doação de

sentido que o corpo atribui ao mundo e aos outros.” (TOJAL, 1994, p. 122).

Portanto, Manuel Sérgio percebeu que a Educação Física precisava fazer

uma ruptura com o passado, ou seja, com o dualismo cartesiano, para que ela

não perca sua especificidade, por isso ele propõe a Ciência da Motricidade

Humana.

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Ciência da compreensão e da explicação das condutas motoras, visando o estudo e constantes tendências da motricidade humana, em ordem ao desenvolvimento global do indivíduo e da sociedade tendo como fundamento simultâneo o físico, o biológico e o antropo-sociológico. (TOJAL, 1994, p. 126).

Manuel Sérgio luta para que os profissionais da Educação Física

compreendam o homem como um todo, e não em partes, e é isso que está

ciência defende a formação global do ser humano, o movimento intencional

com sentido e significado.

3. O corte epistemológico e a mudança de paradigma A Epistemologia, grosso modo, é o estudo do conhecimento ou teoria do

conhecimento. E Paradigma é caracterizado como “[...] as realizações

científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem

problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma

ciência.” (KUHN apud PEREIRA, 2006, p. 130). Ou seja, ele serve como um

princípio que guia o conhecimento.

Sabendo, de maneira muito simples, o que significa epistemologia e

paradigma pode-se explicar o que é corte epistemológico e a mudança de

paradigma no âmbito da Educação Física.

A nossa profissão nasceu na Antiguidade, com o nome de Ginástica, sob

a concepção grega de homem integral, Os dizeres de Platão, “para o corpo a

ginástica e para alma a música”, revela um dualismo instrumental. É dualista,

mas corpo e alma ainda estão integrados. Podemos dizer que temos já uma

epistemologia traduzida na ginástica. Entretanto, foi na Modernidade que a

Educação Física nasceu e se edificou sob a égide do paradigma racionalista

cartesiano, que tem como precursor o Frances René Descartes.

Nesse paradigma o homem está em separação radical entre corpo/res

extensa e alma/res cogitans. De um lado, a alma superior, a fundamental, e de

outro, o corpo reduzido em uma máquina autônoma. A Educação Física da

Modernidade, como o próprio nome diz, foi elaborada para educar o físico, ou

seja, o homem era caracterizado como o ser pensante e seu corpo apenas um

instrumento da alma.

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A Educação Física nasceu sob o paradigma imposto por Descartes e

estava em “perfeita harmonia” com a Idade Moderna. Entretanto, o que foi

sistematizado pelos métodos europeus deixou vestígios até os dias de hoje,

com aulas focadas no físico tão só, sustenta por conhecimentos advindos de

outras áreas que não a nossa, nomeadamente, a medicina e a pedagogia.

Então, preocupado com isso, Manuel Sérgio propõe um corte

epistemológico e uma mudança de paradigma. Para ele, o corte epistemológico

precisa ser instaurado para acabar com a crise que a área enfrenta de ordem

epistemológica, ontológica, de objeto de estudo indefinido e nomenclatura

inadequada.

Mudar é preciso e urgente. Há que abandonar a Educação do Físico sob

o paradigma dominante e tradicional e transitar para uma Motricidade Humana

sob o paradigma emergente, o da complexidade, que não separa

ontologicamente o ser em partes independentes e percebe o mundo de modo

dialógico.

4. A ciência da motricidade humana e seus fundamentos A Motricidade Humana é a ciência que compreende o homem que se

move intencionalmente, ou seja, com consciência e autonomia rumo à

superação.

A Motricidade Humana tem por objetivo no que se refere aos seus

aspectos ontológicos romper com a concepção de humano dualista. Pretende

que qualquer intervenção no âmbito do Esporte, da Educação Física, da

Fisioterapia, Ergonomia, entre outros, considere o homem em sua totalidade/

unicidade/globalidade no processo de construção do conhecimento. Ainda, que

a Educação Física reformule o seu objeto estudo, abandonando o físico tão só

rumo a uma identidade centrada numa motricidade intencional.

Tendo em vista alcançar os objetivos ela possui alguns fundamentos que

serão explicados a seguir.

4.1 Complexidade

A Motricidade Humana tem o paradigma da complexidade como um de

seus fundamentos, como paradigma emergente, como concepção dialógica e

em rede. Pereira 2007 explica que os princípios subjacentes ao paradigma da

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complexidade constituem-se em processos de formação e de educação

conexos com os sistemas abertos e não determinísticos. Por isso, onde houver

qualquer manifestação motriz ela deverá ser móvel, dialética/dialógica e viva,

admitindo o destino e a condição da vida humana, considerando os princípios

da dúvida, da incerteza, da relação entre o todo e as partes, das ações

dinâmicas causadas e causadoras, para além dos movimentos lineares das

relações causa e efeito.

Não basta pensar em uma atividade física para o homem levando em

consideração apenas seu físico e sem considerar a relação que ele tem no

mundo. O “ser humano é e, simultaneamente, tem um corpo aberto ao mundo,

no qual assume e incorpora o cultural” (PEREIRA, 2006, p. 107). Faz-se

necessário que qualquer ação humana esteja de acordo com sua

intencionalidade, pois o paradigma complexo compreende o homem em sua

globalidade, ou seja, na relação “[...] corpo-mente-desejo-natureza-sociedade

[...]” e mundo. (SÉRGIO apud PEREIRA, 2006, p. 140).

4.2 A interação entre o sensível/corpo e o inteligível/alma A Educação Física se edificou sob a égide do paradigma racionalista

cartesiano, que separou radicalmente o sensível do inteligível, em que o corpo

foi considerado como uma máquina autônoma e a alma como a única parte do

homem que tinha importância. Essa forma de entender o homem fez com que

até os dias de hoje as atividades físicas sejam preparadas e pensadas para o

físico tão só, esquecendo o homem em sua complexidade.

Pensando nisto, e oposto ao dualismo cartesiano, está a Ciência da

Motricidade Humana, que compreende o homem em sua totalidade complexa.

Esta ciência quer que o homem tenha uma formação que vai além do físico tão

só, que o atenda como ser humano inteiro, pois ele “é unidade indivisível e

forma uma totalidade com os outros seres humanos, sendo que estes também

se encontram unidos ao mundo” (PEREIRA, 2006, p. 87).

Portanto, se faz necessário um corte epistemológico com o paradigma

dualista e a efetivação do paradigma da complexidade. Para materializar esta

ciência é imprescindível que os professores integrem de modo dialógico o sensível/corpo e inteligível/alma.

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Não podemos esquecer que educamos a Motricidade, ao mesmo tempo

que, educamos pela Motricidade, porque existe uma unidade dialética entre a

experimentação e a compreensão da ação vivida, sentida e percepcionada.

Toda motricidade há de ser uma práxis, radicada num saber-fazer-crítico e num

empenho pela transformação da vida. 4.3 Intencionalidade Operante Intencionalidade operante é o que se tem quando realiza algo de

propósito, consciente e planejado. É deslocar do “eu penso para eu posso”,

não sendo as ações do ser humano apenas um mero acontecimento do acaso.

A intencionalidade envolve atos carregados de decisão e é por meio dela que o

homem age no mundo e mostra o porquê de sua existência.

Intencionalidade “[...] é a atitude existencial do ser humano portador de

toda a compreensão e de sentido daquilo que se coloca antecipadamente no

mundo e na vida.” (PEREIRA, 2006, p. 115). Motricidade Humana é sinônimo

de intencionalidade operante, pois o que esta ciência propõe é que o humano

passe da intenção à ação, é a propriocepção do ser na realização de todas e

qualquer ação que realizadas, ou seja, é operar/pôr em prática a intenção

idealista.

O ser humano entendido pela intencionalidade operante ou pela

Motricidade humana é um homem “agente” que “não é simplesmente colocado

ou posto no mundo, mas sim um ser em situação, ser cheio de vida, ser que se

ergue em direção do mundo”. (PEREIRA, 2006, p. 114).

Em outras palavras, não adianta ter a intenção de realizar ou fazer algo e

isso ficar apenas no pensamento e no plano das ideias. A intenção num

primeiro momento é planejada, projetada, refletida, mas num segundo

momento tem que ser efetivada, ou melhor, materializada.

4.3 Sentido e significado A Motricidade Humana tem como fundamento o sentido e o significado,

porque as ações dos humanos em direção a um objeto, um objetivo são

determinadas por um dado sentido/significado. Manuel Sérgio já explicou que

homem é um ser de necessidades e de desejos e se move em direção a eles.

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O sentido e significado não é somente o que a palavra significa, ou

melhor, não é a definição pura da palavra, mas a significação que ela tem para

a pessoa. Isto vale também para sentido, pois não é somente o que a palavra

quer dizer, e sim o sentido que ela traz para o ser humano. O homem situa-se num contexto histórico, dotado de significações, portanto, apropria-se delas. A História, pessoal e social, atribui uma gama de sentidos e de significados, sendo esses relacionados aos fatos concretos vividos e construídos pelos seres humanos, e, com tal, fatos Históricos que traduzem trajetórias de lutas pela sobrevivência, pela liberdade e pela emancipação. (PEREIRA, 2006, p. 199).

Qual o sentido e significado de um homem se mover? Move sempre em

busca alguma coisa. Manuel Sérgio (1996, p. 142) explica que […] o sentido do

movimento é a transcendência, pela qual o ser humano ultrapassa os limites de

sua situação no Mundo e se põe, consciente e voluntariamente, em relação

com o absoluto. O ser humano desafia o seu próprio limite, ele quer sempre

mais, busca o diferente e a novidade, é um ser rumo à transcendência, porque

está sempre aberto a infinitas possibilidades.

4.4 Transcendência Segundo Pereira (2006) a Ciência da Motricidade Humana defende que o

homem é um ser carente, que está em constante busca de superação. Para

sanar essa carência de buscar sempre ser o que não é, mas que deseja ser, e

de ter coisas que não tem, mas que pretende ter, o ser humano tenta se auto-

superar o que o leva a transcendência.

Esse fundamento segundo Silva (2007) significa algo que ultrapassa os

limites de si mesmo. Todavia, o auto-superar é o que o ser humano deseja.

Ainda explica a autora que a transcendência é o querer do homem, é a busca

de algo que não se tem, é colocar fim na carência que existe no momento

vivido.

O ser humano ao nascer não escolhe em que família vai pertencer, sua

cor, seu gênero, seus jeitos, como será seu cabelo, sua nação, dentre outros,

porque isso é uma condição de facticidade, ou seja, aquilo que é fato e não se

muda. Entretanto, isso não significa que suas escolhas, seu querer, suas

vontades também já estejam projetadas e determinadas. Pelo contrário, o

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homem quando quer compreender um assunto, alcançar algo na vida, mudar o

seu rumo para melhor, ele pode e consegue, pois estará consciente do que

quer, e para superar esse estado de carência e ir ao encontro de seu objetivo

ele transcenderá, estará fazendo sua história no mundo e ao mesmo tempo o

que mundo estará agindo nele.

Segundo Pereira (2006, p. 161) a “Motricidade Humana é a virtualidade

para a ação traduzida no movimento centrifugo e centrípeto de personalização,

porque o ser humano revela-se numa inter-ação corpo-espírito.” Isto é, o

homem se vivifica quando age no mundo e deixa o mundo agir em si.

E transcendência é isso, é o ser humano ter consciência de sua carência

buscando se superar, “para ultrapassar a sua condição, para ir além de, no

sentido de alcançar a realização plena de seus anseios” (PEREIRA, 2006, p.

112).

4.5 Práxis Práxis, grosso modo, significa o refletir e o pensar sobre o que se faz e irá

fazer. Ou seja, por traz de toda prática existe uma teoria, pois elas são “[...]

complexas e indissociáveis. A práxis só se efetiva na relação dialética e

dialógica entre teoria e prática, mediada por um agir crítico e consciente.”

(PEREIRA, 2006, p. 184).

Como já elucidamos o humano é um ser carente, que tem sonhos,

desejos e vontades, mas para que ele consiga suprir essa carência,

provavelmente carregada de sentido e significado, ele precisa se envolver em

um projeto. Há que ter conhecimento para saber projetar e

movimentar/motricidade operante em direção a sua execução.

De outro modo, para que intenção se opere o homem precisa saber fazer,

ter conhecimento de como fazer e para isso acontecer ele tem que ser práxico.

O humano práxico é aquele que movimenta a sua própria história com

sentido e significado, operacionalizando os seus projetos, fazendo cultura,

resolvendo problemas. Em outras palavras, ser práxico é aquele faz reflexão

crítica sobre a ação que quer realizar e operar no mundo, concretizando a

vontade/o sonho/ o projeto, pois o homem é “[...] um pensamento em acto”, e

dessa maneira ele suprirá a carência daquele momento vivido. (MERLEAU-

PONTY apud PEREIRA, 2006, p. 107).

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A superação da carência é a transcendência. E é exatamente isso que

visa a Ciência da Motricidade Humana, o ser humano em uma constante busca

de superação.

5. Conclusão Este estudo teve como objetivo estudar de modo rigoroso e de conjunto o

que é Ciência da Motricidade Humana e quais os seus pressupostos e

pressupostos, bem como verificar quais os contributos desta ciência para a

Educação Física, tendo em vista colaborar nessa difícil crise que ela enfrenta.

A presente pesquisa mostrou que mudar é preciso! Que se faz necessário

uma mudança da Educação Física para a Motricidade Humana.

Seria pertinente concretizar e efetivar as rupturas que propõe a

Motricidade humana com intuito de:

- Abandonar o paradigma tradicional racionalista da Educação Física

rumo ao paradigma complexo e emergente da Motricidade.

- Superar os dualismos e fragmentação do humano: Corpo e alma, sujeito

e objeto da Educação Física rumo à unidade e complexidade humana da

Motricidade.

- Transitar da mera e simples área de atividades para um físico tão só

para área de conhecimento.

- Não mais fragmentar a teoria e a prática e intervir sob a perspectiva da

dialética conhecimento-práxis. Há que primar para o equilíbrio entre o teórico-

prático, pautado na reflexão da ação, reflexão na ação e reflexão sobre a ação.

Enfim, há que deslocar do simples movimento humano, para o Humano

que movimenta intencionalmente, com sentido e com significado, rumo a um

ser práxico, para efetivar a sua evolução pessoal e, por extensão, a evolução

da comunidade coletiva.

6 - Referências

PEREIRA, Ana Maria. Motricidade Humana: a complexidade e a práxis educativa. 2006. Tese (Doutoramento em Ciências da Motricidade Humana) – Universidade da Beira Interior, Covilhã – Portugal.

SERGIO, Manuel. Epistemologia da motricidade humana. Lisboa, Cruz-Quebrada: Edições Faculdade de Motricidade Humana – UTL, 1996.

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SILVA, Sheila Aparecida Pereira Santos. Motricidade Humana e a idéia de transcendência: apontamentos baseados em Martín Heidegger. Anais do V Congresso Internacional de Motricidade Humana. Chile, 2007.

TOJAL, João Batista. O objeto de estudo da educação física. In:______. Da educação física à motricidade humana: a preparação do profissional. Lisboa: Instituto Piaget, 2004. p.09-24. TOJAL, João Batista. Motricidade humana: o paradigma emergente. Campinas: Unicamp, 1994 Referência complementar

ALMEIDA, Karina Faziolli. Do corpo objeto da educação física à corporeidade da ciência da motricidade humana. 2009. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Universidade Estadual de Londrina, Londrina.

LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Maria de Andrade. Metodologia do trabalho científico. 7.ed. São Paulo: Atlas, 2008.

SERGIO, Manuel. Alguns olhares sobre o corpo. Lisboa: Piaget, 2003. ______. Educação física ou ciência da motricidade humana? Campinas: Papiros, 1989.

______. Motricidade humana: Contribuições para um paradigma emergente. Lisboa: Piaget, 1994.

______. Um corte epistemológico: da educação física à motricidade humana. 2.ed. Lisboa: Piaget, 2003.

Universidade Estadual de Londrina

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Linha: Fundamentos históricos, filosóficos, e culturais da educação na Educação Física.