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MUDAR É DIFÍCIL MAS É POSSÍVEL E URGENTE: REFERENCIAIS DA
PEDAGOGIA DE PAULO FREIRE NA FORMAÇÃO CONTINUADA DE
PROFESSORES
Alexandre Saul
Doutorando PUC/SP
Instituição financiadora: FAPESP
Email: [email protected]
profa. Drª Branca Jurema Ponce
Coordenadora do PPGE Educação: Currículo da PUC/SP
Orientadora da pesquisa
Email: [email protected]
RESUMO
Essa pesquisa, ainda em andamento, objetiva desenvolver uma prática de formação
continuada de educadores, referenciada na pedagogia de Paulo Freire, e analisar as
contribuições dessa práxis formativa para a transformação das práticas de ensino dos
educadores participantes. A primeira etapa do trabalho de campo foi realizada em uma
escola pública, com professores da Educação de Jovens e Adultos (EJA), e a segunda
etapa está sendo realizada na Universidade, junto a alunos de um Mestrado profissional,
cujo foco é a formação de formadores. O caminho metodológico trilhado, nos dois loci
da pesquisa, tem inspiração nos pressupostos da pesquisa-ação, de abordagem
qualitativa. O ponto de partida da formação é a realidade vivenciada pelos educadores
em seus cotidianos profissionais, concretizada nos principais desafios percebidos por
eles no desenvolvimento de suas práticas pedagógicas. As situações da realidade são
problematizadas para que se possa fazer emergir as visões de mundo dos professores,
seus limites explicativos e evidenciar os núcleos das contradições presentes nas práticas.
Procura-se desconstruir as práticas pedagógicas instituídas, à luz do conhecimento
sistematizado, lançando mão de diferentes racionalidades, teorias e dinamizações, de
forma interdisciplinar, coletiva e colaborativa. O ponto de chegada é novamente a
prática dos educadores, uma prática pensada, humanizadora e crítica, comprometida
com a justiça social. O quadro teórico utilizado considera, principalmente, as ideias de
Paulo Freire, Kenneth Zeichner, António Nóvoa, Marli André e Bernadete Gatti. A
pesquisa vem apontando um caminho importante de participação e diálogo na formação
de educadores, qual seja, a criação de um espaço-temporal de empoderamento, no qual
os educadores dizem a sua palavra e constroem ativamente sua formação.
Palavras-chave: Paulo Freire. formação continuada. prática de ensino.
1 Introdução
A pesquisa aqui apresentada, iniciada em 2012, desenvolve uma proposta de
formação continuada educadores que investiga caminhos possíveis para a transformação
de suas práticas de ensino, com implicações para as políticas públicas. Para cumprir
esses objetivos, tem-se buscado apoio em princípios da matriz de pensamento de Paulo
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Freire, com destaque para suas propostas e reflexões sobre a formação de educadores
(FREIRE, [1993] 2013, [1996] 2008). O texto retrata, sinteticamente, as ações que
foram e estão sendo desenvolvidas em dois loci de pesquisa, as conquistas, e as tensões
vividas, sempre com esperança.
2 Referencial Teórico
As pesquisas e a literatura na área de Educação vem demonstrando que qualquer
proposta de mudança da escola e do currículo, não se faz sem uma forte ação junto
aos/com os professores. A formação continuada dos educadores assume, assim, um
papel central em qualquer proposta educativa que aspire a essas mudanças. Paulo Freire
no livro A educação na cidade apresenta os princípios de sua proposta de formação de
educadores, no contexto da escola, concretizados em sua gestão como Secretário da
Educação da cidade de São Paulo (1989/1991):
Seis são os princípios básicos do programa de formação de educadores
desta Secretaria: 1) O educador é o sujeito de sua prática, cumprindo a
ele criá-la e recriá-la. 2) A formação do educador deve
instrumentalizá-lo para que ele crie e recrie a sua prática através da
reflexão sobre o seu cotidiano. 3) A formação do educador deve ser
constante, sistematizada, porque a prática se faz e se refaz. 4) A
prática pedagógica requer a compreensão da própria gênese do
conhecimento, ou seja, de como se dá o processo de conhecer. 5) O
programa de formação de educadores é condição para o processo de
reorientação curricular da escola. 6) O programa de formação de
educadores terá como eixos básicos: - a fisionomia da escola que se
quer, enquanto horizonte da nova proposta pedagógica; - a
necessidade de suprir elementos de formação básica aos educadores
nas diferentes áreas do conhecimento humano; - a apropriação, pelos
educadores, dos avanços científicos do conhecimento humano que
possam contribuir para a qualidade da escola que se quer. (FREIRE,
1991, p. 80).
Uma proposta como essa precisa contar com condições que favoreçam o
trabalho em grupo, que regulamentem o estudo em horário de trabalho, que gerem um
clima de confiança e solidariedade, contribuindo para a elevação da auto-estima e a
valorização dos professores individual e coletivamente, como categoria. A organização
do trabalho requer, também, a possibilidade de criar práticas e materiais didáticos,
explorar diferentes linguagens e formas de conhecer, e a valorização dos diferentes
saberes numa relação de respeito e simetria. Essas condições permitirão uma
consciência comprometida com a ação que implica pensar e agir coletivamente no
enfrentamento das situações de opressão.
3 Metodologia
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O caminho metodológico escolhido e trilhado, até o momento, tem inspiração
nos pressupostos da pesquisa-ação colaborativa (BRANDÃO, 2003), de abordagem
qualitativa.
O locus inicial da pesquisa foi uma escola de Educação de Jovens e Adultos
(EJA), da cidade de São Paulo. Essa escola solicitou ao pesquisador, através de seus
gestores, uma intervenção em um dos horários de trabalho pedagógico coletivo, com o
grupo de professores. Em diálogo, gestores, professores e pesquisador, firmaram a
intenção de participar da pesquisa, que passou a figurar no âmbito de um dos Projetos
Especiais de Ação (PEA) da escola, aprovado pela supervisão escolar, registrado na
Diretoria Regional de Ensino responsável pela unidade escolar e com previsão de
duração de 2 semestres letivos.
A intervenção foi realizada, na escola, às segundas-feiras, entre 12h15 e 15h15.
Não obstante a ênfase dada ao diálogo como princípio orientador do trabalho, a
localização do ponto de partida nas preocupações do grupo de professores em relação às
suas práticas de ensino concretas e as condições objetivas e políticas, aparentemente
favoráveis ao desenvolvimento da ação formativa, alguns obstáculos e desafios do
cotidiano escolar, e também da esfera da política educacional mais ampla, se colocaram
como impedimentos para que a proposta de formação pudesse avançar, por todo o ano
letivo. Foram realizados 16 encontros, ao longo do primeiro semestre de 2013.
Durante o segundo semestre de 2013 iniciava-se, na Universidade, segundo
locus de pesquisa, a primeira turma do Mestrado Profissional em Educação, com ênfase
na formação de formadores. O curso tem como objetivo contribuir para a formação de
educadores por meio do desenvolvimento de pesquisas que permitam a esses
profissionais intervir em seus contextos de prática, visando à melhoria da qualidade da
educação. O foco do curso está na Educação Básica e ele se destina, principalmente, a
coordenadores pedagógicos, diretores e supervisores das redes pública e particular de
ensino.
O pesquisador fez uma proposta ao Colegiado desse Programa de Pós-
Graduação, que foi discutida, aceita e incorporada ao curso, para desenvolver com 10
mestrandos, uma atividade de formação continuada, de caráter científico, no bojo de sua
pesquisa de Doutorado. Essa atividade, com duração de 12 encontros, de 3 horas cada,
realizados na Universidade, no primeiro semestre de 2014, tem o objetivo de
compreender os “porquês” de alguns dos obstáculos que se apresentam em diferentes
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práticas de formação continuada de professores e estudar maneiras de se opor a eles e
superá-los, em uma perspectiva contra hegemônica. Essa ação formativa visa também
subsidiar as pesquisas dos pós-graduandos participantes com elementos teórico-práticos
que contribuam para suas intervenções, em seus contextos profissionais.
O caminho praxiológico de formação continuada proposto e desenvolvido com
os professores, na escola de EJA, e com os mestrandos, na Universidade, guarda relação
com as fases da educação problematizadora proposta por Paulo Freire (FREIRE, [1968]
1987). Essas fases incluem, em linhas gerais: um diagnóstico da realidade e a
investigação de temas geradores; a busca dos núcleos fundamentais dos temas em um
processo de redução temática; a sua codificação/descodificação por meio do diálogo; o
planejamento de ações para a transformação da realidade estudada e uma nova leitura da
realidade que permitirá a identificação de novos problemas da prática; retroalimentando
o processo permanente de formação dos educadores. É importante ressaltar que a
proposta de formação trabalhada em cada um dos loci de pesquisa, carrega
especificidades tanto em relação ao desenvolvimento das diferentes fases do processo,
que precisam de adaptações e recriações em função do contexto de prática e dos sujeitos
com quem se trabalha, quanto em relação aos conteúdos da formação, pelos mesmos
motivos.
4 Vivendo tensões, com esperança
Embora o espaço escolar de EJA, tenha, de início, se mostrando receptivo para o
trabalho de formação continuada, em uma perspectiva crítica, a prática revelou que o
desenvolvimento de uma proposta contra hegemônica não se faz sem conflitos e
tensões. A cultura hegemônica de programas de formação de educadores, marcada pela
transmissão de conhecimentos, aliada às trajetórias identitárias desses professores e às
condições precárias de vida e de trabalho a que muitos deles estão submetidos,
decorrentes de décadas de desvalorização dessa profissão, instalam os docentes em
situações de acomodação e desesperança.
Ainda que os professores dessa unidade escolar, aparentemente, desejassem
mudanças na formação docente, a escola na qual o pesquisador atuava impôs, em meio
de caminho e sem diálogo, um modelo de formação de professores incompatível com a
experiência que vinha sendo feita. Isso se deu a partir de uma alteração do quadro
político-administrativo na gestão da unidade escolar. Voltou-se a um paradigma
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hegemônico de formação docente por decisão das coordenadoras pedagógicas, com o
apoio político da nova supervisão técnica.
Os dados até então coletados e analisados, o desenho e os procedimentos de
pesquisa, e a experiência adquirida com a prática de planejar e dirigir as reuniões
pedagógicas estão sendo fundamentais para prosseguir a investigação no segundo locus
de pesquisa. Essa sistematização tem contribuído para uma compreensão mais crítica e
rigorosa da formação continuada de educadores.
Cada dia mais a realidade da expressão de Paulo Freire “mudar é difícil, mas
necessário e urgente” se torna viva para o pesquisador que compreende que a
transformação não se faz sem esperança. Vale lembrar que a conquista de condições
objetivas, embora muito necessária e importante, não é suficiente para que um novo
paradigma de formação continuada de educadores seja bem sucedido. É importante
destacar que uma mudança de práticas de formação requer adesão a valores, a crenças, a
novos compromissos, e demanda paciência, impaciência e tolerância. Para isso, é
fundamental que se busque aliados no próprio grupo de docentes e em outros grupos de
educadores que estejam perseguindo os mesmos objetivos.
Os resultados obtidos até o momento, a partir dos dois campos de investigação,
estão ainda sendo categorizados e analisados, mas parecem apontar para a necessidade
de criação de ações e políticas de formação continuada de professores que possam dar
materialidade e sentido a esse imprescindível e valioso espaço de formação. O
pensamento de Paulo Freire é uma aposta nessa direção, na escola pública e na Pós-
Graduação, na atualidade.
Referências
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. A pergunta a várias mãos: a experiência da pesquisa no
trabalho do educador. São Paulo: Cortez Editora, 2003.
FREIRE, Paulo. A educação na cidade. São Paulo: Editora Cortez, 1991.
FREIRE, Paulo. (1996). Pedagogia da autonomia: saberes necessários à prática
educativa. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A, 2008.
FREIRE, Paulo. (1968). Pedagogia do oprimido. São Paulo: Editora Paz e Terra S/A,
1987.
FREIRE, Paulo. (1993). Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 2013.
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