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EXMO. SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE DIADEMA/SP DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO, por meio dos seus órgãos de execução signatários, vem, à presença de Vossa Excelência, com o devido acatamento e respeito, com fundamento no artigo 5º, LXIX e LXX da Constituição Federal, artigo 21 da 12016/2009, artigo 3º-A, II e III, artigo 4º, III, VII e IX da Lei Complementar 80/94, impetrar o presente MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO com pedido de liminar Avenida Sete de Setembro, 399 – 1º andar – Diadema/SP – CEP: 09912-010 – Tel: (11) 4057-4440 1

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Page 1: MS Coletivo.doc

EXMO. SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO DA VARA DA

FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE DIADEMA/SP

DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO

PAULO, por meio dos seus órgãos de execução

signatários, vem, à presença de Vossa Excelência,

com o devido acatamento e respeito, com fundamento

no artigo 5º, LXIX e LXX da Constituição Federal,

artigo 21 da 12016/2009, artigo 3º-A, II e III,

artigo 4º, III, VII e IX da Lei Complementar 80/94,

impetrar o presente

MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

com pedido de liminar

em face do MUNICÍPIO DE DIADEMA, ente da

Federação, pessoa jurídica de direito público

interno, que deve ser citado, conforme preceitua o

artigo 12, inciso II, Código de Processo Civil, na

pessoa do seu Chefe do Executivo, sito Rua

Almirante Barroso, n° 111, Vila Santa Dirce,

Diadema/SP, CEP 09912-170, apontando-se como

Avenida Sete de Setembro, 399 – 1º andar – Diadema/SP – CEP: 09912-010 – Tel: (11) 4057-4440

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autoridades coatoras o Sr. Prefeito, MARIO WILSON

PEDREIRA REALI , notificado em seu gabinete na Rua

Almirante Barroso, n° 111, Vila Santa Dirce,

Diadema/SP, CEP 09912-170 e os Srs. Arquimedes

Andrade e José Tadeu Mota , secretários municipais

de Defesa Social e Diretor de Eventos da

Prefeitura, respectivamente, a serem notificados na

Rua João Almeida, nº352, Centro, Diadema, CEP

09920-140, haja vista os seguintes fatos e

fundamentos jurídicos:

I – DA SÍNTESE FÁTICA

O presente mandado de segurança tem como

objeto a tutela jurisdicional aos direitos

coletivos de liberdade de expressão e de liberdade

de reunião , ambos de matiz constitucional, para

que, em Diadema , também possa ser realizado o

encontro cívico conhecido como Marcha da Maconha ,

evento que vem ocorrendo, em 2012, em diversas

cidades do Brasil, com respaldo amplo do Supremo

Tribunal Federal, como amplamente divulgado pela

grande mídia.

Urge, portanto, inicialmente, demonstrar

que o coletivo Marcha da Maconha possui objeto e

organização próprios, como se extrai de sua carta

de princípios :

‘A Marcha da Maconha Brasil é um

movimento social, cultural e político, cujo

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Page 3: MS Coletivo.doc

objetivo é levantar a proibição hoje vigente

em nosso país em relação ao plantio e consumo

da ‘cannabis’, tanto para fins medicinais

como recreativos. Também é nosso entendimento

que o potencial econômico dos produtos feitos

de cânhamo deve ser explorado, especialmente

quando isto for adequado sob o ponto de vista

ambiental.

A Marcha da Maconha Brasil não é

um movimento de apologia ou incentivo ao uso

de qualquer droga, o que inclui a ‘cannabis’.

No entanto, partilhamos do entendimento de

que a política proibicionista radical hoje

vigente no Brasil e na esmagadora maioria dos

países do mundo é um completo fracasso, que

cobra um alto preço em vidas humanas e

recursos públicos desperdiçados.

A Marcha da Maconha Brasil não tem

posição sobre a legalização de qualquer outra

substância além da ‘cannabis’, a favor ou

contra. O nosso objetivo limita-se a promover

o debate sobre a planta em questão e

demonstrar para a sociedade brasileira a

inadequação de sua proibição.

A Marcha da Maconha Brasil tem

como objetivo agregar todos aqueles que

comunguem dessa visão, usuários da erva ou

não, que desejem colaborar de alguma forma

para que a proibição seja derrubada.

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Page 4: MS Coletivo.doc

Os que estão presos pelo simples

fato de plantar a ‘cannabis’ para uso pessoal

são considerados presos políticos, assim como

todos aqueles que estão atrás das grades sem

ter cometido violência nenhuma contra

ninguém, por delitos relacionados a esse

vegetal que o conservadorismo obscurantista

teima em banir.

Para atingir os seus objetivos, a

Marcha da Maconha Brasil atuará estritamente

dentro da Constituição e das leis. Não

abrimos mão da liberdade de expressão, mas

também não promovemos a desobediência a

nenhuma lei. Entretanto, reconhecemos que se

a sociedade tem o dever de cumprir a lei

elaborada e aprovada por seus representantes

eleitos, os legisladores devem exercer a sua

função em sintonia com a evolução da

sociedade.

Uma vez por ano, simultaneamente

com o movimento internacional ‘Global

Marijuana March’, a Marcha da Maconha Brasil

organizará e convocará manifestações públicas

pela legalização da ‘cannabis’. Além disso,

também poderão ser organizadas outras

atividades, tais como seminários,

conferências e debates, inclusive em

colaboração com outros grupos e movimentos,

nacionais e estrangeiros.’

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O coletivo Marcha da Maconha, como forma

de alcançar a devida capilaridade de divulgação de

seus ideais, atua de forma descentralizada, de

forma que há, no âmbito da Região Metropolitana de

São Paulo, a Marcha da Maconha ABC.

Todos os organizadores do evento na

região do ABC estão identificados na documentação

que acompanha a presente impetração, com

identificação pessoal e comprovante de residência.

Conjuntamente, passaram, desde o início do ano, a

organizar a Marcha da maconha em Diadema, como bem

retrata termo de declarações juntado.

Assim, consta que, em 25 de janeiro de

2012, o coletivo expediu ofício para a Prefeitura

de Diadema, para o Comandante da Polícia Militar e

para a Companhia de Engenharia de Tráfego do

Município (documento em anexo), ocasião em que

solicitava “apoio para a realização de evento

público”.

Neste primeiro documento, foi externado o

objetivo do encontro, sua data e local. Assim,

informou-se, desde o primeiro momento, que o evento

Marcha da Maconha, concretização do direito de

reunião, em Diadema, ocorrerá no dia 26 de maio de

2012, a partir das 13h, na Praça da Moça, cujo

objetivo seria “a manifestação pública por mudanças

na Lei 11343/2006 a fim de regulamentar o uso,

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comércio e produção da planta cannabis sativa L.”.

Mais ainda, acrescentou-se que “o evento tem

caráter pacífico e democrático”. Em anexo, consta

cópia do ofício, com protocolo da Prefeitura de

Diadema.

A postura do coletivo é digna de elogio,

pois foi além do mero prévio aviso exigido pela

Constituição Federal (artigo 5º, XVI). Talvez já se

vislumbrasse que o tema, por ser defendido por uma

minoria, pudesse encontrar alguma resistência do

Poder executivo municipal.

Pois bem. Em resposta ao ofício expedido

pelo coletivo, a Prefeitura de Diadema respondeu. E

respondeu, pasme, Excelência, positivamente . Assim,

consoante documentação em anexo, no ofício OF – GP

nº50/12, consta o seguinte:

“Em resposta ao ofício 01/12, solicitando a

cessão de uso da Praça da Moça para a

realização do evento “Marcha da Maconha –

2012”, no dia 26/05 à partir das 13h,

comunicamos que a solicitação será atendida”

– grifos do original.

Assim, com o aceite por parte do Poder

Público Municipal, foi realizada reunião no 24º

Batalhão da Polícia Militar, com participação do

Capitão da PM, Sr. Roberto Laguna Ornellas, do 1º

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Tenente da PM, Sr. Robinson Luiz Carota, e dos

senhores Bruno Logan Azevedo e Ícaro Monteiro

Rizzo, ambos representantes do movimento. Na

reunião, iniciaram tratativas para melhor organizar

o evento, com detalhamento da programação, como

segue, em transcrição do original:

“Os representantes informaram a seguinte

proposta de programação:

- 13h00min Concentração na Praça da Moça

- 14h00min Caminhada: Av. Alda, Av. Antônio

Piranga (corredor do troleibus) até a Av.

Fábio Eduardo Ramos Esquivel, entrando pela

esquerda pela Av. São José até Rua Izaurino

Lopes da Silva, Praça da Moça;

- 15h00min nova concentração na Praça da Moça

para debates sobre o tema;

- 17h encerramento”.

Na ata da reunião, que segue em anexo,

constam outros detalhes, inclusive o subtema do

evento, em Diadema: “o policial também é vítima na

guerra as drogas”.

A gritaria política, então, deve ter se

iniciado. Explique-se: em verdadeira postura

contraditória (e, como se demonstrará, abusiva,

ilegal e inconstitucional), o Município passou a

adotar postura refratária ao movimento cívico e de

livre manifestação de ideias.

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Page 8: MS Coletivo.doc

Assim, em 22 de março de 2012, o Sr.

Osvaldo Misso, Chefe de gabinete do Prefeito de

Diadema, expediu ofício para o coletivo Marca da

Maconha ABC (cópia em anexo), pedindo “aos

idealizadores do evento em referência para que

(...) busquem espaços adequados para discutir as

mudanças pretendidas da lei Federal nº11343/2006”.

Em resposta, foi publicada carta aberta

(que também foi encaminhada ao Prefeito de Diadema)

com o objeto de reafirmar os valores que norteavam

a Marcha da Maconha, bem como a intenção de

prosseguir no intento, especialmente porque

respaldados pela Corte Suprema do Brasil.

Ao final deste processo acima narrado,

veio, em verdadeira síntese arbitrária, o ato

coator aqui atacado: a derradeira e irrestrita

proibição do evento no território de Diadema .

Deveras, em 18 de abril de 2012, as

autoridades coatoras, senhores Arquimedes Andrade e

José Tadeu, notoriamente cumprindo orientação do

Sr. Prefeito, Mario Reali, encaminharam ao coletivo

Marcha da Maconha o OF.SDS nº81/212, que segue em

anexo. Segue, no que interessa, transcrição do

texto, in omissis:

“Prezado Senhor,

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Page 9: MS Coletivo.doc

Venho informar a vossa senhoria

que a Prefeitura Municipal de Diadema não

autoriza o uso da Praça da Moça para a

realização da ‘Marcha da Maconha Diadema’, no

dia 26 de maio, 13h, na Praça da Moça. (...)

O município, como ente federado

tem autonomia política para deliberar sobre o

uso de seu espaço urbano. Neste sentido e

considerando todo o exposto, e o interesse

público maior, não autoriza o uso do espaço

público para realização da Marcha da Maconha

no território de Diadema ” – grifos nossos.

O Município, a par de tentar justificar,

longamente, sua posição, ao final, pura e

simplesmente, destaca a intolerância, a indiferença

para com grupos minoritários, a falta de diálogo e,

em última instância, o completo desrespeito ao

livre pensamento e à liberdade de reunião.

Ora, fosse garantida a liberdade de

expressão e de reunião apenas para a defesa de

ideias majoritárias e defendidas pelo Poder

Público, estaríamos defronte a um direito sem

qualquer utilidade prática. É justamente nos casos

de grupos minoritários, de ideias que conflitem com

a massa hegemônica, que os direitos que se pretende

tutelar ganham corpo e importância.

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Do ato impugnado, extrai-se, a um só

tempo: (i) a completa proibição da Marcha da

Maconha em qualquer espaço público de Diadema; (ii)

a fundamentação em pura discricionariedade

administrativas, eis que “a marcha da maconha

conflita, colide, com as políticas públicas

desenvolvidas pela Prefeitura”.

Como se verá, essa decisão é

absolutamente abusiva, violando diretamente a

Constituição Federal e afetando o direito coletivo

de todos os potenciais participantes da marcha da

maconha em Diadema.

II – DO CABIMENTO DO MANDADO DE SEGURANÇA COLETIVO

Narrada a trama fática que antecedeu a

presente impetração, é preciso demonstrar o

adequado cabimento da escolha processual ora

eleita.

Assim, algumas linhas devem ser dedicadas

para demonstrar que o mandado de segurança é o meio

adequado para a tutela do direito de reunião; que

pretende-se tutelar um direito essencialmente

coletivo; e que há prova pré-constituída (“direito

líquido e certo”) apta a demonstrar o direito e o

ato abusivo.

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O cabimento do mandado de segurança para

a adequada tutela do direito de reunião e das

liberdades que lhe são correlatas é apontado pela

doutrina especializada. Assim, leciona MENDES que

“a defesa do direito de reunião, quando se defronta

com uma ação estatal, terá no mandado de segurança

o instrumento hábil para se desenvolver” 1.

Ademais, a natureza coletiva da

impetração também é pertinente. Deveras, o que se

pretende tutelar nesta impetração não é exatamente

o direito de os organizadores realizarem o ato, mas

sim o direito coletivo em sentido estrito de todos

os potenciais participantes do encontro a ser

realizado . Pretende-se garantir, portanto, o

direito de reunião (coletivo, na própria essência)

de todos aqueles cidadãos que, no dia 26 de maio de

2012, se dispuserem a participar, discutir,

criticar e exercer suas liberdades de expressão,

pensamento e reunião. Com a proibição do Município,

esse direito coletivo está sendo violado, pois

impede-se, desde já, o livre pensar e a

possibilidade de reunirem-se para defenderem,

conjuntamente, um objetivo comum.

Por fim, presente também o direito

liquido e certo, aqui entendido como instituto

1 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires Coelho; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, página

400.

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processual, no sentido de “a prova da violação ou

iminência de violação à afirmação do direito do

impetrante deve ser feita de plano com a petição

inicial, isto é, deve apresentar-se em forma

documental, vedada a dilação probatória ao longo do

processo”2. Ora, é justamente o que aqui ocorre. A

proibição, expressa, clara, inconfundível, foi

exarada em ofício escrito expedido por autoridades

do Município de Diadema. De igual maneira, todos os

elementos que conformam o direito de reunião e

demonstram, por conseguinte, sua necessidade de

tutela, estão comprovados em meio documental nos

autos.

III – DA LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA.

Inicialmente, é preciso advertir que o

termo “ação civil pública” designa gênero,

abrangendo qualquer tipo de demanda que procure

tutelar direitos coletivos lato sensu, pouco

importe o procedimento a ser adotado. Assim,

entende-se que o mandado de segurança coletivo é,

em última análise, também uma ação civil pública.

Feita essa advertência, pode-se afirmar

que a doutrina e a jurisprudência já assentaram a

plena legitimidade da Defensoria Pública para o

ajuizamento de demandas que busquem tutelar

2 BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. rev., atual.

e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010, página 24, nota de rodapé nº6-A.

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direitos difusos, coletivos ou individuais

homogêneos.

Assim, em 15 de janeiro de 2007, foi

publicada a Lei Federal nº. 11.448, que

expressamente admitiu a legitimidade da Defensoria

Pública para a propositura da ação civil pública ao

inserir esta instituição no rol presente no artigo

5º da Lei nº. 7.347 de 24 de julho de 1985.

Não é demais lembrar que a Constituição

Federal, em seu artigo 134, dispõe que à Defensoria

Pública incumbe a assistência jurídica integral e

gratuita aos necessitados. Por conseguinte, o

objetivo da Defensoria Pública é de servir como

instrumento para o acesso a ordem jurídica justa

dos necessitados, seja sob o aspecto econômico,

seja sob o aspecto jurídico. Decerto, sem a ação

civil pública a Defensoria Pública não conseguiria

cumprir a sua vocação constitucional, que, em

última análise, visa a promoção da dignidade da

pessoa humana.

Confirmando esse entendimento, foi

promulgada e publicada a Lei Complementar 132, de

07 de outubro de 2009, que alterou a Lei

complementar 80/94, que estabelece normas gerais

sobre as Defensorias Públicas. Nesse diploma,

consta, expressamente , como função institucional da

Defensoria Pública “promover ação civil pública e

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todas as espécies de ações capazes de propiciar a

adequada tutela dos direitos difusos, coletivos ou

individuais homogêneos quando o resultado da

demanda puder beneficiar grupo de pessoas

hipossuficientes”.

Especificamente sobre o Mandado de

Segurança Coletivo, a doutrina mais atualizada, já

sob a influência da Lei 12.016 de 07 de agosto de

2009, conclui pela legitimidade ativa do Ministério

Público e da Defensoria Pública para a impetração

do remédio constitucional. Nesse sentido, o

magistério doutrinário de Cassio Scarpinela Bueno:

“O mesmo raciocínio deve ser empregado para

concluir pela legitimidade da Defensoria

Pública para a impetração do mandado de

segurança coletivo. Não só por força de seus

misteres constitucionais (artigo 134 da

Constituição Federal) e do artigo 5º, II da

Lei 7347/1985, com a redação dada pela Lei

11.448/2007, prevê com relação à sua

legitimidade para a ‘ação civil pública’, mas

sobretudo diante do que dispõem os incisos

VII, VIII e IX do art.4º da Lei Complementar

80/1994, na redação da Lei Complementar

nº132/2009, que evidenciam a importância de

as funções daquela Instituição também deverem

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Page 15: MS Coletivo.doc

ser desempenhadas no âmbito do ‘direito

processual coletivo’”3.

Por fim, o objeto do presente mandado de

segurança circunscreve-se, com exatidão, aos

objetivos e funções institucionais da Defensoria

Pública, notadamente a “afirmação do Estado

Democrático de Direito” (art.3º-A, II), “a

prevalência e efetividade dos direitos humanos”

(art.3ºA, III); “promover a difusão e a

conscientização dos direitos humanos, da cidadania

e do ordenamento jurídico” (art.4º, III) e

“promover a mais ampla defesa dos direitos

fundamentais dos necessitados, abrangendo seus

direitos individuais, coletivos, sociais,

econômicos, culturais e ambientais, sendo

admissíveis todas as espécies de ações capazes de

propiciar sua adequada e efetiva tutela” (art.4º,

X, todos dispositivos da Lei complementar nº80/94).

Assentada a legitimidade ativa da

Defensoria Pública, é preciso que se analise,

enfim, o direito assegurado, de forma potencial, à

toda coletividade de Diadema.

IV – DO DIREITO DE REUNIÃO. CONFORMAÇÃO E PROTEÇÃO.

3 BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. rev., atual.

e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010, página 166.

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Page 16: MS Coletivo.doc

O ato abusivo impugnado consegue, a um só

tempo, violar a liberdade de expressão, o direito

de petição e a liberdade de reunião. É inegável,

contudo, que o principal direito violado é

justamente aquele previsto no artigo 5º, XVI da

Constituição Federal, que estipula o seguinte:

“todos podem reunir-se pacificamente, sem

armas, em locais abertos ao público,

independentemente de autorização, desde

que não frustrem outra reunião

anteriormente convocada para o mesmo

local, sendo apenas exigido prévio aviso

à autoridade competente”.

Ao violar esta liberdade, o ato, por via

indireta, acaba interferindo decisivamente naqueles

outros direitos, notadamente porque “a liberdade de

reunião é daquelas que podemos denominar de

liberdade-condição, porque, sendo um direito em si,

constitui também condição para o exercício de

outras liberdades: de manifestação do pensamento,

de expressão de convicção filosófica, religiosa,

científica e política, e de locomoção” 4.

Assim, é preciso que se demonstre, no

presente caso, que estão presentes os elementos de

4 SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 35ª edição, revista e

atualizada. Editora Malheiros, página 265.

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Page 17: MS Coletivo.doc

configuração e validade da liberdade de reunião,

indevidamente cerceada pelas autoridades coatoras.

Com espeque no magistério doutrinário em

Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e

Paulo Gustavo Gonet Branco, é possível identificar

5 (cinco) elementos de configuração do direito de

reunião.

Tem-se, assim, um elemento subjetivo,

consistente em “um agrupamento de pessoas”. É

preciso, ainda, que haja “um mínimo de

coordenação”, de forma que “a aglomeração deve ser

o resultado de uma convocação prévia à coincidência

de pessoas num mesmo lugar”. Este seria, por sua

vez, o elemento formal. Exige-se, ainda, um

elemento teleológico, haja vista que “as pessoas

devem estar reunidas com vistas à consecução de

determinado objetivo”.

Acrescenta a doutrina citada que “o

agrupamento de pessoas, no direito de reunião, é

necessariamente transitório, passageiro”, no que se

designa por elemento temporal. Por fim, exige-se

que a reunião deve ser pacífica e sem arma,

denominado, pelos autores, de elemento objetivo.

A leitura atenta da síntese fática supra

mencionada permite constatar, com clareza, a

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Page 18: MS Coletivo.doc

presença de todos esses elementos, de resto sequer

contestados pelo Município.

Deveras, a Marcha da Maconha possui,

ainda que sem formalismos jurídicos, uma verdadeira

coordenação, tanto nacional, quanto local, o que se

comprova, como adiantado, pelo termo de declarações

em anexo, pelos diversos ofícios expedidos pelo

coletivo (e juntados nesta impetração), bem como

pela documentação pessoal dos organizadores.

Ademais, como decorrência desta

coordenação, tem-se um prévio agendamento e, mais

que isso, prévia convocação de manifestantes, tanto

pela mídia (diversas reportagens de periódicos

locais noticiaram a marcha, como se constata dos

documentos juntados em anexo), quanto por ampla

divulgação em sítios na web (confira-se, v.g, os

sítios www.marchadamaconha.org e

www.grownroom.com.br ).

Na sequencia, também está bem demonstrado

que a reunião possui propósito específico, no caso,

promover o debate e a difusão de ideias “sobre

mudanças na lei 11343/2006 a fim de regulamentar o

uso, comércio e produção da planta cannabis sativa

L.”.

Quanto ao ponto, aliás, revela completo

desconhecimento da questão o Município, quando

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Page 19: MS Coletivo.doc

pretende equiparar “regulamentação” a livre

comércio, como tentou fazer em sua derradeira

manifestação, justamente o ato coator. Ora, sabe-se

que há distinta concepção sobre os termos

descriminalização, regulamentação ou legalização e

liberação das drogas. O primeiro destes denota que

o uso e o comércio de drogas deve passar ao largo

do trato criminal, não merecendo, portanto,

repressão punitiva (como vem acontecendo no

Brasil). A regulamentação ou legalização, por sua

vez, representa a aposição de regras e

condicionantes sobre o uso e o comércio de

entorpecentes, estabelecendo restrições para essas

atividades, como, de resto, ocorre com o consumo e

venda do tabaco (restrições ao local de uso;

restrições à venda e propaganda, etc). O livre

mercado, por fim, difere dos dois anteriores, pois

representa, ao menos à primeira vista, a verdade

vigência do “Laissez-faire, laissez-passer, le

monde va de lui-même”, na melhor concepção liberal

de Adam Schmitd. Não é preciso conhecer por dentro

do movimento (como não conhece a Defensoria

Pública), para perceber o real propósito do

movimento, donde se extrai a parca percepção

técnica do Município.

Prosseguindo. Presente também está, no

caso, o elemento subjetivo, no caso, o “agrupamento

de pessoas”. Talvez não como no Rio de Janeiro, em

06 de maio de 2012, quando cerca de 10 (dez) mil

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pessoas se reuniram neste mesmo evento. Aqui em

Diadema, segundo relato da organização na Reunião

Realizada junto ao 24º Batalhão da Polícia Militar

(ata em anexo), prevê-se o comparecimento de cerca

de 200 pessoas, podendo chegar até 1000 (mil)

pessoas, como noticiado na mídia local.

O elemento temporal, por sua vez, está

bem delineado, eis que está agendada o encontro

cívico para 26 de maio de 2012, a partir das 13h,

na Praça da Moça, em Diadema. A transitoriedade é

ínsita, eis que, também consoante informações

repassadas ao Município pela organização, o evento

terá apenas algumas horas de duração.

Por fim, também está presente o elemento

objetivo, eis que está bem demonstrado, ao longo de

diversos ofícios, manifestações e termo de

declarações que o evento é pacífico, sem o uso de

armas de qualquer tipo.

Estão presentes, portanto, todos os

elementos que conformam o direito de reunião,

demonstrando-se, no caso, que realmente trata-se da

tutela desta posição subjetiva dos cidadãos que

pretendem fazer parte da situação.

A doutrina e a jurisprudência, por sua

vez, também mencionam um requisito de validade

implícito, que, no caso, seria a licitude da

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Page 21: MS Coletivo.doc

manifestação pública. Aqui, especificamente,

residiu toda a celeuma que marcou a questão da

Marcha da maconha, até o ano de 2011 . É que, em

2011, encerrou-se qualquer discussão sobre a

licitude funcional da Marcha da Maconha , a partir

de decisão proferida em controle concentrado de

constitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal,

especificamente na ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE

PRECEITO FUNDAMENTAL nº187 .

No âmbito deste processo de controle

abstrato de constitucionalidade, pediu-se que fosse

dada interpretação conforme ao artigo 287 do Código

Penal, “de forma a excluir qualquer exegese que

possa ensejar a criminalização da defesa da

legalização das drogas, ou de qualquer substância

entorpecente específica” (petição inicial, ofertada

pela Procuradora Geral da República, Dra. DEBORAH

MACEDO DUPRAT DE BIRTTO PEREIRA).

Ao final do julgamento, o Pretório

Excelso, por unanimidade, consignou, no dispositivo

da decisão, o seguinte:

O Tribunal, por unanimidade, rejeitou as

preliminares de não-conhecimento da arguição

e a de ampliação do objeto da demanda. No

mérito, também por unanimidade, o Tribunal

julgou procedente a arguição de

descumprimento de preceito fundamental, para

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dar, ao artigo 287 do Código Penal, com

efeito vinculante, interpretação conforme à

Constituição, "de forma a excluir qualquer

exegese que possa ensejar a criminalização da

defesa da legalização das drogas, ou de

qualquer substância entorpecente específica,

inclusive através de manifestações e eventos

públicos", tudo nos termos do voto do Relator

Com esta decisão, dotada de efeitos erga

omnes e eficácia vinculante (como, de resto,

qualquer decisão em sede de controle abstrato de

constitucionalidade), não é mais possível qualquer

discussão em processos judiciais sobre a licitude

da Marcha da Maconha.

Daí porque, em 2012, as manifestações

públicas, retratos de um pais com instituições

consolidadas, que efetivamente concretize um Estado

democrático de direito, começaram a se multiplicar.

Nos sítios da web já citados, é possível vislumbrar

extenso calendário indicando as datas da

organizações, inclusive a de Diadema.

Parece contudo (e fala-se isso com muito

pesar), que a sina de Diadema parece ser outra, que

não a concretização da Democracia em seu sentido

substancial. Primeiro (e aqui vale o registro

histórico), por ter sido o local donde surgiu o

fato notório que acabou por chocar a sociedade e

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Page 23: MS Coletivo.doc

movimentar o Poder Legislativo a promulgar a Lei de

Tortura.

Agora, contra decisão do Supremo Tribunal

Federal e de Poderes Executivos de grandes capitais

(São Paulo e Rio de Janeiro, por exemplo), decidiu,

com parca fundamentação, simplesmente ferir de

morte, sepultar mesmo, direitos fundamentais

assegurados na Carta Magna, antes de tudo, a

efetiva possibilidade de participação popular na

decisão dos rumos que a nação deve seguir.

Não se pede, obviamente, que o Município

concorde com as ideias que pretendem ser defendidas

pelos potenciais participantes do grupo. O que se

exige, agora com força de decisão judicial, é que o

Município respeite essas ideias, mesmo se lhe

pareçam desagradáveis ou equivocadas, tolerando a

manifestação democrática, cívica e propositiva que

os cidadãos de Diadema pretendem concretizar em 26

de maio de 2012.

Como se verá no próximo tópico, os

argumentos levantados pelo Município para proibir o

direito de reunião são, antes de tudo, abusivos e,

na essência, absolutamente impertinentes.

V – DIREITO DE REUNIÃO E LIBERDADE DE EXPRESSÃO.

INSTITUTOS DE ÍNDOLE ESSENCIALMENTE

CONTRAMAJORITÁRIA. DIREITO DAS MINORIAS.

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Page 24: MS Coletivo.doc

Consoante afirmado, as autoridades

coatoras e, em última instância, o próprio

Município, proibiram a marcha da maconha em Diadema

sob o fundamento de que “a marcha da maconha

conflita, colide, com as políticas públicas

desenvolvidas pela Prefeitura” (ofício).

Destarte, o Município fundamenta sua

proibição basicamente na discordância das ideias,

eis que colidiriam com as políticas públicas

oficiais. Apresenta, é certo, alguns dados, dando a

entender que a marcha da maconha poderia (não se

sabe exatamente como...) aumentar o número de

homicídios na municipalidade.

Parece claro que esse fundamento é

absolutamente inadequado para vedar o encontro

cívico programado para o próximo dia 26 de maio.

Deveras, é da essência do direito de reunião a

crítica, a apresentação de ideias contrárias às

dominantes, a formulação de propostas alternativas

às vigentes .

Interessante, na espécie, argumentação

apresentada pelo Ministro Celso de Mello, em seu

doutrinário voto na já citada ADPF nº187:

“O sentido de fundamentalidade de que se

reveste essa liberdade pública (o direito de

reunião) permite afirmar que as minorias

também titularizam, sem qualquer exclusão ou

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Page 25: MS Coletivo.doc

limitação, o direito de reunião, cujo

exercício mostra-se essencial à propagação de

suas idéias, de seus pleitos e de suas

reivindicações, sendo completamente

irrelevantes, para efeito de sua plena

fruição, quaisquer resistências, por maiores

que sejam, que a coletividade oponha às

opiniões manifestadas pelos grupos

minoritários, ainda que desagradáveis,

atrevidas, insuportáveis, chocantes,

audaciosas ou impopulares”.

Ora, qual o sentido de apenas permitir

que aqueles que professam as ideias dominantes

possam expor publicamente seus pleitos, ideias e

propostas? Apenas em Estados totalitários parece

coerente essa hipótese.

Quando se pretende a concretização de uma

Democracia substancial, é preciso garantir, com

firmeza, o diálogo, o pluralismo, a livre

construção de soluções a partir de proposições

oriundas dos mais diversos segmentos.

Como bem pontuou o ex-Presidente da

República, Fernando Henrique Cardoso, “a pior

proibição é a proibição de pensar” (A Guerra contra

as drogas, em 18/01/2011, publicado no Valor

Econômico).

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Page 26: MS Coletivo.doc

Assim, a concreta possibilidade de

discordar , criticar e defender publicamente

propostas tidas pela maioria como erradas,

esdruxulas, absurdas ou estranhas faz parte da

própria essência de um Estado que se pretende

democrático, eis que tutela o direito das minorias .

É esse o magistério doutrinário de Geraldo Ataliba:

“A Constituição verdadeiramente democrática

há de garantir todos os direitos das minorias

e impedir toda prepotência, todo arbítrio,

toda opressão contra elas.

Mais que isso – por mecanismos que assegurem

representação proporcional -, deve atribuir

um relevante papel institucional às correntes

minoritárias mais expressivas.

.............................................

...... Na democracia, governa a maioria, mas

– em virtude do postulado constitucional

fundamental da igualdade de todos os cidadãos

– ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria.

Esta exerce também função política

importante, decisiva mesmo: a de oposição

institucional, a que cabe relevante papel no

funcionamento das instituições republicanas.

O principal papel da oposição é o de formular

propostas alternativas às idéias e ações do

governo da maioria que o sustenta.

Correlatamente, critica, fiscaliza, aponta

falhas e censura a maioria, propondo-se, à

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Page 27: MS Coletivo.doc

opinião pública, como alternativa. Se a

maioria governa, entretanto, não é dona do

poder, mas age sob os princípios da relação

de administração.

.............................................

...... Daí a necessidade de garantias amplas,

no próprio texto constitucional, de

existência, sobrevivência, liberdade de ação

e influência da minoria, para que se tenha

verdadeira república.

.............................................

...... Pela proteção e resguardo das minorias

e sua necessária participação no processo

político, a república faz da oposição

instrumento institucional de governo.

.............................................

...... É imperioso que a Constituição não só

garanta a minoria (a oposição), como ainda

lhe reconheça direitos e até funções.

.............................................

...... Se a maioria souber que – por

obstáculo constitucional – não pode

prevalecer-se da força, nem ser arbitrária

nem prepotente, mas deve respeitar a minoria,

então os compromissos passam a ser meios de

convivência política. (...)” 5

Essa noção de proteção contramajoritária

que deve ser exercida pelo Poder Judiciário e que

5 “Judiciário e Minorias”, “in” Revista de Informação Legislativa, vol. 96/194

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Page 28: MS Coletivo.doc

deflui da Democracia, foi muito bem explorada da

multicitada ADPF. Importante, pois, a seguinte

transcrição:

Desse modo, e para que o regime democrático

não se reduza a uma categoria político-

jurídica meramente conceitual ou simplesmente

formal, torna-se necessário assegurar, às

minorias, notadamente em sede jurisdicional,

quando tal se impuser, a plenitude de meios

que lhes permitam exercer, de modo efetivo,

os direitos fundamentais que a todos, sem

distinção, são assegurados. Isso significa,

portanto, numa perspectiva pluralística, em

tudo compatível com os fundamentos

estruturantes da própria ordem democrática

(CF, art. 1º, V), que se impõe a organização

de um sistema de efetiva proteção,

especialmente no plano da jurisdição, aos

direitos, liberdades e garantias fundamentais

em favor das minorias, quaisquer que sejam,

para que tais prerrogativas essenciais não se

convertam em fórmula destituída de

significação, o que subtrairia – consoante

adverte a doutrina (SÉRGIO SÉRVULO DA CUNHA,

“Fundamentos de Direito Constitucional”, p.

161/162, item n. 602.73, 2004, Saraiva) – o

necessário coeficiente de legitimidade

jurídico-democrática ao regime político

vigente em nosso País.

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Page 29: MS Coletivo.doc

Interessante observar, ainda, que o

Município de Diadema parece caminhar na exata

contramão da história. Deveras, pode até ser ainda

minoritária a posição de uma nova abordagem (não

proibicionista) na questão das drogas; contudo, a

cada dia, multiplicam-se os defensores desta

corrente.

Assim, muito recentemente, na Cúpulas das

Américas, evento que reúne os Chefes de Estado de

todos os países do continente, a questão da

descriminalização das drogas foi expressamente

defendida por diversos representantes estatais,

passando a ser assunto em pauta nos grandes centros

de decisão

(http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI5

716071-EI8140,00-

Polemicas+com+Cuba+e+drogas+devem+dominar+Cupula+da

s+America.html ;

http://www.estadao.com.br/noticias/internacional,dr

ogas-ganham-espaco-na-cupula-das-

americas,860322,0.htm?reload=y ;

http://noticias.terra.com.br/mundo/noticias/0,,OI57

16071-EI8140,00-

Polemicas+com+Cuba+e+drogas+devem+dominar+Cupula+da

s+America.html ).

Por outro lado, países como Argentina,

Colômbia, Portugal, Estados Unidos (no estado da

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Page 30: MS Coletivo.doc

Califórnia), entre outros, já adotam certa

tolerância com as os entorpecentes, seja por meio

de descriminalização, seja por meio de permissão de

uso medicinal.

Por fim, posto que sem qualquer

cientificidade, sequer merece maiores comentários a

alegação do Município, ainda que nas entrelinhas,

de que a marcha da maconha poderia promover o

aumento do número de homicídios. Os números

apresentados pelo Município (que evidenciam a

elogiosa redução do número de homicídios) podem e

devem ser analisados de maneira global,

especialmente quando se percebe que em todo o

estado de São Paulo houve aguda diminuição das

taxas de homicídio, o que coloca, pelo menos, em

dúvidas, os autoelogios feitos pelas autoridades

coatoras e as políticas repressivas adotadas pela

municipalidade.

Destarte, fica demonstrado que é

completamente despicienda a alegação do Município

para proibir a marcha, pois: (i) desconsidera a

própria essência do direito de reunião e de um

estado democrático; (ii) revela completo

desconhecimento das grandes questões que estão

sendo discutidas no cenário internacional; e (iii)

carece de cientificidade, revelando indevido

narcisismo.

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Page 31: MS Coletivo.doc

VI – DA LIMINAR

“(...) a técnica

antecipatória visa apenas a

distribuir o ônus do tempo do

processo. É preciso que os

operadores do direito

compreendam a importância do

novo instituto e o usem de

forma adequada.”6

A medida liminar, em sede de mandado de

segurança, possui previsão legal expressa. Assim,

estipula o artigo 7º, III, da Lei 12016/2009:

Art. 7º Ao despachar a inicial , o juiz

ordenará:

III - que se suspenda o ato que deu motivo ao

pedido, quando houver fundamento relevante e

do ato impugnado puder resultar a ineficácia

da medida , caso seja finalmente deferida,

sendo facultado exigir do impetrante caução,

fiança ou depósito, com o objetivo de

assegurar o ressarcimento à pessoa jurídica.

De acordo com o magistério doutrinário, o

primeiro requisito para a concessão da liminar

(fundamento relevante), consistira na situação de o

6 MARINONI, Luiz Guilherme & ARENHART, Sérgio Cruz. Manual do processo de

conhecimento. 3. ed. São Paulo: RT, 2004. p. 234.

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Page 32: MS Coletivo.doc

“impetrando deverá convencer o magistrado de que é

portador de melhores razões que a parte contrária;

que o ato coator é, ao que tudo indica, realmente

abusivo e ilegal”7. Por sua vez, o segundo

(ineficácia da medida, caso seja finalmente

deferida), deve entendido como a concreta

possibilidade de a tutela do direito in natura não

ser alcançada apenas com o provimento final, “na

exata proporção em que o tempo de seu procedimento,

posto que bastante curto, não tenha condições de

assegurar o proferimento de sentença apta a tutelar

suficiente e adequadamente o direito tal qual venha

a reconhecer”8.

Entende-se que os dois requisitos estão

bem delineados nos autos.

No tocante ao fundamento relevante, basta

verificar que há nos autos, em primeiro lugar,

expressa e inequívoca manifestação do Município

proibindo o encontro cívico. Mais do que isso,

acredita-se que tenha ficado bem demonstrado que a

marcha da maconha, especificamente a agendada para

o dia 26 de maio de 2012, em Diadema, retrata, em

todos os seus elementos, o legítimo exercício do

direito de reunião e da liberdade de expressão. Por

fim, a licitude desta marcha é comprovada tanto

7 BUENO, Cassio Scarpinella. A nova lei do mandado de segurança. 2. ed. rev., atual.

e ampl. – São Paulo: Saraiva, 2010, página 64..8 IDEM, página 65.

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Page 33: MS Coletivo.doc

pela decisão do Supremo Tribunal Federal na ADPF

187, bem como pela realização deste evento em

diversas outras cidades brasileiras, já neste ano

de 2012, como ocorreu no Rio de Janeiro em 06 de

maio de 2012.

Por outro lado, há, na hipótese,

verdadeiro periculum in mora. Constata-se a

presença deste requisito, inicialmente, por simples

raciocínio aritmético. Deveras, considerando os

prazos previstos nos artigos 7º, I, artigo 12,

caput e parágrafo único, tem-se que, mesmo que

respeitados todos os termos legais assinalados, a

sentença será proferida, invariavelmente, após o

dia 26 de maio de 2012, data em que, segundo

relatos dos organizadores, ocorrerá a marcha.

Este último dado, aliás, fecha com a

demonstração do perigo na demora. É que, consoante

noticiado, a marcha da maconha realmente ocorrerá

na data indicada. Acaso não seja proferida medida

liminar garantindo o direito de reunião, há grandes

probabilidades de transformar-se a Praça da Moça em

palco de confrontos violentos e desnecessários .

Imperiosa, portanto, a concessão da

liminar. Para a exata compreensão do pedido a ser

formulado (especialmente os efeitos reflexos da

cassação do ato), é preciso apresentar a exata

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Page 34: MS Coletivo.doc

conformação, para o Poder Público, do direito de

reunião.

Assim, segundo magistério doutrinário, do

direito de reunião extraem-se dois deveres

correlatos ao poder público. Há um dever de

abstenção e um dever de colaboração .

O dever de abstenção indica que se exige

respeito a todo o processo prévio ao evento e de

execução da manifestação. Para os participantes, é

verdadeiro dever negativo, no sentido de respeito à

organização e realização do ato.

Ademais, fala-se em dever de prestação,

no sentido de que “o estado deve proteger os

manifestantes, assegurando os meios necessários

para que o direito à reunião seja fruído

regularmente”9. Esse dever de prestação traduz-se

tanto no dever de segurança dos manifestantes

(inclusive contra grupos contrários), como na

colaboração da organização, para compatibilizar o

evento com o fluxo de pessoas e de veículos.

Esses dois deveres, aliás, vinham sendo

cumpridos pelo Município, antes do revés, como se

9 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio Mártires Coelho; BRANCO, Paulo Gustavo

Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2008, página

400.

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Page 35: MS Coletivo.doc

constata da ata de reunião dos organizadores com a

Polícia Militar, a fim de organizar o evento.

Delimitado o exato âmbito atingido pelo

ato coator e que, por consequência, merece a devida

proteção, a causa de pedir já está madura para o

pedido liminar (e também final).

Pede-se, assim, liminarmente , que seja

cassada a proibição exarada pelo Município contra a

realização da Marcha da Maconha em Diadema, no dia

26/05/2012, a partir das 13h, na Praça da Moça,

determinando-se ao Município que se abstenha de

praticar qualquer ato que interfira em tal direito

de reunião e que auxilie, no que for necessário, na

realização do evento , bem como oficiando-se ao 24º

Batalhão da Polícia Militar do Estado de São Paulo,

no intuito de garantir a segurança durante a

realização da Marcha.

Considerando-se o constante no artigo 22,

§2º da lei 12016/2009, em atenção ao devido

processo legal , ao contraditório e a data da

presente impetração (algumas semanas antes da

manifestação, demonstrando sua boa-fé objetiva ),

requer-se , antes da concessão da liminar, que o

representante judicial do Município seja intimado

para se manifestar em 72h.

VII – DOS PEDIDOS

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Page 36: MS Coletivo.doc

Diante de tudo o que foi exposto, requer-

se:

(i) A confirmação da medida liminar, para que

seja definitivamente cassada a proibição

exarada pelo Município contra a

realização da Marcha da Maconha em

Diadema, no dia 26/05/2012, a partir das

13h, na Praça da Moça, determinando-se ao

Município que se abstenha de praticar

qualquer ato que interfira em tal direito

de reunião e que auxilie, no que for

necessário, na realização do evento ,

oficiando-se ao 24º Batalhão da Polícia

Militar do Estado de São Paulo, no

intuito de garantir a segurança durante a

realização da Marcha.

(ii) para o cumprimento, por parte do ente

público requerido, das medidas a serem

impostas por este Juízo, inclusive em

sede de liminar , fica desde já requerida

a adoção das providências que se fizerem

necessárias, especialmente a intimação

pessoal do agente público (Prefeito do

Município), sob pena de desobediência

(artigo 26 da Lei 12016/2009) e fixação

de multa única , no valor de R$500.000,00

(quinhentos mil reais), acaso o direito

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Page 37: MS Coletivo.doc

de reunião protegido seja frustrado por

ato/ordem do Município;

(iii) A notificação das autoridades coatoras,

nos termos do artigo 7º, I da Lei

12016/2009;

(iv) Que seja dada ciência ao Município de

Diadema, pessoa jurídica de que são

integrantes as autoridades, na pessoa de

seu representante judicial, nos termos do

artigo 7º, II da Lei 12016/2009;

(v) A intimação do Ministério Público, na

forma do artigo 12 da Lei 12016/2009;

(vi) A concessão das prerrogativas da

Defensoria Pública, nos termos da LC

80/94 c/c LCSP 988/06, em especial a

intimação e vista pessoal dos autos do

processo.

Dá-se à causa o valor de R$500.000,00

(quinhentos mil reais).

Nos termos do artigo 365, III, Código de

Processo Civil, por aplicação analógica, declaram-

se autênticas as cópias que acompanham a presente

impetração, que segue com 4 (quatro) contra-fé,

instruídas com todos os documentos, para citação da

Pessoa Jurídica e notificação das 3 (três)

autoridades apontadas como coatoras.

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Page 38: MS Coletivo.doc

Finalmente, requer-se a dispensa quanto

ao pagamento de custas, emolumentos e outros

encargos, à vista do disposto no art. 18 da Lei n.

7347/85.

Diadema, 10 de maio de 2012.

CLÁUDIO LÚCIO DE LIMA

Defensor Público

ILKA SAITO MILLAN

Defensora Pública

LEANDRO DE CASTRO GOMES

Defensor Público

RAFAEL GALATI SÁBIO

Defensor Público

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