movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para...

10

Upload: vuphuc

Post on 07-Feb-2019

225 views

Category:

Documents


0 download

TRANSCRIPT

Page 1: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,
Page 2: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

M ovimento aleat ório disciplinado

,.

r--- ----------------- ­

Entrevisto com Abraham Palatnik realizado por Arte & Ensaios em 24/08/2004, com o participaçõo de Glória Ferreiro, Romano, Ronald Duarte e,

como convidado especial, Luis Camillo Osório.

ale Comecemos pelo começo... fole-nos um pouco sobre suo formação duplo - artístico e técnico - e o movimento poro essa interface do tecnologia no cinecromótico em 49 e 50.

Abraham Palatnik Era época de guerra, e eu estava na antiga Palestina, hoje Israel, sem poder voltar para o Brasil porque o Mediterrâneo estava minado, de maneira que com 14 anos fiz um curso profissionalizante. Os blindados britânicos precisavam de mão-de-obra. Muitos faziam cursos rápidos, o meu durou quatro anos e pouco, com um estágio nas oficinas do exército para consertar jipes e

até tanques e outros blindados. A guerra estava em plena atividade. Comecei a pintar com 12 anos, fazia paisagens completamente acadêmicas; eu era autodidata, mas acabei ingressando, com 14 anos,

no ateliê livre de pintura da prefeitura, que era gratuito, quatro vezes por semana. Pela manhã fazia isso e na parte da tarde o curso profissionalizante de mecânica. Fui muito bem, tanto em um quanto no outro. Essas aulas me abriam um pouco o caminho: saí da idéia de que tem que copiar exatamente a natureza. Fazíamos retratos dos colegas, principalmente em carvão, cada dia alguém servia de modelo, eu tambem fui retratado. O professor estimulava a pegar as características das pessoas, e foi assim, livre : ele não ensinava nada. Quando voltei ao Brasil , no final de 47/48, ainda

pintava figurativo, e era considerado moderno. Conheci então Renina Katz, que fazia gravura de arte figurativa, arte social, muito interessante. Devo muito a ela, sobretudo por ter-me apresentado ao

Almir [Mavignier], que também era figurativo e já trabalhava no Engenho de Dentro com a Ora. Nise. Na realidade, ele e a Ora. Nise tinham fundado o ateliê de pintura dois anos antes. Almir me

convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar, e comparei o que eles estavam fazendo com o que eu estava fazendo. Evidentemente não era uma figuração de ordem externa; mas que vinha das profundezas do inconsciente. Algo que não acontecia comigo; pelo menos foi o que a Ora. Nise disse quando me viu, inquieto, olhando as pinturas do Raphael, do Emygdio, do Isaac. Uma vez o Isaac me disse: "Estou procurando o rei da China". "Onde?", perguntei. "Nas nuvens", respondeu. Aquilo me impressionou; ele era esquizofrênico, e eu não sabia. Segundo a Ora. Nise, o Emygdio há 25 anos não falava uma palavra, mas sua inteligência

estava intacta. Havia uma fusão de linguagem e imagem que não conseguia entender. Qual era a minha atuação? Era exclusivamente por estímulos externos; então para fazer alguma coisa que chegasse perto daquilo teria que ser doido, e eu não era. A palavra deles é "esquizofrenizada", mas o que eles faziam tinha uma coerência fantástica, quase uma necessidade de vir à tona, de se expressar, de se comunicar. Sentia orgulho da minha arte, porque achava que entendia de arte, e senti que tudo estava desmoronando. Disse ao Almir: "Vou largar a pintura, o que estou fazendo não vai dar certo". "Nada diSSO", ele respondeu, "você tem coisas muito boas".

ale Esse choque fez com que você saísse do figuração, do representação no tela poro uma coisa mais mecânico, mais vivo ...

AP Ainda não, estava completamente desnorteado. Fui algumas vezes e depois todos os sábados com o Almir. Já estava um pouco mais calmo. Não se podia deixar de admirar. Um verdadeiro museu. Evidente que tudo o que faziam, a Ora. Nise tinha que decifrar. Vi estruturas fantásticas do Oiniz, aquelas pinturas maravilhosas do Emygdio e o Rafael com sua desenvoltura com aquele seu desenho. Ele fez até dois retratos meus, pois o Almir insistia: "Olha o Abraham, faz um desenho

ENTREVISTA· AORAHAM PA LATN IK 7

Page 3: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

a/e R E V 1ST A DO P R o G R A M A D E P 6 S - G R A D U A ç A o E M A R T E S V I SUA I S E B A • U F R J • 2 o o 4

~

dele!". E depois saía e o deixava à vontade; dali a pouco o Rafael olhava para mim e ia fazendo. Fez também do Murilo Mendes, do Mário Pedrosa, do Ivan Serpa. Encontrei com o Mário e lhe disse:

"Mário, acho que vou abandonar a pintura". "Mas por quê? O que você faz na pintura?" Ele não conhecia minha pintura, era nosso primeiro encontro. "Estou fazendo pintura figurativa, que estudei na Palestina. Acho que não conseguiria fazer o que eu VI no Engenho de Dentro. O que é que faç07" Disse ainda ao Mário: "O que é o vermelho? Para mim, o vermelho é um tomate". Se o vermelho era um tomate, o amarelo seria uma banana. As cores não tinham luz própria, não eram uma coisa

em si, representavam outra coisa, através de códigos; eram praticamente co-autores de algo absolutamente mental. "É verdade", disse Mário, "mas o mundo não

acabou, não é assim. Émuito importante os artistas, e qualquer outra pessoa, conhecerem outros aspectos da forma". E ele começou a fa lar da forma. Acho que naquela época ele estava estudando a psicologia da forma,

a Cibernética, a gesta/t, e disse que era um campo fantástico, rnuito irnportante para se conhece r e acrescentou: "Por enquanto não faça nada, não pense que vai abandonar a pintura ass irn sern mais nem menos" . Acho que ele pensou que eu ainda ia voltar à pintura; na sua idéia eu tinha que conhecer outros aspectos da forma.

ale Você conheceu Mário no Engenho de Dentro?

N' Conheci Mário ern sua casa. O Alrnir rne disse: "Hoje é dia do Mário" .

Perguntei-lhe quern era Mário, e ele respondeu que eu ia conhecer urna pessoa fantástica, extraordinária - "é crítico de arte, é político, é um intelectual. Conhece arte à beça". Foi assirn que o conheci. Mário pediu a Mary para trazer uns livros sobre a psicologia da forrna. Alérn desses que ele me emprestou, disse que eu precisava ler urn livro de Norbert Wiener

sobre a cibernética. Eu havia lhe contado a respeito de meu estudo de física, mecânica, eletricidade, tudo relacionado aos motores de automóveis (que

naquela época tinham carburador). Levei os livros e comecei a folhear, e me interessei muito, mas ainda estava pensando ern pintura, era pintor, embora tivesse tido algumas aulas de escultura, lá mesmo em Israel. De repente surgiu uma dúvida. N ão sou tão vazio quanto estou pensando, o que tenho a dizer? Sentia que poderia acionar algo no espaço e ir reve lando o tempo, porque qualquer coisa que funciona no espaço ocupa o tempo, preCISa de um desenvolvimento, uma duração. Tudo o que se fazia era estático, qualquer referência ao movimento era virtua l, necessitando de um processo mental codificado com estímu lo absolutamente externo; não tinha vida própria porque aquilo

dependia do nosso reconhecimento; tambérn a questão da pintura enquanto mensagem, mensagem é o mesmo que um telegrama; a mensagem você recebe, lê e pode jogar no lixo ; uma obra de arte não deve ter o mesmo destino, não deve t ransmitir uma idéia e pronto, e acabou. Resolvi parar mesmo com a pintura; já não estava pintando, porque estava naquelas leituras, e naquele dia senti­me aliviado.

ale Na realidade você continua pintando, o próprio cinecromático é uma pintura..

N' Apesar de não estar muito segu ro, arrumei o ate liê, uma paleta aqui, pincéis ali, tirei fotografia e desmanchei aquilo tudo, guardei as tintas ... Foi um momento que eu disse, é hoje, vou parar mesmo

e vou começar com o que sei. Menos de um rnês depois estava cercado de motores, engrenagens, tudo o que sabia que poderia agregar ao motor. O motor poderia gerar movimentos de vai-e-vem, de ida, para cima, para baixo, não importa. A questão era resolver esses problemas técnicos e conseguir aquilo que achava que poderia fazer. Levaria tempo para coordenar as engrenagens, para ter uma verdadeira oficina. Comecei o primeiro cinecromático porque achava que não ia pintar maiS,

mas precisava de cor, me ocorreu a luz, mas ainda não estava farnlliarizado corn a crornática da luz.

----- .--------­•

8

Page 4: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

Fui experimentando, um verde mais um vermelho, e saiu um amarelo ... A ordem cromática luminosa

é diferente da ordem cromática que conhecia, que os pintores conhecem, o amarelo tem que se comprar pronto, no entanto com luz você o faz, aí me ocorreu que a luz não se mistura. Fiz várias

experiências com luz para ver o que pode e o que não pode, a intensidade de uma luz se diluindo

com a outra. Queria um objeto que atuasse sobre os sentidos, não só experiência, mas que realmente se manifestasse de uma maneira visual. Fui armando o aparelho, improvisando cilindros, transmissão do motor para as peças, que teria que ser feita com engrenagens. Mas, para ganhar tempo, resolvi fazer com barbante, que era rápido, com polias. Conhecia o método de determinar a velocidade através do diâmetro, sabendo a velocidade inicial ... precisava de mais cores rapidamente e não conseguia as lâmpadas, comecei a pintá-I as, a usar celofane. Futuramente , pensava, faria uma coisa definitiva; ISSO demorou quase dois anos. Mário sempre diZia: "E aí, o que você está fazendo? ".

"Experiências" , respondia. E ele muito interessado e nem sabia que eu estava trabalhando com luz, com motor nem com nada; também não abri o jogo, porque era uma atividade que eu ainda não

estava muito seguro; mas é intuição, você sente que vai conseguindo, não sabia quando, sem prazo para terminar, sem pressa. Quando estava quase pronto aquele primeiro aparelho, chamei o Mário. Quando ele viu, ficou intrigado. "Puxa, não te disse que ia dar certo? Vamos mandá-lo para a Bienal." "Dar certo como?", perguntei. "Mário, isso aí não vai agüentar; é tudo improvisado com barbante; vou desmanchar e fazer outra, definitiva. "Vamos mandar assim, está ótimo." Ele não podia imaginar que tudo realmente era muito precário, quando abri, ele disse: "Meu Deus! Mas o que é isso?". Ele

pensou que fosse uma prOJeção, cinema, não uma máquina. Eram quase mil metros de fios elétricos atravessando de cima para baixo. Aí eu disse: "Não arriscaria mandar para a Bienal não". "Vamos, sim." Na hora que veio o caminhão... tivemos que desmontar a janela, pois não tinha condições de desmontar mais nada do aparelho; tudo dentro era estruturado com ripas ... Sem embalagem nem nada chegou bem lá no auditório do MAM. O pessoal da Bienal veio e perguntou "Mas o que é isso?

Não é pintura, não é desenho, não é escultura, não é nada". Cortaram. Soube que Mário teria dito: "Isso é arte do futuro". Ia ficar em São Paulo só alguns dias, acabei ficando quase um mês. Um dia encontrei Mavignier vindo não sei bem de onde (estavámos hospedados na casa de Milton da Costa), que disse: "Você vai entrar na Bienal". "Como? Fui cortado!" Ele não sabia ao certo o que acontecia,

só que eu ia para a Bienal; depois soubemos que o Japão não chegou a tempo, e alguém disse,

vamos botar o Palatnik naquele buraco. E assim foi ... uma sorte ... estar na abertura da Bienal.

ale Seu trabalho foi cortado por nõo estar classificado em nenhuma cotegona...

AP Não entrei no catálogo, evidentemente. Mas o júri intemacional, com pessoas importantíssimas, fiCOU olhando aquilo e queria dar um prêmio, e não podia ... deu uma menção especial que o Matarazo ass inou bonitinho. Tenho esse documento. Um vexame ... cortado, e os outros ainda

querem premiar? Uma loucura. Até a terceira Bienal eu fui convidado, mas com a ressalva de não estar sujeito a prêmio.

ale E quanto à idéio de arte do futuro, de que Mário falava, expressõo também título de uma matéria do revista .Manchete? O que seria o arte do futuro? A que se foz hoje?

AP Foi ele quem disse, não fui eu ... Não achei nada de arte do futuro. Queria fazer algo que realmente se estruturasse no espaço, com uma presença constante e dinâmica, não estática ou decifrada por códigos mentais. Não era contra a utilização de códigos; o código lingüístico, por exemplo, é natural do homem, mas não na ocasião de fazer uma obra de arte que quer atingir os

sentidos. Isso me impulsionou a fazer outras experiências, com madeira, por exemplo, até coisas

lúdicas. Muitas vezes pensei que tudo o que estava fazen do não deixava de ser lúdico. Os poetas, o que fazem com as palavras? Éuma "Iudicidade" constante. Épalavra para cá, palavra para lá, e uma absoluta manipulação de códigos ... Para Mário a arte não podia mais ficar nos mesmos padrões, e,

como isso se apresentou de uma maneira diferente, disse que poderia ser a arte do futuro e que no futuro seriam feitas coisas assim ... que não é nem o cinecromático, nem trabalhos em cartão, mas

ENTREVISTA· AI3RAHAM PALATNIK 9

Page 5: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

a/e R E V 1ST A D o P R o G R A M A D E P 6 S • G R A o U A ç Â o E M A R T E S V I SUA! S E B A • U F R J • 2 o o 4

coisas fantásticas ... Não se podia mais ficar preso a conceitos didáticos.

ale Como se dá suo relação com o trabalho de Calder? Como foi esse contato? Foi por intermédio de Pedrosa, que tinha um Calder? O elemento lúdico e cinético, de certo maneiro diferente do seu, tem lá

suo afinidade muito particular, e esse trio Calder - Miró - Palatnik, do ponto de visto do coisa lúdica, do fantasio, é muito próximo. Outro coisa que normalmente é visto como contrário 00 lúdico é o funcional, que está também absolutamente integrado em suo poética, porque dificilmente não funciono; por mais que você use barbante no cinecromático, ele funciono e não tem precariedade, o coisa tem resultado, você é engenheiro ... Essa combinação o vai acompanhando sempre. Você monto o máquina, crio uma potente poro extrair o farinha de peixe, por exemplo, ou o coco-babaçu... Essa operação está sempre acontecendo, sempre passando de um pólo pora o outro. Você produz o móvel, tem uma relação com esse material, madeira, vidro, e daí aparece o pintura em vidro; tem o relação com o madeira, se deparo com o fenômeno ótico do madeira e vai para o relevo progressivo do madeiro; depois com o poliéster, encon tro o solução para misturar o pigmento no poliéster. É fascinante esse trânsito fiuido entre o elemento funcional e o elemento estético Parece que para você entender o técnica tem um entendimento dos coisas, dos materiais. Como você consegue juntar sempre, nessa coisa operativo, o lúdico com o funcionai?

AP O contato com Calder foi muito bom; quando vi achei fantástico. Imaginei logo não o lúdico, mas o aleatório. Respeitei muito isso porque não é simples ... é aleatório, existem pesos, e eu me

lembrava muito do que Mário falava; tanto a cibernética quanto a psicologia da forma mexem com a percepção das pessoas, e minha percepção era de que aqui lo era um trabalho muito importante, mas isso não me infiuenciou, não queria fazer algo por ver o Calder. Minha bagagem vem de outra fonte, da coisa motorizada, do movimento aleatório disciplinado, do projetar e orquestrar a minha maneira e não de uma maneira aleatória. Todos os meus projetos eram programados: a velocidade, o tempo de duração, trajetória, todos esses elementos se concretizavam, por exemplo, naque le

primeiro trabalho que fiz, incluindo a questão da luz. Reconheço que era muito ligado a minha experiência em pintura, mas eu mesmo me surpreendi, pois a ordem cromática é diferente ... a luz pode se propagar mais fácil, mas ela tem uma fonte, e eu tenho que respeitar e disciplinar essa fonte.

Fazia centenas de projetos que Jogava fora, eram rascunhos, uma pena. Havia muita coisa interessante. Também guardei um bocado e até hoje abro a gaveta e acho um desenho ou outro, que nem lembro para que servia aquilo, mas são elementos que me ajudaram a corrigir meu trabalho artesanal, a fazer as coisas fun cionarem. Então, nesse sentido, Calder foi para mim uma revelação, embora já o tivesse visto em livros; sabia quem era, mas nunca havia visto um Calder funcionando. Imaginava aquilo se movimentando por acionamento ambiental, ou do vento, vai-se equilibrando e ocupa realmente um espaço. Sozinho ele não funciona. Uma vez eu o encontrei na

casa de Mário, e conversamos um bocado.

ale Nessa época, você já havia visto o Espaço Proun, de E1 Lisssitzky, ou o modulador de Moholy-Nagy?

AP Não. Mário tinha um livro de Moholy-Nagy que ele também me emprestou. Foi ótimo, senti-me mais seguro com aquela idéia inicial de motores. Vi que não era um absurdo querer usar motores. De repente, um pintor que só trabalha com paletas pega motores e engrenagens ... senti que era isso que ia fazer, algo realmente integrado àquilo que já vivenciara. Naquela época não conseguia os motores que precisava, o recurso era desmontar um ventilador para utilizar só o mecanismo que o faz oscilar. Não havia motores pequenos, nem se produziam máquinas de lavar rou pa, tudo era importado, não existia geladeira nacional ... Não, os ventiladores não eram tão caros, mas o que estava na Bienal era um motor mais forte, grande, pois precisava de algo confiável. Tenho fotos preto-e-branco do interior desse trabalho, naquela ir

I

época nem fotos coloridas havia ...

10

Page 6: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

, ,

" '\ . -. ~1'~::' --------r r~ -=JT.'f.~" . I I ., ~I

· ~

ale Quando você entrou em contato com o pessoal da Denise René? Você chegou a estabelecer algum contato com os artistas, por exemplo, Le Pare. Soto e outros?

N' Foi na Bienal de Veneza, em 64. A Denise René me convidou

para expor na primeira mostra intemacional de arte cinética, em

Paris, e eu disse tudo bem. O Itamaraty cuidou de tudo.

Pessoalmente não tive contato com os artistas, a não ser para, a pedido de Umbro Apolonio, consertar o trabalho de Le Parc na

I Bienal de Veneza que chegou todo escangalhado.

ale Os cinéticos ligados à Denise René nõo só os franceses, também os alemães, privilegiavam a participação do espectador Essa questão nunca lhe interessou? C/aro que de alguma maneira o cinecromático, sendo de luz, e a luz dominando o espaço, inclui o espectador..

N' Mais recentemente sim, outras pesquisas que estou fazendo,

mas, naquela época, não.

ale Seu trabalho está muito ligado à questão do motor, do movimento. Esse curso na Palestina lhe deu uma reserva que você foi transformando em poético, a partir da idéia motor/movimento, poetizou o que era técnico.

N' Não me achava poético, mas se você está dizendo, eu acredito. Tenho muita simpatia pelos

trabalhos desses artistas , pois imaginava o que eles passaram para conseguir fazer aquilo. Anos

depois, não importa, eu nem sabia se eu havia começado antes ou depois, o crítico de arte Belloli

me procurou para confirmar a data de meus primeiros trabalhos, porque no catálogo da Bienal estava

como 51 , e eu disse que havia começado em 49. Perguntou-me se eu poderia provar, dei-lhe então

uns artigos de Mário Pedrosa , de Antônio Bento, de Zanini e mais alguns. Lembro de ter-lhe

entregue uns quatro artigos. Não havia fax ainda, nem xerox, mas lá na Bienal havia um serviço de fotocópia, e uma hora depo is ele me devolveu os artigos e disse: "Palatnik, há Informação na Europa

de que quem começou com arte cinética foi Schóffer e Molina, mas na verdade isso foi seis anos

depois de você, e vou corrigir essa informação". Pensei que fosse conversa fiada. Fato é que na exposição da Denise René já estava corrigido, pelo próprio Belloli . Depois soube que ele era mando

de Mary Vieira. Há então uma cronologia em que apareço em primeiro lugar.

ale E hOje, entre esses artistas ligados à Galeria Denise René, quais lhe parecem mais interessantes?

N' Sei que Le Parc está fazendo uns trabalhos grandes e interessantes. Na exposição Utopias Invertidas, em Houston, Texas, havia trê5 cinecromáticos meus emprestados, e tive a oportunidade

de ver o que realmente eles estão fazendo agora. E é surpreendente, de uma qualidade, de uma

pureza extraordinária. Com muito prazer assinava aquilo. Esse pessoal tem uma visão das coisas mais

evoluída do que eu. Tenho o meu jeito de fazer, às vezes devagar, às vezes mais rápido, mas eles

alcançaram uma coisa extraordinária ...

ale E aqui no 5rasil, qual é sua relação com os neoconcretos, com os concretos..

N' T inha uma relação extremamente simpática com o Grupo Frente. Os de São Paulo, não conheci

muito, mas são interessantes. Quando estive lá uma vez, Cordeiro me chamou, ele tinha um

escritório, de arquitetura, acho, Senti que me respeitava muito, e, embora soubesse de meu

relacionamento com o grupo neoconcreto, não tocou no assunto de diferenças.

E NTRE V ISTA · A OR AHAM PA lA TNIK II

Page 7: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

ale RE V ISTA DO PROGRAMA DE PÓS - GR A D UAÇÃ O EM ART E S V ISUAIS E BA • UF R J 2004

ale Geraldo de Barros era muito

r~ll ~.Y.llli'

. ,j..1 /4 r · ..,lt ;,; ~:: I~ '~'~ ' " ~A . · .,.

'1­ ~~ '... "1-:~:"~. 1::,~

próximo seu também?

AP Geraldo de Barros visitava Mário Pedrosa, e por diversas vezes combinávamos de ir juntos; e também me procurou várias vezes. Acho que ele começou com fotografias, não vi pinturas dele, ou pelo menos não estou lembrando; depois soube que era pintor e de uma beleza extraordinária. Com os

neoconcretos o relacionamento era extremamente simpático, tanto que eles sabiam que eu estava integrado em meu cinecromático, como eu sabia que eles estavam fazendo uns projetos diferentes.

Eles faziam muitas reuniões, das quais eu não participava, mas quando pensavam em fazer alguma exposição não deixavam de me convidar.

ale De quem você era mais próximo?

AP Eu era mais próximo de Ivan Serpa e Mavignier. Sempne estávamos juntos e íamos sempre ao ,Engenho de Dentro, umas viagens muito boas. Depois continuei a amizade com Décio Vieira, Lygia Pape, Lygia Clark. De vez em quando eles me chamavam, mas eu perguntava - se fosse para

debates, reun iões, trocar idéias, eu não ia; não ia porque esse aspecto teórico me incomodava. Achava que em qualquer aspecto teórico havia alguma coisa didática, que eu queria abandonar. Não

queria entrar em uma escola nova não, tinha que seguir meu caminho e acho que eles sentiram isso,

mas não deixavam de me convidar para todas as exposições que faziam, e eu ia. Fazia umas pinturas abstratas, não figurativas, e participava com muito prazer, e não me traí porque eu achava que o que eles estavam fazendo era muito bom, mas eu não podia participar de aulas, debates...

ale Com Mório o relação se manteve..

AP Sim, até quando ele teve que sair do Brasil. Uma vez em que estava em sua casa, lembro-me de ele dizer que estava surpreso, pois não o estavam prendendo: "Como isso? Eu abro a boca de todo

o jeito e não estão me prendendo?"

ale E o estrutura interno de seus trabalhos, como é construído? Elo coordeno todo o composição dinâmico? O que se vê e olho é o arte, o imagem em movimento, mos todo o estruturo intema é porte do trabalho ..

AP Éum trabalho cinético. O Clnecromático intemamente é cinético. Cheguei a um ponto em que achava que o que estava dentro poderia estar fora, mas com luz não dava. Pensei então em fazer cinecromáticos abertos, sem lâmpadas, embora não fosse nenhuma dificuldade porque o que estava fazendo no cinecromático eram trabalhos cinéticos internamente, era movimento, coordenação,

comandos, através de um esquema que fiz para controlar toda a seqüência com a precisão do tempo

para acender, apagar, quando deve entrar outro, se este retoma mais tarde. Todo esse controle eu faço manualmente, antes de fechar o aparelho. Faço o comando central, como se fosse o cérebro do aparelho, e conecto toda a fiação elétrica.

12

Page 8: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

ale O mais interessante é que você não usa chip, computador. e uso terminais quando descobre o tempo da luz que vai ficar acesa, ou o tempo em que vai dar uma volta e encostar no outro...

AP Étudo mecânico; Eduardo Kac me disse que eu sou o precursor de toda essa coisa eletrônica. Se

sou, é sem saber. Eles avançaram muito mais e têm uma noção perfeita de todas essas possibilidades

do futuro, até porque eu não ligo se a minha arte é a arte do futuro; faço sempre o que não tem

nada a ver com o futuro. Futuro é uma coisa que vai muito além da nossa precária imaginação do cotidiano. Realmente há recursos eletrônicos que você não vai conseguir fazer nem manualmente, nem por meio de outros mecanismos.

ale O interessante é que você trabalha com mecônica, que pertence ao mundo real, e o eletrônico está sempre levando para o virtual; se você põe um chip, um elemento eletrônico, não tem alavanca, não tem real, não tem força, não tem velocidade, é tudo virtual... é impulso elétrico. O mecônico é movimento, é o mundo do homem.

AP Quando os artistas figurativos desenham um cavalo, se querem mostrá-lo correndo, modificam a posição das patas, e ele corre ... Éuma elaboração mental. O cérebro corrige tudo o que vê e imagina através de códigos; já na eletrônica você pode realmente produzir um movimento, existe um avanço, mas novamente é uma coisa virtual, não é real. Não estou defendendo o meu real. O meu

real pode ser uma verdade hoje, amanhã posso me intregar à eletrônica e também fazer coisa virtual. Acho fantástico, não sou contra nada.

ale Você se Interessou alguma vez em trabalhar com computador? E o que acha da arte digital 7

AP Me interessei Sim, fiz um curso simples de Corei Draw, mas comecei a perder tanto tempo e

então larguei. Faz parte de uma evolução, daqui a pouco só vai se pensar em atuar em termo de eletrônica, cada vez mais e com uma desenvoltura maior; provavelmente o ser humano está evoluindo para uma coisa que antes era inconcebível.

ale Como você se sente hoje quando vê num computador. numa tela de cristal líquido, um som equalizado, por exempl07 Sua pintura tem um

vigor que a tela de cristal não mostra; nela, tudo é padronizado, não tem esse

vigor do fazer. do tempo de feitura do trabalho, apesar do tempo que se passa no computador para conseguir a equalização em movimento, que seria a sua pintura em movimento. Como é que você se sente diante do tempo, diante desse futuro que chegou, e como se depara diante desse futuro sem vigor7 não é o teórico intelectual, mas é o fazer a intuição. A intuição e o espiritual, de onde vem isso 7

~ .

:éJ

~ ~r~,! ;~;~ I ~T~ !

~:;ro ;!-~ !.

.~~~~~~ '

Page 9: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

a/e R EVI STA DO PROGR AMA DE PÓ S - GRADU AÇÃ O EM AR TE S V I SUA I S EBA U F R J 2 o o 4

AP A intuição é uma das faculdades mais importantes do homem; sem ela não teríamos artistas, porque a intuição é algo da essência, e a essência é disfarçda na natureza; na realidade vemos um mundo complexo e caótico, mas o cérebro simplifica tudo, e o complicado fica simples; é um processo mental; só se vê aquilo que interessa, Sinto-me muito à vontade com essas coisas novas, primeiro porque gosto , acho muito interessante; em determinado momento acho que poderia fazer aquilo, embora me sinta um pouco analfabeto, mas todo analfabeto pode aprender; nós aprendemos a vida toda, Meu avô disse uma coisa muito interessante: '1\ gente aprende a vida toda e morre como uma besta", Temos uma capacidade ... nós somos dotados, sem querer, de um cérebro privilegiado, de percepção; é uma coisa que não se aprende, Nosso cérebro seleciona, organiza, descarta e mantém aquilo que interessa, Duas frases de Mário me marcam até hoje e realmente são verdadeiras: há uma unidade espacial que governa toda a multiplicidade de formas do universo; isso eu achei muito importante; em outra ocasião, ele também disse que há um princípio unificador em todos os processos complexos, da física, da matemática, da filosofia, da música, da arte, São questões que sempre me acompanham, quero destrinchar isso, Escrevi uma vez sobre isso porque Zoé Chagas Freitas me pediu. Disse então que a tecnologia não é uma coisa nova porque, para essa multiplicidade de formas, alguma tecnologia foi acionada para que essas formas assumissem esse aspecto; não é uma tecnologia consciente, vinda do homem, isso é incorporado em toda a nossa existência; afinal a ciência e o homem são partículas do universo, são praticamente govemados pelas mesmas regras. Tudo que na realidade existe na natureza não é só físico não, é psicológico também; o homem e tudo que o cerca estão govemados pelas mesmas leis; então nós não podemos nos abstrair da idéia de que a ciência é uma coisa, a ar1e é outra; eu acho que tanto cientistas como artistas têm raízes comuns_O artista é mais preocupado com aquilo que ele está fazendo, mas as raízes são comuns, e isso sempre me ocorre quando me deparo com meus trabalhos; não são nada extraordinários, faço-os porque estou integrado, Hoje se faz muita instalação. Muitos artistas estão equivocados, acho, mas alguns são fantásticos, Vi um trabalho de C ildo Meireles que me deixou emocionado; no entanto é completamente diferente do que faço,

ale Suas pinturas são iguais à doto arte, ou seja, arte de dados, o princípio unificador sobre o qual você está falando; elos "matematizam". Um teórico de arte e tecnologia falo que os computadores intuíram Mondrian, e não que Mondrian teria intuído o computador: Os quadradinhos do Broadway Boogie­Woogie, por exemplo, são como os binários do computador: Isso também diz respeito o seus trabalhos, onde tudo está em movimento, todos essas ondas de suo pintura, por exemplo, sõo equalizadas e mudam de cor:

AP Minha preocupação, quando estava fazendo esses trabalhos, era que a informação continuasse , sem começo e sem fim, A natureza de cada faixa tem sua validade: pelo que vem imediatamente à direita ou à esquerda, Éuma continuidade da informação,

ale Eseu trabalho industrial?

AP Certa ocasião estava com uma exposição na Europa e me chamaram do Brasil para fazer uma indústria de farinha de peixe e eu queria me associar para resolver os problemas técnicos. Qualquer problema técnico me empolga muito, Por exemplo, uns engenheiros estavam falando entre si sobre um problema ocorrido na faculdade de engenharia, um problema sem solução, Fui para casa, fiquei pensando um pouco e achei a solução, o que me surpreendeu muito, porque não sou engenheiro, Uma questão de percepção era suficiente para resolver o problema. Essa foi uma entre outras ocasiões,

ale Dos potentes que você registrou, muitos tiveram uso industria/ 7

AP Apareciam os problemas, eu os resolvia e tirava a patente , Uma ou outra teve uso industrail, mas, por exemplo, a do coco-babaçu foi o próprio governo, Li em um jornal a convocação de inventores , eu já me considerava inventor ...

ale Suas invenções, aliás, foram objeto de espionagem.. ,

14

--- -_._---­

Page 10: Movimento aleatório disciplinado · servia de modelo, eu tambem fui retratado. ... convidou para conhecer os artistas, que vi com bastante perplexidade. Aquilo começou a me abalar,

N' Isso foi no caso da fábrica de resina de poliéster; fazíamos umas coisas que o próprio fabricante dissera ser impossível. Comecei a fazer experiências, e tudo que ele havia dito era verdade, dava bolha, estourava, etc. Persisti naquilo. Queria fazer mais experiências, mas eles não queriam nem me dar mais amostras. Finalmente consegui e fui fazendo, até em Teresópolis , nas férias com as crianças. Anotei tudo em um gráfico, a temperatura, a umidade; aquilo, realmente estava difícil, até que de repente deu certo. Fundi uma peça e levei para o fabricante: "Você disse que era impossível, aquI está uma peçal" . E ele argumentou: "Você colou as peças". "Não está colado, é tudo fundido."

ale Como você conciliou seu trabalho de arte com o trabalho industrial..

N' Quando deu certo, Léa, minha mulher, se interessou, e achou a peça fundida, um passarinho, muito interessante. E foi sondar, e as lojas quiseram comprar. Mas não tínhamos fábrica, nada, eu fazia aquilo em casa... Fui levado a fazer esses testes porque Franco Terranova me disse que queria muito fazer múltiplos, no Brasil. Então eu pensei: fazer de quê? de acrílico! de madeira? Não sei o que me deu, mas achava que uma coisa que se pode fundir tem mais liberdade de fazer a forma. O acrílico é muito bonito e se pode fazer muita coisa, mas tem suas limitações, eu não estava me adaptando a uma técnica de corte, colagem, dobradura. Para vender precisava de uma indústria. No início em uma pequena fábrica, depois com técnicas melhores, mais gente, acabamos tendo umas 50 pessoas . Os importadores só queriam bichos, nada de utilidades, que também fazíamos. De fato, os bichos eram realmente novidade. Exportamos para os Estados Unidos, Canadá, Itália, Holanda, depois para a Austrália, Nova Zelândia. Isso foi na década de 1970.

ale Nõo havia incentivo nenhum paro a arte.

N' Não só para a arte, até matéria-prima estava difícil. Fazíamos coisas que ninguém conseguia, então ficaram de olho na gente. Conseguimos mandar muita coisa, porque não havia concorrência; nossas peças eram bem diferentes, e cada vez queriam mais; ao todo eram mais de 400 bichos diferentes.

,,';:;':';? '.. ';j;;:;~~<:':·~ ,rót>:.' " .~; ',.::'::~: " . ;' ,. ',,~~ . .~..; .

~ ':, .' , r: ;:: ;; " ~ ~~~'/ .__,~ , ~;'_.~~ '.. ..' ... . it ' ''., ., :/~ ,'/:.

", . : ('", ' "

I'~'", • •Ir./ ~ " , .. I(~ 1." J ~" , . I ' · ' I'. ,.. ... . ...... .. >

.'.<::;~:. ''!::.~'' .'.:t··~:;.,:::;;: i···.:::<. <.,-J.. '4 " '", . r' .. .. . . -'.' , ~.,.. v _i' ",', ,: ~ '/ 1 " I't , , "' . ;". .

. J f ' o .. .. ... . ;. ' .. 1/1,· ? ,,'/ ' , ." • '.' '0 _, ~"J

.,I . ,~ í i ' -' / ' "~ -;-..l

-!::'-:! ' ~ ...l '1I~ .".b " :.l ", .. '••

I " " ',,- " , ': ·t· . , " :.- ( , " L 2-.L~ . :..t::.,:, . " .; ' . ,: .;.

ale Em algum momento você incluiu a resina em seu trabalho de arte'

N' Em um ou outro, sim; eram quadros que expus na minha retrospectiva no MAC de Niterói. No trabalho industrial, só emprestava o design, aprontava o molde, o contramolde de silicone. Mas todas as misturas de cor, eu fazia pessoalmente. Aos empregados, ensinei fundir, polir, etc.

Edição: Glória Ferreira

ENTREVISTA' A BRAHAM PALATNIK IS