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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 1ª REGIÃO EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO URGENTE: DECISÃO QUE SUSPENDE OS EFEITOS DE DISPOSITIVOS DO DECRETO ESTADUAL Nº 25.681-E DO ESTADO DE RORAIMA, DETERMINANDO A SUSPENSÃO DA ADMISSÃO E INGRESSO NO BRASIL DE IMIGRANTES VENEZUELANOS. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA JURÍDICA E ADMINISTRATIVA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO PROCESSUAL DA CONGRUÊNCIA (DECISÃO EXTRA PETITA). GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS E A TRATADOS INTERNACIONAIS QUE O BRASIL É SIGNATÁRIO. ACOLHIMENTO HUMANITÁRIO. FLUXO MIGRATÓRIO. REFÚGIO. LEI FEDERAL 9.474/1997. LEI FEDERAL 13.445/2017. OFENSA À SOBERANIA NACIONAL E À SEPARAÇÃO DE PODERES. ART. 4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. EFETIVA COOPERAÇÃO DA UNIÃO NO PLANO FEDERATIVO DE ASSISTÊNCIA EMERGENCIAL. PROCESSO Nº: 002879-92.2018.4.01.4200 – 1ª VARA FEDERAL DE RORAIMA AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO RÉU: UNIÃO e ESTADO DE RORAIMA A UNIÃO, por meio dos membros da Advocacia-Geral da União (Procuradoria Regional da União da 1ª Região), com endereço para intimações na SAS QD. 03, LOTE 05/06, ED. SEDE I – AGU, 5º/ 6º ANDAR, CEP: 70070-030, BRASÍLIA-DF, na forma estabelecida no art. 131 da Constituição Federal e no art. 1º da Lei Complementar n. 73/93, vem, com fundamento no art. 4º da Lei nº 8.437/92, art. 1º da Lei nº 9.494/97, art. 12 da Lei 7.347/1985 e art. 321 do Regimento Interno desse Egrégio Tribunal Regional Federal, apresentar SUSPENSÃO DE LIMINAR

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ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO PROCURADORIA-REGIONAL DA UNIÃO DA 1ª REGIÃO

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR FEDERAL PRESIDENTE DO EGRÉGIO

TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 1ª REGIÃO

URGENTE: DECISÃO QUE SUSPENDE OS EFEITOS DE

DISPOSITIVOS DO DECRETO ESTADUAL Nº 25.681-E DO

ESTADO DE RORAIMA, DETERMINANDO A SUSPENSÃO

DA ADMISSÃO E INGRESSO NO BRASIL DE IMIGRANTES

VENEZUELANOS. GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA

JURÍDICA E ADMINISTRATIVA.

VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO PROCESSUAL DA

CONGRUÊNCIA (DECISÃO EXTRA PETITA).

GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS E A

TRATADOS INTERNACIONAIS QUE O BRASIL É

SIGNATÁRIO. ACOLHIMENTO HUMANITÁRIO. FLUXO

MIGRATÓRIO. REFÚGIO. LEI FEDERAL 9.474/1997. LEI

FEDERAL 13.445/2017.

OFENSA À SOBERANIA NACIONAL E À SEPARAÇÃO DE

PODERES. ART. 4º DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

EFETIVA COOPERAÇÃO DA UNIÃO NO PLANO

FEDERATIVO DE ASSISTÊNCIA EMERGENCIAL.

PROCESSO Nº: 002879-92.2018.4.01.4200 – 1ª VARA FEDERAL DE RORAIMA

AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL E DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

RÉU: UNIÃO e ESTADO DE RORAIMA

A UNIÃO, por meio dos membros da Advocacia-Geral da União

(Procuradoria Regional da União da 1ª Região), com endereço para intimações na SAS

QD. 03, LOTE 05/06, ED. SEDE I – AGU, 5º/ 6º ANDAR, CEP: 70070-030, BRASÍLIA-DF,

na forma estabelecida no art. 131 da Constituição Federal e no art. 1º da Lei

Complementar n. 73/93, vem, com fundamento no art. 4º da Lei nº 8.437/92, art. 1º da

Lei nº 9.494/97, art. 12 da Lei 7.347/1985 e art. 321 do Regimento Interno desse

Egrégio Tribunal Regional Federal, apresentar

SUSPENSÃO DE LIMINAR

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concedida nos autos da ação em epígrafe, pelos fundamentos a seguir esposados.

1. ASPECTOS FÁTICOS:

O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública da União ajuizaram a Ação

Civil Pública nº 002879-92.2018.4.01.4200, distribuída para a 1ª Vara Federal de Roraima

trazendo o seguinte pedido liminar:

- a concessão de tutela antecipada de urgência, determinando aos réus que não

condicionem a prestação de serviços públicos básicos à apresentação de qualquer

documento especial, bem como se abstenham de levar a efeito quaisquer

procedimento de fiscalização de fronteiras, deportação e expulsão pelos órgãos

policiais estaduais ou quaisquer outros órgãos da administração pública estadual.

Em breve síntese, aduzem as Instituições requerentes que há quase 03 anos o

Estado de Roraima vivencia a chegada de imigrantes venezuelanos em busca de melhores

condições de vida no Brasil, dada a condição econômica, política e social experimentada no

país vizinho.

Apontam para a situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica dos

imigrantes e concluem que os mesmos (...) inquestionavelmente, dependem da assistência dos

serviços públicos [brasileiros] dos quais se destacam os serviços de saúde e de regularização

migratória.

Na ACP em curso na 1ª Vara Federal de Roraima foi questionado o Decreto

Estadual n. 25.681-E, de 01 de agosto de 2018, assinado pela Governadora do Estado, tornando

mais rígidas as regras sobre o acesso de migrantes e refugiados oriundos de países não

integrantes do Mercosul aos serviços públicos brasileiros, destacando aqueles relacionados à

saúde, além de exporem os venezuelanos a uma situação de possível deportação/expulsão, à

revelia do procedimento legal.

Expõe sobre a aplicabilidade de diversos documentos de direito internacional

no caso, dentre eles o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Culturais o Pacto

Internacional de Direitos Civis e Políticos, bem como a Declaração universal de Direitos

Humanos, além de diversos outros.

Na decisão liminar o magistrado de piso, afastando-se dos limites do pedido,

traz como fundamento para decidir os seguintes pontos: (i) suposta excessiva permissividade

do pedido liminar, no que toca ao não condicionamento da prestação de serviços públicos

básicos à apresentação de documentação especial ou abstenção da adoção de quaisquer

procedimentos de fiscalização de fronteiras; (ii) invasão de competência legislativa privativa

da União para tratar de imigração, entrada, extradição e expulsão de estrangeiros; (iii)

aplicação da Lei 13.445/17 (Lei de Migração) e Decreto 9.199/17 ao caso, (iv) autonomia

federativa do Estado de Roraima.

Ao cabo, Sua Excelência determina, inaudita altera pars, as seguintes

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providências de urgência:

Com a devida vênia ao magistrado prolator da decisão que se pretende

suspender, a mesma foi proferida em absoluto descumprimento do princípio da

congruência processual, violando frontalmente o artigo 492 do Código de Processo Civil,

causando grave risco à ordem pública e ao interesse público, colocando em risco a

posição do Estado brasileiro perante diversos outros países signatários de decretos e

convenções internacionais.

Assim, a União, com o fito de afastar a grave lesão provocada pela decisão em

tela, pleiteia perante Vossa Excelência a suspensão de seus efeitos.

2. DO CABIMENTO DO PEDIDO DE SUSPENSÃO.

O presente pedido de suspensão encontra respaldo imediato no art. 4º da Lei

8.437/1992, art. 1º da Lei nº 9.494/97, art. 12 da Lei 7.347/1985 e art. 321 do Regimento

Interno desse Egrégio Tribunal Regional Federal

Em suma, o pedido de suspensão mostra-se cabível sempre que a manutenção

da decisão impugnada representar potencial lesivo à ordem, à saúde, à segurança e à

economia públicas, bem como em caso de manifesto interesse público ou de flagrante

ilegitimidade da decisão.

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Consoante assentado pelo Min. Rafael Mayer, no julgamento da Suspensão

de Segurança n. 137 (AgRg), os conceitos de ordem e segurança são conceitos jurídicos

indeterminados, cujo preenchimento depende de uma certa margem de discricionariedade no

juízo que se faz quanto a sua verificação (RTJ 11//865). No mesmo julgamento, esclareceu o

Min. Néri da Silveira que no conceito de ordem previsto no Regimento Interno não se há de

compreender somente a ordem pública, porque a ordem pública já está no conceito de segurança

posto logo adiante. Então, aqui se há de compreender também a ordem administrativa (RTJ

118/866).

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem acolhido, para fixar o

que se deve entender por ordem pública no pedido de suspensão, o entendimento formado

ainda no âmbito do extinto TFR, a partir do julgamento do leading case (SS nº 4.405-SP),

relatado pelo então Presidente daquela Corte, Ministro Néri da Silveira:

Quando na Lei nº 4.348/64, art. 4º, se faz menção à ameaça de lesão à ordem,

tenho entendido que não se compreende, aí, apenas a ordem pública, enquanto

esta se dimensiona em termos de segurança interna, porque explicitamente de

lesão à segurança, por igual, cogita o artigo 4º, da Lei 4.348/64. Se a liminar

pode constituir ameaça de grave lesão à ordem estabelecida para a ação da

Administração Pública, por força da lei, nas suas múltiplas manifestações, cabe

ser suspensa sua eficácia pelo Presidente do Tribunal. Não pode, em verdade, o

juiz decidir contra a lei. Se esta prevê determinada forma para a prática do ato

administrativo, não há o juiz, contra a disposição normativa, de coarctar a ação

do Poder Executivo, sem causa legítima. Fazendo-o, atenta contra a ordem

estabelecida, em lei, para os atos da Administração.

Assim, no conceito de ordem pública está o de ordem administrativa em

geral, concebida esta como a normal execução de serviços públicos, o regular andamento das

políticas públicas, o devido exercício das funções da Administração pelas autoridades

constituídas e, principalmente, a observância das normas cogentes que disciplinam a conduta

da Administração, incluindo-se as normas convencionais de direito internacional.

Conforme será adiante demonstrado, a decisão cuja suspensão se pleiteia a

Vossa Excelência subverte o ordenamento jurídico, causando grave lesão à ordem público-

administrativa e ao interesse público, no sentido de atendimento pela República Federativa do

Brasil dos seus compromissos humanitários previstos em documentos internacionais e na

própria Constituição Federal.

É o que se passa a demonstrar.

3. QUESTÕES PROCESSUAIS 3.1 - DA INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DA JUSTIÇA FEDERAL PARA O PROCESSAMENTO DO FEITO. POTENCIAL CONFLITO FEDERATIVO. TEMA JÁ SOB ANÁLISE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (ACO

Nº 3121). USURPAÇÃO DE COMPETÊNCIA DA SUPREMA CORTE

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Inicialmente, cumpre destacar que a questão ora discutida nos autos desta Ação

Civil Pública – qual seja, a crise migratória venezuelana e seus efeitos sobre o país – já está sob

apreciação do Supremo Tribunal Federal, face ao ajuizamento, pelo Estado de Roraima, da

Ação Cível Originária (ACO) nº 3121, proposta contra a União, com vistas, entre outros,

justamente a impedir que o fluxo imigratório desordenado produza efeitos mais devastadores

à sociedade brasileira, em específico ao Estado de Roraima; e à condenação da União ao

fechamento temporário da fronteira Brasil-Venezuela ou à limitação do ingresso de refugiados

venezuelanos.

De pronto, importante ressaltar que a ACO nº 3121 foi ajuizada

originariamente perante o Supremo Tribunal Federal, com base no art. 102, I, f, da CF/88,

uma vez que a matéria debatida eleva a discussão ao patamar de “conflito federativo”, que

ocorre sempre que a causa de pedir e os pedidos formulados sejam capazes de gerar alguma

ameaça ao sistema federativo. Nesse sentido, observe-se a seguinte ementa:

Reclamação. Processo de tombamento da região conhecida como “Encontro das Águas dos Rios Negro e Solimões”. Autonomia estatal na gestão de seus recursos naturais. Conflito federativo configurado. Competência do STF para julgar “as causas e os conflitos entre a união e os estados” (art. 102, I, f, CF/88). Reclamação procedente.

1. Reclamação constitucional ajuizada com o fito de resguardar a competência originária do STF para julgar “as causas e os conflitos entre a União e os Estados, a União e o Distrito Federal, ou entre uns e outros, inclusive as respectivas entidades da administração indireta” (art. 102, I, f, da CF/88).

2. Há contraposição da pretensão da União Federal em preservar o cenário paisagístico como patrimônio cultural brasileiro mediante o tombamento do “Encontro das Águas dos Rios Negro e Solimões” com o interesse jurídico, econômico, financeiro e social do Estado do Amazonas de ter autonomia na gestão de seus recursos naturais.

3. O conflito entre os entes federados tem densidade suficiente para abalar o pacto federativo, e, portanto, está apto a deslocar a competência da ação para a Suprema Corte.

4. Reclamação julgada procedente para determinar a remessa à Suprema Corte da Ação Ordinária nº 780-89.2011.4.01.3200 e das Ações Civis Públicas nºs 10007-40.2010.4.01.3200 e 11-81.2011.4.01.3200, em trâmite na 7ª Vara Federal da Seção Judiciária do Amazonas. (STF. 1ª Turma. Rcl 12957/AM, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 26/8/2014)

A presente ação civil pública, embora possua partes distintas da ACO 3121, eis

que ajuizada pelo Ministério Público Federal e pela Defensoria Pública da União, em face da

União e do Estado de Roraima conjuntamente, abrange a mesma temática de fundo tratada

na ACO nº 3121, dado que apresenta como causa de pedir a situação do “Estado de Roraima

[que] vivencia a chegada de migrantes venezuelanos que, por fatores econômicos, políticos e

sociais experimentados no país vizinho, buscam no Brasil melhores condições de sobrevivência", e

como pedido, entre outros, que os réus “se abstenham de levar a efeito quaisquer

procedimentos de fiscalização de fronteiras, deportação e expulsão pelos órgãos policiais”.

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Logo, é inequívoca a sua potencialidade de abalar o pacto federativo, diante da

presença de um sensível conflito de interesse entre a União e o Estado de Roraima,

envolvendo divergência na condução da política de governo relativa à recepção dos

imigrantes, devendo a decisão, portanto, ser suspensa, por usurpar competência do

Supremo Tribunal Federal.

Outrossim, mesmo que assim não fosse, fato é que a matéria já está sendo

processada e será em breve julgada pelo Supremo Tribunal Federal, inclusive com a

participação dos mesmos atores ora envolvidos na presente ação. Desse modo, merece ser

suspensa a decisão proferida pelo juízo de primeira instância, até ulterior manifestação do

Supremo Tribunal Federal, a fim de se eliminar o risco de decisões conflitantes, face à

identidade da relação jurídico-material discutida em ambas as causas (art. 55, §3º, CPC).

Por todo o exposto, requer a suspensão da decisão proferida pelo juízo da 1ª

Vara Federal da Seção Judiciária do Estado de Roraima, considerando que a questão será em

breve decidida pelo Supremo Tribunal Federal (ACO nº 3121), órgão competente para

tanto e, também, com maior legitimidade, expertise e capacidade institucional para debater e

solucionar – inclusive mediante tratativas conciliatórias – a presente controvérsia, de cunho

tão sensível e complexo com repercussão na seara internacional.

3.2 – DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO PROCESSUAL DA CONGRUÊNCIA. DECISÃO LIMINAR EXTRA

PETITA.

Ademais, cumpre ressaltar que a decisão ora combatida, além da grave lesão à

ordem jurídica e ordem pública que pode ocasionar, foi proferida em violação a normas e

princípios processuais, tendo em vista que a liminar deferida ultrapassou, de maneira bastante

considerável, o que foi de fato pedido pelos autores na sua petição inicial.

Com efeito, veja-se que o pedido relativo à tutela antecipada de urgência está

assim redigido:

[...] “Por todo o exposto, a Defensoria Pública da União e o Ministério

Público Federal requerem: (...) A concessão a tutela antecipada de

urgência, determinando aos réus que não condicionem a

prestação dos serviços públicos básicos à apresentação de

qualquer documento em especial, bem como se abstenham de

levar a efeito quaisquer procedimentos de fiscalização de

fronteiras, deportação e expulsão pelos órgãos policiais ou

quaisquer outros órgãos da administração pública estadual; (...)”

Caso o pedido fosse decomposto, poderia se dizer que os autores requerem apenas

providências urgentes quanto: (i) ao não condicionamento da prestação de serviços públicos à

apresentação de documentos; (ii) à abstenção dos entes de adotarem procedimentos de (ii.1)

fiscalização de fronteiras, (ii.2) deportação e expulsão pelos órgãos policiais ou quaisquer

outros órgãos da administração pública estadual.

Como se observa, portanto, o pedido formulado se volta especificamente a que se

impeça eventuais procedimentos que sejam prejudiciais aos direitos dos migrantes

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venezuelanos, consubstanciados, principalmente, no Decreto nº 25.681-E, de 01 de agosto de

2018, editado pelo Governo de Roraima, que traz previsões como a necessidade de

apresentação de passaporte válido por estrangeiros para que tenham acesso aos serviços

públicos de saúde, bem como a possibilidade de a autoridade policial estadual adotar

providências para deportação ou expulsão de estrangeiros, o que invade as competências

legislativas e administrativas da União.

O fundamento do pedido, como amplamente demonstrado na exordial, é

justamente a proteção aos imigrantes com base em diversos compromissos internacionais

assumidos pelo Estado brasileiro, e também em normas internas, cabendo destacar os

seguintes trechos:

[...] “Os migrantes e refugiados que chegam ao território roraimense se encontram em situação de extrema vulnerabilidade socioeconômica e, inquestionavelmente, dependem da assistência dos serviços públicos, dos quais se destacam os serviços de saúde e de regularização migratória.

Nesse contexto, cumpre ressaltar a responsabilidade internacional do Estado brasileiro de implementação de políticas públicas voltadas ao acolhimento e garantia de tratamento igualitário entre nacionais e estrangeiros.

(...)

Esta ação civil pública visa a garantir que os entes federados abstenham-se de adotar políticas públicas discriminatórias em relação aos migrantes, tendo por base os direitos e garantias previstos nos tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil é signatário.

(...)

Por todo o exposto, deve o Estado de Roraima ser condenado à obrigação de não fazer, consubstanciada na abstenção de privar o acesso dos migrantes e refugiados oriundos de países não integrantes do Mercosul aos serviços públicos de saúde ou de condicioná-lo à apresentação de qualquer documento específico (...)”. (grifado)

Pode-se depreender dos fundamentos acima, portanto, que os autores

pretendiam aumentar a proteção aos migrantes, e não o contrário. Nada obstante, foi

proferida decisão em que, de maneira bastante evidente, não se acolheu estritamente o pedido

formulado na exordial, tendo havido, inclusive, determinação de sejam fechadas as fronteiras,

além de obrigação de fazer imposta à União que em nenhum momento foi requerida. Veja-se:

[...] “DIANTE DO EXPOSTO, e com base no poder geral de cautela

decido liminarmente:

(a) suspender os efeitos dos Artigos 2º, 3º, parágrafo único, e 5º do

Decreto Estadual nº 25.681-E, de 1º de agosto de 2018 (DOE nº 3287,

de 1/8/2018, pág. 2), naquilo que impliquem discriminação negativa

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em relação aos imigrantes venezuelanos ou sua deportação ou

expulsão;

(b) designar audiência de tentativa de conciliação após a emenda e o

prazo de resposta, sem prejuízo de conciliação extrajudicial;

(c) determinar que a UNIÃO, através da Anvisa (Ministério da

Saúde), cumpra as exigências do Regulamento Sanitário

Internacional, sobretudo em relação a vacinação compulsória,

dos imigrantes venezuelanos que tenham sido admitidos até a

data desta decisão;

(d) suspender a admissão e o ingresso no Brasil de imigrantes

venezuelanos a partir da ciência desta decisão e até que se

alcance um equilíbrio numérico com o processo de interiorização

e se criem condições para um acolhimento humanitário no

ESTADO DE RORAIMA”. (grifado)

Da leitura do dispositivo da decisão, vê-se que a única determinação que poderia

ser vista como congruente ao pedido é aquela contida no item “a”.

Com efeito, nos itens “c” e “d”, no entanto, foram deferidas medidas que jamais

foram requeridas pelos autores. É bastante claro, da leitura da exordial e de seus pedidos, que

a determinação específica de que haja o cumprimento do Regulamento Sanitário Internacional,

em relação à vacinação compulsória com mais exatidão, não foi nem mesmo mencionada pelo

ilustre Parquet Federal e pela Defensoria Pública da União – muito menos havia pedido para

que se deferisse tal obrigação de fazer.

Por sua vez, a suspensão da admissão e ingresso, no Brasil, de imigrantes

venezuelanos, não apenas contraria tudo o que os autores desta ação almejavam obter – maior

proteção aos migrantes e seus direitos –, como também gera prejuízos de diversas ordem,

como abaixo será demonstrado de maneira mais detalhada. De fato, se o MPF e a DPU

buscavam a concessão de liminar que aumentasse a proteção aos migrantes, tendo em vista as

limitações e condicionamentos impostos pelo Decreto estadual de Roraima, uma decisão que

determina a suspensão da admissão e ingresso dos venezuelanos não vai apenas além do que

foi requerido, mas se coloca diametralmente oposta ao pedido que foi formulado.

Nesse sentido, é evidente que o deferimento do quanto pedido em

sede de tutela de urgência na presente ação violaria o art. 2º, do CPC/2015, que consagra o

princípio dispositivo e da demanda, consoante se vê:

“Art. 2º O processo começa por iniciativa da parte e se desenvolve por

impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei”

Importante ainda frisar a afronta aos artigos 141 e 492 do Código de Processo

Civil de 2015, que, consagram o princípio da adstrição, congruência ou correlação, segundo

os quais, definidos os limites objetivos da demanda pela parte autora, não pode o magistrado

ultrapassá-los, ainda que sob a justificativa, no presente caso, de se utilizar do “poder geral de

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cautela”:

“Art. 141. O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.

Art. 492. É vedado ao juiz proferir decisão de natureza diversa da pedida, bem como condenar a parte em quantidade superior ou em objeto diverso do que lhe foi demandado” (grifado)

Sobre o princípio da congruência, Daniel Assumpção leciona que

[...] “Segundo o art. 492, caput do Novo CPC, o juiz não pode conceder diferente ou a mais do que for pedido pelo autor. Trata-se do princípio da congruência, também conhecido como princípio da correlação ou da adstrição. O dispositivo legal, entretanto, é incompleto, porque os limites da sentença devem respeitar não só o pedido, mas também a causa de pedir e os sujeitos que participam do processo. É nula a sentença que concede a mais ou diferente do que foi pedido, como também há nulidade na sentença fundada em causa de pedir não narrada pelo autor, na sentença que atinge terceiros que não participaram do processo ou que não julga a demanda relativamente a certos demandantes.

(...)

Para significativa parcela doutrinária, o princípio da congruência é decorrência do princípio dispositivo. Sem agastar tal entendimento, em análise mais minuciosa, nota-se que o princípio ora estudado é fundamentado em outros dois princípios: inércia da jurisdição (princípio da jurisdição) e contraditório (princípio do processo). A inércia da jurisdição determina que o juízo só se movimenta quando provocado pelo interessado, sendo que essa movimentação ocorre nos estritos limites do pedido e causa de pedir elaborados pelo autor, bem como se limita aos sujeitos do processo”.1

Assim, é notório que a decisão ora impugnada viola o princípio da congruência,

pois concede provimento judicial – principalmente no que tange aos itens “c” e “d”, acima

mencionados –, que não se insere no objeto da demanda principal, porque não fora

expressamente solicitado. O decisum, com efeito, não apenas (i) fixa medidas que vão além do

requerido (como no caso da obrigação de fazer imposta à União, no item “c”), mas também (ii)

que estão em desacordo com a própria causa de pedir e pedido da exordial (suspensão da

admissão e ingresso de migrantes, no item “d”), consistindo em objeto diverso daquele que foi

demandado.

Logo, trata-se de decisão extra petita, que só por esse motivo já pode ser

considerada nula. Trata-se, portanto, de aspecto processual relevante, que também reforça a

necessidade de suspensão da eficácia do decisum ora combatido.

1 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Novo Código de Processo Civil Comentado. Salvador: Ed. Juspodivm, 2016, pp. 818 e 819

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4. DOS REQUISITOS AO DEFERIMENTO DA SUSPENSÃO. GRAVE LESÃO. JUÍZO MÍNIMO DE

DELIBAÇÃO

4.1) GRAVE LESÃO À ORDEM JURÍDICA. DO MANIFESTO DESCABIMENTO DA DETERMINAÇÃO DE SUSPENSÃO DA ADMISSÃO E INGRESSO NO BRASIL DE IMIGRANTES VENEZUELANOS. VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÕES INTERNACIONAIS CONTRAÍDAS PELO BRASIL

Sabe-se que a suspensão de liminar não admite o enfrentamento do mérito posto

no processo de origem. É necessário, contudo, um juízo de delibação acerca do mérito objeto

da ação de origem, notadamente para se averiguar os requisitos da medida de contracautela.

A decisão proferida pela 1ª Vara Federal de Roraima, na prática, corresponde

ao fechamento das fronteiras do Brasil com a Venezuela impedindo o ingresso de imigrantes

contrariando todo o conjunto de atos normativos, constitucionais, legais e internacionais, que

versam sobre o tema.

A República Federativa do Brasil se rege, nas suas relações internacionais, pelos

seguintes princípios, previstos no art. 4° da Constituição da República: independência

nacional; prevalência dos direitos humanos; autodeterminação dos povos; não intervenção;

igualdade entre os Estados; defesa da paz; solução pacífica dos conflitos; repúdio ao

terrorismo e ao racismo; cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; e

concessão de asilo político.

Em relação especificamente à América Latina, a Carta Política é ainda mais

contundente, ao prever expressamente no parágrafo único do art. 4° que “a República

Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da

América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações”.

Ademais, conforme já referido, a própria Carta Magna consagra a isonomia

entre estrangeiros e brasileiros no caput de seu art. 5º, desimportando, para o

reconhecimento da possibilidade de que o refugiado ingresse no território nacional, que o

estrangeiro não possua residência no Brasil – em obediência, inclusive, ao postulado da

dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição da República) e aos compromissos

internacionais firmados pela República Federativa do Brasil.

Nesse sentido, o art. 3º, IV, da Constituição Federal insere como objetivo

fundamental da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos, sem preconceitos de

origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.

Ademais, o art. 23, X, da Carta Magna atribui competência material comum a

todos os entes federados para “combater as causas da pobreza e os fatores de marginalização,

promovendo a integração social dos setores desfavorecidos”.

Não por acaso, a Lei 9.474/1997, que regula internamente o instituto jurídico

do refúgio, adota a definição ampliada de refugiado contida na Declaração de Cartagena de

1984, considerando a violação generalizada de direitos humanos como causa de

reconhecimento da condição de refugiado (art. 1º, III).

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Art. 1º Será reconhecido como refugiado todo indivíduo que:

I - devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país;

II - não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função das circunstâncias descritas no inciso anterior;

III - devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

O art. 7º daquela lei dispõe, outrossim, que “o estrangeiro que chegar ao

território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como

refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontre na fronteira, a qual lhe

proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível e em hipótese

alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou

liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião

política” (grifos acrescidos).

No mesmo sentido, a recente Lei de Migração (Lei 13.445/2017) institui, para o

Estado brasileiro, diretrizes e princípios que vão em sentido diametralmente oposto ao

pretendido pelo Estado autor, com ênfase, inclusive, na necessidade de inexistência de

tratamento discriminatório em razão da condição migratória. É o que se infere, a título

exemplificativo, dos seguintes dispositivos daquela lei (grifos acrescidos):

Art. 3º A política migratória brasileira rege-se pelos seguintes princípios e diretrizes:

I - universalidade, indivisibilidade e interdependência dos direitos humanos;

II - repúdio e prevenção à xenofobia, ao racismo e a quaisquer formas de discriminação;

III - não criminalização da migração;

IV - não discriminação em razão dos critérios ou dos procedimentos pelos quais a pessoa foi admitida em território nacional;

V - promoção de entrada regular e de regularização documental;

VI - acolhida humanitária;

VII - desenvolvimento econômico, turístico, social, cultural, esportivo, científico e tecnológico do Brasil;

VIII - garantia do direito à reunião familiar;

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IX - igualdade de tratamento e de oportunidade ao migrante e a seus familiares;

X - inclusão social, laboral e produtiva do migrante por meio de políticas públicas;

XI - acesso igualitário e livre do migrante a serviços, programas e benefícios sociais, bens públicos, educação, assistência jurídica integral pública, trabalho, moradia, serviço bancário e seguridade social;

XII - promoção e difusão de direitos, liberdades, garantias e obrigações do migrante;

XIII - diálogo social na formulação, na execução e na avaliação de políticas migratórias e promoção da participação cidadã do migrante;

XIV - fortalecimento da integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, mediante constituição de espaços de cidadania e de livre circulação de pessoas;

XV - cooperação internacional com Estados de origem, de trânsito e de destino de movimentos migratórios, a fim de garantir efetiva proteção aos direitos humanos do migrante;

XVI - integração e desenvolvimento das regiões de fronteira e articulação de políticas públicas regionais capazes de garantir efetividade aos direitos do residente fronteiriço;

XVII - proteção integral e atenção ao superior interesse da criança e do adolescente migrante;

XVIII - observância ao disposto em tratado;

XIX - proteção ao brasileiro no exterior;

XX - migração e desenvolvimento humano no local de origem, como direitos inalienáveis de todas as pessoas;

XXI - promoção do reconhecimento acadêmico e do exercício profissional no Brasil, nos termos da lei; e

XXII - repúdio a práticas de expulsão ou de deportação coletivas.

Art. 4º Ao migrante é garantida no território nacional, em condição de igualdade com os nacionais, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, bem como são assegurados:

I - direitos e liberdades civis, sociais, culturais e econômicos;

II - direito à liberdade de circulação em território nacional;

III - direito à reunião familiar do migrante com seu cônjuge ou companheiro e seus filhos, familiares e dependentes;

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IV - medidas de proteção a vítimas e testemunhas de crimes e de violações de direitos;

V - direito de transferir recursos decorrentes de sua renda e economias pessoais a outro país, observada a legislação aplicável;

VI - direito de reunião para fins pacíficos;

VII - direito de associação, inclusive sindical, para fins lícitos;

VIII - acesso a serviços públicos de saúde e de assistência social e à previdência social, nos termos da lei, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória;

IX - amplo acesso à justiça e à assistência jurídica integral gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos;

X - direito à educação pública, vedada a discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória;

XI - garantia de cumprimento de obrigações legais e contratuais trabalhistas e de aplicação das normas de proteção ao trabalhador, sem discriminação em razão da nacionalidade e da condição migratória;

XII - isenção das taxas de que trata esta Lei, mediante declaração de hipossuficiência econômica, na forma de regulamento;

XIII - direito de acesso à informação e garantia de confidencialidade quanto aos dados pessoais do migrante, nos termos da Lei no 12.527, de 18 de novembro de 2011;

XIV - direito a abertura de conta bancária;

XV - direito de sair, de permanecer e de reingressar em território nacional, mesmo enquanto pendente pedido de autorização de residência, de prorrogação de estada ou de transformação de visto em autorização de residência; e

XVI - direito do imigrante de ser informado sobre as garantias que lhe são asseguradas para fins de regularização migratória.

§ 1º Os direitos e as garantias previstos nesta Lei serão exercidos em observância ao disposto na Constituição Federal, independentemente da situação migratória, observado o disposto no § 4o deste artigo, e não excluem outros decorrentes de tratado de que o Brasil seja parte.

No plano internacional, também há todo um sistema de atos normativos de

proteção aos refugiados – os quais, uma vez internalizados pelo ordenamento jurídico

brasileiro, vinculam o Poder Público tanto em âmbito interno, no qual possuem o status de

normas constitucionais ou supralegais (a depender da adoção ou não do procedimento do art.

5º, § 3º, da CF), quanto externamente, em cujo âmbito seu desrespeito pode ensejar a

responsabilização internacional do Brasil, com todas as consequências daí decorrentes.

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No ponto, de se destacar que, nesse processo de incorporação ao ordenamento

interno, participam não apenas o Presidente da República, mas também o Congresso Nacional,

em cuja composição se encontra o Senado Federal, órgão de representação dos Estados –

inclusive o de Roraima. Assim, ao término desse procedimento de internalização, não apenas a

União, mas todos os entes da República Federativa do Brasil se comprometem e devem

respeitar o acordo internacional.

Feito esse registro, tem-se que, dentro do sistema internacional de

proteção aos refugiados, é norma basilar o princípio da não devolução (non

refoulement), pelo qual se proíbe que os países que hajam recebido refugiados os

devolvam para outros territórios onde seus direitos fundamentais permaneçam

expostos.

Nesse sentido, cite-se a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos

Refugiados de 1951 (internalizada pelo Decreto n° 50.215, de 28 de janeiro de 1961), que

assim dispõe:

Art. 31 - Refugiados em situação irregular no país de refúgio

1. Os Estados Contratantes não aplicarão sanções penais em virtude da sua entrada ou permanência irregulares, aos refugiados que, chegando diretamente do território no qual sua vida ou sua liberdade estava ameaçada no sentido previsto pelo art. 1º, cheguem ou se encontrem no seu território sem autorização, contanto que se apresentem sem demora às autoridades e lhes exponham razões aceitáveis para a sua entrada ou presença irregulares.

2. Os Estados Contratantes não aplicarão aos deslocamentos de tais refugiados outras restrições que não as necessárias; essas restrições serão aplicadas somente enquanto o estatuto desses refugiados no país de refúgio não houver sido regularizado ou eles não houverem obtido admissão em outro país. À vista desta última admissão os Estados Contratantes concederão a esses refugiados um prazo razoável, assim como todas as facilidades necessárias.

Art. 32 - Expulsão

1. Os Estados Contratantes não expulsarão um refugiado que se encontre regularmente no seu território senão por motivos de segurança nacional ou de ordem pública.

(...)

De se mencionar, ainda, o teor da Convenção Americana de Direitos

Humanos:

Artigo 22. Direito de circulação e de residência

(...)

8. Em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade

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pessoal esteja em risco de violação por causa da sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas.

No âmbito do MERCOSUL, também o “Acordo sobre Documentos de viagem dos

Estados Partes do MERCOSUL e Estados Associados”, aprovado pela Decisão CMC nº 18/08, ao

qual Brasil e Venezuela aderiram, elenca, em seu anexo, lista de documentos de viagem válidos

com os quais nacionais dos países parte do entendimento podem ingressar no território de

outro. Assim, basta ao cidadão venezuelano que porte passaporte ou cédula de identidade para

ficar apto a ingressar em qualquer outro país parte do referido acordo, inclusive no Brasil.

Nesse sentido, cumpre transcrever, no que neste ponto interessa, o parecer

ofertado pela Procuradoria-Geral da República na Ação Cível Originária nº 3.121/RR, em

trâmite no Supremo Tribunal Federal (sem destaques no original):

Por sua vez, os pedidos de fechamento total das fronteiras ou, subsidiariamente, de limitação do número de ingresso de refugiados (item 3 visto acima) não podem ser acolhidos por violarem frontalmente obrigações internacionais de direitos humanos assumidas pelo Brasil, especialmente as referentes à proteção de refugiados, bem como a proteção legal de tais direitos.

A proteção de refugiados no Brasil pauta-se, inicialmente, pela Declaração Universal de Direitos Humanos, que estabeleceu, em seu artigo XIV, que “cada pessoa tem o direito a buscar e gozar de asilo em outros países sem sofrer perseguição”. Ademais, o Brasil ratificou a Convenção de Genebra relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 (incorporada internamente pelo Decreto n. 50.215, de 28 de janeiro de 1961).

Regulando especificamente a proteção aos refugiados, o Brasil editou a Lei n. 9.474/97, cujo artigo 1º considera refugiado todo indivíduo que, devido a fundados temores de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opiniões políticas, encontre-se fora de seu país de nacionalidade e não possa ou não queira acolher-se à proteção de tal país, ou aquele que, não tendo nacionalidade e estando fora do país onde antes teve sua residência habitual, não possa ou não queira regressar a ele, em função da perseguição odiosa já mencionada. Além disso, a Lei n. 9.474/97 adotou a definição ampla de refugiado, estipulando seu artigo 1º, III que será também considerado refugiado pelo Brasil todo aquele que, devido a grave e generalizada violação de direitos humanos, é obrigado a deixar seu país de nacionalidade ou residência para buscar refúgio em outro país.

Ademais, o artigo 7º da Lei n. 9.474/97 estipula que o estrangeiro, ao chegar ao território nacional, poderá expressar sua vontade de solicitar declaração de sua situação jurídica de refugiado a qualquer autoridade migratória e em hipótese alguma será efetuada sua deportação para fronteira de território em que sua vida ou liberdade esteja ameaçada, em virtude de raça, religião, nacionalidade, grupo social ou opinião política.

Para André de Carvalho Ramos, consagrou-se o princípio da proibição

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da devolução (ou rechaço) ou non-refoulement, que consiste na vedação da devolução do refugiado ou solicitante de refúgio para o Estado do qual tenha o fundado temor de ser alvo de perseguição odiosa. Esse princípio encontra-se inserido no artigo 33 da Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951 e também em diversos outros diplomas internacionais, já ratificados pelo Brasil. De fato, o artigo 22.8 da Convenção Americana de Direitos Humanos dispõe que “em nenhum caso o estrangeiro pode ser expulso ou entregue a outro país, seja ou não de origem, onde seu direito à vida ou à liberdade pessoal esteja em risco de violação em virtude de sua raça, nacionalidade, religião, condição social ou de suas opiniões políticas”.

(...)

Com isso, o fechamento da fronteira ofende frontalmente tanto a proteção aos refugiados quanto a política brasileira de migração, resultando no aumento do ingresso irregular e da permanência clandestina desses indivíduos, o que agravaria a situação social na região.

Ou seja, uma das Instituições que ajuizou a Ação Civil Pública nº 002879-

92.2018.4.01.4200 é expressamente contrária ao fechamento da fronteira do Brasil com

a Venezuela, sendo manifestamente incabível a providência determinada pelo juízo

federal de Roraima.

De se destacar, também, que, o fechamento das fronteiras sequer resolveria o

problema do fluxo migratório, mas apenas o tornaria ainda mais grave, na medida em que

mera proibição formal seria inócua e o ingresso no País continuaria existindo – especialmente

quando se lembra que a fronteira entre Brasil e Venezuela é seca e extensa –, expondo ainda

mais os imigrantes ao estado de vulnerabilidade, bem como a própria população do Estado de

Roraima, já que enfraqueceria o controle e o apoio das autoridades brasileiras.

Além disso, tal medida destoaria da tradição brasileira de acolhimento dos

imigrantes. A história da composição e formação da população brasileira é marcada por

diversos movimentos de imigração, em que foram acolhidos milhões de imigrantes de

diferentes origens.

Tal fato, inclusive, já foi levado em consideração pelo Supremo Tribunal, no

julgamento do RE 587.970-RG2, em que se discutia a concessão de benefício assistencial a

estrangeiro residente no país. Naquela assentada, o Ministro Marco Aurélio bem pontuou:

Em verdade, ao lado dos povos indígenas, o País foi formado por imigrantes, em sua maioria europeus, os quais fomentaram o desenvolvimento da nação e contribuíram sobremaneira para a criação e a consolidação da cultura brasileira. Incorporados foram a língua, a culinária, as tradições, os ritmos musicais, entre outros.

Desde a criação da nação brasileira, a presença do *

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estrangeiro no País foi incentivada e tolerada, não sendo coerente com a história estabelecer diferenciação tão somente pela nacionalidade, especialmente quando a dignidade está em cheque em momento de fragilidade do ser humano – idade avançada ou algum tipo de deficiência. (grifou-se)

No mesmo sentido foram as ponderações do Ministro Lewandowski, na mesma

oportunidade:

O Brasil é um país que acolheu de braços abertos os imigrantes. E eles foram responsáveis por grande parte do progresso desta grande nação. Diria que mesmo os portugueses e seus descendentes são imigrantes, porque, se há um povo autóctone nesta terra, povo autóctone são os índios. Todos os demais são imigrantes. (...) Verifico que pretensão não só confronta com essa nossa tradição de generoso acolhimento dos imigrantes, mas também, como bem demonstrou o eminente Relator, afronta de maneira absolutamente direta dois importantíssimos dispositivos da Constituição, sobretudo o caput do artigo 5º, que encabeça a lista dos direitos fundamentais da pessoa humana em nosso País.

Inegável, portanto, que os imigrantes exerceram e exercem papel importante na

construção do Brasil atual. Seja por terem vindo povoar o território nacional ou para funcionar

como mão-de-obra no campo e na indústria (quando a mão-de-obra local era insuficiente), seja

por terem introduzido no país técnicas até então desconhecidas e fundado colônias que ao

longo do tempo foram se transformando em alguns dos principais centros urbanos brasileiros,

o ingresso de estrangeiros no país sempre foi estimulado e produziu reflexos positivos nos

mais diversos setores da vida em sociedade, como na indústria, na agricultura, na formação

cultural etc.

Ademais, para melhor contextualizar e informar Vossa Excelência, como

atestam as informações prestadas pelo Ministério Extraordinário da Segurança Pública (Ofício

nº 84/2018-DICRE/CGPI/DIREX/PF), a Polícia Federal, no controle migratório, consulta o

banco de dados da INTERPOL e o Sistema de Tráfego Internacional – Módulo de Alerta e

Restrição (STI-MAR), de modo a fazer cumprir o art. 45 do Estatuto do Estrangeiro, que elenca

as hipóteses em que uma pessoa poderá ser impedida de ingressar no Brasil.

Ademais, de acordo com as mesmas informações, “quando do registro do

imigrante no Brasil, a certidão de antecedentes criminais é um dos vários documentos exigidos

para regularização de sua estada em território nacional, conforme preceitua o Decreto nº

9.199/2017 e, para o caso específico dos venezuelanos, a Portaria Interministerial nº 9, de 14 de

março de 2018, expedida pelos Ministros de Estado da Justiça, Extraordinário da Segurança

Pública, das Relações Exteriores e do Trabalho”.

No ponto, de se ressaltar ser indispensável o respeito às peculiaridades

fáticas daqueles que fogem de seus próprios países, por razões humanitárias, a fim de

buscar melhores condições de vida, e que, por certo, não podem receber um tratamento

que, ao desrespeitar direitos humanos fundamentais, possa, até mesmo, incentivar a

intolerância e xenofobia para com os imigrantes.

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A respeito da exigência do cartão de vacinação, o Ministério da Saúde

assim se manifestou (INFORMAÇÕES n. 00129/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU):

Item 26 [Pedido do Estado]. Verifica-se que as autoridades federais lotadas na fronteira não exigem o cartão de vacinação dos imigrantes venezuelanos, o que impõe a todos os cidadãos que vivem no Estado de Roraima, sejam eles brasileiros, sejam eles venezuelanos, um risco e até mesmo um atentado à saúde e à vida, garantias fundamentais estabelecidas na Constituição. Trata-se, ainda, de fronteira seca, completamente aberta para o ingresso de imigrantes, sem qualquer tipo de barreira física que impeça a entrada de pessoas com antecedentes criminais, portando substâncias ilícitas, armamentos e até mesmo tráfico de pessoas em vulnerabilidade, tudo isso sem falar na questão da falta de exigência de cartão de vacinação que atinge os próprios indígenas brasileiros adeptos culturalmente da não vacinação.

Este Departamento ressalta que as medidas de saúde adotadas no país devem estar em conformidade o preconizado pelo Regulamento Sanitário Internacional (RSI), devendo ser aplicadas de maneira transparente e não discriminatória. Tais medidas não deverão ser mais restritivas ao tráfego internacional, nem mais invasivas ou intrusivas em relação às pessoas do que as alternativas razoavelmente disponíveis que alcançariam o nível apropriado de proteção à saúde. Visando o fortalecimento das ações de prevenção e controle de doenças imuno preveníveis, e ante a situação estabelecida no Estado de Roraima em decorrência da necessidade de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade provocada por crise humanitária na República Bolivariana da Venezuela, o DEVIT e suas coordenações têm intensificado a atuação junto ao Estado e aos Municípios visando a adoção de ações estratégicas para a realização das atividades de saúde visando o atendimento dos imigrantes que procuram os serviços públicos na área de fronteira.

Desta forma, com os apontamentos acima realizados, fica evidenciado que a

decisão liminar, para além dos vícios processuais evidentes, ofende a ordem jurídica nacional

e estrangeira, impondo ao Estado Brasileira uma obrigação que vai contra a Constituição da

República, as leis internas e diversos documentos de direito internacional.

Diretamente afirmando, impedir o ingresso de venezuelanos no Brasil

viola obrigações internacionais contraídas pelo país, ferindo o princípio do “non-

refoulement”, podendo o Estado Brasileiro ser responsabilizado nos foros

internacionais em matéria de proteção de refugiados.

Por este motivo, sendo patente a violação à ordem jurídica, sob o viés da ordem

administrativa e ao interesse público, a UNIÃO requer a integral suspensão da liminar deferida

no bojo da ACP nº 002879-92.2018.4.01.4200 até o trânsito em julgado.

4.B) DA GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA-ADMINISTRATIVA. DAS MEDIDAS ADOTADAS PELA UNIÃO REFERENTES À CRISE MIGRATÓRIA VENEZUELANA. DESNECESSIDADE DE INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO

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Em observância ao dever de cooperação – e tendo em vista a competência

comum dos entes federativos –, a União tem adotado, como já dito, por meio de diferentes

Pastas ministeriais, diversas ações que demonstram, atuação tempestiva e efetiva no sensível

tema da imigração Venezuelana.

De início, cumpre destacar que, reconhecendo a situação de crise e a

necessidade de adoção de medidas céleres e efetivas visando à sua solução, o Presidente da

República editou, em 15 de fevereiro de 2018, a Medida Provisória nº 820, que “dispõe sobre

medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade

decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária” e, como se percebe, volta-se,

essencialmente, ao atendimento da demanda surgida por ocasião da migração venezuelana

para o Estado de Roraima.

A citada Medida provisória foi convertida na Lei 13.684, de 21 de junho de

2018, aumentando a segurança jurídica no caso.

Conforme bem pontuado pela Exposição de Motivos da MP n° 820, de 2018,

“diante do flagrante quadro de violação das garantias individuais da população afetada,

influenciado pela insignificante prestação de serviços básicos, é necessário assumir o

protagonismo da crise humanitária deflagrada, coordenando e implementando, diretamente e em

parcerias, políticas sociais direcionadas”. Assim sendo, “tanto a União, como o Estado de

Roraima e seus Municípios serão importantes parceiros para o enfrentamento da crise

humanitária decorrente do fluxo migratório de pessoas advindas da República Bolivariana da

Venezuela”.

É nesse contexto que o art. 4º da Lei 13.684/2018 prevê que “As medidas de

assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente

de fluxo migratório provocado por crise humanitária têm o objetivo de articular ações integradas

a serem desempenhadas pelos governos federal, estaduais, distrital e municipais, por meio de

adesão a instrumento de cooperação federativa, no qual serão estabelecidas as responsabilidades

dos entes federativos envolvidos.”.

No mesmo sentido, o art. 5º da Lei 13.684/2018, reconhecendo a necessidade

de que sejam tomadas providências nos mais diversos âmbitos sociais a fim de que se consiga,

de maneira efetiva, atender à demanda gerada pela imigração, assim dispõe:

Art. 5º As medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária visam à ampliação das políticas de:

I – proteção social;

II – atenção à saúde;

III – oferta de atividades educacionais;

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IV – formação e qualificação profissional;

V – garantia dos direitos humanos;

VI – proteção dos direitos das mulheres, das crianças, dos adolescentes, dos idosos, das pessoas com deficiência, da população indígena, das comunidades tradicionais atingidas e de outros grupos sociais vulneráveis;

VII – oferta de infraestrutura e saneamento;

VIII – segurança pública e fortalecimento do controle de fronteiras;

IX – logística e distribuição de insumos; e

X – mobilidade, contemplados a distribuição e a interiorização no território nacional, o repatriamento e o reassentamento das pessoas mencionadas no caput deste artigo.

§ 1º Caberá à Comissão Intergestores Tripartite de que trata a Lei nº 8.080, de 19 de setembro de 1990, no tocante à ampliação das políticas de que trata o inciso II do caput deste artigo, pactuar as diretrizes, o financiamento e as questões operacionais que envolvam a ampliação da demanda por serviços de saúde, mediante proposta ao Ministério da Saúde de valores per capita em cada bloco de financiamento do Sistema Único de Saúde compatíveis com as necessidades dos Estados e dos Municípios receptores do fluxo migratório.

§ 2º Caberá à Comissão Intergovernamental de Financiamento para a Educação Básica de Qualidade de que trata a Lei nº 11.494, de 20 de junho de 2007, no tocante à ampliação das políticas de que trata o inciso III do caput deste artigo, revisar as ponderações aplicáveis entre diferentes etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da educação básica, o limite proporcional de apropriação de recursos pelas diferentes etapas, modalidades e tipos de estabelecimento de ensino da educação básica e a parcela da complementação da União a ser distribuída para os fundos por meio de programas direcionados à melhoria da qualidade da educação básica, bem como respectivos critérios de distribuição.

§ 3º No âmbito da administração pública federal, a promoção das políticas de que trata o caput deste artigo ocorrerá de forma integrada entre os Ministérios competentes, que poderão valer-se, para isso, da celebração de:

I – acordos de cooperação ou instrumentos congêneres com organismos internacionais; e

II – acordos de cooperação, termos de fomento ou termos de colaboração com organizações da sociedade civil que desenvolvam atividades relevantes na defesa dos direitos dos migrantes, em especial dos imigrantes e refugiados, observado o disposto na Lei nº 13.019, de 31 de julho de 2014.

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§ 4º A implantação das medidas relacionadas à política de mobilidade de que trata o inciso X do caput deste artigo observará a necessidade da anuência prévia das pessoas atingidas em estabelecer-se em outro ponto do território nacional, retornar ao seu país de origem ou estabelecer-se em um terceiro país, conforme o caso.

Instituiu-se, ainda, Comitê Federal de Assistência Emergencial com atribuições

para “estabelecer as diretrizes e as ações prioritárias da administração pública federal para a

execução do programa” e “representar a União na assinatura do instrumento de cooperação

federativa de que trata o art. 4º, a ser firmado com os entes federativos que queiram aderir às

medidas de assistência emergencial previstas nesta Medida Provisória”, além de outras que lhes

sejam atribuídas por regulamento (art. 6º da Lei 13.684/2018).

E, reconhecendo a imprescindibilidade de que as respectivas ações sejam

promovidas com a maior celeridade possível, estabeleceu-se que, “Em razão do caráter

emergencial das medidas de assistência de que trata esta Lei, os órgãos do governo federal

priorizarão os procedimentos e as formas de transferências de recursos e de contratação mais

céleres previstos em lei.” (art. 7º da Lei 13.684/2018).

Assim, na mesma data, foram editados o Decreto 9.285/2018, que reconhece a

situação de vulnerabilidade decorrente do fluxo migratório provocado pela crise humanitária

na Venezuela, e o Decreto n° 9.286, também de 15 de fevereiro de 2018, que instituiu o Comitê

Federal de Assistência Emergencial, responsável, como dito, pelas ações de assistência e

acolhimento de imigrantes em situação de vulnerabilidade.

Ademais, conforme relatado pela Subchefia para Assuntos Jurídicos da

Casa Civil (Nota Técnica n° 4/2018/SASOC/SAM/CC-PR,), em 12 de março de 2018, foi

publicada a MP 823/2018, que abriu crédito extraordinário de R$ 190 milhões para o

Ministério da Defesa, destinado à assistência emergencial e ao acolhimento humanitário

de pessoas advindas da Venezuela, valor esse que será utilizado no custeio das ações do

Governo Federal para o tratamento da questão.

Foi, ainda, publicada no Diário Oficial da União a Portaria Interministerial

(Ministérios da Justiça, Extraordinário da Segurança Pública, das Relações Exteriores e do

Trabalho) nº 9, de 14 de março de 2018, que “dispõe sobre a concessão de autorização de

residência ao imigrante que esteja em território brasileiro e seja nacional de país fronteiriço,

onde não esteja em vigor o Acordo de Residência para Nacionais dos Estados Partes do

MERCOSUL e países associados, a fim de atender a interesses da política migratória nacional'”.

Referida portaria, que regulamenta a hipótese de concessão de autorização de

residência para atender a interesses da política migratória nacional, consoante disposto no

artigo 161 do Decreto 9.199/2017, tem por intuito conferir segurança jurídica e celeridade ao

processo de regularização migratória dos cidadãos venezuelanos que se deslocam ao Brasil

por questões humanitárias, permitindo a concessão de residência temporária no Brasil por 02

anos, que pode ser, ao final, transformada em residência por prazo indeterminado.

Segundo o Ministério das Relações Exteriores (Informação CONJUR/CGDI/N9

088/2018), “A medida oferece oportunidade de regularização migratória de forma simples,

célere e, no caso de hipossuficientes, sem custos, constituindo-se em importante alternativa à

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solicitação de refúgio, cuja tramitação pode levar anos, mas que pode mostrar-se inadequada ao

caso concreto apresentado”. Entretanto, “É importante ressaltar que os interessados continuam a

poder ingressar com pedido de refúgio, com todas as garantias previstas em convenções

internacionais e na legislação brasileira”.

No ponto, de se ressaltar que a atuação federal não se iniciou com a edição

das MPs 820 e 823. Esses são apenas atos normativos que reconhecem formalmente a

necessidade de urgência no trato da situação, bem como a indispensabilidade da

participação conjunta de todos os entes federados, nos mais diversos âmbitos, visando a

solucioná-la.

A União, todavia, muito antes da edição daquelas medidas provisórias, já vinha

adotando inúmeras medidas – que, agora, apenas restaram reforçadas, conforme se passa a

demonstrar.

Apenas no âmbito das atribuições do Ministério do Desenvolvimento Social

(MDS), por exemplo, foram promovidos repasses em dinheiro, verbas para custear o

acolhimento dos imigrantes, definição de estratégias, entre outras ações, conforme relatado

nas Informações n. 00103/2018/CONJUR-MDS/CGU/AGU:

- o MDS, por meio do Fundo Nacional de Assistência Social, em atendimento à solicitação feita pela Secretaria de Trabalho e Bem Estar Social de Roraima, repassou em 26 de abril de 2018 o montante de R$ 480.000,00 (quatrocentos e oitenta mil reais) no âmbito do Serviço de Proteção em Situação de Calamidades Públicas e Emergência (Portaria nº 131/GM/MDSA), voltados para o acolhimento de 200 imigrantes venezuelanos, nos termos da Portaria MDS nº 90/2013;

- no âmbito da Secretaria de Segurança Alimentar e Nutricional – SESAN/MDS, foram repassados ao estado de Roraima, cerca 83 toneladas de alimento, sendo 61.720 kg de arroz, 12.348 kg de farinha de mandioca e 9.294 kg de leite em pó, totalizando o valor de R$ 453.316,42 (quatrocentos e cinquenta e três mil, trezentos e dezesseis reais e quarenta e dois centavos);

- além do repasse de recursos referentes à situação de emergência social, o MDS disponibilizou para o estado de Roraima o adiantamento de recursos do Bloco da Alta Complexidade em dezembro de 2017, no valor de R$313.250,50 (trezentos e treze mil, duzentos e cinquenta reais e cinquenta centavos) de modo a não inviabilizar o atendimento a imigrantes venezuelanos na janela entre a análise de nova solicitação de recursos feita pelo estado de Roraima e o efetivo repasse de cofinanciamento referente ao serviço de proteção especial em situação de emergências e calamidades.

- foi publicada Portaria nº 629, de Em 28 de fevereiro de 2018, dispondo sobre prorrogação e incremento do cofinanciamento federal ao estado de Roraima mediante a comprovação da necessidade face ao aumento de contingente de imigrantes venezuelanos, e que estabeleceu um novo repasse de recursos, no valor de R$ 1.890.000,00 (um milhão e oitocentos e noventa mil reais) se deu em 27 de março de 2018 por meio das ordens bancárias nº 801636, 801637, 801638, 801639, 801640 e

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801641;

- até 30 de abril de 2018, o saldo em conta do Fundo Estadual de Assistência Social de Roraima totaliza o valor de R$ 2.049.602,88 (dois milhões, quarenta e nove mil e seiscentos e dois reais e oitenta e oito centavos) que devem ser utilizados no âmbito do atendimento emergencial dos imigrantes venezuelanos que se encontram em situação de vulnerabilidade social. O montante demonstra que para além do valor de R$ 1.890.000,00 repassados no mês de março de 2018 ainda se encontra na conta do estado uma parte do valor repassado em abril de 2017;

- além dos repasses feitos ao estado de Roraima, foi editada a Portaria nº 950/2018 de 09 de março de 2018 que "dispõe sobre o repasse emergencial para o município de Pacaraima para a execução de ações socioassistenciais devido ao grande contingente de imigrantes venezuelanos". Nesse sentido, em 28 de março de 2018 houve o repasse de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais) para o atendimento de 250 imigrantes no referido município;

- no que se refere ao apoio técnico prestado aos estados e municípios, representantes do MDS, com o acompanhamento da gestão estadual de Assistência Social (SETRABES/RR), realizaram visitas ao estado de Roraima, nas datas de 7 a 11 de maio de 2017, 29 a 02 de junho de 2017, 09 a 12 de julho de 2017, 03 a 07 de setembro de 2017 e 17 a 21 de setembro de 2017; 15 a 18 de outubro de 2017 e 25 a 29 de novembro de 2017;

- as visitas de apoio técnico tiveram como objetivo auxiliar os entes locais no planejamento da execução dos recursos; orientar quando a ormativas para organização do acolhimento e articulação com as redes locais; acompanhar especialista em abrigamento do Alto Comissariado das Nações Unidas - ACNUR sobre estratégias de abrigamento aos migrantes; participar e realizar seminário de capacitação sobre migração; e estruturar agendas conjuntas entre estado e município para a discussão de estratégias de melhorias na oferta dos serviços;

- além da sua atuação local, o MDS participa de agenda periódica junto à Casa Civil sobre fluxos migratórios, que conta com a participação do Ministério da Saúde, Ministério da Educação, Ministério da Defesa, Ministério dos Direitos Humanos, e outros) além de agências das Nações Unidas como o ACNUR, Fundo de População das Nações Unidas (UNFPA), Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) e Organização Internacional de Migração (OIM), na busca de estratégias de atuação que contemplem as várias áreas e os diversos entes federados para a garantia de direitos dos imigrantes venezuelanos;

- considerando-se o crescente quantitativo de imigrantes que o estado recebe, os problemas de gestão e acolhimento local, e a não formalização de solicitação de repasse de recursos para acolhimento dos venezuelanos que se encontravam acolhidos no referido abrigo, o Governo Federal decidiu pela mudança de estratégia de atuação na fronteira, numa perspectiva de atuação federalizada;

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- assim, em âmbito federal, foi publicada a MP nº 820, de 15/02/18, que “dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade decorrente de fluxo migratório provocado por crise humanitária” e institui o Comitê Federal de Assistência Emergencial, regulamentado pelo Decreto nº 9.286 de 15 de fevereiro de 2018, sendo o MDS um dos membros do referido Comitê;

- as ações pertinentes à atuação federal contemplam a organização da fronteira em ação protagonizada pelo Ministério da Defesa, com o apoio de diversos Ministérios e Organizações do Governo Federal, Agências das Nações Unidas e Sociedade Civil, relacionadas à organização de espaço de triagem para encaminhamento de venezuelanos a atendimento de saúde, imunização, regularização documental e organização do abrigamento daqueles imigrantes que estão em situação de vulnerabilidade e risco social, estratégia que se encontra em curso no momento;

- a atuação federal perpassa também pelo encaminhamento de imigrantes venezuelanos para outros municípios brasileiros dentro da estratégia de interiorização. A participação na estratégia é voluntária e busca a realocação de imigrantes em espaços que estão aptos a atendê-los numa estratégia de ação articulada que também contempla diversos atores, tanto da Sociedade Civil como do Governo Federal e Agências das Nações Unidas.

7. A SNAS ressaltou, ao final, que a estratégia de interiorização não se trata de ação isolada que se encerra em apenas uma viagem. A ideia é a de que essa seja uma estratégia de ações frequentes ao longo do ano de 2018, por meio de uma série de viagens, de acordo com a disponibilidade de recepção das cidades destino. Informamos que uma segunda viagem de interiorização ocorreu no início de maio de 2018 que interiorizou mais 233 imigrantes para Manaus e São Paulo.

O Ministério da Defesa, por sua vez, informa que, no âmbito das Forças

Armadas, duas operações visando a amenizar os impactos da imigração venezuelana

estão em execução: a Operação Acolhida, deflagrada para assegurar apoio logístico aos

imigrantes, e a Operação Controle, que objetiva auxiliar o controle das fronteiras e

combater a prática de crimes transfronteiriços através de patrulhas rotineiras em

cidades das fronteiras e realização de revistas nos imigrantes. Nos seguintes termos (Nota

n. 00316/2018/CONJUR-MD/CGU/AGU):

(...) sobre a Operação ACOLHIDA, deflagrada no dia 28 de fevereiro de 2018, e exclusivamente voltada para as ações logísticas de alojamento, saúde, higiene, alimentação e interiorização dos imigrantes venezuelanos, participo a Vossa Excelência que foram estabelecidos abrigos nos municípios de Pacaraima e Boa Vista, todos no estado de Roraima, a fim de proporcionar melhores condições aos imigrantes venezuelanos que se encontram em estado de necessidade.

(...)

O estabelecimento de abrigos proporcionou, além da organização e controle, o acesso ao atendimento médico e vacinação, o

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fornecimento de refeições diárias e a segurança necessária para que os trabalhos sociais da Casa Civil da Presidência da República, ACNUR, Organizações Não Governamentais e outros órgãos e instituições federais e estaduais pudessem ser realizados. Ademais, a FT Log Hum empregou militares para a organização e limpeza dos abrigos existentes, deixando-os em condições satisfatórias de higiene e limpeza e prevê a utilização de novos abrigos a fim de atender o possível aumento do fluxo de imigrantes, a saber:

(...)

Dessa forma, a criação de novos abrigos ampliará o assistencialismo prestado aos imigrantes, permitindo que as pessoas estejam em condições físicas e psicológicas para serem interiorizadas nas cidades brasileiras, proporcionando melhoria do atual quadro de sobrecarga das estruturas social e econômica do estado de Roraima.

(...) desde do (sic) dia 28 de fevereiro do presente ano, o Ministério da Defesa, por meio da Diretriz Ministerial nº 04/2018, mantém um contingente de cerca de 360 militares, mais a necessária infraestrutura do Exército Brasileiro, na cidade de Pacaraima-RR, na fronteira entre o Brasil e a Venezuela, para somar-se aos esforços do Governo Federal frente à situação da crescente imigração oriunda deste último país. Para tal, esta iniciativa passou a ser denominada como Operação ‘CONTROLE’. É importante ressaltar que aquela Força já possui um Pelotão Especial de Fronteira naquela localidade, com um efetivo de cerca de 40 militares.

Esta Operação tem por objetivo a intensificação da vigilância naquela faixa da fronteira e nos eixos que demandam a cidade de Boa Vista-RR, em coordenação com os Órgãos de Segurança Pública estaduais e federais, com vistas a coibir os crimes transfronteiriços. Isto é feito por meio de patrulhas, estabelecimento de pontos de bloqueio móveis e revistas de pessoas e viaturas.

Além disso, as tropas destacadas realizam revistas de bagagens e de viaturas de todas as pessoas que adentram no território brasileiro pelos acessos balizados naquela cidade. Também foi instalado, na mesma região, um Posto de Recepção e Identificação, a fim de apoiar o trabalho dos órgãos envolvidos no controle da fronteira, ajudando na verificação da documentação pertinente, condições sanitárias e no cadastramento (...)

Quanto à atuação do Departamento de Polícia Federal, colhem-se, das

informações prestadas pelo Ministério Extraordinário da Segurança Pública (Nota n.

00129/2018/CCJ/CONJUR-MESP/CGU/AGU), as seguintes ações:

1) Operação Sentinela Posto Bonfim: 02 policiais initerruptamente desde (pelo menos) 2010 e em andamento. Trata-se de descentralização de recursos no âmbito da Operação Sentinela para 2 (dois) policiais da SR/RR em rodizio de 8 dias durante todo o ano. Esses policiais desempenham controle migratório no posto de Bonfim/RR. O posto funciona há pelo menos 08 anos.

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2) Reforço para a DPF/PAC: 20 AADMs e 02 DPFs ininterruptamente desde fevereiro/2018 e em andamento. Trata-se de recrutamento iniciado em 26/02/2018 após visita do Exmo. Sr. Presidente da República ao Estado de Roraima com foco especifico para atendimento da demanda de cidadãos venezuelanos.

3) Reforço para a SR/RR: 15 AADMs ininterruptamente desde Janeiro/2018 e em andamento. Trata-se de missão permanente iniciada em 21/01/2018 após a constatação do aumento significativo da demanda por concessão de refúgio e residência temporária de cidadãos venezuelanos e cubanos no início de 2018. Esse recrutamento veio substituir (aumentando o quantitativo de servidores) o recrutamento de AADMs mencionado no item 5.4., abaixo. A partir deste recrutamento, a missão foi considerada permanente e de interesse dos órgãos centrais.

4) Reforço para a SR/RR: 06 AADMs ininterruptamente de março/2017 a janeiro/2018. Trata-se de recrutamento de iniciativa da SR/RR (interesse loca/regional) iniciado em 06/03/2017 após a constatação do aumento significativo da demanda por concessão de refúgio de cidadãos venezuelanos no início de 2017. Esse recrutamento veio substituir (aumentando o quantitativo de servidores) o recrutamento de AADMs mencionado no item 5 abaixo.

5) Reforço para a SR/RR: 04 AADMs ininterruptamente de setembro/2016 a março/2017. Trata-se de recrutamento de iniciativa da SR/RR (interesse loca/regional) iniciado em 05/09/2016 após a constatação do aumento significativo da demanda por concessão de refúgio de cidadãos venezuelanos em 2016.

AADMs: Servidores Administrativos.

SR/RR: Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado de Roraima.

DPF/PAC: Delegacia de Polícia Federam em Pacaraima.

No que se refere às medidas concernentes à saúde pública, de se ressaltar que o

Ministério da Saúde informa, por meio das Informações n. 00129/2018/CONJUR-

MS/CGU/AGU, ter repassado à Secretaria Estadual de Saúde de Roraima (SES/RR), em 2017, o

montante de R$ 11.413.295,66 para financiamento de ações de vigilância em saúde; em 2018,

já foram repassados, até aqui, R$ 3.268.077,50.

Vem, ainda, sendo prestado apoio técnico à Secretaria Estadual de Saúde para

“a investigação de casos suspeitos e medidas de controle e prevenção de novos casos de sarampo,

difteria e leishmaniose, com a permanência de técnicos da área”, inclusive com o envio de

equipes do Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS –

EpiSUS e com o devido incentivo à abertura de salas de vacina em que sejam disponibilizadas

vacinas contra o sarampo, a difteria e a febre amarela.

Ademais, foi aumentado o contingente de médicos participantes do Projeto

Mais Médicos para o Brasil, tendo sido remanejados 21 (vinte e um) médicos para os 05

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(cinco) municípios com maior demanda de imigrantes e disponibilizados mais 3 (três)

médicos para atuar em mutirão do Projeto no Estado de Roraima.

Especificamente sobre a atuação no combate a doenças transmissíveis trazidas

pelos imigrantes, o Ministério da Saúde informa, também por meio das Informações n.

00129/2018/CONJUR-MS/CGU/AGU que:

Considerando tratar-se de situação de vulnerabilidade decorrente do fluxo migratório provocado por crise humanitária na República Bolivariana da Venezuela, o Governo Federal instituiu a Medida Provisória Nº 820, que dispõe sobre medidas de assistência emergencial para acolhimento a pessoas em situação de vulnerabilidade, e estabeleceu o Decreto Nº 9.285, que reconhece a situação de vulnerabilidade decorrente desse fluxo migratório. Por se tratar de fluxo migratório internacional, a Secretaria de Vigilância em Saúde tem contato com apoio técnico e logístico da Organização Pan Americana de Saúde (OPAS/OMS) no âmbito dos termos de cooperação já estabelecidos entre o Ministério da Saúde e aquela Organização, para viabilizar ações de fortalecimento da vigilância, prevenção e controle das doenças transmissíveis naquele Estado, compreendendo a realização de reforma de sala de vacina, aquisição de equipamentos, aluguel de veículos, insumos e contratação de pessoal temporário destinado ao funcionamento de sala de vacina em região de fronteira, e realização de campanhas de vacinação.

(...)

A Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis – CGDT vem prestando apoio técnico à SES/RR para a investigação de casos suspeitos e medidas de controle e prevenção de novos casos de sarampo, difteria e leishmaniose, com a permanência de técnicos da área, em sistema de rodizio, visando o fortalecimento das ações de vigilância em saúde no estado.

(...)

Dois técnicos da Coordenação-Geral do Programa Nacional de Controle da Tuberculose – CGPNCT realizaram visita à Boa Vista para conhecer o panorama da tuberculose frente a entrada dos imigrantes venezuelanos no estado. O PNCT realizou ainda a elaboração, impressão e envio de um folder informativo sobre a doença, em espanhol e em inglês; enviou Cartão de Referência aos serviços de saúde e de Acompanhamento do tratamento de tuberculose na população imigrante, em Espanhol e em Inglês. Ademais, encontra-se em processo de doação para a Secretaria Estadual de Roraima uma máquina GeneXpert para Teste Rápido Molecular para tuberculose (TRM-TB) ao Laboratório de Fronteira de Pacaraima. Foi pactuado também o aumento do suprimento de cartuchos de TRM-TB para o estado, visando o aumento do consumo a partir das ações de intensificação da busca ativa pactuadas.

A respeito das ações relativas a prevenção e controle da malária e doenças transmitidas pelo Aedes, a Coordenação Geral dos Programas Nacionais de Controle e Prevenção da Malária e

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Doenças Transmitidas pelo Aedes - CGPNCMD, informa, conforme despacho CGPNCMD (3782740) que de janeiro a março de 2018, 34% dos casos notificados em Roraima foram importados de outros países, e dentre os municípios com maior notificação de casos importados da Venezuela (1.846), destaca-se Pacaraima com 1.210 casos (66%) e Boa Vista com 574 casos (31%). O Programa Nacional de Controle da Malária (PNCM) tem dado total apoio quanto ao abastecimento de insumos necessários ao diagnóstico e tratamento dos casos, além do suporte às ações de controle vetorial, com o envio de inseticidas ao estado e aos DSEI. Os pedidos de insumos realizados pelo estado e os DSEI estão sendo atendidos pelo PNCM, como demonstram as tabelas disponíveis no despacho CGPNCMD (3782740).

(...)

As medidas de saúde adotadas no Brasil devem estar em conformidade o preconizado pelo Sistema Único de Saúde (SUS), e e pelo Regulamento Sanitário Internacional (RSI), devendo ser aplicadas de maneira transparente e não discriminatória.

Em resposta ao item supramencionado, o Centro de Informações Estratégicas em Vigilância em Saúde - CIEVS do DEVIT tem enviado, desde 2017, equipes do Programa de Treinamento em Epidemiologia Aplicada aos Serviços do SUS – EpiSUS para colaborar com as Secretaria Estadual de Saúde de Roraima e Secretarias Municipais de Saúde. Entre 26 de setembro a 27 de outubro de 2017 uma equipe de 6 técnicos foi enviada ao estado de Roraima e realizou um inquérito sobre a situação de saúde entre migrantes venezuelanos albergados e desabrigados em Boa Vista/RR. Entre 17 a 21 de setembro de 2017 e 28 de setembro a 02 de outubro de 2017 foi enviado um técnico, e entre 08 a 14 de outubro de 2017, dois técnicos foram enviados para orientar a estruturação de uma sala de situação para monitorar os eventos de saúde junto à Secretaria Estadual de Saúde de Roraima. Entre fevereiro a maio de 2018, outra equipe de 6 técnicos foi enviada para o estado de Roraima para apoiar nas atividades de investigação de sarampo e colaborar na sala de situação. O detalhamento das atividades realizadas pelas equipes está disponível no despacho CIEVS 3760248.

(...)

No que tange ao cenário epidemiológico do sarampo em Roraima, ressalta-se que a Secretaria Estadual de Saúde, apoiada pelo Ministério da Saúde e Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS), implementou as seguintes ações: i) realizou a busca retrospectiva pela equipe de saúde constituída com integrantes das esferas municipal, estadual e federal, nos hospitais de Boa Vista; ii) revisou cerca de 42.274 fichas de atendimento e prontuários com a investigação dos casos selecionados na busca retrospectiva nos hospitais de eleição; iii) realizou a capacitação de profissionais abordando os aspectos gerais do sarampo (sintomas, transmissão, prevenção e aspectos laboratoriais) abrangendo 277 profissionais de saúde; iv) capacitou 12 técnicos de enfermagem da rede básica de saúde pela vigilância municipal para coleta de amostras para diagnóstico de sarampo; v) investigou, monitorou todos os casos suspeitos de sarampo, até o encerramento; vi) disponibilizou informe

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técnico com orientações e procedimentos a serem adotados na suspeição de um caso de sarampo para as vigilâncias estaduais; vii) coletou amostra de espécimes clínicos em todos os casos suspeitos para o diagnóstico laboratorial; viii) realizou o bloqueio vacinal oportuno dos contatos a partir de seis meses de idade (1.967 doses administradas); ix) finalizou o plano e estratégias para a Campanha de vacinação seletiva contra o sarampo no estado de Roraima; x) intensificou a rotina de vacinação conforme o calendário nacional de vacinação; xi) ofertou vacinação na fronteira oferecendo prioritariamente as vacinas tríplice viral, febre amarela, dupla adulto e DTP; xiii) realizou o treinamento de 15 técnicos de laboratório do Hospital da Criança Santo Antônio e 19 profissionais das Unidades Básicas de Saúde para coleta de swab de naso e orofaringe; dentre outras atividades.

E, por fim:

(...) soma-se aos repasses de recursos realizados no período supramencionado, as ações administrativas que têm sido empregadas pela Secretaria de Atenção à Saúde, do Ministério da Saúde, em parceria com outros órgãos federais, Estado de Roraima e Municípios de Boa Vista e Pacaraima. A Secretaria de Atenção À Saúde (SAS/MS) tem empregado esforços para otimizar e melhorar o atendimento da população de Roraima e imigrantes venezuelanos, estando com várias ações em andamento como implantação do “LEAN HEALTHCARE” - Projeto de Gestão de Leitos Hospitalares, que está sendo implantado no Hospital Geral de Roraima - situado em Boa Vista; além da articulação, acompanhamento e atuação nos processos de avaliação clínica e imunização dos Venezuelanos abrigados para liberação de interiorização, capacitação de 159 médicos do Programa “Mais Médicos” para atuação na área, fornecimento de ambulâncias para viabilizar ao transporte sanitário e de urgência e emergência no Estado de Roraima, dentre outras medidas que podem ser observadas em documento anexo.

A seu turno, com vistas a assegurar os direitos e garantias dos imigrantes

venezuelanos – que se encontram em evidente situação de vulnerabilidade –, o Ministério dos

Direitos Humanos vem trabalhando na implementação das seguintes iniciativas (Informação

nº 1/2018/CONJUR/MDH):

I - articulação de ações estratégicas junto ao Governo do Estado de Roraima e às Prefeituras Municipais de Boa Vista e Pacaraima para o atendimento de imigrantes venezuelanos em situação de violação de direitos humanos;

II - articulação de ações estratégicas para a comunicação e divulgação dos canais de atendimento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (Disque Direitos Humanos, Portal Humaniza Redes e Aplicativo Mobile Proteja Brasil);

III - aprimoramento dos canais de atendimento da Ouvidoria Nacional de Direitos Humanos (Disque Direitos Humanos, Portal Humaniza Redes e Aplicativo Mobile Proteja Brasil);

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IV - promoção do acesso à documentação básica para os imigrantes venezuelanos no estado de Roraima;

V - promoção do acesso à documentação básica para indígenas venezuelanos no estado de Roraima, com atendimento apropriado do ponto de vista socio-cultural e linguístico;

VI - criação, em conjunto com as Defensorias Públicas Estadual e da União, de atendimento especializado de promoção dos direitos da população em situação de rua em Roraima, inclusive nacionais da Venezuela ali residentes;

VII - articulação com vistas à criação de Comitê e Mecanismo de Prevenção e Combate à Tortura em Roraima, em atenção aos direitos das pessoas privadas de liberdade naquele estado, inclusive nacionais da Venezuela;

VIII - articulação com vistas à criação da Comissão Estadual para Erradicação do Trabalho Escravo (COETRAE) em Roraima, beneficiando toda a população do estado, inclusive nacionais da Venezuela ali residentes;

IX - articulação com vistas à divulgação e fortalecimento dos programas de proteção (Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas - PROVITA e Programa de Proteção aos Defensores dos Direitos Humanos - PPDDH) para atendimento de eventuais demandas provenientes do estado de Roraima, inclusive de nacionais da Venezuela ali residentes;

X - articulação com o Conselho Estadual LGBT de Roraima, com vistas à capacitação e acompanhamento de denúncias de violações de direitos da população LGBT naquele estado, inclusive nacionais da Venezuela ali residentes;

XI - capacitação de grupos que compõe as comunidades LGBT em Roraima, com o objetivo de auxiliar no atendimento e tratamento adequado para a população LGBT naquele estado, inclusive nacionais da Venezuela ali residentes;

XII - implementação de projeto voltado à integração de crianças e adolescentes venezuelanos em situação de movimento transnacional em Roraima;

XIII - implementação de projeto voltado ao fortalecimento do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes no estado de Roraima;

XIV - formação de conselheiros tutelares e de direitos, com a inclusão de módulo sobre direitos de crianças e adolescentes migrantes na Escola de Conselhos;

XV - elaboração de Protocolo de Proteção Integral de Crianças e Adolescentes em Movimento Transnacional, em cooperação técnica com a União Européia e a Agência Brasileira de Cooperação, por meio do projeto EUROSOCIAL;

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XVI - apoio ao funcionamento de Conselhos Tutelares em Roraima, por meio da equipagem de dois novos Conselhos Tutelares em Boa Vista e da reequipagem do Conselho Tutelar 01 de Boa Vista (doação de veículo 4X4) e do Conselho Tutelar de Pacaraima (doação de veículo 4X4);

XVII - implementação de comitê de monitoramento das ações da combate ao racismo e xenofobia no estado de Roraima;

XVIII - promoção de cursos de mediação de conflitos no estado de Roraima, a fim de prevenir e capacitar atores locais para a solução de conflitos envolvendo a ocorrência de xenofobia;

XIX - levantamento de dados sobre imigrantes com deficiência nas regiões atingidas pelo fluxo migratório venezuelano e elaboração de cadastro com as informações obtidas;

XX - inclusão de representantes de pessoas com deficiência junto aos órgãos de Defesa Civil em Roraima (Conselhos de Direitos da Pessoa com Deficiência locais);

XXI - mapeamento de redes locais de proteção, para encaminhamento das pessoas com deficiência no estado de Roraima, inclusive nacionais da Venezuela ali residentes;

XXII - identificação e cadastro de organizações da sociedade civil que tenham interesse em atuar na promoção de direitos da pessoa com deficiência no estado de Roraima, inclusive de nacionais da Venezuela ali residentes;

XXIII - identificação e capacitação de pontos focais em Roraima sobre especificidades das pessoas com deficiência;

XXIV - capacitação de conselheiros municipais dos Conselhos de Direitos da Pessoa Idosa do Estado de Roraima;

XXV - adoção de protocolos nacionais de atendimento diferenciado à população idosa migrante;

XXVI - mapeamento das redes locais de proteção da pessoa idosa, incluindo o levantamento dos serviços, programas, projetos e benefícios sociais existentes para os migrantes;

XXVII - instalação dos kits de equipagem para o Conselho Municipal do Idoso de Boa Vista e para o Conselho Estadual de Defesa dos Direitos dos Idosos de Roraima;

XXVIII - elaboração de cadastros e fluxos de identificação, avaliação e encaminhamento de casos aos órgãos de Proteção à Pessoa Idosa; e

XXIX - viabilização de posto de atendimento junto às Prefeituras de Boa Vista e Pacaraima, com vistas à garantia de acesso à rede de serviços de saúde e de assistência social locais para a população idosa.

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Por fim, relatório técnico da Subchefia de Articulação e Monitoramento da Casa

Civil da Presidência da República (Nota Técnica n° 4/2018/SASOC/SAM/CC-PR, doc. 01, fls.

14/15) traz as iniciativas do Governo Federal em apoio ao Governo do Estado de Roraima e à

Prefeitura Municipal de Boa Vista:

a. Fortalecimento da rede de assistência social (Informações do Ministério do Desenvolvimento Social - MDS):

• O MDS ofereceu apoio técnico e financeiro para abrigos em Roraima (Boa vista), com repasse de R$ 2.370.000 para o Estado e de R$ 600.000 para o município de Pacaraima. Além desses, houve um adiantamento do repasse do Bloco da Alta Complexidade em 5 de dezembro de 2017 para o Estado de Roraima, no valor de R$ 313.250,50.

• Foram doadas 82 toneladas de alimentos para abrigados em Pacaraima e Boa Vista;

• Foram disponibilizados pela ABC/MRE U$$ 300 mil, para aquisição de alimentos para imigrantes abrigados em Pacaraima.

b. Fortalecimento da saúde em Roraima (Informações do Ministério da Saúde):

• Governo Federal tem oferecido apoio técnico e incremento financeiro em cerca de R$ 128 milhões ao Governo Estadual de Roraima, além de R$ 78 milhões para a Prefeitura de Boa Vista e R$ 4 milhões para Pacaraima.

• Doação de 1 ambulância SAMU no valor de R$ 150.000,00 para Paracaima.

• Doação de outras 7 ambulâncias SAMU para distribuição na seguinte ordem: 02 Prefeitura de Boa Vista, 01 Alto Alegre, 01 Cantá, 01 Cantaraí, 01 Mucajaí,. 01 Rorainópolis, totalizando R$ 1.400.000,00

• Doação de 02 camionetes para fortalecimento das ações de combate ao AEDES Egipty

• Apenas em 2017, houve incremento de R$ 1,3 milhão, em parcela única, para o teto de Média e Alta Complexidade (MAC) do Estado, e aumento de R$ 12 milhões/ano para o MAC, sendo uma ampliação de R$ 1 milhão/ mês ao teto;

• Houve doação de 73 equipamentos e mobiliários para estruturação de 2 leitos de estabilização no Hospital estadual Délio Tupinambá, no valor de R$ 324 mil reais, e foram empenhados R$ 563,3 mil reais para o Fundo Estadual de Saúde para aquisição de equipamentos e material permanente para o hospital;

• Convênios firmados com o Corpo de Bombeiros Militar, no valor de R$ 4,5 milhões, para mapeamento da situação de saúde da população migrante indígena e não indígena e capacitação de profissionais de saúde e segurança em emergência de saúde e população vulnerável;

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• Ampliação das equipes de Mais Médicos do município de Boa Vista. O município recebeu mais de 21 médicos.

c. Fortalecimento da fiscalização na fronteira (informações da Polícia Rodoviária Federal - PRF; da Polícia Federal - PF, Anivsa e Ministério do Trabalho e Emprego - MTe):

• Polícia Rodoviária Federal na fronteira - o posto da PRF no município de Pacaraima está funcionando 24h, todos os dias da semana. Também houve abertura de posto da PRF para atuação na rodovia que interliga as cidades de Pacaraima e Boa Vista. Além disso, houve reforço da Força Nacional, com a atuação de 32 homens e cinco viaturas. O Exército brasileiro também ampliou sua atuação na fronteira, com a retomada da "Operação Escudo";

• Reforço do quadro da Polícia Federal em 30%, para ampliar a capacidade de atendimento e registro de imigrantes em Boa Vista/RR;

• O efetivo da ANVISA também foi ampliado em 200%, e o posto da fronteira está operando 24h/dia, todos os dias da semana. A sala de vacinação do Ministério da Saúde está sendo reformada para atendimento dos imigrantes na fronteira;

• Houve capacitação de auditores fiscais do trabalho de RR, organizada pelo Ministério do Trabalho, para orientações sobre especificidades da fiscalização do trabalho estrangeiro e sobre a regularização documental para inserção no mercado de trabalho, bem como o incremento da emissão de Carteiras de Trabalho para imigrantes no estado, 6.413 carteiras de trabalho emitidas no período de setembro de 2017 a abril de 2018.

Logo, o que se verifica é que a União não tem se eximido de suas competências

constitucionais, tampouco de suas responsabilidades, inexistindo mora por parte do Estado,

sendo desnecessária e até mesmo prejudicial a intervenção do Poder Judiciário no caso.

Na temática da Separação dos Poderes, a decisão que se busca suspender

ofende frontalmente o art. 2º da Carta Constitucional uma vez que busca fixar a linha de

atuação da UNIÃO na questão migratória existente e na definição das as políticas públicas que

devam ser adotadas no caso, gerando GRAVE LESÃO À ORDEM PÚBLICA-ADMINISTRATIVA.

A máxima da separação de poderes há muito passou por uma releitura nos

Estados Democráticos, com um inegável fortalecimento da ideia de checks and balances, em

detrimento da antiga ideia de estrita separação.

Isso, contudo, não autoriza o juiz a substituir a atuação do gestor público,

principalmente quando o que se está em análise é a própria política migratória nacional, além

da noção de soberania.

Cabe ao Poder Executivo, através dos órgãos técnicos competentes definir e

implementar as políticas públicas, aplicando-se este entendimento à política migratória. Data

vênia ao magistrado prolator da decisão, o Poder Judiciário não tem conhecimento das

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repercussões práticas da sua decisão, bem como do risco sistêmico imposto à República

Federativa do Brasil com o descumprimento de diversas convenções e tratados internacionais.

Diante do que já foi exposto – principalmente considerando que em

momento algum o Brasil esteve inerte ou indiferente à situação dos haitianos -, não poderia a decisão cuja suspensão se requer interferir e impor quais medidas deveriam ser adotadas pelo Governo, por não ser competência do Judiciário tal medida.

No caso, vários precedentes da Presidência do TRF-1, em diversos pedidos

de suspensão de liminar e sentença, manifestam a grave lesão à ordem público-administrativa causada pela ingerência indevida do Poder Judiciário nas atividades ordinárias da Administração, fazendo-se necessária uma atividade restritiva (self restraint) por parte do próprio Poder Judiciário, no caso, pela via da suspensão de segurança:

A ingerência da atividade jurisdicional sobre atribuições da

Administração Pública, importando alterações na condução do

planejamento da sua atuação, deve ser feita com critério e prudência e

deve estar calcada em dados objetivos, fáticos e técnicos que a

justifiquem. A decisão de primeiro grau invade a esfera de competência

do TRT da 14ª Região, no regular exercício das funções de

administração, para alterar regra do concurso público — no caso,

estabelecendo novo local de prova —, fixada com base nos critérios de

conveniência e oportunidade, mesmo porque se, em princípio, essas

regras estão embasadas em Resoluções Administrativas emanadas pelo

TST e pelo CNJ, o TRT da 14ª Região não pode delas se esquivar, pois a

elas está vinculado.

(TRF-1, Des. Olindo Menezes, SUSPENSÃO DE LIMINAR OU

ANTECIPAÇÃO DE TUTELA N. 0070452- 21.2010.4.01.0000/AC)

Decisões de que resultem alterações na condução do planejamento da

atuação da Administração Pública devem ser proferidas com critério e

prudência e devem estar calcadas em dados objetivos e técnicos que as

justifiquem. Quando o Judiciário intervém nas atribuições do Executivo,

elegendo prioridades, criando ou alterando despesas financeiras não

previstas pelas autoridades competentes, acarreta grave desequilíbrio

orçamentário e administrativo.

(TRF-1, Des. Olindo Menezes, SUSPENSÃO DE LIMINAR OU

ANTECIPAÇÃO DE TUTELA N. 0067834-06.2010.4.01.0000/AM)

A impossibilidade de manutenção dos efeitos da decisão proferida justifica-

se ainda pelo fato de que o próprio ato de concessão de refúgio configura ato político de soberania estatal com suporte Constitucional, legal e convencional.

Diante deste quadro, patente que a decisão em estudo acarreta grave

lesão à ordem jurídica e administrativa, sendo inegável usurpação de competência do Poder Executivo, devendo a mesma ser imediatamente suspensa.

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5- DOS PEDIDOS:

Pelos fundamentos acima, a União requer a suspensão da decisão liminar proferida na Ação Civil Pública nº 002879-92.2018.4.01.4200 (em anexo), em curso na 1ª Vara Federal da Seção Judiciária de Roraima, até o trânsito em julgado da sentença no processo originário.

Pede deferimento. Brasília, 07 de agosto de 2018. RAPHAEL RAMOS MONTEIRO DE SOUZA

Advogado da União Procurador-Regional da União da 1ª Região

JOÃO PAULO LAWALL VALLE Advogado da União

Subprocurador Regional da União da 1ª Região

JULIA THIEBAUT SACRAMENTO Advogada da União

ALEXANDRE DANTAS COUTINHO SANTOS

Advogado da União