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" ~ :' '" ~ resenha MORIN, Edgar; CIRUANA, Emilio Roger; MOTTA, Raúl Domingo. Educar na era planetária: o pensamento complexo como método de aprendizagem pelo erro e incerteza humana. São Paulo: Cortez, 2003.111 páginas. Os autores Edgar Morin, Emilio Ciruana e Raúl Mot- ta têm sido grandes expoentes do pensamento mundial contemporâneo. Intelectuais que querem, desafiam o reencontro entre a ciência e o humanismo, entre cultura científica e cultura humanística. Pensadores que transi- tam livremente entre as arbitrárias divisões da ciência, como verdadeiros artesãos que sonham em rejuntar o que o pensamento moderno fragmentou. A razão de suas idéias é a reforma do pensamento e a politização do co- nhecimento. A obra foi organizada a partir do texto elaborado para a UNESCO, publicado originalmente pela Universidade de Vallodolid em 2002. Nela os autores renovam um con- junto de propostas fundamentais para os caminhos e des- caminhos a serem assumidos pelo conhecimento, nesta era mundializada, idade de ferro planetária, responsável por arrogâncias, violências identitárias sem precedentes na história do sapiens-demens. O livro está organizado em seis partes: apresentação, prefácio, três capítulos e epílogo. É uma obra escrita com muita poesia, sensibili- dade, sem perder o cunho filosófico. Na abertura de cada capítulo trazem fragmentos de textos teórico-reflexivos e poemas de grandes nomes da filosofia e da literatura, como António Machado, Jacques Robin, Roberto Juarroz entre outros. A apresentação do livro é do representante da UNES- CO no Brasil Jorgem Werthein, que tece comentários sobre a crise educacional no Brasil, que para ele não é somente pela falta de recursos financeiros, mas sim, uma crise de sentidos diante da perplexidade e incerteza que dominam os horizontes da vida contemporânea. Em seguida, no prefácio, Morin sinaliza o começo da chamada era planetária e da globalização, ressalta que a globalização estabeleceu um mercado mundial e uma rede de comunicações que se ramificou intensamente por todo o planeta. E afirma que no momento o planeta necessita de espíritos aptos a apreender seus problemas fundamentais e globais, suas complexidades, mas que a escola insiste em dividir e fragmentar os conhecimentos Domingos Rodrigues da Trindade' que precisam ser religados, (re) significados. Os autores com muita clareza abordam nesta obra problemas do método de aprendizagem, diferenciando-o de metodologia; conferem sentido à noção de complexi- dade e à própria noção de era planetária em sua perspec- tiva histórica e, ao mesmo tempo, configura a emergência de uma infra-estrutura de sociedade-mundo. De forma dialética e inquietante, os autores, no pri- meiro capítulo: O método (estratégias para o conheci- mento e a ação num caminho que se pensa) apresentam uma idéia de método, como caminho, ensaio gerativo e estratégia "para" e "do" pensamento. Explicitam ainda que, nesse caminho em busca do conhecimento, não há apenas certezas, determinismos, mas também incerteza, acasos. O método é ação do sujeito pensante que inven- ta, cria "em" e "durante" o seu caminho. Para Morin, o pensamento complexo engloba a experiência do ensaio e ele o vê como expressão escrita da ação pensante e da reflexão como forma mais apropriada para a maneira mo- derna de pensar. Para os autores, depois das experiências efetivadas pelas ciências e pela filosofia no século XX, não se pode visar a um projeto de aprendizagem e conhecimento que se fundamente num saber categoricamente sustentado sobre uma certeza. Para Morin, o método não precede a experiência, mas manifesta-se durante a experiência e se coloca ao final talvez para uma nova aventura. O método se constitui no caminhar. Segundo os autores, é impossível simplificar o "méto- do /caminho/ ensaio/ travessia/ pesquisa/estratégia a um programa" (p.23), muito menos a uma constatação indi- vidual. No momento seguinte enfatizam a relação entre o método e a teoria, sinalizam o lugar ocupado pela teoria e como ela se relaciona com o método; deixam claro que teoria e método são dois componentes indispensáveis do conhecimento complexo. Problematizam a questão da errância e do erro, res- saltando que "o problema do erro transforma o problema da verdade, mas não a destrói. Não se nega a verdade, 1 Pedagogo, Especialista em Educação: Docência Superior. Professor das disciplinas Educação do Campo e Educação Não Formal- Universidade Estadual da Bahia - Departamento de Educação - CampusXII, UNEB. 2007 . revista eomeiêneia 95

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Page 1: MORIN, Edgar;CIRUANA,EmilioRoger;MOTTA,Raúl …revistacomciencia.com/artigos_2008/Resenha.pdf · de metodologia; conferem sentido à noção de complexi-dade eàprópria noção

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resenha

MORIN, Edgar; CIRUANA, Emilio Roger; MOTTA, RaúlDomingo. Educar na era planetária: o pensamentocomplexo como método de aprendizagem pelo erro eincerteza humana. São Paulo: Cortez, 2003.111 páginas.

Os autores Edgar Morin, Emilio Ciruana e Raúl Mot-ta têm sido grandes expoentes do pensamento mundialcontemporâneo. Intelectuais que querem, desafiam oreencontro entre a ciência e o humanismo, entre culturacientífica e cultura humanística. Pensadores que transi-tam livremente entre as arbitrárias divisões da ciência,como verdadeiros artesãos que sonham em rejuntar oque o pensamento moderno fragmentou. A razão de suasidéias é a reforma do pensamento e a politização do co-nhecimento.

A obra foi organizada a partir do texto elaborado paraa UNESCO, publicado originalmente pela Universidadede Vallodolid em 2002. Nela os autores renovam um con-junto de propostas fundamentais para os caminhos e des-caminhos a serem assumidos pelo conhecimento, nestaera mundializada, idade de ferro planetária, responsávelpor arrogâncias, violências identitárias sem precedentesna história do sapiens-demens. O livro está organizadoem seis partes: apresentação, prefácio, três capítulos eepílogo. É uma obra escrita com muita poesia, sensibili-dade, sem perder o cunho filosófico. Na abertura de cadacapítulo trazem fragmentos de textos teórico-reflexivose poemas de grandes nomes da filosofia e da literatura,como António Machado, Jacques Robin, Roberto Juarrozentre outros.

A apresentação do livro é do representante da UNES-CO no Brasil Jorgem Werthein, que tece comentáriossobre a crise educacional no Brasil, que para ele não ésomente pela falta de recursos financeiros, mas sim, umacrise de sentidos diante da perplexidade e incerteza quedominam os horizontes da vida contemporânea.

Em seguida, no prefácio, Morin sinaliza o começoda chamada era planetária e da globalização, ressalta quea globalização estabeleceu um mercado mundial e umarede de comunicações que se ramificou intensamentepor todo o planeta. E afirma que no momento o planetanecessita de espíritos aptos a apreender seus problemasfundamentais e globais, suas complexidades, mas que aescola insiste em dividir e fragmentar os conhecimentos

Domingos Rodrigues da Trindade'

que precisam ser religados, (re) significados.Os autores com muita clareza abordam nesta obra

problemas do método de aprendizagem, diferenciando-ode metodologia; conferem sentido à noção de complexi-dade e à própria noção de era planetária em sua perspec-tiva histórica e, ao mesmo tempo, configura a emergênciade uma infra-estrutura de sociedade-mundo.

De forma dialética e inquietante, os autores, no pri-meiro capítulo: O método (estratégias para o conheci-mento e a ação num caminho que se pensa) apresentamuma idéia de método, como caminho, ensaio gerativo eestratégia "para" e "do" pensamento. Explicitam aindaque, nesse caminho em busca do conhecimento, não háapenas certezas, determinismos, mas também incerteza,acasos. O método é ação do sujeito pensante que inven-ta, cria "em" e "durante" o seu caminho. Para Morin, opensamento complexo engloba a experiência do ensaioe ele o vê como expressão escrita da ação pensante e dareflexão como forma mais apropriada para a maneira mo-derna de pensar.

Para os autores, depois das experiências efetivadaspelas ciências e pela filosofia no século XX, não se podevisar a um projeto de aprendizagem e conhecimento quese fundamente num saber categoricamente sustentadosobre uma certeza. Para Morin, o método não precede aexperiência, mas manifesta-se durante a experiência e secoloca ao final talvez para uma nova aventura. O métodose constitui no caminhar.

Segundo os autores, é impossível simplificar o "méto-do /caminho/ ensaio/ travessia/ pesquisa/estratégia a umprograma" (p.23), muito menos a uma constatação indi-vidual. No momento seguinte enfatizam a relação entre ométodo e a teoria, sinalizam o lugar ocupado pela teoriae como ela se relaciona com o método; deixam claro queteoria e método são dois componentes indispensáveis doconhecimento complexo.

Problematizam a questão da errância e do erro, res-saltando que "o problema do erro transforma o problemada verdade, mas não a destrói. Não se nega a verdade,

1 Pedagogo, Especialista em Educação: Docência Superior. Professor das disciplinas Educação do Campo e Educação Não Formal- Universidade Estadualda Bahia - Departamento de Educação - CampusXII, UNEB.

2007 . revista eomei êneia 95

Page 2: MORIN, Edgar;CIRUANA,EmilioRoger;MOTTA,Raúl …revistacomciencia.com/artigos_2008/Resenha.pdf · de metodologia; conferem sentido à noção de complexi-dade eàprópria noção

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mas o caminho da verdade é umabusca sem fim" (p.27). Diante dis-so, compreende-se que a verdade seconstitui na itinerância dos acasos,incertezas, certezas, ordem e desor-dem, que o conhecimento se dá numprocesso de mutação.

As idéias acerca da problemáticado método como estratégia são teci-das de forma não linear, provocandoo distanciamento dos "demônios"que alimentam a sede da certeza e dodesejo veemente de alcançar o saberabsoluto. Nesta perspectiva, apresen-tam sete princípios gerativos e estra-tégicos do método: o principio sistê-mico ou organizacional, que permiteo religamento do conhecimento daspartes com o conhecimento do todoe vice-versa; o hologramático, queapresenta que cada parte contém pra-ticamente a totalidade da informaçãodo objeto representado em qualquerorganização complexa, "não só a par-te está no todo, mas também o todoestá na parte" (p.33-4) o da retroati-vidade, que contrapõe a idéia "cau-sa-efeito"; Nessa perspectiva, "nãosó a causa age sobre o efeito, mas oefeito retroage informacionalmentesobre a causa" (p.35); o da recursi-vidade - "é uma dinâmica autopro-dutiva e auto-organizacional"(p.35);o de autonomia! dependência - "in-troduz a idéia de processo auto-eco-organizacional"(p.35); o dialógi-co, que ajuda a pensar lógicas quese complementam e se excluem, aidéia é distinguir sem separar; e oprincípio de reintrodução do sujeitocognoscente em todo conhecimen-to, o que seria devolver o papel ativoàquele que foi excluído por um ob-jetivismo epistemológico cego.

No segundo capítulo, buscamrefletir sobre a complexidade dopensamento complexo (o pensa-mento complexo da complexidade).Constroem uma compreensão comreferência ao pensamento complexo,traçando uma definição "aberta e nãofechada", diferenciando complicação

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de complexidade. Para isso eles sevalem de referencias nos campos depesquisa da matemática e da fisica,na busca de explicações para o en-tendimento da "teoria do caos". Daíbuscarem as contribuições de NeilsBohr, possibilitando a construção deuma epistemologia da complexida-de.

Partindo desse pressuposto, Mo-rin adverte que o grande desafio daatualidade reside em educar "em" e"para" a era planetária, expl icita tam-bém que a complexidade é a junçãoda simplificação e da complexidade,portanto o pensamento complexoaspira ao conhecimento multidimen-sional.

O terceiro capítulo faz referên-cia aos "desafios da era planetária(o possível despertar de uma socie-dade-mundo)", mergulha na etimo-logia da palavra "planetarização" eem seguida adentra o processo daevolução das civilizações - Mesopo-tâmia - Egito - China- América, naperspectiva de apresentar uma visãodo processo de mundialização dasidéias.

No sentido de aprofundar o pen-samento, falam da idade de ferro pla-netária, partindo do século XIX, res-saltam o imperialismo europeu e acorrida armamentista desenfreada daFrança, Alemanha, Inglaterra e Rús-sia, levantam questionamentos sobrea mundialização econômica, que sematerializou na crença de que erapreciso sacrificar tudo pelo progres-so, gerando a degradação de antigosvalores e da qualidade de vida.

Nessa perspectiva, de formabastante enfática, expõem sobre apossível emergência da sociedade,pontuam microorganismos afirmati-vos, citando como exemplo os movi-mentos sociais, fermento de uma so-ciedade que se opõe à globalizaçãounidimensional. O raciocínio dosautores aponta para o cam inho de su-peração da "poli crise" e da "agoniaplanetária" que vive a humanidade.

Propõem a sol idariedade, a consciên-cia ecológica advinda da tomada deconsciência, como fator de compre-ensão para os seres humanos acercade seu destino no planeta.

No epílogo, que denominaramde "A missão da educação para aera planetária", fazem referência àeducação como instrumento fortale-cedor das condições de possibilida-des emergenciais de uma socieda-de-mundo, atribuindo às pessoas ocomprometimento com a construçãode uma civilização global. Chegama afirmar que 'a missão da educaçãoplanetária é favorecer uma mundolo-gia da vida cotidiana'.

Finalizando, enfatizam que o ho-mem se encontra distanciado de suaessência, ou seja, vive-se a "pré-his-tória do espírito humano". Em segui-da, apontam seis eixos estratégico-diretrizes, geradores de condições dereflexão, de um repensar, reflexionarque poderão servir de instrumentosde mudança com e no meio em que osujeito está inserido.

Não há dúvida da criticidadedos autores na apreensão do educarna era planetária, sobretudo no en-tendimento do método como algoque se constrói no caminhar. Nãopropõem a eliminação da incerteza,mas, ao contrário, sugerem que sebusque compreender a contradição eo imprevisível. A ternática do livroé extremamente relevante, na medi-da em que instiga a reflexão acercada reforma do pensamento humano,fomenta o estudo do conhecimentode forma interdisciplinar no intuitode recuperar a compartimentaçãodo conhecimento fragmentado pelaciência moderna. Portanto, a leituradessa obra é de fundamental impor-tância para os educadores, educado-ras, estudantes universitários que ca-minham no sentido de redimensionaro pensar, o criar e recriar a sua práxispedagógica e cotidiana pautada nadialética e defensora da interconexãoentre as ciências.