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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO PARANÁ TACIANA REWAY ETNIA, FOLCLORE E CULTURA: UM ESTUDO SOBRE O CENTRO ESPANHOL DO PARANÁ E GRUPO GERMANICO ALTE HEIMAT. CURITIBA 2013

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO PARANÁ

TACIANA REWAY

ETNIA, FOLCLORE E CULTURA: UM ESTUDO SOBRE O CENTRO ESPANHOL DO PARANÁ E GRUPO GERMANICO ALTE HEIMAT.

CURITIBA 2013

TACIANA REWAY

ETNIA, FOLCLORE E CULTURA: UM ESTUDO SOBRE O CENTRO ESPANHOL DO PARANÁ E GRUPO GERMANICO ALTE HEIMAT.

Monografia apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Ciências Sociais, na Universidade Federal do Paraná. Orientador: Marcio de Oliveira

CURITIBA 2013

Agradeço ao meu orientador, professor e Doutor, Marcio de Oliveira, pelo apoio, paciência e por ter tornado esse trabalho possível.

As grandes amizades, sobretudo a Raysa, Tiemi, Kathe e Ander, por serem fonte de

inspiração, força e cumplicidade.

À Cristina, por ter me guiado para a realização de mais um projeto.

RESUMO O presente trabalho tem por foco os grupos folclóricos, germânico Alte Heimat e o Centro Espanhol do Paraná, que se dedicam a atividades artísticas, sobretudo a danças folclóricas ligadas a seu país de origem. Realizando uma discussão teórica com os autores: Stuart Hall, em A identidade cultural na Pós-Modernidade, sobre a configuração do sujeito pós-moderno e pelas de Fredrik Barth, através do livro Teorias da Etnicidade de Philippe Poutignat e Jocelyne Streiff-Fenart, com a questão das fronteiras dos diferentes grupos étnicos, procuro uma breve interpretação de como se situam os folcloristas em questão. Para tanto, uma parte do trabalho dedica-se a fazer uma síntese da história da imigração em Curitiba nos últimos dois séculos, visando o entendimento das transformações históricas dos grupos folclóricos neste período. Palavras-chave: Etnicidade; identidade pós-moderna; imigração; grupos folclóricos; Stuart Hall; Fredrik Barth.

SUMÁRIO

RESUMO ......................................................................................................................... 4

INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 9

1 DA ETNICIDADE ................................... ..................................................................... 11

1.1 CONCEITO ............................................................................................................................ 11

1.2 TEORIA DE FREDRIK BARTH .......................................................................................... 19

1.3 IDENTIDADE PÓS-MODERNA ......................................................................................... 23

1.3.1 Stuart Hall ........................................................................................................................... 23

1.3.2 Globalização ...................................................................................................................... 27

2 A HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO NO PARANÁ ............... ............................................... 29

3 DESCRIÇÃO DOS GRUPOS FOLCLÓRICOS ................ ........................................... 34

3.1 GRUPO FOLCLÓRICO GERMÂNICO ALTE HEIMAT .................................................. 34

3.2 CENTRO ESPANHOL DO PARANÁ ................................................................................. 43

CONCLUSÃO ......................................... ....................................................................... 49

REFERÊNCIAS ............................................................................................................. 51

ANEXO .......................................................................................................................... 52

9

1 INTRODUÇÃO

Este trabalho tem por foco os grupos folclóricos germânico e espanhol

estabelecidos em Curitiba, como demonstraremos. Tais grupos se dedicam a atividades

artísticas, sobretudo danças folclóricas, vinculadas aos seus países de origem.

A proposta do trabalho é refletir sobre a forma com que os agentes integrantes

dessas coletividades articulam elementos vinculados a um (suposto) tradicionalismo1,

de seus países de origem, ao contexto brasileiro.

Argumento que este movimento de interação entre essas duas referências (uma

exterior, advinda de outro país, e outra, construída em território brasileiro) produziriam

sentido a esses grupos, remetendo a questões como pertencimento étnico, identidade e

tradicionalismo.

Ao elaborar os espetáculos e realizar apresentações, utilizando diferentes

indumentárias, músicas “típicas” e variadas referências culturais, tais grupos

externalizariam diacríticos que demonstram seus pertencimentos. Tomo esses

espetáculos e apresentações, portanto, como eventos fundamentais para a

compreensão dos grupos que este estudo se propõe a estudar, uma vez que suas

rotinas se preocupam principalmente da preparação para tais eventos.

Através do acompanhamento das atividades desenvolvidas por esses grupos,

sobretudo os ensaios das danças folclóricas, foi possível perceber que há a

participação de pessoas não necessariamente descendentes dos imigrantes em

questão. Isto levou à seguinte indagação: qual é o processo que leva esses coletivos

que se identificam como representantes da cultura de grupos imigrantes, também

estarem abertos para receber pessoas de outras origens? Ou mesmo, como podem

pessoas de outros pertencimentos étnicos integrarem grupos folclóricos germânico ou

espanhol? E qual a importância da dimensão artística e cultural neste processo de

afirmação étnica?

1 Aqui, utilizo a ideia de um “suposto” tradicionalismo não no sentido de questionar sua existência, mas justamente em função deste trabalho dedicar-se à investigação de diferentes idéias de tradição vigentes em tal contexto.

10

No sentido de responder tais questões o primeiro capítulo irá apresentar as

abordagens de Barth quanto à dimensão étnica e Stuart Hall2 a respeito das novas

identidades étnicas típicas da pós-modernidade.

No segundo capítulo investigarei as narrativas sobre a composição étnica do

Estado do Paraná, tomando basicamente uma bibliografia escrita entorno da idéia de

um “Paraná de todas as gentes”. Tal perspectiva aborda a composição pluriétnica do

Estado como se fosse um “mosaico de culturas” – todas as diferentes nacionalidades

parecem ser assentadas no mapa do Paraná e tomadas como igualmente participantes

do processo de constituição do Estado.

Através da análise dessas narrativas busco pensá-las como constitutivas da

forma como as pessoas integrantes dos grupos folclóricos se pensam e constroem seus

pertencimentos.

Paralelamente, é possível destacar que essas diferentes histórias de imigração

passaram por um processo de legitimação por parte do poder público que, durante

anos, construiu em diferentes gestões marcos que remetem a uma composição

pluriétnica do Estado.

Pode-se notar, na cidade, diversos elementos que refletem este processo, como

a Praça da Espanha, Praça do Japão, Bosque do Alemão, Bosque do Papa, Memorial

Ucraniano, Bosque São Cristóvão, Praça da França, festival de etnias do Teatro Guaíra,

Festa da Uva, Festa do Frango e da Polenta, Festival Matsuri, etc.

Atualmente os principais cartões postais de Curitiba são parques ou edificações

que homenageiam diferentes nacionalidades – o que demonstra como a memória da

imigração ainda se faz bastante presente entre os curitibanos.

O último capítulo deste trabalho será dedicado à descrição das atividades dos

dois grupos folclóricos pesquisados. O objetivo é tentar compreender como os agentes

se articulam frente às questões propostas tanto na revisão bibliográfica realizada no

primeiro capítulo, quanto na retrospectiva histórica do segundo.

Para tanto, foi realizado um trabalho de campo concentrado em entrevistas

realizadas com membros dos três grupos, e na observação de atividades cotidianas, tal

como os ensaios e a preparação para os espetáculos. Ao descrever tais grupos, tenho

2 HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade . 11. ed. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2006.

11

como objetivo pensar como identidades “globais3” são produzidas localmente, nas

práticas cotidianas de diferentes pessoas.

2 DA ETNICIDADE

2.1 CONCEITO

O conceito de etnicidade possui significados variáveis, que se alteram de acordo

com os diferentes momentos e fenômenos em que é estudado. Enquanto na década de

40 tal conceito era utilizado para se referir a um sentimento de pertencimento ao grupo

anglo-americano, por exemplo, na literatura científica de língua francesa, ele era usado

em estudos acerca da imigração, racismo, nacionalismo e violência urbana.

Gordon e Wallerstein foram os primeiros a utilizarem o termo para além da

questão do pertencimento étnico propriamente dito, usaram em relação aos

sentimentos que lhes são atrelados4. De acordo com os Hugues, o termo apresenta um

cunho etnocêntrico, que revela, em primeiro lugar, “o poder de nomear”5. Segundo

Brass, a “comunidade étnica é uma forma alternativa de organização de classe, e a

etnicidade é uma forma de identificação alternativa da consciência de classe”6.

Nesse contexto, a obra7 aponta para a existência de dois grupos distintos:

objetivistas e subjetivistas. As concepções objetivistas atribuem a identidade a questões

biológicas do indivíduo, inerentes a características genéticas. Logo, o sujeito teria um

vínculo ingênito com seu grupo étnico. Tal vínculo se expressaria por meio de

3 Conforme Stuart Hall, a identidade global deve ser compreendida como uma suposta unidade das culturas nacionais. Essa identidade, produto de uma cultura globalizante, acaba por despertar interesse no local, na diferença e na alteridade. (HALL, 2006, p. 77) 4 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade . 1. ed. São Paulo: Editora da UNESP, 1997. p. 24. 5 Ibid., 1997. p. 22. 6 Ibid., 1997. p. 26. 7 Ibid., 1997.

12

características físicas e psicológicas do indivíduo que o ligariam a um grupo étnico

original.

As concepções objetivistas também consideram a determinação hereditária

cultural sobre o indivíduo. A identidade étnica também seria resultado da interiorização

da cultura na qual o indivíduo se socializou. Logo, para se definir a identidade do

indivíduo, considera-se como fundamental os atributos físicos e culturais, que devem

ser entendidos como os indicadores da identidade étnica. Assim, o pertencimento de

uma pessoa se dá por meio de sua aparência, idioma, religião, costumes, o lugar onde

vive, etc.

Já as concepções subjetivas de identificação étnica sugerem que os critérios que

identificam a identidade não devem ser pautados em dimensões atributivas, visíveis e

definitivas.

A identidade étnica estaria fundamentalmente baseada em um sentimento de

vinculação por ideais e, em razão disso, apresentaria um caráter variável, podendo ser

criada, alterada e eliminada independentemente de processos sociais históricos

específicos.

O entendimento majoritário é de que a etnicidade é um fenômeno universalmente

moderno: trata-se de um produto do desenvolvimento econômico, da expansão

industrial capitalista e da formação dos Estados-nações. O momento atual é

caracterizado pelo nacionalismo étnico e pelo racismo, distanciando-se, assim, da

uniformização e do individualismo.

Esse momento está diretamente relacionado à atual condição tecnológica, que

atua como uma facilitadora na comunicação do mundo moderno, propiciando a difusão

da universalização dos sentimentos nacionalistas e étnicos. Dessa forma, o aumento

dos contatos ligado à modernização favorece a emergência das identidades

particularistas.

Entretanto, para outros autores, como Glazer e Moynihan8, a etnicidade não é

um fenômeno novo, apenas não foi estudada e apontada por estudiosos de outras

épocas. Exemplo disso é a tese desenvolvida pelos teóricos da modernização de que

8 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne, 1997. p. 29.

13

as ligações tribais e formas sociais tradicionais eram apenas arcaísmos ou obstáculos

para a planificação social, o que indica a presença do fenômeno em tempos pretéritos.

Frequentemente se define unidade cultural a partir dos seguintes parâmetros:

língua, independência econômica, o etnômico, a organização política, a contiguidade

territorial - e eles se combinam de forma diversa de acordo com os autores.

A Cult-unit, de Naroll, é definida como uma população que compartilha um

mesmo território, que utiliza uma mesma língua (ou dialetos mutuamente

compreensíveis) na esfera doméstica e que pertence ou ao mesmo Estado ou ao

mesmo contact group9. Contudo, essa concepção apresenta algumas ingenuidades. A

primeira é acreditar que unidade étnica pode ser determinada por uma linha de traços. A

segunda é a de acreditar que o isolamento geográfico e social esteja na base na

diversidade étnica.

Barth diz que as fronteiras étnicas perduram apesar do fluxo das pessoas que as

atravessam e que as relações frequentemente de uma importância vital são mantidas

através dessas fronteiras10. A interpenetração e a interdependência entre os grupos não

devem ser vistas como dispersões das identidades étnicas, mas como as condições de

sua perpetuação.

Para o autor, grupo étnico não é caracterizado pelos seus conteúdos culturais,

mas sim pelas categorias de pertencimento, sendo fundamental a investigação das

relações, limites ou fronteiras de diferenciação que os grupos étnicos estabelecerem

para com os outros grupos, mantendo diferenças.

Por fim, é equivocado acreditar que um rótulo étnico, modo de vida e grupo real

de pessoas se equivalem, uma vez que a análise da relação problemática entre esses

três elementos deve ser o objeto de estudo do etnólogo.

A maioria dos autores interpreta o renascimento étnico como uma resposta às

disfunções das sociedades modernas. O grupo étnico, mais que qualquer outro tipo de

agrupamento informal, representaria um natídoto para as tensões criadas pela ausência

de correspondência entre pessoa e papel ou para despersonalização e desumanização

do vínculo social na sociedade de massa.

9 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne, 1997, p. 59. 10 Ibid., p. 62.

14

Segundo Parsons, a intensificação desta forma de "grupismo" deve ser

interpretada como uma reação à desorganização social e preenche, assim, uma função

positiva de reintegração dos indivíduos em unidades menos anômicas e alienantes que

a sociedade global11.

Para outros autores, o que é preciso explicar não é manutenção dos vínculos

étnicos, mas o processo de etnicização dos imigrados, isto é, a passagem dos

imigrados para os grupos étnicos.

Sarna identifica a ação mútua de dois fatores: de um lado a uniformização de

grupos que se identificavam até então em bases locais ou aldeãs em coletividades

definidas pela pertença nacional, o efeito de atribuição pelos nativos de uma identidade

globalizante; por outro lado o efeito da hostilidade e dos preconceitos que obrigam aos

imigrados a aceitar tal atribuição e reconhecer-se como membros do grupo mais amplo

assim definido, para defender-se coletivamente da adversidade.

As subculturas étnicas são formas particulares de comunidade que se

desenvolvem quando restrições quanto ao emprego, à residência, e à afiliação

institucional são impostas a indivíduos que podem vangloriar-se de uma herança

cultural comum. A etnicidade contemporânea não deve, portanto, ser analisada como a

marca de uma herança tradicional, mas, ao contrário, como uma resposta a

necessidades de organização nascidas da situação atual dos imigrados na sociedade

americana (Sarna,1978; Nelli,1970; Yancey et al,1976).

A etnicidade define ao mesmo tempo o contexto no qual emerge como contexto

pluriétnico. Ao contrário da antiga concepção do grupo étnico como isolado, as teorias

da etnicidade afirmam que o grupo étnico não pode se tornar uma categoria pertinente

de agrupamento humano senão nas situações plurais. Em consequência, a análise se

desloca do conteúdo cultural do grupo étnico para a análise da emergência e da

manutenção das categorias étnicas tais como elas se constroem nas relações

intergrupos.

A ilusão culturalista é denunciada nos mesmos termos pelos sociólogos

americanos e pelos antropólogos de sociedades exóticas. Enquanto os primeiros

11 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne, 1997, p. 70.

15

descobrem que a etnicidade simbólica dos descendentes dos imigrados tem apenas

uma relação distante com a cultura tradicional do grupo étnico do qual se orgulham, os

africanistas colocam em evidência que aquilo que se denomina "tribalismo", longe de

ser o resultado de um conservadorismo cultural, consiste essencialmente em uma

utilização estratégica de símbolos tradicionais que implica uma total reorganização das

relações e dos costumes tribais.

As definições dos grupos étnicos que agora tem autoridade referem-se

explicitamente à antiga "concepção francesa" da etnia, colocando assim o foco na

dimensão intelectual e subjetiva do grupo étnico. De Vos define-o como "um grupo que

se percebe como unido por um conjunto de tradições de que seus vizinhos não

compartilham e cujos membros utilizam subjetivamente de maneira simbólica ou

emblemática aspectos de sua cultura, de modo a se diferenciar dos outros grupos" (De

Vos, 1975, p.9)

De maneira geral, as teorias da etnicidade acentuam o fato que o Nós constrói-

se em oposição ao Eles. A afirmação de Murphy (1964), segundo a qual a pertença de

um grupo implica a existência de uma categoria de excluídos, é desde então

amplamente compartilhada por todos os pesquisadores.

Este aspecto relacional é fundamental nas teorias interacionistas, mas é também

fortemente afirmado nas abordagens mobilizacionistas em razão da importância central

que elas atribuem à competição e ao conflito étnico: a etnicidade não se manifesta nas

condições de isolamento, é, ao contrário, a intensificação das interações características

do mundo moderno e do universo urbano que torna salientes as identidades étnicas.

Logo, não é a diferença cultural que está na origem da etnicidade, mas a

comunicação cultural que permite estabelecer fronteiras entre os grupos por meio dos

símbolos simultaneamente compreensíveis pelos insiders e pelos outsiders. O aspecto

relacional das identidades étnicas implica igualmente que a identidade étnica só pode

existir como "representação forçosamente consciente em um campo semântico onde

funcionam sistemas de oposição" (Oriol, 1986).

A etnicidade não se define como uma qualidade ou propriedade ligada de

maneira inerente a um determinado tipo de indivíduos ou de grupos, mas como uma

forma de organização ou um princípio de divisão do mundo social cuja importância

16

pode variar de acordo com as épocas e as situações.

O debate acerca da etnicidade como fenômeno político versus a etnicidade como

processo simbólico põe os autores que atribuem a primazia a explicações da etnicidade

em termos de relações de classe, de estatuto de poder, e aqueles para os quais é a

construção simbólica da distinção cultural que fornece a base conceptual da etnicidade.

Nos dois casos é uma construção social da pertença, situacionalmente

determinada e manipulada pelos atores; o desacordo recai na natureza da

"necessidade" ou dos motivos que levam os grupos a se distinguir uns dos outros e

organizar suas relações sociais baseadas nestas distinções. Para uns, as necessidades

subjacentes à definição das identidades étnicas são materiais (atingir o poder ou

conseguir bens raros, estando os dois objetivos o mais da vezes ligados). Para outros,

eles correspondem à necessidade de organizar de modo significativo o mundo social.

Para as teorias mobilizacionistas, a questão é saber por que as pessoas

escolhem traços étnicos para organizar a competição e o conflito social, econômico e

político. O que é principal e o objeto de análise é a realidade do conflito, sendo a

etnicidade apenas uma variável do comportamento político. Nas abordagens ditas

"culturais", a diferenciação e a identificação étnicas são colocadas como dados

primários que são o objeto da análise. A questão é, antes, a de saber como tais

processos de diferenciação e de identificação funcionam do que a saber em quais

finalidades externas são eles mobilizados.

O que deriva do domínio da etnicidade não são diferenças culturais

empiricamente observadas, mas as condições nas quais certas diferenças culturais são

utilizadas como símbolos da diferenciação entre in-group e out-group. A etnicidade não

é vazia de conteúdo cultural, mas ela nunca é também a simples expressão de uma

cultura já pronta. Ela implica sempre um processo de seleção de traços culturais dos

quais os atores se apoderam para transformá-los em critérios de consignação ou de

identificação com um grupo étnico.

Seria conveniente, em outras palavras, colocar limites ao situacionalismo e

reconhecer que as definições étnicas não são totalmente arbitrárias e aleatórias. Um

dos lances do debate atual torna-se então a reintrodução do conteúdo nas teorias da

etnicidade, sem reintroduzir o substancialismo das teorias anteriores, ou, para retomar

17

os termos de Wilson (1993) ultrapassar o dualismo estéril entre o essencialismo cultural

do primordialismo e o formalismo relacional de Barth.

Porém, o quadro de análise proposto por Barth não leva a encarar os membros

dos grupos étnicos como frios estrategistas determinados unicamente pela realização

de seus interesses materiais, ou como atores criando e recriando ao sabor das

situações de interação das culturas indefinidamente maleáveis e manipuláveis. Os

valores culturais comuns ocupam, ao contrário, um lugar importante em sua teoria, não

porque definam substancialmente entidades étnicas, mas porque coagem

situacionalmente os papéis e as interações étnicas.

Outro aspecto que merece destaque é a coação versus opção. A oposição recai

no grau de liberdade que se atribui aos atores na determinação de seus papéis e

estatutos étnicos. Nos dois pólos extremos dessa oposição, encontramos de um lado os

autores que desenvolvem abordagem de tipo marxista, do outro aqueles protestam

contra o individualismo metodológico. Os primeiros insistem na lógica de dominação

que coage o individuo participante dos grupos dominados a assumir, de boa vontade ou

à força, uma identidade importa. Os segundos realçam fortemente o aspecto opcional

das identidades étnicas: Patterson define assim a etnicidade como "a condição na qual

determinados membros de uma sociedade, em um contexto social dado, escolhem

realçar determinados traços culturais, nacionais ou somáticos, como base de sua

identidade... a mais significativa" (Patterson,1975, p. 308)

Quanto à perenidade versus contingência, seria a etnicidade uma forma possível

de identificação, entre outras, cuja emergência varia de acordo com os contextos e os

períodos históricos, ou seriam um dado irredutível do comportamento humano? Por

que, perguntam Molohon et al, os seres humanos trabalham de forma tão obstinada

para construir fronteiras étnicas e para defender as identidades definidas por tais

fronteiras, apesar do custo manifesto de tais atividades? Por que consagram a isso

tanto tempo e esforços, como se se tratasse de uma finalidade em si, sem correlação

clara com a adaptação e a sobrevivência? Para as teorias mobilizacionistas,

reivindicações implicam sempre em interesses matérias subjacentes. As teorias do

grupo de interesse implicam todas, de modo implícito ou explícito, que, sendo a

etnicidade uma função da desigual distribuição de recursos entre os grupos, suas

18

manifestações são, consequentemente, levadas ao desaparecimento com uma

organização social mais igualitária. "O conflito étnico, afirma Brass, é, como qualquer

outra forma de conflito, habitualmente baseado na raridade dos bens e na ameaça

contra o bem-estar das pessoas. A redução desta raridade e destas ameaças pode

assim reduzir ou suprimir os conflitos étnicos" (1976, p. 234).

Os autores veem na etnicidade uma resposta ao racismo e à exclusão social. A

emergência, a manutenção ou o desaparecimento dos grupos étnicos dependeria

então, em parte, das políticas sociais encetadas para lutar contra a marginalidade e a

desigual distribuição dos recursos. As manifestações identitárias das segundas

gerações foram analisadas especialmente como um produto do desnível entre uma

assimilação cultural e uma não integração social. A etnicidade seria uma reação à

frustração de aspirações induzidas pela interiorização das normas de sucesso social da

sociedade de acolhimento. Contudo, tais teses são contraditas por numerosas

observações conformes com a lei de Hansen, para quem é o contrário, ou seja, porque

atingiram posições seguras é que os membros da terceira geração podem dar-se ao

luxo da etnicidade.

A etnicidade, como o totemismo, é uma classificação subjetiva do mundo em

entidades sociais estabelecidas segundo diferenças culturais. Mas, de modo contrário

ao totemismo, ela implica a aceitação estereotipada desses agrupamentos em nichos

no interior da divisão social do trabalho. Para o conjunto desses autores, o que é

universal e sem dúvida primordial é a atividade classificatória como condição

necessária da existência social, e não as características historicamente variáveis das

identidades étnicas.

A.D.Smith recusa esse caráter "natural' ou "inato", mas também contesta a ideia

disseminada segundo a qual ela representaria um fenômeno específico da época

moderna.

A etnicidade é simultaneamente perene e contigente: perene, já que representa

um dado subjacente, sempre suscetível de ser ativado e mobilizado; contigente, já que

as condições e as formas de sua emergência são historicamente determinadas.

Há que convir com Barth que a etnicidade é uma forma de organização social,

baseada na atribuição categorial que classifica as pessoas em função de sua origem

19

suposta, que se acha validada na interação social pela ativação de signos culturais

socialmente diferenciadores. Esta definição mínima é suficiente para circunscrever o

campo de pesquisa designado pelo conceito de etnicidade: aquele do estudo dos

processos variáveis e nunca terminados pelos quais os atores identificam-se e são

identificados pelo outros na base de dicotomizações Nós/Eles, estabelecidas a partir de

traços culturais que se supõem derivados de uma origem comum e realçados nas

interações raciais.

Quanto mais forte é a denominação (o pólo máximo sendo a situação da

escravidão), mais as pessoas às quais se aplica a exo-definição são coagidas a retomá-

la por sua conta. Mas ali onde se restabelece o jogo dialético entre exo- e endo-

definições é que não a retomam nunca tal qual, mas transformam-na identificando-se

com ela. Definições como afro-descentes, pan-asiáticos são o exemplo desta nova

identificação assumida retomada por sua conta o critério globalizante imposto pela exo-

definição, mas retoma sob a forma de uma endo-definição, e retoma por sua conta o

critério racial, mas invertendo o valor atribuído à cor: os militantes pan-asiático definem-

se por "abelhas"( por causa do amarelo).Os exemplos mostram que, se no estudo de

uma situação interétnica, é sempre importante, como o recomendavam os Hugues, que

se pergunte: "quem tem o poder de nomear?", o jogo complexo da rotulação étnica

nunca se resume a uma pura imposição de identidade de dominante e dominado. Os

próprios dominantes retomam por vezes os nomes que lhes são atribuídos pelo

dominados.

2.2 TEORIA DE FREDERIC BARTH

A noção de ethnic boundary, elaborada por Barth, marcou uma virada importante

na conceptualização dos grupos étnicos e representa um elemento central da

compreensão dos fenômenos de etnicidade. Para que a noção de grupo étnico tenha

sentido, é preciso que os atores possam se dar conta das fronteiras que marcam o

sistema social ao qual acham que pertencem e para além dos quais eles identificam

20

outros atores implicados em outro sistema social. Ela só pode ser concebida pela

fronteira nós/eles, em contato ou confrontação, ou pro contraste.

Mas o caráter inovador da noção de ethnic boundary liga-se à ideia de que são

em realidade tais fronteiras étnicas e não o conteúdo cultural interno que definem o

grupo étnico e permite que se dê conta de sua persistência. Na concepção barthiana a

manutenção das fronteiras étnicas necessita da organização das trocas entre os grupos

e da ativação de uma série de proscrições e de prescrições regendo suas interações.

No decorrer do tempo, as fronteiras étnicas podem manter-se, reforçar-se,

apagar-se ou desaparecer. Elas podem se tornar mais flexíveis ou mais rígidas. As

fronteiras étnicas não representam barreiras. Elas nunca são conclusivas, e sim mais

ou menos fluidas, moventes e permeáveis.

A manutenção das fronteiras entre grupos étnicos não depende da permanência

de suas culturas. Como diz Francis: "um grupo étnico pode modificar e substituir sua

cultura sem perder sua identidade"12. Mas é Barth que se reserva o mérito de haver

tirado disso todas as implicações teóricas, especialmente a de atribuir a precedência

analítica ao estabelecimento e à manutenção das fronteiras étnicas mais que os traços

culturais característicos deste ou daquele grupo. A força de uma fronteira étnica pode

continuar constante através dos tempos, apesar de - e às vezes mediante -

transformações culturais internas ou mudança na natureza exata da própria fronteira.

As fronteiras étnicas são produzidas e reproduzidas pelo atores no decorrer das

interações sociais. A cooperação dos membros para a manutenção das fronteiras é uma

condição necessária da etnicidade, ela pode até constituir em certos casos o critério

essencial do memberchip. Como acentua Barth, a pressão exercida no interior de um

grupo para a manutenção ativa da fronteira é máxima nas situações políticas em que a

violência e a insegurança dominam as relações interétnicas.

Estas fronteiras são manipuláveis pelos atores. Elas se estendem ou se

contraem em função da escala de inclusividade na qual se situam e da pertinência,

localmente situada de estabelecer uma distinção entre nós e eles. Os grupos étnicos diz

Keyes, são estruturados segundo hierarquias segmentárias, cada segmento mais

inclusivo unindo grupos étnicos que eram contrastado em um outro nível.

12 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne, 1997, p. 156.

21

Por outro lado, a manipulação dos limites étnicos pode remeter a uma relação de

forças entre diferentes componentes de um grupo étnico. De modo geral, importa

reconhecer que, qualquer que seja o grupo considerado, a questão de saber o que

significa ser membro do grupo nunca se torna objeto de consenso, e que as definições

de pertença estão sempre sujeitas à contestação e à redefinição por parte dos

segmentos diferentes do grupo.

Considera-se habitualmente que os grupos étnicos (como as castas) distinguem-

se de outros grupos organizados (grupos religiosos ou as classes sociais) por seu modo

de recrutamento, que se realiza sob o princípio do nascimento. Mas, como observa

Horowits (1975), o princípio do nascimento baseia-se em grande parte na ficção e tolera

as exceções.

Para os descendentes dos imigrados e os povos em diáspora, o território de

origem constitui um recurso sempre disponível, mesmo quando as semelhanças

culturais e linguísticas já se apagaram.

Os grupos étnicos se não representam realidades substanciais existentes desde

sempre, não se formam e não se mantém a não ser atribuindo-se a história

sedimentada.

O dilema desaparecerá se reconhecermos nos grupos étnicos a capacidade de

manter sua identidade não sob a forma de uma substância imutável, mas sob a forma

de uma "fidelidade criadora em relação aos acontecimentos fundadores que os

instauram no tempo" (Ricoeur, 1992). Que uma identidade étnica seja sempre de um

certo modo criada ou inventada, não implica por isso que seja inautêntica ou que os

atores que a reivindicam possam ser taxados de má fé.

A memória histórica sobre a qual um grupo baseia sua identidade presente pode

nutrir-se de lembranças de um passado prestigioso ou ser apenas a da dominação e do

sofrimento compartilhados. A história comum pode ser puramente ficcional e invocada

ou esquecida de acordo com as circunstâncias.

A noção de realce foi proposta pela corrente situacionalista. Ela exprime a ideia

de que a etnicidade é um modo de identificação em meio a possíveis outros: ela não

remete a uma essência que se possua, mas a um conjunto de recursos disponíveis

para a ação social. De acordo com as situações nas quais ele se localiza e as pessoas

22

com quem interage, um indivíduo poderá assumir uma ou outra das identidades que

lhes são disponíveis, pois o contexto particular no qual ele se encontra determina as

identidades e as fidelidades apropriadas num dado momento. Em determinadas

situações, a etnicidade é um fator pertinente que influencia a interação, em outras

situações a interação é organizada de acordo com outros atributos, como classe, a

religião, o sexo, etc.

A etnicidade pode igualmente ser realçada por meio de todos os signos visíveis

(comportamento, vestuário, etc) que podem ser mobilizados e selecionados para

tipificar um grupo social ou utilizados para representar um Eu étnico específico. As

características distintivas que Weber denominava de "reflexos externos" (a maneira de

usar a barba, o penteado, a vestimenta) prestam-se particularmente para a "afixação"

pública de uma identidade reivindicada, porque elas possuem a dupla característica de

ser manipuláveis à vontade e facilmente decifráveis como símbolos de pertença.

De acordo com Lyman e Douglass, os traços étnicos nunca são evocados,

atribuídos ou exibidos por acaso, mas manipulado estrategicamente pelos atores, como

elemento de estratagema, no decurso das interações sociais, por exemplo, para

exprimir solidariedade ou a distância social, ou para as vantagens imediatas de que o

ator espera obter pela apresentação de uma identidade étnica particular13.

O domínio do realce de uma identidade étnica é delimitado pelas múltiplas fontes

dos estereótipos pelo quais os membros de uma sociedade definem as pessoas e as

situações. Na medida em que numa sociedade pluralista, os indivíduos conhecem a

existência e o conteúdo dos estereótipos que os outsiders têm sobre eles, orientam-se

nesse mundo de estereotipia tentando afastar os realces que lhe são perigosos e

promover aqueles que são vantajosos.

13 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne, 1997, p. 116.

23

2.3 IDENTIDADE PÓS-MODERNA

2.3.1 Stuart Hall

O livro “A identidade cultural na pós-modernidade” de Stuart Hall propõe-se a

explorar certas questões sobre identidade na modernidade tardia e verificar se existe

uma “crise de identidade” e perceber de forma ela é presente nos dias de hoje.

O autor propõe uma posição basicamente simpática à afirmação de que as

identidades modernas estão sendo ‘ descentradas’, isto é, deslocadas ou fragmentadas.

Seu propósito é o de explorar esta afirmação, ver o que ela implica, qualificá-la e

discutir quais podem ser suas prováveis consequências”.

Segundo Mercer,

“A identidade somente se torna uma questão quando está em crise, quando algo que se supõe como fixo, coerente e estável é deslocado pela experiência da dúvida e incerteza (Mercer,1990, p. 43).”

Para tanto, decorro rapidamente os três modelos históricos proposto pelo autor,

que são respectivamente: Sujeito do Iluminismo; Sujeito sociológico e Sujeito pós-

moderno.

O sujeito do Iluminismo é aquele que é centrado, dotado de razão, de

consciência e de ação, cujo “centro” consistia num núcleo interior, que acompanha o

sujeito por toda sua vida, permanecendo essencialmente o mesmo. O sujeito do

Iluminismo é individualista, masculino.

A noção de sujeito sociológico advém da consciência de que o sujeito não é

autônomo e auto-suficiente, mas sim formado na relação com outras pessoas com

quem se relaciona , que mediam para o sujeito os valores, símbolos, sentidos do mundo

do qual pertence. Ou seja, o sujeito se dá pela “interação” entre o eu e a sociedade.

Existe um eu real, mas que se modifica e se forma continuamente no diálogo como os

24

mundos e identidades exteriores.

Nesta concepção, a identidade localiza-se entre o espaço “interior” e “exterior”,

entre o mundo pessoal e o público. Alinhamos sentimentos objetivos com lugares

objetivos que ocupamos no mundo social e cultural. “A identidade, então, costura (ou,

para usar uma metáfora médica, “sutura”) o sujeito à estrutura”.14

Porém o que se argumenta é que esses mundos estão mudando, portanto, o

sujeito que tinha uma identidade unificada e estável está se tornando fragmentado,

composto de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não-resolvidas, de

forma que o nosso processo de identificação tornou-se provisório, variável e

problemático.

É neste contexto que surge o sujeito pós-moderno: que não tem identidade

permanente, fixa e essencial. Ela é “formada e transformada continuamente em relação

às formas pelas quais somos representados ou interpelados nos sistemas culturais que

nos rodeiam (Hall,1987).” Sendo assim, o sujeito assume diversas identidades em

diferentes momentos e se sentimos que temos uma identidade unificada do nascimento

à morte é porque construímos uma estória, uma “narrativa do eu”.

Outro aspecto da modernidade tardia é a globalização e seu impacto na

identidade cultural. O caráter da modernidade tardia segundo Marx:

“é o permanente revolucionar da produção, o abalar ininterrupto de todas as condições sociais, a incerteza e o movimento eternos...Todas as relações fixas e congeladas, com seu cortejo de vetustas representações e concepções, são dissolvidas, todas as relações recém-formadas envelhecem antes de poderem ossificar-se. Tudo que é sólido se desmancha no ar [...]” (Marx e Engels, 1973, p. 70).

Como Giddens argumenta: nas sociedades tradicionais, o passado é venerado e

os símbolos são valorizados porque contêm e perpetuam a experiência das gerações. A

tradição é um meio de lidar com o tempo e o espaço, inserindo qualquer atividade ou

experiência particular na continuidade do passado, presente e futuro, os quais, por sua

vez, são estruturados por práticas sociais recorrentes.” (Giddens,1990 p. 37-38).

Já na modernidade as práticas sociais são constantemente examinadas e

14 HALL, 2006. p. 12.

25

reformadas, de forma que seu caráter se transforma continuamente. E também, como

observa Giddens, sempre que áreas diferentes do globo se conectam, estas são

afetadas por uma onda virtual de transformação social. (Giddens, 1990, p. 6).

Pela psicanálise, a identidade é algo que se forma no decorrer do tempo através

de processos inconscientes, e não inato, presente desde o nascimento. A identidade

tem algo de “imaginado” ou fantasiado, sobre a sua unidade. Ela não é cristalizada, ela

está sempre em processo de formação.

É na década de 70, mais especificamente os movimentos associados a 1968,

que se constituiu o nascimento histórico da política de identidade. Esses movimentos

entram contra a política liberal capitalista do Ocidente quanto à política “estalinista” do

Oriente, admitiam dimensões tanto subjetivas quanto objetivas da política, ênfase e

forma cultural fortes (alinhamento com as artes) e enfim, cada movimento apelava para

a identidade social dos seus sustentadores.

Quanto ao conceito de sujeito, o feminismo questionou a clássica distinção entre

o “dentro” e o “fora”, o “privado” e o “público”, tendo seu slogan como: “o pessoal é

político”. Politizou a subjetividade, a identidade e o processo de identificação como

mulheres/ homens, mães/ pais, filhos/filhas, etc. O movimento foi a porta de entrada

para a inclusão de movimentos sobre a formação das identidades sexuais e de gênero.

Passando dos conceitos de sujeito e identidade na pós-modernidade, atentamo-

nos para a questão de como este sujeito fragmentado é colocado em termos de suas

identidades culturais. No mundo moderno, uma das mais fortes e influentes formas de

identidade cultural é a identidade nacional. E essas identidades não são coisas com as

quais nascemos, mas são formadas e transformadas no interior da representação. Uma

nação é uma comunidade simbólica que tem poder de gerar sentimento de identidade e

lealdade (Schwarz, 1986, p.106).

As culturais nacionais, ao produzir sentidos sobre “a nação”, sentidos com os

quais podemos nos identificar, constroem identidades. Esses sentidos advém de

estórias e memórias contadas sobre a nação que conectem o presente ao passado, ou

seja, como diria Benedict Anderson (1983): a identidade nacional é uma comunidade

imaginada.

O conceito de mundos imaginados surge na obra de Appadurai inspirado por

26

Benedict Anderson e sua publicação Comunidades Imaginadas (1983). Segundo

Anderson, a imaginação, em uma situação de desenraizamento (como nas imigrações,

migrações e situações de refugiados) criaria elos entre as pessoas, fazendo com que

elas, conjuntamente, se pensassem enquanto parte de uma comunidade maior. No

entanto, tal comunidade, por ser uma projeção, não possuiria experiência diária, porém,

seria passível de criar, por parte dos indivíduos, um imaginário sobre como viriam a ser

comportamentos e características da experiência concreta. Paralelamente, o imaginário,

a partir de tais perspectivas, sairia do âmbito subjetivo dos sujeitos e passaria a atuar

na vida cotidiana das pessoas ao idealizarem a realidade de suas comunidades

imaginadas.

Primeiramente, a narrativa da nação é contada e recontada nas histórias e nas

literaturas nacionais, na mídia e na cultural popular (através de estórias, imagens,

cenários, eventos, etc). Em segundo lugar, atribui-se ênfase nas origens, na

continuidade, na tradição e na intemporalidade. A identidade nacional fica, então,

imaculada como primordial; “está lá, na verdadeira natureza das coisas”. Como se o

país estivesse lá desde o nascimento, unificado, contínuo e imutável ao longo de todas

mudanças, eterno.

Outra estratégia discursiva é aquela descrita por Hobsbawn e Ranger, a invenção

das tradições:

Tradiçao inventada significa um conjunto de práticas [...], de natureza ritual ou simbólica, que buscam inculcar certos valores e normas de comportamento através da repetição, a qual, automaticamente, implica continuidade com um passado histórico adequado, por exemplo, nada parece mais antigo e vinculado ao passado imemorial do que a pompa que rodeia a monarquia britânica e suas manifestações cerimoniais públicas. No entanto [...], na sua forma moderna, ela é o produto do final do século XIX e XX” (Hobsbawn e Ranger, 1983, p.1).

Muitas vezes as culturas nacionais são tentadas a se voltarem a um suposto

passado onde o país era ‘grande”, ou seja, tentam restaurar identidades passadas. E

freqüentemente esse retorno ao passado oculta uma luta para mobilizar as “pessoas”

para que expulsem “os outros” que ameaçam sua identidade e para que se preparem

para uma nova marcha para frente.

Para Ernest Renan três aspectos caracterizam o principio espiritual da unidade

27

de uma nação: “(...) a posse em comum de um rico legado de memórias (...),o desejo

de viver em conjunto e a vontade de perpetuar, de alguma forma indivisiva, a herança

que se recebeu” (Renan,1990, p.19). As palavras-chaves seriam então: memórias,

desejo e herança.

Como aponta Timothy Brennan a palavra nação faz refere-se “tanto ao moderno

estado-nação quanto a algo mais antigo e nebuloso – a natio – uma comunidade local,

um domicílio, uma condição de pertencimento” (Brennan, 1990, p. 45). As identidades

nacionais representam precisamente o resultado da reunião dessas duas metades da

equação nacional – oferecendo tanto a condição de membro do estado-nação político

quanto uma identificação com a cultura nacional: “tornar a cultura e a esfera política

congruentes”. Existe um impulso para a unificação.

Para Stuart Hall a cultura nacional não se trata simplesmente de um ponto de

lealdade e identificação simbólica, mas uma estrutura de poder cultural. As culturas

nacionais seriam um dispositivo discursivo em que representa a diferença como

unidade ou identidade. Porém, ao que todos sabemos, a Europa Ocidental é constituída

de nações modernas, que são, por excelência, híbridos culturais.

2.3.2 Globalização

Pretendo agora adentrar na questão da globalização, já que anteriormente foi

questionada a suposta homogeneidade e unidade das culturais nacionais que são as

mais poderosas formas de identificação cultural do século XX.

De acordo com Stuart Hall,

“A globalização se refere àqueles processos, atuantes numa escala global,que atravessam fronteiras nacionais, integrando e conectando comunidades e organizações em novas combinações de espaço-tempo, tornando o mundo, em realidade e em experiência, mais interconectado”.

Como alerta Giddens (1990, p. 64): “a modernidade é inerentemente

28

globalizante”, portanto a globalização não é um fenômeno tão recente quanto

poderíamos pressupor. Pois o capitalismo foi elemento da economia mundial e não dos

estados-nações, prova disso é que o capital nunca permitiu que suas fronteiras fossem

nacionais. Entretanto, é difícil se opor à realidade de que foi nos anos 70 que este

processo teve uma forte aceleração, que acelerou os fluxos e os laços entre as nações.

Hoje, esses fluxos culturais entre as nações e o consumismo global criam

possibilidades de identidades partilhadas “como consumidores para os mesmos bens,

clientes para os mesmo serviços, publico para as mesmas mensagens e imagens”

mesmo que as pessoas estejam bastante distantes umas das outras no espaço e no

tempo.

Segundo o autor,

[...] quanto mais a vida social se torna mediada pelo mercado global de estilos, lugares e imagens, pelas viagens internacionais, pelas imagens da mídia e pelos sistemas de comunicação globalmente interligados, mais as identidades se tornam desvinculadas – desalojadas – de tempos, lugares, histórias e tradições específicos e parecem flutuar livremente [...] No interior do discurso do consumismo global, as diferenças e as distinções culturais, que até então definiam identidade, ficam reduzidas a uma espécie de língua franca internacional ou de moeda global, em termos das quais todas tradições específicas e todas diferentes identidades podem ser traduzidas. Este fenômeno é conhecido como homogeneização cultural.15

Para contrapor esta ideia unilateral Kevin Robin aponta que ao lado desta

tendência à homogeneização existe uma fascinação com as diferenças, existe um

mercado da etnia e da alteridade. Por isso, a globalização não vai enfraquecer as

identidades nacionais, mas produzir novas identidades identificações globais e novas

identificações locais.

A globalização, segundo Stuart Hall, tem um efeito pluralizante sobre as

identidades, que gera uma gama infindável de possibilidades de identificação, de forma

que as identidades tornam-se mais políticas, mais posicionais, mais diversas e plurais,

menos fixas, unificadas ou trans-históricas. Há alguns que buscam pela “tradição”, pela

pureza e origem, outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao decurso da

história, da política e da diferença.

15 HALL, 2006. p. 75.

29

No caso dos grupos folclóricos estudados, a fluidez com que as pessoas de

qualquer origem tem abertura para participar, assim como a de mudar para outro grupo

de danca de outra etnia, leva-me a crer que a abordagem de Stuart Hall seria mais

cabível para a análise, uma vez que a questao das fronteiras nao se mostraram muito

presentes empiricamente. Digo, os traços diferenciadores entre os grupos estudados e

os outros grupos folcloricos de outras etnias de Curitiba nao foram muito evocados

durante as entrevistas. A dicotomia Nós/Eles só foi evidente no caso do grupo

germânico que enfatizou sua distinção dos outros grupos germânicos de Curitiba, mas

pelo viés técnico e artístico do espetáculo da dança. Se os valores culturais comuns

ocupam posição de essencial relevância na teoria de Barth, acredito que essa questão

foi mais presente na dinâmica da relação entre os grupos, pertencendo mais ao perfil

da Curitiba da primeira metade do século XX.

2 A HISTÓRIA DA IMIGRAÇÃO NO PARANÁ

Primeiramente, é necessário esclarecer alguns conceitos. Quanto ao termo

“imigração”, a historiadora Altiva Pilatti Balhana, especialista em imigração européia no

Paraná, diz que este geralmente está associado à importação de trabalhadores

assalariados para a lavoura. E “colonização” é utilizado para referir-se aos

agrupamentos, aos núcleos de povoamento e à produção agrícola16. Portanto, os

colonos seriam os pequenos proprietários e a colônia o conjunto dessas propriedades.

A autora aborda a importância da entrada dos imigrantes conforme o contexto

histórico. Se num primeiro momento esta entrada foi dificultada, o governo liberava

licenças especiais e limitadas, depois preocupados com o vazio demográfico o poder

público começou a facilitar e incentivar a imigração europeia (a partir da segunda

metade do século XIX). E por esta preocupação, o Inspetor Especial de Terras e

Colonização, Cândido de Abreu, entre 1887 a 1889, defendeu o aumento da população

16 BALHANA, Altiva Pilatti. Política imigratória do Paraná. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n.2, maio/jun. 1969. p. 65-80.

30

paranaense para preencher este espaço desabitado.

Antes de adentrar, de forma específica, na História da Imigração no Paraná, é

fundamental que se reconheça o contexto nacional em que esse processo estava

inserido. A imigração europeia, no Brasil, se iniciou no século XVI, com os portugueses.

Nesse momento, entretanto, a imigração objetivava basicamente a exploração. Logo, a

colonização se dava de forma indireta, como reflexo da necessidade de se estabelecer

feitorias comerciais.17

Foi partir do século XVIII que a imigração finalmente passou a estar relacionada

com a colonização. Isso se deu porque foi percebida a necessidade de se ocupar

espaços a fim de se garantir o domínio do território. Estima-se que 300 a 500 mil

portugueses ingressaram no Brasil nesse período.18

O século XIX também foi fortemente marcado por movimentos imigratórios. Com

a instauração da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, responsável pela proibição do

tráfico de escravos, e a Lei Áurea, em 1988, criou-se a necessidade de se pensar outra

forma de se constituir mão de obra para as lavouras.

No dizer de Iraci Salles,

A partir de 1850, através da efetiva extinção do tráfico negreiro e das pressões exercidas pela Inglaterra para o cumprimento de sua proibição, a classe dominante viu-se obrigada a buscar formas alternativas de utilização da força de trabalho que sustentasse a agricultura de exportação.19

No que se refere ao Estado do Paraná, a Imigração tende a refletir o que ocorria

no cenário nacional. Além dos indígenas e dos nacionais, a imigração europeia que

ocorreu no século XIX ocupa posição de destaque na história da formação e

colonização do Estado.

O inicio da imigração dos estados do sul é datada na década de 1820, quando se

estabeleceram colônias de alemães em Itajaí (Santa Catarina), Rio Negro (divisa de

Paraná e Santa Catarina) e em São Leopoldo (Rio Grande do Sul).

17 PRADO, Caio Junior. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia . 23 ed. São Paulo: Brasiliense, 2001. p. 24 18 NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações . Curitiba: SEED, 2002. p. 56-57. 19 SALLES, Iraci G. Trabalho, progresso e a sociedade civilizada . São Paulo: INL, 1986. p. 79.

31

Segundo o referido recenseamento do Brasil de 1872, no artigo “Os poloneses

do Paraná (Brasil) e a questão da nacionalização dos imigrantes (1920-1945) de Marcio

de Oliveira, mesmo que o estado tenha começado a receber imigrantes desde a

primeira metade do século XIX era considerado despovoado se comparado a Santa

Catarina e ao Rio Grande do Sul. Enquanto o estado do Paraná contava com 127 mil

habitantes, haviam 159 mil catarinenses e 446 mil gaúchos20.

Em 1860 começou uma época de estímulo à imigração, em que os colonos ,

segundo as recomendações do governo central, deveriam dirigir-se ou para o setor da

construção de estradas ou no caso da agricultura, para as plantações de café. Pois com

a elevação do preço do café e a expansão no Estado de São Paulo grande parte da

população escrava foi vendida a São Paulo, fazendo com que gerasse uma crise

agrícola no Paraná. E em Curitiba, já em 1861 – período escravocrata – a câmara de

Curitiba proibiu os escravos de trabalharem nas lojas comerciais.Então os imigrantes

eram de suma importância, pois eram vistos como trabalhadores e, portanto, bem

vindos.

Na década de 1870 as administrações provinciais, a fim de ocupar o território e

produzir alimentos, articularam uma política de colonização e emancipação, para que se

estimulasse o desenvolvimento urbano (infra-estrutura, hospitais, serviços de

iluminação), a ocupação dos vazios demográficos, produção agrícola e trabalho livre.

Foi no governo de presidência da Província de Lamenha Lins que o

gerenciamento colonização tornou-se meta prioritária. Para ele então era preciso

auxiliar os imigrantes oferecendo condições adequadas, “facilitar-lhe o transporte”,

“dividir bem os lotes”, “evitar que o imigrante sofra vexame”. Para Lamenha Lins, os

imigrantes contribuiriam, sobretudo, com a mão-de-obra especializada na agricultura. E

o desenvolvimento desta, junto com a da industria e do capital, seriam a formula da

prosperidade para o Paraná. Em seu relatório anual de 1876 Lamenha Lins aponta.

Mas em 1876, o programa de colonização sofre um abalo devido o fracasso da

instalação e adaptação dos imigrantes russos-alemães, por terem recebido terras em

péssimas condições de plantio. Porém alguns permaneceram e contribuíram com a

20 OLIVEIRA, Marcio de. Os poloneses do Paraná (Brasil) e a questão da naci onalização dos imigrantes . 2009. Site: http://anpuh.org/anais/wp-content/uploads/mp/pdf/ANPUH.S25.0879.pdf. Acesso em: 20 de novembro.

32

inovação do carroção eslavo, puxado por três cavalos que ajudava no transporte da

erva-mate que era exportada. Esta contribuição vinha de encontro com as expectativas

das autoridades provinciais que almejam o progresso, porém o que se observa é que os

imigrantes, de maneira geral, estavam focados mesmo é na agricultura de subsistência.

Em 1880, inicia-se uma nova fase, já que as autoridades coloniais estavam

tendendo a extinção dos programas de imigração já que as colônias que prosperaram

eram as que estavam próximas da capital, diferente as do interior e do litoral. O

presidente do Paraná desejava que os imigrantes se estabelecessem onde houvesse

trabalho na lavoura e na indústria, também em obras com a construção da estrada de

ferro Curitiba – Paranaguá. Eles seriam, portanto, aos olhos dos governantes e para

elite ervateira essenciais para este momento de campanha abolicionista.

Em termos numéricos o grande fluxo se dá após a proclamação da República,

mas segundo Marcio de Oliveira não é cabível atribuir a jovem República essa política

de imigração. É preciso, portanto, atentar ao contexto vivido por esses imigrantes no

continente Europeu. Como explica no caso dos poloneses,

De fato, do outro lado do Atlântico, nos territórios poloneses ocupados e partilhados entre os impérios Austro-Húngaro, da Prússia e da Rússia, sobretudo em suas áreas rurais, vivia-se em meio à queda do preço do cereal, por um lado, e uma propaganda a respeito do Brasil, repleta de fantásticas histórias, de outro. Isso explicaria porque, neste período, 95% dos poloneses recém-chegados eram agricultores.21

Ainda, de acordo com Marcio de Oliveira,

O primeiro presidente do estado, na tentativa de atrair imigrantes, afirmava que o europeu aí encontraria um clima próximo daquele de seu país natal. Essa afirmação fazia eco às experiências de colonização de alemães e suíços no litoral consideradas exitosas e à idéia de que o povoamento e desenvolvimento do estado passavam necessariamente pelo imigrante europeu. 22

Como aponta o historiador Magnus Pereira, a industria ervateira teve papel

21 OLIVEIRA, 2009. 22 Ibid., 2009.

33

essencial na dissolução da economia de subsistência23. Também grande contribuinte foi

a urbanização e o trabalho livre gerado pela demanda das cidades. Houve, então, um

favorecimento do trabalho assalariado derivado do reordenamento na aparelhagem

produtiva em beneficiamento das fábricas de mate, em que se inseriam os colonos

estrangeiros.

Da urbanização destacam-se os imigrantes alemães que tiveram papel crucial já

que eram mais aptos para este tipo de trabalho. Logo, inseriram-se nos setores de

comércio, artesanato e na construção de obras públicas – abriram relojoarias, armazéns

de secos e molhados, açougues, joalherias, lojas de fazenda e armarinho, dentre outras

atividades. O que desagradou as elites luso-brasileiras que queriam os colonos

estrangeiros na agricultura e não como concorrentes.

Outro ponto que vale ser abordado, que também foi gerador de tensões entre

imigrantes e nacionais foi disseminação de epidemias como a coqueluche, desinteria,

pneumonia, varíola, dentre outros males que eram um problema nas décadas de 1880

e 1890. Sobre esta questão, a historiadora Maria Ignes Mancini de Boni aponta que

esta questão contribuiu para a formação de velados preconceitos contra imigrantes

tidos como menos saudáveis e menos higiênicos. Higienistas como Jaime Reis

atribuíram a este contingente populacional a disseminação dessas doenças,

principalmente na capital e na região. Sugeria inclusive, que os recém chegados fossem

isolados temporariamente já que eram portadores de vários micróbios. Em contra

partida os colonos reclamavam das péssimas condições dos alojamentos, que eram

focos de infecção.

Tanto era uma questão de ordem pública, a insalubridade, que o então

presidente do Paraná, Vicente Machado em 1905, procurava sanar estes problemas já

que não condizia com o ideal de cidade salubre, confortável, moderna e bela.

Neste quadro o imigrante que antes tinha a imagem de laboriosos, polidos e de

bons costumes passaram a representar no imaginário burguês a figura de boêmios,

desordeiros, anti-higiênicos e quando no mercado de trabalho, anarquistas, grevistas e

subversivos.

23 PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídi co e econômico da Sociedade Paranaense , 1829-1889. Curitiba: Ed. da UFPR, 1996. p. 12.

34

Quando iniciou a Primeira Guerra Mundial imigrantes alemães e seus

descendentes sofreram atos de vandalismo. Assim como na Segunda Guerra

aconteceram conflitos entre as nacionalidades envolvidas, sobretudo, havia uma onda

de violência contra os países do Eixo.

Além dos alemães, também eram alvo de menosprezo os poloneses que tinham

sua imagem associada ao trabalho braçal e a pouca instrução. Homens e mulheres

tiveram dificuldade na adaptação no meio urbano. É importante salientar que o uso da

carroça como meio de transporte, tão importante em todas transações comerciais, era

uma prática que foi introduzida pelos imigrantes poloneses.

Todos estes preconceitos e conflitos exemplificam como a chegada e o

estabelecimento dos imigrantes não se deu de forma pacífica. Porém, é na década de

1950, quando o Paraná entra nas festividades do aniversário de 100 anos que vemos

toda a sublimação desses percalços, quando os imigrantes foram condecorados como

os grandes contribuintes do progresso do Estado.

3 DESCRIÇÃO DOS GRUPOS FOLCLÓRICOS

Com o intuito de analisar as abordagens teóricas desenvolvidas no primeiro

capítulo desse Trabalho, optou-se por realizar entrevistas com os membros dos grupos

folclóricos abaixo descritos em suas estruturas organizacional e administrativa, bem

como as dinâmicas dos ensaios das danças e a motivação de seus atores.

A escolha dos respectivos grupos se deu em razão da disponibilidade dos

membros, da acessibilidade às informações, sendo que o sítio virtual foi, nos dois

casos, a porta de entrada para o início do contato.

3.1 GRUPO FOLCLÓRICO GERMÂNICO ALTE HEIMAT

O Grupo Folclórico Germânico foi fundado no dia 10 de abril de 1964 por Helmut

35

Abeck, Isa Marchmann e Ingborg Ulrich. Eles tinham como objetivo dar continuidade a

traços da cultura germânica buscando a manutenção de seus costumes, músicas, trajes

e danças típicas, oriundas da Alemanha, Áustria, e Suíça. Os idealizadores do grupo

procuravam perpetuar a consciência étnica das diferentes gerações de imigrantes

através do incentivo à prática de atividades culturais vinculadas a seus países de

origem. O Grupo, durantes seus primeiros anos de fundação, ensaiou nas antigas

instalações da fábrica de fitas e bandeiras Venske, pertencente ao imigrante alemão

Gustavo Venske24. Atualmente, a edificação onde outrora funcionou a fábrica Venske,

abriga o Instituto Goethe, um dos mais importantes centros de ensino da língua alemã

no estado do Paraná. O Instituto também possui atividades culturais voltadas à cultura

alemã, como mostra de filmes e documentários, e uma biblioteca com acervo de livros e

filmes em alemão.

No ano de 1966 o Grupo Folclórico Germânico filiou-se ao Handwerker

Unterstutzung Verein (em tradução livre, Associação de Apoio ao Artesão), fundado em

fundado em 19 de julho de 1884 também por imigrantes alemães. Em 18 de maio de

1938 o Clube mudou o nome para Sociedade Beneficente Rio Branco, e em 1985, para

Clube Rio Branco, sua atual denominação. Podemos destacar que o Clube Rio Branco,

desde sua fundação intrinsecamente vinculado à cultura germânica, sofreu

significativos incidentes: em 1917, na ocasião da entrada do Brasil na Primeira Guerra

mundial, o Clube ficou fechado por dois anos e suas instalações foram utilizadas pelo

governo. No ano de 1941, em virtude da Segunda Guerra Mundial, o prédio foi

depedrado pela população local e suas instalações requisitadas pelo governo para fins

militares, sendo estas restituídas apenas no ano de 194925.

Durante os anos, o Grupo Folclórico Germânico também manteve estreitos laços

com o Círculo Cultural de Cantores Brasileiros-Germânicos Harmonia, uma sociedade

civil, sem fins lucrativos, que se apresenta como “construída dentro da mais peculiar

tradição germânica”. O Círculo de Cantores é atuante até os dias de hoje, e realiza uma

série de apresentações culturais que buscam promover o intercâmbio entre a cultura

24 Gustavo Venske foi imigrante alemão que veio ao Brasil com seu pai a suas duas irmãs. Após sair do meio rural, fundou uma loja de armarinhos em 1889, no Largo da Ordem e mais tarde casou-se com Anna Mueller, pertencente à renomada família imigrante alemã, Mueller. 25 http://www.cluberiobranco.com.br/historia.html

36

brasileira e germânica.

Podemos notar assim, que desde a sua criação, o Grupo Folclórico Germânico já

buscava inserir-se em uma rede de relações com outros imigrantes de mesma origem.

Como podemos perceber, tais relações se fazem presentes nestas diferentes

instituições, sejam elas fábricas, clubes ou grupos culturais. Desta forma, a perpetuação

da cultura germânica pode ser pensada como uma preocupação que não é recente, e

que, no caso específico da cultura germânica, é passível de ser conectada à história de

famílias influentes e de classe alta da sociedade curitibana. Durante a realização da

pesquisa de campo, foi possível perceber que este padrão socioeconômico de pessoas

pertencentes às parcelas de classe média/alta permanece entre os participantes do

grupo. Mais que isso, percebemos que a própria história do clube se funde com a

história da imigração em Curitiba.

No ano de 1991, o Grupo firmou parceria com o Colégio Martinus, local onde o

grupo infantil passou a ensaiar. Neste mesmo ano, o Grupo passou a ser chamado de

Grupo Folclórico Germânico Alte Heimat que, em tradução livre, significa “antigo lar”.

Em 1992 foi criado o grupo de masters, composto majoritariamente por pais e avós dos

componentes do grupo adulto e infantil. E no ano de 2010 o Grupo Folclórico

Germânico filiou-se ao Clube 3 Marias, local onde ocorrem os ensaios das categorias

adulto e master. Desta forma, o Grupo organiza-se em três distintas categorias: o

infantil, composto por crianças até 15 anos; o adulto, que conta com mais ou menos 16

participantes; e o master.

A principal atividade do Grupo é a elaboração de espetáculos de danças. Como

podemos observar nas fotos seguintes, os trajes, o cenário, e a idealização das

coreografias, são elementos cruciais para que os espetáculos sejam executados a

contento. Nesse sentido, ainda que os dançarinos sejam amadores, todos estes

elementos dão aos espetáculos uma estética e execução bastante profissional.

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Imagens: Apresentação do Grupo Folclórico Germânico Alte Heimat no Teatro Guaíra no ano de 2011. FONTE: Acervo do Grupo Folclórico Germânico Alte Heimat.

Nestes 49 anos de atuação, o Grupo realizou apresentações pelo Brasil e países

vizinhos, também participou da inauguração do Teatro Guaíra e, desde então, está

presente todos os anos do Festival Folclórico e de Etnias do Paraná. Festival este de

grande interesse para os grupos folclóricos, uma vez que é o evento que mais divulga

seus trabalhos. Notamos assim que a agenda do grupo está ligada basicamente a estas

apresentações, de forma que preparar-se para elas através de ensaios, da confecção

do cenário, das roupas e elaboração das coreografias, ocupa o restante do tempo de

seus integrantes.

Sobre a estrutura organizacional e administrativa do grupo, os entrevistados

mencionaram que o cargo de presidente é disputado através de eleições que ocorrem a

cada dois anos. O único requisito para se candidatar é que a pessoa esteja participando

do grupo há no mínimo dois anos. As mudanças que ocorrem a cada eleição são todas

registradas em cartório. Isso acontece, pois para pedir financiamento é necessário que

o grupo exista enquanto empresa. Esta forma tem se reproduzido de maneira

satisfatória, de acordo com os interlocutores, há pelo menos 15 anos. Além dos

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financiamentos buscados em diferentes instituições públicas e privadas, os folcloristas

contribuem financeiramente com a quantia mensal de 10 reais para manutenção do

espaço.

As motivações mencionadas pelos interlocutores para participar no grupo são

diversas. Segundo o coordenador da categoria adulta, Edras, que está no grupo desde

2000, aproximadamente 70% dos participantes tem origem alemã, mas muitos

começam a participar sem ter descendência, simplesmente por gostarem da cultura e

se identificarem com estilo de vida (como a comida, a música, os bailes e festas do

chope, por exemplo).

De qualquer forma, segundo a entrevistada, Giovana, independente do

pertencimento étnico, todos os integrantes assumem uma ligação de admiração e

grande interesse pela Alemanha e, pela primeira vez, o grupo planeja uma viagem para

lá. Como relata a interlocutora, “Todo mundo gosta bastante da Alemanha e todo mundo

está bem eufórico pra viajar para lá. As pessoas estão guardando X quantia de dinheiro

para ir em abril de 2013. Mas não sei se vai dar certo porque é época de Páscoa e eles

levam bem a sério a quaresma”.

Tanto no grupo germânico quanto no grupo espanhol, podemos perceber certa

conexão com a questão da religiosidade. Alguns interlocutores marcaram certa

distintividade na forma com que esta questão é abordada no Brasil, e nos seus países

de origem ou descendência. De acordo com eles, para as pessoas daqui, a

religiosidade acaba ficando em segundo plano, tendo menos importância em relação às

atividades do grupo, enquanto para os de lá, a religiosidade é determinante para as

atividades.

Vale destacar que a imigração alemã no Brasil, mais expressiva entre os séculos

XIX e XX, trouxe à região sul do país um grande número de indivíduos cuja religião era

protestante – em sua grande maioria, luteranos26.

26 A Reforma Protestante teve início no século XVI por Matinho Lutero, foi iniciada na Alemanha e

tinha como proposta a reforma do catolicismo romano). Quando chegaram ao Brasil tais imigrantes protestantes se depararam com um país essencialmente católico. Apesar de Dom Pedro I permitir na Constituição do Brasil Império de 1824 a prática de religiões não católicas (tal como o Luteranismo, Calvinismo e Batista, por exemplo) eram criados uma série de empecilhos para dificultar as práticas religiosa dos não católicos, obrigando-a a ficar restrita aos domínios da vida privada. Assim, temos na Alemanha o epicentro do Luteranismo e, ao mesmo tempo, uma grande massa de imigrantes que tinha sérias dificuldades para exercer sua religião em solo brasileiro. Isso fez com que as religiões protestantes

39

A cidade de Curitiba, além do Alte Heimat, possui outros dois grupos germânicos:

um ligado à Sociedade Thalia, e outro, ao Clube Concórdia. Ambos os Clubes são

reconhecidos no município enquanto locais fundados por descendentes de europeus e

freqüentados pela elite curitibana.

Segundo Edras, o Alte Heimat se diferencia dos outros, pois é “mais agitado e

aeróbico, enquanto o Concórdia é mais tranquilo”. Já para a dançarina Giovana, a

diferença se encontra nas figuras das danças: “Nas nossas tem os moinhos, quatro

pessoas dão o braço direito e fazem uma roda. A figura dos meninos deitados e das

meninas que continuam rodando só o nosso tem”.

As coreografias, de acordo com os interlocutores, não possuem muitas

variações, com exceção da dança de entrada e de saída. No sentido de compor as

coreografias, musicas e cenários, os coordenadores realizam constantes pesquisas

sobre a cultura germânica, que são compartilhadas pelos coordenadores dos grupos

anualmente em encontros presenciais. Um dos lugares onde há a realização destas

pesquisas é a Casa da Juventude em Gramado, no Rio Grande do Sul. Esta casa

funciona também como uma espécie de sede de alguns grupos. É lá que os grupos

alemães se reúnem todo ano para compartilhar e atualizar suas pesquisas.

Outra diferença marcante em relação aos outros Grupos, para Edras, são os

trajes. De acordo com ele, os trajes utilizados pelo Alte Heimat são uns dos mais

diferentes do Brasil. Ele ressalta que o traje não é simplesmente uma roupa e brinca:

“imagine uma pessoa vestida com trajes gaúchos dançando frevo, não tem nada a ver”.

Isso ocorre, pois cada cidade ou vilarejo retratado nas performances possui um traje

específico. O Grupo tem 11 diferentes conjuntos de trajes, fato que garante grande

prestígio, uma vez que o Grupo Alte Heimat é mais possui trajes no Brasil.

Sobre a confecção dos trajes, Giovana diz: “A Ju que faz a roupa branca, que

são pessoais. Uma blusa branca, uma nágua, ceroula e as meias vêem de São Paulo.

São de crochê e tem um desenho diferente. E os trajes é o grupo que tem que ter

dinheiro para mandar fazer. É muito difícil fazer traje porque é caro, os tecidos são

caros, mandar fazer é caro. Acho que por baixo dá 2.000 [reais] cada traje. É que cada

no Brasil encontrassem dificuldades de serem exercidas, conseqüentemente, tendo menos força entre a população local.

40

traje tem bordados, uma coisa que deixa bonito e encarece. Por exemplo, a saia com

pliss, que usa muito mais tecido, a camisa que era pra ser seda, o colete era pra ser

duro, que antes eles faziam com grãos pra ficar bem durinho. As correntes tinham que

ser de prata e de ouro e simbolizavam a riqueza. As mulheres ricas usavam muitas

correntes de ouro e medalhões. O lenço agora é um triangulo, originalmente era

quadrado, mas aí ia mais tecido.”

Notamos assim que os trajes utilizados nas apresentações constituem muito

mais do que roupas, como contou Edras, mas são elementos que retratam

simbolicamente todos os aspectos da apresentação que os participantes dos grupos

querem passar.

Imagem: Giovana mostrando o chapéu utilizado nas apresentações do grupo.

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Imagem: Giovana arrumando os trajes.

Imagem: folcloristas experimentando acessório do traje.

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Imagem: crianças membros do grupo.

Um dos trajes utilizado pelo grupo recebe o nome de Miesbacher Tracht, que

provém da região da Baviera. É composto por chapéus arredondados, os quais são

cobertos por broches que representam troféus de caça; camisa branca; gravata azul

royal; calça de couro; suspensórios (Hosenträger) que seguram brasões típicos; colete;

casaco; meias; sapatos e enfeites.

Desta forma, há uma avaliação valorativa a respeito das vestimentas que

perpassa não apenas a estética dos trajes, mas também agrega valor simbólico a eles

buscando sempre a autenticidade – ou seja, utilização de elementos originais, ainda

que eles sejam mais caros. Essa busca pela autenticidade é ligada à tradição pelos

interlocutores: antigamente usava-se um ou outro material. Buscar se aproximar de tais

padrões utilizados em anos anteriores, em outras palavras, recriá-los, aponta para um

processo de busca por certa “tradição” que acaba por refazê-la.

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3.2 CENTRO ESPANHOL DO PARANÁ

A imigração espanhola, segundo o site da associação, deu-se em três ondas

migratórias, mas dessas a que se sucedeu na década de 1950 foi a mais representativa

em termos quantitativos. Foi nessa mesma década que foi criado a Sociedade

Espanhola para um ponto de referencia e encontro para esses imigrantes recém-

chegados. A Sociedade estava localizada na João Negrão, em frente a antiga

Rodoviária (ponto de chegada de todo imigrante), onde hoje é o terminal do Guadalupe.

Disto, a Sociedade teve uma interrupção entre os anos 1967 ate 1969, quando

ficou com as portas fechadas. O retorno se deu com a nova sede no Prado Velho com a

finalidade de divulgar as tradições e costumes espanhóis em 1969. Mas foi apenas em

1973, depois de arrecadação e de muitas doações dos sócios, que foi possível a

inauguração da nova sede.

Hoje em dia o Centro Espanhol do Paraná de Beneficência e Cultura matem um

grupo folclórico com danças típicas das regiões de Andalucia, Aragon e Galícia, além de

uma Compania de Dança Flamenca. O primeiro grupo folclórico oficial foi o Aires

Gallegos em 1979, com gaitas gallegas que são instrumentos de sopro de origem celta

e em que os imigrantes e seus filhos representavam a dança típica da Galícia, chamada

Muñeiras.

Depois desse grupo, em 1982 foi a região de Aragon que ganhou representação.

O grupo se chama Raza Aragoneza e retrata passagens históricas e o referente

cotidiano do campo. A dança típica, a Jota Aragonesa, demanda bastante apuramento

técnico musical e também da coreografia, sendo um braço importante do Centro que

recebeu bastantes premiações e reconhecimento pelo bom desempenho dos seus

músicos e dançarinos.

A última dança folclórica a ganhar espaço no Centro Espanhol foi a de Andaluzia;

em 1991 as danças flamencas começaram a serem incorporadas e o a Compania Luna

de Sevilla foi criada.

O Centro de Cultura Espanhola está localizado no bairro Prado Velho em uma

grande casa de alvenaria, onde se concentram todas as atividades. De acordo com

44

Carolina, uma moça de 21 anos, que participa das atividades do Centro há 13 “era uma

sede pequena e depois conseguiram essa casa que foram aumentando. Tem ginásio

com palco, tem restaurante, biblioteca, sala de computador”, Percebemos que o Centro

teve uma aumento progressivo durantes os anos e atualmente possui uma

infraestrutura bastante completa que pode ser desfrutada pelos seus sócios. Carolina

ainda relata que os sócios “folcloristas” pagam uma contribuição anual de 300 reais.

Disto, existe um grupo de sócios mais antigos que participam de forma mais ativa

estável no sentido financeiro e burocrático, para além do núcleo puramente

administrativo. A Diretoria é composta por: Presidente, Vice-Presidente, Secretário,

Tesoureiro, Adjunto da Tesouraria, Diretor de Patrimônio, Diretor Social, Diretor de

Patrimônio, Diretor de Esporte e Diretor de Assistência.

Na entrevista com dois integrantes do Centro Espanhol pudemos perceber como

o grupo se estrutura. Podemos dizer que as principais atividades são os ensaios que

ocorrem semanalmente. O grupo é composto por 100 integrantes dos quais dividem-se

em setores infantil, juvenil e adulto de acordo com a idade, e subdividem-se em três

tipos de dança. Pertencem ao grupo infantil as crianças de até 9 anos, no juvenil até os

15 e a partir desta idade começam a integrar o grupo de adultos. Quando crianças são

iniciadas pelas danças jota, galega ou sevilhana e quando ingressam no juvenil optam

por quais especialidades preferem se dedicar. Dentre todas as danças existe um

equilíbrio quanto à quantidade de homens e mulheres, exceto no Flamenco que

preponderam as mulheres e contam apenas com dois homens. Assim como também o

flamenco é a dança que atrai mais pessoas pela dança em si, e não por uma suposta

descendência espanhola.

Para além destes ensaios, são promovidos na sede festas e eventos a fim de

que se arrecade dinheiro para a manutenção, financiamento das viagens dos

dançarinos, assim como para custeio de trajes e materiais. Para viabilizar essas

viagens os dançarinos fazem suas economias e também promovem festa com comidas

típicas como paelladas, calamaris fritos e mexilhão ao vinagrete, ou mesmo feijoadas,

sopas, etc. Estes são eventos esporádicos e abertos ao público, de forma que

funcionam como meio de apresentação do grupo e de permitir um maior entrosamento

entre participantes, amigos e famílias dos folcloristas.

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Dos entrevistados nenhum apontou como principal motivação para participar do

grupo a descendência espanhola. Das entrevistadas que estão há mais tempo no grupo

Carolina, 13 anos, e Érica há 10 anos, a primeira entrou quando criança por causa de

uma amiga , que esta sim tinha uma descendência mais próxima e a segunda porque

os avós sugeriram como atividade. É importante ressaltar que são os laços de

sociabilidade, senão de amizade lá criados, o alicerce que motiva a perpetuação na

participação nessas atividades.

De todo este tempo desde que elas entraram para o grupo, elas conseguem

apontar algumas mudanças, tanto físicas (como as sedes e a estrutura do local de

encontro) quanto mais simbólicas como a mudança da relação com a dança. E sobre a

dança as duas entrevistadas concordam que com o tempo as técnicas das danças

foram apuradas, como diz Érica: “Mudou um pouco a técnica com o tempo, tá mais

apurada, mais dedicação. Tem um dançarino que vem todo ano ensaiar com a gente.”

Esse tipo de experiência vem revelar que a tarefa de definir essas danças é ininterrupta,

e nelas muitos elementos podem entrar em ação como a visita de dançarino de origem

espanhola, que pode trazer mais autenticidade para um espetáculo. O que dá vida e

realidade são justamente as relações e as ações de inúmeros atores.

Sobre as ligações internacionais do grupo com a Espanha, o grupo já se

apresentou algumas vezes na Espanha e esse ano de 2013 foram novamente, assim

como participaram em 2010, para a Festa de Pilar que é celebrada dia 12 de outubro.

Esta festa é mundialmente conhecida pelos folcloristas espanhóis e nela grupos de

diversos países se apresentam. O que vale ser ressaltado é comparação dos

interlocutores é o aspecto religioso do folclore, que eles acreditam ser muito mais

presente e significante para os espanhóis, transpondo isso inclusive na dança. Como

aponta Carolina: “Tinham grupos de vários países, japoneses. E essa festa é conhecida

mundialmente e pessoas de todos países vão pra lá. É uma festa bem religiosa e lá é

muito mais, eles prezam muito mais que a gente. Se a gente acha que a gente é

religioso, a gente é muito mais pecador que eles. Tem traje que é direcionado todo pra

religião. Eles são muito católicos”.

Atualmente, o cargo de presidente é da Blanca que também é a principal

coordenadora, coreógrafa e idealizadora do Centro Espanhol. A sua mãe

46

responsabiliza-se pela confecção dos trajes e também traz às vezes alguns adereços,

como lenços, da Espanha. Os trajes são de pertença do centro, exceto os vestidos do

Flamenco que cabe às dançarinas mandar fazerem os seus próprios. Assim como em

outros grupos, eles tentam baratear de alguma forma o custo dos trajes, pois

originalmente na Espanha são feitos por estilistas específicos para cada dança, o que

encarece bastante, sendo inviável ter o mesmo traje aqui.

Quanto a relação com os outros, eles dizem sempre ser amigável mesmo que

não seja recorrente eventos que eles acabem interagindo, por se apresentar no mesmo

dia. É por isso que não se sentem a vontade para julgar os outros grupos. Érica , por

exemplo, confessa admirar a apresentação de dança indiana e que caso não fizesse

parte do espanhol, teria interesse em participar do indiano. Já a Carol acredita que faria

parte de um alemão, por causa da sua descendência. Outro ponto que a Carolina indica

e que deve ser avaliado quando se analisa os grupos folclóricos de Curitiba é que os

recursos que os grupos tem variam muito, então cada um faz o que pode com a

quantidade que lhe é disponível, como diz: “Acho difícil julgar porque não vi

apresentação de todos, mas o polonês é bem técnico. E a verba vem de cada grupo e

faz com que tem. É difícil de comparar.”

A partir da análise das entrevistas, foi possível notar o foco na dimensão artística

dos grupos.Entendendo a dança como impulsionada pelos sentimentos, e sendo esta

expressão de sensações intensas, esta se torna uma forma de interação e, sobretudo,

de expressão de individualidade, sua identidade e assim também, suas diferenças em

relação à outros. É este sentimento misto de identificação e oposição, participação e

pertencimento que leva muitos à uma vivência participativa.

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Imagem: grupo reunido no local de ensaio.

Imagem: apresentação oficial.

48

Imagem: espetáculo do grupo de flamenco.

49

6 CONCLUSÃO

No primeiro capítulo buscou-se olhar para a questão da etnicidade e da

identidade pós-moderna com o objetivo de pensar os diferentes contextos históricos

nos quais os autores Fredrik Barth e Stuart Hall analisaram tais conceitos. Foi através

desta primeira reflexão teórica que a possibilidade de pensar os grupos folclóricos

abordados neste trabalho surgiu. Desta forma, demonstrou-se que olhar para tais

grupos folclóricos significa também tomá-los enquanto indissociáveis às transformações

e novas formas de interação da sociedade contemporânea.

Como aborda Fredrik Barth, as fronteiras étnicas não são rígidas. Elas podem

manter-se, reforçar-se, apagar-se ou desaparecer - assim, contextualmente, oscilam

entre certa rigidez e maleabilidade. Nesse sentido, as fronteiras étnicas não

representam barreiras, pelo contrário, elas podem ser mais ou menos fluidas, mas

sempre moventes e permeáveis.

Também vimos que a globalização propicia a criação de um mercado pautado na

alteridade, que tem como base certa fascinação com as diferenças, em contraposição à

tendência de homogeneização. Por esse motivo, torna-se possível afirmar que a

globalização não enfraquece as identidades nacionais, mas produz novas condições

através das quais as identidades e identificações globais e locais, podem ser acionadas

pelos agentes e assim, serem dispersas pelo globo.

A globalização, segundo Stuart Hall, tem um efeito pluralizante sobre as

identidades, que gera uma gama infindável de possibilidades de identificação, de forma

que as identidades tornam-se mais políticas, mais posicionais, mais diversas e plurais,

menos fixas, unificadas ou trans-históricas. Há alguns que buscam pela “tradição”, pela

pureza e origem, outras aceitam que as identidades estão sujeitas ao decurso da

história, da política e da diferença.

No tocante aos grupos folclóricos aqui estudados, foi possível perceber que a

fluidez com que as pessoas pertencentes a diferentes origens encontram abertura para

integrá-los, assim como para mudar de grupos, buscando outras etnias, levou-me a

concluir que a abordagem de Stuart Hall vai ao encontro dos dados fornecidos pelo

50

campo. Isso por que as fronteiras estão sendo constantemente sendo refeitas pelos

agentes, e assim, não se mostraram muito presentes empiricamente. Um elemento que

embasa tal conclusão é o fato de que os traços diferenciadores entre os grupos

estudados e os outros grupos folclóricos de outras etnias de Curitiba não foram

marcantes durante as entrevistas. A dicotomia presente entre Nós/Eles só tornou-se

evidente no caso do grupo germânico na ocasião em que enfatizou sua distinção dos

outros grupos germânicos de Curitiba (ou seja, de mesa etnia). No entanto, essa

distinção se deu pelo viés técnico e artístico do espetáculo da dança, e não por uma

suposta diferença cultural.

Este trabalho procurou demonstrar que, se os valores culturais comuns são

essenciais, como coloca a reflexão teórica de Barth, a dinâmica da relação entre os

grupos, tanto entre si, quanto em relação aos seus países de origem, acabam por

recriar e movimentar tais valores na atualidade. Contudo, conforme narrado pelos

interlocutores e abordado no levantamento histórico realizado no segundo, essa

valoração positiva aos valores culturais comuns, aparece mais fortemente na Curitiba

da primeira metade do século XX. Assim, durante os anos, verificamos um processo em

que as identidades tornam-se cada vez mais móveis, contudo, não menos autênticas –

pelo contrário - é através dessa mobilidade que são criadas as próprias condições de

sua continuidade.

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REFERÊNCIAS BALHANA, Altiva Pilatti. Política imigratória do Paraná. Revista Paranaense de Desenvolvimento, Curitiba, n.2, maio/jun. 1969. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade . 11. ed. Rio de Janeiro: Editora DP&A, 2006. NADALIN, Sérgio Odilon. Paraná: Ocupação do Território, População e Migrações . Curitiba: SEED, 2002. OLIVEIRA, Marcio de. De la double colonisation au prejugé: Polonais dan s Le sud Du Brésil. . Migrations et Societé .Vol 21, 2009. PEREIRA, Magnus Roberto de Mello. Semeando iras rumo ao progresso: ordenamento jurídico e econômico da Sociedade Paran aense , 1829-1889. Curitiba: Ed. da UFPR, 1996 POUTIGNAT, Philippe; STREIFF-FENART, Jocelyne. Teorias da etnicidade . 1. ed. São Paulo: Editora da UNESP, 1997. PRADO, Caio Junior. Formação do Brasil Contemporâneo: colônia . 23 ed. São Paulo: Brasiliense, 2001 SALLES, Iraci G. Trabalho, progresso e a sociedade civilizada . São Paulo: INL, 1986.

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ANEXO

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