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ORDEM DOS ADVOGADOS DE ANGOLA

TICA E DEONTOLOGIA NO EXERCCIO DA ADVOCACIA E SUA INFLUNCIA NO ACESSO DOS CIDADOS AO DIREITO E JUSTIA

TRABALHO DE DISSERTAO SOBRE TICA E DEONTOLOGIA APRESENTADO PELO ADVOGADO ESTAGIRIO

VALDINO SIMA MOISS CELESTINOCDULA PROFISSIONAL N 1449

LUANDA 20121

NDICE

Introduo

I. A Funo Social do Advogado e o seu Estatuto Constitucional.

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II. tica e a Deontologia Profissional e Exerccio da Advocacia hoje em Angola...

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III. A Problemtica ao Acesso ao Direito e Justia do ponto de vista prtico

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Concluso

Bibliografia

INTRODUO2

A Ordem dos Advogados uma associao que prossegue o interesse pblico, estando, assim, os seus associados os advogados vinculados a uma obrigatoriedade de colaborao com o Estado. Para garantir o cumprimento perfeito daquela misso, cada advogado inscrito ter de abraar um conjunto de regras ticas e deontolgicas que vo disciplinar as suas condutas enquanto profissionais; um credo comum, se assim podemos chamar. O trabalho que nos propomos aqui a apresentar consiste numa contribuio singela ao esforo empreendido pela Ordem dos Advogados de Angola (O.A.A), em oferecer sociedade angolana profissionais com um refinado sentido de tica e um elevado nvel de responsabilidade. Outrossim, o presente trabalho contribuir para aquilo que consideramos ser uma das grandes lutas da O.A.A, desde a sua criao: a materializao dos Direitos Fundamentais em Angola, no que toca, especialmente, ao acesso ao direito e justia. No pretendemos com este trecho dissertativo, esgotar toda a problemtica em torno do sistema de justia angolano e do acesso ao direito e justia, nem tampouco ensinar novas doutrinas morais aos advogados e advogados estagirios. Entretanto, nem por isso deixaremos de fazer meno a alguns aspectos problemticos da vida quotidiana que nos podero servir de base para reflexo. Advertimos a todos que neste trabalho nos cingiremos, especificamente, apenas a realidade nacional, tendo como suporte legislativo diplomas emanados pelo Estado angolano, no mbito da sua funo legislativa, e, como no poderia deixar de ser, os diplomas legais da ordem profissional que nos circunda, no mbito da auto-regulao. Numa primeira abordagem, procuraremos situar a figura do advogado na sociedade, fazendo referncia, ainda que sumria, ao seu estatuto na Constituio; em seguida faremos uma anlise da relevncia regras ticas e deontolgicas para o3

advogado angolano de hoje; finalmente, abordaremos a temtica do acesso ao direito e justia reportando-nos a factos concretos que nos podero servir para problematizar a realizao deste Direito Fundamental.

I.

A FUNO SOCIAL DO ADVOGADO E SEU ESTATUTO CONSTITUCIONAL

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Quem o advogado? esta pergunta talvez muitos responderiam que algum da elite; algum que defende interesses de quem tenha condies econmicas; algum que luta com todos os argumentos (ainda que piores) para satisfazer as pretenses do seu cliente. O advogado visto, no poucas vezes, como um charlato, como aquele que transforma os argumentos verdadeiros em falsos e os falsos em verdadeiros a troco de benefcios estritamente econmicos, sociais e (at!) polticos. De acordo com aquela imagem da maioria, poder-se-ia deduzir que o exerccio da profisso de advogado incompatvel com a realizao da justia; aquela ideia de justia vista de forma objectiva, como na mxima sum quoque tribuere. A advocacia seria, assim, a arte de favorecer o mais forte do ponto de vista econmico e social, e o advogado, algum eterno defensor de interesses puramente egosticos. , de facto, completamente errnea e sem qualquer fundamento a concepo acima exposta. E nem mesmo pelo facto de se popularizar tal concepo que devemos a acolher como razovel ou digna de considerao! O advogado que aquele que, no obstante retire proveito pessoal da actividade que desenvolve, est, acima de tudo, a servir um interesse pblico: a realizao da justia. O interesse pblico da profisso (de advogado) explica a obrigatoriedade de inscrio numa associao pblica, que a Ordem dos Advogados, para que seja legalmente possvel o seu exerccio e explica tambm muitas das obrigaes ex lege que impendem sobre os Advogados, como a de no recusar o patrocnio ou a defesa oficiosas sem motivo justificado ou a de no recusar a orientao do estgio dos advogados estagirios, como patrono destes e, em geral, os deveres do advogado para com a comunidade e para com a Ordem dos Advogados A Constituio da Repblica de Angola (CRA) define o Advogado como o servidor da justia e do direito (Artigo 193, 2 CRA), sendo certo, portanto, que tal estatuto advm-lhe do facto de a advocacia ser uma instituio essencial administrao da justia (Artigo 193, 1 CRA).

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Os advogados no so auxiliares ou colaboradores da justia, participam na administrao da justia; os advogados no so s indispensveis para a administrao da justia, como so necessrios para administrao da justia, ou, como consideram os alemes, o Advogado o rgo da boa administrao da Justia. Hoje a Constituio da Repblica de Angola garante ao advogado uma srie de imunidades necessrias ao exerccio da sua actividade de profissional (Artigo 194 CRA). Do exposto acima, estamos seguros em afirmar que o Advogado um profissional, em princpio, livre e independente a quem cabe o papel de intermedirio entre os cidados e o poder jurisdicional do Estado. Sendo, entretanto, o exerccio da advocacia, livre e independente, o advogado tem de garantir por si e para si prprio a sua sobrevivncia pessoal. Porm tal sobrevivncia no pode ser nem a custa da comunidade, nem tampouco a custa da Justia, mas por causa delas.

II.

TICA E DEONTOLOGIA PROFISSIONAL E EXERCCIO DA ADVOCACIA HOJE EM ANGOLA

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tica deriva do termo latino ethica e do termo grego ethik que significa moral, cincia da moral. A moral um conjunto de costume e opinies que um indivduo ou um grupo de indivduos possuem relativamente ao comportamento. Outra questo a definio da palavra Deontologia cuja origem tambm grega, composta de dois vocbulos: Deon ou Deontos, que significa o que fazer e logos que significa tratado. Deontologia , etimologicamente, o conhecimento dos deveres. Neste caso, o objecto da deontologia consiste em ensinar o homem a dirigir os seus afectos, de maneira a que eles sejam o mais possvel subordinados ao bemestar. Nos dias que hoje correm a procura desenfreada pelo ganho econmico tem sido uma sndrome em todas as profisses. Nem sequer a medicina e a advocacia ficam de fora. E no contexto angolano essa corrida ao lucro no poucas vezes acasala-se ao que se vem chamado a perda dos valores ticos e morais. No captulo abordado anteriormente, consideramos que o advogado deve servir a Comunidade, o Direito e a Justia, e no servir-se deles. o mesmo que dizer que apesar do advogado garantir a sua sobrevivncia com o exerccio desta nobre profissional, deve faz-lo com o mximo de rigor tico e deontolgico. A deontologia profissional define-se, ento, como sendo o conjunto de regras ticas que disciplinam a conduta dos profissionais. Estas normas podem na verdade existir apenas como simples normas de conduta. O seu cumprimento depender exclusivamente da integridade dos profissionais ou da sua vontade em prestigiarem a sua profisso. A tica profissional formar-se- espontaneamente dentro do prprio grupo sociolgico como resposta s necessidades de controlo da qualidade do servio prestado e de preveno da concorrncia desleal. Na viso do Dr. Fernando Faria de Bastos, a realidade social angolana caracterizada por um tempo de paz, de reconstruo, de reorganizao do tecido social e empresarial, e pelo aprofundamento dos princpios e garantias constitucionais, mas que ainda no cauterizou as marcas de um passado recente devastador nem extirpou os corrosivos vcios instalados no seu seio (interveno na I Conferncia Nacional dos Advogados).7

O exerccio da advocacia, enquanto profisso independente, s possvel quando realizado sobre o alicerce das regras ticas e deontolgicas. Mas no bastam as regras para termos advogados irrepreensveis. preciso que estes vivam eticamente. Como disse algum: a advocacia uma tica. A manuteno da dignidade da profisso depende da observncia de certas regras fundamentais: - Preservar, em sua conduta a honra, a nobreza e a dignidade da profisso, zelando pelo seu carcter de essencialidade e indispensabilidade; - Actuar com destemor, independncia, honestidade, decoro, veracidade, lealdade, dignidade e boa-f; - Velar por sua reputao pessoal e pessoal: - Empenhar-se, permanentemente, em seu aperfeioamento pessoal e profissional; - Contribuir para o aprimoramento das instituies, do Direito e das Leis; - Estimular a conciliao entre os litigantes, prevenindo, sempre que possa, instaurao de litgios; - Aconselhar o cliente a no ingressar em aventura judicial; - Abster-se de: a)-utilizar de influncia indevida em seu benefcio ou do cliente; b)-patrocinar interesse ligados a outras actividades estranhas advocacia, em que tal actue; c)-vincular o seu nome a empreendimentos de cunho manifestamente duvidoso; d)-Emprestar concurso aos que atentem contra a tica, a moral, a honestidade e a dignidade da pessoa humana;

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F)-Pugnar pela soluo dos problemas da cidadania e pela efectivao dos seus direitos individuais, colectivos e difusos, no mbito da comunidade. (Cfr. Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola e Cdigo Deontolgico da Ordem dos Advogados de Angola)

III.

A PROBLEMTICA DO ACESSO AO DIREITO E A JUSTIA DO PONTO VISTA PRTICO

Sobre o acesso ao direito e justia j muito se escreveu. A Constituio da Repblica de Angola no seu artigo 39 espelha bem o significado deste direito

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fundamental: a todos assegurado o acesso ao direito e aos tribunais no podendo a justia ser denegada por falta de meios econmicos. Entretanto, arriscamo-nos a sugerir que tal direito fundamental est, ainda, do ponto de vista prtico, distante dos seus destinatrios: os pobres. O actual bastonrio da OAA, Dr. Ingls Pinto, numa das suas muitas intervenes para estudantes universitrios, dizia que temos leis escritas com bastante pompa, quando se referia a frase do artigo 29 da CRA insuficincia de meios econmicos, quando era para designar os POBRES! Como administrar a justia para pobres? Esta a questo. Levanta-se, nestes ltimos anos, a polmica, segundo a qual a justia s reconhecida para quem tenha dinheiro. Alguns crculos sociais parecem, at, sugerir que h uma justia para pobres e uma justia para ricos. Neste ltimo tipo de justia estariam os advogados como principais actores. Os advogados s defendem quem tem dinheiro, diz-se! Parece que esta infeliz notcia esta a se propagar de forma ostensiva em toda sociedade, associada aquela imagem mercantilista e oportunista do advogado. Da a discusso levantada aqui nesta dissertao: ser que o advogado angolano como algum que serve a comunidade, o direito e a justia no tem deveres acrescidos na concretizao da justia aos menos favorecidos? Como promover o princpio da igualdade constitucional, numa Angola cada vez mais utilitarista? Como o advogado pode influenciar a realizao material do acesso de todos os cidados ao direito e a justia? Diante das questes levantadas, atrever-nos-amos a perguntar pelo instituto do patrocnio judicirio. Ser letra morta? No. Este instituto continua vivo, mas revela-se do ponto de vista prtico, ineficaz. Que empenho ter o advogado naquela causa em que pouco ou nada ir tirar proveito, e quando, do outro lado, ter muitos gastos a realizar com a dificuldade do processo? Despesas at bsicas (transporte, comunicao, atavio e o prprio dispndio de tempo). At parece que nestas causas a dificuldade redobrada.

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Na capital, em Luanda, pode-se verificar algum esforo no sentido de dar cobertura prtica ao acesso ao direito e a justia. Pelo nmero de advogados estagirios inscritos e pela preocupao institucional da OAA em atacar directamente tais situaes. Embora, diga-se de passagem, que no s o advogado estagirio que deve exercer a assistncia judiciria. O mesmo j no se pode dizer das outras provncias. Onde h uma escassez tremenda de advogados. Existindo alguns realizando a actividade em forma de monoplio, ligados normalmente a elite econmica e social, a quem o pobre no consegue chegar. Porque para falar com o advogado ter que pagar de dez a vinte mil kwanzas, que o dinheiro que o pobre campons nunca viu. Postas que esto essas questes, embora de forma algo polmica e dramtica, temos condies de pedir um pouco mais de conscincia moral ao advogado. verdade que temos uma lei que regula a assistncia judiciria. verdade tambm que a Ordem dos Advogados de Angola muito tem contribudo para a aplicao prtica desta lei, nomeando advogados e advogados estagirios para o exerccio do patrocnio. ainda verdade que os advogados e advogados estagirios tm-se dignado a aceitar tais nomeaes. E finalmente, sabe-se tambm que o Estado tem dado cobertura financeira (ainda que msera) a essas intervenes. Mas tudo isto ser suficiente para motivar o profissional e entregar-se de corpo e alma a causa que lhe confiada? Entendemos que no, por causa do carcter imediato e mercantilista que se tornou hoje o exerccio da advocacia. Podia-se pensar, entretanto, que o nico responsvel pelo problema seria o Estado e toda a sua mquina administrativa, que no se tem dignado a engordar o Oramento Geral do Estado no que se refere a despesas com justia. Ainda ao Estado podia-se tambm exigir imediatamente a criao do Instituto de Defesa Pblica, para melhorar o sistema de justia angolano nesse sentido. Entendemos que tais solues so dignas de considerao, e, de facto, resolveriam os problemas com que se debate a justia angolana. Outrossim, entendemos, que s em parte tais problemas dar-se-iam por solucionados. Isto11

porque parte significante da franja social responsvel pela administrao da justia deve tambm ser tida em conta os advogados. Os advogados como partes da administrao da justia, desempenham papel preponderante no acesso dos cidados ao direito e a justia. E no qualquer advogado. o advogado tico, honesto, leal e desinteressado! Falar em advocacia desinteressada no o mesmo que falar duma advocacia sem ganhos econmicos. falar duma advocacia com o estrito e religioso das normas ticas e deontolgicas. S com este tipo de advocacia e que poderemos influenciar positivamente o sistema de justia angolano, no que se refere, sobretudo, ao acesso dos cidados ao direito e a justia.

CONCLUSO

Chegados aqui e tendo sido feita esta reflexo de modo pragmtico e problemtico, terminmos este trabalho com mais dvidas do que com as que comeamos. No foi o nosso propsito esgotar todas as questes. Esperamos que tenhamos contribudo para despertar conscincias e apelar aos valores.

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No que se refere a imagem social do advogado, entendemos que cada um dos advogados em, particular, e a Ordem dos Advogados de Angola, em geral, devem fazer um srio trabalho de sensibilizao e promoo de uma nova imagem do advogado: o de servidor da comunidade. Isto permitir que mais outras pessoas possam procurar os seus servios para verem realizadas em suas vidas o direito e a justia. Quanto a funo do advogado na sociedade angolana de hoje, partindo daquilo que seu estatuto constitucional, pensamos que muito avano se fez desde a criao, em 1994, desta ordem profissional at hoje. Sugerimos, entretanto, que cada advogado, ali onde estiver a exercitar o seu ministrio, tenha coragem de fazer mais pela comunidade. Os deveres dos advogados para com comunidade (ver artigo 10 do Cdigo de tica da O.A.A) colocam-se como uma ponte para que o advogado possa emprestar um pouco mais de si de modo a fazer uma sociedade melhor. Quando necessrio, o causdico deve ser um factor de incmodo para com as entidades administrativas e jurisdicionais do Estado. Acerca do acesso do cidado pobre ao acesso ao direito e a justia a ideia a reter que advocacia desinteressada em muito contribuir para a melhoria do quadro no sistema de justia angolano. Reconhecemos, entrementes, que a Ordem dos Advogados de Angola, nos ltimos anos, tem tido relativa dificuldade em controlar a actividade de todos os seus associados e os demais servidores da justia colocados sob seu olhar. Tudo isto deve ser o resultado, primeiro, do nmero crescente de profissionais que vo ingressando na classe actualmente, acrescido ao surgimento de novas universidades (privadas) a ministrarem o curso de direito. E, finalmente, fica um apelo a quem aos novos ingressados na classe dos advogados: a advocacia como se fosse um sacerdcio. Parafraseando as palavras do autor Angel Galardo: no advogado, a rectido de conscincia mil vezes mais importante do que o tesouro dos conhecimentos. Primeiro, ser bom; depois, ser firme; por ltimo ser prudente; a ilustrao vem em quarto lugar; a percia, no fim de tudo.13

BIBLIOGRAFIA

ARNAUT, Antnio; Iniciao Advocacia; Coimbra Editora, 5. edio; Coimbra, 2000. LUS, Alberto; A profisso de Advogado e a Deontologia; Centro Distrital de Estgio do Porto; Porto, 1999.

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CHIMBELE, Victor; tica e Deontologia Profissional; Dissertao de fim de Estgio; O.A.A, 2011. Colectnea de intervenes da I CONFERNCIA NACIONAL DE ADVOGADOS Estatuto da Ordem dos Advogados de Angola Lei da Advocacia Lei 1/95 Regulamento Disciplinar dos Advogados Regulamento de Estgio da O.A.A Cdigo Deontolgico da O.A.A Site da O.A.A: www.oaang.ao

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