ecos da jovem guarda no cenÁrio musical de aracaju… · completo da monografia que originou este...

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ECOS DA JOVEM GUARDA NO CENÁRIO MUSICAL DE ARACAJU: 1965 1970 Wilian Siqueira Santos Gomes 1 1 Licenciado em História e Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Sergipe. É Técnico Administrativo em Educação no Instituto Federal de Sergipe IFS. Atualmente cursa disciplinas isoladas no Mestrado em História da UFS. Contato: [email protected] . Currículo Lattes: http://lattes.cnpq.br/2916661329172531

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ECOS DA JOVEM GUARDA NO CENÁRIO MUSICAL DE ARACAJU: 1965 – 1970

Wilian Siqueira Santos Gomes1

1 Licenciado em História e Bacharel em Comunicação Social pela Universidade Federal de Sergipe. É Técnico

Administrativo em Educação no Instituto Federal de Sergipe – IFS. Atualmente cursa disciplinas isoladas no

Mestrado em História da UFS. Contato: [email protected] . Currículo Lattes:

http://lattes.cnpq.br/2916661329172531

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RESUMO

Este trabalho é baseado na pesquisa apresentada como Monografia para conclusão do

curso de Licenciatura em História na Universidade Federal de Sergipe, que contou com a

orientação do Profº. Dr. Antônio Fernando de Araújo Sá. Ele versa sobre as formas que o

movimento cultural que ficou conhecido como Jovem Guarda repercutiu em Sergipe, mais

detidamente em sua capital, Aracaju. O recorte temporal escolhido foi de 1965 a 1970,

baseado no período de maior destaque do movimento e das carreiras de seus protagonistas. O

principal instrumento metodológico adotado aqui foi a história oral, com a realização e

transcrição de entrevistas com participantes dos fatos pesquisados. Foram usadas também

como fontes, jornais da época, na forma de arquivos digitalizados e livros que retratam o

período estudado. Através da análise dessas fontes, se tornou possível afirmar que a Jovem

Guarda, derivando de um contexto mundial no qual o estilo musical Rock’n’roll foi o

catalisador, tendo Elvis Presley e The Beatles como seus mais destacados expoentes, teve sim,

em Aracaju, seus representantes. Estes foram jovens estudantes, que, ainda no colegial ou

iniciando o curso superior, formaram conjuntos, saindo assim do papel de espectadores e

passando a protagonistas, mesmo sem muitas perspectivas de profissionalização ou de se

igualar aos seus ídolos em termos de sucesso. Programas de rádio dedicados ao estilo, notícias

e resenhas em jornais e uma grande quantidade de shows dos ídolos nacionais completaram o

cenário da participação local nesse movimento cultural.

Palavras-chave: Jovem Guarda, Rock’n’roll, Música Sergipana, Juventude Aracajuana.

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Introdução

O presente texto apresenta um panorama de como a sociedade aracajuana da segunda

metade da década de 1960 recebeu e reagiu a um movimento cultural marcante na música

brasileira que ficou conhecido como Jovem Guarda. Esse movimento, de tão forte e marcante,

ainda hoje é alvo de revivalismos através da regravação de músicas, do retorno à moda

novamente de algumas roupas ou até mesmo da “reciclagem” de gírias e expressões a ele

ligadas.

A presença forte em Aracaju dos principais elementos desse movimento cultural foi

devidamente comprovada durante a pesquisa que originou esse texto, através de informações

conseguidas de forma científica sobre um período histórico em que o Rock’n’roll esteve em

alta, influenciando o comportamento de grande parte da sociedade. Tal fenômeno, que no

Brasil acabou por ficar conhecido como Jovem Guarda por conta de um programa de TV com

esse nome, ajudado pelos grandes meios divulgadores da cultura de massa, como rádio,

cinema, disco e a televisão, alcançou dimensão nacional.

Mensurar a repercussão que ele alcançou em Sergipe e mais detidamente em sua

capital aparece como objetivo principal desse trabalho. Para isso, inicialmente foi feito uma

reflexão metodológica e historiográfica, buscando o entendimento sobre a melhor maneira de

buscar e interpretar essas informações.

Metodologia e objeto

O presente trabalho aborda um período recente da história de Sergipe, o que possibilita

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o contato direto com pessoas que protagonizaram e/ou testemunharam os acontecimentos aqui

investigados. Esse fato favoreceu a escolha do conjunto de procedimentos conhecido como

história oral para ser a metodologia que centraliza a busca da maioria das informações aqui

utilizadas.

O tipo de uso das informações conseguidas através das entrevistas e a classificação

advinda desse uso são colocados pelos teóricos da área como essenciais para a definição da

história oral bem como as discussões sobre o estatuto da história oral está contida no texto

completo da Monografia que originou este trabalho, não cabendo aqui reproduzi-la.

A tentativa de se fazer uma pesquisa histórica o mais rica possível, levando-se em

conta as múltiplas possibilidades de busca de informações e o correto desenvolvimento dos

trabalhos na área, fez com que não fosse descartado o uso de outras fontes disponíveis.

Foram usadas então, notícias encontradas nas versões digitalizadas dos jornais A

Cruzada e Gazeta de Sergipe, do período entre 1965 e 1969, além de livros que vão citados no

seu devido espaço.

Reflexões sobre a viabilidade da Música como objeto da pesquisa histórica

Dentre os novos objetos admitidos como estudáveis pela História a partir do

movimento dos Annales, a música certamente não é dos que mais foram utilizados. Vinci de

Moraes (2010, p.204) aponta diversas razões para isso, mas é otimista ao afirmar que, “a canção

e a música popular poderiam ser encaradas como uma rica fonte para compreender certas realidades da

cultura popular e desvendar a história de setores da sociedade pouco lembrados pela historiografia”.

Porém, o fato de toda uma recente edição da Revista de História publicada, em 2007,

pela Universidade de São Paulo – USP ter sido dedicada à relação História e Música, chama

atenção para uma valorização desse objeto. Os textos que compõem a citada revista mostram

inicialmente que essa relação foi marcada, no século XX por períodos de silêncio, de

incertezas quanto à possibilidade da Música ser usada como fonte e até mesmo pela vergonha

manifestada por grandes historiadores em associar seus nomes a trabalhos que trouxessem

essa relação. Essa afirmação foi feita por Moraes (2007, p.10), citando o uso dos pseudônimos

Francis Newton e Henri Davenson, respectivamente por Eric Hobsbaum e Henry-Irenée

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Marrou para publicar trabalhos nessa área.

Esse mesmo autor faz um histórico dessa relação, afirmando que tanto no Brasil como

nos grandes centros de pesquisa pelo mundo, essa situação começa a mudar a partir da década

de 1990. González e Rolle (2007, p.33), escrevendo sobre as possibilidades de se trabalhar a

música no campo da História Social, citam Lucien Febvre pregando que a pesquisa histórica

pode e deve ser feita "com tudo que é do homem, depende do homem, serve o homem,

manifesta ao homem”, gerando assim possibilidades de se trabalhar com elementos como a

música, que falam mais detidamente à sensibilidade do que à razão humana.

No Brasil, os estudiosos da área detectam um crescimento das pesquisas na década de

1960, que definiu os parâmetros para o que viria a seguir: uma grande quantidade de

pesquisas históricas utilizando a música como objeto, a partir do final na década de 1980,

principalmente nos programas de pós-graduação. Esse é o entendimento, por exemplo, de

Marcos Napolitano (2007, p.158), apontando para a escolha de dois caminhos distintos pelos

pesquisadores da época: a análise das letras das canções, sua forma e seu discurso poético; e a

tentativa de entendimento da canção como experiência social dentro do contexto de sua

exploração comercial no que ficou conhecido como Indústria Cultural.

Elizabeth Travassos (2007, p.130) afirma que aumentou a "quantidade de títulos

publicados sobre música no Brasil nas duas últimas décadas e a diversidade de perfis

intelectuais e profissionais de seus autores". Esse seria então um demonstrativo da vitória

contra a resistência ao tema música no ambiente acadêmico.

Recepção da Jovem Guarda em Aracaju

Aracaju, sendo o maior centro urbano do estado na década aqui abordada, onde

estavam localizadas a maioria das emissoras de rádio e diversos cinemas, foi o centro de

disseminação dessa “nova onda”. A capital sergipana recebeu as primeiras informações de

que algo de diferente estava agitando a juventude através de o rádio e dos jornais. como

mostra Graça (2002, p. 161), foi assim que chegaram a Aracaju as notícias de que “O

fenômeno da ‘Juventude Transviada’ pipocou no Rio de Janeiro – capital da República – lá

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pelo ano de 57”. Ela relata também que no ano de 58, com a vinda do cantor estadunidense

Bill Haley2 ao Brasil, a música “Rock around the clock”, seu maior sucesso, passou a ser

tocada em Aracaju.

Em relação ao movimento Jovem Guarda, com sua música e outros elementos que

apareceram de forma agregada, a pesquisa conseguiu detectar dois meios irradiadores

principais e outros três subsidiários: no primeiro caso, o rádio, o disco; no segundo, a

televisão, o cinema e as revistas.

Começando pela televisão, Aracaju só ganharia sua primeira emissora em 1971.

Segundo Graça (2002, p.272), algumas casas aracajuanas, que já possuíam o aparelho,

conseguiam sintonizar transmissões vindas de Recife. Marcelo Brito, entrevistado para essa

pesquisa, faz o seguinte relato:

Lá em casa não tinha televisão, então eu tinha que ir para a casa do vizinho

que tinha uma televisão que passava a Jovem Guarda, que era em preto e

branco (...). E então já ia uma turma pra lá, ficava numa escadinha assim, só

olhando, assistindo, vendo Roberto Carlos, Wanderléia, Erasmo Carlos.

(BRITO, 2012, p. 4)

O cinema aparece em com um grau um pouco maior no que tange a ser um meio

apresentador das tendências musicais e até comportamentais à população aracajuana. Isso por

que, em relação ao número de salas, Graça (2002, p.131-132) relata a existência em Aracaju

no final da década de 1950, dos cinemas Rex, Rio Branco, Vitória, Palace e Aracaju, no

Centro; Guarany, na Rua Estância; além de outros nos bairros Siqueira Campos e Santo

Antônio.

Pesquisando-se em anúncios de jornais locais da época, percebe-se que os filmes

exibidos nesses espaços no período eram em sua maioria estrangeiros. Na produção

cinematográfica da época era comum que os filmes apresentassem números musicais, o que

acabava por proporcionar um contato visual do público em relação àqueles artistas que ele

ouvia em rádio e através dos discos.

2 Bill Haley and his Comets, fizeram sucesso mundial a partir de 1956, sendo considerados como os primeiros

disseminadores internacionais do Rock’n’roll.

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Os jornais pesquisados apontam que alguns desses filmes foram exibidos em Aracaju.

A edição de A Cruzada do dia 19 de setembro de 1965 mostra que naquela semana estava

sendo exibido no Cine Palace, o filme Os Reis do Iê iê iê com The Beatles (apelidados pelo

jornal de Os Cabeludos). Ainda como exemplo da exibição de filmes com astros do Rock da

época, pode ser citado o anúncio, também em A Cruzada, mas na edição de 16 de agosto de

1968, da exibição de Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, com estréia prevista para dois

dias depois.

A comunicação impressa também era um meio de divulgação para os novos artistas e

as novas tendências da música. Através de revistas, tanto se podia aprender as letras e acordes

para se tocar os sucessos do momento, como também era possível se atualizar em relação a

outros elementos, como as roupas e os cortes de cabelo. Gilvan Fontes, em entrevista para

esta pesquisa, relata que “o pessoal comprava muito as revistas da época, que traziam as

músicas, as letras das músicas” (2013, p.4). Silveira e Brito, que na esteira desse movimento

criaram conjuntos musicais, citam as revistas como inspiração na hora de bolarem seus

figurinos:

Como os Beatles eram referência para nós e os Beatles sempre foram muito

elegantes nas apresentações, nos discos, nas capas das revistas, então, no

nosso conjunto a gente sempre tocava com, um tipo, uma fardazinha

padronizada. (SILVEIRA, 2013, p.10)

Já Brito afirma que para seguir os exemplos dos artistas de destaque nacional, “era nas

revistas, que a gente via retratos desse pessoal todo nas revistas” (2012, p.4).

Passando a falar agora dos dois meios apontados por esta pesquisa como mais

importantes disseminadores do “barulho” produzido no Rio e em São Paulo pelos roqueiros

brasileiros, cabe a análise de que eles se equivalem em importância e se complementam. O

rádio e o disco são relatados aqui com grande destaque pelos entrevistados. Brito sobre isso

declarou: “eu fiquei em casa, de manhã, de tarde, de noite e passei o método todo, correndo

para o rádio e para a radiola, botando disco, tirando música e aprendendo” (2012, p.2),

referindo-se a como aprendeu a tocar para formar o conjunto The Tops. Sobre isso, Silveira

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foi bem enfático, dizendo que “basicamente era o rádio e os LPs também” (2013, p.10) que

traziam até ele e seus colegas do conjunto Top Caps as informações do movimento.

Além das emissoras locais, as nacionais contribuíam para que a música jovem se

popularizasse em Aracaju. Exemplo disso é o relato de Brito: “E então começou a invasão no

Brasil da música americana, nas rádios, naqueles programas do Rio de Janeiro, do 'Big Boy'

lançando música americana” (2012, p.4). Jairo Alves, radialista local que também falou à

pesquisa, relata quando perguntado sobre os meios pelos quais as informações chegavam aos

jovens de Aracaju, que se ouvia, além das emissoras locais, “a Rádio Nacional do Rio de

Janeiro, a Rádio Mayrink Veiga, do Rio de Janeiro, depois veio mais modernamente a Rádio

Globo.” (2013, p.5) Como dá pra perceber não se pode negar a força desse veículo naquele

período em Aracaju.

E os sucessos que a juventude aracajuana ouvia nos programas de rádio, logo eram

levados para casa através dos discos. E a semente inicial do Rock em Aracaju parece ter sido

lançada exatamente por uma loja de discos. É o que se vê em depoimento de Raimundo

Brandão França apresentado por Graça (2002, p. 163) em seu livro, em que ele diz lembrar

“do carro de propaganda da loja de discos ‘Radiolux’, que passou pela minha casa [...]

tocando Bill Haley. [...] Me apaixonei na hora por aquele tipo de música. A partir daí comecei

a curtir Rock”.

Silveira (2013, p.10) vai mais longe, informando que existiam outros meios de LPs e

compactos chegarem até as mãos da juventude local. “[...] representantes de gravadoras nos

davam, quando surgia um lançamento. Amigos que vinham de fora, às vezes traziam um

lançamento lá do Sul”.

Vila Nova (2012, p.10), que fundou na cidade de Riachuelo o conjunto Os

Invencíveis, também falou sobre o assunto dizendo que, para o conhecimento do que o

conjunto iria tocar, “comprávamos disco, que era vinil, na época”.

Eis então os principais elementos formadores do gosto musical e estético daqueles

que, sejam como músicos ou como divulgadores, participariam de um movimento local ligado

diretamente à Jovem Guarda, cujos artistas com fama nacional serviam de inspiração aos

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garotos aracajuanos, que tentariam de alguma forma reproduzir o que para eles chegava com

um apelo muito grande.

Emitindo “ecos”

O que está sendo chamado aqui de “ecos da ‘Jovem Guarda’” se configurou em alguns

campos da sociedade local. Na pesquisa, aparecem com destaque três focos de maior

repercussão do movimento: a programação radiofônica, as apresentações dos artistas

nacionais e a formação de conjuntos locais. Esses três focos interagem, na medida em que

cada um deles aparece como causa, consequência e influência do outro. Inicialmente serão

relatados de forma separada, para que ao final possa ser mostrada essa relação.

Iniciando aqui com a questão da programação radiofônica foi detectado que a cidade

tinha em funcionamento quatro emissoras de rádio, todas transmitindo em Amplitude

Modulada (AM): Difusora (hoje Aperipê), Liberdade, Jornal e Cultura. Além disso, existiam

serviços de alto-falantes em alguns bairros, que transmitiam principalmente músicas em sua

programação. Essas emissoras, acompanhando a tendência nacional, logo implantaram

programas direcionados a juventude.

Gilvan fontes e Jairo Alves, radialistas, começaram suas carreiras justamente no

período, comandando programas com essa tendência. Fontes conta que no programa Roteiro

das Onze, apresentado na Rádio Cultura tocava “esse pessoal daquela época: Roberto Carlos,

Elvis Presley, The Beatles, Fevers, Demétrius, Cely Campello, Eduardo Araújo, [...]” (2013,

p.8). Alves comandava o concorrente Os Brotos Comandam. Segundo seu relato o repertório

do programa era

Só jovem, Jovem Guarda. Os cantores que estavam surgindo, no caso,

Roberto Carlos, Dori Edson, Marcos Roberto, Wanderley Cardoso,

Reginaldo Rossi, Lilian e Leno, Os Vips, The Tops, Renato e Seus Blue

Caps, The Fevers, Rosemary, Wanderléia, Silvinha, Eduardo Araújo, essa

turma que estava começando. Realmente a gente dedicava todo espaço para

eles. (ALVES, 2013, p.3)

Percebe-se aí claramente que por conta do sucesso nacional da Jovem Guarda as

emissoras locais criaram programas que satisfariam a sede da juventude pelas novidades

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musicais do momento. Cabe registrar ainda o anúncio encontrado na edição de 28 de maio de

1966 da Gazeta de Sergipe, falando da estréia de um programa chamado Jovem Guarda na

Rádio Jornal, que seria apresentado todos os domingos, direto do Vasco Esporte Clube, sob a

direção de Derimar Porto e que contaria com a participação de diversos conjuntos da capital

sergipana.

O segundo elemento aqui apreciado é o da apresentação de artistas nacionais da Jovem

Guarda na capital sergipana. Vários desses shows estão registrados nos jornais da época,

tanto através da divulgação publicitária, como também em textos jornalísticos, inclusive

críticas.

Roberto Carlos esteve em Sergipe no mês de agosto de 1966, para a realização de duas

apresentações, sendo uma no ginásio Charles Moritz e outra no Estádio de Aracaju. Segundo

relato da coluna de Luiz Adelmo, no Jornal Gazeta de Sergipe de 24 de agosto daquele ano, o

cantor teve uma recepção “nunca vista em Aracaju” (1966, p.4). O colunista continua sua

narração trazendo detalhes como a formação de um desfile acompanhando a comitiva do

artista, a presença de pessoas de destaque da sociedade no show e até mesmo “chiliques” e

desmaios de alguns jovens.

Durante a pesquisa, foram localizadas notícias de apresentações de outros artistas,

como Erasmo Carlos, Wanderley Cardoso e Wanderléia, Ronnie Von, Renato e Seus Blue

Caps e Adriana. Alves (2013, p.5) afirma que “Quase toda semana tinha um artista nacional

aqui.”. Ele citou alguns dos que se apresentaram com grande repercussão.

Ficava aquela aglomeração embaixo, olhando pra cima, pra ver se o Roberto

aparecia na janela. Isso de manhã, de tarde, de noite e de madrugada (...)

chegava um cantor como Jerry Adriani mesmo, parava a cidade. Wanderley

Cardoso parava a cidade. Dori Edson, Renato e Seus Blue Caps, The Fevers

paravam a cidade (ALVES, 2013, p.5).

Tais relatos fazem com que não se possa negar que Aracaju estava inserida no roteiro

de shows dos grandes astros da Jovem Guarda, configurando, assim, a existência de público

para tais artistas. Dentro desse público, estariam então aqueles que tendo recebido todas essas

informações pelos meios e das maneiras aqui relatadas, configurariam o principal “eco”

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jovemguardiano na capital sergipana: aquela parcela da juventude aracajuana que quis passar

de ouvintes e espectadores a participantes ativos daquele movimento musical.

Já não bastava aguardar a vinda dos ídolos, ouvir suas canções no rádio ou esperar a

exibição de seus filmes nos cinemas. Os próximos passos foram a formação de conjuntos ou

bandas e a tentativa de participação nos programas de auditório nas emissoras de rádio e da

realização de shows e festas temáticas. Assim sendo, não tardou para surgirem na cidade e em

outras partes do estado diversos conjuntos musicais cujo repertório, vocabulário e figurino

tinham influência direta da Jovem Guarda.

José Augusto dos Santos, guitarrista da primeira formação do Top Caps, conjunto

liderado por Edgard Silveira, relataram a impressão de terem sido eles os pioneiros da Jovem

Guarda em Aracaju. Esse entendimento aparece em suas palavras quando ele diz:

Nós éramos realmente, os representantes sergipanos da Jovem Guarda. Então

nesse movimento, outros cantores começavam a aparecer [...]. Aí nós

tivemos outros grupos, como o DND Trio, [...] Spite Fire, Os Nômades e

muitos outros grupos, vieram seguindo os Top Caps. (SANTOS, 2012, p.4)

Já Silveira (2013, p.4) lembra que “nesse tipo de música, salvo engano, me parece que

nós fomos efetivamente os primeiros. Depois vieram, não necessariamente nessa ordem, The

Tops, Os Águias, Os Apaches, Os Comanches [...]”

Outro que decidiu fazer o caminho de público para artista foi Marcelo Brito. Seu

conjunto, The Tops, teve inclusive um revival já no século 21, entre o final de 2005 e o início

de 2006. Ele relatou assim a experiência inicial da formação de seu conjunto:

Já haviam alguns conjuntos na época. Tinha “Os Águias”, que era o mais

famoso. (...). Fui ver “Os Águias” tocando lá no Parque de Exposição e

fiquei de boca aberta. Mas eu vi que eu já tinha condição pra tocar como

eles. Foi então que apareceu uma turma pra gente formar e fui chamado. (...).

Fui pra casa de Pascoal (Maynard) e ficávamos, ele na bateria e eu com

amplificador na guitarra, fazendo som. Pascoal já conhecia Marcos, que era

outro guitarrista, que já tinha tocado com ele antes. Então na casa dele, os

três que tocavam. Mais adiante, eu tinha um amigo, Carlinhos. Eu fiz ele

tocar baixo com a gente. Então começou aí, com os quatro “Tops” iniciais.

(BRITO, 2012, p.2)

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As fontes mostram que diversos conjuntos do estilo se apresentavam com certa

regularidade em festas e bailes promovidos na capital e no interior do estado. O movimento

chegou a certo ponto de efervescência que nos relatos colhidos, foi possível localizar diversos

artistas que no período se dedicaram à estética da Jovem Guarda. A participação dos artistas

locais em apresentações dos astros nacionais era uma realidade. Os Top Caps participaram ora

como banda de abertura, ora como acompanhantes, em shows de diversos artistas como os já

citados Roberto Carlos, Wanderley Cardoso, Renato e Seus Blue Caps, The Fevers,

Wanderléia, Erasmo Carlos e ainda Golden Boys, Trio Esperança, Eduardo Araújo, Martinha,

Antônio Marcos e Raul Seixas (que atuava ainda como Rauzito e seus Panteras).

Os que vão citados aqui estão presentes tanto na memória dos entrevistados, como nas

páginas dos jornais pesquisados. Além dos conjuntos Top Caps, The Tops e Os Invencíveis,

dos quais de alguns dos membros foi possível colher entrevistas, ainda foram citados os

conjuntos aracajuanos Os Comanches, Os Cometas, Brasa Dez, The Falcons, DND Trio, Spite

Fire, Os Vikings, Os Apaches. Do interior, mas com repercussão na capital vinham Os

Nômades (Itabaiana), Os Átomos (Própria), Los Guaranis (Lagarto), Cassino Royale (Tobias

Barreto). E ainda havia os artistas solo. A pesquisa chegou aos nomes de Tutti Fred, Agildo

Alves, Edidelson Andrade e Roberto Alves (conhecido como Roberto Carlos de Capela).

Esses artistas encontravam espaço para apresentações nos diversos clubes da capital,

como Associação Atlética de Sergipe, Iate Clube de Sergipe e Vasco Esporte Clube. Os

cinemas aparecem também como palco para apresentações. O tão citado ginásio Charles

Moritz, que servia para as apresentações dos artistas nacionais, também recebia os iniciantes

roqueiros sergipanos. A presença dos conjuntos em festas de aniversário, formaturas e outras

festividades promovidas pelas famílias locais era constante no período. Vale aqui ressaltar que

havia uma mobilidade, pois conjuntos e cantores da capital se apresentavam no interior e vice

versa. Alguns conjuntos inclusive chegaram a romper fronteiras, tocando em cidades da Bahia

e de Alagoas. O The Tops aparentemente foi o que chegou mais longe, representando o estado

em um festival de bandas em Natal (RN).

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Percebe-se então que Aracaju não esteve imune ao fenômeno Jovem Guarda e que,

mesmo distante geograficamente do epicentro do movimento, os jovens locais tentaram de

alguma forma imprimir sua marca e até mesmo alimentaram sonhos de chegar mais perto de

seus ídolos, fazendo o que eles faziam

Conclusão

A pesquisa que baseou esse texto conseguiu comprovar a presença na capital sergipana,

da música e de outros elementos oriundos do movimento Jovem Guarda. Extrapolando, ainda

detectou que, no interior do estado, o movimento também “ecoou”.

Durante todo o processo de coleta de dados e informações para a pesquisa, vindo desde

a confecção de seu projeto, foi encontrado muito pouco no que tange a registros fotográficos.

Gravações em áudio ou vídeo não foram localizadas. Levando-se em consideração as

declarações dos entrevistados e sendo eles participantes diretos dos eventos elencados, não é

de se estranhar. Todos eles, quando questionados em relação a possíveis gravações, relataram

que nenhum artista local do período chegou a registrar seu trabalho em disco. No máximo,

alguns fizeram gravações em fitas cassete, fitas de rolo e discos de acetato, porém,

aparentemente estas não resistiram ao tempo.

Você gravava naquelas fitas que depois de um certo tempo, ela se acabava,

se deteriorava, e não servia mais, você não ouvia mais som, não ouvia nada.

Às vezes até a fita quebrava quando você botava naqueles gravadores

grandes, de rolo mesmo. [...] Aqui em Aracaju só tinha um senhor que

gravava acetato, um senhor chamado seu Orico. [...] também com o tempo

ficava ruim e depois você não ouvia mais nada. (FONTES, 2013, p.7)

Como Aracaju não dispunha de companhias que trabalhassem com gravação e

distribuição de discos, os artistas locais não tiveram a oportunidade de deixar registros e de

comercializar sua música. E segundo Jairo Alves, não era uma questão de qualidade artística,

pois “Muitos artistas (tinham) condições de ter seu nome nacionalmente e não tiveram”

(2013, p.3).

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Outra conclusão que se pode tirar é de que, apesar da quantidade de artistas, de

programas de rádio e de shows, tanto locais quanto nacionais, que aconteceram em Aracaju

no período, não houve um investimento na transformação dessa cena musical em um mercado

de consumo da produção dos artistas locais. Vale lembrar que a divulgação dos conjuntos

locais era grande, se dando através dos shows conjuntos com os artistas nacionais que por

aqui apareciam, expondo-os assim a um grande público. Pode-se então concluir que haveria

consumidores para os discos, caso eles fossem lançados.

Em relação aos aspectos não musicais, a Jovem Guarda trouxe para Sergipe

comportamentos e atitudes que gerariam opiniões controversas, como aconteceu

nacionalmente. Roupas, cabelos, vocabulário, dentre outros elementos, não tardaram a

encontrar em Aracaju quem os adotassem.

Um artigo do colunista Zózimo Lima publicado no jornal Gazeta de Sergipe do dia 27

de julho de 1968, descreve o suposto relato de uma senhora católica ao se deparar com uma

missa onde

a Jovem Guarda cabeluda, com calças a meio pau, mais apertadas que bainha

de espingarda, reco-reco, atabaque, tamborim, aos gritos boçais de iê-iê-iê,

acompanha escandalosamente todas as passagens da santa missa.

Mas a aceitação do estilo trazido pela Jovem Guarda, ficou demonstrada através dos

convites recebidos pelos conjuntos para tocar em clubes tradicionais de Aracaju, como o Iate

e a Atlética e também em formaturas e festas de quinze anos. A grande audiência dos

programas de rádio, com presença maciça de público em suas edições de auditório, é outra

mostra de que a cidade estava preparada para a pequena dose de rebeldia que o movimento

trazia. Corrobora com esse pensamento José Augusto, quando diz

a Jovem Guarda, ela não era um movimento assim, como os hippies. Era

uma coisa bem comportada. O objetivo da Jovem Guarda, realmente,

Roberto Carlos, (...) Erasmo, eles não eram rebeldes a ponto de contestar os

costumes e a sociedade. (...) E o nosso grupo aqui, uma das características

nossa era essa: todos eram pessoas de família, eram pessoas da sociedade

normal. (SANTOS, 2012, p.6)

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Tudo isso, em resumo, quer dizer que Aracaju produziu seus artistas de Jovem Guarda

de maneira forte, porém, localizada no quem diz respeito à durabilidade temporal. Ao tempo

em que, nacionalmente, o movimento foi dando lugar na preferência popular a outros estilos,

ele também foi perdendo força aqui. Porém, como é características dos ecos, por serem

repetições de sons emitidos, nunca ganharam o mesmo volume dos sons originais e acabaram,

com a redução dos sons originais, se extinguindo.

Fontes e Referências Bibliográficas:

Fontes orais transcritas (disponíveis no Departamento de História da UFS)

ALMEIDA. Jairo Alves de. Transcrição de entrevista concedida ao autor. Aracaju,

17/01/2013. 9 f.

BRITO, Marcelo Brito de. Transcrição de entrevista concedida ao autor. Aracaju,

26/07/2012. 13 f.

FONTES, Gilvan. Transcrição de entrevista concedida ao autor. Aracaju, 17/01/2013. 8 f.

SILVEIRA, Edgard. Transcrição de entrevista concedida ao autor. Aracaju, 21/01/2013.

12 f.

SANTOS, José Augusto dos. Transcrição de entrevista concedida ao autor. Aracaju,

28/08/2012. 7 f.

VILA NOVA, Francisco Henrique Hardman. Transcrição de entrevista concedida ao

autor. Aracaju, 26/07/2012. 11 f.

Fontes hemerográficas

A CRUZADA. Aracaju: [s.n.], jan.- dez. 1968/69. Diário. 1 CD-ROM, Acervo do Instituto

Histórico e Geográfico de Sergipe, HE- 76.

A CRUZADA. Aracaju: [s.n.], jul.- dez. 1968/69. Diário. 1 CD-ROM, Acervo do Instituto

Histórico e Geográfico de Sergipe, HE- 73

A CRUZADA. Aracaju: [s.n.], jan.- nov. 1967. Diário. 1 CD-ROM, Acervo do Instituto

Histórico e Geográfico de Sergipe, HE- 75

GAZETA DE SERGIPE. Aracaju: Gazeta de Sergipe S.A., jul. - dez. 1968. Diário. 1 CD-

ROM, Acervo do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, HE- 177.

16

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