monografia - análise da constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

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Universidade Anhanguera-Uniderp Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DAS PESQUISAS COM EMBRIÕES HUMANOS PAULO VINÍCIUS COSTA OLIVEIRA Montes Claros MG Dezembro de 2010

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Palavras-chave: embrião humano, células-tronco, ADIn nº. 3.510/05.

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Page 1: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DAS PESQUISAS COM EMBRIÕES

HUMANOS

PAULO VINÍCIUS COSTA OLIVEIRA

Montes Claros – MG

Dezembro de 2010

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PAULO VINÍCIUS COSTA OLIVEIRA

ANÁLISE DA CONSTITUCIONALIDADE DAS PESQUISAS COM EMBRIÕES

HUMANOS

Monografia apresentada ao Curso de Pós-

Graduação lato sensu TeleVirtual em Direito

Constitucional, na modalidade Formação para

Mercado de Trabalho, como requisito parcial à

obtenção do grau de especialista em Direito

Constitucional.

Universidade Anhanguera-Uniderp

Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes

Orientador: Prof.ª Ana Paula Polacchini de Oliveira

Montes Claros – MG

Dezembro de 2010

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TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE

Declaro, para todos os fins de direito e que se fizerem necessários, que isento

completamente a Universidade Anhanguera-Uniderp, a Rede de Ensino Luiz Flávio

Gomes, e os professores indicados para compor o ato de defesa presencial de toda

e qualquer responsabilidade pelo conteúdo e idéias expressas na presente

monografia.

Estou ciente de que poderei responder administrativa, civil e criminalmente em caso

de plágio comprovado.

Montes Claros, 14 de dez. de 2010

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DEDICATÓRIA

U I O G D

Ut In Omnibus Glorificetur Deus

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EPÍGRAFES

“O homem só é verdadeiramente instruído quando sabe regular sua vida e regulá-la de modo a atingir seu fim. Os conhecimentos mais profundos, os mais variados, os mais raros, não tiram o homem da ignorância se não o ajudam a atingir seu fim. Também há homens que, sob certos aspectos, são verdadeiros sábios; eles sabem línguas, letras, a história, as ciências; e com tudo isso, não tendo a ciência da vida, são realmente ignorantes, e diante de Deus, o Pai das luzes, estão mergulhados em profundas trevas.” Pe. Emmanuel-André

“Não basta a leitura sem a unção, não basta a especulação sem a devoção, não basta a pesquisa sem maravilhar-se; não basta a circunspecção sem o júbilo, o trabalho sem a piedade, a ciência sem a caridade, a inteligência sem a humildade, o estudo sem a graça.”

São Boaventura

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RESUMO

Com a promulgação da Lei nº. 11.105/05, o Brasil passou a permitir a experimentação com embriões humanos, experiências estas que causam a morte do embrião. Pouco tempo depois, o Procurador-Geral da República interpôs a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) nº. 3.510 questionando a constitucionalidade de tal lei, sob a tese de que ela feriria o direito à vida do embrião, atentando contra a sua dignidade humana. Chamado a se manifestar sobre o assunto, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou constitucional o dispositivo legal. O presente trabalho analisa os vários aspectos científicos do uso terapêutico de embriões humanos em pesquisas. Com isso, buscou subsidiar o estatuto jurídico de proteção do embrião humano no direito pátrio, consubstanciando este entendimento com as indispensáveis contribuições biológicas, médicas e filosóficas sobre o assunto. Por fim, comentou-se os principais aspectos da decisão do STF na supracitada ADIn.

Palavras-chave: embrião humano, células-tronco, ADIn nº. 3.510/05.

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ABSTRACT

With the enactment of Law no. 11.105/05, Brazil started to allow experimentation with human embryos, these experiences that cause the death of the embryo. Shortly thereafter, the Attorney General's Office filed the direct action of unconstitutionality (ADIn) No. 3510 challenging the constitutionality of this law, under the argument that it would hurt the right to life of the embryo, violating their human dignity. Called to comment on the matter, the Supreme Court (STF) ruled constitutional the legal device. This paper analyzes the various scientific aspects of the therapeutic use of human embryos in research. With this, tried to outline the legal status of human embryo in the Brazilian law, consolidating this with understanding the essential contributions biological, medical and philosophical about it. Finally, he commented on the main aspects of the decision of the Supreme Court in the above ADIn. Key words: human embryo stem cells, ADIn No. 3.510/05.

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SIGLAS E ABREVIATURAS

(na ordem em que aparecem no texto)

CRFB = Constituição da República Federativa do Brasil.

CT = células-tronco.

CTA = células-tronco adultas.

CTE = células-tronco embrionárias.

ADIn = Ação Direta de Inconstitucionalidade.

STF = Supremo Tribunal Federal.

CTPI = células-Tronco Pluripotentes Induzidas.

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SUMÁRIO

Considerações Iniciais ................................................................................................. 07

CAPÍTULO 1 – CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE A VIDA E A DIGNIDADE HUMANA NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 Direito Natural .................................................................................................. 09

1.2 Direito à Vida .................................................................................................... 13

1.3 Princípio da Dignidade da Pessoa Humana ................................................... 14

1.4 Direitos do Nascituro segundo o Código Civil de 2002 ................................ 16

1.5 Pacto de São José da Costa Rica ................................................................... 20

CAPÍTULO 2 – A FECUNDAÇÃO, INÍCIO DA PERSONALIDADE HUMANA

2.1 O Embrião Humano e o Início da Vida............................................................ 23

2.2 Células-Tronco Adultas e Células-Tronco Embrionárias – Conceitos ........ 26

2.3 O Embrião Humano como Indivíduo e o Conceito de “Pré-Embrião” ........ 27

2.4 O Embrião Humano como Pessoa Humana ................................................... 28

CAPÍTULO 3 – DIREITOS DO EMBRIÃO HUMANO NO DIREITO BRASILEIRO

3.1 ADIn nº. 3.510 .................................................................................................. 31

3.2 Considerações Sobre o Julgamento .............................................................. 33

3.2.1 Sobre o Direito à Vida ............................................................................... 34

3.2.2 Sobre a Dignidade da Pessoa Humana .................................................... 37

3.2.3 Critérios para a Permissibilidade da Experimentação Científica com Embriões ...................................................................................................................... 39

3.3 O Ser Humano Usado como Meio ................................................................... 41

3.4 Paralelo entre as Experiências com CTA e CTE ............................................ 43

3.5 O Mal Intrínseco do Congelamento Artificial de Embriões .......................... 45

3.6 A Grande Inovação das Células-Tronco Pluripotentes Induzidas (CTPI) ... 47

Considerações Finais ................................................................................................ 49

Referências Bibliográficas ........................................................................................ 51

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INTRODUÇÃO

Os grandes avanços tecnológicos e científicos experimentados pela

humanidade nas últimas décadas trouxeram benefícios singulares no que tange à

promoção do bem-estar do homem na sua vida na Terra.

Porém, verifica-se em alguns casos que em nome de pretensas melhorias

advindas desse progresso, princípios éticos de enorme valia e obrigatório resguardo

são sacrificados, em detrimento dos danos que daí hão de sofrer tanto as vítimas do

mesmo progresso quanto a ordem social presente e futura. Por essa razão, torna-se

imprescindível que o progresso científico seja atentamente orientado segundo os

princípios e valores morais atinentes à intocável dignidade da pessoa humana, de

forma a não permitir que aquilo que deve se destinar ao serviço e promoção da

humanidade resulte em sua degradação. A ordenação de toda ciência está em servir

de benefício ao homem; porém, não se pode olvidar que muitas vezes o ser humano

tende a inverter essa ordem, subvertendo conseqüentemente os valores éticos que

a pautam, e acarretando finalmente a derrocada da sua finalidade precípua.

É nesse contexto que se encontra a discussão proposta por este trabalho

a respeito da constitucionalidade das experiências com células-tronco embrionárias.

Os temas pertencentes ao Biodireito são, por sua própria natureza, de

grande atualidade no mundo jurídico. O tema proposto neste trabalho não foge à

regra, pois a discussão sobre a constitucionalidade das experiências com células-

tronco embrionárias somente pôde ser gerada devido aos modernos avanços em

biotecnologia.

O presente trabalho procurou reunir o vasto embasamento doutrinário

acerca do tema, e tentou se afastar de todo e qualquer superficialismo e

tendenciosidade, sem, contudo, intencionar esgotar o assunto. Comumente a

discussão sobre a experimentação com embriões é cercada de dados inverídicos,

tornando comprometedora toda e qualquer análise séria e lógica sobre o assunto.

Contra este desvio, deve o pesquisador buscar a verdade com boa-fé e

guiado por sua reta razão. Neste sentido a pesquisa intencionada faz uso do método

dedutivo e busca amparo na doutrina do direito natural.

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Para isso, mister se faz explorar as mais diversas áreas do saber

humano, munir-se de sólidos princípios e, então, emitir algum juízo, cônscio da

responsabilidade que se tem de defender a sua própria espécie, e não outra inferior.

De fato, não se pode deduzir que a pesquisa científica, somente por ser

científica, não se vincula a obedecer certos parâmetros éticos e a salvaguardar

valores universais. Nem se diga que em nome do avanço técnico é válida somente a

corrente ideológica que prima por extrair da atividade científica seu máximo

benefício e utilidade, indiferente em relação aos que serão prejudicados.

No capítulo 1 desta monografia, será explicitada a proteção jurídica

dispensada à vida e à dignidade humana no ordenamento brasileiro. Ancorado no

Direito Natural, este capítulo visitará as áreas do Direito Constitucional, Civil,

Internacional e Direitos Humanos.

Buscar-se-á no capítulo 2 definir quando se dá o início da vida do ser

humano, assim como conceituar os termos mais usuais ao foco da pesquisa. Caberá

também a esse capítulo definir os conceitos de indivíduo e pessoa humana.

Ao capítulo 3 restará concatenar as informações dos capítulos anteriores

de forma a emitir um parecer acerca da constitucionalidade das pesquisas com

embriões humanos.

Ao final, será verificado se o trabalho atingiu o objetivo proposto,

prosseguindo-se às considerações finais.

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1 – CONSIDERAÇÕES JURÍDICAS SOBRE A VIDA E A DIGNIDADE

HUMANA NO DIREITO BRASILEIRO

1.1 Direito Natural – A busca da Verdade pela Razão

Existe, sem dúvida, uma verdadeira lei: é a reta razão. (...) Conforme a natureza comum a todos os homens, racional, eterna, que nos prescreve a virtude e nos proíbe a injustiça. Essa lei não é das que se podem transgredir ou iludir ou que podem ser modificadas. (...) É um sacrilégio substituí-la por uma lei contrária (...). Quanto a ab-rogá-la inteiramente, ninguém tem a possibilidade de fazê-lo (CÍCERO apud MONTORO, 1975: p. 345) 1.

No início do presente trabalho, é imprescindível rememorar alguns

institutos e princípios daquela orientação para a verdade e para o bem que cada

homem traz dentro de si - porque própria de sua natureza -, a qual é chamada de lei

natural. Porque de fato, a razão humana é capaz de conhecer verdades objetivas e

imutáveis, que não dependem do consenso das maiorias, mas são inscritas

indelevelmente no cerne da consciência individual, fundamento pelo qual são elas

inegociáveis. Por “obrigarem” pela força da consciência, são ditas leis; porque

próprias da espécie humana, são ditas naturais. Ao seu conjunto, denomina-se

Direito Natural.

Presente no coração de cada homem e estabelecida pela razão, a lei natural é universal em seus preceitos, e sua autoridade se estende a todos os homens. Ela exprime a dignidade da pessoa e determina a base de seus direitos e de seus deveres fundamentais (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2000: p. 517).2

Segundo o Direito Natural, a idéia do bem e do mal do agir humano não é

variável, podendo se estabelecer certos critérios que guiarão inexoravelmente a

busca do justo. Longe de ferir a subjetividade, tal idéia nos guardaria de um

subjetivismo despótico, pois não se estaria delegando o poder de dizer o que é certo

1 CÍCERO, De Republica, II, 22. 2 Uma das melhores defesas da Lei Natural encontra-se na obra A Abolição do Homem, do escritor C.

S. Lewis (particularmente famoso por uma sua outra obra, As Crônicas de Nárnia). Á guisa de amostra, transcrevemos aqui um breve parágrafo da obra supracitada: “Isso a que tenho chamado por conveniência de Tao, e que outros poderiam chamar Lei Natural, Moral Tradicional, Primeiros Princípios da Razão Prática ou Primeiros Lugares-comuns, não é um entre uma série de sistemas de valores possíveis. É a única fonte possível de todos os juízos de valor. Caso seja rejeitado, todos os valores serão também rejeitados. (...) O intuito de refutá-lo e de erigir em seu lugar um novo sistema de valores é em si mesmo contraditório. Nunca houve, e nunca haverá, um juízo de valor radicalmente novo na história do mundo” (LEWIS, 2005: p. 42).

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e errado a alguma pessoa, sociedade ou instituição, e sim apenas reconhecendo as

tendências da natureza humana presente em todas as consciências.

O conhecimento da norma moral natural não está vedado ao homem que entre em si mesmo e, tendo diante dos olhos o próprio destino, se interrogue sobre a lógica interna das mais profundas inclinações presentes no seu ser. Embora com perplexidades e incertezas, ele pode chegar a descobrir, pelo menos nas suas linhas essenciais, esta lei moral comum que, independentemente das diferenças culturais, permite aos seres humanos entenderem-se entre si quanto aos aspectos mais importantes do bem e do mal, do justo e do injusto (BENTO XVI, Mensagem para o Dia Mundial da Paz de 2008, nº. 8, grifos no original).

A idéia do Direito Natural encontra suas raízes na Grécia Antiga. Uma de

suas primeiras manifestações está presente no teatro grego, na famosa tragédia de

Sófocles, “Antígona”:

O rei Creon proíbe o sepultamento de Polínice, irmão de Antígona. Mas esta desrespeita a ordem recebida e sepulta o irmão, alegando que, acima da ordem positiva do Rei, devia cumprir certas leis não escritas: “Que não são nem de hoje, nem de ontem; Têm existência eterna (ninguém lhes assinala o nascimento); Nem poderia eu desafiá-las e enfrentar a vingança divina; Por temer a cólera de qualquer homem” (MONTORO, 1975: p. 343).

Na Idade Média, a Filosofia do Direito teve em São Tomás de Aquino seu

maior representante. Sua doutrina dá continuidade ao pensamento aristotélico,

inspirando uma corrente importante da moderna Filosofia do Direito. A obra de

Tomás recebeu também elogios de juristas como Ihering e Duguit.

Ao tratar da imutabilidade da lei natural, São Tomás diz que a lei natural é

absolutamente imutável em seus primeiros princípios: o bem deve ser feito e o mal

evitado, deve-se dar a cada um o que é seu, não se deve lesar a outrem, etc

(Montoro, 1975: p. 349). A autoridade do Direito Natural muito deve a esta

imutabilidade.

Quanto aos preceitos secundários, muda-se a situação: aqueles que são

conclusões próximas dos primeiros princípios têm necessária aplicação quase

sempre, sendo possível exceções pelas circunstâncias que os tornam

inconvenientes em algumas situações, assim, o dever de devolver os objetos que

nos foram confiados pelos seus donos pode sofrer exceção no caso do proprietário

estiver em estado colérico (Montoro, 1975: p. 349-350).

A história do Direito continuou a registrar vários estudiosos que herdaram

e deram seguimento à doutrina do Direito Natural, casos como Francisco Suárez

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(1548-1617), autor da célebre definição de que “o direito natural é aquela forma de

direito que existe dentro do espírito humano, que nos permite distinguir o bem do

mal”.

Na modernidade, nomes como Maritain, Bettiol e Vermeersch, no exterior,

e Vicente Rao, Haroldo Valadão, A. Amoroso Lima e E. Mata Machado, no Brasil,

são representantes da doutrina tradicional do Direito Natural (MONTORO, 1975, p.

355).

Aqui, fazem-se necessárias reflexões de singular importância. É sem

fundamento a crítica de que os princípios do Direito Natural sejam destituídos de

conteúdo, porque a natureza humana, seu alicerce basilar, não é um conceito vazio;

pode-se traçar com segurança suas diretrizes.

Dessemelhante do Juspositivismo, corrente jurídica que põe como

fundamento de validade da norma a sua própria positivação, o Direito Natural

procura estabelecer uma harmonia entre a verdade apodítica da natureza humana e

toda lei existente.

A reflexão acerca do Direito Natural conduz naturalmente à percepção

dos equívocos do Juspositivismo, como vemos nas considerações seguintes:

O jusnaturalismo é uma corrente jusfilosófica que crê na existência de um conjunto de valores éticos universais inerentes ao homem, decorrendo, destarte, da própria natureza humana, sendo superior bem como anterior ao direito positivo, o que se contrapõe aos ideais do juspositivismo.(...)

Chamamos juspositivismo o posicionamento dos que só admitem um Direito posto, ignorando o Direito Natural e, por vezes, negando sua existência. Noutros termos, os juspositivistas pensam e agem, ainda que nem sempre explicitamente, como se a lei dada pelo Estado criasse a verdade: está na lei, cumpra-se! Segundo João Baptista Herkenhoff, prócere das teses alternativistas, o juspositivismo "reduz o Direito a um papel mantenedor da ordem. Sacraliza a lei. Coloca o jurista a serviço da defesa da lei e dos valores e interesses que guarda e legitima, numa fortaleza inexpugnável." Para esse autor – que resume a teoria juspositivista com maestria – isso é o positivismo: se o Estado cria uma lei, cria uma verdade. E como tal, essa verdade deve ser defendida até que outra verdade – muitas vezes oposta! – tome seu lugar, em nova atividade legislativa estatal. Nisso reside a essência do contra-senso juspositivista, e os exageros kelsenianos, autêntico produto da filosofia liberal do século XVIII (CICCO FILHO, 2010: nº. 2).

Segundo a Escola do Direito Natural, toda norma posta somente é

legítima e justa na proporção em que esteja em consonância com o Direito Natural:

Negar o direito natural, segundo HERVADA , é negar ao homem seu caráter de pessoa, o positivismo parte da idéia de que o homem é apenas um

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membro da espécie ou da coletividade, a qual atribui alguns direitos sem outra base que não o consenso social, que é expresso através da lei. Esta negação implica em admitir que, antes da lei positiva é impossível a existência do direito e da justiça, pois todo o direito seria criação legislativa. No entanto, não se pode admitir que assim seja, pois a juridicidade é um dado natural que serve de fundamentação à atividade legislativa. Logo, os direitos do homem preexistem ao direito positivo, sendo estruturantes da sociedade, diretivos para os governos, alcançando caráter constitucional, e definidos, por isso mesmo, como direitos fundamentais. Não há como entender o direito, a justiça, a obrigação, sem referência à pessoa – fundamento do próprio direito. Em virtude da condição ontológica, que é própria da pessoa, é que se pode falar em algo justo ou injusto, devido ou não devido (MOREIRA, 2010).

Os anais das civilizações são concordes em evidenciar que sempre que

os direitos naturais do homem foram desrespeitados, a dignidade e a vida humana

foram brutalmente vilipendiadas.

Em definitivo, a lei natural é o único baluarte válido contra o arbítrio do poder ou os enganos da manipulação ideológica. O conhecimento desta lei inscrita no coração do homem aumenta com o progredir da consciência moral. Portanto, a primeira preocupação para todos, e particularmente para quem tem responsabilidades públicas, deveria consistir em promover o amadurecimento da consciência moral. Este é o progresso fundamental, sem o qual todos os outros progressos terminam por ser não autênticos. A lei inscrita na nossa natureza é a verdadeira garantia oferecida a cada um, para poder viver livres e ser respeitado na própria dignidade (BENTO XVI, 2007).

Assim, pode-se concluir que a escolha pelo pensamento jusnaturalista,

antes de atentar contra a racionalidade humana, colabora para o seu reto uso.

1.2 Direito à Vida - Fundamento e Pressuposto dos Direitos

O direito à vida é indubitavelmente o maior dos direitos da pessoa

humana, pois sem ele não há que se falar em qualquer outro direito, pelo fato dele

ser o fundamento de existência do homem (HOLTHE, 2010: p. 358). No dizer de

Alexandre de Moraes “é o mais fundamental de todos os direitos, já que se constitui

em pré-requisito à existência e exercício de todos os demais direitos” (MORAES,

2003: p. 63). Também Maria Helena Diniz se expressa dizendo que “a vida é um

bem jurídico tutelado como direito fundamental básico desde a concepção, momento

específico, comprovado cientificamente, da formação da pessoa” (2002: p. 21).

Tal fato foi solenemente reafirmado pela Constituição da República

Federativa do Brasil (CRFB/88) ao elevar o direito à vida à categoria de cláusula

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pétrea, garantindo a sua inviolabilidade: “Art. 5.º Todos são iguais perante a lei, sem

distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros

residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (...)”.

Outra especial singularidade que promana do direito à vida é o fato que

seu resguardo é obrigatoriamente integral; diferentemente dos outros direitos, não

há como restringi-lo sem provocar o seu fim; não se pode com ele utilizar-se do

Princípio da concordância prática ou da harmonização (Moraes, 2003: p.61),

intencionando coordenar e combinar dois ou mais bens jurídicos que estejam em

conflito sem o sacrifício total de uns em relação aos outros.

Intimamente ligado ao direito de viver está o instituto constitucional da

igualdade. Continuar vivo é um direito de todos, segundo o caput do supracitado art.

5º.

No momento em que uma lei positiva priva uma categoria de seres humanos da proteção que a legislação civil lhes deve dar, o Estado nega a igualdade de todos perante a lei. Quando o Estado não coloca sua força a serviço dos direitos de todos os cidadãos, particularmente dos mais fracos, os próprios fundamentos de um estado de direito estão ameaçados... Como conseqüência do respeito e da proteção que devem ser garantidos à criança desde o momento de sua concepção, a lei deverá prever sanções penais apropriadas para toda violação deliberada dos direitos dela (CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA, 2000: p. 593).

O Estado, prezando pela igualdade jurídica de seus membros, não admite

nenhuma forma de discriminação, além de elencar entre os seus objetivos

fundamentais a promoção do bem de todos indistintamente (CRFB, art. 3º, IV).

1.3 Dignidade da Pessoa Humana - Fonte de Todos os Direitos

A ordem constitucional encontra seu pleno fundamento e missão em

assegurar ao homem todas as condições para a sua existência e desenvolvimento

integral. Daí que a dignidade da pessoa humana seja a fonte de onde emana todos

os direitos. De fato, não se pode conceber uma ciência que não tenha como cerne e

condição de validade a idéia de que o gênero humano carrega em si, de forma

inalienável, uma dignidade ímpar - dignidade por excelência, diga-se.

A CRFB/88, seguindo esse pensamento, elegeu como um dos

fundamentos da República a dignidade da pessoa humana. Disso decorrem todos os

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direitos e garantias individuais, que devem ser estritamente observados num Estado

Democrático de Direito:

Não se pode separar o reconhecimento dos direitos individuais da verdadeira democracia. Com efeito, a idéia democrática não pode ser desvinculada das suas origens cristãs e dos princípios que o Cristianismo legou à cultura política humana: o valor transcendente da criatura, a limitação do poder pelo Direito e a limitação do Direito pela justiça. Sem respeito à pessoa humana não há justiça e sem justiça não há Direito” (FRANCO, 1958, apud MORAES, 2006: p.3) 3.

Dentre os princípios constitucionais, a dignidade do ser humano é

apontado como aquele possuidor de força deontológica predominante, chegando

sua importância a transcender os limites do positivismo (PIOVESAN, 2003: p. 389-

393).

A dignidade humana simboliza, deste modo, um verdadeiro superprincípio constitucional, a norma maior a orientar o constitucionalismo contemporâneo, dotando-lhe especial racionalidade, unidade e sentido. (PIOVESAN, 2003: p.393)

A afirmação da dignidade da pessoa humana salvaguarda os indivíduos

de terem seus direitos violados sem justo motivo por concepções transpessoalistas

de Estado e Nação (Moraes, 2003: p.50), infelizmente tão comuns no século

passado. De fato, “o Estado se erige sob a noção da dignidade da pessoa humana”

(Bastos; Martins, 2001: p.472) e se, em detrimento desta outros fundamentos são

buscados, perde-se a essência à qual a sociedade é ordenada.

O Princípio da dignidade da pessoa humana não admite reducionismos

ou tergiversações que tendem a diminuir sua sobrelevação intrínseca; não é correto

querer estabelecer “graus” ou “estágios” para um juízo sobre a dignidade humana,

pois onde há vida humana, aí encontra-se a única e irredutível dignidade da pessoa.

É importante ressaltar o influxo positivo que a Declaração Universal dos

Direitos do Homem teve sobre o Direito Internacional dos Direitos Humanos. Tal

documento, assinado em Paris em 10 de dezembro de 1948, reúne um rol mínimo

intangível que todo estatuto jurídico deve assegurar em se tratando de direitos

fundamentais. Como se expressa Alexandre de Moraes:

A Declaração Universal dos Direitos do Homem afirmou que o reconhecimento da dignidade humana e de seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, bem como que o desprezo e o desrespeito pelos direitos da pessoa

3 FRANCO, Afonso Arinos de Mello. Curso de direito constitucional brasileiro. Rio de Janeiro: Forense, 1958. v. I, p.188

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resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade (2006: p.18).

Assim, vê-se que é possível a todos reconhecer a relevância de certas

regras que permitem o respeito à pessoa humana a fim de alcançar sua plenitude.

1.4 Direitos do Nascituro segundo o Código Civil de 2002

Reza o Código Civil de 2002 em seu art. 2º: “A personalidade civil da

pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção,

os direitos do nascituro”. No foco do presente subcapítulo está a necessidade de

responder a duas indagações: Seria o nascituro pessoa para o Direito?; Se sim,

quais seriam os direitos do nascituro resguardados pela lei?

Pelo fato do não nascido ser verdadeiro titular de direitos, conclui a teoria

concepcionista que o nascituro é pessoa para o Direito, pois somente a pessoa pode

ser titular de direitos e obrigações. Citando a escola concepcionista, escreve Sérgio

Abdalla Semião que “a personalidade civil do homem começa a partir da concepção,

ao argumento de que tendo o nascituro direitos, deve ser considerado pessoa, uma

vez que só a pessoa é sujeito de direitos, ou seja, só a pessoa tem personalidade

jurídica” (2000: p. 35).

Não cabe a lei determinar quem seja ou não seja pessoa, porque tal

entendimento está fora do mundo jurídico, ficando o Direito somente responsável por

reconhecer a pessoa como tal.

Pessoa é uma realidade originária. Dela irradiam-se direitos e deveres, pelo simples fato de ser pessoa. Pensar de outro modo seria fazer da pessoa uma mera ficção jurídica. Algo ou alguém poderia ser ‘pessoa’ se a lei lhe atribuísse direitos e deveres. Assim, poder-se-ia, por simples convenção, negar personalidade às mulheres ou atribuir personalidade às pedras (CRUZ, 2006: p. 17).

Destarte, sendo o nascituro pessoa humana, tem ele todos os direitos

que uma pessoa possa ter. Nas palavras de Walter Moraes: “O nascituro tem

direitos, declara a lei. Se tem direitos é porque a lei reconhece que ele é sujeito de

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direitos; e ser sujeito de direitos é, justamente, ser pessoa” 4 (apud CRUZ, 2006: p.

21). E prossegue o mesmo autor:

Mas não se pode negar que a lei reconhece no nascituro uma subjetividade jurídica verdadeira, pois toda a disciplina legal que atende ao nascituro é fundada nessa personalidade material. E é o que se dá também na órbita penal; pois, a lei penal não capitula o aborto nos crimes contra a vida e entre os crimes contra a pessoa? Não é a vida da pessoa do nascituro o objeto da tutela penal? Outra questão (esta já implicitamente respondida): o nascituro tem direito à vida assegurado na Constituição? Que direitos tem o nascituro? Todos. Todos os que um sujeito possa ter: patrimoniais e pessoais; sem nenhuma exceção. O art. 4º do Código Civil tutela os direitos do nascituro. Não põe discriminações nem limitações específicas. Está claro que certos direitos se adquirem, e que outros dependem de legitimação especial para serem adquiridos; mas isto, para qualquer pessoa. Se o nascituro pode ser proprietário, credor, devedor, herdeiro e tudo mais, a maiori pode ser titular dos direitos de personalidade, guardada a compatibilidade com o seu estado atual. 5 (apud CRUZ, 2006: p. 22)

Existe na doutrina considerável celeuma em torno da correta

hermenêutica do art. 2º do CC/02 (antigo art. 4º); objetivando encerrá-la, escreve

André Franco Montoro, ainda sob a égide do antigo Código Civil:

Ora, se o Código fala em “direitos” do nascituro, é porque lhe reconhece a personalidade, pois, como vimos, todo titular de direitos é pessoa.

“Se os nascituros não são pessoas”, pergunta Teixeira de Freitas, (Esboço do Código Civil, Rio, 1860, art. 121) “qual o motivo das leis penais e de polícia, que protegem sua vida preparatória? Qual o motivo de punir-se o aborto?” E, acrescenta: “Não concebo que haja ente com suscetibilidade de adquirir direitos, sem que seja pessoa. Se se atribuem direitos às pessoas, por nascer; se os nascituros são representados, dando-se-lhes o Curador, que se tem chamado Curador ao ventre; é forçoso concluir que já existem, e que são pessoas; pois o nada não se representa. Se os nascituros deixam de ser pessoas pela impossibilidade de obrar, também não seriam pessoas os menores impúberes, ao menos até certa idade”.

Como tivemos oportunidade de concluir, em estudo sobre a matéria (Franco Montoro e Anacleto Faria, Condição jurídica do nascituro no direito brasileiro, Ed. Saraiva, 1953), existe, com freqüência, em torno do problema do nascituro, lamentável confusão entre os conceitos de “personalidade” e de “capacidade”. Personalidade, na terminologia jurídica, é a aptidão para ser sujeito ou titular de direito. Juridicamente, todo sujeito de direito é pessoa e toda pessoa é sujeito de direito.

Capacidade é, como vimos, a maior ou menor extensão dos direitos da pessoa. Todos os homens são igualmente pessoas, mas não têm todos

4 MORAES, Walter. O problema da autorização judicial para o aborto, Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mar./abr. 1986, p. 24. 5 MORAES, Walter. O problema da autorização judicial para o aborto, Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, mar./abr. 1986, p. 24-25.

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igual capacidade. A capacidade distingue-se, ainda, em: a) capacidade de direito, que é a aptidão maior ou menor da pessoa para ter direitos; b) capacidade de fato ou de exercício, que é a aptidão maior ou menor para a pessoa exercer e defender, de modo pessoal e direto, tais direitos.

Aplicando essas noções à condição jurídica do nascituro, podemos formular, em síntese, as seguintes proposições: a) o nascituro não tem qualquer capacidade de exercício; b) tem certa capacidade-de-direito; c) é juridicamente pessoa desde a concepção.

O nascituro não tem capacidade de fato ou de exercício. Não é capaz de exercer por si mesmo os atos da vida jurídica. Por esse motivo, a lei lhe concede um representante (pai, mãe, curador ao ventre) que exercerá em seu nome os direitos que lhe são reconhecidos. Essa a razão por que Teixeira de Freitas dispôs no Esboço: “São absolutamente incapazes: 1.° as pessoas por nascer” (art. 22). E acrescentou em nota: “As pessoas por nascer são absolutamente incapazes por impossibilidade física de obrar”. Essa, aliás, é também, a situação dos menores impúberes, ao menos até certa idade.

É inegável, entretanto, que o nascituro tem capacidade de direito, que se estende a múltiplos setores da vida jurídica. O ser concebido tem capacidade de suceder, seja a sucessão legítima ou testamentária. Tem capacidade de receber doações. Tem o direito de ver reconhecida sua filiação e, até mesmo, o de pleiteá-la, judicialmente por seu representante legal. Tem o direito de ser representado em atos da vida jurídica. Tem direitos que lhe são reconhecidos na esfera constitucional. Sua capacidade processual é consagrada pelo direito. A legislação do trabalho lhe confere o direito à pensão por acidente profissional sofrido pelos progenitores e lhe protege a vida através de diversas disposições de lei. O direito penal lhe defende a vida e garante seu direito de nascer.

A afirmação de que estamos em presença de simples “expectativas de direitos” não resiste a um exame sério. O direito à vida ou o direito de representação, por exemplo, existem na sua plenitude desde o início da gestação. E bastaria ao nascituro ser titular de um único direito para que não lhe pudesse ser negada a qualidade de pessoa.

Como conseqüência lógica dessas premissas impõe-se a conclusão que Clóvis formulou nos termos seguintes: “A verdade está com aqueles que harmonizam o direito civil consigo mesmo, com o penal, com a fisiologia e com a lógica. Realmente, se o nascituro é considerado sujeito de direito, se a lei civil lhe confere um curador, se a lei criminal o protege, cominando penas contra a provocação do aborto, a lógica exige que se lhe reconheça o caráter de pessoa” (Clóvis Beviláqua. Em defesa do Projeto de Código Civil Brasileiro, Rio, Ed. Francisco Alves, 1906, p. 58); (MONTORO, 1975, v. II, p. 307-309)

Segundo Silmara Juny 6, os direitos do nascituro não são taxativos,

sendo-lhe reconhecidos todos os compatíveis com sua característica de pessoa por

nascer (apud CRUZ, 2006: p. 26).

Otávio Ferreira Cardoso elenca alguns destes direitos, escrevendo

também sob a vigência do antigo Código Civil:

6 ALMEIDA, Silmara Juny de Abreu Chinelato e. Direitos de personalidade do nascituro, Revista do Advogado, dez. 1992, p. 22.

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— ser adotado, com consentimento do seu representante legal (CC/16, art. 372; CC/02, art. 1621, caput); — receber doação, se aceita pelos pais (CC, art. 1.169; CC/02, art. 542); — adquirir por testamento, se concebido até a morte do testador (CC, art. 1.169; CC/02, art. 542); — ter um Curador ao Ventre se o pai falecer e a mãe, estando grávida, não tiver pátrio poder, notando-se que, se a mulher estiver interdita, o seu Curador será o do nascituro (CC, arts. 458 e 462 e seu parágrafo único; CC/02, art. 1.778, 1.779 e seu parágrafo único); — ver reconhecida sua filiação e até mesmo pleiteá-la judicialmente por seu representante; — suceder, seja legitimamente ou por testamento; — ser representado nos atos da vida jurídica; — ter garantia de direitos previdenciários e trabalhistas, como, por exemplo, direito à pensão por acidente profissional sofrido por seus pais; — proteção penal garantindo-lhe a vida e o direito de nascer, etc. É, assim, indubitável que o nascituro não tem apenas “expectativa de direitos”, como querem alguns. Tem “personalidade jurídica”: é pessoa natural, mesmo sem ter nascido, personalidade esta que só termina com a morte 7 (apud CRUZ, 2006: p. 24, grifos no original).

Como ficou demonstrado, inegável para o Direito Civil é o reconhecimento

do nascituro como pessoa titular de direitos e que merece especial proteção por

parte da lei.

1.5 Pacto de São José da Costa Rica – Palavra Final sobre os Direitos do

Nascituro

Para a formulação de um justo e ponderado juízo acerca dos direitos do

não nascido, é obrigatório reconhecer os efeitos da assinatura por parte do Brasil da

Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José

da Costa Rica.

Tal pacto foi aprovado pelo Congresso Nacional do Brasil em 26 de maio

de 1992 (Decreto Legislativo n. º 27), tendo o Governo brasileiro determinado sua

integral observância em 6 de novembro seguinte (Decreto n. º 678). Diz a letra do

seu texto:

Para os efeitos desta Convenção, pessoa é todo ser humano (art. 1º, n.º 2). Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido por lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente (art. 4º, I). Toda pessoa tem direito ao reconhecimento de sua personalidade jurídica” (art. 3º, grifos no original).

7 CARDOSO, Otávio Ferreira. Introdução ao estudo do Direito, 1995, p. 215-216.

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Por mais que a letra da lei seja altamente inteligível, não é inválido

reafirmar alguns dizeres: segundo o Pacto, não há diferença entre a proteção que o

Estado deve dar à vida do ente humano, seja ele não nascido ou nascido; trata-se

de pessoa desde a concepção, dotada de personalidade jurídica e protegida de toda

privação arbitrária contra sua vida, em outras palavras, toda e qualquer vida

humana, desde a concepção, não poderá ser tirada, sob nenhum pretexto 8.

Ao ratificar o Pacto de São José da Costa Rica, o Brasil obrigou-se a

“adotar, de acordo com suas normas constitucionais e com as disposições desta

Convenção, as medidas legislativas ou de outra natureza que forem necessárias

para tornar efetivos tais direitos e liberdades” (art. 2º da Convenção). Outra

importante previsão deste pacto é a de que nenhuma disposição do mesmo pode ser

interpretada no sentido de:

a. Permitir a alguns dos Estados–partes, grupo ou pessoa, suprimir o gozo e o exercício dos direitos e liberdades reconhecidos na Convenção ou limitá–los em maior medida que a prevista nela.

No que se refere à polêmica discussão sobre a receptividade dos tratados

internacionais no ordenamento brasileiro, eis a posição adotada pelo

constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins, a seguir transcrita:

Defendo eu a tese de que todos os tratados internacionais sobre direitos fundamentais, por força do § 2º do art. 5º, são cláusulas pétreas estabelecidas por Constituinte originário, estando o dispositivo assim redigido: “§2º - Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”. Não desconheço a tendência do STF de considerar que os tratados internacionais entram como legislação ordinária especial no ordenamento jurídico nacional, mas, data “máxima vênia” de Suas Excelências, não consigo – como constitucionalista que sou – ler, no § 2º do art. 5º, que onde está escrito “norma constitucional”, “lei ordinária”. O constituinte falou em norma constitucional e não falou em lei ordinária. Nem mesmo o §3º, introduzido pela E.C. 45/05, poderia alterar aquele parágrafo 2º, pois, se este cuida de direitos e garantias individuais constitucionalizados pela Constituinte originária, feriria a sua introdução redutora de aceitação, o § 4º inciso IV do artigo 60 da Constituição Federal, assim redigido: “§ 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir: ..... IV – os direitos e garantias individuais...” Em outras palavras, tenho a esperança de que, debruçando-se, de forma definitiva, sobre o §2º do art. 5º, o Pretório Excelso lhe dê a dignidade de

8 Decorrente disso, Cruz entende que a primeira parte do art. 2º do CC/02 (“a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida”) foi revogada pelo Pacto, pois este garante o direito à personalidade de todo ser humano (2006, p. 26).

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constitucional, reiterando que os tratados fundamentais sobre direitos humanos fundamentais são cláusulas pétreas, no Brasil (MARTINS, 2007: p. 54-55, grifos no original). 9

Ainda o mesmo autor, agora apresentando sua exegese do caput do art.

4º do Pacto de São José da Costa Rica:

Reza o “caput” do artigo 4º do Pacto que: “Toda a pessoa tem direito a que se respeite sua vida. Este direito estará protegido pela lei e, em geral, a partir do momento da concepção”. Escrevi, explicando a expressão “em geral”, o seguinte: “Alguns pretendem ler, na referida disposição e nos vocábulos “em geral”, uma relativização do dispositivo. Tal leitura, sobre ser pobre e literal, não corresponde ao sentido do dispositivo de direito internacional. Assim é que o referido artigo está dividido em três partes:

1. toda a pessoa humana tem (presente do indicativo) direito a que se respeite sua vida;

2. a lei protegerá (futuro)o direito a partir do momento da concepção, podendo fazê-lo de forma expressa (é o mais comum e o geral das vezes), mas, poderá omitir-se a expressa menção;

3. a vida do ser humano (nascido ou nascituro) não pode ser (presente do indicativo) eliminada arbitrariamente.

Há, pois, dois comandos normativos de caráter essencial;o respeito ao direito à vida (do nascituro e do nascido) e a vedação a que o ser humano (nascituro ou nascido) seja privado de sua vida arbitrariamente. E há um comando, de natureza formal, de que a lei deverá explicitar a princípio da garantia desde a concepção, que é o que ocorre em geral. Em nenhum momento,o dispositivo permite a leitura de que a lei poderá retirar o direito à vida após a concepção, pois, de outra forma, o ser humano (nascituro) estaria sendo privado se sua vida arbitrariamente.

Por esta razão, o comando normativo está presente no que concerne ao respeito ao direito à vida e a vedação à sua retirada arbitrária (de nascituro e do nascido), aconselhando-se, no futuro indicativo,que a lei explicite, em nível de legislação interna, o sentido do Pacto de São José, o que de resto já ocorre em geral, com os países signatários”. (MARTINS, 2007: p. 55-56, grifos no original)

Qualquer leitura tendente a entender a expressão “em geral” como uma

permissão em alguns casos de se subtrair a vida nascente padeceria de grave 9 Também Flávia Piovesan defende a posição da natureza constitucional dos tratados internacionais

de Direitos Humanos vigentes no Brasil: “Logo, por força do art. 5º, §§ 1º e 2º, a Carta de 1988 atribui aos direitos enunciados em tratados internacionais a hierarquia de norma constitucional, incluindo-os no elenco dos direitos constitucionalmente garantidos, que apresentam aplicabilidade imediata. A hierarquia constitucional dos tratados de proteção dos direitos humanos decorre da previsão constitucional do art. 5º, § 2º, à luz de uma interpretação sistemática e teleológica da Carta, particularmente da prioridade que atribui aos direitos fundamentais e ao princípio da dignidade da pessoa humana. Essa opção do constituinte de 1988 se justifica em face do caráter especial dos tratados de direitos humanos e, no entender de parte da doutrina, da superioridade desses tratados no plano internacional, tendo em vista que integrariam o chamado jus cogens (direito cogente e inderrogável).” (PIOVESAN, 2009: p. 8)

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problema de interpretação sistemática do texto, contradizendo o direcionamento da

Convenção como um todo.

Como mencionado no título deste subcapítulo, o Pacto de São José da

Costa Rica é a palavra final acerca dos direitos do nascituro. Cabe ao Brasil - na

pessoa de seus magistrados e operadores do Direito -, apenas cumpri-lo, em

obediência ao compromisso anteriormente assumido.

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2 – A FECUNDAÇÃO, INÍCIO DA PERSONALIDADE HUMANA

2.1 O Embrião Humano e o Início da Vida

Mister se faz neste capítulo o entendimento de termos e realidades

presentes nas ciências biológicas, médicas e filosóficas.

O embrião humano nasce de duas células humanas germinais ou sexuais, chamadas “gametas”; o gameta feminino, chamado óvulo, e o gameta masculino, chamado espermatozóide. A característica do gameta é ser haplóide, isto é, ter 23 cromossomos, a metade de uma célula somática. Na fecundação, que é a penetração do espermatozóide no óvulo, acontece a fusão das duas membranas celulares e a “fusão nuclear”, ou seja, a união dos pronúcleos. O patrimônio genético da nova célula, chamada “zigoto”, passa a ser completo ou diplóide, com 46 cromossomos.

(...)

A fusão dos dois gametas, masculino e feminino, dá origem à nova célula chamada “zigoto”. Trinta horas depois da fecundação, o zigoto divide-se em duas células e passa a chamar-se “embrião”. (CIPRIANI, 2007: p. 17-18)

Mas em que momento se inicia a vida humana? Conceda-se a palavra às

ciências da embriologia e biologia, que responderão a esta questão com propriedade

e fundamentação.

O cientista Jérôme Lejeune, professor da universidade de René Descartes, em Paris, que dedicou toda a sua vida ao estudo da genética fundamental, descobridor da Síndrome de Down (mongolismo), nos diz: "Não quero repetir o óbvio, mas, na verdade, a vida começa na fecundação. Quando os 23 cromossomos masculinos se encontram com os 23 cromossomos da mulher, todos os dados genéticos que definem o novo ser humano estão presentes. A fecundação é o marco do início da vida.

(...)

Assim, a lição do Dr. Dernival da Silva Brandão, especialista em Ginecologia e Membro Emérito da Academia Fluminense de Medicina, verbis:

(...)

A ciência demonstra insofismavelmente – com os recursos mais modernos – que o ser humano, recém-fecundado, tem já o seu próprio patrimônio genético e o seu próprio sistema imunológico diferente da mãe. É o mesmo ser humano – e não outro – que depois se converterá em bebê, criança, jovem, adulto e ancião. O processo vai-se desenvolvendo suavemente, sem saltos, sem nenhuma mudança qualitativa. Não é cientificamente admissível que o produto da fecundação seja nos primeiros momentos somente uma "matéria germinante". Aceitar, portanto, que depois da fecundação existe um novo ser humano, independente, não é uma hipótese metafísica, mas uma evidência experimental. Nunca se poderá falar de embrião como de uma "pessoa em potencial" que está em processo de

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personalização e que nas primeiras semanas pode ser abortada. Porque? Poderíamos perguntar-nos: em que momento, em que dia, em que semana começa a ter a qualidade de um ser humano? Hoje não é; amanhã já é. Isto, obviamente, é cientificamente absurdo" (BRASIL, ADIn nº. 3.510, III, 2 e 3, , grifos no original) 10.

No mesmo sentido, prossegue Vega, J.; Queipo, D.; Baza, P:

Os dados embriológicos (...) permitem afirmar (...) que desde a fecundação já existe um indivíduo da espécie humana. Há quatro características fundamentais que justificam essa afirmação: 1. - Novidade biológica. Quando se fundem os núcleos das células germinativas, nasce algo novo: uma informação genética que não foi nem será igual a nenhuma outra. Aí já está escrita a cor dos olhos, a forma do nariz, etc. Trata-se de um ser biologicamente único e irrepetível (VEGA, J.; QUEIPO, D.; BAZA, P: 1995).

Escreve a Dra. Elizabeth Kipman Cerqueira, perita em sexualidade

humana e especialista em logoterapia:

O desenvolvimento humano se inicia na fertilização, o processo durante o qual um gameta masculino ou espermatozóide (...) se une a um gameta feminino ou ovócito (...) para formar uma célula única chamada zigoto. Esta célula altamente especializada e totipotente marca o início de cada um de nós, como indivíduo único (BRASIL, ADIn nº. 3.510, III, 6, grifos no original).

Continua Vega et al. descrevendo as características da fundamentação

do embrião como indivíduo humano:

2. - Unidade. Se esse ser é uma individualidade biológica, um todo composto de partes organizadas, tem que haver um centro coordenador. O genoma

11 é esse centro organizador, pois vai fazendo com que se dêem de forma harmônica as sucessivas fases nesse novo ser biológico.

3. - Continuidade. Entre a fecundação e a morte, não ocorre nenhum salto qualitativo. Não se pode dizer que, em determinado momento, esse conjunto de células seja uma coisa, e um pouco mais tarde outra coisa diferente; todo o desenvolvimento dá-se de forma gradativa, com transições entre uma fase e a outra, de acordo com o que está previsto no genoma. A partir da fecundação, passa a existir um ser que se desenvolve de maneira contínua. (VEGA, J.; QUEIPO, D.; BAZA, P., 1995).

O Dr. Dalton Luiz de Paula Ramos, livre-docente pela Universidade de S.

Paulo, Professor de Bioética da USP e Membro do Núcleo Interdisciplinar de

Bioética da UNIFESP ressalta que:

"Os biólogos empregam diferentes termos – como por exemplo zigoto, embrião, feto, etc.-, para caracterizar diferentes etapas da evolução do

10 Cite-se aqui a concordância do Ministro do STF Carlos Ayres Britto na mesma opinião: “O início da vida humana só pode coincidir com o preciso instante da fecundação de um óvulo feminino por um espermatozóide masculino” (BRITTO, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510, p. 35). 11 N. do R.: Genoma é o mapa do patrimônio genético humano. O “Projeto Genoma” é o projeto de mapeamento dos genes, ou seja, a descrição da posição, da estrutura e das funções dos genes (CIPRIANI, 2007: p. 18).

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óvulo fecundo. Todavia esses diferentes nomes não conferem diferentes dignidades a essas diversas etapas (BRASIL, ADIn nº. 3.510, III, 4, grifos no original).

Conclui Vega et al. dizendo da autonomia do embrião:

4. - Autonomia. Do ponto de vista biológico, todo o desenvolvimento ocorre do princípio ao fim de maneira autônoma: é o próprio novo ser que dirige esse desenvolvimento. A informação para dirigir esses processos vem do próprio embrião, do seu genoma. Desde o início, é o embrião quem pede à mãe aquilo de que necessita, estabelecendo-se um “diálogo químico” (VEGA, J.; QUEIPO, D.; BAZA, P., 1995).

Concordando com essa posição, diz Espinosa:

Essa atividade é dirigida pelo próprio genoma, e não pelo corpo da mãe. Leva a cabo a diferenciação das diferentes células do corpo, a sua situação no espaço, o momento do seu aparecimento no tempo, a forma que devem adotar os diferentes órgãos, a coordenação harmoniosa das inúmeras reações bioquímicas desse organismo em formação, o momento em que determinadas células devem suicidar-se (apoptose) – por exemplo, para que desapareça a membrana que une os dedos do embrião até uma certa idade –, e assim por diante (ESPINOSA, 2010) [grifos no original].

Assim, nos exorta Antoine Suarez: “É um dado certo que o adulto é

aquele mesmo ser que antes era embrião, e não um outro... Então, das duas uma:

ou o adulto é uma pessoa e então o embrião é uma pessoa, ou o embrião não é

pessoa e então ninguém é pessoa” (1990, apud CIPRIANI, 2007: p. 26).

Eis a palavra da ciência médica e biológica sobre dados de imprescindível

importância para o prosseguimento deste trabalho científico.

2.2 Células-Tronco Adultas e Células-Tronco Embrionárias - Conceitos

Células-tronco (CT) são células não diferenciadas (não específicas), que

são capazes de se reproduzir mediante divisão celular por longos períodos de

tempo, podendo ser induzidas a se transformar em células específicas. “São

chamadas ‘tronco’ por semelhança com o tronco de uma árvore, que se ramifica e

se divide em vários galhos. Elas são capazes de se ‘ramificar’ em várias espécies de

células” (VARELA, 2010).

As células-tronco adultas (CTA) são aquelas encontradas em todos os

órgãos e em maior quantidade na medula óssea e no cordão umbilical e placenta,

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bem como em diversos tecidos do organismo, como o tecido adiposo (gordura),

hepático, nervoso, muscular, entre outros. Sua extração e uso não acarretam

complicações médicas e problemas de ordem ética, porque muitas vezes são tiradas

do próprio indivíduo que será beneficiado com o tratamento. As (CTA) são

multipotenciais – têm a capacidade de se diferenciarem em vários tipos de tecidos

do corpo humano, mas aparentemente não em todos.

As células-tronco embrionárias (CTE) são aquelas presentes num dos

pólos do embrião na fase de blástula, e que darão origem aos diferentes tecidos que

constituirão o corpo humano. Estas células têm a capacidade de serem totipotentes

(capazes de dar origem a todos os tipos de células do corpo) (FERREIRA apud

ESPINOSA, 2010).

As CTE devem ser extraídas do embrião antes de que este apresente a diferenciação correspondente às assim chamadas camadas ou folhetos blastodérmicos – endoderma, mesoderma e ectoderma – das quais se originarão os diversos órgãos do corpo. Esse processo de diferenciação começa por volta do oitavo dia; em conseqüência, o embrioblasto (...) deve ser extraído imediatamente antes de começar a diferenciação, até o sexto ou sétimo dia, para que as suas células não percam a totipotência.

Para extrair as células do embrioblasto – aquelas que dariam lugar ao corpo da pessoa caso o embrião gozasse de condições normais de desenvolvimento – procede-se ao desmembramento do embrião. Obviamente, este procedimento traz consigo, necessariamente, a morte do embrião (ESPINOSA, 2010).

Percebe-se assim o maior problema ético das experiências envolvendo

CTE: a morte dos embriões envolvidos.

2.3 O Embrião Humano como Indivíduo e o Conceito de “Pré-Embrião”

Nesta altura da presente investigação, faz-se necessário saber se o

embrião humano é um indivíduo. Contudo, é conveniente antes dedicar algumas

palavras sobre o chamado conceito de “pré-embrião”. Diz Giovanni Cipriani que “a

pluripotência do embrião, antes do 14º dia (...) tem também induzido alguns (...) a

propor que chamemos o embrião humano com o nome de “pré-embrião”. Tal termo

não passa de uma falácia, segundo se pode constatar do parecer do Dr. Lee Silver,

transcrito abaixo:

Page 29: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

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Deixe-me contar um segredo. O termo pré-embrião tem sido defendido energicamente por promotores da fertilização in vitro por razões que são políticas, não científicas. O novo termo é usado para prover a ilusão de que há algo profundamente diferente entre o que não-médicos biólogos ainda chamam de embrião de seis dias de idade e entre o que todo mundo chama de embrião de dezesseis dias de idade. O termo pré-embrião é usado em arenas políticas – aonde decisões são feitas para permitir o embrião mais novo (agora chamado de pré-embrião) de ser pesquisado – bem como em confinados escritórios médicos, aonde pode ser usado para aliviar preocupações morais que podem ser expostos por pacientes de fertilização in vitro. “Não se preocupe”, um médico pode dizer, “é apenas um pré-embrião que estamos congelando ou manipulando. Eles não se tornaram embriões humanos reais até que coloquemo-os de volta ao seu corpo” (SILVER, 1997: p. 39).

Esclarecido o assunto anterior, cabe agora buscar o conceito de

individualidade que a Biologia nos apresenta:

O cientista M. Johnson, quanto aos viventes, escreve que o organismo capaz de governar a si mesmo é, paradigmaticamente, um indivíduo. Por isso, afirma o autor, “segundo a evidência fornecida pela biologia, o embrião multicelular, derivado do zigoto, é verdadeiramente um indivíduo e não uma parte de um todo maior ou uma agregação de elementos desconexos entre eles” (JOHNSON apud CIPRIANI, 2007: p. 31).

Já para a Filosofia, o indivíduo é um ser indivisium in se (“indivisível em

si”) e divisium a quolibet alio (“dividido de qualquer outro”), (...) características que

não excluem a “indivisibilidade” e a não-reprodutibilidade. Assim, pode-se concluir

categoricamente que o embrião humano é, desde a concepção, indivíduo humano

(CIPRIANI, 2007: p. 32-33).

2.4 O Embrião Humano como Pessoa Humana

A conceituação de quem é pessoa humana foge da competência da

Biologia, que apenas fornecerá os elementos científicos indispensáveis para que

outra ciência – no caso, a Filosofia – defina aquilo que não pode ser provado

experimentalmente.

Verifica-se a existência de duas teses: a da “Filosofia funcionalista” e a do

“Personalismo Ontológico”.

A primeira defende a separabilidade (de princípio) e a separação (de fato)

entre o conceito de pessoa e o conceito de ser humano. Assim, para ser pessoa

humana, o embrião deveria apresentar certo desenvolvimento em estruturas

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neurofisiológicas e psíquicas, ou estabelecer certas relações com o ambiente. “Para

alguns, “ser pessoa” significa relacionar-se: portanto, enquanto não houver uma

relação físico-química com a mãe, o que ocorre a partir da implantação, o embrião

não seria uma ‘pessoa’.” (VEGA, J.; QUEIPO, D.; BAZA, P., 1995)

De acordo com dois dos vários posicionamentos desta primeira tese, o

embrião somente seria pessoa, ou 14 dias depois da fecundação (quando fica bem

nidificado nas paredes internas do útero); ou 40 dias depois da fecundação

(momento em que se verifica a formação e o início da atividade do sistema nervoso

central), entre outras opiniões, que sempre distanciam o “ser pessoa” do momento

da fecundação.

Uma atenta análise demonstrará existir um erro filosófico nesta teoria:

cada relação e capacidade reclamam um sujeito ontológico para se realizarem, e

não o contrário (CIPRIANI, 2007: p. 35-41).

Não é a capacidade de relacionar-se o que define a pessoa. Relacionamo-nos porque somos pessoas, não ao contrário. Já dizia o antigo adágio filosófico que “o agir segue o ser”: os cães latem porque são cães; não são cães porque latem. É uma questão de ser: se o embrião é ser humano, então é pessoa, independentemente de agir como pessoa. Se ainda não desenvolveu as suas capacidades de ação, nem por isso deixa de ser o que é (VEGA, J.; QUEIPO, D.; BAZA, P., 1995, grifos no original).

Depreende-se que a negação peremptória e infundada da realidade do

embrião humano em sua condição de pessoa, abre margens para que a

sensibilidade da consciência e da razão, seja em âmbito coletivo ou individual, vá

perdendo gradativamente seu senso de humanidade; onde não há verdadeiro

respeito ao outro, o caminho está aberto para se desculpar intervenções egoísticas

que destroem o seu direito de continuar vivo. Não é de se admirar que este tipo de

pragmatismo utilitário seja fonte de verdadeiras abominações.

Há quem defenda a tese de que, para ser pessoa, precisa-se possuir os

indicadores de humanidade (Singer; Engelhardt Jr. apud Cipriani, 2007: p. 41). Os

“indicadores de humanidade” seriam: autoconsciência, racionalidade, senso moral,

autocontrole, sentido do futuro, senso do passado, capacidade de relacionar-se com

os outros, comunicação, curiosidade, liberdade etc. (Flecther apud Cipriani, 2007: p.

41) Baseando-se nessa concepção, os autores chegam a defender:

a legalidade do infanticídio, pois uma criança de uma semana não é pessoa racional e autoconsciente;

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30

a legalidade da matança de recém-nascidos malformados e dos retardados irreversíveis, pois neles faltam os “indicadores de humanidade” (autoconsciência, racionalidade etc.). “Matar um recém-nascido deformado não é por nada errado”, afirma Singer;

a legalidade da matança de doentes mentais e adultos não-autoconscientes: “[...] é lícito não somente matar o recém-nascido com deficiência mental grave... pois nunca será um ser racional autoconsciente... mas também pessoas que, por causa de um acidente ou da velhice, não são mais autoconscientes, racionais e autônomas... Parece-me mais grave matar um chimpanzé do que matar um ser humano gravemente deficiente, que não é pessoa” (CIPRIANI, 2007: p. 41-42) [negritos no original]. 12

Por outro lado, a tese do “Personalismo Ontológico” sustenta a

inseparável identidade (de princípio e de fato) entre pessoa humana, ser humano e

vida humana, precisando que no momento da concepção inicia-se o ciclo de vida da

nova pessoa humana. Destarte, verossímil resta a afirmação de que a pessoa é

muito mais do que o seu agir; o agir é posterior à pessoa, e não esta é posterior

àquele. O “ser” da pessoa é um estado adquirido no momento de sua constituição e

que permanece sem saltos qualitativos em todo o decorrer da existência humana

(CIPRIANI, 2007: 45-55) 13 14.

Definidos os conceitos que servem de substrato para a discussão sobre

as pesquisas com CTE e sua eventual inconstitucionalidade, cabe agora prosseguir

à análise jurídica desta realidade.

12

Bem escreveu Gustavo Corção quando afirmou que “não há extravagância que não tenha encontrado o seu filósofo” (CORÇÃO, 1967: p. 38). 13 Ressalte-se aqui a clássica definição de Boécio sobre o termo “pessoa”: rationalis naturae individua substantia – “substância individual de natureza racional” (BOÉCIO apud CIPRIANI, 2007, p. 46). 14 É de capital importância demonstrar que o embrião humano é pessoa, sob pena de violar um dos principais axiomas do pensamento, o princípio da contradição, pelo qual uma coisa não pode, ao mesmo tempo e sob o mesmo aspecto, ser e não ser. O princípio da contradição é uma lei da razão de maior certeza do que qualquer lei da ciência (JOSEPH, 2008: p. 116).

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31

3 – DIREITOS DO EMBRIÃO HUMANO NO ORDENAMENTO BRASILEIRO

3.1 ADIn nº. 3.510

É chegado o momento de adentrar no mérito principal do presente

trabalho.

Vigora no Brasil, desde 24 de março de 2005, a Lei nº. 11.105/05, que

permite a destruição de embriões humanos para fins de pesquisa científica e uso

terapêutico dentro de certas condições estabelecidas na lei, segundo o seu texto

abaixo:

Art. 5º É permitida, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não utilizados no respectivo procedimento, atendidas as seguintes condições: I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data de publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento. § 1º Em qualquer caso, é necessário o consentimento dos genitores. § 2º Instituições de pesquisa e serviços de saúde que realizem pesquisas ou terapia com células-tronco embrionárias humanas deverão submeter seus projetos à apreciação e aprovação dos respectivos comitês de ética e pesquisa. § 3º É vedada a comercialização do material biológico a que se refere este artigo e sua prática implica o crime tipificado no art. 15 da Lei nº 9.434, de 4 de fevereiro de 1997 (BRASIL, Lei nº. 11.105/05, grifos no original).

Tal dispositivo legal encontrava-se impugnado por Ação Direta de

Inconstitucionalidade (ADIn) de nº. 3.510, datada de 16 de maio de 2005. Segundo o

então Procurador-Geral da República Cláudio Fonteles, tal dispositivo normativo é

inconstitucional, segundo seus argumentos apresentados a seguir:

II. Dos textos constitucionais inobservados pelo preceito retro transcrito: 1. Dispõe o artigo 5º, caput, verbis: Artigo 5º - Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (grifei) 2. Dispõe o artigo 1º, inciso III, verbis: Artigo 1º - A República Federativa Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de direito e tem como fundamentos: III – a dignidade da pessoa humana. III – Da fundamentação por Inconstitucionalidade material:

Page 33: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

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1. A tese central desta petição afirma que a vida humana acontece na, e a partir da, fecundação.

(...) 18.(...) A vida humana acontece na, e a partir da, fecundação: o zigoto, gerado pelo encontro dos 23 cromossomos masculinos com os 23 cromossomos femininos; - a partir da fecundação, porque a vida humana é contínuo desenvolver-se; - contínuo desenvolver-se porque o zigoto, constituído por uma única célula, imediatamente produz proteínas e enzimas humanas, é totipotente, vale dizer, capacita-se, ele próprio, ser humano embrionário, a formar todos os tecidos, que se diferenciam e se auto-renovam, constituindo-se em ser humano único e irrepetível. - a partir da fecundação, a mãe acolhe o zigoto, desde então propiciando o ambiente a seu desenvolvimento, ambientação que tem sua etapa final na chegada ao útero. Todavia, não é o útero que engravida, mas a mulher, por inteiro, no momento da fecundação. - a pesquisa com células-tronco adultas é, objetiva e certamente, mais promissora do que a pesquisa com células-tronco embrionárias, até porque com as primeiras resultados auspiciosos acontecem, do que não se tem registro com as segundas. 19. Estabelecidas tais premissas, o artigo 5º e parágrafos, da Lei nº 11.105, de 24 de março de 2005, por certo inobserva a inviolabidade do direito à vida, porque o embrião humano é vida humana, e faz ruir fundamento maior do Estado democrático de direito, que radica na preservação da dignidade da pessoa humana (BRASIL, ADIN nº. 3.510, nº. 2, 18 e 19, grifos no original).

A ADIn nº. 3.510 percorreu um longo caminho até ser apreciada pelo

pleno do Supremo Tribunal Federal (STF). Por causa dela, foi realizada no dia 20 de

abril de 2007 a primeira audiência pública da história do STF, a fim de que os

ministros ouvissem a palavra de especialistas e pesquisadores – favoráveis e

contrários às pesquisas com CTE - para que melhor conhecessem da matéria que

iriam julgar.

Iniciado o julgamento no dia 5 de março de 2008, votaram contra a

procedência da ação direta o Ministro Carlos Ayres Britto (relator) e a Ministra Ellen

Gracie (Presidente do STF). Após, houve o pedido de vista dos autos por parte do

Ministro Menezes Direito. Falaram ainda nessa ocasião, na figura de amicus curiae

(amigos da corte), o Professor Ives Gandra da Silva Martins, falando pela CNBB

(Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), o Dr. Oscar Vilhena Vieira, falando pela

Conectas Direitos Humanos e Centro de Direitos Humanos – CDH, além do

Professor Luís Roberto Barroso, pelo Movimento em Prol da Vida – MOVITAE, e

também pelo Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – ANIS.

Retomado o julgamento no dia 25 de maio, os Ministros Menezes Direito

e Ricardo Lewandowski julgaram parcialmente procedente a ação direta; Cármen

Page 34: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

33

Lúcia e Joaquim Barbosa votaram pela improcedência da ação; e Eros Grau,

juntamente com Cezar Peluso, julgaram-na improcedente, com ressalvas, nos

termos de seus votos, momento em que a audiência foi suspensa para prosseguir no

dia seguinte.

Prosseguindo no julgamento, o Tribunal, por maioria e nos termos do voto

do relator, julgou improcedente a ação direta, vencidos, parcialmente, em diferentes

extensões, os Senhores Ministros Menezes Direito, Ricardo Lewandowski, Eros

Grau, Cezar Peluso e o Presidente, Ministro Gilmar Mendes.

Esquematicamente, pode-se assim reproduzir os votos dos ministros:

Tabela 1: Resultado do julgamento da ADI 3510 pelo STF

A favor da destruição de embriões humanos para pesquisas

A favor da destruição de embriões humanos para pesquisas, mas com a ressalva de um órgão fiscalizador

Contra a destruição de embriões humanos para pesquisas

Carlos Ayres Britto -Ellen Gracie -Cármen Lúcia -Joaquim Barbosa -Marco Aurélio -Celso de Mello

-Cezar Peluso

-Gilmar Mendes

-Menezes Direito

-Ricardo Lewandowski

-Eros Grau

Fonte: (CRUZ, junho de 2010)

3.2 Considerações sobre o julgamento

Da análise pormenorizada dos votos dos ministros do STF, percebe-se

que a decisão de liberar as pesquisas com células-tronco embrionárias deriva da

não concessão ao embrião do status de pessoa humana. Como se expressou o Min.

Ayres Britto, não existe “pessoa humana embrionária” (BRITTO, Relatório do voto na

Page 35: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

34

ADIn nº. 3.510: p. 34). Assim, não sendo pessoa o embrião – no entendimento da

maioria dos ministros -, pode-se fazer com ele manipulações que talvez resultarão

em algum benefício para a sociedade. O equívoco desse pensamento reside no fato

de que o embrião humano é pessoa humana 15, e por ser pessoa, cabem-lhe os

direitos assegurados a todas as pessoas humanas, desde o fundamental direito à

vida e todos os outros que são reconhecidos aos seus iguais. “Além do mais, está

em jogo algo tão importante que, do ponto de vista das obrigações éticas, bastaria a

simples possibilidade de estarmos diante de uma pessoa humana para justificar a

proibição de qualquer intervenção destinada a eliminar um embrião” (VEGA, J.;

QUEIPO, D.; BAZA, P., 1995) [itálico no original].

3.2.1 Afronta ao direito à vida

A Embriologia Humana afirma categoricamente - ao contrário do que

afirmou o Min. Marco Aurélio em seu voto 16-, que o início da vida se dá na

concepção 17, segundo reitera a Dra. Claudia M. C. Batista, Professora-Adjunta da

UFRJ e pós-doutorada pela University of Toronto na área de células-tronco:

Todo o desenvolvimento humano tem como marco inicial a fecundação e, após este evento, têm-se um ser humano em pleno desenvolvimento e não somente um aglomerado de células com vida meramente “celular”. Trata-se, a partir deste evento, de um indivíduo humano em um estágio de desenvolvimento específico e bem caracterizado cientificamente (BRASIL, ADIn nº. 3.510, nº. 17).

15 Escrevendo sobre o direito do nascituro à personalidade jurídica segundo o Pacto de São José, Lemos Júnior et al. nos lembra que esta “Convenção dá a tal direito tamanha importância, que ele não pode ser suspenso nem sequer em caso de guerra, perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência e a segurança do Estado-Parte: Art. 27 1. Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do Estado-Parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendem as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor, sexo, idioma, religião ou origem social. 2. A disposição precedente não autoriza a suspensão dos direitos determinados nos seguintes artigos: 3 (Direito ao Reconhecimento da Personalidade Jurídica), 4 (Direito à Vida), 5 (Direito a Integridade Pessoal), 6 (Proibição da Escravidão e Servidão), 9 (Principio da Legalidade e da Retroatividade), 12 (Liberdade de Consciência e de Religião), 17 (Proteção da Família), 18 (Direito ao Nome), 19 (Direitos da Criança), 20 (Direito a Nacionalidade) e 23 (Direitos Políticos), nem das garantias indispensáveis para a proteção de tais direitos.” (2010) 16 “No tocante à questão do início da vida, não existe balizamento que escape da perspectiva simplesmente opinativa” (MELLO, Marco Aurélio, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510: p. 4). 17 Cf. CIPRIANI, 2007, p. 24 e BRASIL, ADIn nº. 3.510, nº. 5.

Page 36: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

35

As experiências com embriões para a extração de células embrionárias

resultam geralmente na morte do embrião. Se assim o é, logo essas experiências

são inconstitucionais 18, pois a vida humana – inclusive a embrionária (HOLTHE,

2010: p. 358), é inviolável segundo a CRFB/88, e ninguém poderá ser dela privado

arbitrariamente (Pacto de São José da Costa Rica, art. 4º, I).

Sobre a relação entre o Pacto de São José e o julgamento da ADIn em

análise, fazem-se necessárias neste ponto do trabalho algumas reflexões. No

julgamento datado do dia 12 de março de 2008, o Ministro Celso de Mello proferiu

um voto no julgamento do Habeas Corpus 87.585-8 Tocantins, que revela uma

mudança de posição do STF sobre os tratados internacionais de Direitos Humanos,

em particular, do Pacto de São José da Costa Rica, conforme trecho de seu voto

que se segue:

Como precedentemente salientei neste voto, e após detida reflexão em torno dos fundamentos e critérios que me orientaram em julgamentos anteriores (RTJ 179/493-496, v. g.), evoluo, Senhora Presidente, no sentido de atribuir, aos tratados internacionais em matéria de direitos humanos, superioridade jurídica em face da generalidade das leis internas brasileiras, reconhecendo, a referidas convenções internacionais, nos termos que venho de expor, qualificação constitucional (MELLO apud LEMOS JÚNIOR et al., 2010).

Percebe-se que o próprio Ministro Mello não votou na ADIn nº. 3.510 de

forma condizente com o posicionamento adotado por ele pouco tempo atrás. Porque

se o Pacto de São José é recepcionado como norma de nível constitucional, não

poderão ser os embriões eliminados, pois esse pacto não permite que seja negada a

personalidade jurídica de qualquer ser humano (vide cap. I, 1.5).

Outras evidentes ofensas ao direito à vida encontram-se nos votos dos

ministros que se posicionaram a favor das pesquisas com CTE. No entendimento do

relator, Ministro Ayres Britto, pessoa humana é aquela compreendida entre o

nascimento com vida e a morte; a inviolabilidade do direito à vida só diria respeito ao

nascido vivo, pois só este é pessoa (BRITTO, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510, p.

24, nº. 21 e p. 26, nº. 24). Ignorando de forma irrazoável a dignidade substancial do

ser humano em qualquer das fases do seu desenvolvimento, o Min. Britto insistiu em

defender uma opinião indefensável: a de que o “ser pessoa” dependeria unicamente

18 Em posicionamento contrário, manifestou-se a Min. Cármen Lúcia em seu voto alegando que a pesquisa com CTE “não afronta, mas busca, diversamente, ampliar as possibilidades de dignificação de todas as vidas.” (ROCHA, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510).

Page 37: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

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do acontecimento do parto, como se fosse este que conferisse o condão da

dignidade aos homens... E para sustentar a sua tese, recorreu o Ministro-relator ao

argumento de que a Constituição, ao tratar sobre o início da vida humana é de um

silêncio de morte 19 (BRITTO, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510, p. 26, nº 24)

[negrito e itálico no original], e que o Código Civil de 2002 afirma que a

personalidade civil começa do nascimento com vida. Não serão repetidas aqui as

refutações a estes argumentos de Ayres Britto. Registre-se somente a

perceptibilidade do pensamento juspositivista em seu voto, sempre pronto a

sacrificar as evidências da lógica e os fatos indivergentes da ciência em nome das

verdades infalibilizadas pela positivação.20 Como assevera o Prof. Paulo Cesar da

Silva, doutor e mestre em Filosofia 21:

O ser humano não possui o poder de ser o criador e o organizador da estrutura ontológica da realidade. O positivismo jurídico já demonstrou a que veio, na medida em que tutelou a eugenia, o racismo e outras formas de negação da identidade e dignidade do ser humano. A confecção e a aplicação das leis exigem, além do ser humano técnico, o sábio e, portanto, capaz de conhecer a realidade além de sua aparência e transcender a imanência. A proteção do verdadeiro bem pessoal e comum não pode ficar nos limites de pessoas que galgam postos públicos e privados ou de quaisquer outras que, a partir de um convencionalismo insustentável, pretendem assumir o lugar que não lhe foi reservado à sua condição criatural (SILVA, nº. 15).

Ainda quando se argumenta que o sacrifício de embriões pode resultar

em avanços médicos para a cura de enfermidades, as pesquisas padecem de

inconstitucionalidade, porque o direito à saúde (art. 196, CRFB/88) - ao contrário do

19 A maioria da doutrina aceita a concepção como o momento do início da vida humana (CUNHA JÚNIOR, 2010: p. 660). 20

Contra a ideologia do verdadeiro como fruto do consenso da maioria (de votos, de opiniões convergentes), o filósofo francês René Guénon pontifica: “certos filósofos modernos quiseram transportar para a ordem intelectual a teoria “democrática” que faz prevalecer a opinião da maioria, fazendo do que chamam de “consenso universal” um pretenso “critério da verdade”. Mesmo supondo que haja efetivamente uma questão da qual todos os homens estejam de acordo, esse acordo não provaria nada em si mesmo; (...) pelo que, o que se invoca a favor de uma opinião e como sinal da sua verdade reduz-se a ser apenas o consentimento do maior número, e ainda restringindo-se a um meio muito limitado no espaço e no tempo” (GUÉNON, 2007, p. 70 s.). 21 Graduado em Letras, Filosofia e Teologia, professor no Mestrado em Direito e na graduação do UNISAL, coordenador do Grupo de Pesquisa de Bioética e Biodireito do programa do Mestrado em Direito do UNISAL.

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que pensa a Min. Cármen Lúcia 22 -, não se sobressai quando em conflito com o

direito à vida dos embriões (cf. cap. I, 1.2) 23.

Para encerrar este subcapítulo, significativas são as palavras do cientista

japonês Shinya Yamanaka:

Numa entrevista ele relatou que “numa clínica de reprodução assistida, ao observar num microscópio um embrião humano, tive mudada a minha carreira científica. Quando vi o embrião, de repente compreendi que havia muito pouca diferença entre ele e minhas filhas. Eu pensei, nós não podemos destruir embriões humanos em pesquisa. Tem de haver uma outra maneira de estudar as células embrionárias” (THE NEW YORK TIMES apud MARTINS; EÇA, 2010, grifos no original).

Por causa desta compreensão Shinya Yamanaka não realiza mais

experiências envolvendo CTE.

3.2.2 Afronta à dignidade da pessoa humana

O Ministro Menezes Direito defendeu em seu voto que a ADIn seria

parcialmente procedente, devendo o art. 5º da L. 11.105 ser interpretada conforme a

Constituição, porém sem redução do texto (CRUZ, 2008b). Tal pensamento foi

seguido também pelos Ministros Ricardo Lewandowski e Eros Grau, que chegaram

a conclusões bastante parecidas. No seu voto, o Min. Direto aludiu que as pesquisas

em debate poderiam ser lícitas desde que atendidas algumas condições, quais

sejam:

1. As células-tronco poderiam ser extraídas, mas para isso deveria ser

utilizado um procedimento que não acarretasse a morte do embrião.

2. Os embriões que a lei denomina de “inviáveis” seriam interpretados

como aqueles que tivessem o seu desenvolvimento interrompido (ausência

espontânea de clivagem) pelo período de 24 horas.

22 Em seu voto, ela se pronunciou dizendo que “impedir qualquer linha de pesquisa, se jurídica e eticamente válida for, significa – aí, sim – um constrangimento constitucionalmente inadmissível ao direito à vida digna, à saúde (...)”. (ROCHA, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510). 23 No mesmo posicionamento, Maria Helena Diniz não aceita nenhuma relativização do direito à vida, entendendo-o como direito que prevalece sobre qualquer outro (DINIZ, 2002: p. 24).

Page 39: Monografia - Análise da Constitucionalidade das pesquisas com células-tronco embrionárias

38

3. O consentimento dos pais, de que fala a lei, deveria ser interpretado

como “consentimento informado, prévio e expresso dos genitores, por escrito”.

4. As pesquisas deveriam ser aprovadas e fiscalizadas por um órgão

federal, com a participação de especialistas em diversas áreas do conhecimento

(CRUZ, 2008b).

Aparentemente, o Min. Menezes Direito tentou ao máximo conciliar a

dignidade de pessoa humana do embrião com a permissibilidade das experiências

para a retirada de CTE, mas se equivocou em alguns pontos.

O Ministro se referiu ao método de Robert Lanza de extrair uma ou no

máximo duas células (blastômeros) de um embrião no estágio de oito células. Tal

técnica não resultaria necessariamente na morte do embrião. Porém, reconhece-se

que nesse procedimento não está por completo extinto o risco de morte para o

embrião ou de ter sua dignidade ferida mediante a ameaça à sua integridade física.

Ainda, a intervenção nesse caso só poderia acontecer se verificadas a presença das

três seguintes condições: a) objetivasse a sua própria salvaguarda ou cura

individual; b) contasse com o consentimento devidamente informado dos pais; c) não

o fizesse correr riscos desproporcionados (CONGREGAÇÃO PARA A DOUTRINA

DA FÉ, 2005: p. 21, 22 e 26).

Para que alguém seja beneficiado com um bem integrante da constituição

corpórea do homem, necessário se faz o pleno consentimento do doador. Esse,

ciente dos riscos que corre e dos benefícios que poderão advir de seu ato

benemérito, assente a prosseguir ou não no seu intento; porém, nunca poderá ser

constrangido arbitrariamente a realizá-lo (v. g., doar seu rim sem que concorde

livremente com isso). Analogamente, já que ao embrião não é possível expressar

sua vontade para que se submeta a intervenção científica cujos benefícios incidirão

sobre outros seres humanos, não é possível presumir sua adesão de vontade a tais

intervenções 24; nem o próprio consentimento dos pais, que não podem dispor da

vida e da integridade física dos filhos, supriria a falta da manifestação da vontade do

embrião, fato que impede o procedimento in casu. 24 Destarte, pode-se aplicar a esta situação o que nos diz o Comitê Nacional de Bioética da Itália em seu documento “O recém-nascido anencefálico e a doação de órgãos”: “A objeção de fundo, todavia, é que esses sujeitos são utilizados sem que para eles advenha um bem, aliás, com possível prejuízo, tendo como finalidade um benefício para outrem. Eles não têm condição de expressar um consentimento de alguma maneira e sua condição não é diferente daquela de muitos outros doentes em graves condições.” (COMITÊ NACIONAL DE BIOÉTICA DA ITÁLIA, 1996).

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Quanto a não ocorrência de clivagem (divisão celular) por 24 horas, como

pressuposto referido pelo Min. Direito como chave de entendimento para os

embriões que a lei chama de “inviáveis”, tal fato pode no máximo, ser um

prognóstico de que a implantação no útero não será bem sucedida, mas não um

diagnóstico seguro de morte do embrião. Assim, extrair suas células não é o mesmo

que extrair órgãos de um morto encefálico. Ademais, o paralelo colocado no

julgamento, equivalendo o embrião ao indivíduo com morte encefálica comprovada

(Britto, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510, p. 43), ao qual é autorizada a retirada de

órgãos e tecidos 25, carece de validade.

Já numa verificação superficial desta analogia entre os dois estados – o embrião ainda sem cérebro e a morte encefálica – podemos criticar a sua sustentabilidade: o dano encefálico que caracteriza a morte clínica é uma situação irrecuperável, enquanto que as circunstâncias do embrião são exatamente opostas a isso, sendo não só favoráveis à vida como programadas para gerar vida. Isto é, a princípio não há o que fazer com o indivíduo em morte encefálica, pois não há uma “próxima etapa”; mas o embrião tem todas as etapas por seguir, não exigindo que façamos qualquer coisa senão lhe garantir condições mínimas para que ele atualize as suas potencialidades. Portanto, a comparação é inadequada e absurda (CAL).

Resta comprovado os danos que os experimentos com CTE causam à

dignidade do embrião.

3.2.3 Critérios para a Permissibilidade da Experimentação Científica com

Embriões

Observem-se novamente as condições requeridas pelos incisos do art. 5º

da Lei nº. 11.105/05:

I – sejam embriões inviáveis; ou II – sejam embriões congelados há 3 (três) anos ou mais, na data de publicação desta Lei, ou que, já congelados na data da publicação desta Lei, depois de completarem 3 (três) anos, contados a partir da data de congelamento.

25 Lei de Transplantes (Lei 9.434/97, art. 3º).

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40

Causa perplexidade em considerável parcela da comunidade científica o

fato de que os critérios adotados para a permissão de destruir os embriões carecem

de fundamentação científica.

Em relação à dita inviabilidade e ao tempo de congelamento, é

imprescindível afirmar que: a) Segundo protocolo dos Hospitais Universitários de

Coventry and Warwickshire, da Escola de Medicina de Warwick, Reino Unido, o

congelamento - ao contrário do que dizem alguns defensores das pesquisas com

embriões -, não torna o embrião inviável:

Cerca de 70% dos embriões sobrevivem ao processo de criopreservação, e não existem evidências que o processo de congelamento seja prejudicial à habilidade para que o embrião se desenvolva em uma bebê normal. A implantação de embriões depois de descongelamento tem sido realizada desde 1986. Não se sabe quantos bebês foram criados desta maneira em todo o mundo, mas provavelmente muitos milhares de bebês nasceram através desta técnica. Tanto quanto sabemos não há nenhum aumento de malformações como resultado deste tratamento. Não existe nenhuma deterioração conhecida da saúde do embrião com o decorrer do tempo (apud RHODEN, Carmo João; NAUFAL JR., Ethevaldo L.; NERY, Hermes Rodrigues, 1).

b) Segundo o protocolo da Clínica de Fertilização Assistida CREATE, em Toronto, no

Canadá não há relação comprovada cientificamente de que embriões com mais de

três anos de congelamento tornam-se inviáveis para a implantação no útero: “Não

existe limite de tempo conhecido em relação a quanto tempo um embrião pode ser

mantido em estado de congelamento e ainda obter uma gravidez com sucesso.”

(apud Rhoden, Carmo João; Naufal Jr., Ethevaldo L.; Nery, Hermes Rodrigues, 2).

Tal fato comprovadamente verídico foi negado pelo relator Min. Ayres Britto: “A

viabilidade de embriões congelados há mais de três anos é muito baixa.

Praticamente nula” (BRITTO, Relatório do voto na ADIn nº. 3.510, p. 43).

c) são de conhecimento público mundial o nascimento de vários bebês saudáveis

que permaneceram por até 13 anos congelados (Medeiros, 2010). No Brasil,

mencione-se aqui o bebê Vinícius, nascido após oito anos criopreservado:

Aos seis meses de idade, Vinícius é um bebê que adora papinha de mamão, já tenta sair sozinho do carrinho e dá sonoras gargalhadas durante o banho. O menino foi gerado a partir de um embrião congelado durante oito anos, um recorde no Brasil. Pelos critérios da Lei de Biossegurança, seria um embrião indicado para pesquisas com células-tronco embrionárias. Na última fecundação in vitro, feita em 1999, Maria Roseli produziu nove embriões. Em fevereiro de 2007, os embriões foram, enfim, descongelados: “Meu filho venceu oito anos de congelamento e a prematuridade. Imagine se eu tivesse desistido dele e doado o embrião para a pesquisa?”, diz Maria Roseli.

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41

O ginecologista José Gonçalves Franco Júnior, detentor do maior banco de criopreservação do Brasil, onde os embriões de Maria Roseli ficaram, também aposta na viabilidade dos embriões congelados. Sua clínica já obteve 402 nascimentos de bebês a partir de embriões criopreservados, a maioria acima de três anos de congelamento. “É uma loucura falarem que embrião congelado há mais de três anos é inviável. E isso não tem nada a ver com a religião. A viabilidade é um fato e ponto”, afirma o médico (COLLUCI, 2010).

Em suma, o destino dos embriões congelados, ao contrário do que

afirmaram erroneamente vários Ministros do STF 26, não é o lixo sanitário, podendo

eles ser implantados normalmente para que se prossiga o processo gestativo.

3.3 O Ser Humano Usado como Meio

Ademais, devido ao respeito integral que faz jus a pessoa humana, não

se pode dela utilizar-se como meio para a consecução de algum fim, mesmo que

este fim seja benéfico; trata-se de uma pessoa, não de uma coisa. Uma tão alta

dignidade não poderia contentar-se com uma proteção que não abarcasse toda a

sua grandeza. Assim se expressa Kant:

Os entes, cujo ser na verdade não depende de nossa vontade, mas da natureza, quando irracionais, têm unicamente um valor relativo, como meios, e chamam-se por isso coisas; os entes racionais, ao contrário, denominam-se pessoas, pois são marcados, pela sua própria natureza, como fins em si mesmos; ou seja, como algo que não pode servir simplesmente de meio, o que limita, em conseqüência, nosso livre arbítrio (apud COMPARATO, 2006, p. 21, grifos no original).

Os anais da história fora manchados de sangue todas as vezes em que

foi negado ao homem o seu respeito merecido. Rememorem-se aqui as experiências

feitas pelos nazistas, utilizando-se para isso o que por eles eram tidas como “sub-

raças” (judeus, ciganos, russos...), a fim de se conseguir avanços científicos 27.

26 V.g., a Min. Ellen Gracie em seu voto: “não vejo qualquer ofensa à dignidade humana na utilização de pré-embriões inviáveis ou congelados há mais de três anos nas pesquisas de células-tronco, que não teriam outro destino que não o descarte” (Relatório do voto na ADIn nº. 3.510). 27 “Por exemplo, os nazistas de Dachau, usando água gelada para testes, foram os primeiros a baixar experimentalmente a temperatura do corpo humano até 26,3 graus centígrados – isso para descobrir as melhores maneiras de reanimar pilotos da Luftwaffe derrubados nas águas gélidas do Norte. Os cientistas nazistas descobriram que o método mais eficiente era o rápido reaquecimento em água quente. Os testemunhos em Nuremberg revelaram que o doutor Sigmund Rascher, que supervisionou esses hediondos testes hipotérmicos, apresentou com destaque suas descobertas num simpósio médico em 1942, num estudo intitulado ‘Problemas médicos que surgem no mar e no

Cf. A Crise do

Mundo

Moderno –

Franca, p. 164

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42

O que está em jogo é a dignidade humana que não se mensura nem pode ser comprada, independente do benefício que será auferido.

Lançar mão de embriões humanos em experiências que visam encontrar novos caminhos para conseguir, num futuro incerto, tratar com mais êxito algumas doenças, é muito semelhante ao que fizeram os médicos nazistas com muitos prisioneiros de campos de concentração, durante a Segunda Guerra Mundial: inoculá-los com doenças mortais, como o tifo ou a pneumonia; deixá-los morrer – sob observação “científica”! – de sede ou inanição; mergulhá-los em água gelada para ver quanto tempo sobreviveriam e se seria possível reanimá-los depois, etc. Pretendiam, assim, obter novos conhecimentos sobre a resistência humana a situações de extremo stress físico, capacidade de superar infecções com o organismo debilitado e sem a ajuda de remédios, e assim por diante.

Quando encontraram os arquivos com os resultados dessas experiências, os cientistas aliados perguntaram-se com justo horror se teriam o direito de aproveitar os conhecimentos obtidos por esses meios para benefício de outras pessoas. A decisão foi negativa, pois a ciência não necessita de meios ilícitos para desenvolver-se. Afirmar o contrário é ter um conceito muito pobre do ser humano, bem como da sua inteligência (ESPINOSA, 2.4).

A ética onde os fins justificam os meios, preconizada por Maquiavel em

sua obra O Príncipe (2003) continua a seduzir a não poucos com o seu canto das

sereias. Fiódor Dostoiévski, em seu romance Crime e Castigo, retrata muito bem tal

realidade. No livro, seu protagonista Raskolnikóv, estudante pobre de Direito, vê no

plano de matar uma velha usurária e apossar-se de alguns seus bens uma ótima

oportunidade para resolver os problemas financeiros pessoais e de sua família. Eis a

“lógica” que guia Raskolnikóv, por suas próprias palavras:

De um lado temos uma velha doente, parva, má, doente, que não é útil a ninguém; pelo contrário, é prejudicial a todos, nem ela sabe para que existe, e amanhã morrerá de morte natural. (...) Do outro lado, forças jovens, frescas, que se perdem em vão por falta de amparo – e isso vemos aos milhares e por toda parte! Quantas centenas ou milhares de obras úteis se poderiam realizar com o dinheiro que aquela velha vai legar a um convento? Poderia talvez reconduzir-se ao bom caminho centenas, milhares de pessoas; dezenas de famílias arrancadas às garras da miséria, à dissolução, à ruína, ao vício, aos hospitais – e tudo com o dinheiro daquela mulher! Matem-na e apliquem o seu dinheiro em benefício da humanidade. E julgas que o crime – se é que nisso há crime – não seria sobejamente compensado por um sem número de obras meritórias? Por uma só vida, milhares de vidas arrancadas à perdição! Por uma criatura de menos, cem criaturas restituídas à vida: é uma questão aritmética! Quanto pesa na balança social a vida de uma mulher caquética, estúpida e ruim? Menos do que a vida de um piolho (DOSTOIÉVSKI, 2006: p. 75-76).

inverno’” (BLACK, Edwin. Guerra contra os fracos: a eugenia e a campanha dos Estados Unidos para criar uma raça dominante. São Paulo: A Girafa, 2003. p. 602 apud LEMOS JÚNIOR et al. 2010).

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43

Tal passagem nos interpela sobre a questão se é lícito fazer o mal para

lucrar algum bem. E é nisto que se reduz toda a discussão sobre a experimentação

com embriões humanos.

3.4 Paralelo entre as Experiências com CTA e CTE

Quando se confrontam os resultados das experimentações científicas

entre CTA e CTE, mostram-se patentes as vantagens daquelas em relação a estas.

Até o presente momento, todas as terapias e curas veiculadas nos meios

de comunicação social provenientes de tratamento com células-tronco são derivadas

da aplicação de CTA, e nenhuma se deve à aplicação de CTE (CRUZ, 2008a).

Infelizmente este dado muitas vezes é omitido ou não é transmitido com clareza.

A terapia através das CTA já tratam com eficácia 73 tipos de doenças no

mundo28 (Cruz, 2008a) com mais de 20.000 pacientes sendo beneficiados (Ferreira

et al., 2010) através de 600 protocolos médicos que utilizam tal uso (Moratalla, 2008

apud Cruz, 2008a). Como elas geralmente são retiradas do próprio paciente, tendo

perfeita compatibilidade histoquímica com o doador, não causam nenhuma rejeição.

O Brasil é um dos países do mundo que mais avança na terapia com

CTA. O país abriga o Estudo Multicêntrico Randomizado de Terapia Celular em

Cardiopatias (EMRTCC), a maior pesquisa do mundo já realizada em se tratando do

uso de CTA retiradas da medula óssea para combater doenças cardíacas (Brasil,

Ministério da Saúde, 2007). Também, “desde 2001 pesquisadores do Instituto do

Milênio de Bioengenharia Tecidual vêm tirando pacientes da fila do transplante

cardíaco com o sucesso do autotransplante de células-tronco adultas” (FERREIRA,

2004: p.7 apud LEMOS JÚNIOR, 2010).

Na neurologia, o uso de CTA vem permitindo a recuperação de pacientes

que tiveram parte dos movimentos perdidos em conseqüência de acidentes

vasculares cerebrais (AVC); segundo a pesquisadora Rosália Mendez-Otero, do

28 O número de aplicações com CTA está a crescer constantemente na atualidade. Para ficarmos em um só exemplo, trazemos abaixo uma reportagem que mostra uma nova aplicação descoberta há pouco mais de um mês (cf.<http://br.noticias.yahoo.com/s/afp/101107/saude/canad___ci__ncia_medicina>).

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44

Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da UFRJ, os resultados têm sido

excelentes. “Uma mulher paralisada por um derrame, a primeira a participar do

estudo, voltou a andar em 17 dias, numa recuperação considerada

excepcionalmente rápida por especialistas” (DIÁRIO DA TARDE apud SOCIEDADE

MINEIRA DE PEDIATRIA, 2005).

Na hematologia têm-se também obtido êxitos com o uso de CTA no

tratamento da diabetes tipo I, implantando CTA que se diferenciam em células

pancreáticas produtoras de insulina (NATIONAL INSTITUTE OF HEALTH apud

VARELA, 2010).

Ao contrário, as experiências com CTE somam 25 anos de fracassos com

centenas de milhões de dólares desperdiçados. Por provirem necessariamente de

outro doador, suas aplicações costumam resultar em rejeição, causando teratomas

(tumores) em quem as recebe.

Na China, por exemplo, foi levada a cabo uma experiência com CTE tomadas de ratos, que foram injetadas em determinada região do cérebro de um paciente que sofria do mal de Parkinson. Os resultados foram horríveis. As células embrionárias começaram a crescer descontroladamente e se transformaram num teratoma, um dos mais primitivos e malignos tumores que se conhecem. Na autópsia da vítima, encontraram-se pedaços de pêlos, ossos e pele no lugar onde fora feita a injeção das CTE (KRAUTHAMMER apud VARELA, 2010).

Não contam com sequer um protocolo médico que autorizam sua

aplicação (Cruz, 2008a). Se algum dia a terapia com CTE obtiver êxito, ainda assim

os pacientes beneficiados “deveriam tomar imunossupressores a vida inteira, para

evitar a rejeição. E, além disso, seria necessária a “produção” de embriões humanos

em escala industrial. Seria preciso destruir não milhares, mas milhões de embriões

humanos” (Cruz, 2008a). Um número que supera o atual de embriões congelados.

3.5 O Mal Intrínseco do Congelamento Artificial de Embriões

Uma questão que guarda íntima relação com o debate acerca da

constitucionalidade do uso de CTE é a prática de se congelar em nitrogênio líquido

aos chamados embriões “excedentários” da fecundação artificial, que correspondem

àqueles que não serão, ao menos num primeiro momento, implantados no útero. Por

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45

mais que não se trate da matéria central do presente trabalho, se faz obrigatória aqui

a menção acerca da maleficidade ínsita de tal prática.

Criar seres humanos em laboratório e, ao mesmo tempo, negar-lhes que

possam se desenvolver livremente, não os colocando no útero e sim, à quase 200

graus abaixo de zero já é ferir a sua dignidade. O Estado e a família têm obrigação

de assegurar aos incapazes, com absoluta prioridade, todos os seus direitos (cf.

CRFB/88, art. 227 caput).

A inseminação extra-útero é, por si, já a dupla negação do direito do novo ser humano à forma de procriação típica da espécie e ao ambiente adequado para o seu crescimento. O ninho lhe é subtraído e não, entretanto, a sua identidade e dignidade (SILVA, nº. 9).

Vê-se assim que um erro (congelar embriões) não pode ser usado para

justificar outro (tratar o embrião como coisa). Deve-se sim procurar corrigir ambos. A

solução ao primeiro já existe na legislação da Itália: limitar o número de embriões

fecundados ao número de crianças que se quer gerar; assim, não haverá “sobras”

de embriões.

Na Itália, em 19 de fevereiro de 2004 o Parlamento aprovou a Lei n. 40, “Norma em matéria de procriação medicamente assistida”, que protege o embrião humano originado por fertilização in vitro. Essa lei proíbe a destruição e a crioconservação (congelamento) de embriões (art. 14, 1), a produção de embriões em número superior ao necessário para um único implante, e que nunca poderá ser superior a três (art. 14, 2), e a “redução embrionária” em caso de gravidez múltipla (art. 14, 3) (...) Essa lei, que está longe de ser perfeita, tem o mérito inegável de extinguir a discriminação contra o concebido. Este último é expressamente reconhecido como sujeito de direitos, logo no artigo 1º: 1. Al fine di favorire la soluzione dei problemi riproduttivi derivanti dalla sterilità o dalla infertilità umana è consentito il ricorso alla procreazione medicalmente assistita, alle condizioni e secondo le modalità previste dalla presente legge, che assicura i diritti di tutti i soggetti coinvolti, compreso il concepito.29 (LEMOS JÚNIOR et al., 2010).

Quanto aos embriões que já se encontram congelados nas clínicas de

todo o Brasil, existe uma saída ética e digna para o problema: a adoção de

embriões, medida já em uso nos Estados Unidos e com ótimos resultados.

Nos Estados Unidos, há várias organizações que facilitam a adoção de embriões congelados, entre as quais: Embryos Alive, Snowflakes e National Embryo Donation Center. Bradley Mattes, diretor executivo de Embryos Alive, estima que haja nos EUA 400.000 embriões humanos congelados,

29 “A fim de favorecer a solução dos problemas reprodutivos derivados da esterilidade ou da infertilidade humana, é permitido o recurso à procriação medicamente assistida, sob as condições e segundo as modalidades previstas pelo presente lei, que assegura os direitos de todos os sujeitos co-envoltos, inclusive o concebido.”

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como excedentes de fertilização “in vitro”. Segundo o mesmo autor, “relata-se que há atualmente mais pais querendo adotar embriões do que o número de embriões disponível” (MATTES, 2007 apud LEMOS JÚNIOR et al., 2010) 30.

Destarte, é equívoca a idéia de que o único destino possível aos embriões

congelados seja o lixo hospitalar, pois a adoção de embriões é uma via

perfeitamente possível de ser tomada.

Ressalte-se aqui que encontra-se na Comissão de Constituição e Justiça

(CCJ) da Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº. 1.184/03, que, dentre outras

previsões, permite a adoção de embriões para casais inférteis, além da vedação à

novas criopreservações de embriões 31.

3.6 A Grande Inovação das Células-Tronco Pluripotentes Induzidas (CTPI)

Um das desvantagens que os defensores das pesquisas com CTE

apontavam com relação às pesquisas com CTA era o fato de que estas somente

podem se diferenciar em alguns, mas não em todos os tipos de células do corpo

humano, enquanto as CTE são capazes de se diferenciar aparentemente em todos

os tipos de células do corpo.

Esta diferença já se encontra superada. Uma descoberta de cientistas

americanos e japoneses conseguiu fazer com que células-tronco adultas se

comportassem como embrionárias, mediante reprogramação genética, e

possibilitando que células adultas do corpo possam se diferenciar, não somente em

alguns, mas em todos os tipos de células do organismo humano (FOLHA ONLINE,

2007 apud LEMOS JÚNIOR et al., 2010).

Duas equipes, uma comandada por Shinya Yamanaka, da Universidade de Kyoto (Japão), e outra comandada por James Thomson, da Universidade do Wisconsin (EUA), conseguiram transformar células da pele em células-tronco pluripotentes inserindo quatro genes nas células por meio de um retrovírus.

30 Texto original: “It's reported that there are currently more parents wanting to adopt embryos than the number of those available”. 31 Cf. < http://querap.com.br/2008-05-30_batalha_de_celulas_tronco.php> e <http://74.125.45.104/search?q=cache:HWXlByEg5wJ:www.camara.gov.br/sileg/MostrarIntegra.asp%3FCodTeor%3D262498+1.184+embri%C3%B5es&hl=pt-BR&ct=clnk&cd=1&gl=br&client=firefox-a>.

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47

O trabalho de Yamanaka fez com que o criador da ovelha Dolly, Ian Wilmut, anunciasse que iria abandonar a clonagem humana para se concentrar nessa nova técnica revolucionária, que não requer o uso de embriões.

No dia 14 de fevereiro de 2008, a “Science Express”, versão eletrônica da revista “Science”, publicava mais um trabalho de Yamanaka 32. Sua equipe conseguiu reprogramar células adultas de camundongo sem que houvesse o aparecimento de tumores. Os pesquisadores “utilizaram um retrovírus para injetar quatro genes nas células do fígado e da parede do estômago de ratos adultos. Estes ratos não desenvolveram tumores nos primeiros seis meses.

Esse resultado é muito importante, e revela uma supremacia das células-tronco pluripotentes induzidas (CTPI) em relação às células-tronco extraídas de embriões (CTE). (...)

Em suma: por motivos puramente práticos (e não de ordem ética), James Thomson e Ian Wilmut decidiram abandonar as pesquisas que envolvem destruição de embriões humanos. Por que no Brasil ainda se continua a falar com sensacionalismo sobre as células-tronco embrionárias humanas? (LEMOS JÚNIOR et al., 2010).

As pesquisas com células reprogramadas estão a evoluir

significativamente, e recentemente os cientistas aprenderam a reprogramá-las

utilizando o ácido ribonucleico (RNA) sintético, fazendo que a técnica leve a metade

do tempo e seja 100 vezes mais eficiente e segura para uso terapêutico (G1, 2010).

Feitas estas ponderações, percebe-se as falhas contidas na sentença da

ADIn examinada. Como diz um antigo provérbio, “a ignorância é a mãe de todos os

erros”.

32 Generation of Pluripotent Stem Cells from Adult Mouse Liver and Stomach Cells.

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48

CONCLUSÃO

Concluída a apresentação dos argumentos para fundamentar o objetivo

deste trabalho, resta reconhecer que ele atingiu o objetivo a que se propôs.

No capítulo 1, traçou-se um panorama da tutela jurídica do direito à vida e

do princípio da dignidade da pessoa humana no direito brasileiro, com especial

menção constitucional do assunto, adotando-se o entendimento de que o direito à

vida, apesar de não ser absoluto, nunca poderá ser tirado do ser inocente, e de que

a dignidade da pessoa humana é princípio basilar de todo o Direito.

No capítulo 2 foram analisados os contributos de outras áreas científicas,

tais quais...... para um referendado deslinde da análise da constitucionalidade das

pesquisas com embriões humanos. Definiram-se nele os importantes conceitos de

pessoa e indivíduo humano, entre outros.

Coube ao capítulo 3 sugerir, mediante o cruzamento de dados dos

capítulos anteriores, e segundo o entendimento do realismo jurídico, qual seria o

melhor tratamento jurídico que deveria ser concedido aos embriões humanos,

concluindo pela posição de que se o embrião é pessoa humana, logo deveria ele ser

constitucionalmente protegido.

Vislumbrando o panorama da análise das pesquisas com embriões

humanos, vê-se a triste realidade de uma sociedade jurídica que ao invés de repelir

energicamente as indevidas intervenções nesta área, aprova e incentiva tais

descalabros. Note-se que as experiências com embriões humanos aplicam a estes

uma verdadeira pena de morte, sem nenhuma culpabilidade por parte dos

apenados. Invertem-se valores fundamentais e elementares, obscurece-se a

distinção entre o bem e o mal, decorrendo que direitos e princípios ufanamente

declarados e consagrados por gerações sejam entregues ao esquecimento ou à

negação prática. Concomitantemente, fere-se de morte a autoridade, porque

separada da verdade. Diz-se muito da utilidade dessas pesquisas; prova-se nada,

como restou evidente em razão da absoluta falta de protocolos médicos aprovados

para o uso no homem. Apela-se ao argumentum ad misericordiam; esquece-se que

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os embriões também são vítimas. Promete-se um futuro radiante de resultados sem

a menor responsabilidade pela promessa de cumpri-los.

Neste cenário, a liberdade não tardará a aniquilar-se a si mesma,

desenfreada no seu materialismo prático, porém, carregando consigo um quê de

suicida, pois constrói com seus princípios seu próprio cadafalso.

Nesta avalanche relativística, vitima-se a própria democracia, prostituída

assim como meio de silenciar pela morte os mais débeis e indefesos. Pois a

democracia viverá ou morrerá pelos valores e causas que ela abraça ou promove.

Mas enquanto houver boa vontade humana a realidade poderá ser transformada.

Evoque-se aqui o citado Projeto de Lei nº. 1.184/03, que aparece como a forma de

neutralizar as nefastas conseqüências da sentença na ADIn nº 3.510. É a ele que

devem se concentrar no momento as forças para a defesa da dignidade humana dos

concebidos não nascidos.

Somente assim o mundo poderá conhecer uma aurora de novos tempos,

não falseada com vãs expectativas, mas ancorada no amor pela verdade.

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