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ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL – ESAB CURSO DE PÓS – GRADUAÇÃO LATO SENSU EM EDUCAÇÃO
MATEMÁTICA COMPARADA
KEILA NAARAH FERREIRA DA COSTA
A MATEMÁTICA FINANCEIRA COMO FERRAMENTA PARA OS DOCUMENTOS DA BABILÔNIA: Arquivos das empresas familiares
paleobabilônicas e neobabilônicas
VILA VELHA (ES)
2014
KEILA NAARAH FERREIRA DA COSTA
A MATEMÁTICA FINANCEIRA COMO FERRAMENTA PARA OS DOCUMENTOS DA BABILÔNIA: Arquivos das empresas familiares
paleobabilônicas e neobabilônicas
Monografia apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Educação Matemática Comparada da Escola Superior Aberta do Brasil como requisito para obtenção do título de Especialista em Educação Matemática Comparada, sob orientação do Prof. Me. Custódio Jovêncio Barbosa Filho
VILA VELHA (ES) 2014
KEILA NAARAH FERREIRA DA COSTA
A MATEMÁTICA FINANCEIRA COMO FERRAMENTA PARA OS DOCUMENTOS DA BABILÔNIA: Arquivos das empresas familiares
paleobabilônicas e neobabilônicas
Monografia aprovada em... de.......de 2014
Banca Examinadora
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VILA VELHA (ES) 2014
DEDICATÓRIA
Dedico este trabalho àquele que tem me dado capacidade de todos os dias verem mais
um dia nascer e me dar condições para ter a força e energia necessárias para produzir,
em meu trabalho e estudos: DEUS. Aos meus pais Teobaldo Costa Homem (In
memoriam) e Jandira Ferreira da Costa, a todos os meus irmãos e amigos, àqueles que
me apoiaram nos momentos que pensei que não conseguiria concluir este curso.
AGRADECIMENTOS
Agradeço a toda equipe ESAB, pelo bom atendimento e suporte acadêmico a mim
dispensado e pelo material disponibilizado. Ao corpo docente que compõe o curso Lato
Sensu em Educação Matemática Comparada que com seus conhecimentos
colaboraram consideravelmente no meu crescimento profissional enquanto professora
de matemática, concernente aos desafios enfrentados por parte da didática e
metodologia aplicadas em sala de aula com relação a esta disciplina. O meu muito
obrigada.
“Os Babilónios usavam declarações e venda e conferiam
muita importância à prova escrita e ao juramento. No seu
tempo, havia contratos de troca, de empréstimo, de aluguer
e até de penhora. Havia também recibos, sendo claro que o
texto era gravado em pequenas placas de argila nas quais
se inscreviam as incisões cuneiformes. Os Babilónios
possuíam casas de sociedades em participação sob a forma
de um contrato estabelecido entre um capitalista (fornecedor
de mercadorias) e um comerciante (fornecedor de trabalho e
de conhecimentos comerciais). Eram, na realidade, um povo
muito desenvolvido, autor do sistema de pesos e medidas,
dos títulos de crédito, da carroça, entre outras invenções,
como a cerveja, por exemplo.”
(Miguel Gonçalves)
RESUMO
Este trabalho trata a respeito da matemática como ferramenta para a economia das empresas familiares com presença de elementos desta nos arquivos encontrados e conservados nos museus de Louvre e Yale, em que historiadores os exploraram. Para tanto, teve como objetivo geral retratar a utilização da matemática financeira nos arquivos das empresas familiares paleobabilônicas e neobabilônicas no período compreendido entre (2000-1595 a.e.C.) e (639-595 a.e.C.). Para isso utilizou-se de uma metodologia com pesquisa básica, exploratória e bibliográfica, tomando como população a região da baixa Mesopotâmia e como amostra as cidades de Larsa e Babilônia, nos períodos citados, no entanto não excetuando outras cidades, já que o reino da Babilônia anexou, ou seja, dominou outras cidades mesopotâmicas. Os instrumentos de coleta foram basicamente livros de aquisição própria e artigos de revistas do Instituto Oriental Universidade de Lisboa. Baseado no objetivo citado conseguiu-se notar elementos da matemática financeira presentes nos arquivos, foram eles: juros, desconto, capital, montante, taxas, prazos ou tempo, multas, lucro e prejuízo. Revelando principalmente que tais elementos beneficiavam a economia destas famílias e também ao palácio que interferia nas negociações. O sentido do benefício foi de organizar e delimitar as transações, enriquecer estas economias e combater a usura.
Palavras chave: Matemática Financeira. Elementos. Babilônia. Larsa.
LISTA DE MAPAS E TABELAS
Mapa 01: Localização de povos e cidades...................................................................7
Mapa 02: Região do crescente fértil na atualidade..................................................... 8
Tabela 01: Assuntos e cláusulas constantes no código de Hamurábi...................... 12
Tabela 02: Famílias babilônicas e principais atividades comerciais......................... 15
Tabela 03: Funções dos funcionários do palácio...................................................... 16
Tabela 04: Demonstrativo entre valor da venda e da compensação........................ 21
Tabela 05: Iddin-Amurrum em relação aos vendedores........................................... 24
Tabela 06: Ililitum e Iliatum em relação ao comprador.............................................. 25
Tabela 07: Quantidade de arquivos encontrados na Babilônia................................. 33
Tabela 08: Elementos da matemática financeira e significado segundo Houaiss
(2003)...,.................................................................................................................... 40
Tabela 09: Valor da propriedade e valor da compensação....................................... 43
SUMÁRIO
1.Introdução............................................................................................................. 1
2. Contextualização Histórica................................................................................. 7
2.1 Assunto: Localização geográfica, economia e sociedade....................................7
3. Busca e Apresentação de Elementos da Matemática Financeira nos Arquivos das Empresas Familiares Paleobabilônicas e Neobabilônicas...........................23
3.1 Assunto: Elementos da matemática financeira...................................................24
4. Utilização e Benefícios da Matemática financeira nos Arquivos das Empresas Familiares Paleobabilônicas e Neobabilônicas................................. 39
4.1 Assunto: Elementos da matemática financeira....................................................40
5. Conclusão... ........................................................................................................ 48
6. Referências.......................................................................................................... 50
1. INTRODUÇÃO
A pesquisa trata a respeito da matemática financeira como ferramenta para os
arquivos das empresas familiares na Babilônia. Sendo baseada em diversos
arquivos citados por autores, em sua maioria, portugueses. Dentre estes, os mais
relevantes, foram contratos, leis, reconhecimento de dívidas e recibos, datados do
período paleobabilônico (2000-1595 a.e.C.) e neobabilônico (639-595 a.e.C.).
A predominância dos arquivos, segundo Costa (2012) é da cidade de Babilônia
importante centro econômico e administrativo, que através do imperador Hamurábi
no período paleobabilônico, unificou diversas cidades estados, entre elas, Nippur,
Ur, Larsa, Uruk, Lagash, Kish, Adab, por isso em diversas citações de arquivos
percebe-se a desiginação da localização de uma destas cidades, também por que,
mesmo que o território não estivesse anexado ao império babilônico, Hamurábi
ainda assim, mantinha relações comerciais com outras cidades, através do
mercador, servidor do palácio para tratar dos negócios da coroa. Hamurábi espalhou
diversas cartas para tais mercadores, estas aqui também um pouco analisadas,
revelando que o rei interferia nas negociações das famílias babilônicas.
No período neobabilônico a Babilônia já tinha estes territórios conquistados, apenas
mantendo o sistema de interferencia do rei nas negociações familiares e expandindo
as formas de negociações existentes.
No período paleobabilônico, as predominâncias de negociações giravam em torno
das propriedades fundiárias familiares, compra, venda e aluguel de terrenos,
pomares, casas e campos, não objetivando tanto o lucro. Veja o que diz Rede
(2006) a respeito da dominação familiar sobre as propriedades
2
O controle familiar sobre segmentos do espaço urbano e rural é uma realidade inquestinável, assim como um fenômeno complexo e que precisa ser avaliado dentro de um contexto em que as organizações complexas, mesmo após a passagem do terceiro paras o segundo milênio, continuaram a exercer um papel preponderante. (REDE, 2006, p 126).
Enquanto que no período neobabilônico era crescente o número de empréstimos e
comercialização de produtos naturais, com o obetivo de enriquecimento de
associações comerciais e também do patrimônio familiar, contaram-se aqui também
as negociações envolvendo mão-de-obra escrava. Sobre isso, Santos (2004) traz
um indício de atividade prestamista de duas famílias pertencentes uma ao período
paleobabilônico e a outra a este período:
Os mercadores e os capitalistas privados contribuiram em larga medida para o desenvolvimento da vida econômica ao emprestarem os seus capitais para fins agrícolas, comerciais ou simplesmente para o consumo. A <<Casa>> de Nabû-sharrah no século XIII a.C. Já desenvolvera uma atividade ecónomica diversificada comparável pela sua natureza à dos Egibi do peródo histórico mais recente. (SANTOS, 2004, p.1).
A Babilônia hoje em dia é conhecida como Iraque e detalhamentos sobre os
principais rios e informações geográficas se verão no capítulo 1. Em seguida, o
capítulo 2, trouxe uma busca e apresentação de elementos da matemática financeira
presentes nos arquivos das empresas familiares são eles: taxas, porcentagem, juros,
montante, lucro, prejuízo, tempo e prazo. E o capítulo 3 aborda a utilização e os
benefícios destes elementos, com o intuito de investigar a resposta para o seguinte
problema: Qual a utilidade da matemática financeira na elaboração dos arquivos das
empresas familiares paleobabilônicas e neobabilônicas no período (2000 – 1595
a.e.C.) e (639-595 a.e.C.)?
Este trabalho é importante não só para esclarecer pontos obscuros do surgimento da
matemática financeira e presença de seus elementos, mas também, para auxiliar as
pesquisas da história desta matemática para economistas, administradores,
3
contabilistas, engenheiros, historiadores e pesquisadores de matemática e seu
surgimento. Podendo auxiliar a ciência quanto aos fatos históricos que contribuíram
para o crescimento do uso da matemática financeira, muito utilizada até os dias
atuais, porém originada há mais de dois mil anos atrás.
O tema em questão surgiu do interesse e necessidade pessoal da autora em
continuar suas pesquisas a respeito dos primórdios da matemática financeira e sua
utilização e expandir as pesquisas já iniciadas em 2012, através da monografia
apresentada na Universidade do Estado da Bahia intitulada: A matemática
Financeira na Economia Palaciana: Uma abordagem histórica do primeiro e segundo
impérios babilônicos, sendo que nesta o foco foi às transações comerciais que
envolviam a economia do palácio e dos templos, e esta nova pesquisa foca as
empresas familiares pertencentes ao setor privado babilônico, mas ainda recorrendo
a textos que constavam a interferência do palácio em suas negociações. Aqui se
verá que tal interferência modificava consideravelmente os acordos feitos nas
transações originais, obrigando comprador e vendedor, devedor e credor a
obedecerem às determinações da coroa.
Rede (2006) informa que houve um considerável crescimento do comércio de
propriedades e das atividades comerciais domésticas, gerando diversas tensões em
torno das negociações realizadas, tornando-se necessário que os reis interferissem,
resolvendo disputas e regulamentando o acesso aos campos, respondendo à
reinvidicações das partes interessadas bem como dos seus descendentes.
O objetivo geral desta pesquisa foi: Retratar a utilização da matemática financeira
nos arquivos das empresas familiares paleobabilônicas e neobabilônicas no período
(2000 – 1595 a.e.C.) e (639-595 a.e.C.).
Os objetivos específicos elencados abaixo foram basicamente três, completamente
voltados a tentar responder o problema desta pesquisa:
4
Identificar elementos da matemática financeira nos arquivos das empresas
familiares paleobabilônicas e neobabilônicas no período (2000 – 1595 a.e.C.)
e (639-595 a.e.C.);
Apresentar a utilização dos elementos da matemática financeira nos arquivos
das empresas familiares paleobabilônicas e neobabilônicas no período (2000
– 1595 a.e.C.) e (639-595 a.e.C.);
Ressaltar os benefícios da utilização da matemática financeira nos arquivos
das empresas familiares paleobabilônicas neobabilônicas no período (2000 –
1595 a.e.C.) e (639-595 a.e.C.).
A Matemática Financeira como Ferramenta para os Documentos da Babilônia:
Arquivos das Empresas Familiares Paleobabilônicos e Neobabilônicos foi uma
pesquisa desenvolvida estudando os dois modelos de atuação comercial na
Babilônia: o modelo fundiário e o modelo comercial, porém, estudando-os
separadamente, em ordem cronológica, já que no período paleobabilônico a
predominâcia era, como já foi dito e doravante será mostrado através de textos de
autores, que a atividade era fundiária e no período neobabilônico a atividade era
muito mais prestamista e de comércio, como também será referenciado, sendo de
modo aleatório quanto ao tipo de documento estudado.
Utilizaram-se citações diretas e indiretas de arquivos datados do período em
questão, para fundamentar o trabalho, bem como outras fontes de informação.
Sobre a metodologia utilizada, para Moresi (2003, p.8), pesquisa é "uma atitude e
uma prática teórica de constante busca que define um processo intrisecamente
inacabado e permanente". E é a isto que tal pesquisa se destina: a continuidade de
uma pesquisa anteriormente elaborada, baseada na história da economia babilônica.
Porém esta se aterá a observação dos arquivos das empresas familiares da
Babilônia, nos períodos palelobabilônico e neobabilônico.
A pesquisa é básica, pois o objetivo desta é:
5
[...] alcançar o saber para a satisfação do desejo de adquirir
conhecimentos e proporcionar informações passíveis de aplicação
prática, sendo desvinculada de finalidades utilitárias imediatas não
sofrendo limitação de tempo. (CASTILHO, 2011, p.10).
Concernente aos objetivos é exploratória, pois há pouco conhecimento acumulado
concernente aos elementos da matemática financeira presentes nos arquivos das
empresas familiares da Babilônia. Ela é "realizada em área na qual há pouco
conhecimento acumulado e sistematizado". (MORESI, 2003, p.9).
O corpo da pesquisa é bibliográfico, pois ela "é elaborada a partir de material já
publicado, constituindo principalmente de um levantamento de dados retirados de
livros, artigos periódicos e atualmente materiais disponibilizados pela internet”.
Kauark, Manhães e Medeiros (2010, p.28). Nesta pesquisa ressalto a presença de
material pesquisado na internet em publicações de revistas portuguesas, pois maior
parte das pesquisas sobre a economia babilônica se dá por historiadores
portugueses.
A pesquisa é voltada para a possível percepção da existência de elementos da
matemática financeira nos arquivos das empresas familiares paleobabilônicas e
neobabilônicas e nesta podem-se citar os elementos: lucro, descontos, juros,
porcentagem, montante, os quais se fizeram presentes na população da
Mesopotâmia Antiga e recente, localizada na área da baixa Mesopotâmia.
É uma pesquisa qualitativa, que segundo Kauark, Manhães e Medeiros (2010, p.26):
“considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um
vínculo indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não
pode ser traduzido em números”. O sujeito aqui estudado é a matemática financeira
utilizada de forma intuitiva.
A amostra foram os seguintes períodos: Período Paleobabilônico (2000-1595 a.e.C.)
e Neobabilônico (626-539 a.e.C.) e mais predominantemente as cidades de Larsa e
6
Babilônia, esclarecendo que o reino babilônico anexou outras cidades-estado ao seu
reino.
Sobre os instrumentos de Coleta, por ser uma pesquisa básica, bibliográfica e
exploratória, coletou-se informações de livros e, sobretudo de artigos de revista. A
pesquisa foi realizada através da coleta individual da pesquisadora, de informações
de alguns livros de aquisição própria, artigos de revistas portuguesas e também da
anterior elaboração de monografia da própria autora, conforme referências
bibliográficas, já que esta pesquisa dá continuidade à descoberta da matemática
financeira na economia babilônica.
Diante disso, foram analisadas as citações dos livros e revistas os arquivos e
observar elementos da matemática financeira neles, sua utilização e seus benefícios
à economia das empresas familiares da Babilônia.
Os principais autores foram Antonio Houaiss que trouxe toda a significação das
palavras, António Ramos dos Santos, Carl Grimberg, Ciro Flamarion Cardoso,
Cristiano Paixão Araujo Pinto, Emanuel Bouzon, Keila Naarah Ferreira da Costa,
Marcelo Rede, Vinícius Mendes Kerstein, dentre outros autores, não tão relevantes
quanto estes, mas aqui também estudados e citados. Sendo relevante também a
pesquisa nos artigos da revista CADMO, do Instituto Oriental da Universidade de
Lisboa.
Diante disto, o trabalho foi dividido em três capítulos, que tratam respectivamente da
contextualização história, da busca e apresentação dos elementos da matemática
financeira nos arquivos das empresas familiares e a utilização destes elementos e
seus benefícios.
7
2 CONTEXTUALIZAÇÃO HISTÓRICA
Segundo Pinto (2006), a Mesopotâmia era dividida em duas regiões: alta e baixa,
sendo a baixa Mesopotâmia, região a qual interessa ao estudo em questão,
localizada às margens dos rios Tigre e Eufrates, que segundo Cardoso (1986, p.32),
“[...] ao descerem velozmente, durante a cheia de zonas montanhosas, a uma região
absolutamente plana, depositam enormes quantidades de aluviões - limo misturado
com cal “O que contribuíram consideravelmente com a agricultura”“.
Ver mapa nº 01 de localização de povos e cidades abaixo, sendo este mapa
concernente à realidade do período estudado:
Fonte: <http://scriptures.lds.org/pt/biblemaps/9>
8
Esta região atualmente localiza-se ao norte do Golfo Pérsico. A baixa Mesopotâmia
segundo Cardoso (1986), foi povoada por volta de 5000-3500 a.e.C. C por dois
principais povos: os sumérios ao sul da região baixa e os acádios ao norte da
mesma região. As línguas faladas pelos povos da supracitada região eram o
acadiano, o babilônio e o aramaico, mas, após este período ocorreram migrações
nômades partidas do oeste, atravessando o deserto Sírio, as quais eram
constituídas pelos amorreus, amoritas, arameus e caldeus além dos leste-
montanheses, e da alta Mesopotâmia, os gútios, elamitas e cassitas. A antiga cidade
de Babilônia de significado “porta de deus” citado assim por Bouzon (1986) é
conhecida hoje como Iraque. Segundo o mapa numero 02:
Mapa 02 – Região do Crescente Fértil na atualidade:
Fonte: Antiguidade Oriental: <soaulas.com/banco_aulas/2_40cap. 02_antiguidade_oriental_1a. ppt>
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Na Mesopotâmia cidades como Uruk (3000-3100 a.e.C.), Larsa (1835-1763 a.e.C.
C), Ur (2000-2004 a.e.C.), que segundo Cardoso (1986) eram o “centro de
importação do cobre”. Já as cidades de Nippur, Adab, Umma e Kish nos períodos
(200-1595 a.e.C.) e (639-595 a.e.C.) surgiram por volta dos anos (2900-2334 a.e.C.),
pertenciam também à baixa Mesopotâmia.
Segundo este autor, estas cidades possuíam três partes: o centro regido pelos
palácios, o subúrbio, onde se localizavam as residências e as áreas de plantio e
criação de animais. Existiam também os portos, onde se praticava o comércio.
Essas duas ultimas partes são de extrema importância para este trabalho.
A escrita surge na região por volta de 3100 a.e.C., sendo ela cuneiforme, rica em
sinais, fruto do complexo comércio da localidade. Costa (2012) em sua pesquisa
descobriu que a escrita surgiu da necessidade de registrar na maioria de seus
arquivos encontrados, as transações comerciais realizadas nos períodos
paleobabilônicos que Cardoso (1986, p.41) informa que foi um período de grande
desenvolvimento das transações “mercantis e creditícias”, apesar da inexistência de
moeda. Esta, para os neobabilônicos, segundo o mesmo autor deu-se após a
dominação assíria em (626-539 a.e.C.). Neste período o mercador tamkârum
continuava a ter um papel crucial na economia, sobretudo no comércio exterior com
Tiro e Sidon, onde ocorria a existência de verdadeiras firmas privadas, os Egibi na
Babilonia e os Murashu na cidade de Nippur, comerciantes e banqueiros da época.
Para Pinto (2006, np) “o comércio é um elemento fundamental na consolidação das
civilizações da Mesopotâmia [...]”. Sendo assim, o excedente dos produtos, passava
a ter valor, existia uma variedade de produtos comercializados na Babilônia entre
eles a cevada, o alho, as tâmaras, fora outros produtos agrícolas, considerados bens
fundiários. Costa (2012) descobre também que o principal produto de
comercialização era a cevada, ela era o principal produto tanto para a monarquia,
como para os setores familiares e privados, sendo inclusive, utilizada nos
empréstimos. Bouzon (1986) diz que ao lado das propriedades dos templos, existiam
propriedades do setor familiar e privado atestadamente comprovado em arquivos.
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Os emprestadores recolhiam a cevada dos agricultores a impostos, e isso criava um
excedente agrícola, que era emprestado aos agricultores para plantio, e após um
ano na época da colheita o agricultor deveria devolver a parte do emprestador com
juros de 20%. Com o passar do tempo estes empréstimos foram se expandindo,
chegando até a utilizar a prata como moeda nos mesmos.
Pinto (2006) caracteriza bem a sociedade mesopotâmica quando afirma que:
[...] cidades, escrita e comércio representam a derrocada de uma sociedade fechada, organizada em tribos ou clãs, com pouca diferenciação de papéis sociais e fortemente influenciada no plano das mentalidades, por aspectos místicos ou religiosos. (PINTO, 2006, p. 15)
Na política, a forma de dominação dava-se através da monarquia, porém não era
uma monarquia unificadora das cidades. Pinto (2006) afirma também que as cidades
possuíam autonomia, tendo seu próprio governante, seus órgãos e exército. Dentre
estas cidades-estados cita-se Ur, Uruk, Lagash, Larsa, Babilônia, Kutha, Kish,
Borsipa, sendo as quatro primeiras da região denominada Suméria e as cinco
últimas da região denominada Acádia. Ainda fala-se da região denominada Assíria
composta por cidades como Nínive, Assur e Nuzi. Para Bouzon o imperador “era o
chefe de governo, o juiz supremo e centralizava em suas mãos toda administração,
que ele exercia nas diversas províncias por meio de funcionários nomeados por ele
mesmo.” (BOUZON, 1986, p.21).
Em seu ensaio Pinto (2006) comenta a respeito do código de Hamurábi, afirmando
que este foi escrito como uma lei imposta pelo deus Sarnas. Era um meio de regular
a vida familiar, administrativa e econômica da Babilônia. O autor ressalta que o
código de Hamurabi não foi o único. Existiu também o código de Ur-Nammu (2140-
2004 a.e.C.), na cidade de Eshunna, em 1930 a.e.C., e o código de Manu originário
da Ásia, no período posterior ao surgimento do código de Hamurábi. E na cidade de
Isin da região suméria no período de (1934-1924 a.e.C.), foram encontrados outros
11
dois códigos sendo um do monarca Lipit-Ishtar. O código de Hamurábi (1792-1750
a.e.C.) resgatou as leis já promulgadas nestes códigos. Este foi descoberto na
região Persa em 1901 pela missão arqueológica francesa, conservado até hoje no
museu de Louvre. Possui 282 cláusulas ou artigos. Pinto (2006) ressalta que o
código possui penalidades e institutos de direito privado e regulamenta o direito
econômico, através da delimitação de salários e preços, modalidades de contratos e
negociações. O autor afirma que através do código de Hamurábi, descobriu-se a
existência de contratos de:
[...] compra, e venda (inclusive a crédito), arrendamento (com ênfase na regulamentação das terras cultiváveis) e depósitos [...]. Há previsão ainda de depósitos a juros, títulos de crédito, operações de caráter bancário e de sociedades de comerciantes. (PINTO, 2006, p.27).
Baseado nesta informação foi que se buscou nas cláusulas do código de Hamurábi
(Cultura Brasileira, 2010, np) a presença de elementos da matemática financeira
também no código, pertencente ao período paleobabilônico.
Kerstein (2007) diz que o código de Hamurábi já legalizava os contratos, de modo
que um empregador pudesse escolher as pessoas e as condições de contratação,
podendo o empregado negociar tais condições diretamente com o empregador, e
que tais contratos podiam ser rescindidos por vários motivos, sendo que a rescisão
dava-se através da ilegibilidade da tábua de argila nele redigida.
O autor supracitado, afirma que o código de Hamurábi, é baseado no princípio de
Talião, o conhecido “olho por olho, dente por dente.” que regulava as punições para
diversos crimes. E como já visto nas afirmações de Pinto (2006), Hamurábi interferia
punindo ou orientando inclusive nas transações financeiras do período.
Kerstein (2007), detalha cláusulas que tratam do que interessou para este trabalho.
12
TABELA 01 – ASSUNTOS E CLÁSULAS CONSTANTES NO CÓDIGO DE HAMURÁBI
As leis que regulamentavam o direito de família e as heranças (§127-§195)
Leis que regulam o direito patrimonial (§6-§126)
Leis que regulamentavam preços e salários (§278-§282)
Leis que regulam locação em regime geral de fundos rústicos, mútuos, locação de casas, doações em pagamentos (§42-§65).
Leis que regulam a relação entre comerciantes e comissionários (§100-§107)
Leis que regulam os contratos de depósitos (§120-§126)
Fonte: (KERSTEN, 2007, p.11) Nota: Adaptado pela autora
Estes artigos revelam presença de juros, valores de aluguéis, indenizações, valores
pagos por sequestro, maltrato, pagamento de aluguel de trabalhadores, venda de
casas, extorno de juros, juros nas negociações com terrenos, pagamentos em geral,
empréstimos, vendas de produtos naturais e quitações.
Kerstein (2007) fala claramente que o código de Hamurábi trabalhava baseado na
estratificação social, ou seja, apenas diferenciavam-se as penas de acordo com a
condição social do indivíduo. Sobre isto, Costa (2012), em sua pesquisa, descobre
que as classes mais abastadas tinham penas mais pesadas em relação a um
escravo ou um liberto, caso cometessem o mesmo delito. “Tais classes sociais eram
segundo Cardoso (1986, p.49) os awilum: “o homem livre que gozava da plenitude
dos seus direitos”, os mushkenum, um homem livre, porém de hierarquia inferior e
os wardum que eram os escravos”. De fato o código de Hamurábi eram decisões
que partiam do palácio para a sociedade alcançando assim consequentemente a
economia das empresas familiares babilônicas.
A respeito dos bens patrimoniais e contratos, Rede (2006), afirma que “é evidente a
existência de transações comerciais relacionadas a bens patrimoniais familiares”,
inclusive o uso da alienação dos imóveis no período paleobabilônico (2000 – 1595
a.e.C.) Diz também que um cidadão babilônico emergiu em meio a tais transações e
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trouxe um grande avanço para as mesmas. No período neobabilônico as operações
financeiras eram mais avançadas e já visavam o lucro, como descobriu Costa
(2012).
Ainda sobre Hamurábi, uma de suas cartas trata a respeito do pagamento de 10
siclos de prata a um dos seus mercadores, e que esses mercadores serviam ao
palácio, porém também tinham suas famílias as quais deram o pontapé inicial para a
existência da economia de empresas familiares. As cartas também tratam da compra
de um terreno, o qual foi pago com uma mina de prata (aproximadamente 570
gramas) e dois terrenos a mais, sendo que o vendedor reivindicou a posse do campo
vendido. Insatisfeito, o comprador redigiu uma carta ao imperador Hamurábi, o qual
tomou uma decisão a respeito de tal questão, mostrando que o rei interferia nas
negociações privadas.
A respeito dos contratos Rede (2006, p.127) afirma que “os contratos que registram
uma transferência são guardados pelo comprador, como garantia de legitimidade da
operação contra futuras reinvindicações.” Existindo em média 143 contratos de
alienação provenientes de Larsa (1835-1823 a.e.C.) e (1822-1763 a.e.C.). Em seu
trabalho este autor analisou estatisticamente os contratos em relação à superfície
vendida e o valor pago. Isto foi uma das bases deste trabalho, o qual será visto mais
adiante.
Relacionado aos modelos de economia familiar do período neobabilônico, Santos
(2001), fala que existiam dois: o fundiário e o comercial. Ambos eram importantes
para a economia neobabilônica, tendo cada um com suas particularidades. Nos
familiares as análises foram feitas baseadas nos arquivos das famílias Ea-Ilûta-Bâni
e Nur-Sîn, as quais possuíam estatuto, base de riqueza e mentalidade empresarial,
que eram assim divididos: modelo fundiário - descendentes de Ilûta-Bâni e modelo
comercial – descendentes de Nur-Sîn. Os primeiros tinham o objetivo de ampliar
suas propriedades, através da compra, venda ou troca de terras. O desempenho das
transações estava intimamente ligado com a cidade de Babilônia, por ela ter se
tornado o centro administrativo e comercial a partir do reinado de Hamurábi que
14
unificou o governo de diversas cidades. Sobre isto, Bouzon (1986) afirma que as
cartas escritas por este monarca revelam que ele se utilizava da política de pactos e
alianças, e que consequentemente ele conseguia ir dominando aos poucos, cidades
governadas por outros reis e expandindo o seu império. Na Babilônia as mercadorias
eram transportadas em caravanas e barcos, além de serem importadas através dos
mercadores já citados.
Santos (2001) afirma que a família de Nur-Sîn já possuía uma mentalidade voltada
para as ideias de investimento de risco e de lucro. Utilizavam o método de
sociedades comerciais, com aplicação de capital, sendo as operações feitas por
mandatários ou sócios capitalistas, não o capitalista conhecido atualmente, mas um
precursor do mesmo. Os contratos eram chamados de Ana-harrani, com montantes,
garantias e avais de respaldo, bem como, concentração de fundos e partilha de
benefícios. O autor diz que a moeda de circulação nestas transações no período
neobabilônico era a prata. Iddin-Marduk descendente dos Nur-Sîn realizava
empréstimos relativos à colheita. Santos (2001) cita outras personalidades que
movimentaram de forma considerável a economia babilônica: Nabû-Ahhê-Iddin
descendente de Egibi.
A família de Nur-Sîn trabalhava com empréstimos de prata, os quais geravam
bastante lucro e comercializava produtos naturais. Sendo os empréstimos
predominantes sobre o comércio. Isto já revela o avanço existente na
comercialização entre os dois períodos babilônicos.
Santos (2004) explica as finalidades das famílias ou setor privado da Babilônia,
dizendo que o maior objetivo dos mesmos com os empréstimos era contribuir de
forma considerável com a agricultura, o comércio ou o consumo.
Neste trabalho não se considerou os arquivos familiares de todas as famílias citadas,
porém muitas foram mencionadas para reafirmar a importância e existência de um
“setor financeiro” presente nos arquivos de tais famílias. Sendo assim Santos (2004)
cita algumas famílias e atividades conforme o quadro abaixo:
15
Tabela 02 – famílias babilônicas e principais atividades comerciais
Turum-Ili Contas de saldo
Balmunanhe Comércio escravo
Silli-Eshtar Vendas de patrimônio fundiário
Egibi Contratos de sociedade
Shula Casas para arrendamento
Marduk-Asirapli Transações com bens imobilários
Ea-Ilûta-Bâni Comércio de bens fundiários
Nur-Sîn Operações mercantis e financeiras
Iddin-Marduk Associação comercial
Murashû Mercado de produtos agrícolas
Fonte: (SANTOS, 2004, p.3-13)
Pela quantidade de arquivos encontrados relacionados à economia das famílias
babilônicas, percebe-se a importância deste setor. Alguns autores afirmam que o
palácio dominava toda a economia, porém diante dos fatos registrados, percebe-se
que existia um comércio que poderia ou não estar ligado ao comércio realizado no
palácio e sobre isto, haverá uma abordagem um pouco mais adiante.
Ainda em análise sobre a economia familiar, este trabalho trata de arquivos das
empresas familiares na Babilônia e como se dava este sistema no período aqui
estudado.
No Brasil, o costume cultural é o da família nucleada, porém esta vem ao longo dos
anos, revelando novas nuances para o tipo de família ramificada. Poderia até se
imaginar que este modelo de família tem acompanhado a humanidade ao longo do
tempo, pois tal fato também se dava na antiga e recente Babilônia, como afirma
Rede (2006, p.76): “no mesmo sentido Gelb (1979) propõe uma coexistência entre
as formas nucleares e as formas alargada (com variantes como as famílias
16
ramificadas e os grupos formados por irmãos e seus respectivos grupos nucleares).”
O que isto tem a ver com este trabalho? Claramente a sua relação com o comércio
de bens fundiários serve basicamente ao objetivo de preservar os bens dentro da
própria família. Para isso, vendia-se, trocava-se, alugavam-se os imóveis, fossem
eles terrenos, casas ou pomares, como afirma Grimberg (1940). Dentro destas
relações familiares, comercializava-se até as moças mais belas da família, de acordo
com informações coletadas por Oliveira (2008).
A partir de agora será dado ênfase a contextualização política e econômica dos
templos, levando em conta que é equivocado, o pensamento de que o palácio não
tenha nada a ver com este trabalho, porém o rei interferia nos contratos das
transações familiares. Rede (2006) utilizou-se de uma afirmação muito apropriada
para embasar tal ideia. O autor fala que o rei interferia nos contratos das transações
nos casos de disputas por campos que pertenciam ao palácio e foram entregues aos
seus funcionários como pagamento. Muitos serviam ao palácio e consequentemente
tinham suas famílias. Com esta interferência palaciana, os compradores muitas das
vezes precisavam estabelecer um novo acordo.
Os templos possuíam uma organização religiosa, econômica e administrativa. Sendo
assim possuíam funcionários a seu serviço, com atribuições próprias. Alguns
funcionários estavam diretamente ou indiretamente ligados à economia dos palácios.
Santos (2005) cita alguns deles, os quais estão enumerados abaixo, com suas
respectivas funções, segundo o quadro de Costa (2012):
TABELA 03 – FUNÇÕES DOS FUNCIONÁRIOS DO PALÁCIO Âmbito Religioso
1. Urigallu – era o sumo sacerdote 2. Sanga Makh – realizava as oferendas aos deuses locais.
3. sacerdotes – estavam sujeitos à autoridade do sumo sacerdote.
4. Suma-sacerdotisa – equiparada em poderes ao sumo-sacerdote.
17
TABELA 03 – FUNÇÕES DOS FUNCIONÁRIOS DO PALÁCIO
Âmbito administrativo:
5. Tamkârum – mercador
6. Administradores – sanga e ungulá
Ambito Geral
7. Cozinheiro
8. Porteiro
9. Limpador de Pátio
10. Copeiro
Fonte: (SANTOS, 2005, p.244) Nota: Adaptado pela autora
Santos (2005) fala de uma coleta de dinheiro que era realizada pela passagem do
ano novo, quando o palácio recolhia através dos mercadores. Provavelmente, o
autor cita a palavra dinheiro referindo-se a moeda utilizada comumente no período, a
prata e tal coleta servia como impostos. Alguns destes eram coletados até duas
vezes por ano. Nesta economia as mulheres também tinham um papel interessante.
As nadîtu eram segundo Santos (2005), mulheres que enriqueciam através de
negociações de terras por meio da compra, venda e aluguel das mesmas. Tal
imposto em prata causava um excedente tanto no palácio, quanto na economia
familiar, possibilitando a expansão dos empréstimos e pagamento de bens
imobiliários em prata.
Em se tratando de comércio, já foi falado anteriormente que existiam dois modelos
de atuação: o modelo fundiário e o modelo comercial. Bom será compreender
melhor cada um deles. A respeito do modelo fundiário, interessante é entender a
mentalidade apropriativa dos babilônios, já que se trata de propriedades.
Para Rede (2007) a apropriação não era formalizada, o que dificulta o entendimento de tal mentalidade:
18
[...] historicamente, os modos de acesso ao universo material não tiveram necessidade de uma formalização para se constituírem enquanto sistemas institucionalizados, socialmente reconhecidos e eficazes na definição de condutas de controle. (REDE, 2007, p.73)
O autor afirma que era um sistema “ilegal imperfeito” tendo uma consciência jurídica
fraca, porém evolucionista. O que torneava tal apropriação eram fatos materiais e
imateriais. As propriedades mesclavam campos, pomares, casas. Para ele o
sistema de apropriação doméstica se dava da seguinte maneira:
a) A primeira fonte de acesso doméstico ao espaço é o fator de pertencer à comunidade. No início do segundo milênio, este era apenas um sistema residual, mas que ainda exercia influência sobre a distribuição de parte dos campos cerealíferos às famílias. Neste caso, as regras de transmissão entre as gerações são mal conhecidas, mas é muito provável que a manutenção dos laços com a comunidade constituía condição indispensável para a continuidade da ocupação. b) certas famílias, das quais um ou mais membros faziam parte da administração palaciana, controlavam também terrenos ou imóveis concedidos em troca da prestação de serviços, a titulo de remuneração. A substituição parcial do sistema de rações pela concessão de campos de subsistência foi uma característica da transição do terceiro para o segundo milênio, e sem dúvida, foi intensificado com as conquistas de Hammu-rabi. Parece que este sistema foi frequentemente fonte de conflito por causa do estatuto incerto da ocupação (sobretudo se o servidor estava ausente) e de confusão com os campos cultivados diretamente pelo palácio. Em todo caso a transmissão à geração seguinte era limitada por restrições mais ou menos eficazes por parte do palácio e dependia fundamentalmente da continuidade do exercício da função pelo filho do beneficiário (transmissão de bens) confundia-se com a sucessão (transmissão de funções e status). c) A apropriação propriamente familiar, no sentido de que é fundada sobre relações de parentesco, forma um terceiro modo de controle. Este sistema delimita uma categoria de bens de que a família pode dispor mais livremente (daí a possibilidade de alienação), permanecendo, porém submetida às limitações das relações de parentesco: estas servem de vetor do movimento dos bens; por exemplo, a transmissão intergeneracional seguia a filiação, ao mesmo tempo em que era influenciada pelas alianças de casamento. (REDE, 2007, p.78,79).
Como foi elencado, anteriormente, boa parte das propriedades dos funcionários do
palácio eram concedidas como pagamento pelos serviços prestados à administração
palaciana. Uma parte das propriedades era utilizada para a subsistência da família
de tais funcionários e outra parte era transmitida aos filhos, garantindo a
possibilidade de negociações, obviamente, como afirma o texto, limitadas por
19
condições impostas pelo palácio, porém a alienação (Transferência de domínio de
bens, de um indivíduo para terceiros, podendo o valor do bem ser convertido em
dinheiro) era possível, pois uma vez a propriedade nas mãos do funcionário lhe dava
a liberdade de transitá-la, contanto que o fizesse dentro da sua família.
Quanto a este aspecto, Rede (2007), sugere que a circulação de tais imóveis
seguiria os princípios que regem o mercado imobiliário de uma economia de
mercado.
Bouzon (1991) diz que durante a terceira dinastia de Ur, foram encontrados alguns
arquivos relacionados à compra de imóveis entre pessoas particulares, citando as
casas como imóvel principal, em seguida os pomares e os terrenos baldios. De
acordo com ele, na cidade de Eshunna vendeu-se um terreno de aproximadamente
874 m² (oitocentos e setenta e quatro metros quadrados) de terra, em Nippur
também encontraram contratos de compra de terrenos. O autor menciona também a
existência de contratos de aluguel de campos com boa produção entre pessoas
particulares. Afirma também que grande parte dos arquivos encontrados era de
ordem palaciana, porém, existem indícios de contratos de propriedades privadas,
sendo que, isto tudo já ocorria no período paleobabilônico com predominância dos
períodos dos impérios de Rim-Sîn (1822 – 1763 a.e.C.) em Larsa e Hamurábi (1792-
1750 a.e.C.) na Babilônia. Bouzon informa um tipo de relação existente entre a
economia palaciana e a economia das empresas familiares paleobabilônicas além
da já citada, na qual ocorria a concessão de terras em forma de pagamento, quando
afirma que: “Um segundo tipo de terra é designado como egel biltim e indica as
terras do palácio que eram alugadas a particulares e pelas quais o palácio recebia
uma parte da produção estipulada no contrato de aluguel.”( Bouzon, 1991, p.14)
Essas lucravam em cima do terreno e da produção, logicamente sendo que o palácio
obtinha a maior parte do lucro, mas a pessoa particular também ficava com uma
parte da produção que era só sua e esta ainda tinha a possibilidade de ter
comercializado seus produtos com outras pessoas particulares, inclusive para o
exterior através do porto marítimo.
20
Bouzon (1991), diz que houve uma crescente atividade econômica das empresas
particulares, colecionando cerca de oitocentos contratos de compra e venda de
propriedades e imóveis em diversas cidades mesopotâmicas. Em Larsa, foram cerca
de cento e cinquenta contratos de compra de imóveis, no período de Rim-Sîn e de
Summu-Ili (1894-1866 a.e.C.), conservados no museu de Louvre e da Univerdade de
Yale e em Berlim. O autor afirma que os contratos de Larsa revelam que os preços
cobrados pelos terrenos eram relativamente baixos. Nas cidades de Ur e Kutala,
foram encontrados cerca de cem contratos, sendo três relacionados à compra de
campos. Em Nippur são cento e dezesseis contratos de venda de casas, pomares e
campos. Estas cidades ficavam ao sul da cidade de babilônia, existindo também as
cidades ao norte desta. Na cidade de Sippar foram 260 contratos de venda de
campos, a maioria deles com o preço da venda omitido. Na cidade de Dilbat foram
trinta e cinco contratos e em Dyyala quarenta e cinco contratos. Um fato importante
informado por Bouzon (1991), é que os preços das transações variavam de cidade
para cidade, algumas lucrando mais que outras.
Sobre as cidades de Larsa, Ur e Uruk, Rede (2006), cita informações sobre as
mesmas, quando detalha os sítios arqueológicos onde foram encontrados os
principais arquivos de empresas familiares babilônicas:
O sítio de Tell Senkereh, a antiga cidade-reino de Larsa, encontra-se a 270 quilômetros ao sul de Bagdá, na região das planícies meridionais, onde é vizinho de Tell Muqqayar (a antiga cidade de Ur, 43 km a sudeste) e de Warka (antiga Uruk, apenas 19 km a oeste). (REDE, 2006, p 127)
Percebe-se que na maioria dos casos os autores citam muitas cidades
mesopotâmicas, mas pouco as detalham. No sentido de situá-las cronologicamente
latitudinalmente e longitudinalmente. Neste trabalho buscaram-se tais informações
na internet, auxiliando em algumas destas cidades, e outras, citadas pelos autores,
foram sequer encontradas com tais precisões. Inclusive, Rede (2006), afirma que
alguns arquivos analisados são de origem clandestina não possuindo um contexto
arqueológico. Nestes arquivos foram encontrados cartas e contratos muito
predominantes da cidade de Larsa.
21
O autor supracitado traz uma cópia de um contrato conservado no museu de Louvre,
com suas devidas traduções, e assim segue-se uma sequencia de imagens de tais
cópias seguidas de sua tradução. Interessante é notar que os contratos especificam
o valor cobrado na transação comercial realizada, bem como as condições, as
dimensões das propriedades, a especificação do tipo de propriedade, as
testemunhas e os preços de produtos naturais comercializados.
Ainda tratando mais especificamente de arquivos, Rede (2006), traz um exemplo de
contrato em que ocorre uma compensação no valor de 5 siclos (11,4 gramas) de
prata, sendo que o imóvel fora vendido por 17 siclos de prata, no período do reinado
de Rim-Sîn. Tais contratos mencionam os negociantes, a saber: Iddin-Amurrum o
comprador, Nûr-Sin e Nûr-Shamash seus vizinhos, tendo a pessoa de Nûr-Sin
reivindicado ao rei tal compensação paga por Iddin – Amurrum. Mas o texto fala de
outra compensação paga por esta personalidade com um terreno e houve casos de
reembolsar terrenos e prata ao mesmo tempo. O foco aqui certamente não será a
intervenção do rei nos contratos de compra e venda e sim a compensação e
reembolso em si, em termos de prejuízo para uns e lucro para outros.
Neste trabalho esporadicamente se falou o número de cidades, porém as mais
relevantes certamente foram Larsa e Babilônia, devido à quantidade de arquivos
encontrados, bem como os períodos. Por ter diversos imperadores, mais de dois
serão citados, mas a prevalência foi Rim-Sîn e Hamurábi, pelo mesmo motivo.
O quadro a seguir mostra exemplos não retirados dos arquivos de contratos, mas
que mostram como funcionava o sistema de compensação:
TABELA 04 - Demonstrativo entre o valor da venda e a compensação
Valor da venda Valor da compensação
1 minha e 12 siclos 12 siclos
36 siclos 6 siclos
1/3 de mina e 2 siclos 18 siclos
Nota: Dados e tratamento feitos pela autora
22
Diante deste exemplo e tomando os arquivos citados pelos autores, pode-se
perceber que existiram elementos da matemática financeira presentes em tais
transações: o lucro, o prejuízo, pelo menos estes dois já estão implícitos nas
situações de compensação. Daqui por diante buscou-se identificar os elementos da
matemática financeira, apresentar a utilização de tais elementos e ressaltar os
possíveis benefícios da utilização da matemática financeira nos arquivos das
empresas familiares, mesmo que de modo intuitivo.
23
3 BUSCA E APRESENTAÇÃO DE ELEMENTOS DA MATEMÁTICA
FINANCEIRA NOS ARQUIVOS DAS EMPRESAS FAMILIARES
PALEOBABILÔNICAS E NEOBABILÔNICAS
Neste capítulo foram analisados citações, menções e comentários dos autores que
se referem aos arquivos das empresas familiares, ou até mesmo de cartas ou
cláusulas do código de Hamurábi que interferiam nas transações comerciais destas
famílias, buscando indícios de elementos da matemática financeira presentes em
tais arquivos.
Seguindo uma ordem cronológica, buscou-se primeiramente nas citações dos
arquivos referentes ao período paleobabilônico. Como já foi dito, este período está
compreendido entre (2000-1595 a.e.C.), em que vários imperadores governavam ao
mesmo tempo, já que o sistema era o de cidade-estado cada uma com seu
imperador. Logo, quando possível citou-se juntamente com a citação do arquivo, o
nome do imperador e o período do seu império, mas com maior predominância dos
impérios de Rim-Sîn e Hamurábi. Em relação às cidades-estados, vimos também
que foram diversas no período em questão, do mesmo modo, juntamente com a
citação do arquivo, citou-se sua origem, mas com maior predominância de arquivos
de empresas familiares das cidades de Larsa e Babilônia pela quantidade
considerável de arquivos encontrados datados destes dois impérios.
Iniciando o estudo, escolheram-se primeiramente os arquivos em que houve
interferência do rei sobre as negociações. Sobre isto, Pozzer (2007) diz que os
editos reais auxiliavam a população e o palácio, evitando a estagnação da
economia, utilizando-se o rei de medidas de anistia ou anulação de dívidas por
empréstimos, taxas e penhores. E começando pelo período pre-hamurabiano, mas
precisamente na cidade de Larsa que segundo Pozzer (2007), era uma cidade
24
governada submetida sob altas taxas. No mês IX de Rim-Sîn por volta do XXV ano,
nos arquivos da família Sanum, na qual existiam pessoas de destaque como Iddin-
Amurrum:
Foi justamente a partir deste ano que Iddin-Amurrum foi obrigado a pagar compensações a fim de preservar os terrenos adquiridos anteriormente. No mês IX do ano Rîm-Sîn 25, ele deu 16 siclos de prata a Ilî-Littul e seu irmão Iliyatum no intuito de evitar que estes retomassem a casa vendida por eles e por seu pai Abi-Iddinam. Neste caso felizmente conhecemos a operação original: ela ocorrera cinco anos antes e Iddin-Amurrum pagara na ocasião, 1 mina e 6 siclos de prata pelo terreno construido; a compensação foi equivalente, portanto, a quase 25% do preço inicial do imóvel. (REDE, 2006, p.288)
Sendo 16 siclos aproximadamente 182,4g de prata e 1 mina e 6 siclos
aproximadamente 638,4 g de prata. Pensando em tais informações percebe-se uma
consciência primitiva de lucro e prejuízo, nesta compensação. Caso Iddin-Amurrum
não pagasse os 16 siclos de prata, ele teria o prejuízo duplo de perder os 638,4
gramas de prata que investiu inicialmente na casa e a própria casa, como ele pagou
os 25 % a mais, (apesar de que pelo padrão de siclo aqui utilizado recairia em
aproximadamente 28 %), no final ele pagou um total de 1 mina e 22 siclos de prata,
correspondendo a 820,8 gramas de prata, analisando as duas situações de perda
total e conservação do patrimônio, percebe-se que Iddin-Amurrum teve despesas
extras, porém saiu lucrando, conforme quadros de análise da citação acima das
duas situações abaixo:
Tabela 05 - Iddin-Amurrum em relação aos vendedores
Perda total
Perderia as 638,4gramas de prata e a casa
Conservação do patrimônio
Finalmente perdeu 820,8 gramas de prata, manteve a casa.
Nota: Dados e tratamento feitos pela autora
25
Mas tem-se que pensar na negociação para ambos os negociantes, sendo assim:
Tabela 06 - Ilîlitul e Iliuatum em relação ao comprador
Perda total
Teria sua casa de volta, mas também não devolveria as 638,4 g de prata.
Conservação do patrimônio
Ganhou 820,4 g de prata e ficou sem a casa
Nota: Dados e tratamento feitos pela autora
Sendo assim, o prejuízo que Iddin-Amurrum teria sido muito maior se ele optasse
pela perda total, por que o vendedor não teria devolvido o investimento inicial. Neste
caso os elementos da matemática financeira presentes são: Consciência de lucro,
prejuízo e intuitivamente noção de porcentagem.
Outros casos semelhantes também aconteceram com Iddin-Amurrum nos períodos
de Rim-Sîn 16, 29, 27, 30, conforme fragmento de texto abaixo:
Em um segundo caso, possuímos igualmente o contrato de transferência do imóvel e o contrato de compensação. No ano Rîm-Sîn 16, Iddin-Amurrum havia comprado de dois vizinhos, Nur-Sîn e Nûr-Shamash, um terreno construído pelo valor de 17 siclos de prata. Algum tempo mais tarde, Nur-Sîn obteve uma compensação de 5 siclos de prata, fundando sua reinvindicação em um decreto do rei. […]. No ano Rîm-Sîn 29, Iddin-Amurrum ainda pagou uma compensação, mas, desta vez, ele não deu prata ao antigo proprietário: ao invés disso, cedeu-lhe um terreno que, segundo os dados cadastrais, devia situar-se na região em que o pai de Iddin-Amurrum, Eshtar-Ilî havia concentrado suas aquisições urbanas. [...]. Compensação de 10 siclos de prata entregue por Iddin-Amurrum a Lamassatum e seu marido Ilî-iddinam, no ano 27 de Rîm-Sîn. (REDE, 2006, p. 290, 291).
Sendo assim Iddin-Amurrum pagava e recebia compensações sobre terrenos
aduzidos constantemente, parecia ser algo trivial a partir do momento em que o
imperador passou a interferir nas negociações sempre que solicitado pelo
reclamante. Era um verdadeiro ciclo de lucros e prejuízos sucessivos, todos,
26
vendedores e compradores queriam sair ganhando nas transações, a concorrência
já deveria ser bastante notada.
Iddim-Amurrum foi feliz, pois não foi obrigado a além de pagar a compensação, ter
de devolver a propriedade como ocorreu com Ubar-Shamash, que além de ser
obrigado pelo rei a devolver um terreno ao vendedor, teve que pagar à família Silli-
Irra o valor de 5 ½ siclos de prata (28,5 gramas), no ano 38 de Rîm-Sîn. Neste caso,
a consciência de prejuízo para Ubar-Shamash foi imensa, perdeu o valor pago
inicialmente, perdeu o terreno e mais os siclos de prata.
O autor fala que nessas transações de compra e venda de terrenos, também existia
a cobertura de dívidas em empréstimos, explicando que no caso de uma dívida, se o
terreno valesse 50 siclos de prata, ele era vendido por 66 siclos de prata para que os
dezesseis siclos cobrissem o débito do empréstimo. O comprador pagava os 66
siclos, sendo somente do terreno 50 siclos e o restante (16 siclos) era referente a
algum empréstimo, fazendo-se notória a presença de dívidas.
Ainda tratando do reino de Larsa e seu sistema de comercialização, Rede (2006),
fala que as transações comerciais feitas com propriedades fundiárias eram
realizadas dentro da família sendo o principal objetivo, conservar a sua base
produtiva e não o aumento de capital, com presença de terrenos construídos em
29% dos casos, pomares 27%, pomares mais terrenos rurais 16%, terrenos urbanos
11%, terrenos construídos mais terrenos vazios 7% e indeterminados 5%.
Rede (2006, p.144) traz uma variação entre a dimensão do terreno e o valor da
venda afirmando que “[...] maior a quantidade de prata que se podia obter por ser,
vendido menor era a dimensão dos terrenos negociados.” Ou seja, pequenas
extensões de terra saíam mais caras do que grandes extensões e o lucro, para eles,
era encarado, como a possibilidade de vender uma parcela menor de suas
propriedades, gerando menor oferta dos bens em circulação.
Bouzon (1992) traz outro exemplo de compensação referente a alguns contratos
paleobabilônicos em que, na cidade de Larsa, no período de Rîm-Sîn, constante no
27
museu de Louvre sob a denominação YOS 8,52, cita um agente chamado Elmesum,
que reclamou ao rei um pomar de volta, porém não o recebeu, pois o rei decretou
que o comprador do terreno deveria reembolsar Elmesum com 8 siclos de prata,
cerca de 64g, com direito a recibo.
Outro contrato no mesmo museu conservado sob a codificação TCL 10,132, exige
do comprador Iddin-Amurrum um pagamento adicional de 6 siclos de prata, cerca de
48 gramas sobre o preço pago inicialmente. E outro arquivo de código TCL 10,128
diz que Iddin-Amurrum comprou um imóvel por 17 siclos (136 gramas) e teve que
pagar uma compensação de 6 siclos, equivalendo a 1/3 do preço pago inicialmente.
Já o arquivo VS 13,82, o comprador é Ubar-Samas e os vendedores Silli-Erra e seus
filhos e neste arquivo, o preço no ato da compra do imóvel foi 1/3 de mina e 7 1/3
siclos, aproximadamente 225,33 gramas de prata, um dos preços mais elevados
comparados aos citados aqui. Geralmente eles compravam estes imóveis em
condições depreciadas como afirma Bouzon (1992), e neste caso o rei decreta que a
compensação seria dar uma casa e mais 5 ½ siclos de prata, correspondendo a 1/5
do preço pago anteriormente. A presença da compensação financeira é maciça, nos
dias atuais.
O termo compensar no dicionário Houaiss (2003) significa: “contrabalançar um mal,
um prejuízo, um dano, um incômodo etc. com o efeito oposto, ou vice-versa”, no
caso babilônico o dano era a perda do imóvel ao ser vendido, o que no período o rei
ainda não interferia, a partir do momento que os vendedores procuravam os reis
para fazerem reclamações ou reivindicações dos seus antigos terrenos, aí sim se
exigia a compensação ao comprador pagas ao vendedor para compensar tal perda.
Ainda no reino de Larsa no período de Rîm-Sîn, o arquivo do contrato conservado
sob numero VS 13,77 de um comprador chamado Ubar-Samas adquire um terreno
de aproximadamente 7236 m², como mostra Bouzon (1991), comprado por 1/6 de
siclos de prata e outro sob denominação YOS 8,143 consta a venda de um terreno
maior de 5,04 hectares por 1/3 de mina e 4 2/3 de siclos de prata. Bouzon afirma
que os preços são relativamente baixos, isto demonstra que o lucro em prata era
28
irrelevante em relação ao lucro de conservar os campos na família, Certamente se
estivessem inseridos em um contexto capitalista, eles teriam grandes prejuízos, com
lucros tão baixos, o percentual seria negativo, em face da possível existência de
uma nova condição a ser utilizada para o cálculo: a dimensão do terreno.
Já no período de Hamurábi, as negociações já eram reguladas também através do
código do mesmo imperador, relevando alguns elementos da matemática financeira
presentes na economia das empresas familiares da Babilônia, já que, como já foi
dito anteriormente, o código regulava a vida econômica e social dos babilônios,
atingindo assim também a economia familiar. Consta na Coluna 1 e 2 do código de
Hamurábi:
1. Se alguém toma dinheiro a um negociante e lhe dá um horto de tâmaras e lhe diz: - ‘as tâmaras que estão no meu horto tomei-as por dinheiro’: e o negociante não aceita então o proprietário deverá tomar as tâmaras que estão no horto, entregar ao negociante o dinheiro a juros segundo o teor de sua obrigação, as tâmaras excedentes que estão no jardim deverá tomá-las o proprietário.
2. Se um inquilino paga ao dono da casa a inteira soma do seu aluguel por um ano e o proprietário, antes de decorrido o termo do aluguér ordena ao inquilino de mudar-se da sua casa antes de passado o prazo, deverá restituir uma quota proporcional à soma que o inquilino lhe deu. (Cultura Brasileira, 2010, np).
O que se observa nestes trechos é a clara presença dos juros no empréstimo
realizado em uma negociação e a restituição em quota única proporcional aos
pagamentos efetuados no aluguel pelo inquilino por descumprimento de contrato.
Cláusulas do código de Hamurábi também revelam a presença dos juros presente
na economia e transações comerciais:
100°: Com o juros do dinheiro na medida da soma recebida, deverá entregar uma obrigação por escrito e pagar o negociante no dia do vencimento;
101°: Se no lugar onde foi não fechou negócio o comissionário deverá deixar intato o dinheiro que recebeu e restituí-lo ao negociante; (Cultura Brasileira, 2010, np).
29
Tais cláusulas confirmam a existência do elemento juros na Babilônia. Sabe-se
também que maioria das negociações era realizada por Tamkârum, funcionário do
palácio responsável pelo comércio, que pertenciam a um grupo familiar e com seu
crescimento em importância no comércio interno e externo também tinham seus
próprios negócios, tendo que permanecer sujeitos às cláusulas do código de
Hamurábi, levando em seus contratos de compra, venda ou aluguel tais condições.
Mas não são só os juros que se vê nas cláusulas do código, como também apenas
empréstimos, compra, venda e aluguel de imóveis. O código também mostra
refinadas transações financeiras, como o depósito consignado através da clausula
122°: Se alguém dá em depósito a outro, prata, ouro ou outros objetos deverá
mostrar a uma testemunha tudo o que dá, fechar o seu contrato e em seguida
consignar em depósito. (Cultura brasileira, 2010, np)
Consignar significa depositar certa quantia para pagar dívidas, fica claro que o
depositante é alguém que devia e utilizou-se do depósito de coisas valiosas para
quitar tal dívida.
É clara também a presença da taxa, não a taxa como conhecemos hoje, porém em
algumas situações eram exigidos uma parte de determinado valor, sendo
configurado, se assim interpretado, como uma taxa. A cláusula 225 ° e 238°dizem
respectivamente que: ”Se um bateleiro mete a pique o barco de alguém, mas o
salva, deverá pagar a metade do seu preço.” “Se o médico trata um boi ou burro de
uma grave ferida e o mata, deverá dar um quarto de seu preço ao proprietário”
(Cultura Brasileira, 2010, np). Observa-se que em ambos os casos teve que ser
restituído uma parte do valor do bem, no primeiro caso foi à metade, ou seja, 50%
do valor do bem e no segundo caso, foi ¼ do valor do bem, ou seja, 40% do valor,
tornando isso uma taxa a ser paga pelo prejuízo ocasionado no serviço prestado.
Outras cláusulas demonstram a cobrança de taxas de modo similar às clausulas
citadas. A 247° fala que se caso alguém alugue um boi e arrancar o seu olho deverá
pagar metade do seu preço, a 248° afirma que no aluguel de um boi ocorrer de
30
partir-lhe o chifre, ou o animal sofrer algum outro dano corporal, deverá pagar ¼ do
seu preço, apenas servindo para confirmar a presença do elemento taxa.
Considerando que esta pesquisa foi norteada para dois períodos babilônicos o
paleobabilônico, que já foi estudado, parte-se a partir daqui para o período
neobabilônico e a busca dos elementos da matemática financeira nos arquivos das
empresas familiares neste.
Neste período existiram diversos e diversas personagens e famílias que
movimentavam a vida financeira neobabilônica, porém alguns foram mais
relevantes, no decorrer do texto surgiram tais nomes com mais frequência que
outros: Os Nur-Sîn, os Murashû, o personagem Nabü-ahhê-iddin da família Egibi,
durante os reinados de Nabopalassar, Nabucodonosor e Amêl-Marduk e Neriglissar
no período compreendido entre (626-331 a e. C.). Um importante evento ocorreu
neste período, demonstrando a existência de um elemento da matemática financeira
presente na Babilônia, relacionado a dívidas existentes, conforme Santos (2000),
Na verdade, o estatuto de Neriglissar era tal que nesse ano foi demandado
para representar um grupo de credores que tinham emprestado grandes quantias de prata a um escriba. Nabü-apla-iddin, filho de Balâtu. Incapazes de recuperarem os seus investimentos do devedor, eles viraram-se para a assistência de Neriglissar, que por sua vez delegou Nabü-ahhê-iddin para tratar da situação. Como resultado, num certo número de documentos redigidos entre 561 e 560 a.e.C., Nabü-ahhê-iddin supervisionou em nome de Neriglissar a liquidação da propriedade do devedor insolvente, assim como a retribuição ocasional do pagamento por desconto dos credores não reembolsados. (SANTOS, 2000, p. 228).
Houve claramente aí um desconto para quitar tal dívida, desconto significa pelo
minidicionário Houaiss p. 155, um abatimento, uma redução, um valor reduzido em
relação ao real valor em uma determinada negociação. Na matemática financeira o
desconto costuma ter uma fórmula matemática, que envolve porcentagens e taxas
que são elementos reais presentes na matemática financeira.
31
Em um caso mais específico o mesmo Nabü-ahhê iddin reembolsa Marduk-apla-
uçur apenas 1/3 de mina de prata da dívida real de 2/3 de mina. Sobre credores de
Nabü-apla-iddin, IqTsa recebeu pelo menos metade do valor real. Santos explica
que tal desconto ocorria por que as dívidas eram junto ao palácio e o rei precisava
ficar com a parte que lhe cabia no acordo existente entre credores e palácio, para
solução das dívidas. Fica claro que Nab¨-ahhê-iddin além de ser do setor privado,
era funcionário do palácio para tratar dos negócios deste. Este mesmo personagem
segundo Santos (2000) emprestava a juros com taxas de 20% sobre garantias reais:
casas, pomares, terrenos, campos e escravos.
Já foi dito no primeiro capítulo que existiram no período neobabilônico verdadeiras
sociedades comercias, tais tinham maior predominância das famílias Nur-Sîn e
Egibi. Usando um entendimento, deduz-se que tais sociedades deveriam ser muito
rudimentares, mas estudos mostram que eram para o período, bastante avançadas
e bem elaboradas. Santos (2003), afirma que quando uma associação se desfazia
existiam normas que regiam a divisão das propriedades das associações, sendo
calculado todo o espólio, “conjunto de bens deixados por alguém ao morrer.”
Houaiss (2003)) baseado no valor global, incluindo as falências e dividido entre os
associados. Faziam-se acordos para as dívidas ativas, o que demonstra um
crescimento das funções financeiras do período e como a matemática financeira
pautava tal crescimento.
Existiam empréstimos dentro da própria sociedade onde o investidor aguardava a
recuperação e o pagamento pela própria associação. A prata era muito mais
utilizada nos empreendimentos de compra e venda do que nos empréstimos, até
porque as associações eram formadas por investimentos dos próprios investidores,
talvez fosse uma forma de proteção do crédito. Os lucros eram distribuídos
igualmente pelos sócios, revelando a existência do lucro (que significa um ganho
comercial).
Na matemática financeira, tanto o lucro, quanto o prejuízo possuem fórmulas
específicas. O lucro é dado por: L=V-C, sendo L o lucro, V o preço de venda e C o
32
preço de custo da mercadoria ou serviço e o prejuízo possui a fórmula: P= C-V,
sendo P o valor do prejuízo, C o preço de custo e V o preço de venda, de acordo
com Gatardelo (2010). Coexistiam na economia babilônica os preços de venda e de
custo das mercadorias. Até por que existiam dois tipos de comércio e externo e o
interno. Santos (2003) afirma que existindo dois investidores e um credor a divisão
do lucro era na proporção de 1 para cada três, ou seja, 1/3.
Se existisse um investidor e dois credores, a divisão se daria da seguinte forma:
uma parte para o investidor e o restante dividido para os dois credores. Nos casos
de empréstimo, o devedor deveria reembolsar a quantia total mais os encargos.
Para compreender melhor como se dava a geração de lucros nas associações
comerciais neobabilônicas, segue um trecho de Santos (2003):
Porque o investidor não recebia garantias que resultassem no provento de alguma compensação do seu investimento- harrãnu, e era também ferido com 0 risco de perder todo o capital investido, ele, evidentemente, antevia lucros que fossem maiores do que os possíveis através de investimentos mais seguros. Além disso, já que o investidor tinha de partilhar metade de todos os lucros com o sócio que geria a sociedade, ele também esperava realizar ganhos enormes. Tudo o que se encontrasse abaixo dos 40% na base anual traria, ao investir, um lucro líquido que seria de menos dos 20% oferecidos pelo juro padrão dos reconhecimentos de dívida. Não será por isso de surpreender que muitas das transacções-harrãnu existentes estivessem associadas com a aquisição e venda de mercadorias, empreendimentos que podiam garantir rendimentos substanciais (33). Talvez mais do que qualquer outro tipo de transacção existente do período neobabilônico, a sociedade- harrãnu e as actividades de risco e de especulação comercial que lhe estavam associadas fornecem uma ilustração dos componentes integrais do «empresário privado», nomeadamente o aumento do capital privado, a partilha de riscos, e o potencial para lucros substanciais, embora não garantidos. (Sic) (SANTOS 2003, p.104).
Existia no período neobabilônico um sistema de crédito bem organizado envolvendo
as atividades financeiras. O dicionário Houaiss (2003) define crédito como:
confiança, confiabilidade, depósito em conta, o que é devido a alguém. A maior fonte
de documentação são notas promissórias e recibos, textos de reconhecimento de
dívida. Em um gráfico comparativo, Santos (2008), mostra claramente a prevalência
33
dos documentos que atestavam as atividades financeiras do período, o quadro
abaixo é baseado neste gráfico:
TABELA NUMERO 07 - QUANTIDADE DE ARQUIVOS ENCONTRADOS NA BABILÔNIA
Cobranças........................................11
Empréstimos................................9
Garantia...................................... .....20
Indicação de não pagamento............1
Libertações.................................. ....4
Liquidações.................................4
Missiva de empéstimos..................1
Obrigações.................................10
Pagamentos................................44
Recibos......................................440
Reclamações......................................1
Reconhecimento de dívida.............822
Transferências.....................................3 Fonte: (SANTOS, 2008, p.12)
Percebe-se que a prevalência de documentos está nos recibos e nos
reconhecimentos de dívidas. Falou-se anteriormente que a prevalência dos negócios
na Babilônia, envolviam propriedades e comércio de produtos naturais. Isso era mais
visível no período paleobabilônico, mas no neobabilônico também existiam casos de
transações de produtos naturais inclusive com juros. Santos (2008) traz um arquivo
denominado TuM 2/3, 75 que diz:
<<2 kurru, 1 pânu de cevada, capital de Nabû-sum-iskun, filho de [Puhhuru], descendente de Ilûta-bâni estão a cargo de /.../, filho de Liblut, descendente de Sa-pî-kalbi. No mês Ayaru, ele dá-los-á (com) 1 pânu de cevada por kurru como juro. Ele não cultivará outro terreno; se ele cultiva a terra arável
34
num outro terreno/.../ a (?) Nabû-Sum-Iskun ele pagará completamente. (SANTOS,2008,p.13)
Costa (2012) mostra que a existência do juro sobre o produto natural, já é indício de
presença da matemática financeira na economia palaciana.
Sabe-se que hoje se estuda a matemática descoberta há muitos anos atrás. Ela
existe e existiu pela necessidade humana para resolver seus problemas diários.
Certamente os cidadãos babilônicos, não saberiam explicar que se utilizavam da
matemática financeira já que era de modo muito intuitivo, mas hoje com os
conhecimentos que se tem a respeito dela, pode-se afirmar que a matemática
financeira embasava todas as transações comerciais, até aquelas em que ainda não
havia o uso da moeda metálica ou o dinheiro.
Outro documento já é mais específico com relação ao empréstimo com uso de
moeda metálica sendo possível até realizar um cálculo matemático neste:
Nbn. 443-«1,2 minas de prata, pertencentes à Itti-Marduk-balātu, filho de Nabû-ahhē-iddin, descendente de Egibi, foram debitadas a Nabû-zēra-ukkin, descendente de Nabû-iddin, descendente de Ašlāku. 1 siclo de prata por mina será provido por ele mensalmente (como juro) 11 . O seu escravo Nabû-te-ka-ida’ serve de garantia.(SANTOS, 2008, p.14)
Analisando foram 1,2 minas de prata e o juros era de 1 siclo de prata por cada mina,
mensalmente. Imagine que este empréstimo fosse por um período de um ano, logo
teríamos 12 meses de tempo. Logo a taxa seria em torno de 16%. O montante é o
capital que neste caso era 1,2 minas de prata aproximadamente 720,8 gramas os
juros era de 1,2 siclos de prata aproximadamente 13,68 gramas de prata,
considerando o tempo transcorrido entre o início e término do contrato.
Calculando um montante baseado na fórmula com juros simples e utilizando a prata
em gramas teríamos: M = C + J, sendo M o montante, C o capital e J os juros, então,
M=C + C*I*T = 720,8 + 720,8*0,16*12 =~ 2104,7 =~ 3 minas e 7 siclos de prata. Este
35
cálculo aproximado mostra o quanto de lucro o investidor teria ao final do período, a
presença dos juros, da taxa e do fator tempo.
Outros recibos mostram que a taxa de juros cobrada não era padronizada nos 20%,
existiam famílias que diversificavam esta prática e Santos (2008) fala que os
arquivos de reconhecimento de dívidas eram sem juros, porém com o preço de
venda exorbitante já para cobrir a falta dos juros, resultando em grandes lucros para
a família. Os arquivos a seguir são recibos em que os juros cobrados diferiam dos
20%:
Nbk 111, um reconhecimento de dívida da época de Sula, pagaram-se as quantias de 8 siclos e 15 siclos à taxa de 13,3%. No texto Nbn 44, um recibo proveniente da época de Nabû-ahhê-iddin, pagaram as quantias de 5 minas e 1 mina de prata à taxa de juro de 12 e 1/3%.[...] TuM 2/3,66, um texto datado do décimo sexto ano do reinado de Nabucodonosor pagou-se 1 panu por cada kurru de cevada. O mesmo se passou com um texto do décimo quinto ano do reinado de Nabucodonosor. No texto L1661, datado do terceiro ano do reinado de Nabónido, refere-se o pagamento de 1 mina e 12 siclos de prata anuais. Nos textos A90 e A91, pertencentes respectivamente aos trigésimos e trigésimo primeiro anos do reinado de Nabucodonosor indicam-se, respectivamente os valores de 1 siclo e 1/8 de prata e 1 siclos de prata anuais. E no texto A 152, no ano de acessão de Nabucodonosor, pagaram-se 6 siclos por mina de prata anuais, o que representa 10%.(SANTOS, 2008, p.28)
Ao passo que se avança, nota-se a presença de elementos da matemática financeira
explícitos nos recibos e contratos da Babilônia nos dois períodos. Taxas de 10%,
13,3%, 20%, Santos (2008) deixa claro que estas taxas de juros eram calculadas
com base nos siclos por cada mina. Existência de lucro em cima de lucro, acordos
firmados com presença de descontos e continuando os estudos verificou-se se
existiram mais elementos. Como é o caso da presença do capital, já citado
anteriormente, porém não provado.
O capital no dicionário Houaiss (2003) é um dinheiro aplicável à produção ou renda.
Santos (2008) afirma que a pessoa de Iddin-Marduk da família Nur-Sîn antevia
lucros mais garantidos e altos através da comercialização de produtos naturais,
concentrando mais capital nos empréstimos em prata, sendo estes com duração
36
inferior a um ano, utilizando-se de taxas fixas, todos baseados em garantias reais,
sendo geralmente taxado um valor de 2 minas de prata por empréstimo. Presença
dos prazos, como mostra Santos (2008) no arquivo Nbn 106:
«1 mina e 2 siclos de prata, pertencentes à Iddin-Marduk, filho de Iqīša, descendente de Nūr-Sîn, foram onerados60 a Nabū-aha-rimanni, o oficial das alfândegas de Šubat-Gula, o escravo de Bēl- [X] . Ele reembolsará (a prata) no décimo dia de Tammuz61 /… (quebrada). Testemunhas. Escriba. Data 62 (SANTOS, 2008, p.33)
A data limite do reembolso da prata foi até o dia 10 de tammuz (quarto mês do ano
semítico). O prazo é um elemento presenta no cálculo de juros, prazo e tempo são
análogos.
O que foi falado aqui, da presença de taxas, prazos e juros, está muito mais claro no
texto citado por Santos (2008, p.35). O arquivo Liv. 2, um reconhecimento de dívida
em que Iddin-Marduk empresta 12 siclos de prata, a qual deve ser retornado 1 siclo
de prata por mês como juro a partir do primeiro dia de Sebatu (sétimo mês). Bem
como o arquivo Nbn. 1079 em que o empréstimo foi de 1 mina e 5 siclos de prata, o
juro seria 1 siclo de prata por mina mensalmente. Este texto mostra também que um
empréstimo anterior ainda não quitado não impedia um segundo empréstimo ao
mesmo devedor: “Nbn. 1079 - <<[...] (Esta dívida está) separada de (uma dívida
anterior de) meio talento (?) /.../ (a qual) ele pagará na sua quantia principal (sem
juro)>>”, mas fica claro que do primeiro empréstimo foi perdoado o juro cobrado.
Já se viu que as atividades existentes na Babilônia eram diversas, sendo que se o
leitor prestou atenção, o período paleobabilônico, a predominância das transações
eram em torno das propriedades fundiárias: terrenos, pomares, campos e casas,
existindo alguns casos de empéstimos, porém, ainda muito baseado nos produtos
naturais como moeda, enquanto que o período neobabilônico existiu predominância
nos empréstimos, comercialização de produtos naturais, e a comercialização
fundiária não deixaram de existir, afinal muitos dos mercadores oficias do palácio
recebiam propriedades como pagamento pelos serviços e sabe-se também que tais
37
propriedades eram comercializadas, porém com extensões muito pequenas com o
intuito de preservar, consequentemente os descendentes de alguns personagens do
período paleobabilônico que ainda tinham propriedades herdadas e transmitidas ao
longo do tempo dentro da própria família. Sem falar que a estrutura do palácio tanto
religiosa quanto administrativa se estendeu também ao período neobabilônico,
levando consigo a prática do pagamento de serviços através de terras, veja o que
diz Santos (2001), a respeito de tais informações:
[...] temos dados esclarecedores para muitos grupos sociais da Babilônia
recente, como por exemplo, os notáveis urbanos. Em algumas cidades da região babilônica, certas famílias construíram fortunas consideráveis através da pratica de negócios, sobretudo agrícolas, de empréstimo, de administração de bens da coroa e dos grandes templos locais. Podemos identificar uma família de “empresários”, nesta cidade, através do arquivo de Ittî-Šamaš-balãtu e do seu filho Arad-Šamaš. Os textos documentam a existência de atividade comercial , chegando mesmo um deles (o texto YNER 1,5), a relacionar um dos participantes Itti-ensi-Nabû, através de seu pai, com a família Egibi. (SANTOS, 2001 , p. 58).
Sendo assim, utilizavam suas propriedades para penhorar suas dívidas, como citado
por Santos (2004) que um tal Bêl-ittanu e sua mulher deviam oitenta siclos de prata
e penhoraram o pomar para pagar, mas por algum motivo apenas suposto no texto
de Santos (2004) o casal não perdeu o pomar, podendo vendê-lo dois anos após
por três minas e um terço de prata. Percebe-se a grande diferença entre os dois
valores da dívida e do valor da venda do pomar, demonstrando o lucro real existente
nesta venda. O autor não cita, mas imagina-se que com uma parte do dinheiro da
venda, até pagou-se a dívida, dado pela diferença entre os dois valores, e ainda
sobejou um saldo considerável de mais de 2 minas de prata. Mas no período
neobabilônico existiam serviços remunerados. Santos (2006) diz que 77,78 % dos
arquivos encontrados eram relativos a contratos de trabalho, 3,70% eram contratos
de produção, arrendamentos de terras 78,57%, contratos de aluguel 7,14%,
contratação de animais 14,29%. Por exemplo um fabricante de sapatos recebia 19
siclos de prata por ano para fabricar e entregar determinada quantidade de
calçados, mostrando a existência de noção de salário, noção, pois não ficou claro se
o valor variava ou não.
38
Sendo assim, muitos elementos pertencentes à matemática financeira já estavam
presentes nos períodos babilônicos e nos seus arquivos, mostrando suas origens e
como as regras eram parecidas com algumas das regras atualmente utilizadas,
sobretudo nos empréstimos.
39
4 UTILIZAÇÃO E POSSÍVEIS BENEFÍCIOS DA MATEMÁTICA FINANCEIRA NOS ARQUIVOS DAS EMPRESAS FAMILIARES PALEOBABILÔNICAS E NEOBABILÔNICAS
No decorrer do estudo viu-se que a economia babilônica estava fundada sob dois
pilares, a atividade fundiária, a qual envolviam os bens patrimoniais e imóveis e a
atividade prestamista, sem contar o comércio de produtos agrícolas que fazia parte
também da atividade fundiária. Viu-se como se dava a relação comercial em cada
uma delas, a primeira cujo objetivo principal era a conservação dos bens dentro da
própria família e a segunda na qual a maioria das famílias tinha como objetivo apoiar
o comércio de produtos naturais e o lucro tanto dos sócios, quanto da sociedade e
do indivíduo.
Diante disso, foram colocados aqui à utilização e benefícios da matemática
financeira nos arquivos pelo tipo de atividade desenvolvida na economia babilônica,
até para mostrar também se houve alguma diferença básica nessa utilização e nos
benefícios de tal utilização.
Apenas fazendo o levantamento da presença de elementos da matemática
financeira presentes nos arquivos citados, já deu para notar uma utilização mesmo
que por método intuitivo, de tais elementos, Diga-se intuitivo pois, pelo dicionário
online de português, o método intuitivo é uma “filosofia que estabelece uma
compreensão (conhecimento), de modo direto e instantâneo, sem a utilização de
deduções ou classificações caracterizadas por conceitos”. Indicando claramente o
que se propôs a mostrar que as famílias babilônicas já utilizavam a matemática
financeira, sem ter o conhecimento das fórmulas deduzidas de lucro, juros,
montante, desconto, prejuízo, porcentagem, taxas, prazo ou tempo.
40
Não foi possível encontrar quem deduziu as fórmulas dos itens citados, mas pôde-se
definir cada um deles para um melhor esclarecimento do leitor, conforme tabela
abaixo:
TABELA 08 – ELEMENTO DA MATEMATICA FINANCEIRA E SIGNIFICADO SEGUNDO HOUAISS (2003)
Lucro Benéfico, ganho comercial
Juros Lucro cobrado sobre empréstimo, crediário
Montante Soma, importância
Desconto Abatimento, redução, valor deduzido na negociação de título de crédito
Prejuízo Perda financeira, ausência ou redução de lucro
Porcentagem Fração por cento de qualquer coisa, pagamento, lucro, comissão expressa na fração
Taxas Imposto embutido em algum produto, percentagem
Tempo ou prazo Tempo determinado, espaço de tempo em que se tem de realizar algo.
Capital Patrimônio, dinheiro aplicável à produção ou renda
(HOUAISS, 2003, p. 331, 313,358, 155,417,413,249, 501, 504,94)
Sendo assim podemos partir de tais definições, para mostrar a que se propõe este
capítulo. Inicia-se o mesmo tomando os arquivos já citados nos capítulos anteriores,
e também, outras menções de arquivos não citados diretamente no texto. Buscando
de modo aleatório à ordem da tabela na apresentação.
No capítulo 1, fala-se da coleta anual do imposto, que poderia se realizada de uma a
duas vezes no ano, tal coleta revela a utilização de uma taxa anual obrigatória e
devida ao palácio, o benéfico disto, estava mais relacionado à economia templária,
pois era um dos elementos que aumentavam o excedente palaciano e com o qual
este realizava empéstimos de cevada ou de prata. Mas as famílias também
usufruíam de benefícios pois, alguns funcionários do palácio recebiam 19 siclos de
prata como pagamento pelos seus serviços. Imagina-se que era um imposto que
41
também servia, ao ser recolhido, não só para enriquecer os imperadores e sim
também para manter os funcionários do palácio.
O que se notou foi que as taxas eram predominantemente usadas nos impostos e
nos empréstimos. Partindo disto buscou-se a utilização e benefícios das taxas nos
arquivos. No reconhecimento de dívida da época de Sula do arquivo Nbk 111, citado
no capítulo 2, tem-se a cobrança de quatro taxas, para a mesma quantidade de
pagamentos, foram elas: pagamento de 8 siclos e 15 siclos de prata à taxa de
13,3%, 5 minas à taxa de 12%, 1 mina à taxa de 1/3%, 1 siclo e 1/8 de prata sendo
a taxa de 1 siclo anualmente, 6 siclos por mina de prata anuais, representando 10%.
Estes se referem a pagamentos de dívidas, todos com cobrança de taxas
geralmente anuais. A utilização da taxa é visível, mas o benefício de tal utilização
está na garantia real que o investidor tinha com esta transação, no lucro e montante
finais e no enriquecimento de suas finanças pessoais.
Na mesma página e capítulo tem-se um exemplo de taxa fixa com prazo menor que
um ano, de 2 minas de prata por empréstimo, neste caso o benefício foi bastante
claro, para a família de Nûr-Sîn, 1 mina é cerca de 570 gramas de prata, 2 minas é o
dobro disto, imagine cobrar-se uma taxa tão alta em um empréstimo, obviamente, o
lucro era garantido e neste caso, o crescimento de suas atividades comerciais
poderia também ser bastante expansivo, e até mesmo poderia ser considerada uma
das famílias mais ricas e influentes da economia neobabilônica.
Ainda na mesma página, existe a citação do arquivo Nbn 106, traz um exemplo de
tributação, que não deixa de ser uma taxa, de 1 mina e 2 siclos de prata com a
presença de prazo para pagamento. Nem se pôde neste trabalho citar todos os
arquivos com presença de elementos da matemática financeira, mas os aqui citados
mostram claramente a utilização de tais elementos. Neste caso do arquivo Nbn 106,
o benefício foi a regulamentação para garantir algo para a economia, afinal todo dia
10 do mês Tammuz, esta taxa teria que ser paga, indicando que ela garantia algo
para a economia, mas não se sabe em que seria utilizado, por que Santos (2008)
não especificou a finalidade do mesmo, talvez se utilizasse na regulamentação
42
alfandegária, ou talvez por causa de algum escravo, já que ambos são citados no
arquivo.
É clara a utilização de taxas no código de Hamurábi, das cláusulas 225 e 238 já
mencionadas no capítulo 2, no caso de naufrágio de um barco a taxa seria 50% do
valor real pago e no caso de um médico tratar de um animal e o mesmo vir a óbito, o
médico deve dar ¼ do seu preço real pago no ato de compra, o benefício aqui
presente é a restituição ou indenização ao proprietário do bem perdido.
Fato parecido, também ocorreu na cláusula 248 do código em que no ato de alugar
um animal ocasionasse algum dano teria que pagar ¼ do preço, e a cláusula 247
também fala de aluguel de animais tendo que indenizar o dono com 50% do valor,
caso ocorresse algum dano físico.
Um exemplo à parte dos arquivos anteriormente citados, é o caso do arquivo IM
65084/IA em que Santos (2008) o detalha como: “ [...] é um reconhecimento de
dívida do décimo oitavo ano do reinado de Nabopalassar, emitido em Uruk, que
indica o pagamento de 1o siclos de prata por cada mina, o que representa 16,6% de
juro.” revelando uma cobrança de taxa de juros não muito usual na babilônia. No
mesmo texto deste autor consta o arquivo W 20032,17 do sétimo ano do reinado de
Nabopalassar pai de Nabucodonosor rei neobabilônico, informando que tal arquivo
segundo cálculos efetuados pelo autor revelaram uma taxa de 13,3%.
Sobre tal diferenciação no percentual das taxas Santos (2006) reforça a ideia de que
existiam taxas diferenciadas:
No período neobabilônico, os empréstimos suportavam usualmente 20% de juro ao ano, [...]. Dado que no tempo a quantia do juro não era regulada por lei, ele flutuava entre 10% a 30% ao ano e no século V, por vezes subia aos 40%. (SANTOS, 2006, p.6)
O lucro por si só já é um benefício, e foram mencionados e citados alguns arquivos
que mostravam sua presença, sendo mais predominantes no período neobabilônico,
43
mas nos empréstimos. No capítulo 2, fala de uma venda de um terreno, cuja
transação envolvida nela foi um lucro total para o casal Bêl-ittanu e sua esposa, eles
tinham um débito de oitenta siclos, tendo penhorado o seu pomar para pagar tal
dívida, mas eles não perderam o pomar e o venderam por 3 minas e um terço de
prata.
As sociedades harrãnu organizavam-se para realizar transações que lhes conferisse
um lucro acima dos 20%, conforme Santos (2003), o palácio também gerava lucros
ao alugar suas terras, pois havia o lucro do aluguel e de tudo o que se produzia no
terreno tanto para o palácio, quanto para o mercador responsável pelo aluguel da
propriedade.
No tocante às compensações pagas por propriedades anteriormente adquiridas, o
benefício lucro também estava presente, sobretudo para o vendedor, que recebia o
pagamento e depois reivindicava ao rei a propriedade de volta, sendo que o rei
exigia do comprador um valor adicional para evitar que o comprador perdesse a
propriedade, conforme tabela abaixo:
TABELA 09 - VALOR DA PROPRIEDADE E VALOR DA COMPENSAÇÃO
(Valor) (Compensação)
1 mina e 6 siclos de prata 16 siclos de prata
17 siclos de prata 5 siclos de prata
1/3 de mina e 7 1/3 de siclos de prata 5 ½ siclos de prata
Fonte: (REDE, 2006, p.292)
Já se viu a utilização dos prazos em algumas das transações comerciais dos
períodos babilônicos aqui estudados e a partir de agora ver-se-á o benefício de
determinar prazos nas mesmas.
44
Sobre os prazos, no texto Nbn 106, a prata deveria ser reembolsada no dia 10 do
quarto mês do ano semítico, neste caso o prazo estava garantindo um tributo
obrigatório.
O arquivo Liv 2 comentado anteriormente, sobre um reconhecimento de dívida,
devendo por mês pagar 1 siclo de prata, o arquivo Nbn 1079, o prazo também era
mensal, bem como o arquivo Nbn 443. Mas percebemos também a presença do
elemento tempo, que são quase equivalente a prazo, nos arquivos L1661, A90, A 91
e A 152 sendo que, em todos eles o período foi anual. Sabe-se que quanto maior o
tempo maior é o crédito, então quanto maior o prazo maior era também a quantidade
de dinheiro que se reembolsava, beneficiando os investidores e auxiliando os
credores.
Outros arquivos também revelam a existência dos prazos nos empréstimos, um
deles é o citado abaixo:
Um amplo número de documentos atestam as actividades prestamistas dos membros da casa de Egibi de 546 a.C. a 527 a.C., Itti-Marduk-balãtu efectuou empréstimos em Babilônia por várias quantias de prata, tendo escravos como garantia para o débito de 8 kurru de cevada, 34 kurru de tâmaras e 13 siclos de prata. O devedor tinha de pagar o empréstimo dentro de um mês (SANTOS, 2006, p.7)
A maior prevalência nos prazos era de um mês ou anual, como pode-se verificar.
Observou-se também a presença do elemento desconto neste trabalho. Quando
fala do personagem Nabü-ahhê-iddin que reembolsou 1/3 de mina, sendo que a
dívida real era 2/3 de mina, Nabü-apla-iddin recebeu ½ do valor real da dívida. Como
foi dito tais descontos eram determinados pelo rei, parece que na verdade pagava-
se o valor real ao palácio e o palácio retia uma parte do valor e passava o restante
descontado ao investidor. Demonstrando o benefício maior para a coroa, que retia
parte do valor. Percebe-se o quanto as pessoas lucravam nas negociações
babilônicas. O montante e o capital já foram deduzidos anteriormente, baseado em
45
um dos arquivos, mas existem outros que possibilitam reforçar a ideia da existência
do montante e do capital nos arquivos.
A respeito do montante e do capital já foi possível deduzir sua existência através do
arquivo, Nbn 443, comentado anteriormente, mas existem outros arquivos nos quais
se pôde deduzir o montante da transação comercial, são eles: Nbk 111, constante
na página y, Liv. 2 constante na página z e Nbn 1079, constante na página w e Nbn
44.
O arquivo Nbn 111 fala que se pagaram 8 siclos e 15 siclos à taxa de 13,3%,
supondo a taxa baseada mensalmente no tempo de um ano, teríamos um montante
M = C+J (C*i*t)/100 = 8 +(8*0,133*12) = 20,768 siclos de prata dentro de um ano,
sendo M o montante, C o capital empregado, i a taxa e t o tempo em meses, este
que pode ser transformado de anos para meses ou vice-versa. No outro caso, temos
um capital C = 15 siclos, à mesma taxa e tempo, então o montante M =
15+(15*0,133*12) = 38,94 siclos de prata.
O arquivo Nbn 44, fala que se pagaram 5 minas e 1 mina de prata à taxa de 12% e
1/3 %, então os montantes seriam respectivamente:
M = C+(C*i*t) = 5 + (5*0,12*12) = 12,2 minas de prata
M = C+(C*i*t)/100 = 1 + (1*0,12*12) = 2.44 minas de prata
No arquivo Liv. 2 o capital era 12 siclos de prata, tendo que pagar 1 siclo de prata
por mês, já foi dito anteriormente que a taxa de juros mais utilizada era a de 20%,
que segundo Santos (2008), 1 mina de prata equivalia aos 20%, e 1 mina equivale a
50 siclos, então realizando transformações para saber a nova taxa de juros
empregada, encontrou-se 4%, então mantendo o tempo de 12 meses, o montante
seria:
M = C + (C*i*t)/100 = 12 + (12*0,04*12) = 12 + 5,76 = .17,76 siclos.
46
No arquivo Nbn 1079, o capital foi de 1 mina e 5 siclos de prata, tendo que retornar
1 siclo de prata por mina mensal, equivalente a 4% de taxa, precisa-se calcular o
montante, porém neste caso é mais fácil transformar as unidades de mina e siclos
todo em gramas, sabe-se que 1 mina são 570 gramas e 1 siclo são 11,4 gramas
então o capital seria 584,4 gramas de prata, ao final de 12 meses teríamos um
montante de:
M = C + (C*i*t)/100 = 584,4 + (584,4*0,04*12) = 584,4 + 280,512 = 864,912 gramas
de prata.
Outro arquivo que pode calcular o montante é o arquivo A 91 , nele o capital é de 1
siclo, tendo que pagar 1 siclo anual, suponhamos que esta transação foi acordada
durante 3 anos consecutivos, entao teríamos:
M = C + (C*i*t)/100 = 1 + (1*0,04*3) = 1,12 siclos de prata.
Diante destas deduções, pode-se perceber claramente que os montantes são
geralmente, porém em nem todos os casos, o dobro do valor do capital, revelando o
quanto os investidores ganhavam ao final da operação e o benefício do lucro real,
mas uma vez enriquecendo as finanças das famílias babilônicas, infelizmente os
autores aqui estudados não informaram se o cidadão babilônico cumpria com suas
obrigações financeiras, em quitar tais dívidas, mas imagina-se, através da
intervenção do rei nas negociações que este, poderia até pedir que o investidor
mudasse a tábua do contrato, caso o credor o procurasse pedindo nova negociação,
isto é uma suposição, caso existisse a desvantagem por inadimplência.
Sobre os juros, este está implícito nas taxas que eram cobradas em cada transação.
Sobre o prejuízo, não se pode contar como benefício, e este trabalho em seus
objetivos, não se propôs a aprofundar os conhecimentos a respeito dos prejuízos
existentes em tais transações.
Existiram dois elementos não muito mencionados nos arquivos encontrados e
estudados por Santos (2008), na verdade só houve uma menção de cada um dos
47
casos, os quais, não foram citados na pesquisa dos elementos da matemática
financeira, mas que foram aqui incluídos como utilizados no período neobabilônico,
são eles: o parcelamento e as multas. O primeiro caso, houve um parcelamento no
pagamento da aquisição de um escravo, o vendedor era Nabû-ahhê-iddin,
descendente de Egibi, realizou compra e venda de escravos vendendo-os por 46
siclos e 26 siclos, mas o comprador por algum motivo não citado, não pagou o valor
total, pagando assim apenas 5 siclos de prata e se obrigando a pagar a conta em
cinco meses. Ocorrendo um parcelamento, não fica muito claro se ele pagou 5 siclos
de entrada e o restante após cinco meses ou se ele deu a entrada e pagou
mensalmente, durante cinco meses o valor restante, mas de uma forma ou de outra
ocorreu um parcelamento do pagamento. Segundo Houaiss (2003) parcelar é dividir
o todo em partes.
Indício de multa surgiu também no texto de Santos (2008), no caso de quebra de
contrato, o preço estipulado para estes casos era em torno de 20 a 30 siclos de
prata. A multa segundo o dicionário Houaiss (2003) é um valor cobrado em dinheiro
como penalidade.
Diante de todos os fatos aqui apresentados tornaram-se evidentes a utilidade de
matemática financeira nos arquivos das empresas familiares paleobabilônicas e
neobabilônicas.
48
5. CONCLUSÃO
Finalmente pode-se responder a principal questão levantada em torno deste
trabalho: Qual a utilidade da matemática financeira na elaboração dos arquivos das
empresas familiares paleobabilônicas e neobabilônicas no período (2000 – 1595
a.e.C.) e (639 – 595 a.e.C.)? E não foi apenas uma utilidade, e sim, várias utilidades,
mencionadas abaixo:
A matemática financeira embasou os arquivos destas empresas pois trazia
segurança aos credores quanto a garantia dos lucros ao final dos prazos das
transações, a partir do momento que na elaboração do contrato, se estipulava um
tempo fixo, mensal ou anual para que o devedor quitasse a parcela referente ao mês
ou ao ano.
A matemática financeira organizava e delimitava os critérios aplicados nas
transações, os quais ficavam explicitados nos termos dos contratos, quando os
mesmos faziam menção de prazos, taxas e juros, conforme consta no código de
Hamurábi e em arquivos que constavam alguma compensação e sobretudo nos
arquivos relativos a empréstimos, com isso notou-se que a utilização de tais
elementos era uma norma utilizada de forma intuitiva e por funcionar da forma que
era imposta, esta norma era utilizada pelos negociantes, ajustando de forma
benéfica os interesses de ambas as partes.
Esta matemática enriquecia não só o patrimônio, como também a própria estrutura
dos contratos transacionais, e a cada crescimento e sucesso em tais transações,
mais experientes se tornavam os negociantes para elaborar os contratos, notas
fiscais, promissórias, e demais arquivos, os negociantes suponho que já tinham uma
noção de capital, montante e do lucro ao final de uma transação.
49
Acrescento aqui alguns elementos que foram encontrados no transcorrer do
trabalho, que não auxiliaram na elaboração dos arquivos, mas trouxeram
consequências diretas na vida econômica dos envolvidos, como os montantes, os
lucros, os descontos e as dívidas, em que uma transação bem feita e garantida, era
revelada na forma como o contrato foi escrito e montado, e podendo gerar os dois
primeiros, e caso a transação não fosse tão bem sucedida ou o contrato fosse feito
sem prestar bastante atenção havia perdas significativas, como foi o caso das
compensações e descontos, este que como se viu, geralmente havia a interferência
do rei, este também com o intuito de sair ganhando, pois a movimentação da
economia era grande, tomava-se emprestado do palácio real, e tal dívida era paga
com o dinheiro de um novo empréstimo no setor familiar ou privado, no ato das
negociações, para pagamento de tais dívidas, o palácio era solicitado e então como
foi visto no acordo final, o palácio ficava com uma parte do dinheiro, para quitar
algum débito anteriormente feito junto a este e o credor do setor privado acabava
perdendo uma parte do dinheiro.
Diante deste levantamento de dados, percebe-se na economia das famílias uma
complexa organização, sendo isto salientado na forma da elaboração dos contratos,
evidenciando a utilização do método intuitivo, já que as mesmas já aplicavam os
elementos da matemática financeira em seus contratos e transações, sem nem
sequer ainda formular hipóteses sobre elas ou criar fórmulas, como vimos as
fórmulas de lucro, prejuízo, juros e montante utilizadas atualmente no mercado
financeiro e utilizadas neste trabalho, para trazer uma noção dos reais ganhos das
transações. Pelo menos tal formulação não foi identificada nesta pesquisa, o que
poderia vir a ser um novo rumo a partir desta pesquisa: tentar descobrir se os
babilônios já deduziam fórmulas matemáticas para auxiliar suas transações
financeiras.
Viu-se então diversas utilidades da matemática financeira na elaboração dos
arquivos das empresas familiares, pois também revela que os elementos aqui
encontrados eram de fato utilizados, trazendo benefícios à estrutura dos contratos e
aos negócios das famílias babilônicas, nos dois períodos estudados.
50
6. REFERENCIAS
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