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1 Luiz Henrique Marques Gonçalves REALIDADE E EXPERIÊNCIA NA CRIAÇÃO CINEMATOGRÁFICA Belo Horizonte Escola de Belas-Artes da UFMG 2011

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Page 1: Mono Graf i a Luiz Henrique

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Luiz Henrique Marques Gonçalves

REALIDADE E EXPERIÊNCIA NA CRIAÇÃO CINEMATOGRÁFICA

Belo HorizonteEscola de Belas-Artes da UFMG

2011

Page 2: Mono Graf i a Luiz Henrique

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Luiz Henrique Marques Gonçalves

REALIDADE E EXPERIÊNCIA NA CRIAÇÃO CINEMATOGRÁFICA

Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) apresentado ao Colegiado de Graduação em Artes Visuais da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel em Artes Visuais / Cinema de Animação.

Orientador: Dr. Daniel Werneck

Belo HorizonteEscola de Belas-Artes da UFMG

2011

Page 3: Mono Graf i a Luiz Henrique

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Agradecimentos

Agradeço aos meus colegas de curso que estiveram presentes e com certeza ajudaram

muito durante a minha formação, especialmente ao pessoal da “lendária” sala 2013.

Agradeço a minha família por toda a criação que recebi e pelo apoio em minhas

escolhas durante o curso e por deixaram eu construir um estúdio para fazer meu filme dentro de

casa.

Agradeço a meu primo Guilherme por todo apoio, inspiração e amizade e por ter

crescido junto comigo, e por tudo que construímos juntos.

Agradeço aos professores da Belas Artes em especial ao Dr. Daniel Werneck pela

orientação e pelas horas de conversa sobre vários ótimos assuntos, que renderam muita inspiração.

Page 4: Mono Graf i a Luiz Henrique

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Resumo

Durante o Curso de Animação eu percebi em mim e meus colegas de curso certa

dificuldade tanto na criação de filmes como na compreensão de filmes e obras de arte em geral.

Com o tempo as seguintes questões foram surgindo de acordo com reflexões sobre o assunto:

Porque existia essa dificuldade? Porque muitas vezes obras de arte faziam sentido e

eram compreendidas pelas pessoas em tempos anteriores, e hoje existe uma dificuldade tanto em

compreender essas obras quanto as atuais?

Primeiramente gostaria de ressaltar que essa falta de sentido é perceptível não apenas na

arte, mas na vida da sociedade em geral. A intenção da monografia não é responder essas questões,

mas tentar levantar os possíveis motivos, e realizar uma reflexão sobre eles. Sendo assim uma

tentativa de chamar a atenção para certos pontos que estão adormecidos em nossa cultura.

Para isso eu vou fazer uma analise de um filme que tem como tema principal, motivos

que acredito serem os principais dessa falta de sentido. O filme é: A Origem, de Christopher Nolan

que trata da mentira e do auto engano dentro do personagem principal.

A partir da analise do filme será desenvolvida uma conclusão a respeito das questões

propostas acima. Espero que esse ensaio sirva de ajuda para meus colegas, e que possa se

transformar em uma pesquisa mais profunda no futuro.

Page 5: Mono Graf i a Luiz Henrique

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Abstract

During the course of Animation I realize that, me and my fellow students, had some

difficulty both in the creation of such films as the understanding of films and works of art in

general. During the tima passing, the following issues come to me, in accordance with reflections

on the subject:

Why there was such difficulty? Why works of art made sense and were understood by

people in earlier times and, today there is much difficulty in understanding these old art as the

present art?

First I would like to stress that this nonsense is noticeable not only in art but in the life

of actual society in general. The intent of the monograph is not to answer these questions, but to try

to raise the possible reasons, and make a reflection on them. Therefore an attempt to draw attention

to certain points that are dormant in our culture.

For this I will use a film that has in the main theme, the reasons that I believe are the

cause of this nonsense. The film is: Inception, by Chirstopher Nolan that deals with self-deception

within the main character.

From the analysis of the two films will be developed a conclusion about the the

questions posed above. I hope this essay will serve to help my colleagues, and can turn into a

deeper search in the future.

Page 6: Mono Graf i a Luiz Henrique

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Sumário

I. INTRODUÇÃO..............................................................................................................................07

II. A ORIGEM …...............................................................................................................................09

III. OS SONHOS DO NOSSO TEMPO ( ORIGEM ) ......................................................................12

IV. CONCLUSÃO..............................................................................................................................19

Page 7: Mono Graf i a Luiz Henrique

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I. INTRODUÇÃO

Desde criança, há algo em mim que me leva em direção às artes. Existe no meu ser uma

vontade criadora que me leva a produzir. Quando menino, brincava com brinquedos de montar,

gostava de desenhar e criar historias. Hoje, mais próximo da vida adulta, e após algumas reflexões

sobre minhas vocações, tenho certeza que meu caminho está nas artes, e principalmente no cinema.

Isso provavelmente eu já sabia quando era criança e ficava maravilhado com as criaturas animadas

pelo Ray Harryhausen, em filmes como Jasão e os Argonautas, de 1963, dirigido por: Don Chaffey.

Algumas duvidas surgiram durante a adolescência, mas, por sorte, não me desviaram da minha

vocação. Em meio a essas certezas, uma grande dúvida que surge é de onde veio essa vocação. O

que percebo é que parece que essa vocação sempre esteve em mim, mas não sei como surgiu ou o

porque de eu a ter. Mas sei que ela é, talvez, a grande força que anima minhas vontades. É a

vontade criadora.

Acredito que esse meu pequeno resumo sobre o que me move para a arte encontra eco

em outros alunos dentro da Escola de Belas Artes. O que levou meus colegas de curso a escolherem

estudar em uma escola de artes, eu não sei especificamente. Mas tenho certeza de que, pelo menos,

uma minima vontade criadora deve estar presente neles.

Essa vontade de criar sempre esteve presente na humanidade. É a força que sempre

move os artistas. Mas não é somente essa vontade que faz a arte existir. Se fosse apenas isso, a

criação de qualquer coisa já traria satisfação ao artista. Existe algo mais. Quando o artista cria, além

dessa força criadora, há outras coisas dentro dele que geram as obras. Essas coisas são as

impressões pessoais, aquelas percepções que temos do mundo em torno de nós e dentro de nós

mesmos. Essas impressões compõem o nosso ser. Mas porque expressar essas impressões?

Poderíamos apenas guardá-las para nós mesmos. Mas não, os artistas estão sempre fazendo suas

obras, externando essas impressões. Portanto podemos dizer que há uma necessidade de que outros

compartilhem dessas impressões. Pois, senão, o artista não faria arte. A arte existe para que outros

também possam ser levados pela obra até a impressão inicial que a gerou. É uma comunhão de

experiências, de vida. Com tudo isso, posso dizer que surgiram para mim grandes dúvidas em

relação a arte na sociedade atual, e também Dificuldades em relação a criação de obras de arte. Eu

percebi essas mesmas duvidas em alguns colegas de curso. Sendo assim, vou colocar essas questões

para analisarmos.

Parece-me que a arte atual está se distanciando desta comunhão de experiencias. Mas o

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problema, acredito eu, não se encontra na arte em si mesma, e sim nos artistas. Somos nós, os

artistas, que estamos passando por uma dificuldade de criação. Não é uma dificuldade em produzir

e fazer obras, mas sim uma dificuldade relacionada com essa comunhão de experiencias. Parece-me

que os artistas estão se fechando dentro de si mesmos, que talvez seja um dos problemas vividos em

nossa sociedade atual. As pessoas na sociedade ocidental parecem estar se fechando cada vez mais

dentro de si mesmas.

Reconheço que minha função aqui não é responder a essas questões, pois não tenho a

minima capacidade filosófica para tanto, e sei que um estudo aprofundado sobre essas questões

poderia levar anos de pesquisa séria, e talvez o trabalho de vários filósofos dedicados. Eu não tenho

tamanha pretensão. Mas o que consigo reconhecer, é que o ser humano pode perceber coisas muito

antes de conseguir expressá-las na forma de um estudo mais completo e filosófico. Na verdade

essas percepções vem muito antes desses estudos. Ao artista, cabe essa função de expressar aquilo

que percebe, muitas vezes antes de existir qualquer estudo filosófico sobre o tema.

A minha forma de tratar essas questões aqui sera baseada em uma obra de arte atual, que

acredito ser uma obra que consegue expressar esse momento atual, no qual o ser humano está se

fechando dentro de si mesmo. Eu escolhi o filme A Origem (Inception), de Christopher Nolan,

lançado em 2010. O motivo de ter escolhido esse filme foi principalmente seu tema, que acredito

ser uma percepção do diretor sobre esse “EU” que se fecha dentro de si mesmo, e que talvez seja

um dos problemas vividos pelos artistas hoje em dia.

Em minha analise do filme quero ressaltar os pontos que podem ter sido usados para o

desenvolvimento da historia e dos personagens do filme. Quero tentar elucidar o conflito que gira

por traz de dos vários acontecimentos dessa historia, e colocar alguns pontos que possam ter sido

usados para o desenvolvimento do filme, e que podem tanto servir de guia para o criação de outras

obras, quanto possam ajudar a elucidar, talvez, alguma coisa em relação a esse problema vivido

hoje na arte. Como disse, não tenho pretensão de responder essas questões. A minha intenção é,

apenas, tentar expressar minhas impressões do filme que, talvez, possam servir de ajuda para algum

colega de curso.

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II. A ORIGEM

A Origem, (Inception) é um filme lançado em 2010, produzido nos Estados Unidos. Foi

escrito, dirigido e produzido por Christopher Nolan. O filme é estralado por: Leonardo DiCaprio,

Ken Watanabe, Joseph Gordon-Levitt, Marion Cotillard, Ellen Page, Tom Hardy, Cillian Murphy,

Dileep Rao, Tom Berenger e Michael Caine.

Em 2001, Nolan escreveu uma breve ideia de 80 paginas sobre ladroes de sonhos, e

apresnetou à Warner Bros. Nessa época Nolan não tinha muita experiencia em filmes de grande

orçamento, então deixou a ideia de lado, mas voltou a trabalhar nela depois de fazer filmes como O

Grande Truque de 2006 e dois filmes do Batman: Batman: O Início, 2005, e O Cavaleiro das

Trevas, 2008. Em 2009 a Warner comprou um roteiro bem mais amadurecido do filme que viria a se

chamar Inception. No brasil, o titulo de lançamento do filme foi: A Origem.

O personagem principal do filme é Cobb (Leonardo DiCaprio). Ele é um ladrão de

sonhos, que trabalha junto com Arthur (Joseph Gordon-Levitt). No inicio do filme eles estão

invadindo a mente de um poderoso empresario, Saito (Ken Watanabe), para roubar uma informação

que está escondida em um cofre nos seus sonhos. Mas dentro deste sonho surge Mal (Marion

Cotillard), que é uma projeção da falecida esposa de Cobb, ela surge dentro dos sonhos de Cobb

para atrapalhar seus planos. Neste sonho ela acaba impedindo que Cobb consiga roubar os planos

escondidos na mente de Saito. Mas no fim dessa primeira parte descobrimos que tudo na verdade

era um teste planejado por Saito, que no fim queria que Cobb fizesse um trabalho para ele. Mesmo

com Mal atrapalhando, Cobb ainda conseguiu manter sua reputação.

Cobb estava fugindo de seu país por uma acusação de assassinato, com isso ele esta

distante de sua família. Mas quando Saito o contrata pra este novo trabalho, ele também diz a Cobb

que pode livrá-lo de suas acusações para que ele possa rever seus filhos.

A missão que Cobb vai realizar para Saito não é mais um roubo de informações da

mente de alguém, e sim uma inserção de uma nova ideia. Saito quer que o herdeiro de seu inimigo

empresarial decida dividir seu império. Robert Fischer (Cillian Murphy) é esse herdeiro, e Cobb

tem de implantar uma ideia que o convença a seguir seu próprio caminho e não continuar os passos

do pai na empresa. Para o serviço Cobb contrata Eames (Tom Hardy), que é um falsificador capaz

de mudar sua aparência dentro dos sonhos, Ariadne (Ellen Page), que é uma estudante de

arquitetura capaz de criar os cenários dentro dos sonhos, e Yusuf (Dileep Rao), que é um químico

que formula os sedativos utilizados para fazê-los dormir o tempo necessário para a invasão.

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Quando o Pai de Fischer morre, o filho vai de avião para o enterro. Dentro do voo, a

equipe de Cobb invade a mente de Fischer para realizar a missão. Dentro do sonho são atacados

pelas projeções treinadas do inconsciente de Fischer, no meio da confusão Saito é ferido

gravemente. Por causa do poderoso sedativo , a morte não fará a pessoa acordar, e sim vai

transportá-la para uma camada mais profunda do subconsciente o limbo, um mundo de sonhos não

construídos, sendo que a pessoa pode ficar vários anos dentro desse lugar, pois o tempo passa muito

devagar dentro dessa camada profunda de sonho. Cobb então, revela a Ariadne que passou anos no

limbo com Mal, onde eles construíram um mundo de acordo com suas ideias mas quando

acordaram, Mal ficou convencida de que eles ainda estavam sonhando e bolou um plano para

cometer suicídio e levar Cobb junto com ela. Foi por causa da acusação da morte da mulher que

Cobb não pode mais voltar para os EUA e reencontrar sua família.

Mesmo com o ferimento de Saito eles tem de continuar com o plano para que ninguém

mais caia no limbo. Para tentar enganar Fischer, Eames muda sua forma para a de Peter Browning

(Tom Berenger), que é padrinho de Fischer, com isso ele já conseguem fazer com Fischer acredite

estar sendo sequestrado e que alguém quer alguma senha de um cofre de seu pai. A equipe entra em

uma van e são sedados para entrar no próximo sonho, um hotel, onde eles acabam convencendo

Fischer de que o sequestrado foi planejado por Browning e que devem entrar na mente dele para

descobrir seus planos. Na verdade eles entram em outro sonho, em um lugar cheio de neve, onde

devem invadir uma fortaleza e levar Fischer para onde será implantada a ideia. Em cada nível dos

sonhos, um membro da equipe fica para fazer com que eles acordem em sincronia e possam sair dos

sonhos sem ficar presos no limbo.

Quando Fischer está prestes a entrar no local onde será implantada a ideia, Mal aparece

e mata ele, fazendo com que ele caísse no limbo. Ariadne e Cobb o seguem para salvá-lo, mas lá,

Mal tenta convencer Cobb a ficar, fazendo com que ele questione sua própria realidade, mas ele está

disposto a lutar contra ela. Cobb revela que na verdade foi ele que implantou a ideia na mente de

Mal que fez ela desacreditar na realidade. Mal então ataca Cobb, porém Ariadne atira nela.

Enquanto Ariadne retorna com Fischer para o nível superior do sonho, Cobb tem que ficar para

salvar Saito, que a essa altura já deveria ter morrido por causa do tiro que levou, e também estaria

no limbo. Quando fischer retorna para a camada superior, ele entra em um cofre gigante e encontra

seu pai. Então a ideia é plantada fazendo com que Fischer acredite que seu pai queria que ele

seguisse seu próprio caminho.

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No fim Cobb consegue localizar Saito que está velho, e o convence de que eles tem que

retornar juntos a realidade. Eles acordam todos juntos no avião e Saito cumpre sua promessa,

conseguindo com que Cobb esteja livre de suas acusações. Cobb então consegue voltar para seus

filhos, mas ainda assim gira o pião para saber se está na realidade ou não. Mas ele não espera o pião

cair e corre para abraçar seus filhos. O filme Termina e não sabemos se o pião cai ou não.

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III. OS SONHOS DO NOSSO TEMPO

Figura01

Ao assistirmos A Origem, podemos perceber que ele se passa como se fosse um sonho,

um sonho acordado dirigido. Em toda obra de cinema, literatura e outros tipos de arte, durante o

mergulho no universo da obra estamos como que sonhando que vivemos aquelas histórias e

“somos” os personagens que habitam nelas. Em A Origem, estamos vivenciando o sonho do

personagem principal, Cobb. Há uma sensação de que todo o filme se passa dentro de Cobb e assim

dentro de nós mesmos. Essa sensação se dá, pois todo o drama do filme gira em torno desse

personagem, e nós como espectadores vivemos esse mesmo drama quando o filme nos toca naquilo

que temos em comum com o personagem.

O que digo agora será melhor compreendido mais à frente na análise do filme, pois

acredito que o conflito principal é uma luta entre duas potências dentro do mesmo personagem: um

lado acredita na realidade e luta por ela, o outro lado criou uma falsa realidade e tenta dominar todo

o personagem.

No início do filme, vemos Cobb sentado a uma mesa de frente para um velho.

Descobrimos na cena seguinte que esse mesmo velho, agora jovem, é Saito. Ele planejou uma

espécie de teste para Cobb e sua equipe com o intuito de saber se este teria condições de realizar um

serviço. Dentro do sonho, onde acontece o teste, surge Mal, a mulher de Cobb. Ela aparece no

sonho como uma projeção do inconsciente de Cobb e acaba atrapalhando tanto o próprio Cobb

quanto o teste de Saito.

No decorrer do filme descobrimos que Cobb está lutando para voltar para sua família,

mas ele não pode voltar para seu país, onde seus filhos estão, pois acreditam que ele seja culpado da

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morte da mulher. Ele não consegue voltar para sua realidade.

O trabalho que Cobb deve realizar é implantar uma ideia na mente do filho do principal

concorrente de Saito. A empresa desse competidor está quase se tornando um monopólio global. Se

o filho, ao herdar a companhia, decidir continuar os passos do pai, logo não haverá mais lugar para

a empresa de Saito.

Com isso, temos o conflito principal do filme. É como se tudo se passasse dentro do

universo interior de Cobb, como um sonho. “Nós sonhamos que somos ele.” O nome Cobb pode

significar pedaço, torrão, bocado, o personagem está realmente dividido entre duas vidas, duas

realidades. O nome pode ser também uma abreviação de Jacó (Jacob). O personagem de Saito, no

filme, representa o “EU final” de Cobb, aquele que ele será no fim de sua vida, estará consolidado,

depois da morte nada poderá mudar quem ele foi durante a vida. Este “Eu final” é representado pelo

velho Saito que surge na cena inicial do filme, ele é o reflexo do que Cobb se tornará se continuar a

viver esta falsa realidade e fugindo da verdade, “um velho cheio de arrependimentos”. O Saito

jovem é também este “Eu final” que está vivo agora em Cobb, lutando para que ele não se torne

este velho arrependido pelas escolhas que fez. Por isso Saito faz aquele teste no início e depois

contrata Cobb para um serviço. Primeiro ele quer saber se Cobb ainda quer ser salvo; depois, ele

lança o desafio que pode colocá-lo de volta em sua realidade, tudo isto acontecendo dentro de Cobb.

O competidor principal de Saito é Maurice Fischer, que está morrendo e deixará todo o

império para seu filho Robert Fischer. Se o filho seguir os mesmos passos do pai, logo a empresa se

tornará um monopólio global e Saito perderá a competição. Maurice e sua empresa representam a

falsa realidade que se apodera de Cobb. A morte do pai representa uma consolidação que se reflete

no filho. A morte, ao mesmo tempo em que é um fim, também é uma consolidação, o que está

finalizado está como que consolidado em sua forma final. A morte de pai simboliza essa

consolidação de sua pessoa e de sua imposição racional sobre o filho. Se, com a morte do pai, o

filho não aceitar que deve seguir seu próprio caminho, ele adotará esse padrão racional deixado pelo

pai, vivendo não sua própria realidade, mas outra que se revelará espelhada nos erros do pai.

A missão de Cobb é realizar essa reconciliação entre pai e filho, o filho tem que perdoar

os erros do pai, por piores que sejam, para seguir com sua própria vida, seu próprio caminho. O que

simboliza, então, uma reconciliação de Cobb com a realidade.

Mas para essa reconciliação, primeiro temos que saber qual é o erro de Cobb e porque

ele foge dele. No decorrer do filme, vamos descobrindo que sua mulher morreu, e ele ainda não

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consegue conviver com isto, tanto que a projeção de sua mulher está sempre perseguindo Cobb nos

sonhos. Essa projeção de sua mulher, Mal, sempre está atrapalhando suas missões, como se fosse

uma espécie de culpa que sempre volta e fica martelando em sua cabeça.

Para realizar o trabalho designado por Saito, Cobb vai até Milles, pai de Mal, para que

ele o ajude a encontrar um novo arquiteto que consiga elaborar os sonhos. Então, surge Ariadne

que, como a personagem da mitologia, vai guiar Cobb dentro deste labirinto que ele mesmo criou. É

ela quem vai ajudar Cobb a enfrentar e aceitar a verdade para uma reconciliação com a realidade.

Há uma cena em que Cobb está sonhando sozinho em uma sala. e Ariadne entra em seu

sonho para saber o que se passa por lá. É um dos grandes momentos do filme. Há um elevador que

leva para vários sonhos diferentes que, na verdade, são lembranças de Cobb, nas quais sua mulher

está viva, e estava tudo bem. Ele criou esse mundo para fugir da realidade, onde ele sente alguma

culpa em relação à morte da mulher, e neste lugar, digamos, ele se acha feliz. Mas Ariadne entra

nesse sonho e leva Cobb até onde ele não queria ir, até o momento da morte de sua mulher, e lá ele

é obrigado a enfrentá-la. Mal vai em direção a eles para atacá-los, como se pressentisse que Ariadne

entrou nesse sonho para tentar destruí-lo, e ajudar Cobb a voltar a viver na realidade, não em

sonhos.

Figura02

Quando eles entram no sonho de Fischer, é Ariadne quem ajuda Cobb a enfrentar os

problemas com Mal lá dentro. Primeiro, ela questiona Cobb, quando eles vão entrar nos níveis mais

profundos do sonho, pois quanto mais eles entrarem em níveis profundos da mente de Fischer,

também estarão nas profundezas da mente de Cobb, e é lá que Mal pode aparecer. Então, Cobb

revela que ele e Mal criaram um mundo dentro dos sonhos, onde eles habitaram por muitos anos,

pois dentro dos sonhos o tempo passa mais devagar. Mas quando saíram desse mundo, Mal

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questiona a existência da própria realidade, acreditando que fosse tudo um sonho, e então ela fez um

plano para se matar e obrigar Cobb a ir com ela. Percebemos então que foi a morte de Mal que

levou Cobb a fugir da realidade, ele foi obrigado a fazer isso tanto fisicamente, pois teve que fugir

de seu país para não ser acusado da morte dela, quanto psicologicamente, pois para fugir da culpa

ele criou uma falsa realidade dentro de sua mente onde habita uma projeção de sua mulher, e onde

eles estão juntos.

Figura03

Quando tudo dá errado dentro do sonho Mal aparece e mata Fischer fazendo-o cair nas

profundezas do sonho, onde apenas Cobb havia estado e construído seu mundo junto com Mal.

Como apenas Cobb havia estado lá, com certeza a projeção de Mal estaria com Fischer naquelas

profundezas. Mas naquele momento Saito que estava ferido já havia morrido e caído também nesse

lugar. Então Ariadne vai junto com Cobb para resgatar os dois e lá ela lhe dá forças para enfrentar

seu conflito com Mal.

Figura04

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Quando Cobb vai salvá-los vemos ai a solução para o conflito do filme. Primeiro

Fischer, ele representa o eu presente de Cobb, aquele que deve se reconciliar com o pai para assim

seguir seu próprio caminho. Em segundo lugar temos Saito, que representa o eu final de Cobb. Este

Eu final, como vimos no inicio, está se perdendo e está lutando para não se tornar um velho cheio

de arrependimentos. Para salvá-los Cobb então tem que enfrentar a projeção de Mal. A primeira

coisa que ela faz é tentar convencê-lo de que é melhor continuar vivendo em fuga da realidade e

ficar ali com ela. Mas ele já está disposto a enfrentá-la e para isso ele revela a verdade. A ideia que

fez ela questionar a realidade veio de Cobb. E ele revela para Mal a verdade, como se estivesse se

arrependendo e confessando que foi ele que colocou o pião para girar perpetuamente no ponto mais

profundo de Mal, e foi assim que ela desistiu de acreditar na realidade. Cobb não tem uma culpa

física direta da morte de sua mulher, não foi ele que a empurrou da janela. Mas ele tem que admitir

a responsabilidade de ter feito a questionar a realidade e por isso ter suicidado. Portanto para salvar

Fischer e Saito, ele tem que enfrentar essa culpa, e aceitar a realidade, para se perdoar. Ele então

consegue salvar Fischer, mas tem que ficar ali para buscar Saito.

Em algumas cenas do filme, Ariadne brinca com espelhos, o reflexo. Faz Cobb olhar

para si mesmo, para dentro de si, lembra-o que seu conflito está dentro dele mesmo, e não fora. Ela

sempre está levando Cobb a enfrentar e a ver o que ele não quer aceitar.

Figura05

Quando na primeira cena do filme vemos Cobb de frente para um velho, é como se ele

estivesse diante de um espelho, e vê o seu próprio eu se perder. Esta mesma cena está de forma

espelhada no filme, ela se repete duas vezes. Há uma sensação de lembrança na segunda vez,

ocasionada pela repetição, e percebemos Cobb estava ali para lembrar aquele velho de algo.

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A primeira fala de Saito, o velho, é: “Você está aqui para me matar?”. É realmente isso

que Cobb foi fazer naquele lugar mais profundo de seu subconsciente, ele foi matar aquele velho

cheio de arrependimentos, ele foi para salvar a si mesmo, para lembrá-lo de dar um voto de

confiança. Confiar novamente na realidade.

Durante todo esse caminho de aceitação da realidade, os personagens vão lutando contra

várias defesas que, como as defesas de nossas mentes tentam nos impedir. Criamos dentro de nós

mesmos um mundo ideal, para fugirmos de nossos erros. Um mundo perfeito onde nossos erros são

justificados e ou estão de acordo com a “realidade”, ou como que não significam nada dentro dela,

os erros são como que varridos para debaixo do tapete. Com o tempo nós criamos varias defesas

para sustentá-lo, e as defesas podem se tornar tão complexas que fica cada vez mais difícil sairmos

de lá por conta própria. A única maneira de sair desse mundo irreal é aceitarmos e confiarmos que

apesar de nossos erros, a realidade continuará.

Muitas vezes não conseguimos sair disso por conta própria é necessário um

acontecimento ou alguém para quebrar essa falsa realidade. É preciso haver um choque, onde esse

mundo falso perca sua razão de existência. O ser humano é responsável pelos seus atos quer ele

queira o não, e a realidade sempre nos cobra isso. Criamos essas falsas realidades para não termos

que enfrentar a responsabilidade, como Cobb fez, mas há sempre um momento onde teremos que

enfrentar, mas isso pode se dar apenas no fim da vida quando nos tornamos um velho cheio de

arrependimentos, e perdemos o tempo de nossas vidas. Cobb enfrentou suas responsabilidades e

conseguiu se reconciliar.

Figura06

No fim, quando Cobb consegue chegar até seus filhos, ele ainda joga o pião para ter a

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prova de que está vivenciando realmente a realidade. Mas ele não espera o pião cair, ele confia na

realidade e corre para seus filhos e, no fim, não sabemos se o pião cai ou não.

O pião que continua girando fica então para o espectador. Como durante todo o filme

nós experimentamos essa historia como se fosse a nossa, um sonho acordado e dirigido. Aquele

pião está girando para nós mesmos, não mais para Cobb. A câmera deixa Cobb e vai para o pião. O

questionamento ai é para o espectador, estamos vivendo ou não na realidade? Buscamos uma prova

para a realidade, ou confiamos e seguimos vivendo?

A realidade é assim, não existe algo que possa servir de prova para ela, a própria

realidade é a prova de si mesma, temos apenas de confiar nela.

Figura07

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IV. CONCLUSÃO

A arte é um apelo a comunhão dos homens, nós nos reconhecemos uns aos outros pelos

ecos que ela acorda em nós. Como disse na introdução, o artista tem essa necessidade de expresão

que se dá atraves da arte. O artista expressa seus momentos interiores através dela. Mas o artista

depende do exterior para criar, o universo comum de experiencias em que vivemos, não está

fechado dentro de cada um. E se o artista pretende alcançar o outro através de sua arte, ele não pode

se fechar para essa universalidade.

Essa dificuldade de criação de aceitação da realidade, é vivida por Cobb. Ele se fechou

para a realidade, pois não consegue aceitar a morte de sua mulher e não consegue aceitar a culpa

que sente por essa morte. Se o artista vive sua vida da mesma forma que Cobb, se ele vive em fuga

de suas responsabilidades, ele ira criar uma realidade que justifique essa fuga, um mundo como os

sonhos de Cobb, onde tudo está “perfeito” e nada de ruim acontece ou aconteceu. O artista que vive

assim estará fechado dentro de si mesmo, e suas obras vão apenas espelhar essa fuga, e não vão

refletir a realidade pro trás dos fatos. A obra se irá se tornar vazia de sentido, pois foi deixado de

fora seu motivo verdadeiro.

Em nossa cultura onde o eu é o centro, a realidade fica de fora. Se eu “penso logo

existo”, então meu pensamento vem antes da existência, ele seria a base para a existência. E porque

eu deveria prestar contar a realidade então? Se meu eu é o centro, então o que está fora deve se

moldar para concordar com minha vontade. Sou eu que defino o que é certo e errado.

Mas espere ai, há algo de errado nisso. Se meu pensamento, meu “eu” vem primeiro,

então ele teria vindo antes da realidade, ele seria a premissa. Pensem na experienciá de se viver no

tempo. Se o tempo fosse subordinado ao pensamento, dependesse dele. Se o eu viesse antes do

tempo, não conseguimos imaginar o nosso eu fora do tempo, o tempo continua passando enquanto

eu tento imaginar. Seria apenas uma abstração logica, não uma realidade.

A realidade é uma presença grandiosíssima, o que acontece é que apenas deixamos de

prestar atenção nas partes dela que não nos agradam. Podemos nos fechar dentro de nosso

pensamento o quanto quisermos, e a realidade continuará firme e forte em sua presença.

Mas a realidade sempre cobra as contas. Se acontece um acidente a um ente querido e

ele morre, o tempo vai passar e a morte ira ficar no tempo. Não podemos voltar para impedi-la. Se

temos ou não culpa nessa morte, como Cobb em relação a sua mulher, ai sim podemos criar em

nosso pensamento, não uma realidade, mas uma falsa, em que nossos erros e dificuldades deixam de

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existir, ou estão resolvidos. Mas isso funcionará apenas para nós mesmos, e podemos convencer

muitas pessoas a acreditar na nossa mentira ideal. Mas mesmo assim, mesmo que muitos acreditem

em você, e isso faça você se sentir confortável, mesmo que essa mentira pareça muito real com toda

essa confirmação do exterior, mesmo assim, a realidade vai continuar sendo sempre a mesma que

foi. Essa presença total, jamais se sucumbiria a um único pensamento individual.

O artista é aquele que vive o símbolo. Ele vive a realidade, mas com a condição de

tomar aquilo que vive como meio de criação, ele vive para isto, se não, não é artista. Ele vai viver

para tentar revelar através de suas obras, as realidades permanentes de todos os fatos e de cada

pequeno segundo, onde está presente, ao mesmo tempo, a menor particularidade e toda a totalidade

da existência. Um pequeno fato que agora acontece não pode negar toda a sua enorme condição de

existência anterior, e toda a enorme realidade que está ao seu entorno, sem deixar de existir. O

artista está vivo, ou dizendo de outro modo, se ele está vivo, é para essa condição de perceber nos

pequenos detalhes da existência a grande presença total por trás de tudo, e de conseguir criar a partir

das mais singelas e sutis percepções as pontes para essa grandiosa presença.

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Referencias Bibliográficas

NOLAN, Christopher. Inception: The Shooting Script. Insight Editions, 2010, EUA.

FAURE, Élie. História da Arte. Poseidom, 1945, Portugal.

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Figuras

Figuras 01, 02, 03, 04, 05, 06, 07. A Origem, DVD. Warner, 2010.