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MDULO DE:

IMPACTOS DAS NOVAS TECNOLOGIAS SOBRE O TRABALHO E A SADE

AUTORIA:

Dr. DANIEL PERTICARRARI Dra. FERNANDA FLVIA COCKELL

Copyright 2008, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil

Copyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil

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Mdulo De: Impactos Das Novas Tecnologias Sobre O Trabalho E A Sade Autoria: Dr. Daniel Perticarrari Dra. Fernanda Flvia Cockell

Primeira edio: 2008

CITAO DE MARCAS NOTRIAS

Vrias marcas registradas so citadas no contedo deste mdulo. Mais do que simplesmente listar esses nomes e informar quem possui seus direitos de explorao ou ainda imprimir logotipos, o autor declara estar utilizando tais nomes apenas para fins editoriais acadmicos. Declara ainda, que sua utilizao tem como objetivo, exclusivamente na aplicao didtica, beneficiando e divulgando a marca do detentor, sem a inteno de infringir as regras bsicas de autenticidade de sua utilizao e direitos autorais. E por fim, declara estar utilizando parte de alguns circuitos eletrnicos, os quais foram analisados em pesquisas de laboratrio e de literaturas j editadas, que se encontram expostas ao comrcio livre editorial.

Todos os direitos desta edio reservados ESAB ESCOLA SUPERIOR ABERTA DO BRASIL LTDA http://www.esab.edu.br Av. Santa Leopoldina, n 840/07 Bairro Itaparica Vila Velha, ES CEP: 29102-040 Copyright 2008, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil

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presentao

Neste mdulo voc ir estudar os principais impactos das novas tecnologias empregadas para o trabalho. importante ressaltarmos, que por tecnologias entende-se no apenas o aparato tcnico, mas as novas formas associativas e organizativas do trabalho. Destaca-se, dessa maneira, o estudo de casos especficos que apresentam os desdobramentos da reestruturao produtiva, meio-ambiente, trabalho noturno, comunicao e cognio para o trabalho. As unidades baseiam-se em textos e apresentao de estudos de casos especficos na utilizao do desenvolvimento do mdulo. Dessa forma, o mdulo pauta-se em artigos especializados sobre o tema, de autores de reconhecida importncia acadmica e cientfica e publicados em peridicos de amplo conceito e divulgao nacional e internacional. Tal procedimento justifica-se pela necessidade de entender os impactos da introduo de novas tecnologias no mundo do trabalho em termos amplos, ou seja, sociais e no apenas estritamente tcnicos o que engendra significativos desdobramentos para os trabalhadores e o ambiente, em que pese a sade dos indivduos. Se dedique leitura dos textos, buscando aprofundar seus conhecimentos sobre cada assunto. Bons estudos!

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bjetivo

Apresentar diversos estudos que demonstram como as novas tecnologias empregadas tm incidido de maneiras distintas sobre os trabalhadores, em que pesem as condies ambientais, de trabalho, cognitivas e de sade.

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Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho; Desenvolvimento Industrial e Sade; Ergonomia, Comunicao e Rudo; Ergonomia, Cognio e Trabalho Informatizado; Industrializao, Riscos e Meio-Ambiente; Trabalho Noturno e Gnero; Privatizao, Reestruturao e Condies de Trabalho.

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obre o Autor

Dr. Daniel Perticarrari Ps-Doutorado pela UNICAMP Faculdade de Educao; Doutor em Sociologia Industrial e do Trabalho pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) SP, 2007; Mestre em Poltica Cientfica e Tecnolgica pela UNICAMP, 2003; Graduado em Cincias Sociais pela Universidade Federal de So Carlos, 1999; Desenvolveu e desenvolve projetos de pesquisa cientfica junto UFSCar, UNICAMP, e CARDIFF UNIVERSITY Inglaterra.

Dra. Fernanda Flvia Cockell Doutora em Engenharia de Produo (Sade e Trabalho) pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) SP, 2008; Mestre em Engenharia de Produo (Ergonomia) pela Universidade Federal de So Carlos (UFSCar) SP, 2004; Graduada em Fisioterapia pela Faculdade de Cincias Mdicas de Minas Gerais, 2001. Desenvolveu pesquisas na rea de ergonomia junto UFMG, FUNEP e UFSCar. Atualmente, participa de projeto de pesquisas na UFSCar e UNICAMP, nas reas de Sociologia do Trabalho e Sade do Trabalhador. Tm experincia em treinamentos, comits de ergonomia e projetos de interveno ergonmica nas empresas: UNILEVER, Telemig Celular, Multibrs (Brastemp), SOICOM, CRB, Johnson & Johnson, PMMG, Companhia Mineira de Metais, entre outras.Copyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 5

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UMRIO

UNIDADE 1 ........................................................................................................... 9 Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho ................................................ 9 UNIDADE 2 ......................................................................................................... 14 Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho .............................................. 14 UNIDADE 3 ......................................................................................................... 22 Desenvolvimento Industrial e Sade ............................................................... 22 UNIDADE 4 ......................................................................................................... 29 Sade, Cincia e Tecnologia ........................................................................... 29 UNIDADE 5 ......................................................................................................... 32 Sade e Desenvolvimento ............................................................................... 32 UNIDADE 6 ......................................................................................................... 36 Sade e Desenvolvimento ............................................................................... 36 UNIDADE 7 ......................................................................................................... 42 Sade e desenvolvimento................................................................................ 42 UNIDADE 8 ......................................................................................................... 46 ERGONOMIA, COMUNICAO E RUDO ..................................................... 46 UNIDADE 9 ......................................................................................................... 50 Ergonomia, Comunicao e Rudo .................................................................. 50 UNIDADE 10 ....................................................................................................... 55 Ergonomia, Comunicao e Rudo .................................................................. 55 UNIDADE 11 ....................................................................................................... 60 Modelos de Comunicao................................................................................ 60 UNIDADE 12 ....................................................................................................... 65 Interao e Rudo............................................................................................. 65 UNIDADE 13 ....................................................................................................... 70Copyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 6

Ergonomia, Cognio e Trabalho Informatizado ............................................. 70 UNIDADE 14 ....................................................................................................... 73 Ergonomia e Sistemas Informatizados ............................................................ 73 UNIDADE 15 ....................................................................................................... 78 Ergonomia Cognitiva ........................................................................................ 78 UNIDADE 16 ....................................................................................................... 87 Estratgias Operatrias ................................................................................... 87 UNIDADE 17 ....................................................................................................... 94 Ergonomia e Cognio: Consideraes Finais ............................................... 94 UNIDADE 18 ....................................................................................................... 96 Industrializao, Riscos E Meio-Ambiente ...................................................... 96 UNIDADE 19 ..................................................................................................... 104 Industrializao, Riscos E Meio-Ambiente .................................................... 104 UNIDADE 20 ..................................................................................................... 109 Industrializao, Riscos E Meio-Ambiente .................................................... 109 UNIDADE 21 ..................................................................................................... 117 Industrializao, Riscos E Meio-Ambiente .................................................... 117 UNIDADE 22 ..................................................................................................... 120 Trabalho Noturno e Gnero ........................................................................... 120 UNIDADE 23 ..................................................................................................... 125 Trabalho Noturno e Gnero ........................................................................... 125 UNIDADE 24 ..................................................................................................... 129 Trabalho Noturno e Gnero ........................................................................... 129 UNIDADE 25 ..................................................................................................... 133 Trabalho Noturno e Gnero ........................................................................... 133 UNIDADE 26 ..................................................................................................... 136 Trabalho Noturno e Gnero ........................................................................... 136 UNIDADE 27 ..................................................................................................... 143Copyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 7

Privatizao, Reestruturao e Condies de Trabalho: Um Estudo de Caso ........................................................................................................................ 143 UNIDADE 28 ..................................................................................................... 148 Privatizao, Reestruturao e Condies de Trabalho: Um Estudo de Caso ........................................................................................................................ 148 UNIDADE 29 ..................................................................................................... 155 Privatizao, Reestruturao e Condies de Trabalho: Um Estudo de Caso ........................................................................................................................ 155 UNIDADE 30 ..................................................................................................... 162 Privatizao, Reestruturao e Condies de Trabalho: Um Estudo de Caso ........................................................................................................................ 162 GLOSSRIO ..................................................................................................... 171 BIBLIOGRAFIA ................................................................................................ 182

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Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho Objetivo: Demonstrar os principais impactos da introduo de novas tecnologias sobre o trabalho Nos ltimos anos, a introduo de novas tecnologias desencadeou uma gama de efeitos e impactos sociais sobre o trabalho os quais alteraram, ou tm alterado, toda a forma como a sociedade tem se estruturado. Esses impactos repercutem sobre os processos de trabalho, a qualificao dos trabalhadores, as condies de trabalho e a sade, no s do homem para o trabalho, como do homem em sociedade. Vania Herdia apresenta elementos essenciais para o entendimento dessas questes. Em seu artigo Novas tecnologias nos processos de trabalho: efeitos da reestruturao produtiva a autora nos oferece bases fundamentais na compreenso das principais transformaes no mundo do trabalho e os seus efeitos sobre o trabalho. Nas unidades 1 e 2, apresentaremos partes deste artigo. Bom estudo!

Introduo A economia internacional enfrentou nos anos setenta do sculo XX, um quadro de crise estrutural que acarretou um processo de aprofundamento da globalizao do capital atravs da integrao e da internacionalizao de vrias etapas do processo produtivo. Essa crise trouxe consigo a imposio de um amplo processo de reestruturao do capital, a fim de

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instalar um novo modo de acumulao como meio de sair da crise e tambm de manter o equilbrio do sistema capitalista como um todo. A reestruturao do capital em pases de economias avanadas se fez com inovaes tcnicas, organizacionais e financeiras, permitindo que, durante a dcada de oitenta, essas economias enfrentassem uma expanso sustentada pela estabilidade de preos, com recuperao do aumento da produtividade e j com a presena de novas tecnologias.

Processos de trabalho no contexto da reestruturao produtiva A introduo de novas tecnologias desencadeou uma srie de efeitos sociais que afetaram os trabalhadores e sua organizao. Esses efeitos repercutiram nos processos de trabalho, na qualificao da fora de trabalho, nas prprias condies de trabalho, na sade do trabalhador e consequentemente nas polticas de ocupao, afetando diretamente a questo do emprego. O uso de novas tecnologias trouxe em muitos pases a diminuio do trabalho necessrio, que se traduz na economia lquida do tempo de trabalho, uma vez que, com a presena da automao microeletrnica, comeou a ocorrer uma diminuio dos coletivos operrios e uma mudana na organizao dos processos de trabalho. Essa economia do tempo de trabalho levou ao chamado "desemprego tecnolgico"; que justificado por muitos autores como uma melhor otimizao dos recursos humanos nos processos produtivos do capital varivel. Mas ser que realmente pode ser interpretado apenas pelo lado do capital como forma de mais-valia relativa? Essa justificativa explicada atravs do paradigma industrial e tecnolgico, no modo de acumulao flexvel, adotado a partir dos anos oitenta, pelo uso da fora de trabalho polivalente, gil, multifuncional com fins de dar consistncia a esse modelo que se baseia na economia de escopo, sustentada na demanda.

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A flexibilidade e a polivalncia so elementos condicionantes desse padro de produo, rompendo com o modelo fordista que caracterizava a fora de trabalho pela sua especialidade, devido linearidade de seu sistema. A rigidez do fordismo substituda pela idia de flexibilidade e pela polivalncia que o trabalhador deve desempenhar no uso de suas funes. O operrio que anteriormente controlava apenas uma mquina ou uma operao de uma mquina passa a ser responsvel por uma ou vrias mquinas que executam diversas operaes e que muitas vezes pode ser operacionalizada no prprio escritrio. Esse dado reflete que a economia lquida do tempo de trabalho ocorre e que essa circunstncia um fator do desemprego tecnolgico, apesar de no ser o nico. Nos pases avanados, o desemprego tecnolgico minimizado por planos de desenvolvimento e reorganizao social, nos quais, apesar do uso de novas tecnologias, so mantidos os nveis de emprego. Porm existe uma discusso contnua promovida pelos seus sindicatos, conforme afirma Falabella (apud NEDER,1988,p.15-16) no que diz respeito diminuio ou ao desaparecimento de seus coletivos de trabalho, "sobre o flagelo do desemprego e a concorrncia entre os jovens treinados para lidar com a nova tecnologia e os operrios especializados de meia-idade"[1]. J nos pases no avanados, como o Brasil, as discusses normalmente no ocorrem e quando acontecem tm fins socialmente estabelecidos pelas classes hegemnicas, defendendo seus principais interesses polticos. Dessa maneira, precisa-se comear a discutir a possibilidade de polticas que girem em torno de medidas reivindicatrias, que permitam ao trabalhador ter conhecimento daquilo que pode ocorrer consigo, medida que afastado do processo de trabalho pelas causas decorrentes dessas novas exigncias mercantis do modo de acumulao, de suas potencialidades frente recolocao no mercado como meio de enfrentar o desemprego tecnolgico.

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Essas medidas no podem ser avaliadas, sem serem questionados os aspectos que concernem s questes econmico-estruturais, que envolvem aumento da produo e da demanda; de investimentos nas reas produtivas, nas condies de trabalho, nos planos de ocupao, de emprego e do uso de novas tecnologias. Certamente essas discusses afetam a "ordem social", pois questionam regras, leis, padres de consumo, de produo, novas incorporaes de categorias ao mercado de trabalho, relao campo-cidade, uma nova diviso do trabalho entre grupos, uma nova estrutura da prpria famlia, uma escola funcional, uma diferente viso de espao e de utilizao de energias naturais e respeito natureza. Esses poderiam ser bons motivos para se discutir o futuro de uma sociedade que comea a ser ameaada pelo uso excessivo de mquinas e que tem claros os impactos imediatos dessas polticas tecnolgicas que so usadas na competio econmica, sem preparar a populao para as suas consequncias. Na literatura disponvel de sociologia do trabalho, aparece atualmente com muita frequncia a discusso de que a reestruturao produtiva acarreta desemprego tecnolgico. Entretanto, no se pode esquecer que, no incio da dcada de oitenta do sculo passado, houve uma forte recesso econmica no Brasil, acompanhada de desemprego, sem que tenha ocorrido uma reestruturao na produo. Vale lembrar que as polticas econmicas adotadas naquele perodo, para combater a inflao e enfrentar a recesso, reduziram o ritmo de crescimento da economia, trazendo consigo uma srie de efeitos como baixo ndice de investimentos nas atividades produtivas, uma forte sangria financeira para o pagamento dos juros da dvida externa, bem como uma deteriorao de importantes setores da infraestrutura econmica. Essas polticas foram marcadas por uma economia oligopolizada, que ensejou ao pas sofrer uma forte deteriorao da capacidade operativa dos empreendimentos econmicos. A diferena entre pases avanados e no avanados est no fato de que enquanto os primeiros fizeram a revoluo tecnolgica e investiram em novos processos de produo, os

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segundos permaneceram naquele perodo defasados, com um parque industrial incapaz de acompanhar os avanos da revoluo tecnolgica e as exigncias do comrcio mundial. Pode-se dizer que, no contexto da crise econmica, expandiu-se o desemprego tecnolgico, quando o capital aproveitou-se dela para redefinir suas relaes com o trabalho e impor novas formas de produo. Simultaneamente reestruturao produtiva proposta, novos padres de desempenho gerais na economia foram impressos, para salvaguardar as relaes entre capital/trabalho, ferindo certamente o trabalho por relaes e prticas tradicionais, precrias e intensas e fortalecendo o capital pela adequao de processos modernos, tecnologicamente viveis, com investimentos financeiros pblicos e privados, com a marca do novo modo de acumulao, ou seja, pela flexibilidade.

Frum 1 Novas tecnologias e efeitos sobre o trabalho Como foi dito, a economia internacional enfrentou nos anos setenta do sculo XX, um quadro de crise estrutural que acarretou um processo de aprofundamento da globalizao do capital atravs da integrao e da internacionalizao de vrias etapas do processo produtivo. Essa crise trouxe consigo a imposio de um amplo processo de reestruturao do capital, a fim de instalar um novo modo de acumulao como meio de sair da crise e tambm de manter o equilbrio do sistema capitalista como um todo. Questo para ser discutida: At que ponto as tecnologias da informao podem resultar em benefcios sociais ou acarretar em problemas de sade, principalmente, mental?

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Novas Tecnologias e Efeitos Sobre o Trabalho Objetivo: Demonstrar os principais impactos da introduo de novas tecnologias sobre o trabalho, em especial, a precarizao, a terceirizao e a flexibilidade Nesta unidade continuaremos apresentando o artigo de Vania Herdia que apresenta elementos essenciais para o entendimento das questes relacionadas introduo de novas tecnologias que desencadearam uma gama de efeitos e impactos sociais sobre o trabalho que alterou, ou tem alterado, toda a forma como a sociedade tem se estruturado. Esses impactos repercutem sobre os processos de trabalho, a qualificao dos trabalhadores, as condies de trabalho e a sade, no s do homem para o trabalho, como do homem em sociedade. Nesta unidade, foca-se, essencialmente, nos processos de terceirizao, precarizao e flexibilidade. Bom estudo!

Terceirizao, precarizao e flexibilidade O uso de novas tecnologias envolve a assimilao de uma cultura empresarial onde haja a integrao entre as propostas de modernizao tecnolgica e racionalizao. Nem sempre o uso de novas tecnologias apenas um processo tcnico na medida em que pressupe uma nova orientao no controle do capital, no processo produtivo e na qualificao da fora de trabalho. Dos diversos efeitos que derivaram dessa orientao, a terceirizao, a precarizao e a flexibilidade aparecem com constncia como caractersticas do paradigma flexvel, em substituio ao taylorista-fordista.

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A terceirizao, segundo Faria (apud Ramalho; Martins,1994,p. 43), ocorre de duas formas no Brasil. Uma delas "objetiva alcanar tanto elementos de produtividade quanto condies novas de competitividade. a imposio das tecnologias gerenciais de qualidade. [...] E a outra tem como finalidade reduzir custos".[2] Essas duas modalidades mostram como o Brasil resolve as exigncias dos novos paradigmas industriais, adaptando s condies existentes as exigncias do mercado quando relaciona competitividade e produtividade, sem esquecer a qualidade. Em nome da racionalizao produtiva e da especializao flexvel, a terceirizao adotada como estratgia para gerar maior produtividade com competitividade. Com essa estratgia, so introduzidos novos mtodos de organizao, sem muitas vezes investimentos em tecnologia. As mudanas organizacionais acabam confundindo-se com ambientes modernos. Entretanto, essas medidas permitem s indstrias tornarem-se eficientes pela flexibilidade, e a modernizao facilita a concorrncia. Com esses dois aspectos, torna-se possvel enfrentar a competitividade e promover produtividade pela qualidade. A flexibilizao implica a reduo de quadros de funcionrios, diminuindo as hierarquias na administrao e reduzindo tambm o nmero de trabalhadores no cho de fbrica. A agilidade na produo permite maior controle das partes e domnio do todo. Permite tambm uma diminuio nos custos. A terceirizao em muitas indstrias do plo metal-mecnico da Regio Nordeste do Estado do RS foi testada inicialmente em setores no ligados diretamente ao setor produtivo, com a finalidade de avaliar seus efeitos e simultaneamente verificar o controle sobre esses processos. Essas indstrias comearam o processo de terceirizao pelas reas de apoio ao setor produtivo e foram ampliando os servios que entrariam nesse processo. Limpeza, transportes, alimentao, sade, assistncia jurdica, manuteno, segurana patrimonial, assistncia social foram as primeiras reas de apoio a serem terceirizadas e, aps essas primeiras experincias, reas como a de recursos humanos, comunicao, marketing, foram agregadas s primeiras.15

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A partir das experincias realizadas, muitas avanaram na concepo de que no necessitavam produzir todos os componentes de seu processo, pois poderiam compr-los a um custo menos elevado, e outras acabaram sublocando a fora de trabalho necessria para a atividade produtiva. Entretanto, a terceirizao feita nas reas de apoio produo se manteve. No discurso empresarial aparece a justificativa de por que a terceirizao promoveu agilidade no processo produtivo, e essa argumentao na literatura pode ser vista como um elemento de flexibilidade. A terceirizao um processo que exige um constante replanejamento, versatilidade e garante a competitividade que o mercado impe. Um dos resultados visveis da reestruturao produtiva foi a precarizao pela sada de trabalhadores do mercado formal de trabalho para os setores informais. O trabalhador, para no perder totalmente sua dignidade, acaba se transferindo para o setor informal, perdendo a possibilidade de assegurar direitos que havia conquistado ao longo de sua vida operria e, na condio de desempregado, no v alternativas e possibilidades de continuar com o vnculo empregatcio. A opo pelo mercado informal, muitas vezes na condio de estar margem do sistema, lhe oferece parte daquilo que perdeu como marca de que est fora do sistema. A entrada no mercado informal lhe parece provisria, mas acaba se distanciando da possibilidade de retorno ao trabalho assalariado. A precarizao do emprego aponta para a instabilidade das relaes de trabalho e para a desvalorizao da qualificao dessas relaes. Com frequncia, as grandes indstrias recontratam seus antigos funcionrios para o trabalho necessrio e o fazem atravs de contratos de trabalho temporrio ou mesmo pela subcontratao de servios. A precarizao influi em quem est fora do processo e tambm em quem est dentro. Ela estabelece alguns parmetros.

Alguns impactos sociais das novas tecnologias: resultado de um estudo16

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Discutindo a premissa de que a reestruturao produtiva em algumas regies gerou supresso de postos de trabalho, e concomitantemente desemprego tecnolgico, pode ser uma forma de questionar se houve a recomposio do emprego em favor de postos de trabalho de baixa qualidade, ou de forma precria. Diante dessas possibilidades, o estudo feito aponta que 80% dos entrevistados afirmam que houve eliminao de postos de trabalho nos setores industriais, equipados com novas tecnologias, reduzindo a fora de trabalho empregada. Apenas 20% dos entrevistados responderam que em suas indstrias no houve eliminao de postos de trabalho, mas uma readequao de trabalhadores nos setores produtivos para se integrarem no processo, visando garantir a produtividade. A justificativa da eliminao de postos de trabalho foi de que a modernizao tecnolgica permitiu reorganizar o trabalho, racionalizando-o e readaptando-o a novas funes produtivas, com fins de manter padres de qualidade. Ficou visvel nesse estudo que a produtividade a alavanca das decises de novos investimentos e de seus resultados. Esses dados apontam para o que aparece na literatura sobre o tema, principalmente pelas duas situaes provocadas pela inovao, ou seja, a do desemprego e a do deslocamento dos trabalhadores e sua reabsoro no mercado de trabalho. Segundo Geller (apud,1998, p. 60 )[5], a redistribuio de trabalhadores entre setores um fenmeno contnuo, ligado ao processo tecnolgico e ao crescimento produtivo". Entretanto a relocao de trabalhadores entre setores problemtica quando a indstria no possui programas de requalificao de sua fora de trabalho. Constata-se que os critrios de qualificao profissional perpassam as exigncias da escolaridade formal, criando uma distncia da escola com o mundo do trabalho. Habilidades como ler, escrever, calcular no bastam para qualificar um trabalhador tecnicamente. A mudana tecnolgica "um processo contnuo que conduz a novas competncias e reclassificao de postos" (p. 64). Estar atento s exigncias do mercado e responder s suas demandas no uma tarefa simples, principalmente porque as mudanas tecnolgicas

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tm sido acompanhadas por mudanas organizacionais, decorrentes das mudanas de paradigmas. Quanto aos principais efeitos obtidos com a introduo de novas tecnologias, o estudo indica que o aumento de produtividade (36%) muito importante, seguido de reduo do tempo de trabalho (28%); racionalizao da produo (12%); qualidade do produto (12%); reduo de estoque (4%); reduo de custos com a fora de trabalho (4%), e 4% no responderam ao questionamento. O raciocnio apresentado nesse questionamento se confirma na explicao de Mattoso (apud LEITE, 1996, p.6), quando coloca que a tecnologia "em si mesma, possibilita duas coisas: aumento de produtividade e reduo do trabalho vivo envolvido na produo. Ela no traz necessariamente o desemprego"[6]. Para esse autor, se existisse uma poltica macroeconmica voltada ao pleno emprego, os efeitos da inovao seriam diferentes. A subordinao ao capital financeiro internacional impede o enfrentamento do fenmeno. Os efeitos das inovaes tecnolgicas relacionadas s condies de trabalho, vistos pelos entrevistados so: maior proteo do trabalhador nas reas de insalubridade, diminuio de acidentes de trabalho, menor nmero de trabalhadores, e a dispensa da fora de trabalho. Apenas um pequeno nmero de entrevistados afirmou que as inovaes no afetavam as condies de trabalho. Essas colocaes indicam a ambiguidade dos efeitos, ou seja, de um lado o trabalhador protegido pelas mudanas quando o ambiente de trabalho instala novas tecnologias que permitem a substituio do trabalho perigoso pelo trabalho controlado e quando essas alteraes so feitas em reas de insalubridade, diminuindo os acidentes e evitando uma srie de doenas de trabalho, ocasionadas pelo tipo de trabalho. Por outro lado, a substituio do trabalho humano pelas mquinas reduz o trabalho vivo e, ao mesmo tempo, conduz ao desemprego. Quanto aos efeitos que a automao desencadeia nos setores de produo, o estudo aponta em primeiro lugar para a reduo do tempo de trabalho, em segundo lugar para a reeducao profissional e em terceiro lugar para mudana substancial no fluxo de produo. Das inovaes organizacionais mais frequentes aparecem: a mudana de layout; a introduo de tecnologias, programas de qualidade total; a eliminao de estoques; controleCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 18

de qualidade integrado ao processo; implantao inicial de clulas nos processos de trabalho (integrao vertical) e produo estabelecida pelo mercado sob a forma de encomenda. Essas inovaes, as organizacionais e tecnolgicas fazem parte do paradigma flexvel que, segundo Harvey (1993, p.169) "tem papel-chave na modificao da dinmica da luta de classes, movida por ambos os lados, no domnio dos mercados de trabalho e do controle do trabalho. [7] Em decorrncia das inovaes organizacionais apresentam-se as seguintes mudanas: a presena de uma nova cultura empresarial voltada para a educao e o treinamento da fora de trabalho, com colaborao e qualificao. A diminuio dos quadros hierrquicos marcada pela flexibilidade profissional, multifuncionalidade e polivalncia. Para discutir o processo de terceirizao foram questionados aos entrevistados os critrios utilizados para a contratao de servios terceirizados, os principais ganhos e os motivos de terceirizao na rea social. Das indstrias pesquisadas, constatou-se que a totalidade delas utiliza servios terceirizados e que o principal critrio utilizado para a contratao desses servios definido pelos custos dos servios (56%), a parceria com trabalhadores da prpria indstria, a fim de assegurar a filosofia de trabalho e manter uma negociao dos custos dos servios (28%), e outros motivos (16%). Desses foram citados: necessidades externas urgentes para a satisfao dos clientes, a posse de equipamentos para satisfazer as necessidades da indstria, a especializao, a tecnologia do terceirizado e os custos adequados, compatveis com os preos do mercado. Quanto aos principais ganhos, as indstrias apontaram para a racionalizao do processo produtivo, seguido da diminuio dos custos sociais e para o aumento da produtividade. Desses ganhos, salientaram a importncia da diminuio dos gastos sociais. Chama a ateno que a qualidade do produto, enquanto ganho obtido, no aparece como destaque, o que demonstra uma certa incongruncia com o discurso presente sobre a qualidade nas indstrias. Apenas 4% dos entrevistados responderam que no h ganhos com a terceirizao.

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Consideraes finais O processo de modernizao tecnolgica no ocorreu dissociado da lgica da acumulao capitalista, uma vez que a introduo das tecnologias produzida pelo capital e no pelo trabalho. As indstrias de transformao do plo metal-mecnico de Caxias do Sul investiram em automao microeletrnica atravs da instalao de equipamentos com

microprocessadores, pois possuam tanto condies tcnicas como financeiras para garantir sua operacionalidade. Logo, as mudanas marcadas pelas inovaes tcnicas e organizacionais demonstram a penetrao da automao microeletrnica nos processos de trabalho como paralelamente a implantao de novos paradigmas organizacionais. O estudo aponta para a eliminao de postos de trabalho nos setores industriais equipados com novas tecnologias, reduzindo a fora de trabalho empregada. A justificativa da eliminao de postos de trabalho foi de que a modernizao tecnolgica permitiu reorganizar o trabalho, racionalizando-o e readaptando-o a novas funes produtivas, com fins de manter padres de qualidade. O estudo aponta ainda que o processo de terceirizao adotado nessas indstrias foi promovido para obter racionalizao do processo produtivo, diminuir gastos sociais e aumentar a produtividade. Constatou-se tambm que muitos processos de terceirizao promoveram precarizao da fora de trabalho.

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EXERCCIOS DISSERTATIVOS: 1. Em que medida as novas tecnologias empregadas podem afetar as condies de trabalho?

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Desenvolvimento Industrial e Sade Objetivo: Situar a questo da sade no contexto de desenvolvimento industrial Nas prximas cinco unidades, entraremos em contato com a questo da sade no contexto de desenvolvimento industrial. Para tanto, leremos o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da Fundao Oswaldo Cruz. Em seu texto intitulado Desenvolvimento, complexo industrial da sade e poltica industrial o autor situa a questo da sade no contexto do desenvolvimento nacional e da poltica industrial. Tomou-se a ideia de corte estruturalista, marxista e schumpeteriano, onde a indstria e as inovaes constituem os elementos determinantes do dinamismo das economias capitalistas e de sua posio relativa na economia mundial. Todos os pases que se desenvolveram e passaram a competir em melhores condies com os pases avanados associaram uma indstria forte com uma base endgena de conhecimento, de aprendizado e de inovao. Todavia, na rea da sade essa viso problemtica, uma vez que os interesses empresariais se movem pela lgica econmica do lucro e no para o atendimento das necessidades da sade.

Introduo O presente artigo situa a questo da sade no contexto do desenvolvimento nacional e da poltica industrial. Tomou-se a ideia de corte estruturalista, marxista e schumpeteriano, onde a indstria e as inovaes constituem os elementos determinantes do dinamismo das economias capitalistas e de sua posio relativa na economia mundial. Todos os pases que se desenvolveram e passaram a competir em melhores condies com os pases avanados,

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associaram uma indstria forte com uma base endgena de conhecimento, de aprendizado e de inovao. Todavia, na rea da sade, esta viso problemtica, uma vez que os interesses empresariais se movem pela lgica econmica do lucro e no para o atendimento das necessidades da sade. A noo de complexo industrial da sade constitui uma tentativa de fornecer um referencial terico que permita articular duas lgicas distintas, a sanitria e a do desenvolvimento econmico. Isso porque a sade, simultaneamente, constitui um direito de cidadania e uma frente de desenvolvimento e de inovao estratgica na sociedade de conhecimento. O objetivo do presente trabalho foi mostrar, com base em dados sobre o potencial de inovao no Brasil e de comrcio exterior, como a desconsiderao da lgica do desenvolvimento nas polticas de sade levou a uma situao de vulnerabilidade econmica do setor que pode limitar os objetivos de universalidade, equidade e integralidade.

Desenvolvimento e poltica industrial: a tradio estruturalista na sociedade do conhecimento A questo do desenvolvimento e da poltica industrial sempre permeou o debate em torno do papel do Estado para a superao das condies de atraso nos pases subdesenvolvidos. No Brasil, este debate norteou as contribuies da economia clssica do desenvolvimento para pensar a superao da dependncia e do subdesenvolvimento. Citam-se diversos autores, como: Prebisch, Furtado, Tavares, Cardoso & Faletto, Cardoso de Mello,5 entre muitos outros de tradio cepalina, sempre contrrios ideia de que as foras naturais de mercado levariam a uma convergncia na renda per capita e no padro de vida dos indivduos. A mudana e a estratgia de desenvolvimento requeriam rupturas na estrutura econmica e de ordem poltica e institucional. neste contexto terico que polticas desenvolvimentistas foram perseguidas em diversos pases da Amrica Latina no perodo de 1930 a 1980. A indstria era tomada como o ncleoCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 23

central da estratgia daqueles pases que almejassem superar a situao de dependncia e sua localizao na periferia do sistema econmico. A industrializao permitiria, a um s tempo: a produo de produtos com maior valor agregado, a endogeneizao da gerao de progresso tcnico, a melhoria na insero internacional ou na linguagem cepalina, termos de troca entre bens industriais e primrios. Isso levaria, progressivamente, ao desenvolvimento e reduo da dependncia frente aos pases desenvolvidos. Em sntese, a luta pelo desenvolvimento era a luta pela industrializao. No nvel poltico, a indstria tambm permitiria uma nova aliana entre a burguesia industrial e os trabalhadores em detrimento dos segmentos "atrasados" primrio-exportadores. Assim, possibilitaria um padro de desenvolvimento mais inclusivo e igualitrio, em conjunto com outras polticas, como a de reforma agrria. O processo de industrializao, de acordo com Tavares (1979), no era natural e envolvia saltos qualitativos e rupturas na estrutura produtiva. Numa primeira fase, passaria pela implantao de indstrias "leves" de menor necessidade de capital e de tecnologia para, numa fase posterior, entrar nas indstrias pesadas de insumos bsicos e de bens de capital. Nessa segunda fase, o papel do Estado se mostrava central, permitindo o financiamento da acumulao de capital e a coordenao dos investimentos complementares, inclusive na infra-estrutura econmica. Os instrumentos utilizados iam desde a reserva de mercado para o segmento privado nacional e estrangeiro at a constituio de empresas estatais de grande porte. No cabe, para os objetivos do presente artigo, fazer uma crtica mais aprofundada desta viso, mas apenas extrair algumas ideias mais importantes para o caso do Brasil por parte de autores que compartilhavam, poca, da tradio cepalina e desenvolvimentista. Sinteticamente, a despeito da problemtica nacional ser tratada em profundidade, as questes do modelo de desenvolvimento, da desigualdade, da excluso eram incorporadas segundo uma viso simplista da relao entre o Estado e a sociedade.24

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Os interesses internos de classe associados ao capital internacional, no considerados adequadamente, perpetuavam a dependncia e a incorporao dos segmentos de baixo da pirmide social (Cardoso & Faletto, 1979). Na realidade, desconsiderava-se a realidade endgena do desenvolvimento das foras capitalistas no Brasil num quadro de desenvolvimento nacional, tardio no contexto histrico da fase avanada (ou oligoplica) do capitalismo mundial e do passado escravagista e colonial. Ou seja, a questo do desenvolvimento foi reduzida, em grande parte, relao entre o centro e a periferia, sem considerar a dinmica capitalista interna, econmica, poltica e social, de um pas atrasado e dependente (Cardoso de Mello,5 1982). Do ponto de vista das teorias mais recentes, que partem dos trabalhos de Schumpeter sobre o desenvolvimento centrado no processo de inovao, pode-se afirmar que o modelo tipicamente cepalino no distinguia entre capacidade produtiva incorporada em mquinas e equipamentos e a capacidade tecnolgica. Ou seja, em termos mais atuais, a base de conhecimento e de aprendizado constituem os fatores dinmicos mais destacados da competitividade empresarial e nacional. O carter sistmico da inovao, tendo a indstria como o ncleo dinmico da gerao e difuso do progresso tcnico, foi pouco considerado. Como consequncia, pouco enfatizava as competncias requeridas a um processo contnuo de aprendizado e de constituio de uma base endgena de inovao que permitisse a introduo de melhorias permanentes nos bens, servios e processos produtivos, elevando, inclusive, a capacidade de prospeco e de absoro da tecnologia da fronteira internacional. Ou seja, atualmente se percebe claramente que para o desenvolvimento econmico no basta ter capacidade produtiva, mas tambm essencial ter uma base sistmica e industrial capacitada para a gerao de conhecimento e de inovao (Kim & Nelson,16 2005). Independentemente das crticas e do processo concreto de expanso do capitalismo perifrico em certas situaes ter sido extremamente excludente e desigual, como a brasileira, o crescimento e diversificao do setor manufatureiro e a poltica industrial estavam na raiz da superao da dependncia e da mudana na diviso internacional do trabalho. Isso une todos os autores citados, que focam sua preocupao no processo deCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 25

desenvolvimento, tendo por base seu papel de motor do progresso tcnico e da difuso de inovaes para todo o sistema, inclusive para a agricultura e para os servios. A percepo cepalina estruturalista constituiu uma referncia muito forte que norteou as trajetrias de desenvolvimento perseguidas pelo Brasil entre os anos de 1950 a 1980. Mesmo sob um modelo excludente e concentrador, particularmente nos anos de autoritarismo, essa viso do desenvolvimento esteve por trs de um processo vigoroso de crescimento econmico (acima de 8% ao ano em mdia) acompanhado de fortes mudanas na estrutura produtiva. A revoluo neoliberal ocorrida no final dos anos 70 e nos anos 80, cujas ideias ainda so muito presentes nas polticas pblicas vigentes, atacou de modo incisivo a estratgia de desenvolvimento adotada, modelo que ficou marcado como de substituio de importaes, negando o papel de induo e coordenao do Estado e acusando as polticas adotadas de ineficientes e ineficazes. Agncias internacionais como o Fundo Monetrio Internacional (FMI) e o Banco Mundial (BIRD) adotaram em suas normas e polticas a viso de que o papel essencial do Estado deveria ser criar os fundamentos ao bom funcionamento de uma economia de mercado (seguindo o marketing conforming approach). Isso foi enfatizado em documentos de referncia da crtica e da proposio de um novo modelo (BIRD, 1,2 1993, 1997). A experincia bem sucedida dos pases do Leste Asitico foram inclusive (re) lidas, de modo distorcido e falacioso, como casos bem sucedidos de desenvolvimento sem intervencionismo seletivo do Estado na estrutura econmica, contrariando todas as evidncias histricas. Neste processo, o alvo principal do ataque foram as polticas desenvolvimentistas e a poltica industrial, em particular (Gadelha,11 2001). Na mesma direo, e como contraponto aos casos bem sucedidos, a experincia brasileira era apresentada como um exemplo emblemtico de fracasso do modelo de substituio de importaes. Ignorou-se que as bases materiais de um capitalismo mais desenvolvido tinham de fato se constitudo entre os anos 1950 e 1980, a despeito dos problemas j mencionados relacionados desigualdade, excluso e precria base de inovaes. O resultado deste ataque e do esgotamento efetivo do modelo anterior frente aos novos desafios engendrados pela globalizao assimtrica e pela terceira revoluo tecnolgica foi mais de duas dcadasCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 26

de estagnao macroeconmica e de involuo na estrutura industrial implantada (Coutinho,8 2005). No campo da sade, em direo contrria a esta viso restrita do papel do Estado, so lanadas as bases do Sistema nico de Sade (SUS) justamente no final dos anos 80 e incio dos anos 90. O SUS teve as diretrizes da 8 Conferncia Nacional de Sade de 1986 como marco, institudas, em grande parte, na prpria Constituio Brasileira de 1988 e na Lei Orgnica da Sade (Lei n. 8.080 de 19/9/1990). Observe-se que esta ltima foi aprovada pelo Congresso Nacional em pleno Governo Collor, que, por sua vez, e contraditoriamente, representou a vitria do paradigma neoliberal na estratgia nacional que vem permeando as sucessivas polticas econmicas implantadas desde ento. Assim sendo, em termos gerais, o setor sade desenvolveu-se na contramarcha das reformas liberalizantes, tendo se assentado num movimento poltico e social vigoroso (o movimento ou "partido" sanitrio), engendrando uma das mais importantes formas de articulao federativa e de participao da sociedade civil nas polticas pblicas nacionais (Cordeiro,7 2001). Tambm importante, em termos conceituais, a percepo promovida pelo movimento sanitrio e na academia de que a sade no poderia ser tratada setorialmente, apenas como combate s doenas. Ela est relacionada s condies gerais de vida, o que remete necessidade de um tratamento multissetorial integrado, envolvendo a questo da promoo (Buss,3 2000) e, de modo ainda mais abrangente, do prprio padro nacional de desenvolvimento. Todavia, essa viso integral da sade e de sua relao com o desenvolvimento nunca abordou sua relao com as estratgias para a atividade industrial e para a gerao e difuso de inovaes em sade, exceto na tradio das pesquisas e das aes relacionadas Avaliao Tecnolgica em Sade (ATS). Essa era numa perspectiva voltada eminentemente para a regulao do processo de incorporao de tecnologias pelo sistema de sade, mediante anlises econmicas do tipo custo-benefcio em suas diversas vertentes. Embora estratgica para a racionalidade do sistema e para o atendimento das necessidades de sade, esta forma tradicional do tratamento da questo tecnolgica e da inovao no27

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campo da sade no abrange a sade em uma outra dimenso. Isto , a sade como uma frente importante de inovao, gerao de renda e emprego e de desenvolvimento num contexto de globalizao excludente e assimtrica (Lastres et al,17 2005), onde a dependncia econmica aparece em diversas formas, inclusive, e de modo importante, na produo de bens e servios em sade.

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Sade, Cincia e Tecnologia Objetivo: Situar a questo da sade no contexto de desenvolvimento industrial, cincia e tecnologia Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da Fundao Oswaldo Cruz. Lembre-se de que em seu texto intitulado Desenvolvimento, complexo industrial da sade e poltica industrial o autor situa a questo da sade no contexto do desenvolvimento nacional e da poltica industrial.

Sade, cincia e tecnologia A literatura contempornea sobre desenvolvimento mostra que a rea de sade constitui uma frente importante para as atividades de cincia e tecnologia (C,T&I), de inovao, de gerao de emprego e renda e, portanto, de desenvolvimento econmico. Invariavelmente, uma das reas lderes nos sistemas nacionais de inovao em conjunto com o complexo industrial-militar (Rosemberg et al,20 1995). Seguindo a prpria lgica da concorrncia capitalista (em bases oligoplicas), a produo empresarial em sade tambm constitui uma fonte de intensa gerao de assimetrias, de apropriabilidade privada dos frutos do progresso tcnico e de excluso de pessoas, regies e pases. A dependncia e o subdesenvolvimento deixam, portanto, uma marca estrutural expressiva tambm no campo da sade, restringindo a evoluo da ateno sade e a construo de um sistema universal, equnime e integral. Isso coloca como desafio para os pases menos desenvolvidos a entrada de novos paradigmas tecnolgicos, mediante a constituio de uma base endgena de inovao em sade e da montagem de uma indstria competitiva.Copyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 29

Em sntese, no se pode tratar o padro de desenvolvimento na sociedade do conhecimento de um lado, e o sistema de sade, de outro, como se fossem duas dimenses independentes. O tratamento em separado, apenas sob uma lgica defensiva voltada para proteo dos interesses e da presso da indstria para a absoro de novos produtos e processos no sistema, inadvertidamente faz com que as foras sociais, que historicamente vm lutando por um sistema de sade amplo e inclusivo no Brasil, acabem atuando na mesma direo do modelo neoliberal. Por sua vez, esse modelo tem procurado vetar os processos endgenos de

desenvolvimento, de industrializao e de superao da dependncia dos pases menos desenvolvidos, mediante a negao de polticas ativas e seletivas para a estrutura produtiva nas reas de maior dinamismo como a de sade. Assim, observa-se um duplo e contraditrio ataque para a inovao em sade vinculada ao desenvolvimento das foras produtivas dos setores industriais. De um lado, de uma vertente neoliberal que simplesmente descarta o papel do Estado na poltica industrial. Do outro, uma vertente associada ao campo do pensamento crtico sanitarista que sempre defendeu a ampliao do papel do Estado para a constituio de um sistema equnime e universal, mas que, por raras vezes, relacionou a sade como um campo vital para o desenvolvimento nacional em bases empresariais. A questo que se coloca complexa, notadamente no campo poltico, mas seu enfrentamento mostra-se absolutamente necessrio. agenda usual da pesquisa e da poltica de sade, coloca-se a necessidade de acoplar uma nova agenda voltada para a concepo de polticas de desenvolvimento das atividades produtivas. Deve envolver polticas cientficas, tecnolgicas e, fundamentalmente, polticas industriais e de inovao para os distintos setores, inclusive para a rea de servios. Nessa direo, torna-se necessrio incorporar os temas ligados ao desenvolvimento das atividades econmicas e poltica industrial. Todavia, isso requer uma atualizao para sua adequao a uma sociedade em que as bases competitivas se assentam crescentemente no

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conhecimento e na inovao (Cassiolato, 1999). Entre esses temas de carter analtico e normativo, podem ser destacados: O estudo da dinmica industrial e de inovao nas indstrias da sade e sua articulao com o sistema de ateno sade; A anlise da constituio de uma base endgena de conhecimento em reas estratgicas do sistema produtivo da sade, seguindo a premissa de que o aprendizado ocorre com base numa capacitao local, tcita e sistmica, se distinguindo do simples processo de acesso e aquisio de informao; A constituio de redes tcnico-produtivas, envolvendo um amplo conjunto de organizaes de produo, pesquisa, financiamento e regulao; A anlise e promoo de atividades localmente interligadas que configuram arranjos produtivos locais em sade; A prospeco permanente de tecnologias portadoras de futuro; O estudo para a montagem de sistemas regulatrios no tradicionais no campo da sade como os ligados propriedade intelectual e; Esforo para introduzir mudanas institucionais no setor produtivo e nas instituies de suporte, sobretudo no mbito financeiro e das organizaes de pesquisa e de tecnologia, envolvendo uma forte transformao do prprio Estado com a flexibilidade e novos requerimentos, e desafios da terceira revoluo industrial.

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5Cruz. Novamente, lembre-se que em seu texto intitulado

Sade e Desenvolvimento Objetivo: Situar a questo da sade no contexto de desenvolvimento industrial Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da Fundao Oswaldo

Desenvolvimento, complexo industrial da sade e poltica industrial o autor situa a questo da sade no contexto do desenvolvimento nacional e da poltica industrial.

O complexo industrial da sade: em busca de uma viso integrada nesse contexto histrico, econmico e poltico que se desenvolve o conceito de complexo industrial da sade (Gadelha, 20024 e 200312). Procura-se captar, simultaneamente, a dimenso sanitria e a econmica, numa perspectiva de pensar, no limite possvel, a interao entre sade e desenvolvimento. Tal relao vai alm da concepo de um sistema de ateno adequado. Remete, em ltima instncia, para sua insero numa estratgia de desenvolvimento que privilegie, ao mesmo tempo, o dinamismo e atenuao da dependncia econmica em reas estratgicas no atual contexto histrico, a exemplo dos equipamentos eletrnicos, da biotecnologia e dos novos materiais. O grande desafio a constituio de um modelo que permita uma reestruturao da base produtiva nacional na direo do dinamismo econmico e da superao do atraso em reas crticas para a atenuao da desigualdade e da excluso social, como o caso de todos os segmentos que fazem parte do complexo da sade.

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A noo de complexo industrial da sade a um s tempo, um corte cognitivo, analtico e poltico. Como mostra a Figura 1, configura "(...) um conjunto selecionado de atividades produtivas que mantm relaes intersetoriais de compra e venda de bens e servios (sendo captadas, por exemplo, nas matrizes de insumo-produto nas contas nacionais) e/ou de conhecimentos e tecnologias (...)" (Gadelha,12 2003, p. 523). Essas atividades produtivas esto inseridas num contexto poltico e institucional bastante particular, envolvendo a prestao de servios como o espao econmico para o qual flui toda a produo em sade. Assim, esta atividade est completamente inserida no complexo, tanto por crescentemente se organizar em bases empresariais quanto por configurar o mercado em sade, como construo poltica e institucional. Isso confere organicidade ao complexo, permitindo articular, num mesmo contexto, a produo de servios e bens to diferentes como medicamentos, equipamentos, materiais diversos ou produtos para diagnstico.

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A perspectiva sistmica, relacionada, portanto, ao conceito de sistema nacional de inovao em sade (Rosemberg et al, 1995). O conceito de complexo industrial da sade privilegia como elemento crtico desse sistema a atividade produtiva, considerando que o ncleo da vulnerabilidade econmica do Pas na rea da sade a fragilidade do sistema industrial e empresarial brasileiro. A capacidade de inovao do Pas determinada pelo potencial de transformao de conhecimentos em bens e servios novos ou melhorados em sua qualidade e/ou processo produtivo. Essa capacidade, no Brasil, descolada da base cientfica e tecnolgica nacional e das necessidades do sistema de sade, principalmente pela baixa capacitao empresarial em realizar atividades de pesquisa e desenvolvimento (Gadelha, 2005). Nesta perspectiva, podese afirmar que constitui um esforo de recuperar a perspectiva estruturalista, enfatizando a questo do desenvolvimento, da dependncia e da poltica industrial e de inovao na rea da sade, no contexto histrico da globalizao assimtrica e da revoluo tecnolgicoindustrial em curso. Tomando essa referncia terica do complexo industrial da sade no contexto do padro nacional de desenvolvimento, e tendo por foco seu potencial de inovao e o perfil das atividades que so efetuadas no Pas, trata-se agora de situ-lo frente histrica questo da dependncia e do desenvolvimento. Os dados mais recentes sobre a capacidade empresarial de inovao foram levantados pela Pesquisa Industrial de Inovao Tecnolgica (PINTEC) 2003 (IBGE, 2005). Esta iniciativa recente e de grande relevncia evidencia a baixa intensidade de inovao das indstrias da sade, com dados especficos para a indstria farmacutica (fabricao de produtos farmacuticos) e de equipamentos mdico-hospitalares, embora nesta ltima categoria estejam includos outros produtos no relacionados sade (instrumentos de preciso e pticos, automao industrial, cronmetros e relgios). Os dados especficos so reveladores, mesmo considerando que relativamente, mdia da indstria essas atividades esto bem posicionadas. Em termos gerais, a taxa de inovaoCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 34

parece elevada: 50,4% das empresas farmacuticas e 45,4% das empresas de equipamentos introduziram alguma inovao de produto ou processo entre 2001 e 2003. Todavia, os dados mais desagregados mostram que essas atividades se concentraram largamente na aquisio de equipamentos para a melhoria de processos e em produtos e processos novos para as empresas, mas no para o mercado nacional. Foram gastos com atividades internas de pesquisa e desenvolvimento (P&D) apenas 0,53% das receitas lquidas nas empresas "inovadoras" farmacuticas e 1,22% nas empresas de equipamentos que introduziram alguma inovao no mercado. Outros dados, cujo detalhamento no caberia no presente artigo, mostram tambm a pouca importncia na relao com instituies de C&T para a realizao de atividades de P&D, o reduzido nvel de cooperao e alianas para o desenvolvimento de inovaes e o impacto reduzido dos programas governamentais. Apenas 16% das empresas inovadoras receberam algum apoio do Estado nos dois setores, sendo o risco econmico de mercado (condies de mercado e riscos econmicos) o fator mais crtico que tem limitado ou mesmo bloqueado as estratgias mais intensas de inovao. Por trs desses indicadores, torna-se necessrio abrir o complexo da sade pelos seus segmentos, procurando captar o perfil das atividades produtivas realizadas no Brasil. Para tanto, os melhores indicadores so os relacionados balana comercial, uma vez que espelha em quais segmentos o Pas capacitado ou dependente de importaes. Como a noo de complexo industrial remete fundamentalmente para a base produtiva existente no Pas, este indicador muito mais relevante do que outros relacionados a publicaes cientficas e mesmo patentes. Esses ltimos indicadores, no Brasil, refletem muito mais a capacitao em pesquisa aplicada e no necessariamente o potencial de inovao que sempre deve ser relacionado base empresarial.

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Sade e Desenvolvimento Objetivo: Situar a questo da sade no contexto de desenvolvimento industrial e dependncia do comrcio exterior Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da Fundao Oswaldo Cruz. Novamente, lembre-se de que em seu texto intitulado Desenvolvimento, complexo industrial da sade e poltica industrial o autor situa a questo da sade no contexto do desenvolvimento nacional e da poltica industrial.

Dependncia do comrcio exterior Com base neste referencial terico, a situao de dependncia foi caracterizada mediante um levantamento e sistematizao dos dados de comrcio exterior para o complexo da sade em seu conjunto e para cada um dos segmentos. As informaes utilizadas foram aquelas disponveis nos bancos de dados da Secretaria de Comrcio Exterior do Ministrio de Desenvolvimento, Indstria e Comrcio Exterior (SECEX, Rede Alice). Em linhas gerais os seguintes procedimentos metodolgicos foram adotados, conforme Gadelha (2002): Base de informao primria. Essa base foi concentrada no perodo de 1997 a 2001, uma vez que em 1997 houve mudana expressiva na classificao dos produtos comercializados fruto da substituio da Nomenclatura Brasileira de Mercadorias (NBM) para a Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM).7 Para captar o ocorrido nos anos 90, tomaram-se como base os estudos setoriais disponveis, que se mostraram adequados e suficientes para os objetivos pretendidos (Negri & Giovanni, 2001). As dificuldades na base NCM para a identificao dos segmentosCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 36

industriais da sade consistiam em problemas de identificao dos produtos, quando inseridos em categorias mais abrangentes e pouco definidas como as dos itens "outros" ou em que o uso do produto no especfico rea da sade. Embora houvesse essas dificuldades, pde-se trabalhar numa base primria mais homognea, sem perder de vista a dinmica desses segmentos no perodo inicial da liberalizao comercial. Segmento farmacutico. Foi adotado o procedimento usual de separar medicamentos (produtos formulados) e frmacos (princpios ativos). Na indstria de medicamentos foram utilizados os itens que constam no Captulo 30 da NCM onde se concentram os produtos farmacuticos. Incluram-se medicamentos apresentados na forma de doses ou

acondicionados para venda a retalho, extratos, substncias humanas ou animais preparados para fins teraputicos ou profilticos e medicamentos no apresentados em doses. No foram considerados sangue humano, sangue animal, antisoros, outras fraes do sangue, produtos imunolgicos, vacinas, toxinas e outros produtos includos na anlise especfica dos segmentos de vacinas, reagentes, hemoderivados, soros e toxinas, em decorrncia dos propsitos especficos do estudo. Frmacos. Foi mantido o recorte de subitens do captulo de produtos qumicos orgnicos (Captulo 29 do NCM). Nesse recorte esto contemplados os frmacos e os intermedirios utilizados em sua produo. Devido ao fato dos intermedirios e dos frmacos poderem ser usados em outras indstrias, alm de alguns cdigos poderem envolver substncias no farmacuticas, possvel a obteno de alguns valores superestimados. Esses produtos podem ser usados em indstrias de alimentos, cosmticos, anlises clnicas e at na indstria de plsticos (aditivos para borrachas e plsticos e corantes). Todavia, o risco de se subestimar alguns valores tambm presente pelo fato de os produtos qumicos inorgnicos utilizados na indstria farmacutica e alguns orgnicos terem ficado de fora da anlise. Em todo caso, a despeito destes problemas inerentes ao padro de classificao adotado pela NCM, os valores agregados constituem um bom indicador do desempenho global do segmento.

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Equipamentos e materiais. Seguindo a metodologia de Furtado & Souza9 (2001), complementada com o recorte utilizado pela associao setorial (Associao Brasileira da Indstria Mdico-Odontolgica - ABIMO), classificou-se os subitens da NCM em quatro grupos, a saber: grupo 1: instrumentos mdico-hospitalares; grupo 2: aparelhos e equipamentos eletromdicos, odontolgicos e laboratoriais; grupo 3: prteses e rteses; grupo 4: materiais de consumo. Os reagentes de diagnstico/laboratrio em suporte e os reagentes para determinao dos grupos/fatores sangneos foram excludos do grupo de materiais de consumo (grupo 4), pois estes dois itens foram includos no segmento de reagentes para diagnstico. Em que pesem as incluses e excluses efetuadas, fruto das necessidades especficas e do corte analtico adotado no estudo, os valores so bastante prximos e comparveis com os apresentados na literatura e pela associao empresarial. Hemoderivados. Foram agregadas s fraes do sangue, os produtos imunolgicos modificados, entre outros relacionados ao sangue e seus derivados. Reagentes para diagnstico. O diagnstico no perodo recente, infelizmente, no permitiu um nvel de desagregao recomendado para uma avaliao da competitividade dos diferentes produtos, uma vez que incorporam bases tecnolgicas bastante distintas. No obstante, o corte metodolgico procurou fazer uma seleo dos produtos item a item, em diferentes captulos e posies da NCM, incluindo os reagentes para diagnstico de origem microbiana, os reagentes para determinao dos grupos/fatores sanguneos, os meios de cultura e os reagentes de diagnstico em suporte. Vacinas. Tomaram-se como base para a anlise as vacinas para medicina humana que, infelizmente, no esto desagregadas na forma do Programa Nacional de Imunizaes (PNI). Porm, incorporam tanto os bens acabados quanto os insumos importados e o atendimento do mercado pblico e privado.

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Soros e toxinas. Neste caso, o corte foi imperfeito pela diversidade do uso; foram includos os soros antiofdicos, antitetnico, antisoros polivalentes, toxinas, antitoxinas de origem microbiana e outros produtos, que permitem uma viso geral de sua evoluo. Com base nesta metodologia de tratamento da balana comercial em sade, levantaram-se as informaes em dlares (FOB - Free On Board) para o complexo e para seus segmentos no perodo 1997 a 2004. Procedeu-se atualizao monetria para o ano de 2004 com base no ndice de Preos ao Consumidor (IPC) dos Estados Unidos, tendo-se, portanto, valores reais para subsidiar a anlise. Em termos gerais, analisando o perodo como um todo, conforme mostrado na Tabela 1, parece ter havido melhoria nas condies externas do complexo relacionas balana comercial. O ano de 1998 foi o de pior desempenho no dficit comercial, atingindo um valor real de US$3,8 bilhes, sendo tambm o de maior valor nas importaes (US$4,48 bilhes) efetuadas pelas indstrias do complexo. Em 2003, estes valores atingiram um patamar reduzido frente ao final dos anos 90, chegando o dficit a um valor inferior a US$2,5 bilhes pela primeira vez nos oito anos analisados, fruto da reduo nas importaes.

Todavia, este quadro da balana comercial do complexo no muito alentador quando se efetuam consideraes de ordem macroeconmica e uma anlise mais desagregada por produtos e blocos de pases. Do ponto de vista macroeconmico, houve um claro impacto daCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 39

evoluo da taxa de cmbio no desempenho do setor, sendo mais forte do que avaliado em trabalho anterior (Gadelha,12 2003). Como h certa defasagem entre a evoluo do cmbio e seu resultado nas importaes e nas exportaes, pode-se inferir que o elevado patamar das importaes at 2001 foi, em parte, decorrente da taxa ter sido excessivamente valorizada at 1999, tornando as importaes do complexo competitivas (ou seja, mais baratas) frente oferta local. Nos anos de 2002 e 2003 o dficit se reduziu acentuadamente atingindo seu menor valor neste ltimo ano, fruto dos efeitos, retardados no tempo, da forte desvalorizao cambial ocorrida em 1999. . Em 2004, as importaes voltaram a crescer em quase 20%, fato possivelmente relacionado nova valorizao cambial associada ao ajuste macroeconmico efetuado com base em elevadas taxas de juros. Esse cenrio se mostrou muito atraente para a entrada de capital, que levou valorizao da taxa de cmbio desde o incio de 2003. Aqui j aparece uma primeira fonte de vulnerabilidade econmica do complexo industrial da sade: sua forte dependncia das condies externas e da poltica macroeconmica. Qualquer movimento na taxa cambial pode levar a uma exploso do gasto em sade ou com as importaes. Sob uma determinada conjuntura, a desvalorizao do cmbio, ao menos num primeiro momento, antes de gerar seus efeitos na reduo das aquisies externas e no aumento das exportaes, pode levar a uma presso nos gastos de sade (encarecimento em reais das importaes) incompatvel com as disponibilidades oramentrias. Sob outra conjuntura macroeconmica, uma valorizao cambial, como a assistida no presente, pode levar a uma exploso das importaes e ao aumento da demanda de divisas externas para fazer frente s necessidades de sade. Em ambas as situaes, o que fica claro que o modelo econmico de ajustamento externo e interno interfere diretamente nas aes de sade, limitando seus graus de liberdade e, portanto, a prpria poltica social vinculada ao acesso e incluso. A relao entre padro de desenvolvimento, poltica industrial e condies de sade fica evidente, mostrando o risco de excessiva dependncia externa para viabilizar a poltica de sade e seus objetivos.40

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Todavia, h tambm questes estruturais que a anlise dos dados permite evidenciar, sendo ainda mais relevantes numa perspectiva de desenvolvimento em longo prazo. A Tabela 2 mostra, em termos da linha de produtos, que a dependncia de importaes se concentra nos produtos de maior intensidade tecnolgica e de conhecimento. Confirmando esta indicao da concentrao da dependncia nos segmentos mais dinmicos, a anlise do destino e origem por blocos econmicos confirma essa hiptese. As exportaes brasileiras em sade se destinam majoritariamente para blocos menos desenvolvidos, sendo que o Mercosul e o "Resto do Mundo" participaram, em 2004, por 61% das vendas externas. Enquanto isso, 73% das importaes foram provenientes dos pases mais desenvolvidos na Unio Europia e do North American Free Trade Agreement (NAFTA - EUA e Canad, sobretudo). H, portanto, uma clara assimetria nas relaes internacionais brasileiras, evidenciando a dependncia de tecnolgica em produtos mais intensos em termos de conhecimento provenientes dos pases mais desenvolvidos. Para estes casos, no h muita sensibilidade das compras externas frente ao preo e taxa de cmbio. Para executar as aes de sade, o Pas acaba tendo que importar produtos de alta tecnologia dos pases mais desenvolvidos a qualquer custo. isso que explica que, aps o salto no dficit comercial no final dos 80, estimado em US$700 milhes com base na literatura existente (Negri & Giovanni, 18 2001), o patamar de importaes do Pas nunca inferior a US$3 bilhes. J nos segmentos e mercados sensveis aos preos e, logo, taxa cambial, a competitividade local se vincula a produtos e processos de menor intensidade de tecnologia, como tambm evidenciaram os dados do IBGE15 (PINTEC, 2003) analisados anteriormente.

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Sade e desenvolvimento Objetivo: Situar a questo da sade no contexto de desenvolvimento industrial, em que pese o campo das indstrias de base biotecnolgica. Nesta unidade, continuaremos lendo o artigo de Carlos Augusto Grabois Gadelha da Fundao Oswaldo Cruz. Novamente, lembre-se de que em seu texto intitulado Desenvolvimento, complexo industrial da sade e poltica industrial o autor situa a questo da sade no contexto do desenvolvimento nacional e da poltica industrial.

Setor industrial e sade Na rea de equipamentos e materiais, que foi uma das que mais reduziu as importaes ao longo do perodo, a dependncia se concentra nos equipamentos eletrnicos, que certamente constituem os bens de maior complexidade e potencial de inovao. H uma indstria importante de fabricao instalada no Pas e que deu boas respostas frente demanda local, mas, no contexto da revoluo microeletrnica e das condies cambiais, sua capacidade competitiva no futuro pode estar claramente ameaada. No campo das tecnologias de base biotecnolgica (hemoderivados, diversos produtos para diagnstico, vacinas e soros e toxinas), todos esto elevando suas importaes, em alguns casos de modo muito acentuado. No caso dos hemoderivados a situao explosiva, com as importaes j atingindo quase US$300 milhes, triplicando no perodo analisado em termos reais. Se no forem implementadas aes urgentes de desenvolvimento e produo industrial, o Pas pode vir a ter srias dificuldades em sua bem sucedida poltica de acesso a estes produtos.

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No caso dos reagentes para diagnstico, a despeito dos dados serem muito agregados, o dficit permanece crnico, tendo havido uma expanso muito acentuada no ltimo ano do perodo. Esta situao reflete a perda de oportunidade para entrar num segmento tecnolgico promissor em termos da capacidade de interao entre o sistema de C&T e a indstria, considerando que o salto tecnolgico entre as atividades laboratoriais e as industriais relativamente menor frente a outros setores. Por fim, na rea de vacinas e de soros e toxinas (Figura 8), h uma clara piora na situao comercial, com um crescimento acentuado nas importaes e no dficit comercial. Em parte, este processo pode ser resultado das estratgias dos principais produtores nacionais (BioManguinhos/Fiocruz e Butantan) de estabelecer acordos de transferncia de tecnologia com as grandes lderes da indstria mundial, mediante compromissos de importao durante o perodo de absoro tecnolgica. Todavia, h o risco, inerente a estes tipos de contrato, da fronteira tecnolgica se deslocar ao trmino do perodo, recolocando a questo da dependncia. Em sntese, a anlise da balana comercial do complexo industrial da sade reflete como o padro nacional de desenvolvimento induz a uma precria especializao da base produtiva e a uma insero internacional fortemente assimtrica, tornando o sistema de sade vulnervel e dependente.

Consideraes finais e perspectivas Os resultados permitiram evidenciar a necessidade de pensar a sade no contexto geral da estratgia de desenvolvimento e da reduo da dependncia do Pas, o que deveria constituir um desdobramento natural da concepo ampla (e no setorial) da sade. O conceito de complexo industrial da sade, nesta perspectiva, se mostra til, ao se relacionar justamente a necessidade de articulao da lgica sanitria com a lgica econmica do desenvolvimento na rea da sade. Seu estudo, com nfase na questo da inovao e do padro de especializao do Pas no contexto mundial, evidenciou a desconsiderao, analtica e normativa, da dinmica econmica setorial. Isso traz como consequncia, umaCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 43

extrema vulnerabilidade poltica nacional de sade, podendo implicar em riscos aos objetivos de universalidade, equidade e integralidade. Como desdobramento poltico, esta anlise coloca a questo da articulao da poltica industrial com a poltica de sade no centro de uma estratgia de desenvolvimento do complexo, tendo como pano de fundo o debate e a perspectiva de um novo modelo de desenvolvimento para o Pas. Esse modelo deve privilegiar, ao mesmo tempo, a dinmica de inovao e desenvolvimento da indstria e a incluso social, retomando a perspectiva estruturalista colocada desde Furtado (1961), numa releitura contempornea. No perodo recente, alguns passos importantes, ainda que insuficientes, foram dados. No campo da poltica industrial, a Poltica Industrial, Tecnolgica e de Comrcio Exterior (PITCE), lanada em novembro de 2004, incorporou segmentos-chave do complexo industrial da sade. A indstria farmacutica, numa percepo ampla, que inclui medicamentos, frmacos, hemoderivados e vacinas, foi selecionada como uma das quatro opes estratgicas relacionadas s reas de elevado dinamismo e intensidade de conhecimentos. Esta poltica j implicou na mobilizao de instrumentos importantes de financiamento (como o Programa de Apoio de Desenvolvimento da Cadeia Produtiva Farmacutica Profarma, do Banco Nacional de Desenvolvimento Econmico e Social) e de outras iniciativas relacionadas aos investimentos pblicos em medicamentos e hemoderivados. Alm disso, uma das outras opes estratgicas so os bens de capital, com uma articulao para priorizao dos equipamentos mdicos no mbito desta poltica, mediante a interveno da recm-criada Agncia Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI). Ademais, algumas medidas genricas para a melhoria no ambiente institucional vm facilitando e flexibilizando a relao de instituies de pesquisa com o setor produtivo privado (Lei n. 10.973 de 2/12/2004 - "Lei da Inovao"). A concesso de incentivos fiscais s empresas, incluindo os investimentos em tecnologia (Lei n. 1.196 de 21/11/2005 - antes conhecida como a "MP do Bem"), tambm atua na direo de se criar um ambiente favorvel inovao e aos investimentos nas indstrias da sade.44

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No campo da poltica de sade, pode-se afirmar que a questo do complexo industrial da sade comea a fazer parte de inmeros documentos de poltica (na forma de "Complexo Produtivo da Sade"). Estabelecem-se diretrizes inclusive no Plano Nacional de Sade vigente, alm de um conjunto de polticas setoriais, como para os medicamentos genricos, estratgicos, excepcionais e para Aids. Alm disso, na prpria estrutura do Ministrio da Sade, foi criada a Secretaria Nacional de Cincia, Tecnologia e Insumos Estratgicos, passando a haver um locus especfico voltado para o desenvolvimento cientfico, tecnolgico e industrial em sade, deixando a questo industrial de ser tratada de forma independente da questo da gerao de conhecimentos. Em sntese, o contexto atual se mostra muito mais favorvel do que foi no passado. No obstante, ainda h muito a avanar em uma ruptura cognitiva e poltica com as vises antagnicas que ainda separam em campos muito estanques as necessidades da sade e as necessidades do Pas no desenvolvimento industrial. A no utilizao, na prtica concreta, do poder de compra associado poltica de sade para o desenvolvimento tecnolgico e industrial constitui um exemplo destacado de que a dicotomia entre as duas lgicas ainda persiste. Nessa direo, a necessidade de superao desta dicotomia mostra-se essencial. Um pas que pretende chegar a uma condio de desenvolvimento e de independncia requer, ao mesmo tempo, indstrias e fortes e inovadoras, e um sistema de sade inclusivo e igualitrio. Este talvez seja um dos mais importantes desafios estratgicos do Sistema de Sade brasileiro.

ATIVIDADES OPTATIVAS: 1. Discuta em que medida o setor de biotecnologia e sade pode contribuir com ganhos em CT&I nos pases em desenvolvimento.

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ERGONOMIA, COMUNICAO E RUDO Objetivo: Situar o papel da ergonomia e a interao homem mquina em termos de comunicao Nas prximas unidades, voc ter acesso ao artigo de Ana Maria de Moraes intitulado A ergonomia e a minimizao do rudo comunicacional no trabalho, A leitura do presente artigo nos oferecer um alicerce terico para a compreenso da articulao entre as diferentes dimenses da interao homem-mquina bem como elementos para podermos situar o papel da ergonomia nesse processo. Destes processos, resultam rudos ergonmicos desconfortos, dores, doenas, incidentes e acidentes - que dificultam o desempenho sensrio-motor e cognitivo do homem - usurio, operador, consumidor, trabalhador e perturbam mais ainda a comunicao entre homens e homens e entre homens e mquinas.

Ergonomia e Comunicao MONTMOLLIN (1970) define a Ergonomia como a "tecnologia das comunicaes nos sistemas homens-mquinas". E acrescenta mais adiante: "as comunicaes entre o homem e a 'mquina' definem o trabalho". A insero das interaes do Sistema Homem-Mquina nas categorias do processo comunicacional demanda a explicitao de alguns conceitos e a anlise de alguns modelos da comunicao. Desde suas origens, a Ergonomia utiliza o modelo de Shannon e Weaver para explicitar as interaes entre os homens e as mquinas. A crtica aos modelos lineares e o estudo dos modelos de convergncia da comunicao permitem integrar os componentes do modelo sistmico bsico da Ergonomia no que existe de mais atual na Teoria da Comunicao. Deste modo, renova-se concomitantemente aCopyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 46

abordagem ergonmica das relaes entre o homem e a mquina nos sistemas homemtarefa-mquina

Sistema de informao e processo de comunicao A Teoria da Informao foi formalizada, nas primeiras dcadas deste sculo, por Claude E. Shannon e Waren Weaver. Na origem, os engenheiros da Bell Telephone elaboraram esta teoria para determinar quais as condies de uma transmisso eficaz de uma dada mensagem entre um emissor e um receptor e explicar as perturbaes possveis. O sistema proposto por esses autores (engenheiros de telecomunicaes) baseia-se principalmente na teoria matemtica da informao. Preocupa-se, sobretudo, com a transmisso de mensagens pelos canais fsicos (telgrafo, rdio etc), atravs de aparelhos eltricos e eletrnicos, com a utilizao eficiente dos meios ou canais disponveis - ou seja, um mximo de informao e um mnimo de rudos. Seu objetivo era medir a quantidade de informao suportvel por um dado canal em dadas circunstncias, prever e corrigir as distores passveis de ocorrer durante a transmisso, calcular o grau de receptividade da mensagem. Apresentava-se, portanto, como uma tcnica da engenharia de comunicaes. Claude E. Shannon e Waren Weaver propuseram uma formulao definitiva desse modelo em sua obra, The Mathematical Theory of Communication (Urbana, University of Illinois Press, 1949). Suas proposies, no entanto, logo se demonstraram utilizveis em outros setores que no aqueles cobertos pelo campo da engenharia. Verificou-se que os fatos da comunicao, em sua generalidade, poderiam ser abordados atravs do instrumental de Shannon e Weaver. Esta passagem, frequentemente foi acompanhada por um certo abandono das bases matemticas.

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Modelagem do processo comunicacional Shannon e Weaver definiram comunicao como "todos os procedimentos pelos quais uma mente afeta uma outra", mas o seu modelo objetivava a engenharia eletrnica, ressaltava a comunicao eletrnica e o equipamento de circulao de informao, e abstraa as pessoas envolvidas no processo. Os elementos essenciais desse modelo, em RABAA e BARBOSA (1987), so os seguintes: 1) Uma fonte de informao seleciona, de um conjunto de mensagens possveis, uma mensagem; 2) O transmissor converte a mensagem em sinais, de acordo com um cdigo predeterminado e os transmite atravs de um canal adequado; 3) O receptor decodifica ou demodula os sinais recebidos para recuperar a mensagem original e transmite a mensagem para o destinatrio; 4) O destinatrio recebe a mensagem e a interpreta.

Trata-se, essencialmente, de um modelo linear, unidirecional, esquerda-direita, da comunicao. Cabe mencionar que a comunicao interpessoal uma preocupao de Weaver: "quando falo com outra pessoa, o meu crebro a fonte de informao; o crebro do outro o destinatrio; meu sistema vocal transmissor, e o seu ouvido o receptor" (Warren Weaver). O conceito de rudo (tudo que interfere na transmisso e dificulta a recepo da mensagem) tambm est presente no modelo de Shannon e Weaver. No entanto, como diz COELHO NETTO (1980), como num passe de mgica esse modelo foi transposto em sua totalidade para o domnio do tratamento da comunicao humana. Aplicou-se o modelo de Shannon e Weaver aos mais diversos contextos: biologia, psicologia, sociologia, lingustica.48

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Os trabalhos referentes teoria da informao deram lugar a mltiplas aplicaes no domnio das cincias humanas, ao mesmo tempo em que se desenvolvia um novo campo cientfico - a ciberntica, cujas caractersticas essenciais foram descritas por Norbert Wiener (1948). Passou-se a falar em quantidade de informao, em limiares de percepo, em capacidade numrica de absoro de mensagens e a manipular a questo da interpretao humana como se fosse uma srie de caixinhas mecnicas, tal como o esquema de Shannon e Weaver evidencia muito bem. Foi Norbert Wiener quem elaborou a noo de feedback ou de retroao que considera a possibilidade de resposta do destinatrio da mensagem. Num sistema ciberntico, o feedback permite a regulao cclica: a modificao de uma das grandezas de sada reage sobre as grandezas de entrada a fim de manter o equilbrio do sistema. a reao do efeito sobre a causa. Ao esquema unidirecional da teoria da informao de Shannon e Weaver acrescentou-se um fluxo inverso que parte do destino para a fonte - tudo o que vai, em contracorrente, do receptor para o emissor constitui um fenmeno de retroao.

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Ergonomia, Comunicao e Rudo Objetivo: Situar o papel da ergonomia e a interao homem mquina em termos de comunicao Nesta unidade, voc continuar lendo o artigo de Ana Maria de Moraes intitulado A ergonomia e a minimizao do rudo comunicacional no trabalho, A leitura do presente artigo, como dissemos, nos oferecer um alicerce terico para a compreenso da articulao entre as diferentes dimenses da interao homem-mquina bem como elementos para podermos situar o papel da ergonomia nesse processo. Destes processos, resultam rudos ergonmicos - desconfortos, dores, doenas, incidentes e acidentes - que dificultam o desempenho sensrio-motor e cognitivo do homem - usurio, operador, consumidor, trabalhador e perturbam mais ainda a comunicao entre homens e homens e entre homens e mquinas. Nesta parte a autora apresenta alguns exemplos de modelos lineares de comunicao.

Alguns exemplos de modelos lineares da comunicao = Lasswell O modelo do cientista poltico Harold LASSWELL (1948), em RABAA e BARBOSA (1987), consiste em "Quem disse o qu, em que canal, para quem, e com que efeito?" A adio do canal como um elemento especfico foi uma resposta ao crescimento de novos meios de comunicao, tais como imprensa, telgrafo e rdio. A incluso de efeitos foi uma quebra importante com os modelos anteriores, que atendiam principalmente a propsitos descritivos. O estudo dos efeitos inicia um novo campo: o enfoque comunicacional da mudana comportamental humana.Copyright 2007, ESAB Escola Superior Aberta do Brasil 50

Lasswell prope um modelo que visa primacialmente orientar o exame dos diversos aspectos da comunicao de massa - o estudo de cada uma dessas questes implica modalidades especficas de anlise do processo comunicacional: 1) Quem (fatores que iniciam e guiam o ato da comunicao) - o estudo desse item implica uma anlise de controle. 2) Diz o qu - implica uma anlise de contedo. 3) Em que canal (meios interpessoais ou de massa) - implica uma anlise dos meios. 4) A quem (pessoas atingidas por esses meios) - implica uma anlise de audincia. 5) Com que efeitos (impacto produzido pela mensagem sobre a audincia) implica anlise do efeito.

Pode-se ainda acrescentar ao modelo original de Lasswell, uma questo referente s causas, aos antecedentes ou intenes da mensagem, e uma outra relativa s condies em que a mensagem foi recebida.

= Berlo ROGERS e KINCAID (1981) observam que, embora o modelo de David K. BERLO (1963) seja essencialmente linear (fonte, mensagem, canal, receptor), o prprio Berlo adverte que " perigoso assumir que um (dentre esses elementos) vem primeiro, outro por ltimo, ou que eles sejam independentes uns dos outros. Isto contradiz o conceito de processo, e comunicao um processo". Berlo afirma: - "O comportamento da fonte no ocorre independentemente do comportamento do receptor ou vice-versa. Em qualquer situao de comunicao, a fonte e o receptor so interdependentes".

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A partir de BERLO (1963), podemos dizer que toda a comunicao humana tem alguma fonte - uma pessoa ou um grupo de pessoas com um objetivo, uma razo para empenhar-se em comunicao. Estabelecida uma origem, com ideias, necessidades, intenes, informaes e um objetivo a comunicar, torna-se necessrio o segundo ingrediente. O objetivo da fonte tem de ser expresso em forma de mensagem. Na comunicao humana, a mensagem existe em forma fsica - a traduo de idias, objetivos e intenes num cdigo, num conjunto sistemtico de smbolos. Segundo ROGERS e KINCAID (1981), anos depois de estabelecer o modelo F (fonte) - M (mensagem) - C (canal) - R (receptor), Berlo aceitou as crticas ao modelo linear: "nossa viso da pesquisa (com o foco sobre os efeitos da comunicao) e nossa viso da comunicao (como um processo) so contraditrias". Berlo afirmou: "Poder-se-a argumentar que o modelo F-M-C-R no se pretendia um modelo de comunicao, que no considerava nenhum dos testes de modelagem terica, e que se desenvolveu como uma ajuda udio-visual para facilitar a memorizao de relaes da comunicao". Berlo acusa a "fertilidade limitada da tradio de pesquisa" na qual ele foi treinado (principalmente o enfoque psicolgico da pesquisa experimental baseada na pesquisa unidirecional). Berlo acusa ainda que os modelos lineares do processo "faz-isto-para-os-outros", como a persuaso, so apropriados para a maioria das comunicaes humanas, embora no o sejam para as comunicaes mais importantes: "Eu no reconheo assunes subjacentes ao determinismo causal linear que possam considerar a maior proporo dos eventos da comunicao. Berlo conclui que o interesse na comunicao est mudando, principalmente da persuaso direcional, onde modelos lineares foram mais satisfatrios, para "comunicaocomo-troca".

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Crtica dos modelos lineares