módulo 4 - aspectos relacionados ao suas (1)

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Aspectos Relacionados ao SUAS Moreira, Fernanda Picinin; Carvalho, Mariana Fonseca Apresentação: Neste módulo iremos estudar alguns aspectos relacionados ao SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Pretendemos percorrer pela trajetória histórica das políticas públicas no Brasil até a implantação do Sistema Único de Assistência Social, discutindo as práticas da psicologia neste campo. Também pretendemos problematizar os sentidos produzidos em relação à vulnerabilidade, e por fim, conversarmos sobre as práticas, dentro da rede sócio- assistencial e o papel da psicologia neste contexto. 4.1 - A constituição da assistência social como política pública Quando falamos em políticas públicas de assistência social, é importante que resgatemos alguns conceitos importantes nesta trajetória. Primeiramente, falaremos de direitos. Este conceito começa a surgir na transição entre o sistema feudal e emergência do Estado-nação, quando o Estado está voltado para o fortalecimento da ordem burguesa, cujo princípio é o da acumulação, e o fundamento é a propriedade privada dos meios de produção. Neste

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Neste módulo iremos estudar alguns aspectos relacionados ao SUAS (Sistema Único de Assistência Social). Pretendemos percorrer pela trajetória histórica das políticas públicas no Brasil até a implantação do Sistema Único de Assistência Social, discutindo as práticas da psicologia neste campo. Também pretendemos problematizar os sentidos produzidos em relação à vulnerabilidade, e por fim, conversarmos sobre as práticas, dentro da rede sócio-assistencial e o papel da psicologia neste contexto.

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Aspectos Relacionados ao SUASMoreira, Fernanda Picinin; Carvalho, Mariana FonsecaApresentao:

Neste mdulo iremos estudar alguns aspectos relacionados ao SUAS (Sistema nico de Assistncia Social). Pretendemos percorrer pela trajetria histrica das polticas pblicas no Brasil at a implantao do Sistema nico de Assistncia Social, discutindo as prticas da psicologia neste campo. Tambm pretendemos problematizar os sentidos produzidos em relao vulnerabilidade, e por fim, conversarmos sobre as prticas, dentro da rede scio-assistencial e o papel da psicologia neste contexto.4.1 - A constituio da assistncia social como poltica pblicaQuando falamos em polticas pblicas de assistncia social, importante que resgatemos alguns conceitos importantes nesta trajetria. Primeiramente, falaremos de direitos.

Este conceito comea a surgir na transio entre o sistema feudal e emergncia do Estado-nao, quando o Estado est voltado para o fortalecimento da ordem burguesa, cujo princpio o da acumulao, e o fundamento a propriedade privada dos meios de produo. Neste contexto, era preciso liberdade de ir e vir para vender a fora de trabalho e para ter garantia da propriedade privada. A luta pelos direitos tem alguns marcos histricos:- A Revoluo Industrial (1769)- A Revoluo Americana (1776)

- A Revoluo Francesa (1789)

De acordo com Pereira (2006, citado por Cruz e Guareschi, 2009), o sculo XVIII era conhecido como a era dos direitos civis, que se referem liberdade e igualdade perante a lei, necessrios ordem burguesa. somente no sculo XIX que se comea a falar em direitos polticos, que se referem participao no exerccio do poder a partir do voto. Neste momento, os trabalhadores passam a exigir o direito de organizao em sindicatos e de participar da vida poltica.

Foi no sculo XX que, a partir das lutas da classe trabalhadora, nasceram os direitos sociais, que se referem ao atendimento das necessidades humanas bsicas, como alimentao, habitao, assistncia, sade e educao. Desta forma, os direitos sociais, civis e polticos constituem as trs dimenses da cidadania.

CIDADANIA

As ideias liberais de um estado mnimo prevaleciam at o final do sculo XIX e incio do sculo XX, assim era somente assegurado a ordem e a propriedade, e o mercado era o regulador natural das relaes sociais. Conforme o indivduo se inseria no mercado, ele ocupava uma posio na sociedade e nas relaes sociais. A excluso das pessoas, tanto da prpria produo, quanto ao usufruto de bens e servios necessrios sua prpria produo era a expresso da questo social, decorrente do processo produtivo (Cunha & Cunha, 2002, citado por Cruz e Guareschi, 2009).

A crise do capitalismo em 1929 fez eclodir as manifestaes e reivindicaes dos trabalhadores por melhores condies de vida e de trabalho. A crise econmica vivenciada intensificou a questo social, gerando novas relaes entre capital e trabalho e entre estes e o Estado. Neste contexto, o papel do Estado comeou a ser resgatado como mediador civilizador, ou seja, com poderes polticos de interferncia nas relaes sociais. As elites econmicas passaram a admitir os limites do mercado como regulador natural (Cunha & Cunha, 2002, citado por Cruz e Guareschi, 2009).Nesta poca, a Europa estava vivenciando um momento de ps-guerra, facilitando a consolidao da proposta de Estado Bem-Estar Social ou Welfare State.

O Estado, assim, assume a responsabilidade pela formulao e execuo das polticas econmicas e sociais. As polticas pblicas emergem como resposta do Estado s demandas da sociedade.

O termo pblico, associado poltica, no uma referncia exclusiva ao Estado, mas sim coisa pblica, ou seja, de todos, com o amparo de uma mesma lei, porm vinculadas a uma comunidade de interesses. Embora as polticas pblicas sejam reguladas e frequentemente providas pelo Estado, elas tambm englobam preferncias, escolhas, decises privadas, podendo (e devendo) ser controladas pelos cidados (Cruz e Guareschi, 2009, p.16).

Na dcada de 1970 eclodiu uma nova crise econmica em decorrncia do esgotamento dos mercados europeu e japons. A partir deste perodo, houve um avano da ideologia neoliberal, resultado de um processo de reestruturao produtiva, um reordenamento societrio global e a mundializao do capital financeiro. Dessa forma, a ateno do Estado volta-se para a transferncia de recursos para os interesses do capital, o que anteriormente era voltado para as polticas sociais.

A partir deste momento o Estado foi se ausentando da garantia dos direitos mnimos sociais necessrios sobrevivncia humana, cortando benefcios, focalizando as polticas sociais, atendendo aos mais pobres entre os pobres, a fim de tentar responder questo social que foi se agravando ao longo do tempo por diversos fatores como: desemprego estrutural, precarizao das relaes de trabalho, o aprofundamento das desigualdades sociais, entre outros (Cruz e Guareschi, 2009).4.1.1 Trajetria dos Direitos Sociais no BrasilNo Brasil, o surgimento das polticas sociais foi um pouco diferente e tardia em relao a outros pases. No se pode falar de um Estado de Bem-Estar no Brasil, que ingressa tardiamente no mundo industrial, visto ser um pas capitalista perifrico. a partir da dcada de 30, sculo XX, que o Estado passa a intervir nas relaes entre capital e trabalho. At esse momento, a assistncia social no tinha uma concepo poltica e era realizada a partir de iniciativas pontuais, reguladas pela filantropia, primeiramente pela igreja catlica e depois pelo Estado (Cruz e Guareschi, 2009).Em 1824, foi promulgada a primeira Constituio Brasileira, assegurando a todos os cidados livres, a partir dos 25 anos de idade, do sexo masculino, o direito ao voto. No entanto, nenhuma garantia significativa no que diz respeito aos direitos sociais foi introduzida. Mais tarde, na Constituio de 1891, so garantidos os direitos de votar e ser eleito aos maiores de 21 anos, vedando esses direitos aos mendigos, analfabetos, praas e religiosos. Em relao aos direitos sociais, dispe para o exerccio de qualquer profisso moral, intelectual e industrial, traduzindo o momento histrico, poltico, social e econmico do pas (Couto, 2006, citado por Cruz e Guareschi, 2009).J na Constituio de 1934 so introduzidos direitos trabalhistas para regular as relaes entre capital e trabalho. Nesse processo, surge a Consolidao das Leis Trabalhistas (CLT), a garantia do direito educao primria integral e gratuita, o amparo aos desvalidos e maternidade e infncia, com destaque para o atendimento s famlias numerosas.

Em 1937, promulgada uma nova Constituio, com novos direitos introduzidos na rea da educao, priorizando as classes sociais menos favorecidas. O objetivo da nova Constituio era dar sustentao ao Estado Novo, caracterizado pela ditadura militar e a participao do Brasil na Segunda Guerra Mundial (Couto, 2006, citado por Cruz e Guareschi, 2009).

Em 1942, criada a Legio Brasileira da Assistncia (LBA), rgo responsvel por coordenar as aes da assistncia em mbito nacional. Seu objetivo, inicialmente, foi prestar assistncia aos soldados brasileiros recrutados para a guerra e seus familiares. Posteriormente, passou a coordenar as creches comunitrias e os repasses de recursos financeiros s entidades assistenciais. Era coordenada, no seu surgimento, pela primeira dama Darcy Vargas, mulher de Getlio Vargas, institucionalizando o primeiro-damismo. Nessa poca tambm surgiram as primeiras Faculdades de Servio Social, visando a profissionalizao de mulheres para a assistncia social (Cruz e Guareschi, 2009).Segundo Cruz e Guareschi (2009), uma caracterstica da LBA era a adaptao da coordenao ao iderio poltico-partidrio de quem assumisse o governo federal, com centralizao administrativa e sem controle social.Em 1946, com a nova Constituio, os direitos sociais j conquistados foram mantidos e foram introduzidos novos direitos, destacando-se: previdncia com contribuio dos trabalhadores, dos empregadores e da Unio; direito ao descanso gestante, antes e depois do parto; igualdade do valor dos salrios para um mesmo trabalho independente do sexo, estado civil e nacionalidade.

Foi aprovada tambm a Lei Orgnica da Previdncia Social, unificando a Previdncia em termos de benefcios, garantindo o acesso universal a todos os trabalhadores urbanos do mercado formal. Em 1966, com a criao do Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS), ocorreu a centralizao administrativa. Antes cada categoria poderia ter seu plano de aposentadoria e penso (Couto, 2006, citado por Cruz e Guareschi, 2009).Em 1967 e 1969, ainda no Regime Militar, foram promulgadas ainda duas Constituies, com o cerceamento dos direitos polticos e preservao das conquistas sociais. Neste contexto, destacam-se a criao do Sistema Fundao Nacional/Estaduais do Bem-Estar do Menor.

4.1.2- Assistncia Social como Poltica Pblica

No perodo entre 1975 e 1985, o pas passou por grandes movimentos sociais importantes que tiveram consequncias no arranjo poltico social do Brasil. Como exemplos, os trabalhos das Comunidades Eclesiais de Base, da Igreja Catlica, e o movimento poltica de base nos bairros, possibilitando articulaes polticas no meio sindical. Tambm ganharam foras as prticas de enfrentamento ao Regime Militar, que j vinha perdendo sua legitimidade na sociedade devido crise econmica com incio em 1973. Outros movimentos de carter nacional, tais como o movimento pela redemocratizao do pas, movimento estudantil e docente, o feminismo, as lutas pela anistia, as reivindicaes de profissionais da sade e de setores pblicos, a atuao da Comisso Pastoral da Terra, dentre outros. Este novo cenrio de aes coletivas criou espaos para uma maior participao da sociedade civil nas decises, culminando tambm na criao de redes, conselhos e fruns de carter propositivo (Cruz e Guareschi, 2009).

Novos paradigmas sociopolticos entraram em cena, com o surgimento da Nova Repblica, entre os anos de 1985 e1990, levando o pas a um processo de redemocratizao que culminou instalao da Assembleia Nacional Constituinte e possibilidade e ao estabelecimento de uma nova ordem social (Cruz e Guareschi, 2009).

No entanto, importante destacar que este novo contexto estava repleto de contradies no campo da poltica social pblica, onde por um lado h a conquista de avanos sociais, com a Constituio de 1988 e com a garantia de Seguridade Social e do trip que a compe Previdncia Social, Sade e Assistncia Social, e suas respectivas leis, e por outro um pr-conceito sobre a compreenso de acesso a polticas pblicas e o papel do Estado e da sociedade na garantia deste acesso (Couto, 2009).

neste contexto, depois de anos de lutas, que aprovada a Lei Orgnica da Assistncia Social (Lei 8.742) LOAS, em 1993.A partir da LOAS, a proteo social se coloca como um mecanismo contra as formas de excluso social que decorrem de certas vicissitudes da vida, tais como a velhice, a doena, a adversidade, as privaes. Inclui neste conceito, tambm, tanto as formas seletivas de distribuio e redistribuio de bens materiais (como comida e dinheiro), quanto aos bens culturais (como os saberes) que permitiro a sobrevivncia e a integrao sob vrias formas na vida social. A assistncia social configura-se como possibilidade de reconhecimento pblico da legitimidade das demandas de seus usurios e espao de ampliao para seu protagonismo. Nesse sentido, marca a sua especificidade no campo das polticas sociais, exigindo que as provises assistenciais sejam prioritariamente pensadas no mbito das garantias de cidadania sob vigilncia do Estado, cabendo a este a universalizao da cobertura e a garantia de direitos e acesso para servios, programas e projetos sob sua responsabilidade (Cruz e Guareschi, 2009).

Em 2004, aprovado pelo Conselho Nacional de Assistncia Social (CNAS) o Plano Nacional de Assistncia Social (PNAS), a partir das deliberaes da IV Conferncia Nacional de Assistncia Social. O PNAS tem como eixos estruturantes para sua operacionalizao: concepo, territorialidade, financiamento, controle social, monitoramento e avaliao de recursos humanos. Em 2005, foi aprovada a regulao do Sistema nico de Assistncia Social (SUAS), que tem como diretrizes a descentralizao poltico-administrativa, o atendimento a quem dele necessitar, independente de contribuio seguridade social e a participao da comunidade. Sua proposta materializar aes e diretrizes da LOAS, em nvel nacional (Cruz e Guareschi, 2009).

O SUAS estabelece duas formas de proteo social, a Proteo Social Bsica e a Proteo Social Especial, a primeira est voltada para aes de vigilncia social, prevenindo situaes de risco social, possibilitando a insero dos sujeitos na rede de atendimento, com foco no fortalecimento dos laos afetivos e familiares. Os servios devem ser referenciados no CRAS Centro de Referencia da Assistncia Social, que objetiva a preveno de situaes de risco e a promoo social, permitindo que estes sujeitos sejam escutados, apoiados psicossocialmente e encaminhados para a rede de assistncia social. J a Proteo Social Especial, est relacionada ateno a indivduos que j se encontram em situao de alta vulnerabilidade pessoal e social, a partir de intervenes em situaes de risco com ou sem rompimento de vnculos familiares, a fim de potencializar as possibilidades de reinsero social.

4.1.3 A prtica da Psicologia no SUAS

O profissional de psicologia faz parte da equipe mnima dos Centros de Referncia da Assistncia Social CRAS e nos Centros Especializados de Assistncia Social CREAS, portanto relevante refletirmos sobre quais as prticas de psicologia neste contexto. De acordo com o Conselho Regional de Psicologia, importante que se faa psicologia dentro de um campo transdisciplinar, onde o objetivo o empoderamento das famlias. Definimos transdisciplinaridade como trabalho coletivo que compartilha estruturas conceituais, construindo juntos, teorias, conceitos e abordagens para tratar problemas comuns. Deste modo, no h limites precisos nas identidades disciplinares.No campo transdisciplinar une-se vrios tipos de saberes, desde saberes acadmicos, at saberes populares. Esta prtica tem uma nova proposta, onde no h divises, especialidades, subvertendo as relaes de poder e convocando para um novo olhar construdo pelo grupo (Benevides de Barros e Passos, 2000).

Alguns autores apontam para a necessidade de alteraes da prtica profissional, junto adeso proposta da assistncia social. O CFP/CREPOP coloca sobre a importncia de os profissionais se comprometerem com os princpios da assistncia social e com seu cdigo de tica, adequando a psicologia e a psicologia social a assistncia social, a partir dos seus recursos tericos-metodolgicos. fundamental que estes novos conhecimentos comecem a ser produzidos na formao do profissional (Afonso, 2008, citado por Romagnoli, 2012).Este contexto exige que o profissional consiga trabalhar refletindo de forma transdisciplinar, compartilhando reflexes com os outros profissionais da equipe e com os usurios, possibilitando a criao de sadas coletivas e inventivas (Romagnoli, 2012).Alm de manter uma postura tico-poltica, os profissionais tambm precisam conhecer a realidade das famlias brasileiras e seus arranjos atuais, dentro de um contexto histrico e social, evitando julgar os usurios do SUAS.

4.2 Polticas Pblicas e modos de viver: A Produo de sentidos sobre vulnerabilidade social

Ao falarmos de vulnerabilidade, precisamos desconstruir os sentidos cristalizados que nos levam a pensar em condies de carncia e impossibilidades de vida. A noo de vulnerabilidade, muitas vezes aparece carregada de significados, que podem vir a contribuir para um olhar homogneo, mantendo a populao em um lugar de risco, ou podem criar possibilidades de empoderamento dos sujeitos na construo de potncia de vida. A vulnerabilidade social no se define pelo ndice de pobreza, sobretudo se faz necessrio analisar se a populao est efetivamente includa nos servios e polticas pblicas (Torossian e Rivero, 2009).

De acordo com Castro e Abramovay (2002, citadas por Torossian e Rivero, 2009), ao falarmos de vulnerabilidade devemos considerar que o aspecto socioeconmico est associado ao processo de excluso em relao ao acesso de servios e polticas pblicas. No entanto, para Traverso-Yepez e Pinheiro (2002, citadas por Torossian e Rivero, 2009) deve-se ter um olhar dinmico sobre este conceito, no o relacionando apenas s condies materiais, mas analisando tambm as formas subjetivas dos sujeitos e dos grupos para lidarem com o que oferecido pela sociedade.

Neste contexto, podemos pensar, segundo Adorno (2001, citado por Torossian e Rivero, 2009), que vulnerabilidade se relaciona com excluso econmica, mas tambm social, visto que um indivduo pode se tornar vulnervel, quando ocorre a quebra de seus vnculos sociais em diferentes contextos.

Neste sentido, alguns autores apontam para a necessidade de estarmos atentos para o lugar em que colocamos este sujeito, que por vezes visto como carente, em uma viso mais paternalista, deixando de ser considerado como um sujeito de direitos.

No Brasil, a recente implantao da Poltica Nacional de Assistncia Social (PNAS) apresenta-se como uma possibilidade de desvincularmos a assistncia social ao assistencialismo, como no primeiro-damismo, passando a enxergar as potencialidades dos sujeitos, grupos e comunidades e os movimentos de vida produzidos. A proposta que possamos refletir sobre questes objetivas deste contexto, como os ndices socioeconmicos e os reflexos sociais, o acesso da populao rede de servios, bem como a organizao da prpria rede, mas tambm as questes qualitativas emergentes dessa nova organizao.Quando o usurio chega ao servio, ele se apresenta com necessidades reais, concretas, mas traz consigo tambm necessidades que so subjetivas. Por exemplo, em um trauma existe a dor do ferimento que real, mas tambm existe a representao dessa dor, que faz surgir o sofrimento relacionado a esse ferimento, e para tanto exige um trabalho para o processo de cicatrizao. Podemos fazer esta reflexo tambm nos servios de assistncia social e como os atores destes servios vo agir neste contexto. Quando o indivduo se apresenta em condies de vulnerabilidade, existem possibilidades de aes que so concretas, como a insero deste indivduo na rede socioassistencial, mas no podemos deixar de lado o suporte para que este indivduo possa estar efetivamente inserido neste contexto, na tentativa de no manter a vulnerabilidade deste sujeito.

Qual seria o lugar da psicologia em relao ao tema da vulnerabilidade social? Para responder esta pergunta devemos refletir sobre a possibilidade de ressignificao do fazer da psicologia, desconstruindo conceitos estveis e significaes cristalizadas. No como uma destruio destes conceitos, mas como uma reflexo que permita o surgimento do novo. A proposta problematizar e desnaturalizar o bvio para que possamos escutar.

4.3 Andanas pelo social: problematizando a rede

At agora procuramos contextualizar historicamente a construo dos direitos sociais e de polticas pblicas na rea da assistncia social e o papel da psicologia neste contexto. Com o texto abaixo a proposta que possamos ilustrar nossas discusses e problematizar as questes at agora trabalhadas.

A partir de agora iremos conhecer a histria de que as autoras do texto chamam de Seu Joo Machado. (...) h 12 anos em Porto Alegre, veio do Buti para capital em busca de melhores condies. Os herdeiros do patro venderam as terras para os homens do papel e ele no teve mais trabalho nem onde morar. Era caseiro das terras, limpava o mato (desmatava reas de capo na mata virgem) e cortava toras a machado, para postes ou lenha, habilidade para qual era reconhecido na regio. Tinha uma horta de subsistncia e um pomar que tambm lhe gerava renda por comercializao local.

No possua nenhum documento que lhe assegurasse direitos trabalhistas. Nunca precisou, pois o acerto com o patro era na palavra, que para os dois era questo de honra. O patro no deixou testamento, foi morte sbita. Na cidade grande no encontrou trabalho. No se acertou com o cimento utilizado em obras, nem com o ritmo dos descarregadores de caminho, descobrindo um severo problema na coluna. No pode mais sustentar a famlia e passou ao uso da cachaa diariamente. O pedido de atendimento para a assistente social foi, para ele, inicialmente, uma humilhao. Fazer carteira de identidade para qu? Se ele estava ali dizendo quem era? Foi preciso espao de trabalho para a narrativa de suas origens, resgate de referncias de filiao, a tradio do Machado Portugus, que levanta o olhar e a cabea para desbravar um novo territrio. Desta vez, o territrio a desbravar era o da leitura e escrita no MOVA (Movimento de Alfabetizao), para transitar pelo mundo das letras dos documentos. Hoje, Machado est trabalhando em compostagem, com carteira assinada, decidiu no se aposentar da vida.

A imagem de ajuda assistencialista, comumente evocada, situa a posio de um que tem condies, ajudando outro que no tem condies. Essa imagem est associada boa ao e a caridade, e implica, de forma subjacente, uma conformidade do humilde que deve agradecer a doao. Tais concepes, mesmo que geralmente veladas, refletem uma naturalizao da estrutura social de diferenas de classes e fixidez de lugares, sem nenhum questionamento sobre seu funcionamento, acesso a bens e servios, distribuio de renda ou valorizao do trabalho.

Como o caso de Machado nos demonstra, a funo, tanto do assistente social quanto da assistncia social, vai muito alm da reduo, no imaginrio social, concesso de benefcios como cesta bsica, vale-transporte, vale foto, iseno de taxas de confeco de documentos, encaminhamentos para vagas de emprego, ou aquisio de rteses e prteses. Tambm no se confunde com a assistncia sade, ou como um assessrio desta, que a histria de aes sociais de carter higienista, no controle das epidemias tende a evocar. Por muitos anos, a organizao da administrao pblica manteve ligadas essas duas polticas pblicas (a assistncia e a sade), inclusive sediadas na mesma secretaria.

Poderamos fazer uma comparao grosseira associando a sade ao mdico e este a um medicamento. Como se tratar da sade se resumisse a ir consultar o mdico, receber uma receita e usar um frmaco. Um reducionismo da atuao de um profissional a uma tcnica, um dos procedimentos, e um dos instrumentos utilizados quando uma alterao orgnica j est instalada. Sabe-se que algumas medicaes so indicadas para alvio dos sintomas, mas no resolvem as causas do padecimento. De forma semelhante, a concesso de benefcios, na Assistncia Social, paliativa, ainda que muitas vezes necessria.

(...)

O trabalho na assistncia social, muito alm da utilizao de instrumentais de suporte como a documentao legal, o suprimento nutricional, a viabilizao de deslocamento ou uma garantia de renda mnima sobrevivncia, objetiva o reconhecimento da pessoa como indivduo inserido num contexto social. Isso implica consider-lo nas suas dimenses de respeito privacidade e a participao da vida pblica, integrante de comunidades pela sua identidade e diferenas, a partir de sua histria e seus direitos e deveres de cidadania.

O quanto esse indivduo pode ser ainda considerado como sujeito algo que se mantm fortemente em questo. A histria do Seu Machado, citada anteriormente, nos auxilia a elucidar esse ponto no qual a possibilidade de reconhecer um sujeito vai alm da legitimao de um indivduo de direitos. Implica dar lugar a uma via singular quele que, assujeitado sua histria e contexto social, busca encontrar uma via de reconhecimento e expresso de uma palavra prpria (...).

Trecho do texto Psicanlise e Assistncia Social, de Maria de Lourdes Duque-Estrada Scarparo e Maria Cristina Poli.

Referncias Bibliogrficas:

BRASIL/MDS (2005). Poltica Nacional de Assistncia Social e NOB/Suas. Braslia, jul.

COUTO, B.R. (2006). A Assistncia Social como poltica pblica: do sistema descentralizado a participativo ao Sistema nico de Assistncia Social Suas. In: MENDES, J.M.; PRATES, J.M.; AGUINSKY, B. (orgs.). Capacitao sobre Pnas e Suas: no caminho da implantao. Porto Alegre: Edipucrs.

COUTO, B.R. (2009). O Sistema nico da Assistncia Social Suas: na consolidao da Assistncia Social enquanto poltica pblica. In: Polticas Pblicas e Assistncia Social: Dilogos com prticas psicolgicas. Petrpolis, RJ: Vozes.

CRUZ, L. R.; GUARESCHI, N.M.F. (2009). A constituio da assistncia social como poltica pblica: interrogaes psicologia. In: Polticas Pblicas e Assistncia Social: Dilogos com prticas psicolgicas. Petrpolis, RJ: Vozes.

ROMAGNOLI, R.C. (2012). O SUAS e a formao em psicologia: territrio em anlise. Ecos, vol.1, n.2.

SCARPARO, M.L.D.; POLI, M.C. (2009). Psicanlise e Assistncia Social. In: Polticas Pblicas e Assistncia Social: Dilogos com prticas psicolgicas. Petrpolis, RJ: Vozes.

TOROSSIAN, S.D.; RIVERO, N.E. (2009). Polticas Pblicas e modos de viver: A produo de sentidos sobre a vulnerabilidade. In: Polticas Pblicas e Assistncia Social: Dilogos com prticas psicolgicas. Petrpolis, RJ: Vozes.

VERONESE, J.R.P. (1999). Os direitos da criana e do adolescente. So Paulo: LTR.

Direitos Civis

Direitos Polticos

Direitos Sociais

Princpios do Estado de Bem-Estar Social:

Todo o indivduo tem direito educao, assistncia mdica gratuita, auxlio no desemprego, garantia de uma renda mnima e recursos adicionais para a criao dos filhos (Cruz e Guareschi, 2009, p.15).

Poltica Pblica um conjunto de aes, formando uma rede complexa, endereada sobre precisas questes de relevncia social. So aes enfim, que objetivam a promoo da cidadania (p.193).

VERONESE, J.R.P. (1999). Os direitos da criana e do adolescente. So Paulo: LTR.

Polticas Sociais na Ideologia Neoliberal ( As polticas sociais so transferidas para a caridade da sociedade e para a ao focalizada do Estado; a questo da garantia de direitos volta a ser pensada na rbita dos civis e polticos (Couto 2006).

Em 1938, foi criado o Conselho Nacional de Servio Social (CNSS), primeira regulamentao da assistncia social no pas. Cabia ao mesmo desenvolver estudos sobre os problemas sociais, coordenar obras sociais e estudar as concesses das subvenes.

Saiba mais: site do Conselho Nacional de Assistncia Social HYPERLINK "http://www.mds.gov.br/cnas" http://www.mds.gov.br/cnas

Relembrando algumas datas importantes:

- 1822: Independncia do Brasil

- 1824: Promulgao da 1 Constituio Brasileira

- 1888: Abolio da Escravatura

- 1889: Proclamao da Repblica

- 1891: Promulgao da 2 Constituio Brasileira

- 1934: Promulgao da 3 Constituio Brasileira

-1937: Criao do Estado Novo e promulgao da nova Constituio Brasileira

- 1938: Criao do Conselho Nacional de Assistncia Social

- 1942: Criao da Legio Brasileira de Assistncia (LBA)

- 1946: Criao de uma nova Constituio Brasileira

- Ano: Aprovao da Lei Orgnica da Previdncia Social

- 1966: Criao do Instituto Nacional de Previdncia Social (INPS)

-1967 e 1969: Promulgao de duas novas Constituies Brasileiras

- 1988: Promulgao da atual Constituio Brasileira

Saiba mais:

Veja nosso Anexo com a Lei Orgnica de Assistncia Social

Veja mais sobre o SUAS no site HYPERLINK "http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/suas" http://www.mds.gov.br/assistenciasocial/suas

Saiba mais:

Visite o site do Conselho Federal de Psicologia - CFP HYPERLINK "http://www.pol.org.br" www.pol.org.br

Viste tambm o site do Centro de Referncia tcnica em psicologia e polticas pblicas CREPOP HYPERLINK "http://crepop.pol.org.br/novo/" http://crepop.pol.org.br/novo/

Dica de filme: Lixo Extraordinrio