modos de aquisição da propriedade móvel

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................... ......................................................3 2 MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL .........................................5 2.1 Da Ocupação ..................................................... ...................................................5 2.2 Do Achado do Tesouro ...................................................... ...................................7 2.3 Da Especificação ................................................ ..................................................8 2.4 Da Comistão, da Confusão e da Adjunção ..................................................... ....11 2.4.1 Quanto à aplicação das regras ....................................................... ..............12 2.5 Da Usucapião .................................................... .................................................13

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Trabalho acerca dos Modos de Aquisição da Propriedade Móvel previstos no Código Civil de 2002.

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Page 1: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO .........................................................................................................3

2 MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL .........................................5

2.1 Da Ocupação ........................................................................................................5

2.2 Do Achado do Tesouro .........................................................................................7

2.3 Da Especificação ..................................................................................................8

2.4 Da Comistão, da Confusão e da Adjunção .........................................................11

2.4.1 Quanto à aplicação das regras .....................................................................12

2.5 Da Usucapião .....................................................................................................13

2.5.1 Considerações Iniciais ..................................................................................13

2.5.2 Comparativo entre os Códigos Civis de 1916 e 2002 ...................................14

2.5.3 Espécies de Usucapião de Bens Móveis ......................................................16

2.5.4 Ponderações acerca da Ação de Usucapião de Bens Móveis ......................18

2.5.5 Exemplos de Usucapião deBens Móveis ......................................................19

2.6 Da Tradição .........................................................................................................21

3 ANÁLISES JURISPRUDENCIAIS .........................................................................26

4 CONCLUSÃO ........................................................................................................36

REFERÊNCIAS .........................................................................................................37

Page 2: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

3

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é apresentar os meios de aquisição da propriedade móvel.

Sabemos que a magna carta de 1988 traz a proteção ao direito de propriedade no

artigo 5º inciso, XXII. Mas o que seria propriedade? O código civil de 2002 não traz

uma definição de propriedade, e sim os poderes que o proprietário tem sobre a

coisa, no artigo 1228, que diz; "O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e

dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a

possua ou detenha."

Desta forma não há uma norma que defina propriedade, assim a doutrina utiliza dos

poderes que o proprietário vai exercer sobre determinada coisa para classificar ou

conceituar a propriedade.

Com relação aos bens móveis, o código civil 2002, no artigo 82, os define: "São

móveis os bens suscetíveis de movimento próprio, ou de remoção por força alheia,

sem alteração da substancia ou da destinação econômica-social." Mas, contudo,

sabemos que a maior importância é conferida aos bens imóveis, não apenas pela

sua relevância econômica, mas também, por este ramo, segundo Silvio S. Venosa,

no campo jurídico ser a regra. Quando se fala em bens móveis e sua relevância para

ordenamento, Venosa diz que “a este está reservado o importante papel de

circulação das riquezas; a dinâmica da sociedade.” (VENOSA, 2013)

Com a globalização e a aceleração da industrialização na sociedade, tornou-se cada

vez maior a relação de consumo do individuo e, com isso, surge o questionamento a

respeito dos bens móveis e sua importância para a subsistência do ser humano.

Assim, a cada dia se torna notória a sua importância para o direito brasileiro.

Page 3: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

4

No código civil de 1916 essa matéria era denominada “Da aquisição e perda da

propriedade móvel”, tendo como justificativa a aquisição do domínio sobre a coisa

caracterizada pela perda deste domínio por parte de outrem. Este código

disciplinava como modalidades de aquisição dos móveis a ocupação, a

especificação, a comistão, a confusão, a adjunção, a usucapião e a tradição. Com o

advento do código civil de 2002 é que surgiu a aquisição da propriedade móvel

sendo regulada a partir do artigo 1260, que poderá ser adquirida por seis modos,

sendo estes: a ocupação, o achado do tesouro, a especificação, a comistão

juntamente com a confusão e adjunção, a usucapião e a tradição. Que serão temas

abordados a seguir.

Page 4: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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2 MODOS DE AQUISIÇÃO DA PROPRIEDADE MÓVEL

2.1 Da Ocupação

“Achado não é roubado”

Ditado Popular

Alega o brocardo popular supramencionado que as coisas achadas não são

roubadas e que, portanto, podem ser apropriadas por terceiros, veremos

posteriormente que nem tudo que é achado pode ser apropriado, pois o animus de

quem possui a propriedade deve ser levado em consideração. Com o intuito de

melhor compreender o universo desse instituto trazemos aqui a previsão penal para

esse instituto, que se encontra no art. 169 do CPB, ipsis litteris:

Art. 169. Apropriar-se alguém de coisa alheia vinda ao seu poder por erro, caso fortuito ou força da natureza: [...]

Parágrafo único - Na mesma pena incorre: [...]

II - quem acha coisa alheia perdida e dela se apropria, total ou parcialmente, deixando de restituí-la ao dono ou legítimo possuidor ou de entregá-la à autoridade competente, dentro no prazo de 15 (quinze) dias.

Nesse modus operandi, percebe-se nitidamente que o ditado popular vai de

encontro com o ordenamento jurídico pátrio, vez que, nem tudo que é achado pode

ser apropriado; grande exemplo disso é a coisa perdida, em que o proprietário

possui o animus com o objeto, mas, por questões alhures, está provisoriamente

afastado do corpus deste.

Page 5: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

6

Essa ocupação ocorre de duas formas, quais sejam, por meio da apropriação das

coisas sem dono (res nullius) e as abandonadas por seus donos (res derelictae).

Observa-se que nenhum dos dois modos possui a figura central do animus

caracterizada, já que a primeira nunca possuiu dono para se falar em sentimento de

continuidade e, na segunda figura, seu proprietário renunciou ao direito de a possuir.

A aquisição das coisas sem dono (res nullius) está esculpida no art. 1.263 do Código

Civil, que aduz: “Quem se assenhorar de coisa sem dono para logo lhe adquirir a

propriedade, não sendo essa ocupação defesa por lei”. Dessa forma, coisas que não

possuem dono e que são passíveis de possuir dono podem ter sua propriedade

adquirida, tais como: pedras, flores silvestres, conchas do mar, entre outros.

Há que se ponderar que existem coisas sem dono que não são passíveis de

aquisição de propriedade, já que fazem parte da coletividade, por exemplo: o mar, o

ar e os animais silvestres (dispostos na lei 9.605/98).

No que concerne à aquisição das coisas abandonadas por seus donos (res

derelictae), o elemento intencional de abandono deve estar presente, já que o

abandono não é presumido, nesse sentido, deve estar claro que o proprietário não

quer mais conservar a posse e a propriedade da coisa, grande expoente dessa

situação é a disponibilização da coisa em lixões.

Nesse entender, percebe-se sobremaneira, que o legislador restringiu-se apenas a

tratar sobre a aquisição da propriedade sem dono (res nullius), deixando à margem

do ordenamento as questões concernentes ao abandono das coisas por seus donos

(res derelictae), que para o seu devido funcionamento deve-se valer da analogia de

outros institutos.

Page 6: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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2.2 Do Achado do Tesouro

De acordo com o Código Civil, disposto em seus artigos 1.264, 1.265 e 1.266

entende-se por achado do tesouro:

Art. 1.264. O depósito antigo de coisas preciosas, oculto e de cujo dono não haja memória, será dividido por igual entre o proprietário do prédio e o que achar o tesouro casualmente.

Art. 1.265. O tesouro pertencerá por inteiro ao proprietário do prédio, se for achado por ele, ou em pesquisa que ordenou, ou por terceiro não autorizado.

Art. 1.266. Achando-se em terreno aforado, o tesouro será dividido por igual entre o descobridor e o enfiteuta, ou será deste por inteiro quando ele mesmo seja o descobridor.

Para os doutrinadores Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald, “o tesouro é

o depósito antigo de moedas ou coisas preciosas enterradas ocultas, cujo dono é

desconhecido” (FARIAS; ROSENVALD, 2012). Se a propriedade puder ser

justificada por qualquer titular, não haverá tesouro.

Há também uma caracterização segundo tais doutrinadores do achado do tesouro

que demanda 3 requisitos concorrentes: a) ter sido o depósito das preciosidades

realizado por obra humana, excluindo-se assim do conceito de tesouro os casos em

que o acúmulo resulta de fato natural; b) estar o depósito enterrado ou oculto, tanto

em um bem móvel (armário) como bem imóvel, como muitas vezes ocorre

escavações de prédios antigos soterrados; c) não haver conhecimento de quem seja

o proprietário. Se alguém puder justificar a propriedade, não haverá tesouro. Não

importa se a coisa foi oculta há 500 ou 20 anos, basta a ausência de prova de

titularidade.

Page 7: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

8

Algumas soluções para saber a quem vai pertencer os bens encontrados são:

a) o tesouro achado pelo proprietário do terreno, ou em pesquisa que ordenou

por meio de prepostos, a ele pertence; por corresponder a um acessório do

solo ao qual se adere, o tesouro pertence ao dono do prédio, como na

acessão (art. 1.265 CC).

b) caso encontrado por pessoa que não seja proprietária, terá direito da

metade do tesouro, quando o encontrar casualmente, como uma espécie de

recompensa em prol do achador (art. 1.264 CC). Equiparam-se aos estranhos

todos os que se encontram na coisa em razão de posse derivada de relação

jurídica com o proprietário, ou aquele funcionário do proprietário que

casualmente encontrou o bem, quando realizava outras funções. Assim,

configura-se crime contra a conduta de descobridor que adquire a

propriedade do tesouro sem entregar ao proprietário o quinhão a que se faz

jus;

c) por último, se o descobridor penetrar no prédio alheio com o propósito

deliberado de encontrar o tesouro, contra a vontade do proprietário não terá

direito a nada, pois não se permite a obtenção de vantagens quando do

esbulho (art.1.265 CC). Certamente, não se cogitará de achado do tesouro,

quando o terceiro prove que a coisa encontrada é da sua propriedade.

2.3 Da Especificação

A especificação é uma modalidade da aquisição da propriedade móvel prevista nos

artigos 1.269, 1.270 e 1.271 do código civil, que discute o direito de propriedade

entre proprietário e especificador sobre matéria-prima e coisa ou espécie nova. Para

entendermos melhor do que trata estes dispositivos, traremos alguns conceitos

importantes.

Page 8: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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É importante saber a definição de matéria-prima, que vem a ser um produto natural

ou semimanufaturado que pode ser transformado nos mais variados tipos de bens. A

matéria-prima pode ser animal, vegetal ou mineral ou, ainda, matéria-prima

transformada.

Espécie nova ou coisa nova é o produto acabado, após o processo de lapidação da

matéria-prima, se tornando um bem novo.

Especificador é quem especifica, lapida, transforma através do seu labor a matéria-

prima em coisa nova. Proprietário, aqui, entende-se como dono da matéria prima.

Vislumbrados estes conceitos, torna-se mais fácil enxergar a especificação,

entendendo o que ela é e resolver a problemática acerca de quem será o

proprietário da coisa nova.

A especificação é o surgimento de uma coisa nova através da transformação

exercida em uma matéria-prima pelo especificador, onde esta coisa nova possui

características diferentes, tornando a restituição a forma anterior impossível ou

danosa, conforme ensina o doutrinador Antônio C. Morato, "A especificação consiste

na obtenção de nova espécie, por meio do labor em matéria-prima alheia [...]

Ressalta-se, ainda, a necessidade de definitividade da transformação ocorrida ou

que tal transformação, mesmo que possível, envolva um dano provável ao bem."

Verifica-se a partir deste conceito dois requisitos para a existência da especificação,

que são:

a) matéria-prima alheia, que não pertença ao especificador- importante salientar

que se parte da matéria-prima pertencer ao especificador, ainda enquadra-se

neste requisito e sua propriedade será discutida, entretanto, se a matéria-

prima for de propriedade integral do especificador, não há o que se falar em

aquisição da propriedade, já que a propriedade é uma realidade;

b) que seja transformada em espécie nova pelo trabalho do especificador- aqui

evidencia a proteção ao labor e à criatividade, intelecto do especificador.

Quanto à transformação, esta tem que ser relevante, tornando a coisa nova

Page 9: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

10

distinta da matéria-prima de tal maneira que não seja possível voltar à sua

forma precedente ou que esta volta resulte em danos ao bem.

O código civil traz nos artigos 1.269 a 1.271 as circunstâncias e soluções da

aquisição da propriedade de bem móvel pela especificação, que será aqui dividido

para melhor compreensão.

O artigo 1.269 traz a hipótese em que o especificador é, em parte, proprietário da

matéria-prima e não é possível restituir a coisa à forma anterior. Neste caso, terá

direito à propriedade o especificador, pois, o fato preponderante para solucionar esta

hipótese é a propriedade parcial do bem por parte do especificador. Por

interpretação, se a coisa puder ser restituída à forma anterior, o dono da matéria-

prima não perderá a propriedade porque faltaria o requisito B.

O artigo 1.270 caput traz a hipótese em que a matéria-prima pertença integralmente

a outrem e, após a transformação em coisa nova pelo especificador, não possa ser

restituída à forma anterior. Aqui observar-se-á a boa-fé do especificador, como vicio

subjetivo, e caso tenha ele atuado com a boa-fé, terá direito à propriedade.

No parágrafo primeiro deste mesmo artigo, traz-se a possibilidade de restituição da

coisa à forma anterior ou quando impraticável, se a espécie nova tenha sido obtida

de má-fé. Aqui, o direito de propriedade é do dono da matéria-prima, pois, se

possível a restituição, não se terá o requisito B da especificação. Se de má-fé agir o

especificador, é respeitado o direito de propriedade do dono da matéria-prima.

Ainda no artigo 1.270, em seu parágrafo segundo, trata de quando o trabalho

exercido pelo especificador tenha um valor consideravelmente maior do que a

matéria-prima e, assim, terá o especificador direito à propriedade. Vale ressaltar que

este valor consideravelmente maior é, apesar de critério de aferição e cumprimento

deste dispositivo, um tanto subjetivo.

O último artigo, 1.271, dispõe sobre o direito de indenização dos prejudicados (em

regra, o proprietário). A perda da propriedade motiva um dano ao proprietário e, por

Page 10: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

11

isso, deve-se indenizá-lo para que não ocorra enriquecimento sem causa por parte

do especificador, uma vez que este ficará com o bem. Entretanto, neste artigo, há

uma exceção inserida pelo legislador em que não ocorrerá a indenização, na

hipótese prevista no artigo 1.270, parágrafo primeiro, que é quando o

especificador atua com má-fé sobre a coisa. Aqui, haverá restituição da coisa (nova

ou na forma anterior) pelo especificador ao proprietário, não fazendo sentido a

indenização por parte deste que teve o bem modificado através da má-fé ao

especificador.

2.4 Da Comistão, da Confusão e da Adjunção

Referente à aquisição de propriedade mobiliária ou móvel, no âmbito do Direito Real

do Código Civil de 2002, a confusão, comistão e adjunção são também umas das

formas estabelecidas em lei para aquisição de bem móvel. Menezes chega a

declarar que esses três modos são “diferentes e raros de aquisição da propriedade”.

Para ser caracterizado como um desses três itens acima, o fato tem que ser

involuntário e acidental, ou seja, tem que ocorrer sem o consentimento dos donos da

coisa móvel e ainda não tem como haver a separação ou entendimento (FARIAS;

ROSENVALD, 2013, p. 515) das coisas sem sua deterioração. Ressalta-se que a

legislação define que os bens móveis misturados devem ser de donos distintos.

O Código Civil não discrimina ou define a confusão, a comistão ou a adjunção, só

estabelece as regras que serão dadas quando ocorrer, que são semelhantes. Existe

uma diferenciação conceitual para cada termo, que ocorre conforme o estado e a

forma física da coisa móvel. Farias e Rosenvald (2013, p. 514) definem confusão

como a mistura de coisas líquidas (ex. vinho de duas espécies), e comistão como a

mistura de coisas secas ou sólidas sem que se produza coisa nova (ex. café de

duas qualidades) e adjunção é a justaposição de uma coisa sólida à outra (ex. anel

de brilhantes). “Nos três casos, o amálgama de coisas não gera nada distinto das

coisas que lhe originaram” (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 515).

Page 11: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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2.4.1 Quanto à aplicação das regras

Primeiramente, quando houver a possibilidade de separação das coisas sem

qualquer deterioração, não se aplica as regras referentes à confusão, comistão e

adjunção (FARIAS; ROSENVALD, 2013, p. 515).

As coisas pertencentes a diversos donos, confundidas, misturadas ou adjuntadas sem o consentimento deles, continuam a pertencer-lhes, sendo possível separá-las sem deterioração. (BRASIL, lei, Lei nº 10.406, art. 1.272, caput)

O art.1.272, §1º do CC define que não sendo possível a separação das matérias

misturadas, cabe a cada proprietário quinhão proporcional ao valor da matéria que

lhe pertence. O §2º deste mesmo artigo, rege que se uma coisa se sobrepor a outra,

ou seja, se puder ser considerada como principal, o proprietário desta será dono do

todo formado. Devendo a indenização proporcional a outros.

§ 1o Não sendo possível a separação das coisas, ou exigindo dispêndio excessivo, subsiste indiviso o todo, cabendo a cada um dos donos quinhão proporcional ao valor da coisa com que entrou para a mistura ou agregado.

§ 2o Se uma das coisas puder considerar-se principal, o dono sê-lo-á do todo, indenizando os outros.(BRASIL, lei, Lei nº 10.406, art. 1.272)

O art.1.273 rege quanto à conduta de má-fé por parte de um dos donos, onde dá

direito à parte lesada a opção de escolha. Entre adquirir a mistura em toda parte,

pagando a parte que não for dele, sem prejuízo de receber indenização devida. Ou,

ainda, renunciar sua parte, sendo devidamente indenizado.

Se a confusão, comistão ou adjunção se operou de má-fé, à outra parte caberá escolher entre adquirir a propriedade do todo, pagando o que não for seu, abatida a indenização que lhe for devida, ou renunciar ao que lhe pertencer, caso em que será indenizado.(BRASIL, lei, Lei nº 10.406, art. 1.273, caput)

O art.1.274 diz que se da mistura de material de natureza diversa resultou espécie

nova, esta continuará ser de propriedade dos donos originários.

Page 12: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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Se da união de matérias de natureza diversa se formar espécie nova, à confusão, comistão ou adjunção aplicam-se as normas dos arts. 1.272 e 1.273.(BRASIL, lei, Lei nº 10.406, art. 1.274, caput)

2.5 Da Usucapião

2.5.1 Considerações Iniciais

A usucapião consiste em um modo de aquisição de direitos reais, principalmente da

propriedade, através da posse prolongada sobre a coisa e mediante o

preenchimento dos requisitos estabelecidos em lei.

Para Silvio de Salvo Venosa, “usucapir é adquirir a propriedade pela posse

continuada durante certo lapso de tempo” (2013, p.116).

Nesse sentido, entendem Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald:

O fundamento da usucapião é a consolidação da propriedade. O proprietário desidioso, que não cuida de seu patrimônio, deve ser privado da coisa, em favor daquele que, unindo posse e tempo, deseja consolidar e pacificar a sua situação perante o bem e a sociedade. (FARIAS; ROSENVALD, 2012, v. 5, p.397)

O instituto da usucapião pode recair sobre bens imóveis e sobre bens móveis, sendo

tratada pelo Código Civil em seus artigos 1.238 a 1.244 (Capítulo II, Seção I) para os

casos de aquisição de bens imóveis e pelos artigos 1.260 a 1.262 (Capítulo III,

Seção I) para a aquisição de bens móveis.

Page 13: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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A usucapião de bens imóveis e bens móveis possuem princípios e finalidades

idênticos, embora a importância dada à que recai sobre bens móveis seja inferior

àquela dada para a que recai sobre bens imóveis. Apesar destas semelhanças, é

perceptível suas diferenças em relação ao lapso temporal e às espécies, não sendo

possíveis as modalidades de usucapião especial urbano, rural ou coletivo sobre

coisas móveis.

Ademais, importante ressaltar que, apesar de adotar, predominantemente, o

entendimento de Rudolf von Ihering, o Código Civil Brasileiro possui, em alguns de

seus artigos, marcas do entendimento de Friedrich Carl von Savigny, sendo o

instituto da usucapião um exemplo da influência que a teoria subjetiva de Savigny

acerca da posse exerce sobre este ordenamento, visto que tem como elementos

para sua configuração o controle material sobre a coisa (elemento objetivo -

“corpus”) e a intenção de tê-la para si (elementos subjetivo - “animus”).

Por fim, consigna-se que há possibilidade de que o instituto da usucapião recaia

sobre semoventes, como animais; ao passo que, existem entendimentos diversos

acerca da aplicabilidade deste instituto à propriedade imaterial, marca ou patente,

sobre as quais defende a jurisprudência majoritária não ser possível.

2.5.2 Comparativo entre os Códigos Civis de 1916 e 2002

A abordagem acerca desta modalidade de aquisição da propriedade de bem móvel

sofreu poucas mudanças do Código Civil de 1916 para o atual Código Civil de 2002,

tenso sido mantida a sua essência e alterada a sua redação.

Page 14: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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No Código de 1916, a usucapião de bens móveis era tratada pelos artigos 618 e

619:

Art. 618. Adquirirá o domínio da coisa móvel o que a possuir como sua, sem interrupção, nem oposição, durante 3 (três) anos.

Parágrafo único. Não gera usucapião a posse, que se não firme em justo título, bem como a inquinada, original ou supervenientemente, de má-fé.

Art. 619. Se a posse da coisa móvel se prolongar por 5 (cinco) anos, produzirá usucapião independentemente de título e boa-fé. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 7.3.1955)

Parágrafo único. As disposições dos arts. 552 e 553 são aplicáveis ao usucapião das coisas móveis. (Redação dada pela Lei nº 2.437, de 7.3.1955)

Já no Código Civil de 2002, a usucapião de bens móveis é abordada pelos artigos

1260 a 1262:

Art. 1.260. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa-fé, adquirir-lhe-á a propriedade.

Art. 1.261. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, produzirá usucapião, independentemente de título ou boa-fé.

Art. 1.262. Aplica-se à usucapião das coisas móveis o disposto nos arts. 1.243 e 1.244.

As mudanças ocorridas na abordagem consistem, em suma, na mudança de

capítulo, que era feita no capítulo “Da Aquisição e Perda da Propriedade Móvel” e

que atualmente é feita no capítulo “Da Aquisição da Propriedade Móvel” (Capítulo III,

Seção I), este último mais direcionado à forma de aquisição. Além disso, o Art. 618

foi alterado pelo Art. 1.260, que modificou sua redação e retirou o parágrafo único;

ao passo que, o Art. 619 foi substituído pelo Art. 1.261, que manteve sua redação,

tendo seu parágrafo único dado origem ao Art. 1.262, que remete aos artigos 1.243

e 1.244 que tratam dos mesmos temas dos artigos 552 e 553 do antigo código.

Page 15: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

16

Diante destas disposições, percebe-se que poucas foram as mudanças realizadas

na abordagem da usucapião de bens móveis feita pelo Código Civil de 1916 e na

que atualmente é realizada pelo Código Civil de 2002.

2.5.3 Espécies de Usucapião de Bens Móveis

A usucapião como forma de aquisição da propriedade móvel possui duas espécies,

quais sejam, a Usucapião Ordinária e a Usucapião Extraordinária, sendo a primeira

tratada pelo Art. 1.260 do Código Civil de 2002 e a segunda pelo Art. 1.261;

enquanto o Art. 1.262 determina a aplicação dos institutos da união de posses à

usucapião de coisas móveis, possibilitando que o possuidor una a sua posse à de

seu antecessor.

I) Usucapião Ordinária

Esculpida no Art. 1.260, tem como requisitos para sua caracterização, a coisa hábil,

a posse mansa e pacífica, a intenção de dono, o justo título, a boa-fé e o lapso

temporal.

Entende-se por coisa hábil “toda aquela que está no comércio (res in commercio), ou

sob propriedade privada res in patrimonio, ou ainda, que seja suscetível de

apropriação ou de alienação” (NUNES, 2002). Já a posse mansa e pacífica envolve

continuidade e pacificidade, sendo a posse que se obtém sem oposição do antigo

possuidor e que se mantém sem sofrer contestação pelo proprietário.

Page 16: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

17

A intenção de dono (“animus domini”) consiste na posse em que o possuir tem a

intenção de ter a coisa para si. Enquanto isso, o justo título, nos termos do

Enunciado de nº. 86 da CJF, “abrange todo e qualquer ato jurídico hábil, em tese, a

transferir a propriedade, independentemente de registro”.

No que diz respeito à boa-fé, tem-se este requisito exteriorizado pelo art. 1.201 do

Código Civil de 2002,

Art. 1.201. É de boa-fé a posse, se o possuidor ignora o vício, ou o obstáculo que impede a aquisição da coisa.

Parágrafo único. O possuidor com justo título tem por si a presunção de boa-fé, salvo prova em contrário, ou quando a lei expressamente não admite esta presunção.

Por fim, no que tange ao lapso temporal, percebe-se que para a ocorrência da

usucapião ordinária, é necessário que a posse seja exercida por três anos, sendo

necessário o preenchimento de todos os requisitos mencionados de forma

cumulativa.

II) Da Usucapião Extraordinária

A usucapião extraordinária é tratada pelo Art. 1.261 e exige o preenchimento dos

mesmos requisitos da usucapião ordinária, com exceção do justo título e da boa-fé,

para ser caracterizada.

Outra diferença entre as duas espécies é encontrada no requisito do lapso temporal,

visto que este compreende apenas três anos para a usucapião ordinária e cinco

anos para a usucapião extraordinária.

Page 17: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

18

Portanto, para que ocorra a usucapião extraordinária de bem móvel, basta que a

posse sobre a coisa se prolongue por 5 anos, devendo esta ser mansa e pacífica,

sobre coisa hábil e com intenção de dono (“animus domini”).

2.5.4 Ponderações acerca da Ação de Usucapião de Bens Móveis

A ação de Usucapião de Bens Móveis deve seguir as disposições feitas pelo Código

de Processo Civil que, ao discorrer sobre os procedimentos processuais, prevê

casos sujeitos aos procedimentos ordinário e sumário, sendo possível também

nestes casos o processamento no Juizado Especial Cível.

No que diz respeito ao procedimento sumário, tem-se no Art. 275, inc. I do CPC:

Art. 275. Observar-se-á o procedimento sumário: 

        I - nas causas cujo valor não exceda a 60 (sessenta) vezes o valor do salário mínimo

Sendo assim, a ação poderá ocorrer pelo procedimento sumário, desde que o valor

do bem não ultrapasse o limite previsto pelo artigo transcrito acima. Caso o valor

exceda a esse limite, o procedimento a ser adotado será o ordinário, com

observância às disposições acerca da competência territorial contida nos Arts. 94 e

seguintes do CPC.

Com relação à possibilidade de processamento no Juizado Especial Cível, deve-se

observar o disposto no Art. 3º da Lei 9.099/95:

Page 18: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

19

 Art. 3º O Juizado Especial Cível tem competência para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade, assim consideradas:

        I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo;

Portanto, se respeitado o limite proposto acima, é possível que a ação de usucapião

seja processada no Juizado Especial Cível, devendo, neste caso, ser possível a

individualização do réu e terceiros interessados, já que neste procedimento não se

admite citação por edital (Art. 18, §2º - Lei 9.099/95), devendo ser respeitada a

competência territorial regida pelo Art. 4º desta mesma Lei.

Já nos casos dos procedimentos ordinário e sumário, a citação do proprietário do

bem e dos terceiros interessados, quando não for possível a localização dos

mesmos, poderá ser feita por edital.

Ademais, vale-se destacar que, em ações deste tipo, entende-se ser dispensada a

intervenção do Ministério Público.

2.5.5 Exemplos de Usucapião de Bens Móveis

Um exemplo típico de usucapião de bens móveis são as linhas telefônicas, tendo

sido tratado pelo STJ por meio da Súmula 193, que dispõe que “o direito de uso de

linha telefônica pode ser adquirido por usucapião”. Este tipo de usucapião já foi de

grande importância no âmbito do direito brasileiro, porém, nos dias de hoje não se

faz tão relevante como antes, já que a prestação deste tipo de serviço foi atribuída à

iniciativa privada.

Nesse sentido, já decidiu o colendo STJ:

Page 19: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

20

TELEFONE. USUCAPIÃO. A JURISPRUDENCIA DO STJ ADMITE AÇÃO DE USUCAPIÃO DE DIREITO DE USO DE LINHA TELEFÔNICA. RECURSO NÃO CONHECIDO. (STJ - REsp: 64627 SP 1995/0020596-3, Relator: Ministro RUY ROSADO DE AGUIAR, Data de Julgamento: 14/08/1995, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.09.1995)

CIVIL E PROCESSUAL - DIREITO DE UTILIZAÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA - PRESCRIÇÃO AQUISITIVA (USUCAPIÃO). I - A JURISPRUDENCIA DO STJ ACOLHE ENTENDIMENTO HAURIDO NA DOUTRINA NO SENTIDO DE QUE O DIREITO DE UTILIZAÇÃO DE LINHA TELEFÔNICA, QUE SE EXERCE SOBRE A COISA, CUJA TRADIÇÃO SE EFETIVOU, SE APRESENTA COMO DAQUELES QUE ENSEJAM EXTINÇÃO POR DESUSO E, POR CONSEQUENCIA, SUA AQUISIÇÃO PELA POSSE DURANTE O TEMPO QUE A LEI PREVE COMO SUFICIENTE PARA USUCAPIR (PRESCRIÇÃO AQUISITIVA DA PROPRIEDADE). II - RECURSO NÃO CONHECIDO. (STJ - REsp: 41611 RS 1993/0034261-4, Relator: Ministro WALDEMAR ZVEITER, Data de Julgamento: 25/04/1994, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 30.05.1994)

Outro exemplo, que compreende as maiores questões da usucapião mobiliária na

atualidade, é o de usucapião de veículos, principalmente os decorrentes de

alienação fiduciária. Acerca do qual entende a jurisprudência do egrégio STJ:

CIVIL. USUCAPIÃO. VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INADIMPLEMENTO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE INJUSTA. I.- A posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião, seja pelo adquirente, seja por cessionário deste, porque essa posse remonta ao fiduciante, que é a financiadora, a qual, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem, cuja posse direta passa ao comprador fiduciário, conservando a posse indireta (IHERING) e restando essa posse como resolúvel por todo o tempo, até que o financiamento seja pago. II.- A posse, nesse caso, é justa enquanto válido o contrato. Ocorrido o inadimplemento, transforma-se em posse injusta, incapaz de gerar direito a usucapião. Recurso Especial não conhecido. (STJ - REsp: 844098 MG 2006/0094012-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06/11/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/04/2009)

Por fim, faz-se relevante mencionar a existência de diferentes posicionamentos

acerca da possibilidade de usucapião sobre veículos provenientes de furto ou roubo,

sobre a qual o STJ entende que veículos furtados não podem ser objeto de

usucapião ordinária:

Page 20: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

21

Recurso Especial. Usucapião ordinário de bem móvel. Aquisição originária. Automóvel furtado. - Não se adquire por usucapião ordinário veículo furtado. - Recurso Especial não conhecido. (STJ - REsp: 247345 MG 2000/0010052-8, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 04/12/2001, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 25.03.2002)

Contrariamente ao entendimento jurisprudencial do STJ, Cristiano Chaves de Farias

e Nelson Rosenvald são favoráveis à possibilidade de usucapião nestes casos.

(2012, p. 517-518):

Incontroversa também é a faculdade de usucapir concedida ao terceiro de boa-fé que adquire veículo proveniente de furto. Após três anos de posse, sem sofrer qualquer oposição séria (judicial), não poderá o proprietário primitivo buscar a coisa em seu poder, haja vista possuir o usucapiente os requisitos do justo título e boa-fé. A sua convicção de dono procede do fato de ter registrado o veículo em seu nome perante o órgão de trânsito, ignorando, assim, a sua origem ilícita.

Controversa, todavia, é a possibilidade de o próprio autor do crime contra o partimônio usucapir o veículo subtraído (furto ou roubo). A princípio, repugna ao estudioso tal possibilidade, eis que a má-fé não gera direito a favor de ninguém. Todavia, duas razões sustentam a admissibilidade da usucapião pelo ladrão: a) a usucapião extraordinária de bens imóveis e móveis não pede o requisito de boa-fé. Assim, mesmo aquele que sabe que a coisa pertence a outrem, pode usucapir no prazo longo de cinco anos; [...] terminará a violência no momento posterior à prática do ilícito de subtração do véiculo, daí iniciada a contagem do lustro legal.

2.6 Da Tradição

Para o Direito Romano, a transferência de propriedade só se consubstanciava

quando ocorria a materialidade de um fato concreto. Dessa forma, para os romanos,

a convenção não era suficiente para se possuir o domínio, alcançado somente com

a tradição da coisa.

O direito francês compreende que a transferência do domínio acontece apenas por

força do contrato. Os direitos brasileiro, alemão, suíço, argentino, uruguaio e chileno

adotam que a convenção apenas habilita ou intitula o interessado. Assim, no Brasil,

o domínio dos bens móveis não se transfere pelos contratos, mas pela tradição

Page 21: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

22

(Código Civil, art. 1267) e para os bens imóveis, o contrato gera apenas efeitos

obrigacionais, se fazendo necessário o registro do título no ofício imobiliário, para

que o direito real possa surgir (art. 1245 do CC)

Na propriedade móvel é exigido publicidade para que os membros da coletividade

comprovem que outro titular passou a possuí-la. Assim, a transferência da coisa não

resultará na concretização do negócio jurídico, como exposto no artigo 1267, caput,

do Código Civil brasileiro.

Segundo o doutrinador Caio Mário (2007), com relação à transferência de bens

móveis, a tradição é “um ato de entrega da coisa ao adquirente, transformando a

declaração translatícia de vontade em direito real”. Em outras palavras, compreende

a tradição na entrega efetiva da coisa com o exclusivo objetivo de admitir

propriedade.

A tradição possui duas etapas:

a) convenção: é o negócio jurídico que serve como causa da tradição. A

obrigação de dar e a declaração de vontade de se transferir a propriedade

são originadas na declaração de vontade de vender (art. 481 do CC);

b) execução: acontece através da entrega da coisa pelo alienante, nos

termos do contrato, o negócio jurídico bilateral é concretizado. A entrega do

bem móvel ao adquirente faz com que o direito obrigacional converta-se em

direito real, como disposto no artigo 1226 do Código Civil brasileiro.

Assim, a transmissão segundo o Ordenamento Jurídico brasileiro requer vontade e

ato. Se o contrato obrigatório é inexistente, o ato de entregar a coisa perde seu

significado, pois não se sabe se a pessoa recebeu a coisa a titulo de propriedade. O

acordo deve objetivar a formação do direito real para que o poder de disposição

esteja presente no contrato.

Page 22: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

23

Lado outro, apenas existindo o contrato, em que se proceda à entrega da coisa ao

adquirente, também não é constituído o direito real de propriedade.

A tradição para os bens móveis significa o mesmo que o registro para os bens

imóveis. O registro seria a tradição de forma solene. Na tradição de bem móvel, o

registro é dispensado, já que a publicidade necessária para conceder eficácia erga

omnes ao ato ocorre quando há a entrega do bem.

O direito sucessório regula a aquisição de bens mortis causa. Logo, só há tradição

quando existe a transferência de bens móveis in vivos (art. 1784 do CC). No

casamento a tradição também é dispensada, já que um cônjuge incorpora o

patrimônio do outro (art. 1660 do CC).

Há modalidades diferentes de transferência de bens móveis. Segundo doutrina de

Crsitiano Chaves e Nelson Rosenvald, são três as formas de tradição:

a) Tradição real - é percebida na maioria dos casos de transmissão de

bens móveis e acontece quando há a entrega do bem ao adquirente;

b) Tradição simbólica: ocorre quando se representa a transferência, já

que a entrega não é real e a coisa foi substituída por outra equivalente;

c) Tradição consensual ou ficta- aquela que é resultante do acordo de

vontade das partes através de cláusula prevista no contrato, sem modificação

no mundo dos fatos. Tal modalidade está presente no constituto possessório

e na tradição brevi manu.

O constituto possessório altera a titularidade na posse e ocorre quando o

proprietário aliena um bem a uma pessoa, mas continua possuidor direto da coisa.

Já a tradição brevi manu é o inverso, pois se estabelece quando o indivíduo que,

antes possuía em nome alheio, passe a possuir o bem em nome próprio. Na

Page 23: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

24

propriedade fiduciária, as duas formas de tradição consensual podem ser

percebidas. Tais hipóteses estão contidas no parágrafo único do art. 1267 do Código

Civil brasileiro.

“Parágrafo único. Subentende-se a tradição quando o transmitente continua a possuir pelo constituto possessório; quando cede ao adquirente o direito à restituição da coisa, que se encontra em poder de terceiro; ou quando o adquirente já está na posse da coisa, por ocasião do negócio jurídico.”

O Parágrafo único do art 1267 do Código Civil também expõe a hipótese em que o

direito de restituição da coisa é cedido pelo transmitente para o adquirente. Tais

situações ocorrem quando já houve a transmissão da posse direta da coisa móvel

ao mesmo tempo em que foi estabelecido o contrato que dispunha sobre a

propriedade.

O principio do nemo plus iuris estabelece que ninguém pode transferir um direito que

não possui. Dessa forma, o direito do adquirente dependerá do direito do alienante.

Referido princípio encontra respaldo no art. 1268 do CC:

Art. 1.268. Feita por quem não seja proprietário, a tradição não aliena a propriedade, exceto se a coisa, oferecida ao público, em leilão ou estabelecimento comercial, for transferida em circunstâncias tais que, ao adquirente de boa-fé, como a qualquer pessoa, o alienante se afigurar dono.

§ 1  Se o adquirente estiver de boa-fé e o alienante adquirir depois a propriedade, considera-se realizada a transferência desde o momento em que ocorreu a tradição.

§ 2  Não transfere a propriedade a tradição, quando tiver por título um negócio jurídico nulo.

Conclui-se então que, quando um negócio jurídico inexiste em face de um titular

verdadeiro, a propriedade não é transferida, podendo a mesma ser reclamada de

qualquer um que a tenha adquirido. Acerca do §2° do artigo listado acima, pela

Page 24: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

25

tradição ser o que efetiva um negócio jurídico, caso o último seja nulo, não há

também a transmissão da propriedade.

Para que a tradição seja lícita, é necessário que o agente que opera a transferência

da coisa seja capaz. Caso seja incapaz, a tradição é ineficiente e não produz o efeito

almejado. Assim, caso o tradens (alienante) não seja proprietário da coisa, inexiste

consequência jurídica produzida pela transferência do domínio. Entretanto, se um

adquirente posterior, de boa-fé, adquirir a propriedade, a transferência e seus efeitos

são revalidados (Código Civil, art. 1.268, §1°).

Page 25: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

26

3 ANÁLISES JURISPRUDENCIAIS

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Da Ocupação

Restituição de bem. Cédulas no valor de R$ 1.064.070,00 encontradas à beira de estrada. Valores apreendidos. Pretensão à restituição do bem sob a alegação de assenhoramento conforme o artigo 1.263 do Código Civil. Impropriedade. Cabe à pessoa que acha o bem restituí-lo ao dono ou, não o encontrando, entrega-lo à autoridade competente. Aplicação do artigo 1.233 mesmo diploma legal. Sentença mantida. Recurso não provido. (TJSP – Apelação Cível 0009962-82.2013.8.26.0037, Relator: Ronaldo Andrade, Data de Julgamento: 16/09/2014, 3ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 18/09/2014)

No caso retro exposto, percebe-se que a pretensão do autor era assenhorar-se do

bem, como bem prevê o art. 1.263 CC, de quantia voluptuosa, por crer que estava

abandonada por seu dono. Todavia, como bem alertado anteriormente, não há

presunção de coisa abandonada, devendo tal situação ser devidamente comprovada

para o exercício do direito de ocupação. Isto posto, observa-se que a tese do

apelante não apenas não irá prosperar, como também é passível de imputação

penal nos termos do art. 169, II do CPB.

Tribunal Regional Federal da 5ª Região – Do Achado do Tesouro

CONSTITUCIONAL E CIVIL. DESCOBERTA REALIZADA EM MAR TERRITORIAL BRASILEIRO. DESTROÇOS DO NAUFRÁGIO DE EMBARCAÇÃO DO SÉCULO XVII OU XVIII. PROPRIEDADE DA UNIÃO. LEI Nº 7.542/86. LEI Nº 3.924/61. ARTIGOS 731 E 735 DO CÓDIGO COMERCIAL. ARTIGOS 607 E 608 DO CÓDIGO CIVIL/1916. ARTIGOS 1.264 E 1.265 DA LEI Nº 10.406/2002. APELAÇÃO IMPROVIDA. 1- OS DISPOSITIVOS DO CÓDIGO COMERCIAL FORAM REVOGADOS TEXTUALMENTE PELO ART. 38, DA LEI Nº 7.542, DE 26-9-1986, NÃO DEIXANDO MARGEM A INTERPRETAÇÕES. 2- INSUBSISTÊNCIA DA TESE DA APELANTE ACERCA DA INCONSTITUCIONALIDADE DOS PARÁGRAFOS UNICOS DOS ARTIGOS 28 E 32, E DO CAPUT DO ARTIGO 38, TODOS DA LEI Nº 7.542/86, FRENTE À CARTA DE 1967, POSTO QUE CUIDAM, TÃO-SOMENTE, DE DISCIPLINAR OS BENS ACESSÓRIOS, JÁ NECESSARIAMENTE VINCULADOS AOS BENS PRINCIPAIS, QUAIS SEJAM, O MAR TERRITORIAL E A PLATAFORMA CONTINENTAL, AMBOS PROPRIEDADE DA UNIÃO. 3- LOCALIZANDO-

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SE OS DESTROÇOS EM MAR TERRITORIAL, DE PROPRIEDADE DA UNIÃO E, HAVENDO A DESCOBERTA SIDO REALIZADA SEM PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA MESMA, NÃO HÁ QUE SE INVOCAR O DISPOSTO NO ART. 607 DO CÓDIGO CIVIL/1916, EM FUNÇÃO DO PROPALADO NO DISPOSITIVO SEGUINTE, O 608, CUJA DICÇÃO FOI MANTIDA NO ART. 1.265, DA LEI Nº 10.406/2002, O NOVO CÓDIGO CIVIL. 4- NO ESCOPO DE PROTEGER O PATRIMÔNIO HISTÓRICO NACIONAL BUSCOU-SE INCLUIR TAIS DESCOBERTAS COMO PROPRIEDADE DA UNIÃO E, COM O MESMO PROPÓSITO A LEI Nº 3.924/61, QUE DISPÕE SOBRE OS MONUMENTOS ARQUEOLÓGICOS E PRÉ-HISTÓRICOS, IMPINGIU A OBRIGAÇÃO DE COMUNICÁ-LAS AO IPHAN - INSTITUTO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO E ARTÍSTICO NACIONAL, REVELANDO-SE, POIS, INILUDÍVEL QUE OS BENS EM QUESTÃO DEVEM SER ENTREGUES À TUTELA DO MESMO. 5- SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO IMPROVIDA. (TRF-5 – Apelação Cível 305269 PE 2001.83.00.000389-3, Relator: Desembargador Federal Geraldo Apoliano, Data de Julgamento: 26/06/2003, Terceira Turma, Data de Publicação: 22/08/2003)

De acordo com a jurisprudência no caso ilustrado, não se aplicam os artigos do

achado do tesouro devido aos bens encontrados pelo autor da ação serem bens

pertencentes ao patrimônio da União e uma vez que não houve a autorização da

mesma para que fossem efetuadas as buscas no mar, ele não terá direito a

nenhuma parte, tendo então que devolver totalmente o tesouro.

Se o bem encontrado for pertencente a museus arqueológicos ou que fazem parte

da história, terá que ser devolvido ou acionado para a Diretoria do Patrimônio

Histórico e Artísticos Nacionais ou órgãos autorizados a receber, não podendo quem

encontrou se apossar da coisa e muito menos vender. A lei nº 3.924/61 protege

esses patrimônios e assegura a proteção desses bens.

Poderá sofrer também, penalidades caso possuam a posse de má-fé ou o bem não

seja devolvido a tutela de um órgão responsável, pagando então pelos danos

causados. Para Nelson Rosenvald, o ato de descobrir o tesouro é insuficiente para a

aquisição da propriedade, a pessoa deve achar, pois uma coisa é saber da sua

existência e outra apoderar-se, como no caso do autor da ação que se apoderou do

que encontrou, querendo a posse ou pelo menos parte dela.

Page 27: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

28

Portanto, negado o provimento ao recurso por entender que não é cabível nenhuma

hipótese dos artigos que tratam da causa, não cabendo aplicação da hipótese de

achado do tesouro na jurisprudência em questão.

Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – Da Especificação

Processo civil. Sentença condenatória. Liquidação por arbitramento. Aposição de símbolo de campanha eleitoral em papéis, bens públicos e campanhas publicitárias, cujo uso foi considerado ilegal. Critério de custos que tem como base o fenômeno da especificação previsto no art. 1.269, do Código Civil. Não ofende a garantia constitucional da coisa julgada a decisão que, na liquidação por arbitramento, dá interpretação razoável à sentença condenatória de modo a emprestar-lhe efeito útil. Recurso improvido. (TJSP, Agravo de Instrumento n° 0470276-45.2010.8.26.0000, Relator: Desembargador José Santana, Data de Julgamento: 06/04/2011, Data da Publicação: 08/04/2011)

Analisando a decisão, no que tange a especificação, verifica-se, neste caso, a

observância quanto a matéria prima como fundamento de aplicação ou não desse

instituto.

A discussão paira sobre o requisito da impossibilidade de restituir a coisa nova em

matéria-prima. Uma parte entende os uniformes com inscrições como coisa nova,

defendendo que as inscrições e inclusões de símbolos nos uniformes especificam a

peça, e torna impossível sua restituição a forma antiga, enquadrando-se em

especificação.

Por outro lado há o entendimento de que a especificação não se aplica por ser

possível a restituição do uniforme a forma anterior.

Page 28: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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Essa divergência evidencia a sensibilidade que tal requisito possui e que sua

definição qualifica o bem como coisa nova, ou não, influenciando na decisão na

decisão.

Superior Tribunal de Justiça – Da Adjunção

TRIBUTÁRIO - ISS - ICM - ETIQUETAS ADESIVAS FEITAS SOB ENCOMENDA - ADJUNÇÃO A PRODUTOS DESTINADOS A VENDA – DL406/68 - C. CIVIL ART. 615, §1º.A composição de etiquetas adesivas, feitas sob encomenda de determinado cliente que as ajuntará a produtos finais como elemento de identificação, garantia, orientação ou embelezamento, e atividade descrita na lista anexa ao DL nº 406/68, como hipótese em incidência de ISS - não de ICM. A circunstância de tais etiquetas serem ajuntadas a produtos vendidos pelo encomendante, é irrelevante, pois a etiqueta terá pedido identidade, pelo fenômeno da adjunção (C. Civil Art. 615, § 1º). (STJ, Relator: Ministro Humberto Gomes de Barros, T1 - Primeira Turma, Data de Julgamento: 02/12/1992, Data da Publicação: 17/12/1992)

Encontra-se no julgado, RECURSO ESPECIAL Nº 5.808-0 – SP do Superior

Tribunal de Justiça (STJ) um exemplo da aplicação de regras que tange a adjunção

de bem material móvel, ainda sob as regras do Código Civil de 1916. Regras estas

que foram transportas para o atual CC com texto semelhante. Trata-se da definição

entre a aplicabilidade de determinados impostos, o ISS e o ICMS, no qual uma

Empresa de fabricante de etiquetas autocolantes que atua no Estado de São Paulo,

Capital, estava sendo cobrada pela Fazenda tributárias dois entes, o municipal e o

estadual. Isso acabou virando uma disputa entre Município e Estado, a primeira

requerendo o direito de receber o ISS e a segunda o ICMS. A sequência de

julgamentos sobre a matéria deu origem a Súmula 156, que tem o seguinte

enunciado (STJ, 1996): "A PRESTAÇÃO DE SERVIÇO DE COMPOSIÇÃO

GRAFICA, PERSONALIZADA E SOB ENCOMENDA, AINDA QUE ENVOLVA

FORNECIMENTO DE MERCADORIAS, ESTA SUJEITA, APENAS, AO ISS.”

Page 29: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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Neste mesmo recurso encontramos o entendimento do E. Desembargador Niro

Conceição (um dos Desembargadores que votou), que após realizar uma analogia

de um vestido que tem sua marca vinculada por uma etiqueta, destaca que o

consumidor não está comprando dois objetos distintos e sim um, logo após ele

discorre: “o que ocorre, em verdade, é um fenômeno de adjunção pelo qual o

conjunto formado pelo ajuntamento do vestido com a etiqueta, resulta em entidade

diferente das partes aderidas (C. Civil - 1916, Art. 615, §1º).” (BRASIL, STJ, Recurso

Especial nº 5.808-0, p. 7).

Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Da Usucapião

USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL - VEÍCULO - REQUISITOS - PRESENÇA - LAPSO TEMPORAL- VERIFICAÇÃO. Para o reconhecimento da usucapião de bem móvel, exige a lei (art. 619 do Código Civil) a posse efetiva, independente de boa-fé, por lapso não inferior a cinco anos, além da prova de que o efetivo exercício da posse ocorreu sempre com "animus domini", único elemento de qualificação da posse mansa e pacífica. Recurso improvido. (TJMG, Apelação Cível 1.0295.08.019018-0/001 Relator: Domingos Coelho, Data de Julgamento: 19/06/2013, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data da Publicação da Súmula: 28/06/2013)

USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL - CERCEAMENTO DE DEFESA - NÃO OCORRÊNCIA - ILEGITIMIDADE ATIVA AFASTADA - CONTRATO DE ARRENDAMENTO MERCANTIL - USUCAPIÃO - PRESENÇA DAS EXIGÊNCIAS LEGAIS - PEDIDO PROCEDENTE. - Deve ser afastada a alegação de cerceamento de defesa, se o apelante, em momento oportuno, pugnou pelo imediato julgamento do feito, no estado em que se encontrava. - Possui legitimidade para propor ação de usucapião aquele que possui, por lapso de tempo e como se dono fosse, independente do título de domínio. - Absolutamente claro esses requisitos exigidos para a usucapião do bem móvel, percorrido o decurso do tempo, posse mansa e pacífica e o ânimo de dono inclusive justo título procedente a usucapião. (TJMG, Apelação Cível 1.0079.09.990736-6/001, Relator: Batista de Abreu, Data de Julgamento: 07/08/2013, Câmaras Cíveis / 16ª CÂMARA CÍVEL, Data da Publicação da Súmula: 19/08/2013)

APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE USUCAPIÃO DE BEM MÓVEL - NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO - DESCABIMENTO - LEGITIMIDADE ATIVA - POSSE COM ÂNIMO DE DONO, ININTERRUPTA E SUPERIOR A CINCO ANOS - REQUISITOS ESSENCIAIS DA PRESCRIÇÃO AQUISITIVA - USUCAPIÃO DECLARADA. A legitimidade ad causam, como condição da ação que é, deve ser verificada abstratamente, ou seja, de acordo com as afirmações da inicial, fazendo-se presente se os sujeitos da

Page 30: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

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lide afirmada correspondem aos sujeitos do processo. A repetição, na apelação, de argumentos articulados na contestação, não impede o conhecimento do recurso, por ser claro o interesse do apelante de reafirmar na segunda instância as teses de defesa desacolhidas na primeira. Aquele que possuir coisa móvel como sua, contínua e incontestadamente durante três anos, com justo título e boa fé, adquirir-lhe-á a propriedade. Se a posse da coisa móvel se prolongar por cinco anos, fica configurada a usucapião, independentemente de justo título ou boa-fé. Preliminar de não conhecimento do recurso não acolhida. Preliminar de ilegitimidade ativa não acolhida. Recurso não provido. (TJ-MG, Relator: Gutemberg da Mota e Silva, Data de Julgamento: 10/12/2013, Câmaras Cíveis / 10ª CÂMARA CÍVEL)

Os casos abordados pelos julgados acima relatam hipóteses de usucapião

extraordinária de bens móveis, quais sejam, veículos. Esta espécie de usucapião é

abordada pelo Código Civil de 2002 em seu artigo 1.261, tendo sido tratada

anteriormente pelo artigo 619 do Código Civil de 1916.

Em virtude da semelhança entre os casos em tela, far-se-á uma análise conjunta,

uma vez que se tratam de casos acerca de usucapião sobre veículos, nos termos do

artigo 1.261 do Código Civil de 2002.

Nas presentes demandas, os autores ajuizaram ação de usucapião, cada qual com

as suas especificidades, com relação aos bens supramencionados, provando todos

os elementos necessários e valendo-se, em alguns dos casos, de prova testemunhal

para demonstrar o cumprimento dos requisitos para o alcance da pretensão.

Neste diapasão, sabendo-se que a usucapião extraordinária possui como requisitos

coisa hábil, posse mansa e pacífica, “animus domini” e lapso temporal de cinco

anos, não sendo exigível justo título e boa-fé, têm-se que em todas as presentes

demandas os autores preencheram os requisitos necessários, já que exerceram

posse sobre a coisa de forma contínua e incontestada, o que configura posse mansa

e pacífica; são os veículos objeto das ações coisas hábeis, sobre os quais era

Page 31: Modos de Aquisição Da Propriedade Móvel

32

exercida posse com “animus domini” e, de acordo com as provas produzidas, tais

posses se prolongaram por tempo igual ou superior aos cinco anos exigidos pelo

Código Civil.

Diante de tais considerações, tem-se a configuração da usucapião extraordinária em

todos os casos, o que proporcionou aos Requerentes a aquisição dos bens

pretendidos, visto que a probatória e o preenchimento dos requisitos legais restaram

claros em cada uma das demandas.

Superior Tribunal de Justiça – Da Usucapião

CIVIL. USUCAPIÃO. VEÍCULO. ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. INADIMPLEMENTO. PRESCRIÇÃO AQUISITIVA. IMPOSSIBILIDADE. POSSE INJUSTA. I.- A posse de bem por contrato de alienação fiduciária em garantia não pode levar a usucapião, seja pelo adquirente, seja por cessionário deste, porque essa posse remonta ao fiduciante, que é a financiadora, a qual, no ato do financiamento, adquire a propriedade do bem, cuja posse direta passa ao comprador fiduciário, conservando a posse indireta (IHERING) e restando essa posse como resolúvel por todo o tempo, até que o financiamento seja pago. II.- A posse, nesse caso, é justa enquanto válido o contrato. Ocorrido o inadimplemento, transforma-se em posse injusta, incapaz de gerar direito a usucapião. Recurso Especial não conhecido. (STJ - REsp: 844098 MG 2006/0094012-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 06/11/2008, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 06/04/2009)

A controvérsia do caso em tela surge em razão de uma ação de usucapião

extraordinária que envolve veículo proveniente de alienação fiduciária, vendido à

autora pela devedora fiduciária.

Com relação à alienação fiduciária abrangida no julgado, a ilustre Relatora

entendeu:

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A peculiaridade da hipótese reside, sem dúvida, na conjugação da disciplina da usucapião extraordinária de bem móvel com as regras relativas à Documento: 4412801 - RELATÓRIO E VOTO - Site certificado Página 3 de 6 Superior Tribunal de Justiça alienação fiduciária em garantia. Tal situação, porém, não é óbice à declaração da ocorrência da usucapião, porque a cláusula de inalienabilidade vedaria a aquisição da propriedade pela usucapião ordinária , mas não pela extraordinária , que é a modalidade de usucapião discutida na presente hipótese. Esse é o entendimento de Clóvis Bevilacqua (apud Benedito Silvério Ribeiro, op. cit., p. 523) e de Carvalho Santos, para quem “o usucapião é um modo de aquisição regulado pela teoria geral da posse e da propriedade; não tem base na alienabilidade e não há razão para tornar uma coisa e outra basicamente correlatas. ” (Código Civil Brasileiro Interpretado, 12.ª ed., v.2, Rio de Janeiro: Freitas Bastos, 1963, n. 4, p. 147).

Diante disto, é perceptível que, embora relevante o fato de se tratar de bem móvel

oriundo de alienação fiduciária, faz-se mister analisar cautelosamente o caso

concreto, sob a aplicação do disposto no art. 1.261 do Código Civil de 2002 e

observando a correspondência do fato com o que determina o referido artigo.

Sendo assim, se faz relevante proceder a uma análise do caso concreto com o

objetivo de identificar sua correspondência com os requisitos exigidos legalmente,

como feito no caso em comento, visto que a autora preenchia todos os requisitos

elencados pelo Código Civil para que a usucapião extraordinária seja configurada e

que a alienação fiduciária não poderia ser um impedimento ao exercício do direito da

autora; pois, como bem apresentado pela ilustre relatora, se isto ocorresse, haveria

benefício tanto da pessoa que vendeu o carro, quanto da empresa que é credora

fiduciária, restando prejudicada somente a parte autora, o que implicaria em

enriquecimento ilícito daquelas.

Destarte, se faz compreensível a importância dos requisitos legais e da

comprovação do preenchimento destes para que o Poder Judiciário possa fazer

valer o direito das partes de forma equânime.

Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul – Da Tradição

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RECURSO INOMINADO. ACIDENTE DE TRÂNSITO. REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS. ALEGAÇÃO DE QUE A PROPRIEDADE DO VEÍCULO QUE CAUSOU O ACIDENTE PERTENCE A TERCEIRO. CONFIGURADA A ILEGITIMIDADE PASSIVA, EIS QUE A TRANSFERÊNCIA DA PROPRIEDADE DE BEM MÓVEL SE PERFAZ PELA TRADIÇÃO, SENDO ESTA COMPROVADA PELO CONTRATO DE COMPRA E VENDA APRESENTADO. EXTINÇÃO DO PROCESSO SEM JULGAMENTO DO MÉRITO. RECURSO PREJUDICADO. (TJ-RS - Recurso Cível: 71005068218 RS , Relator: Léo Romi Pilau Júnior, Data de Julgamento: 27/02/2015, Quarta Turma Recursal Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 05/03/2015)

A lide discutida na jurisprudência acima trata de ação em que a parte autora objetiva

o reconhecimento de seu direito a receber indenização por danos materiais

causados, supostamente, pela ré em seu veículo automotivo.

Em decisão, o Relator da 4ª Turma Recursal Civil da Comarca de Porto Alegre

alegou ilegitimidade passiva da ré, extinguindo o processo sem julgamento de

mérito, já que uma das condições da ação estava ausente.

Segundo o Código Civil brasileiro, a propriedade só se perfaz com a entrega da

coisa, ou seja, através da tradição. Tal afirmação se encontra expressa no artigo

1267, caput, do referido Código.

Art. 1.267. A propriedade das coisas não se transfere pelos negócios jurídicos antes da tradição.

No caso em questão, a ré possuía contrato comprovando que alienou o bem para

terceiro, além da entrega do bem ter ocorrido antes do fato.

Para que a tradição de bens móveis se consubstancie, as etapas da convenção

(negócio jurídico celebrado entre as partes), e da execução (entrega propriamente

dita do bem alienado) devem estar presentes. Dessa forma, percebe-se que houve a

tradição do veículo, já que o acidente de trânsito aconteceu posteriormente à

tradição da coisa pela ré, alem de ter sido comprovada a existência de contrato

firmado entre réu e terceiro que tratava sobre a venda do automóvel.

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A Súmula 132 dispõe o seguinte:

A ausência de registro da transferência não implica a responsabilidade do antigo proprietário por dano resultante de acidente que envolva o veiculo alienado.

Assim, mesmo que não tenha sido feito registro do bem em órgão competente, o réu

não pode ser responsabilizado, já que a transferência real do veículo se deu através

da tradição feita pelo alienante ao alienado. Quem possui responsabilidade civil para

reparar os danos causados ao automóvel da autora é o terceiro e não a ré, restando-

se correta a preliminar de ilegitimidade passiva arguida pelo douto Relator da Turma

Recursal.

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4 CONCLUSÃO

Desta forma podemos concluir que apesar de serem pequenas as

alterações com relação à matéria da aquisição da propriedade móvel no código civil

de 2002, em contraposto com o código civil de 1916, devido à maior relevância que

a lei concede à propriedade imóvel, este tema tem ganhado força devido ao

aumento desenfreado das relações de consumo que ocorrem no mundo.

Assim, tem-se necessidade de promover a cada dia uma proteção aos

bens móveis, ao direito que o proprietário tem de reaver a posse direta do bem que

em determinado momento não esteja sobre o seu domínio, bem como o dever de

proteger a igualdade entre as partes quando encontrado um tesouro de quem não se

sabe quem é, como regulamenta o código civil 2002.

Ademais, o código civil também traz a regulamentação de todos os meios

de aquisição desta modalidade de propriedade, ainda que pareçam poucos artigos,

nenhuma das modalidades foi esquecida.

Portanto, este trabalho foi de grande importância para todos os membros

do grupo, pois, ao longo da pesquisa, surgiu a oportunidade de adquirir um

conhecimento mais aprofundado sobre o tema e desta forma tentar transmitir aos

demais alunos.

''A terra e as águas, as árvores e mais seres ligados à terra, fazem-nos um como tapete fixo em que o que é móvel apenas marca, aqui e ali, os seus passos e os seus caminhos" (Pontes de Miranda, 1971, v. 15:5).

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