mitos, crencas e supersticoes no concelho de faro

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    DEPARTAMENTO DE CULTURA

    DIVISO DE MUSEUS, ARQUEOLOGIA E RESTAURO

    Mitos, Crenas e Supersties no Concelho de Faro

    Fernanda Zacarias (2011)

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    Na escurido do desconhecido

    o Homem busca a razo

    e na crena e superstio

    Que ele alcana o sentido

    (Fernanda Zacarias)

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    NDICE

    Introduo.5

    PARTE I Lendas Associadas ao Concelho de Faro.............7

    Lenda da Moura de Faro....9

    Lenda do Mourinho Encantado11

    Lenda O Falso Juramento.12

    Lenda da Moura de Milreu...13

    Lenda de Santa Maria..19

    Lenda da Festa da Pinha.20

    Lenda de Alface....21

    Lenda de Estoi...21

    Lenda da esttua de S. Toms de Aquino, situada no nicho do Arco da Vila.25

    O Palcio das Lgrimas...25

    A Lenda da Costureirinha.26

    Lenda do Sino da Igreja de S. Pedro..26

    PARTE II Crenas e Supersties32 Crenas e Supersties Relacionadas com Animais..33

    Crenas e Supersties Relacionadas com Vegetais ......39

    Crenas e Supersties Relacionadas com Alimentos..40

    Crenas e Supersties Relacionadas com o Corpo.42

    Crenas e Supersties Relacionadas com Objetos..43 Crenas e Supersties Relacionadas com o Namoro e o Casamento..45

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    Crenas e Supersties Associadas Gravidez, ao Parto e ao Nascimento.46

    Crenas e Supersties Relacionadas com o Ano Novo..48

    Crenas e Supersties Relacionadas com os Astros...49

    Crenas e Supersties Relacionadas com os Santos Populares50

    Crenas e Supersties Relacionadas Cura.53

    Rezas de Proteo e Sorte.59

    Amuletos. 62

    Crenas e Supersties Diversas...63

    Adgios Populares..67

    Bibliografia....69

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    INTRODUO

    Tal como em outras localidades do pas, Faro tambm tem o seu memorial de mitos, lendas e histrias ligados ao mundo do imaginrio e do sobrenatural. Uns, ligados a factos histricos, outros, santidade e atos heroicos e milagreiros, outros ainda, fruto de temores e medos, ligados obscuridade de entidades malficas, associados sempre a duas realidades opostas: sagrado e profano.

    Se por um lado, lendas associadas a encantamentos de mouras, santos milagreiros, espaos e objetos de culto e venerao, levavam as pessoas prtica de rituais de devoo, como podemos dar o exemplo, das preces, e promessas aos santos em troca de graas, amuletos protetores, lugares com sinais sagrados, como as fontes santas devido s propriedades milagrosas das suas guas, ou rituais de cura como o banho na vspera de S. Joo, que com o seu poder, santificava as guas dos rios, ribeiras e praias, apaziguando os males do corpo. Por outro lado, as foras malficas que se manifestavam na escurido, com os seus rituais profanos e satnicos, como bruxas e lobisomens com seus cerimoniais noturnos ao longo das encruzilhadas e caminhos sombrios, especialmente em noites de lua cheia, aparies, casas e recantos ditos assombrados, tornavam-se mitos passados atravs do testemunho oral, de gerao em gerao, semeando o receio, at mesmo dos mais cticos, que evitavam a todo o custo desafiar o desconhecido, evitando a passagem por locais ermos e isolados, acompanhados pelo silncio e pela solido do anoitecer, onde qualquer barulho, luz ou vestgio estranho encontrado, poderiam ser sinais atribudos passagem da diablica. Mas a fuga e a precauo, nem sempre surtiam o efeito desejado e muitos, eram confrontados com as foras do mal, que os perseguiam, ameaavam e afligiam.

    Histria, crena, superstio, ou apenas fruto da imaginao?

    Foras do mal, foras do bem, histrias do mundo real ou do alm, o facto que sobreviveram ao tempo das geraes das avozinhas e muitas delas ainda

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    esto hoje, bem presentes na memria dos que experienciaram ou simplesmente ouviram contar. Acreditando ou no, so testemunhos da tradio que identifica a cultura de um povo, de uma comunidade e de um lugar.

    Desta forma, e porque passado, presente e futuro esto intrinsecamente relacionados, numa corrente eterna que importa no quebrar, nem negligenciar, aqui ficam neste despretensioso trabalho, alguns dos registos recolhidos da memria escrita e oral, que convm no deixar apagar, da imensido cultural que representa a nossa identidade.

    Este trabalho de investigao est estruturado em duas partes: Uma relacionada com lendas associadas ao Concelho de Faro, e outra, associada s crenas e supersties que povoam o imaginrio popular.

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    LENDAS, ASSOCIADAS AO CONCELHO DE FARO

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    A diversidade das lendas de Faro, que tm ultrapassado a fronteira dos sculos, constituda por imensa diversidade temtica. Assim, temos as histrias de mouras e mouros encantados, que apareciam em diversos locais de Faro, fazendo os seus encantamentos e que levavam muitos ao pnico, devido aos feitios que estas criaturas com seus poderes ocultos lhes pudesse fazer e outros, mais ousados e determinados cediam tentao de receber aquilo que as mesmas lhes ofereciam atravs dos seus encantamentos.

    Tambm os milagres associados a determinados lugares, as crenas e supersties diversas associadas a assombraes de seres fantasmagricos como as bruxas e os lobisomens, ou ainda as aparies de almas penadas, vindas ao mundo dos vivos em busca de auxlio, por promessas que no cumpriram em vida, constituam mistrios que envolviam todo o imaginrio popular.

    Estas vivncias dos elos temporais de outrora, encontram-se quase apagadas na memria do presente. Delas, apenas se vislumbram fragmentos retidos na memria dos mais velhos. E desta temporalidade, composta por histrias, lendas e factos sobrenaturais, que importa ofertar, preserva e difundir, porque imaginrio ou no, o facto, que elas fazem parte de uma realidade, que se chama cultura, identidade ou comunidade. E nalgumas dessas histrias, lendas e crenas, que fazem parte da imensido cultural de Faro, que seguidamente, iremos abordar.

    Em Faro, existe como em outras zonas do Algarve, uma fertilidade de lendas ligadas a mouras e mouros encantados, que apareciam nos mais variados locais, tentando muitos com os seus encantamentos.

    Foram muitos os autores que tentaram resgatar estas preciosas memrias, para que no se apagassem atravs dos tempos. Destes, poderemos citar Francisco Xavier DAtade Oliveira, Jos Viale Moutinho, Lus Chaves, Maria Jos Fraqueza, Morais Lopes E Gentil Marques, entre outros. Dessas memrias, tentamos citar neste trabalho algumas das mais conhecidas e contadas.

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    Lenda da Moura de Faro

    Esta lenda encontra-se associada tomada de faro aos Mouros. Conta a histria de uma moura encantada, filha de um governador mouro, que se apaixonou por um cavaleiro do exrcito cristo, encarregado de dirigir o exrcito. Devido a isso, a moura e o pequeno irmo de oito anos que a acompanhava, foram acusados de traio por seu pai e por isso enfeitiados e condenados a ficar para sempre naquele local at ao fim do mundo. Mais pormenorizadamente, segue-se a transcrio desta lenda, contada por Francisco Xavier d Atade Oliveira, no seu livro As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve.

    Parte das foras, que atacaram o castelo de Faro, foram colocadas no largo atualmente chamado de S. Francisco, e estas foras eram comandadas por um brioso oficial, robusto e formoso rapaz, solteiro. Este oficial pde ver em certa ocasio a formosa e gentil filha do governador mouro e dela ficou enamorado. A presena agradvel e o aspeto belicoso do nosso oficial no passaram despercebidos moura, e esta, em breve tempo, estava em relaes amorosas com o valente oficial, por intermdio de um seu escravo, tambm mouro, e que conhecia perfeitamente as lnguas portuguesa e sarracena.

    Em certo dia conseguiu o oficiai que a sua namorada o recebesse em curto rendez-vous dentro do castelo, combinando-se que o mouro intermedirio lhe abrisse, alta noite, a porta, hoje da Senhora do Repouso. Antes da noite dirigiu-se o oficial a alguns dos seus camaradas e disse-lhes:

    - Espero entrar esta noite dentro do castelo pela porta do nascente. Se no voltar, depois de pequena demora, porque ca num lao bem urdido; e ento peo-lhes que se o castelo for tomado e lhes venha s mos a filha do governador a poupem e a no maltratem. Certamente ela no contribuiria para tal traio.

    Prometeram-lhe os camaradas cumprir as suas ordens, depois que reconheceram a impossibilidade de o demover da sua empresa.

    hora marcada entrou o oficial no castelo e ai em doce colquio se entreteve com a dama dos seus encantos. hora de sair, acompanhou ela o seu querido namorado at porta do castelo, levando consigo um irmo, criana de oito anos.

    Quando se aproximaram da porta, disse-lhes o escravo, que da parte de fora estava muita gente, pois que mais de uma vez lhes chegavam aos ouvidos vozes abafadas. A gentil moura estremeceu.

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    No tenhas medo: respondo pelos que esto de fora, disse o oficial moura, dando-lhe o beijo da despedida.

    Neste momento o criado destrancou a porta, fazendo pequeno rudo. Ento foi a porta impelida de fora para dentro com muita fora e um grupo de soldados cristos, numa vozearia de estontear, comeou a gritar pelo seu oficial. A este impulso gigantesco, o oficial recuou um passo e susteve nos braos a sua gentil moura, colocando-a sobre os ombros e dizendo em voz alta:

    Para trs, para trs: estou aqui.

    J a este tempo soava por todo o castelo a voz de alarme. Armados at aos dentes afluram os defensores porta do nascente. O oficial, segurando nos braos a moura gentil, viu-se em iminente perigo. Avanou para fora com a moura, e, quase ao transpor a porta, hoje conhecida pela Senhora do Repouso, notou que tinha nos braos no uma formosa jovem, mas apenas uns farrapos, que se desfaziam mais pequena e leve aragem. Olhou ao lado pela criancinha e no a viu. Ento teve a profunda e tristssima compreenso da sua desgraa. Caiu no cho sem sentidos. Passadas horas tornou a si o oficial e viu-se deitado na sua cama sob a barraca de campanha. Tinha ao seu lado um camarada, de quem era amigo ntimo.

    Quem me trouxe para este lugar? Perguntou.

    No fales porque te faz mal. O fsico proibiu que falasses.

    Eu estou bom, disse o oficial, erguendo-se de um salto. Quem me conduziu para aqui?

    Eu e os nossos camaradas. Eslavas cado entre a porta do castelo.

    E a filha do governador?

    O amigo nada lhe soube dizer da filha do governador. Contou-lhe que, tendo esperado com alguns camaradas a sua sada do castelo, tinham resolvido entrar fora, supondo que o teriam morto, e que o governador ousado acudira com suas numerosas foras a rechaaram a pequena fora portuguesa. Nesse momento acudiram as foras do Mestre e de D. Joo de Aboim e os mouros tinham sido forados a entregar o castelo, mediante uma avena com o Rei D. Afonso.

    O oficial saiu da barraca e pediu ao amigo que o deixasse. Dirigiu-se porta do castelo. Ao entrar pelo Arco da Senhora do Repouso viu ao lado esquerdo a cabea de uma criana que se assomava por um buraco.

    O que fazes a, menino? perguntou o oficial, conhecendo o irmo da sua namorada. Estamos aqui encantados: eu e minha irm.

    Quem vos encantou?

    O nosso pai. Soube por uma espia que levavas nos braos a minha irm acompanhada por mim, e, invocando Allah, encantou-nos aqui, no momento em que transpunhas a porta. Por atraioarmos a santa causa do nosso Allah aqui ficaremos encantados.

    Por muito tempo?

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    Enquanto o mundo for mundo.

    O oficial, um valente, no pde suster as lgrimas. Quis ainda perguntar criana pela irm, mas a criana desaparecera.

    Nunca mais ningum viu o oficial rir. Terminado o cerco, pediu licena ao Rei e recolheu-se a um convento, onde professou, adotando outro nome.

    (Francisco Xavier dAtade Oliveira, As Mouras Encantadas e os Encantamentos no Algarve, Loul, 1996, pp. 148-150)

    Na obra As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve, Francisco Xavier D Atade Oliveira, refere que o Arco do Repouso, era um lugar frtil no que respeita ao aparecimento de mouros e mouras, que com os seus encantamentos, levavam ao temor de alguns, que fugiam perante estas vises, e tentao de outros, que no resistiam s promessas atraentes que estes seres lhes ofereciam. Destas aparies mencionadas na obra do autor, relacionadas com este local cita-se a seguinte:

    Lenda do Mourinho Encantado

    Reza a lenda, que um martimo, ao ir buscar a sua barca que se encontrava junto Porta Nova, teve de passar pelo arco do Repouso. Ao passar junto capela da Senhora do Repouso avistou um mourinho, que o chamou. Assustado o martimo perguntou-lhe o que queria dele. O mourinho convidou-o ento, a visitar o seu palcio, cuja porta se situava debaixo do altar da Senhora do Repouso. O martimo assustado fugiu daquele local e quando chegou Porta Nova, desmaiou.

    Segundo esta lenda, h quem diga que os mais corajosos aceitavam o convite do mourinho, e que ao chegar ao palcio, verificavam que dentro dele tudo era de ouro. A estes, o mourinho oferecia todo o ouro que quisessem levar. Apesar da sua generosidade, cada pessoa que aceitava o convite do mourinho, s tinha direito a visitar o palcio uma nica vez.

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    Francisco Xavier DAtade Oliveira, refere na sua obra As Mouras Encantadas e os Encantamentos do Algarve, que um dos locais referenciados com aparies desse tipo, era uma casa localizada na Rua da Parreira, onde segundo o autor seriam avistados mouros encantados por volta da meia-noite.

    Tambm Santo Antnio do Alto local para o aparecimento de mouras e mouras encantadas, bem como o Rio Seco.

    Lenda O Falso Juramento

    Esta lenda, intitulada: O Falso Juramento, passada no Rio Seco, e retrata a histria de uma lavadeira, a quem um mouro encantado lhe apareceu e a pediu em casamento. Como a lavadeira no sucumbiu de imediato aos seus desejos, o Mouro, pediu-lhe que pensasse na sua proposta, e que l voltasse no dia seguinte, pedindo-lhe que no contasse o sucedido a ningum.

    Apesar disso, a rapariga revelou me o que se havia passado, tendo sido advertida pela mesma, que se trataria de um mouro encantado que veio at ela atrada pelo seu canto e recomendou filha, que quando voltasse para se reencontrar com o mouro, deveria levar consigo, uma cruz, pois seria esta a forma de ver quais as intenes deste para com ela. Mais pormenorizadamente, se transcreve a lenda contada por Jos Viale Moutinho.

    De Harune o nome da terra foi a Haron, de Haron passou a Faro e s passando o sculo XVI que o topnimo se estabeleceu em Faro. Pois ao tempo desta lenda ainda era Faro e o Rio Seco ainda era beneficiado com a entrada das mars. Pois esto a ver essa graciosa rapariga que est a lavar um monte de roupa fina? a Joana, mas a roupa no dela. A me contratou lav-la a um jovem casal de posses residente em Faro e a filha que faz o trabalho. E como ela canta!

    Canta, mas vai pensando na sua vida. Apesar de tudo, bem lhe apetecia ser dona daquela roupa, banhar-se nas lmpidas guas do rio e vestir to belos linhos. Sim, que ela tinha a noo que no era nenhuma cara feia. Vaidosamente, Joana olhou as guas. E teve um estremecimento. Havia um homem junto de si! Joana voltou-se e encarou-o. Era jovem e bonito. Mouro, decerto era da fortaleza que havia mais em cima. Cumprimentaram-se, ela enleada. Ele gabou-lhe a voz e disse

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    que precisava falar-lhe, que deixasse a roupa que faltava lavar para o dia seguinte. Insistindo ela no que queria, respondeu-lhe o mouro vir ao seu chamado, o que muito a surpreendeu, pois no s no o conhecia como nem o chamara! Ele disse que gostava dela, props-lhe casamento e Joana sempre a dizer que no. O mouro, ento, pediu-lhe que ela pensasse at ao dia seguinte, mas no trouxesse a me consigo, que aquilo era coisa s deles. E tambm, por isso mesmo, nada dissesse em casa. E l foi ela ouvir da me um raspanete por no ter lavado a roupa toda. Porm, a me achou-a esquisita e p-la a falar. A filha contou-lhe tudo e foi a me que lhe disse como ela chamara o mouro: com uma cantiga!

    Cuidando do meu cuidado

    Fui ao Rio para lavar

    Mas logo um mouro encantado

    Apareceu a meu lado

    Para comigo casar.

    Mas porque mouro encantado

    Crist no pode levar!

    A me aconselhou-a a levar uma cruz e a obrig-lo a jurar por ela. Assim se veria se ele tinha boas intenes. E a rapariga assim fez. Disposta a casar com ele, bastaria que o mouro se prestasse quela pequena prova. Doutro modo seria o que a me mais temia: tratar-se-ia de um dos mouros encantados no palcio que havia por debaixo do rio

    L se encontraram os jovens no rio, logo na manh seguinte, tal como o combinado. Ele hesitou mas acabou por estender a mo sobre a cruz e jurar que casava com ela e a amava. Porm, ao fazer isto, ouviu-se um trovo, fugiu-lhe o cavalo e ele desapareceu tambm para nunca mais aparecer.

    - Que pena, era to bonito

    E assim se salvou Joana.

    (Jos Viale Moutinho, Lendas de Portugal, Lisboa, Dirio de Notcias, 2003, p.95)

    Lenda da Moura de Milreu

    Esta lenda, fala sobre um almocreve de S. Brs de Alportel que no caminho para Faro, encontrou uma moura encantada, que lhe pediu que a acompanhasse at ao seu rico palcio. No entanto, verificou assustado, que nele, se encontravam acorrentados um leo e uma serpente. A moura disse-lhe ento, que o leo era seu irmo e a serpente sua irm. Seguidamente props

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    ao almocreve uma vida de riqueza e opulncia, se em troca ele aceitasse ser engolido e vomitado trs vezes pelo seu irmo (leo) e abraado trs vezes pela sua irm (serpente), ficando ferido, nas zonas do corpo por onde a serpente se enroscasse e que aps tal feito aceitasse ser beijado por ela (moura), consentindo desta forma que ela lhe retirasse os santos leos que ele recebera do batismo. Assustado, o almocreve pediu moura para pensar, prometendo-lhe em breve trazer uma resposta. Esta aceitou e ainda lhe ofereceu duas barras de ouro. Voltando para casa, escondeu o ouro e nada falou sobre o que lhe tinha acontecido.

    Passados alguns anos, o almocreve comeou a sentir que os negcios lhe estavam cada vez mais a correr mal, chegando mesmo a ficar na misria. Resolveu ento vender as barras de ouro que a moura lhe oferecera, mas verificou que a partir do momento que tomou essa deciso foi perdendo aos poucos a viso at ficar completamente cego. Desesperado, procurou salvar-se indo a um famoso oftalmologista em Faro, procurando assim, a cura para o seu mal.

    No caminho, ao passar por Milreu, foi novamente confrontado pela moura, que o acusou de faltar ao prometido, dizendo-lhe que a sua cegueira, era fruto da sua traio. Desesperado, o almocreve pediu moura que lhe perdoasse. Esta, verificando que apesar de faltar palavra, o almocreve no contou a ningum a sua histria, nem a dos seus irmos e comovendo-se com o desespero do almocreve, prometeu devolver-lhe a viso.

    Chamava-se Jos Coimbra, para uns, ou (Ti Z da Serra), para outros, era almocreve, e fazia a sua vida percorrendo os caminhos do Algarve, especialmente entre Faro e S. Brs de Alportel.

    Ora um dia dia bonito de primavera bonita, segundo me disseram - ia o nosso Jos Coimbra, (ou Ti Z da Serra), guiando o seu jumentinho pela estrada fora, quando ao passar junto s runas de Milreu, a a uns duzentos metros de Estoi, viu qualquer coisa que o deixou pregado terra, de olhos esbugalhados e de garganta entupida enquanto o burrinho, cheirando tambm a mistrio, desaparecera para no mais ser visto.

    Mas que acontecera, afinal? Apenas o seguinte: aparecera uma moura encantada ao Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra). E que moura formosa ela era! Cabelos loiros, olhos azuis, vestida com um manto de princesa, e sorrindo.

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    Sorrindo como s os anjos certamente sabiam sorrir. Os anjos e as verdadeiras mouras encantadas

    O primeiro impulso do almocreve, logo que se sentiu voltar a si, foi esfregar os olhos para ver se estava a sonhar ou no. E esfregou com fora. Com muita fora.

    No, no havia mais dvidas: era uma linda moura encantada que o olhava e lhe sorria! Ele lembrou-se das histrias contadas por seus pais, que Deus j levara para a sua santa guarda. Sim, bem lhe tinham dito (e por mais de uma vez) que ali, em Estoi e nos arredores (como alis em todo o Algarve), havia muitas, muitas mouras encantadas.

    Mas aquilo nunca lhe acontecera. E para mais assim, to de repente

    O Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra) suspirou de tal maneira, que a bela apario sorriu ainda mais. E numa voz que parecia cntico de sereia ou trinado de passarinho disse apenas:

    - No tenhas medo Vem comigo!

    E o Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra), como voz corrente na regio, foi mesmo, seguindo o caminho indicado pela moura encantada.

    No andaram muito, porque a certa altura, a moura parou. E com o seu pzinho descalo o Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra) nunca vira p to bonito!.. bateu na terra. Uma vez. Duas vezes. Trs vezes. E logo se abriu um alapo.

    Por um instante, o almocreve ainda pensou fugir. Mas ela olhou para ele e ele perdeu toda a coragem.

    - Vamos Desce atrs de mim.

    E desceram ambos uma escadaria de mrmore, que os levou a uma sala enorme cheia de ouro por todos os lados. As paredes eram de ouro. E de ouro o belo teto, tambm.

    A moura encantada indicou-lhe uma cadeira de ouro, para que se sentasse.

    - espera s um instante Eu volto j. O almocreve sentou-se, sem foras para reagir. Sentia uma tremura estranha em todo o corpo, e um rudo esquisito zunia na sua cabea. Ah, se aquilo fosse apenas um sonho! Mas no, era realidade. Absoluta realidade!

    E mexeu-se, e beliscou-se a si prprio, para novamente ter a certeza de ainda estar vivo. L isso estava Mas por quanto tempo?

    De repente, voltou a deixar de pensar. O que viu pregou-o cadeira. Pregou-lhe o corpo, a voz e o pensamento. Mesmo que quisesse, no seria capaz de dar um nico passo. Mesmo que quisesse, no seria capaz de dizer uma nica palavra.

    Diante dos seus olhos esgaseados, estava agora a bela moura encantada, segurando de um lado um terrvel leo, e do outro lado uma no menos terrvel serpente.

    - Escuta pobre homem: queres trocar a vida miservel que tens por uma vida de opulncia, e ser possuidor deste palcio e de todo o ouro que ele possui?

    E como o Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra) nada respondesse, ela insistiu:

  • 16

    - Queres ou no?

    Ento, num arranco de coragem, o homem conseguiu gritar uma resposta:

    - Quero sim!

    Mas logo se encolheu, temeroso do que lhe podia acontecer. E gaguejando atirou uma pergunta que refletia toda a sua inquietao:

    - Mas ms para isso queque tenho eu de fazer?

    Sem se mexer donde estava, a moura encantada respondeu-lhe calmamente, vagarosamente:

    - tens de aceitar trs condies

    Em primeiro lugar, sers trs vezes engolido e trs vezes vomitado por meu irmo, que est transformado neste leo. Depois, trs vezes sers tambm abraado por minha irm, que est transformada nesta serpente, e que deixar o teu corpo em chaga nos pontos em que te tocarE por fim eu beijar-te-ei a fronte, para te tirar os santos leos que recebeste no batismo

    Houve um silncio. Silncio pesado, enervante, cruel. Silncio de expectativa e de angstia.

    O almocreve olhou a medo para o leo e para a serpente. No seu intimo, quis rezar, mas no se lembrou das oraes. Todo ele tremia, por dentro e por fora. Mas conseguiu falar, apesar de tudo.

    - deixe-me pensar na sua proposta depois lhe virei dizer o que resolvo Est bem?

    E quando ele pensava que a moura encantada ia dizer que no, pelo contrrio ela mandou embora o leo e a serpente, pegou em duas barras de ouro e deu-as ao almocreve.

    - Toma Isto para te ires acostumando ao peso do ouro Ficarei espera da tua resposta.

    E apontou as escadas, ao cimo das quais o alapo j estava aberto. E o Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra) subiu o mais depressa que lhe foi possvel, carregando as duas barras de ouro.

    E assim que se apanhou em liberdade, apesar do peso que transportava, comeou a correr como se tivesse vinte anos de idade

    Sabe-se (e diz-se) que ele entrou em casa j de noite e com as maiores cautelas. No queria que ningum descobrisse o que trazia consigo. Nem a prpria mulher

    Assim, escondeu logo as duas barras de ouro e deitou-se sem nada contar. Mas teve um terrvel pesadelo, que o fez revolver-se e gritar como um possesso, acordando toda a vizinhana.

    Em sonhos, ele vira-se a ser engolido e vomitado pelo leo e a ser abraado pela serpente

    O pior foi que da em diante, todas as noites, o Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra) passou a ter pesadelos violentos, alucinantes.

  • 17

    Apesar disso, ele guardou silncio. E aos poucos, os pesadelos foram diminuindo e acabaram por desaparecer.

    O almocreve julgou-se salvo. Salvo para sempre, e ainda por cima possuidor de duas barras de ouro

    Mas enganava-se. Depois dos pesadelos, vieram os maus negcios. O Jos Coimbra (ou Ti Z da Serra) comeou a arruinar-se, a empobrecer, e ficou na misria. Na mais negra misria!

    Pensou ento que somente teria uma possibilidade de resolver o seu dramtico problema: vender as barras de ouro que tinha escondidas. Sim, vend-las, por exemplo, numa feira grande onde lhe dariam decerto bom dinheiro por elas. E se o pensou, melhor o quis fazer Correu em busca das duas barras de ouro e olhou-as como autntica tbua de salvao. Porm, maneira que as fitava, ia sentindo perder a vista. S teve tempo de as guardar de novo e saiu dali a correr, como um treslocado, gritando que estava cego!

    Uma desgraa nunca vem s diz o povo, com razo e o velho adgio confirmou-se na vida de Jos Coimbra ou Ti Z da Serra, o almocreve de Estoi, como lhe chamavam por ali.

    Cego! Nem rezas, nem bruxarias, nem remdios o conseguiram curar. O pobre homem passou a viver num mundo horrvel de escurido. At que um dia, j desesperado, resolveu ir gastar os ltimos patacos com um especialista de olhos, em Faro, do qual se diziam maravilhas

    Acompanhado pela mulher, que o ajudou a montar num jumento quase to velho e intil como ele o almocreve partiu a caminho de Faro. Era a sua ltima esperana.

    A por altura das runas de Milreu, a duzentos metros de Estoi e conforme se continua a recordar, de gerao em gerao houve necessidade de parar para alimentar os dois jumentinhos, o dele e aquele em que seguia a mulher. O almocreve desceu e ficou sentado numa pedra, beira do caminho, enquanto a mulher foi tratar dos animais.

    De sbito, o Jos Coimbra ou (Ti Z da Serra teve a perceo ntida de que se encontrava mais algum junto dele. - Quem est a?

    E aos seus ouvidos chegou a voz que ele bem conhecia, a voz da moura encantada:

    - Sou eu. Eu, que tenho estado espera da resposta que no mais quiseste dar Faltaste tua promessa!

    Ele no falou. No sabia que dizer. No sabia como desculpar-se E a moura continuou, na mesma vozinha que mais parecia cntico de sereia ou trinado de passarinho:

    - por isso, por teres faltado tua promessa, que tu ests assimpobre e cego! o teu castigo E se te poupei a vida foi s porque nunca revelaste o meu segredo e o segredo dos meus irmos.

    Nessse instante, a amargura que havia no interior do homem desfez-se em lgrimas. Ele teve pena da moura encantada e dos seus irmos, encantados tambm. Pena sincera. E chorou

  • 18

    Como se essas lgrimas tivessem alcanado o corao da bela moura, esta disse depois, numa voz emocionada:

    - Vou perdoar-te, porque s bom

    Volta portanto para casa; e amanh de manh, antes do sol nascer, senta-te tua porta Com os primeiros raios de luz, os teus olhos daro dois estalos, e tu ficars a ver de novo Primeiramente vers as casas do Padre Jos Dias depois as gaiolas e os canrios e depois tudo o que tu quiseres!

    Mesmo cego, ele quis agarrar-lhe as mos para as beijar, num agradecimento. Mas s encontrou o vazio. Nada mais. A moura encantada desaparecera por completo!

    Quando a mulher voltou, ficou espantada ao v-lo de p.

    - Que isso homem? Que queres tu?

    - ainda bem que aparecesteQuero voltar para casa!

    O espanto encheu o rosto dela.

    - Como? Que dizes?

    - Quero voltar para casa! No ouviste?

    O espanto dela foi ainda maior.

    - Mas que se passou?

    - No se passou nada. Resolvi no ir a Faro. Tens alguma coisa a dizer?

    - No. Tu que mandas Mas pensei que querias consultar o tal especialista

    - No vou. Prefiro guardar o ltimo dinheiro que me resta Vamos!

    E regressaram, melancolicamente. Cada um pensando para si. A mulher sem atinar na resoluo do marido. O almocreve ansiando que chegasse a manh seguinte, mas sem divulgar o seu segredo

    -Foi ele o primeiro a acordar- se que chegou a dormir

    - Mulher, leva-me l para foraQuero sentar-me porta.

    - To cedo, homem?

    - Sim Quero sentir o sol a nascer, j que no o posso ver E ela fez-lhe a vontade. Sentou-o no poial, cuidadosamente, e deixou-lhe o bordo para ele se apoiar, enquanto ela varria a casa.

    Passaram uns minutos. Dali a pouco apareceram as primeiras luminosidades do Sol. E logo o Jos Coimbra ou Ti Z da Serra) ouviu dois estalos na sua prpria cara. Era verdade! O milagre dera-se! De um pulo, ele ergueu-se, gritando:

    - Eh mulher, vem c depressa! J vejo outra vez! Olha, olha Vejo o Sol as casas do Senhor Padre Jos Dias as gaiolas e os canrios e os campos e tudo! J vejo outra vez! A mulher veio correndo, assombrada. E mais assombrada ainda ficou, quando viu que era verdade. O marido recuperara a vista! Caiu de joelhos junto dele, exclamando.

  • 19

    - Louvado seja Deus! A partir dessa manh, segundo se diz, viveram sempre felizes e contentes, e o almocreve de Esti voltou a ser o almocreve mais ligeiro daqueles stios.

    Mas, ao que parece, no tornou a passar pelo stio de Milreu, preferindo fazer caminhadas muito mais longas para se afastar desse local embora no se soubesse porqu

    E tambm no se sabe o que foi feito das duas barras de ouro escondidas por ele. Sabe-se, sim, que a bela moura continua ainda espera de quem a queira desencantar e desencantar os seus dois irmos, transformados em leo e em serpente

    (Gentil Marques, Lendas de Portugal, III Vol., Porto, universus, 1962-1966, pp. 209-215)

    Lenda de Santa Maria

    A lenda de Santa Maria de Afonso X refere um milagre ocorrido na cidade de Faro durante o domnio rabe.

    Segundo reza esta lenda, a imagem da Virgem Maria estava situada nas muralhas, colocada pela comunidade crist. Num dia, aps algumas lutas entre cristos e muulmanos, os muulmanos, por vingana, retiraram a imagem da Virgem das muralhas, atirando-a ao mar.

    Como castigo, a partir da, os pescadores nunca mais conseguiram pescar qualquer peixe, trazendo sempre as redes vazias.

    Devido a este facto, os cristos indignados solicitaram aos rabes, que voltassem a repor a imagem de onde a tiraram. Percebendo que isso era uma punio pelo ato que cometeram, os muulmanos foram buscar a Virgem ao mar e voltaram a coloca-la de novo nas muralhas.

    A recompensa por tal feito, foi o milagre do reaparecimento de uma grande abundncia de peixe no mar.

    Mas no s de mouras e mouros encantados se retratam as lendas associadas a Faro. Estas, so de tal forma diversificadas, que se retratam nas mais

  • 20

    diferentes temticas. Dessas, citaremos algumas, das mais conhecidas e faladas.

    Lenda da Festa da Pinha

    Conta, uma lenda antiga, que em tempos muito remotos, um pequeno grupo de almocreves de Estoi, quando nos seus afazeres comerciais durante a perigosa travessia da serra do Algarve, parou para descanso das mulas carregadas de mercadorias, foi atacado por uma enorme alcateia de lobos esfaimados. Aterrorizados com a desproporo de foras e em vias de ser todos mortos pelos lobos, os almocreves aflitos tiveram uma viso da Senhora do P da Cruz (a Piet), que a Igreja Catlica festejava nesse dia e invocaram a sua proteo. De imediato, ganharam novas foras, investiram que nem gigantes contra os lobos enraivecidos e como por milagre conseguiram pr os bichos em debandada. Regressados aldeia, ainda noite serrada, iluminados luz de archotes, deram vivas sua alegria e dirigiram-se em romaria Igreja do P da Cruz onde agradeceram sua protetora. Tomaram a Senhora do P da Cruz como sua Padroeira, associaram-se Sua Confraria e prometeram que no mais deixariam cair no esquecimento o milagre da sua salvao, passando a ser eles, que a partir da, organizaram anualmente em Estoi, a festa de homenagem Senhora do P da Cruz, que se tornou a mais querida do povo Estoiense.

    No primeiro quartel do sculo XIX, Jos Coelho de Carvalho, Morgado do Ludo, era o maior empreendedor do Algarve dessa poca e tornou-se no primeiro exportador da cortia da nossa serra. Tinha como seus parceiros privilegiados no negcio os almocreves de Estoi, que adquiriam a matria-prima diretamente aos produtores e lhe entregavam para exportao. Fixaram como data dos seus pagamentos aos almocreves, o Dia da Festa da Padroeira destes e comearam a partir da, no final do acerto de contas, a realizar um grande almoo no Ludo sombra dos pinheiros da Quinta do Morgado. Ao fim do dia, o regresso aldeia de Estoi era feito em grande jbilo e no esquecendo a promessa dos seus antepassados dirigiam-se, como aqueles, em romaria e luz dos archotes Igreja da Padroeira, gritando vivas Nossa Senhora, em agradecimento pelo Milagre Antigo, mas tambm pela proteo e os bons negcios que lhes proporcionara nesse ano. Frente Igreja da Padroeira

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    acendiam uma enorme fogueira com pinhas trazidas do Ludo e plantas aromticas como o alecrim.

    No perodo do Liberalismo com a extino das Ordens e Confrarias religiosas, a festa teve de perder o nome original de Festa da Senhora do P da Cruz e passou a designar-se Festa da Pinha, maneira subtil de poder manter, numa poca de perseguies religiosas, a sua devoo e a promessa feita Nossa Senhora pelos seus antepassados.

    E assim, que passados sculos da sua criao, a Festa da Pinha se mantm viva, mobiliza todo o povo Estoiense e se tornou a festa mais carismtica e pura de toda a regio Algarve.

    Jos Antnio de Paula Brito

    Lenda de Alface

    Ligado provavelmente ao aqueduto que se encontrou subterraneamente na regio de Estoi, conta Atade Oliveira na sua Monografia de Estoi, p.141, o seguinte:

    Conta Fr. Vicente Salgado a seguinte lenda: Dous mouros principais, um de Estoi, outro do Alface, competiram em casamento com uma filha herdeira de certo Rei de Faro; e vai o Rei props aos pretendentes que preferiria aquele que mais depressa fizesse ou uma torre, de onde se visse Faro, ou levasse gua quela cidade.

    Lenda de Estoi

    Esta lenda, relaciona o nome da aldeia de Estoi com uma histria de amor entre uma moura encantada e um cristo. Esta lenda que seguidamente se transcreve em forma de poesia, da autoria de Morais Lopes, e est registada na sua obra Algarve, As Moiras Encantadas, Lendas.

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    Diz a tradio antiga, Que a voz do nosso povo,

    Que, ao rumor duma cantiga, O que velho sempre novo.

    S por isso, eu vou narrar O que algum a mim contou,

    Numa noite de luar Que h muito tempo passou:

    - Neste cho, aqui sagrado, Nasceu, viveu e morreu, Num outro tempo passado A mulher que o nome deu

    A esta aldeia to linda, Que por mim j foi cantada Naquela trova que ainda Por ningum foi publicada.

    Mas a moira, que era moira, Antes de morrer, amou, Porque sendo casadoira, Seu pai a tal obrigou.

    Isto dos pais terem mando, Como tinham, nessas eras,

    Sobre o amor to doce e brando Das filhas, se das esferas

    Allah assim o mandava, No era o que mais convinha

    Nem o que mais agradava A tais perfis de andorinha,

    Porque a moira era mulher E tinha, assim, corao

    Que no dava a um qualquer Moiro que fosse ou cristo.

    Esta pois a histria triste De Zhara, por ter amado,

    No algum de alfange em riste, Mas um valente soldado Das duras hostes crists, Que se batia, sem medo, Pelas tardes e manhs, Naquela terra, em segredo.

    Mas, quando a luta deixava Ao seu corpo algum descanso,

    Logo ali vinha e cantava, Aprazvel, to de manso:

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    Tu s Zhara, eu sou cristo, s mulher, eu homem sou,

    E o meu doce corao, Se o quiser s a ti o dou.

    Levas-me, com ele, a vida, O meu corpo, os meus tormentos,

    Mas tu sers, minha qurida, Dona dos meus pensamentos.

    E hs de ser, sou eu que o juro, Minha Senhora e Rainha Do meu povo, assim espero Nessa terra que s minha.

    E Zhara, ento, aparcia, Ao alto brilhava a lua, E docemente dizia: Vem ter comigo, sou tua.

    Depois que o sol d trs voltas, Ao redor daquele outeiro,

    Transporta-me, a rdeas soltas, Meu valente cavaleiro.

    Esperou El-Rei cristo, - Porque de facto era Rei-, Que o tempo passasse ento Mais depressa do que a lei,

    Que tarda sempre a passar, Em qualquer ocasio, Porque ningum quer esprar, Quando julga ter razo.

    Porm, foi chegado o dia Que Zhara tinha marcado; Cantava ali, de alegria, Um canrio apaixonado.

    Por entre as urzes dos montes, Caminhava a moira linda, E sorria para as fontes Como o no fez ainda

    Outra mulher, depois dela, Que at lua sorria Naquela noite to bela, Invejando a luz do dia.

    No cimo daquele outeiro El-Rei ao senhor rezava, Porque o seu amor primeiro

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    No aparcia e tardava. Mas, na volta dum caminho,

    Branca, qual apario, Vestida toda de arminho, Zhara se mostrou ento.

    Mas, no deu um passo mais, Porque Allah, um deus remoto,

    Mandou chuvas, temporais, E depois, um terramoto.

    Tudo foi posto por terra, Tudo ali foi arrasado; S no acabou a guerra

    Que um pouco tinha parado.

    Continuaram dirimindo Moiros e gentes crists, dura luta sorrindo, Dia e noite e plas manhs.

    Mas se a batalha parava, Por pouco tempo que fosse, Quem o quisesse escutava,

    Um falar assim to doce:

    - Mulher que pra sempre amei, Indifrente dor e aos ais, Eu te busco e buscarei, Moira Zhara, aonde estais?

    E perto, do fundo cho, Num cicio claro e quente, Algum respondia, ento, Docemente, docemente:

    - A luz nos deram por finda, Pra que foi e porque foi? Mas, se tu me vs ainda, Aqui stoy, aqui estoy

    A fala se repetiu, Longo tempo, longos anos;

    E de tal modo se ouviu, Sem mais letras, nem enganos,

    Que o povo deu de chamar, Como bno redentora, A este mrtir lugar, ESTOI, pelo tempo fora

    (Morais Lopes, Algarve, as Moiras Encantadas, Lendas, Edio do Autor, 1995, pp. 81-86)

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    Lenda da esttua de S. Toms de Aquino, situada no nicho do Arco da Vila

    Reza a lenda, que devido s preces efetuadas pelo povo de Faro a S. Toms de Aquino, este concedeu-lhes o milagre desta cidade no ser atingida por uma grande peste que arrasava na altura, toda a Europa.

    Como forma de agradecimento ao santo e em sua homenagem, o Bispo D. Francisco Gomes de Avelar, mandou fazer em Itlia, uma imagem de S. Toms de Aquino, mandando que a mesma fosse colocada num pequeno nicho situado no Arco da Vila.

    No momento de colocar a esttua no referido nicho, vrios homens tentaram eleva-la, o seu peso mostrava-se excessivo. Por mais que tentassem, fracassavam todas as tentativas de colocar a imagem no nicho.

    Sem qualquer xito nesta tarefa, os operrios resolveram ento ir falar com o Bispo D. Francisco Gomes de Avelar, solicitando a sua ajuda. O Bispo, deslocou-se ento at ao Arco da Vila, e quando l chegou, aproximando-se da imagem de S. Toms de Aquino, segredou-lhe algo, que at hoje, o povo ignora. Aps este ato, a imagem tornou-se to leve, que facilmente foi colocada no local que lhe estava destinado, e que se mantm at aos dias de hoje.

    O Palcio das Lgrimas

    Atribudo a este palcio, situado entre o gaveto da Praa Alexandre e as Ruas Rebelo da Silva e Castilho, est tambm uma histria curiosa. Aqui em finais do sculo XIX, residiu o msico Milito Garcia, que aps o nascimento do seu filho, nunca mais regressou a casa. O sofrimento da esposa, Maria Augusta

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    Pereira Coelho, foi de tal forma, que passou o resto da vida a chorar. Dizem que foi este facto que deu origem designao do Palcio das Lgrimas.

    Curiosamente, durante este trabalho de investigao, um dos entrevistados (Francisco Ramos, 95 anos) narra aquando da sua juventude, acontecimentos estranhos, contados por seu pai, relacionados com este palcio de que passo a transcrever a sua citao:

    No Largo da Alagoa, aquela casa que era das [radiografias], no tempo do meu pai, chamavam quela casa o Palcio das Lgrimas. (), Quando a casa j estava feita, faltava s as janelas, iam pr l as janelas, e no outro dia, j no estavam l as janelas, estava tudo partido. Ento, julgavam que era algum que ia l partir as janelas e chegou a ir para l, quase metade da polcia aqui de Faro. Quando chegava aquela hora da meia-noite, ouviam estalos das coisas a partir-se, e a jogarem coisas para o Largo da Alagoa, mas no viam ningum. Nunca viram, e ento, ningum se atrevia a ir l. Abandonaram aquilo. Esteve uns 60 anos ou mais, a casa por acabar de construir, para pr as janelas, porque depois de feitas, vinha tudo parar ao meio da rua.

    A Lenda da Costureirinha

    Tal como em muitas terras do pas, em Faro, falava-se muito na costureirinha, uma alma penada de uma jovem que diziam ser condenada a vaguear pelo mundo, sempre a costurar, pelo facto de no ter cumprido uma promessa. Era comum, em muitas casas ouvir-se o som de uma mquina de costura a trabalhar e o som de tesouras a pousar sobre a mquina.

    Lenda do Sino da Igreja de S. Pedro

    Segundo reza a lenda, h mais de um sculo, meia-noite, um dos sinos da Igreja de S. Pedro, tocava sozinho, chamando para a missa. Tal facto levou a

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    populao ao pnico, de tal forma, que ningum se atrevia a passar junto igreja a partir dessa hora.

    Esta lenda, relatada por Jos Antnio Pinheiro e Rosa, num dos seus livros intitulado A Igreja Paroquial de S. Pedro de Faro , conta a histria de uma alma penada de um padre, que recebeu o pagamento para celebrar uma missa em vida e no a tendo celebrado recebeu uma punio, que s terminaria quando celebrasse a referida missa na presena de um aclito.

    No posso deixar de reproduzir aqui uma lenda, que anda ligada a um dos sinos de S. Pedro (no se sabe qual deles).

    Aqui h uns cem anos, todas as noites, meia-noite, ouvia-se tocar um sino de S. Pedro, como se fosse para a missa. Toda a gente se encolhia com medo e no havia quem quisesse passar a tal hora pelas imediaes da igreja.

    O prior de ento, homem animoso e destemido, resolveu uma noite ir ver de que se tratava. Chegou ao Largo e deparou com a porta da igreja aberta e a igreja iluminada. Entrou. Junto ao altar-mor estava um padre paramentado. Avanou at junto dele e ouviu estas palavras:

    - Obrigado por teres vindo. H muitos anos que eu aqui venho, todas as noites, para celebrar uma missa, de que recebi a esmola e no cheguei a celebrar em vida. Mas fui condenado a no poder celebra-la sem que aparecesse aclito. Agradeo que me ajude e aviso-o de que deve sair antes da bno.

    Pode-se calcular como o prior ajudaria quela missa, apesar de todo o seu sangue frio.

    Quando se aproximou a bno, dirigiu-se pressuroso para a porta e apenas a tinha transposto, ela fechou-se e a luz apagou-se no interior.

    E nunca mais se ouviu tocar o sino meia-noite. (A no ser quando algum vivo o toca)

    (Jos Antnio Pinheiro e Rosa, A Igreja Paroquial de S. Pedro de Faro, 1989, p. 7)

    Outras histrias e outros factos ligados ao sobrenatural, tais como o aparecimento de seres do oculto: bruxas, lobisomens, almas penadas, e

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    lugares e casas assombradas, impunham medo, aos que eram confrontados com essas foras malvolas. E eram muitos os locais por onde esses seres obscuros andavam. Quer na cidade, quer no campo, havia que evitar stios sombrios e obscuros e encruzilhadas, sobretudo quando se aproximava a hora da meia-noite e em especial em noites de lua cheia.

    destes casos que iremos relatar alguns dos mais curiosos, contados por pessoas que os vivenciaram, ou simplesmente, ouviram contar.

    Na Rua Serpa Pinto, Rua da Madalena, e zonas circundantes, eram muitas as histrias que referenciavam este lugar como sendo frtil em assombraes quer associadas ao prprio lugar onde diziam haver prtica de bruxaria e aparecimento de lobisomens, o que atemorizava as pessoas, que evitavam passar por l, principalmente depois da meia-noite, e em zonas de encruzilhadas.

    Antigamente em Faro, havia muito Judeu e eles deixaram uma remessa de casas abandonadas em Faro. () Dali do prdio onde estava a Farmcia Almeida, ao subir at Rua da Madalena, havia uma casa assombrada que era dos judeus.

    Essas casas da Rua da Madalena, havia tipos do norte que vinham c procura de casa. Havia uma adegazinha ali ao p do Hotel Eva, que se chamava Floresta e esses tipos, chegaram ali noite e beberam uns copos de vinho e tal, e depois, perguntaram se no havia ali umas casas para alugar e eles responderam casas para alugar? No precisa, esto ali abertas Estavam a indicar uma casa dos judeus. Eles foram morar para l e foram logo baldeados dali, pois ouviam estrondos pelas portas e tudo.

    Francisco Ramos (Rua Joo de Deus)

    Tambm na Vila-Adentro, diziam que havia um homem que se transformava em lobisomem, na Rua do Trem. Um dos entrevistados (Manuel Costa) referiu que a casa onde est hoje instalada as guas do Algarve, tambm era assombrada.

    Naquela casa onde hoje as guas do Algarve, morava l gente. E ento, volta e meia, andavam ensarilhados. Diziam que eram medos que apareciam. Ouviram aqueles grandes estrondos l dentro de casa. Bom, aquilo era uma chatice sabe? Mas foi h muitos anos. Depois, essa gente saiu e foi para l outra gente. Ora, mas no se sabia de onde vinham esses barulhos, esses medos e essas bruxas.

    Manuel Costa (Vila-Adentro)

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    O Largo de S. Sebastio, tambm era assaltado por estes mistrios do oculto. Aqui era tambm local da presena de lobisomens. Segundo Francisco Ramos (96 anos), o seu pai que residia neste local, foi confrontado com a presena de um lobisomem.

    Os lobisomens apareciam a portinha. Ao meu pai apareceu um. O burro acompanhou-o at a casa. Aquilo, era j uma coisa muito antiga, s teras e s sextas, apareciam ali sempre portinha. Eu morava na Rua de S. Sebastio.

    Francisco Ramos (Rua Joo de Deus)

    Outro dos locais referenciados por este entrevistado como ligado a acontecimentos estranhos, o Largo da Alagoa. Aqui, referiu um acontecimento estranho relacionado com o Palcio das lgrimas, ocorrido no tempo do seu pai. Este refere que na altura em que a casa foi construda, cada vez que iam colocar l janelas, estas, no outro dia, apareciam todas partidas, sem qualquer explicao. Comearam a pensar que seria algum que ia l praticar esses atos de vandalismo. Segundo o entrevistado (Francisco Ramos), chegou a ir para l quase metade da polcia de Faro.

    Quando chegava aquela hora da meia-noite ouviam estalos das coisas a partirem-se e a serem jogadas para o Largo da Alagoa, mas no viam ningum, nunca viram e ento, ningum se atrevia a ir l. Abandonaram aquilo. Teve mais de 60 anos, a casa por acabar de construir, porque no conseguiam l pr as janelas. Porque depois de feitas, vinha tudo parar ao meio da rua.

    Francisco Ramos (Rua Joo de Deus)

    No Stio das Figuras, o Sr. Francisco Ramos relata o caso de um moinho assombrado e de um episdio presenciado por si num dia em que foi pescar para esse local.

    Eu fui apanhar peixe para o Mateus ali s Figuras, e havia l um moinho que moia trigo. E o meu pai, dizia-me que aquele moinho era muito esquisito, que aparecia ali qualquer coisa.. Eu fui ento para o Stio das Figuras apanhar o peixe. Apanhamos o peixe ali ao sol posto, era de inverno, acartamos o peixe para essa casa,(era de cimento o cho) espalhamos o peixe no cho e fomos dormir para dentro dessa casa. Aquilo ainda bem a gente no se deitou l, havia estouros em cima do soalho, que nem queira saber. O meu sobrinho fugiu logo dali. Eu como nunca fui muito medroso ainda fiquei, para ver o resultado daquilo. S que aquilo comeou a ser cada vez maior os estrondos, parecia que a casa ia abaixo e eu tinha um gabo, peguei no

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    gabo, e fugi dali tambm, porque vi que aquilo no era boa coisa. Mas nessa casa, tm aparecido os caseiros todos mortos. Morreram todos, at que acabaram os moleiros l, o ltimo moa sal. As pessoas que compraram as salinas, deitaram o moinho abaixo. O tipo que deitou o moinho abaixo, morreu, caiu-lhe o moinho em cima. Era o stio das Figuras, a seguir ao Moinho do Grelha. Os moleiros morriam todos a. O ltimo que eu conheci era do Montenegro,. Apareceu morto ali ao p da Coopofa

    Francisco Ramos (Rua Joo de Deus)

    A zona da Quinta do Eucalipto, no local onde se situavam os antigos fornos de cal, tambm estava referenciada como local de culto de bruxas.

    A zona martima tambm no foge interveno destes seres do oculto, na Praia de Faro, foi referenciado que em tempos mais antigos, ter l existido um homem que se transformava em lobisomem sob a forma de um burro. Era o Ti Canhita Lobisomem. Segundo alguns residentes, ele at tinha os dez mandamentos do burro e chegava a comentar com eles.

    Tambm a Ilha da Culatra referenciada como local de bruxas que atormentavam os pescadores e de um lobisomem que uns diziam aparecer sob a forma de um cavalo branco e outros sob a forma de burro. Diziam no entanto, que apesar de vez em quando dar coices, no fazia grande mal aos residentes, que apesar disso, viviam apavorados com estas aparies em tempos mais antigos.

    O Sr. Francisco Ramos, homem ligado s artes do mar, conta vrios casos de assombraes que aconteceram consigo em alguns locais da Ria de Faro.

    Eu conheci um tipo que era maquinista dos caminhos de ferro, e chegou uma certa idade, o homem reformou-se. Mas ele conhecia terras onde o marisco valia muito dinheiro, e aqui, como o marisco havia com abundncia, ele encomendou-me 50 Kg de amijoas de co, mas eram umas amijoas de co gradas. Ele queria aquilo para um sbado, para depois poder vender no domingo e eu ento resolvi ir apanhar o marisco na sexta-feira noite. Tinha um irmo, mais velho do que eu, que tambm tinha encomendas e foi comigo. E l fomos os dois. Abalmos daqui quase ao sol-posto, chegmos at um mar que chamado o Mar Santo que fica na zona da Ilha Deserta. Chamam Mar Santo quele lugar, porque na noite de Sexta Feira de Paixo viam uma procisso passar por cima de um ilhote, que o ilhote dos gemidos, eram gemidos que eles ouviam. A procisso era uma apario que passava por l na noite de Sexta Feira de Paixo. Era uma procisso enorme de velas, s no tinha os andores.

    Quando l chegamos, o meu irmo saltou para um lado, e eu, saltei para outro. Eu fiquei com o barco e ele, foi para outro stio apanhar berbiges e eu, fui apanhar ameijoas. Comeou a escurecer e eu, durante uma hora, apanhei a uma canastra cheia, que era metade da

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    encomenda. Tinha que apanhar outra. Ento, saltei para o mar para ir apanhar a outra parte da encomenda e quando j tinha apanhado mais ou menos 10 Kg para dentro da barquinha, comecei a sentir uma coisa fora de natural e eu nunca fui medroso, pois chegava a atravessar o Pontal s duas, trs da noite e nunca tive medo de nada. No entanto, comecei a sentir uma coisa estranha. Olhava para um lado e para outro, e no via nada. No via ningum. Nasceu a lua, aquilo era para a umas nove horas da noite e o local onde eu estava era uma restinga que ficava ali no meio do Mar Santo. Estava cercado pelo mar e, s se podia ir para ali de barco e isto aconteceu em janeiro em pleno inverno. A partir de certa altura, eu queria, mas no conseguia apanhar as ameijoas de jeito nenhum. s tantas, a lua j ia um bocadinho altinha quando eu vejo um homem na direo da lua. No vi barco nenhum, no sei como esse homem apareceu ali. Ento, fiquei desconfiado com aquilo. Olhei para o homem e de repente, vejo o mesmo suspender-se no ar a a um metro de altura do cho e comea a vir suspenso no ar e eu corri para dentro do barco. O barco j estava quase em seco, deitei o barco para fora, entrei para bordo do mesmo e depois, de estar a bordo do barco, j no tive medo, porque o meu pai dizia que aquelas coisas ruins no vinham para a gua salgada, s andavam por terra seca. O homem foi sempre atrs, mas quando chegou gua, j no avanou. Era um homem da estatura do meu pai, mas no lhe consegui ver a cara. Aquilo foi uma apario.

    Quando cheguei ao p do meu irmo, que estava a a uns 300 metros, ele ficou todo alegre quando me viu, porque diz que estava a sentir coisas que nunca tinha sentido. Se eu no chego l, aparecia-lhe a ele tambm. Eu nunca mais fui para aquele lado.

    Francisco Ramos (Rua Joo de Deus)

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    Crenas e Supersties

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    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM ANIMAIS

    1 Gato preto - Os gatos pretos, desde os tempos mais remotos, sempre foram associados a prticas de magia negra. Eram os eternos acompanhantes das bruxas. Da, a superstio de que cruzar com um gato preto sobretudo, em dias considerados de azar como uma sexta-feira 13, ou encontr-los meia-noite junto a uma encruzilhada, fosse sinal de mau pressgio.

    Curiosamente, segundo um entrevistado, se algum tiver uma maldio em casa e se nessa casa haver um gato preto, o mal vai para cima do gato.

    Estranhamente, foi-nos relatado um caso de sacrifcio destes animais no combate a doenas do foro fsico. Uma entrevistada da zona de Estoi, referiu que uma vizinha sua, para curar uma doena reumtica grave do marido, que j se encontrava totalmente entrevado, curou-o, dando-lhe um gato preto a comer, sem que mesmo soubesse. Refere que foi remdio santo e o homem comeou a melhorar cada vez mais.

    2 Pssaros - No bom ter pssaros em casa, porque traz infelicidade, pssaros em casa so penas.

    3 O mocho, a coruja, o solitrio e o corvo O poisar destas aves e o seu piar sobre o telhado ou nas proximidades das casas sobretudo, durante a noite, era considerado um sinal de morte ou doena para algum dessa casa ou das proximidades.

    Na rea da sade, uma das entrevistadas na zona do Montenegro, referiu que na sua juventude, testemunhou um caso de sacrifcio de mochos, onde os mesmos eram mortos para que lhes fosse retirado o sangue, que davam a beber a uma vizinha sua, que padecia de tuberculose. Acreditavam desta forma que o sangue deste animal tinha propriedades curativas no combate a este mal.

    Curiosamente, o mocho tambm reconhecido como um animal ligado sabedoria.

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    4 Pombos - Ter estes animais em casa, segundo a crena popular, motivo de mau agouro e azar da o adgio Pombos em casa, so tombos.

    5 Galinhas - As galinhas, sobretudo as de cor pretas, eram utilizadas para a prtica de rituais mgicos e satnicos. Nestes rituais, eram geralmente utilizados as penas e o sangue do animal para a produo de malefcios dirigidos a algum.

    Por outro lado, a crena popular refere como sinal de mau pressgio, uma galinha cantar como um galo.

    Na Monografia de Estoi, Atade Oliveira relata que Quando a galinha se sacode em casa sinal de visitas de senhoras, se porm o galo que se sacode ento indica visitas de homens.

    6 Gaivotas Gaivotas em terra sinal de tempestade no mar.

    7 Cuco Na sua obra Monografia de Estoi p. 170, Atade Oliveira refere que quando algum ouve pela primeira vez no ano cantar o cuco, tem obrigao de se lanar no cho e espojar-se, se no quer apanhar sezes.

    Por outro lado, o cuco tambm se encontra associado ao amor, pois antigamente, as raparigas solteiras costumavam consulta-lo para saber quantos anos ainda iam ficar solteiras. Conforme o nmero de vezes que o cuco cantava, assim eram os anos que estas tinham de esperar para casar.

    8 Co - Um co constantemente a uivar, adivinha morte ou doena nas proximidades. Para que o co deixe de uivar, deve-se colocar o sapato esquerdo virado para cima.

    Outras crenas populares, associam constantemente este animal ao mundo do sobrenatural. Falamos concretamente dos famosos seres do oculto, designados de lobisomens. Um pouco por todo o lado, existem histrias de assombrao que referem um lobisomem, como sendo um ser humano com poderes ocultos, que sobretudo em noites de lua cheia, e em caminhos obscuros como encruzilhadas, principalmente meia-noite, aparece transformado em forma de co. Este mito referido em muitas localidades de

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    Faro, no s no meio rural, mas tambm no meio martimo e at em certos locais da prpria cidade.

    Mas nem s associado ao mal nos aparece o Fiel amigo do homem, uma vez que para alm das vrias virtudes que este animal tem como por exemplo, a fidelidade e a capacidade de ajudar o homem nas mais variadas tarefas do dia a dia e de onde se destaca a lealdade e amizade para com o seu prprio dono, o co tambm est associado segundo a crena popular cura, uma vez que foi referido por algumas pessoas, que a saliva do co curativa. Por exemplo, quando este lambe uma ferida de algum, h quem diga que esta sara depressa. Da o ditado Bafo de co comido com po, bafo de gato nem chegar ao fato .

    Tambm ao co atribuda uma dualidade em termos de sade e doena, que apesar de no ter graa nenhuma, at se torna engraada, pela contradio dos factos. Seno vejamos: Se um co raivoso morder uma pessoa, est a provocar-lhe um dano fsico. No entanto, com os pelos do prprio co que ele anula o efeito malfico que causou pessoa por a ter mordido. Ou seja, frita-se os pelos desse co, coloca-se sobre a parte lesada pela mordedura e ento temos o antdoto que devolveu a cura pessoa vitimada pelo animal.

    Um entrevistado referiu ainda, que encontrar um co a fazer fezes no caminho de algum, sinal de sorte e at se costuma dizer: - Cuidado que vai pisar uma moeda.

    9 - Choco - Comer choco em maio, sinal de mau pressgio. Dai, o ditado choco em maio, tumba porta.

    10 Sapo - Os sapos eram tidos como animais que serviam para a prtica de bruxaria. Algumas pessoas recorriam a este timo de magia negra como forma de causar a doena e at mesmo a morte daqueles que queriam atingir. Desta forma, sacrificavam estes animais com prticas bastante selvagens, como por exemplo, cozer a boca do mesmo. Acreditavam que assim, que h medida que o animal ia secando, definhando, acabando por morrer de fome e de sede, a pessoa a quem destinavam o feitio, seria atingida da mesma forma.

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    11 Elefante- Ter um elefante (bibelot), em casa com a tromba virada para cima d sorte.

    12 Aranha - : Quando aparece uma aranha pequena em cima de ns ou em casa sobre algum objeto, no se deve matar, porque estas so prenncio de sorte e fortuna. Outros referiram tambm que uma aranha pode anunciar a vinda de uma carta.

    13 - Formiga Quando uma formiga aparece sobre um bordado, sinal que este vai ser elogiado por algum.

    14 Cavalo-marinho Este animal, depois de morto, muitas vezes utilizado como talism, porque atrai a sorte para quem o tem. Por outro lado, tambm foi referido como amuleto de proteo contra o mau-olhado.

    15 Coelho A pata do coelho considerado um talism associado sorte e fortuna. Algumas pessoas utilizam-no dentro da carteira.

    16- Corvina o osso da cabea da corvina ou juzo da Corvina, como designado popularmente, considerado um amuleto de sorte. Algumas pessoas utilizam-nos sob a forma de pendentes que geralmente adornam com ouro na parte cimeira, ou ento utilizado simples dentro da carteira para atrair sorte e dinheiro. Foi-nos referido que usar aos pares como no caso dos brincos, traz sorte a dobrar.

    17 Corno O chifre de alguns animais, foram mencionados como amuletos protetores para o mau-olhado e bruxaria em geral e tambm como talisms que proporcionavam a sorte e a fortuna aos que os possussem. Antigamente era costume, as pessoas utilizarem sempre um atrs da porta de casa. H outros que referem que at dentro das suas viaturas costumavam us-los para se protegerem contra acidentes.

    O corno serve ainda para designar um marido ou uma mulher trada, com designaes muitas vezes humilhantes e pejorativas do tipo Olha ali vai o corno, Tens a testa bem enfeitada, O corno o ltimo a saber .

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    18 Cobra Segundo foi referido por uma entrevistada, algumas cobras tm propriedades curativas. Esta, revelou que quando era jovem, se lembra de um primo seu que se curou de lepra, utilizando como mezinha uma cobra (no sabe qual o tipo de cobra) a qual aps lhe ter sido retirada a pele, foi cortada aos bocados e frita.

    19 Escorpio O lacrau, inseto temido por muitos, uma vez que ao picar a pessoa lhe injeta um veneno que alm de provocar danos e alergias, extremamente doloroso, segundo a crena popular, ele prprio o antdoto do mal que causa. Numa mezinha antiga, foi-nos referido que no caso da picada provocada por este inseto, atravs dele, que se encontra a prpria cura. Frita-se o lacrau que causou o mal e coloca-se o mesmo, ou o azeite resultante da fritura do bicho sobre a zona lesada.

    20 Abelha - A abelha fornecedora do mel, alimento de efeitos benficos incontestveis ao nvel da sade, principalmente na cura de doenas associadas ao foro respiratrio, e que tambm faz parte integrante das mais variadas confees gastronmicas, tambm tem dos seus males, principalmente quando somos atingidos pelo seu ferro, que em certas pessoas pode causar alergias graves . a, que a crena popular entra em ao, ao descobrir a cura para tal efeito malfico: - urinar diretamente para cima da picada ou urinar para um bocado de terra e utilizar essa mesma terra, como antdoto para o mal provocado pela abelha.

    21 - Mosca varejeira Assinala a visita prxima de algum nossa casa.

    22 - Porca Sara- vulgarmente designada por bicho-de-conta, produz na crena popular a cura para a tosse convulsa. A mezinha consiste em fazer uma boneca com estes insetos (5 para crianas), (7 para adultos), e coloca-los em gua a ferver. Com este ch, combate-se facilmente este tipo de doena.

    23 - Vaca-loira este inseto tambm est catalogado nos saberes populares como um veculo de cura para certos males tais como: calos e verrugas. A mezinha consiste em picar o rabo do inseto e o lquido expelido, colocado sobre a leso.

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    24- Caracol Para alm dos conhecidos efeitos gastronmicos, o caracol que muitas vezes na brincadeira dizemos caracol caracol pe os corninhos ao sol, mais outro veculo de cura, neste caso em doenas como a tuberculose. Mas apenas vale comer os caracis mouros e crus.

    No esquecer porm que o caracol tambm tem o seu contributo para o patrimnio imaterial. Falamos concretamente, de que ele consiste num seno o mais popular dos pratos gastronmicos das festas caractersticas da nossa terra. De que falamos? das festas dos Santos Populares, onde um caracolinho, acompanhado de uma pinguinha de tinto, ao sabor da fogueira de rosmaninho e alecrim, com um toque de musica tradicional, completam o grande cenrio desta grande tradio, principalmente na noite da vspera de S. Joo.

    25 Burro- embora seja um animal que em muito ajudou ao longo dos tempos o homem nas mais diversas tarefas, sobretudo no meio rural, e sendo muitas vezes o principal veculo de locomoo em tempos mais remotos, ao burro so atribudos adjetivos pejorativos como por exemplo a estupidez e a teimosia. Da, que muitas vezes, as formas das pessoas se confrontarem perante um caso de ignorncia, dizer: - s burro(a) ; s teimoso(a) que nem um burro ; vozes de burro no chegam aos cus; At h quem utilize as caractersticas fsicas de uma pessoa, para ir buscar o desgraado do burro como o caso de dizerem As loiras so burras.

    Outra das referncias feitas aos burros associam este animal, a prticas ocultas, referindo que os lobisomens muitas vezes se transformavam adotando a sua forma.

    26 Grilo Relativo ao grilo foi-nos referida uma praga: Que tenhas morte de grilo (o grilo quando morre fica com as patas agarradas aos cornos).

    27 Lobo O lobo tambm est associado no imaginrio popular, ao oculto. Muitos acreditavam que certos humanos dotados de poderes ocultos se transformavam em lobisomens aparecendo na forma de lobos.

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    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM VEGETAIS

    1 Plantas de casa - No se devem deixar as plantas que esto dentro de casa, crescerem a ponto de chegarem ao teto, porque atrai a morte para dentro de casa..

    2 Trevo de quatro folhas Desde tempos longnquos, esta planta, rara de encontrar, associada sorte e prosperidade.

    3 Molho de espiga Na quinta-feira de ascenso, tradio as pessoas apanharem certas ervas e flores como: espigas de trigo, papoilas, folhas de oliveira, rom, alecrim, malmequeres, entre outras flores do campo, que juntam num ramo, que utilizam pendurado geralmente na parede de casa, para ter sorte o ano inteiro.

    4 Malmequer o malmequer na crena popular, encontra-se associado ao amor. Para saber se o amor do seu amado(a) era correspondido, bastava desfolhar as ptalas desta flor dizendo por cada uma que se retirava mal me quer, bem me quer- a ltima das ptalas trazia a resposta pretendida.

    5 Rosa as ptalas desta flor,para alm das propriedades curativas como no caso das irritaes oculares, em que utilizada fazendo uma macerao com as mesmas em gua fria, tambm associada ao amor e felicidade, por isso, uma forma de saudar os noivos sada da igreja atirando sobre os mesmos, ptalas desta flor.

    6 Arruda Utilizada como amuleto protetor contra o mau-olhado, em defumadores feitos dentro de casa, outras pessoas utilizavam atrs da porta um raminho de arruda, ou junto casa um vaso com esta planta, porque acreditavam, que assim afastavam o mal. Por outro lado, a arruda tambm foi referida como sendo um talism relacionado com a sorte e a fortuna uma entrevistada, proprietria de um caf, mencionou que tem sempre um raminho de arruda dentro da caixa registadora, porque acredita que esta planta atrai a fortuna para o negcio.

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    7- Alecrim O alecrim, tambm considerado um amuleto protetor contra o mal, por isso, era utilizado em defumadouros dentro de casa. Esta planta tem ainda propriedades curativas, sendo utilizada em mezinhas relacionadas por exemplo com o fortalecimento dos cabelos, entre outras. ainda usada na gastronomia. Culturalmente, o alecrim, tambm se encontra ligado a tradies importantes do concelho de Faro como o caso das Festas dos Santos populares, mais concretamente nas fogueiras.

    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM ALIMENTOS

    1 Vinho Derramar vinho alegria

    2 Azeite - derramar azeite d azar. Quando tal acontece, deve-se jogar um copo de gua rua e dizer: - gua vai

    3 Sal - Derramar e pisar sal d azar. Por outro lado, o sal tambm um elemento utilizado na prtica de magia negra. Algumas pessoas referiram que muitos dos bruxedos de que certas pessoas eram vtimas tinham sido provocados porque tinham pisado sal utilizado em rituais de magia negra.

    4 Noz de trs quinas Encontrar uma noz de trs quinas, traz a sorte para o seu portador.

    5 Po - No se deve ter o po virado ao contrrio em cima da mesa, porque atrai a pobreza. Outras das crenas que no se deve deitar po fora, pois atrai misria e quando o po cair no cho, antes de o jogar fora, deve-se beija-lo.

    Atade Oliveira, refere na sua obra Monografia de Estoi pp. 169-170 quem lance o po ao forno tem o dever de com a prpria p fazer uma cruz sobre a boca do forno, dizendo: Cresa o po no forno e as almas no parazo. Ainda segundo o autor, tambm costume, quando se acaba de amassar o po, fazer-se sobre a massa uma cruz e pronunciar-se o seguinte: Deus te acrescente para bem da gente. Refere ainda, que se alguma vez a massa no

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    levedar no alguidar, coloque-se sobre a massa um tendal e sobre este umas calas de homem com a braguilha para baixo.

    6 Queijo Comer muito queijo, tira a memria.

    7 Sal, azeite e cinzas Derramar estes ingredientes porta de algum est associado magia negra Salgao porta do teu inimigo

    8 Rom Deve-se comer rom no dia de reis, porque atrai a sorte e o dinheiro durante esse ano. Guardar alguns bagos de rom na carteira, tambm considerado um amuleto que atrai a fortuna.

    Segundo Francisco Xavier DAtade Oliveira, na sua obra Monografia de Estoi, p.68, na aldeia de Estoi, era usual no dia de reis toda a gente comer roms ao jantar, devido ao adgio popular: Quem roms come em janeiro, todo o ano tem dinheiro

    9 Alho O alho considerado um poderoso amuleto contra feitios e mau-olhado. Utilizar um dente de alho junto ao corpo ou dentro de uma pea de roupa, protege e exorciza qualquer tipo de mal. Por outro lado, utilizado em muitas mezinhas de cura quer em pessoas, quer em animais, na cura de doenas diversas entre as quais se cita a papeira, em que a forma de cura era utilizar um colar feito com dentes de alhos ao pescoo. Por outro lado, certas doenas dos animais como feridas, eram tratadas com mezinhas feitas base de alhos.

    10 ervilhas - uma vagem que contenha 9 bagos de ervilha, d sorte.

    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM O CORPO

    1 - Orelha: Se a orelha direita ficar quente de repente, porque algum est falando mal de ns. Ento, deve-se cuspir na palma da mo e esfregar a mo no cu. Pelo contrrio, se for a orelha esquerda a estar quente sinal que esto a falar bem de ns.

    2 - Nariz Quando se est com comicho no nariz, porque esto a falar de ns. Deve dizer-se o seguinte: Se bem, vai falando, se mal morde a lngua.

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    3 Menstruao Quando a mulher est no perodo menstrual no deve fazer bolos, bater claras em castelo entre outras confees alimentares, porque nada sai perfeito.

    4 Sangue da menstruao Antigamente, algumas prticas utilizadas pelas mulheres para atrair para si o homem desejado, era colocar algumas gotas do sangue da menstruao em bebidas e juntamente com uma reza, diziam conseguir o amor do homem, que pretendiam conquistar, que ficava totalmente encantado com elas.

    5 Pelos pbicos Antigamente, tambm era efetuado um ritual de magia para certas mulheres atrarem e conquistarem os homens. Colocavam nos alimentos alguns dos seus pelos pbicos, e com o complemento de uma orao apropriada, diziam conseguir os seus intentos. A forma popular de designar este ritual de magia negra era Ch de pentelho.

    6 Saliva A saliva na crena popular, tem poderes curativos, como no caso de quistos, em que foi referido que para curar este tipo de mal, basta colocar um pouco de saliva sobre o mesmo, desde que seja em jejum.

    Por outro lado, saliva tambm atribudo o ato de repdio perante algum que se detesta, ou at no meio de uma forte discusso, demonstrando esse sentimento cuspindo para o cho ou na cara da pessoa a quem se dirige a ofensa.

    7 Dedos Dedos da mo longos, significa que a pessoa ir ser um artista.

    Tambm os dedos se encontram ligados a rituais de proteo: para fugir ao feitio de uma bruxa deve-se fazer com os dedos uma figa. Da mesma forma quando se faz um juramento em falso, costume cruzar os dedos atrs das costas. Outro destes atos fechar a mo e bater com os ns dos dedos num bocado de madeira trs vezes, dizendo Lagarto, Lagarto, Lagarto, ou o diabo seja cego, surdo e mudo para afastar um mau pressgio.

    8 Lngua Mostrar a lngua significa um ato de m educao e representa um ato de repdio e de demonstrao de desprezo por aquele a quem se dirige este gesto.

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    9 Sexo masculino O tamanho do rgo sexual masculino est relacionado na crena popular, com o tamanho do nariz e das mos.

    10 Olhos Os olhos tm poderes associados ao oculto, por exemplo um olhar intenso de inveja sobre algo ou algum, pode provocar um poder malfico como o mau-olhado. No entanto, tambm podem constituir uma prova de amor, como por exemplo, uma piscadela de olho que pode levar algum a conquistar outro algum. crena popular comum, tambm associar a cor dos olhos ao temperamento e personalidade de algum: - olhos azuis so cime, olhos verdes so traio, olhos negros so queixume, olhos castanhos so leais e verdadeiros.

    11 C calo utilizado para definir um calote Comicho no c sinal de calote

    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM OBJETOS

    1 - Encontrar objetos perdidos:

    Reza a Santo Antnio - Uma das formas de encontrar algo que desapareceu, fazer uma orao a Santo Antnio: Santo Antnio vai com o meu (minha), (cita-se o objeto perdido), missa. Depois, reza-se um Pai Nosso, uma Av Maria e uma Glria ao Pai.

    Atar os tomates ao diabo - Outra forma de achar os objetos perdidos, atar os tomates ao diabo,. Para isso, deve-se proceder da seguinte maneira: pegar num fio ou cordo, dar nove ns, e em cada n que se d, vai-se dizendo: -diabo d-me aquilo que meu. Finalmente, colocar uma pedra ou algo pesado sobre este fio. Quando o objeto aparecer, deve-se desatar os ns, porque caso contrrio o diabo no nos deixa em paz.

    2 Espelhos - Quem partir um espelho, ter sete anos de azar.

    3 - Guarda-chuva - Dentro de casa, o guarda-chuva deve ficar sempre fechado, pois se for aberto, traz m sorte para as pessoas da casa.

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    4 - Vassoura - Colocar uma vassoura com o cabo para baixo atrs da porta, afugenta as visitas indesejveis.

    5- Ferradura Deve colocar-se uma ferradura atrs da porta de casa, virada ao contrrio, porque esta tem duas funes: afastar o mal e trazer a sorte para dentro da casa e das pessoas que a tm.

    6 Escada No se deve passar por baixo de uma escada, uma vez que traz o azar para quem o faz.

    7 Lenos Oferecer lenos significa apartamentos entre a pessoa que oferece e a que recebe. Para evitar isso, a pessoa que recebe o leno, dever dar simbolicamente uma moeda, como forma de pagamento a quem est a oferecer.

    8 Tesoura Tesouras abertas dentro de casa d azar.

    9 Faca Oferecer facas, significa cortar relaes. A forma de quebrar este efeito, dando uma moeda como forma de pagamento, pessoa que ofereceu a faca.

    10 Talheres cruzados Significa zangas em casa.

    11 Relgio Ter relgios parados em casa, d azar. Segundo um entrevistado, isto deve-se ao facto de antigamente, quando morria algum em casa, o espelho era tapado com um lenol e os relgios tinham de ser parados. Tambm toda a gua do cntaro era lanada rua aps a morte da pessoa e diziam em voz alta gua vai.

    12 Chapu No se deve colocar o chapu em cima da cama ou da mesa onde se come, porque d azar ou pode ser sinal de doena.

    13 Sapatos No se deve colocar os sapatos em cima da cama ou da mesa porque atrai o azar e a doena.

    14 Vesturio branco em janeiro Segundo o adgio popular, roupa branca em janeiro sinal de pouco dinheiro.

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    15 Varrer para fora de casa- No se deve varrer para fora de casa, pois isso significa deitar fora a sorte.

    16 Vesturio do avesso Vestir uma roupa do avesso, sem nos apercebermos disso, sinal de presente.

    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM O NAMORO E O CASAMENTO

    1 - Malmequer Esta flor, est desde h muito, associada ao amor. Antigamente, os namorados para saberem se o ente amado nutria por ele(a) o mesmo sentimento, fazia o seguinte ritual: - pegavam na flor e arrancando as suas ptalas uma a uma, iam proferindo o seguinte: - mal me quer, bem me quer. Quando chegavam ltima, tinham a resposta, ou era amado(a) ou no.

    2 Bagos de arroz e ptalas de rosa Para desejar sorte e fortuna aos noivos, faz parte da praxe, que aps o casamento os convidados joguem sobre

    os noivos bagos de arroz ou ptalas de rosa.

    3 Vestido de noiva - O noivo no deve ver a noiva vestida com o vestido de noiva antes do casamento.

    4 Chuva Se no dia do casamento estiver a chover, sinal de felicidade para os noivos, por isso h o adgio popular Casamento molhado, casamento

    abenoado.

    5 Buqu da noiva Num casamento, o convidado(a) que apanhar o buqu da noiva, ser o prximo(a) a casar.

    6 Varrer os ps de uma rapariga solteira Pode significar que ela nunca mais vai casar.

    7 Casamento Sexta-feira - No se deve casar sexta-feira, porque d azar.

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    8 Casamento e Funeral no mesmo dia - Na Monografia de Estoi de Atade Oliveira, p.171, referido que Se no mesmo dia se celebrou um casamento e

    um enterro, pode-se ficar desde j sabendo qual dos casados morrer primeiro. Se o

    morto do sexo masculino, morrer primeiro o noivo e dentro de dez anos, se

    feminino, morrer a noiva dentro de igual espao de tempo.

    9- Casamento de viva Ainda na obra acima citada, Atade Oliveira, p. 171,

    refere que na aldeia de Esti No se v com bons olhos a viva que torna a casar e

    mui principalmente se j adiantada em anos. Na noite emque se efetuou tal

    casamento, e s vezes dois dias a seguir, andam grupos de indivduos encobertos com

    capas ou varinos, a tocar buzina e a fazer barulho porta dos noivos. s vezes no

    so as businas que fazem o barulho,mas chocalhos e latas velhas.

    CRENAS E SUPERSTIES ASSOCIADAS GRAVIDEZ, AO PARTO E AO NASCIMENTO

    1 - Determinar o sexo da criana - Grvida com barriga redonda e larga, vai ter menina. Grvida com barriga pequena e empinada vai ter um rapaz.

    2 Determinar o sexo da criana - O sexo da criana determinado pela lnea umbilical. Quem a tem, vai ter um rapaz, quem no a tem, vai ter uma rapariga.

    3 Ritual para saber se se vai ter filhos - Para uma mulher saber se vai ter filhos deve fazer o seguinte ritual: - numa agulha com uma linha enfiada, pegar na extremidade de forma a deixar a agulha de cabea para baixo. Seguidamente, fazer trs vezes o movimento de vaivm ao lado da mo. Seguidamente, colocar a agulha ligeiramente acima da palma da mo. Se a agulha rodar em crculo, sinal que a mulher vai ter uma menina, se a agulha fazer movimentos para trs e para diante, sinal que vai ter um rapaz. Se a agulha ficar parada, sinal que no ir ter nenhum filho

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    4 Objetos junto ao peito - Mulher grvida no deve usar nada junto ao peito, caso contrrio, a criana nasce com o sinal do objeto que ela usou junto do peito.

    5 - Mulher grvida no deve passar debaixo de um estendal - A criana pode vir a nascer com o cordo umbilical enrolado ao pescoo.

    6 Desejos de grvida - A grvida deve satisfazer os seus desejos, porque se no o fizer, a criana nasce de boca aberta e sempre a babar-se.

    7 Azia - Quando a grvida est sempre com azia durante o perodo da gestao, a criana ir nascer com muito cabelo.

    8 Pano no rosto devido gravidez - Quando a grvida fica com pano no rosto (manchas), devido gravidez, a forma de curar este mal esfregando com a fralda do bb que contenha urina.

    9 - Mulher grvida que coloca defeitos nos outros - Atade Oliveira cita na sua obra Monografia de Estoi diz que A mulher grvida que faz zombaria dos defeitos fsicos de qualquer pessoa est sujeita a ver o seu filho nascer com os mesmos defeitos.

    10 Quando uma criana leva muito tempo para comear a andar - Deve-se colocar a mesma atrs da porta sexta-feira, porque esta comea logo a andar ao fim de pouco tempo.

    11 Primeira dentio - Para que uma criana no sofresse muito com o nascimento da primeira dentio, a soluo era apanhar um ourio, retirar-lhe os dentes e coloca-los sob a forma de pendente, ao pescoo da criana.

    12 - A roupa do beb recm-nascido - No deve ser colocada a secar ao luar, sob pena da criana vir a sofrer de clicas e revirar os olhos.

    13 Cabelo - No se deve cortar o cabelo s crianas antes delas comearem a falar, porque atrasa a fala.

    14 Cortar unhas - No se deve cortar as unhas s crianas antes delas comearem a falar, porque atrasa a fala.

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    15 Mau-olhado - Para que a criana fique protegida do mau-olhado e do quebranto deve usar sempre um amuleto protetor como a figa, o corno, a meia-lua e o sino-saimo, sob a forma de pendente numa pulseira ou num fio.

    16 Criana que chora no ventre da me - Ser sbio(a) ou bruxo(a).

    17 Soluo no beb Passa. desde que a me lhe cole uma linha vermelha na testa com a sua prpria saliva

    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM O ANO NOVO

    1 Passas Comer 12 passas na vspera da passagem do ano velho para o ano novo e pedir por cada passa que se come, um desejo, uma das tradies mais usuais para assinalar o novo ano que vai nascer.

    2 Pea de vesturio interior azul Deve-se estrear uma pea de vesturio azul no dia de Ano Novo, porque traz sorte.

    3 Pular para cima de uma cadeira e bater panelas e outros utenslios Para assinalar e festejar a chegada do novo ano, costume as pessoas sarem rua e baterem panelas e outros utenslios fazendo imenso barulho e dando vivas ao novo ano, com votos de que seja melhor que o ano passado.

    4 Brindar com champanhe - Brindar a chegada do novo ano com taas de champanhe

    CRENAS E SUPERSTIES RELACIONADAS COM OS ASTROS

    1 Estrelas Apontar para as estrelas faz nascer verrugas.

    2 Lua Na crena popular, a altura do nascimento da criana est associada s nove luas e no aos nove meses da gestao.

    3 Lua A lua tambm tem influncia em alguns usos e costumes do meio rural e piscatrio. Por exemplo, segundo alguns pescadores, as melhores luas

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    para pescar so a lua nova e a lua cheia, porque aproximam mais o peixe da costa. No meio rural foi referido por um entrevistado que a tradio de matar o porco nunca dever ser feita no quarto minguante, pois segundo o mesmo matar o porco nesta altura, faz o toucinho minguava na panela

    4 Lua nova A lua nova, tambm est associada sorte. Citando Ataide Oliveira na sua Monografia de Estoi, pg. 168, nesta aldeia de Esti, () nenhum proprietrio, artista ou operrio tem dinheiro nos bolsos, prata, ouro ou cobre, que o no mostre lua, no seu quarto de lua nova, dizendo:

    Deus te salve, lua nova

    Primeira vez que te vi,

    Assim Deus salve minha alma

    Como eu te sado a ti.

    5 - Quarto Crescente e Quarto Minguante - Segundo um entrevistado, o quarto crescente era a melhor altura para a matana do porco. O Quarto minguante era a altura em que se devia evitar matar o porco, porque segundo referiu o mesmo: o toucinho minguava na panela

    6 Fases da lua Existe a crena popular de que as vrias fases do perodo lunar esto associadas ao fortalecimento, atraso e crescimento do cabelo. Assim, para um cabelo mais forte deve-se cortar o mesmo na Lua Cheia ou na Lua Nova, para um crescimento mais rpido deve-se cortar o mesmo no Quarto crescente e para atrasar o seu crescimento no Quarto Minguante.

    7 Lua Existe a crena popular de que as roupas do recm-nascido no devem ser colocadas a secar no estendal ao luar, caso contrrio a criana poder vir a sofrer de clicas, ou a revirar os olhos. Ainda em relao aos recm- nascido, quando este sorri, ao costume de di