missão 58

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Dezembro 2014 Correio Camboriuense Pág. 7 Missão 58 Todas as segundas e quartas, a rotina se repete para quatro jovens: Luiz, Manu, Deloni e Elisa. Juntos, eles preparam e distribuem alimentos e esperança à pessoas que vivem nas calçadas de Balneário Camboriú. É o grupo Missão 58, que há quatro meses realiza um trabalho que não se resume a dar apenas comida a quem tem fome. O projeto começou numa lanchonete, onde durante um dia da semana era servido comida para moradores de rua. A lanchonete mudou de dono e o novo proprietário não permitiu que a distribuição continuasse ali. Então o grupo resolveu levar a comida para as calçadas, debaixo de marquises e de pontes, onde quer que eles estivessem. Eles já foram abandonados uma vez, não podemos abandoná-los de novo, explica Luiz Dias, um dos membros do grupo Luiz conta que a inspiração para criar essa ação foi uma passagem bíblica. Foi baseado em Isaías, capítulo 58, que diz: o jejum que Eu quero não é deixar de comer; é repartir o que se tem dentro de casa explica, usando suas próprias palavras. E é isso que acontece, literalmente. Paulo, 42 anos, um morador das ruas da cidade já está a espera da refeição da noite. Ainda não havia comido, revela, tímido. Aos poucos vai se ambientando com a minha presença e conta coisas pessoais, como as lhas que moram no Monte Alegre e que há tempos não vê. Passa os dias catando latinhas de alumínio e dormindo ao relento. Se eu tivesse documentos, poderia arrumar um emprego, lamenta. Sua prossão é marceneiro. A refeição é servida ali mesmo: feijoada com arroz. Para beber, guaraná. Todos se servem e comem ali na calçada, inclusive eu. Na rua movimentada, os olhares de surpresa e pena de quem passa talvez seja pior que a fome que eles passam. È um misto de confusão e desprezo. Depois do jantar, o grupo conversa com Paulo, faz uma oração e oferece bolas de malabares para descontrair e exercitar um pouco. A intenção do grupo é, além de alimentar, trazer uma palavra de carinho e também brincar, divertir, fazer com que aquela pessoa se sinta integrada ao grupo. A comida distribuída é custeada com o dinheiro de cada um do grupo. No começo um supermercado ajudava, mas dava coisas que não serviam, produtos deteriorados, podres. Temos um princípio: não dar para eles comerem o que não comeríamos também. Isso serve até para roupas que doamos . Se for uma roupa que a pessoa não usaria por estar desgastada, então também não serve para doação, explica Luiz O grupo, apesar de pregação, não tem nenhuma denominação religiosa. Se autodenominam como Igreja da Cidade, pois acreditam que igreja não é uma placa, um prédio. Segundo Luiz, Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ali eu vou estar. Aqui é o nosso púlpito, essas são as nossas pessoas, aqui é a nossa igreja. Fico quase duas horas conversando com o grupo. Além de Paulo, seu João também recebe seu prato de comida. Gosta de conversar, é um verdadeiro contador de histórias, carinhosamente apelidado de Barba Azul. Depois um catador de papelão se junta a nós. E eles se sentem bem com a presença do grupo, cam curiosos com a minha presença, fazem perguntas sobre o jornal, confessam que ler é bom, mas que lêem pouco. Por alguns momentos, eles se sentem integrados. Valorizados. Isso nos faz reetir sobre o que de fato importa. E como as coisas são injustas. Mas com boa vontade, é possível amenizar um pouco o sofrimento alheio. O Missão 58 se importa. E todas as segundas e quartas feiras estão lá, levando comida, palavra e sorrisos para os Paulos, os Josés e para tantos outros que precisam, além de comida, de um pouco de atenção. Para quem quiser ajudar o projeto, seja doando comida (pronta ou não), roupas e outro tipo de doação, entrar em contato com Luiz Dias pelo fone (47) 9912-7912.

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Page 1: Missão 58

Dezembro 2014 Correio Camboriuense Pág. 7

Missão 58

Todas as segundas e quartas, a rotina se repete para quatro jovens: Luiz, Manu, Deloni e Elisa. Juntos, eles preparam e distribuem alimentos e esperança à pessoas que vivem nas calçadas de Balneário Camboriú. É o grupo Missão 58, que há quatro meses realiza um trabalho que não se resume a dar apenas comida a quem tem fome.

O projeto começou numa lanchonete, onde durante um dia da semana era servido comida para moradores de rua. A lanchonete mudou de dono e o novo proprietário não permitiu que a distribuição continuasse ali. Então o grupo resolveu levar a comida para as calçadas, debaixo de marquises e de pontes, onde quer que eles estivessem. �Eles já foram abandonados uma vez, não podemos abandoná-los de novo�, explica Luiz Dias, um dos membros do grupo

Luiz conta que a inspiração para criar essa ação foi uma passagem bíblica. Foi baseado em Isaías, capítulo 58, que diz: o jejum que Eu quero não é deixar de comer; é repartir o que se tem dentro de casa� explica, usando suas próprias palavras. E é isso que acontece, literalmente. Paulo, 42 anos, um morador das ruas da cidade

já está a espera da refeição da noite. Ainda não havia comido, revela, tímido. Aos poucos vai se ambientando com a minha presença e conta coisas pessoais, como as �lhas que moram no Monte Alegre e que há tempos não vê. Passa os dias catando latinhas de alumínio e dormindo ao relento. �Se eu tivesse documentos, poderia arrumar um emprego�, lamenta. Sua pro�ssão é marceneiro.

A refeição é servida ali mesmo: feijoada com arroz. Para beber, guaraná. Todos se servem e comem ali na calçada, inclusive eu. Na rua movimentada, os olhares de surpresa e pena de quem passa talvez seja pior que a fome que

eles passam. È um misto de confusão e desprezo. Depois do jantar, o grupo conversa com Paulo, faz uma oração e oferece bolas de malabares para descontrair e exercitar um pouco. A intenção do grupo é, além de alimentar, trazer uma palavra de carinho e também brincar, divertir, fazer com que aquela pessoa se sinta integrada ao grupo.

A comida distribuída é custeada com o dinheiro de cada um do grupo. �No começo um supermercado ajudava, mas dava coisas que não serviam, produtos deteriorados, podres. Temos um princípio: não dar para eles comerem o que não comeríamos também. Isso serve

até para roupas que doamos . Se for uma roupa que a pessoa não usaria por estar desgastada, então também não serve para doação�, explica Luiz

O grupo, apesar de pregação, não tem nenhuma denominação religiosa. Se autodenominam como Igreja da Cidade, pois acreditam que igreja não é uma placa, um prédio. Segundo Luiz, �Onde estiverem dois ou três reunidos em Meu nome, ali eu vou estar�. Aqui é o nosso púlpito, essas são as nossas pessoas, aqui é a nossa igreja�.

Fico quase duas horas conversando com o grupo. Além de Paulo, seu João também recebe seu prato de comida. Gosta de conversar , é um verdadeiro contador de histórias, carinhosamente apelidado de Barba Azul. Depois um catador de papelão se junta a nós. E eles se sentem bem com a presença do grupo, �cam curiosos com a minha presença, fazem perguntas sobre o jornal, confessam que ler é bom, mas que lêem pouco. Por alguns momentos, eles se sentem integrados. Valorizados. Isso nos faz re�etir sobre o que de fato importa. E como as coisas são injustas. Mas com boa vontade, é possível amenizar um pouco o sofrimento alheio. O Missão 58 se importa. E todas as segundas e quartas feiras estão lá, levando comida, palavra e sorrisos para os Paulos, os Josés e para tantos outros que precisam, além de comida, de um pouco de atenção.

Para quem quiser ajudar o projeto, seja doando comida (pronta ou não), roupas e outro tipo de doação, entrar em contato com Luiz Dias pelo fone (47) 9912-7912.