mídia, gênero e educação

25
1 Mídia, Gênero e Educação de Jovens e Adultos: A Telenovela e Processos de Subjetivação Ana Paula Rufino dos Santos 1 Alexandra de Melo Fernandes 2 Rosângela Tenório de Carvalho 3 RESUMO Este trabalho buscou perceber a receptividade de alunas e professoras de EJA, ao discurso da mídia e analisar o processamento desse discurso levando-se em conta as relações de poder e dominação, presentes na trama da telenovela. A análise constituiu de um corpus de 15 relatos de entrevista com alunas e professoras de turmas de EJA e de análise de episódios de cenas de telenovela. Os resultados obtidos da articulação de texto ficcional e relatos de entrevista nos aproximam do cerne da hipótese de que no discurso televisivo se pratica uma pedagogia cultural, revelada na produção de sentidos, e sujeitos sociais e que tem implicações no cotidiano dos sujeitos educativos da EJA; que a escola enquanto espaço educacional precisa se posicionar como um espaço de oportunidade de re-leitura, re-conhecimento e de análise crítica da linguagem da Mídia. PALAVRAS-CHAVE: Gênero – Texto midiático – Educação de Adultos INTRODUZINDO A QUESTÃO O presente estudo tem como objeto de investigação, a recepção de tramas de telenovelas pelo público feminino que constitui turmas de Educação de Jovens e Adultos (EJA). Sob a análise de um corpus de 15 relatos de entrevista com alunas e professoras de EJA e de recortes de episódios de telenovela, nosso interesse está em refletir sobre as implicações dessa recepção na produção de identidades culturais de gênero; e identificar em que medida a prática pedagógica da EJA pode se constituir como espaço de reflexão sobre as questões de gênero considerando a cultura da imagem. A motivação para pesquisa em tela surgiu do fato da telenovela ter se constituído num componente recorrente da fala de várias mulheres que estavam sendo sondadas para formarem uma turma de alfabetização de adultos. Para esse grupo, a telenovela aparecia como elemento constituinte de seu cotidiano, e a formação de uma turma de alfabetização no horário dessa programação televisiva 1 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. [email protected] 2 Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. [email protected] 3 Professora Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de Educação/UFPE. [email protected]

Upload: cassia-barbosa

Post on 06-Jun-2015

143 views

Category:

Education


3 download

DESCRIPTION

Mídia, Gênero e Educação de Jovens e Adultos: a telenovela e os processos de subjetivação

TRANSCRIPT

Page 1: Mídia, Gênero e Educação

1

Mídia, Gênero e Educação de Jovens e Adultos: A Telenovela e Processosde Subjetivação

Ana Paula Rufino dos Santos1

Alexandra de Melo Fernandes2

Rosângela Tenório de Carvalho3

RESUMOEste trabalho buscou perceber a receptividade de alunas e professoras de EJA, aodiscurso da mídia e analisar o processamento desse discurso levando-se em conta asrelações de poder e dominação, presentes na trama da telenovela. A análise constituiu deum corpus de 15 relatos de entrevista com alunas e professoras de turmas de EJA e deanálise de episódios de cenas de telenovela. Os resultados obtidos da articulação detexto ficcional e relatos de entrevista nos aproximam do cerne da hipótese de que nodiscurso televisivo se pratica uma pedagogia cultural, revelada na produção de sentidos, esujeitos sociais e que tem implicações no cotidiano dos sujeitos educativos da EJA; que aescola enquanto espaço educacional precisa se posicionar como um espaço deoportunidade de re-leitura, re-conhecimento e de análise crítica da linguagem da Mídia.

PALAVRAS-CHAVE: Gênero – Texto midiático – Educação de Adultos

INTRODUZINDO A QUESTÃO

O presente estudo tem como objeto de investigação, a recepção de tramas

de telenovelas pelo público feminino que constitui turmas de Educação de Jovens

e Adultos (EJA). Sob a análise de um corpus de 15 relatos de entrevista com

alunas e professoras de EJA e de recortes de episódios de telenovela, nosso

interesse está em refletir sobre as implicações dessa recepção na produção de

identidades culturais de gênero; e identificar em que medida a prática pedagógica

da EJA pode se constituir como espaço de reflexão sobre as questões de gênero

considerando a cultura da imagem.

A motivação para pesquisa em tela surgiu do fato da telenovela ter se

constituído num componente recorrente da fala de várias mulheres que estavam

sendo sondadas para formarem uma turma de alfabetização de adultos. Para esse

grupo, a telenovela aparecia como elemento constituinte de seu cotidiano, e a

formação de uma turma de alfabetização no horário dessa programação televisiva

1Concluinte de Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. [email protected] de Pedagogia – Centro de Educação/UFPE. [email protected] Adjunta do Departamento de Métodos e Técnicas de Ensino – Centro de Educação/[email protected]

Page 2: Mídia, Gênero e Educação

2

constituía-se num complicador4. A essa questão acrescemos a constatação da

ausência de um espaço de leitura e análise desse produto nas salas de aula da

EJA, observada por ocasião da disciplina de Pesquisa e Prática Pedagógica no

curso de Pedagogia.

Estudos no campo dos Estudos Culturais mostram que a sociedade

contemporânea encontra-se imersa no mundo audiovisual atribuindo à mídia

importância e valor enquanto meio de aprendizagem e informação de nosso

tempo. Apesar disso, a televisão é muito pouco estudada em seu conteúdo e seu

potencial. Costa (2006) afirma que no Brasil, a partir do século XX, a televisão

configurou-se em um poderoso espaço de produção e circulação de significados

com valor de verdades e chama a atenção para sua relação com os processos

educativos.

A presente investigação tem base na perspectiva dos Estudos Culturais

(EC)5. Essa abordagem tem como ênfase, a análise do conjunto da produção

cultural de uma sociedade – seus diferentes textos e suas práticas – para

entender os padrões de comportamento e a constelação de idéias compartilhadas

por homens e mulheres que nela vivem. (NELSON, et al, 1995; HALL, 2000;

SILVA, 1995). Em seus desdobramentos, os EC investem intensamente nas

discussões sobre a cultura, colocando a ênfase no seu significado político; estão

profundamente preocupados com a relação entre cultura, conhecimento e poder

(GIROUX, 1995).

Hall (2000) e Silva (2004) apontam para a cultura como elemento central na

regulação dos modos de vida, chamando a atenção também para as conexões

entre cultura e mercado, cultura e consumo/produção de saberes, de bens, de

imagens, de modelos, de comportamentos, de práticas. Para Hall (2000) os textos

culturais não só anunciam as coisas, mas, instituem as próprias coisas. Sobre as

identidades afirma o autor que estas “resultariam de sedimentações das diferentes

identificações ou posicionamentos que adotamos e procuramos vivenciar como se

4Essa constatação se deu quando da organização de turmas de EJA para o Programa Brasil Alfabetizado poruma das autoras deste trabalho.5Os Estudos Culturais têm como uma das principais categorias de pesquisas atuais os estudo de gênero esexualidade, além das categorias: nacionalidade e identidade nacional, pedagogia, política da estética,discurso e textualidade, cultura popular dentre outros temas numa era pós-moderna.

Page 3: Mídia, Gênero e Educação

3

viessem de ‘dentro’, mas que são, sem dúvida, ocasionados por uma mistura

especial de circunstâncias, sentimentos, histórias, etc” (HALL, idem, p. 13).

Sob esses olhares o estudo pretende investigar a receptividade do discurso

televisivo, gênero telenovela e nesta a construção de subjetividades e seu impacto

no espaço educacional. Trabalhamos com a hipótese de que há uma relação

complexa entre os produtos televisivos e sua emissão, e os (as) receptores (as),

consumidores (as) mediada pela forma como são estruturados os textos

midiáticos. É possível afirmar que no discurso televisivo se pratica uma pedagogia

cultural, revelada na produção de sentidos, e sujeitos sociais e que tem

implicações no cotidiano dos sujeitos educativos da EJA.

OS ESTUDOS CULTURAIS: GÊNERO E IDENTIDADE FEMININA

Pesquisas desenvolvidas por Costa (2006), Fischer (1976, 2001,

2002a,b,c), Louro (1997) e Rosemberg (2001), propõem uma percepção de

gênero enquanto identidades histórica e social a partir de relações de poder e

opressão, portanto, construída para além dos aspectos biológicos.

Segundo as autoras, acima mencionadas, os estudos e o próprio conceito

de gênero aparecem como objeto de estudo abordando aspectos sociais do sexo

feminino na década de 50 do século XX, nos Estados Unidos. Esclarecem as

autoras, que até então, o termo gênero na gramática inglesa designava o sexo dos

substantivos, estando seu sentido restrito aos aspectos biológicos da identidade

sexual feminino enquanto oposto ao masculino. O termo gênero vem se

sofisticando e refere-se aos aspectos socialmente construídos no processo de

identificação sexual. Segundo Silva (2004) “embora tenha sua origem no campo

dos Estudos das Mulheres, análise de gênero não é sinônimo de estudo das

Mulheres” (SILVA, 2004, p.95).

Rosemberg (2001) chama a atenção para o fato de no Brasil, alguns

estudos mais recentes sobre gênero abordarem este tema na perspectiva do

acesso e/ou da dominação do masculino sobre o feminino. Essas abordagens

privilegiam, segundo a autora, a produção, a partir da conjuntura neoliberal, de

administração de riquezas sobre a produção de vida, como sendo um dos eixos

Page 4: Mídia, Gênero e Educação

4

para se compreender a dinâmica social. Concordamos com a autora quando

afirma que as sociedades são concebidas e estruturadas em torno de relações de

dominação, dentre as quais as relações de gênero. Em sua pesquisa sobre

análise de gênero, Rosemberg (idem), observa uma tendência vigente no campo

educacional em difundir um estereótipo de mulher que atribui à natureza feminina

a maternidade e algumas atividades produtivas sem levar em conta as relações de

poder.

Costa (2006) ao analisar a formação da subjetividade feminina de

professoras e sua identidade social, afirma que “alguns produtos da mídia escrita

(mas também da mídia falada, merecendo registro a incursão, por esse campo,

das novelas televisivas e do cinema) têm se mostrado particularmente fecundos,

na constituição de padrões e referências sociais” (COSTA, 2006, p. 20). A autora

re-afirma a pertinência em analisarmos o espaço da mídia e sua relação na

constituição de identidades sociais e culturais. Para a referida autora, os padrões

identitários dizem respeito ao destaque dado por certos veículos de comunicação

a um comportamento de submissão pelas mulheres e exaltação a seus valores

estéticos como objetos do desejo para determinados grupos sociais e a

reafirmação da agressividade do homem, passando pelo campo ocupacional.

Os estudos de Costa (2006) podem ser associados à percepção

apresentada por Giroux (1995) quando defende que os produtos midiáticos, em

seu discurso, propõem representações sobre o gênero feminino. Entendemos por

representação todas as narrativas, o dizer algo sobre, o atribuir sentidos e isso se

define como sendo uma maneira de falar de identidades. Para Giroux (1995) “as

imagens eletronicamente mediadas, especialmente a televisão e o filme,

representam uma das armas mais potentes da hegemonia cultural no século XX”

(GIROUX, 1995, p. 155). E ao apresentar as identidades, reinventando-as, a mídia

estabelece assim uma esquematização das coisas com a simplificação de

fenômenos culturais banalizando-os ou mistificando-os em suas narrativas. (idem).

Estamos trabalhando com o conceito de mídia como “dispositivo

pedagógico” desenvolvido por Fischer (2002b) em estudo no qual destaca a

pertinência e urgência em analisarmos o discurso midiático com vistas a

Page 5: Mídia, Gênero e Educação

5

compreender este tipo de linguagem que tem uma intencionalidade didática e

presença no nosso cotidiano. Acrescenta a autora:Analisar, portanto, o discurso da mídia, no âmbito das pesquisaseducacionais, será mergulhar num tipo específico de linguagem, aaudiovisual, (...) exatamente porque podem dar conta dessas paisagensimaginárias de nosso tempo, e têm uma presença efetiva no cotidiano dossujeitos sociais, dos alunos, meninos e meninas, crianças, adolescentes,dos professores e professoras, com os quais interagimos no cotidianoescolar. (FISCHER, 2002b, p. 90)

Entendemos assim, a mídia enquanto aparato discursivo e ao mesmo

tempo não-discursivo. A mídia diz respeito a toda uma complexa prática de

produzir, veicular e consumir tevê, numa determinada sociedade e em certo

cenário político, veiculando saberes sobre os próprios sujeitos e seus modos de

ser e estar em uma determinada cultura.

Para Louro (1997), a mídia, em seu discurso, lança mão de diferentes

formas, recursos e símbolos na construção dos sujeitos. Diz a autora: “assim, ao

longo do tempo, alinham-se determinadas características, apelam-se para alguns

recursos para falar deles e delas. Essas representações não são, contudo, meras

descrições que refletem as práticas desses sujeitos, elas são, descrições que os

constituem que os produzem” (LOURO, 1997, p.99).

Tais referências nos aproximam do entendimento de que a mídia não

apenas veicula, mas constrói discursos, produz significados e sujeitos,

configurando-se assim, num “dispositivo pedagógico” que diz e faz os sujeitos

sociais.

A CULTURA DA IMAGEM E FORMAÇÃO SOCIAL DOS SUJEITOS

Esta relação entre mídia e sociedade contemporânea, nos conduziu a

pensarmos numa perspectiva educacional promotora de espaços de reflexão e de

debate. Perspectiva que visualize os sujeitos da EJA como cidadãos (as) que

ocupam lugares na sociedade, participantes de diferentes grupos sociais com

acesso a vários eventos sociais dentre as quais está a televisão da qual

destacamos a novela (ALBUQUERQUE, 2005, p.18). Percebemos, no entanto,

Page 6: Mídia, Gênero e Educação

6

que a EJA6 vem sendo cercada por alguns mitos que podem ser apontados como

limitadores de uma proposta educacional que permita uma atitude, de reflexão e

de diálogo dos sujeitos com a sociedade. O que chamamos de mitos aqui, refere-

se às problemáticas ligadas à educação de adultos (EA) como aponta-nos Galvão

& Soares (2005): “O adulto não é um mero portador de conhecimentos prévios,

que precisariam ser resgatados pelo alfabetizador para ensinar aquilo que quer,

mas um sujeito que já construiu uma história de vida, uma identidade e

cotidianamente produz cultura” (GALVÃO & SOARES, 2005, p.51).

Acreditamos que para nos distanciarmos desse tipo de mito, se faz

necessário realizar uma leitura crítica a respeito da EJA, percebendo-a como um

espaço de reflexão das relações sociais e de modelo de homem e de mulher

socialmente construídos e mediados pela cultura, e em particular, nos tempos

atuais por uma cultura da imagem como aponta Silva (1995):(...) precisamos aprender a ler essas imagens, essas formas culturaisfascinantes e sedutoras cujo impacto massivo sobre nossas vidas apenascomeçamos a compreender. A educação certamente deveria prestaratenção a essa nova cultura, tentando desenvolver uma pedagogia críticaque estivesse preocupada com a leitura de imagens (SILVA, 1995,p.109).

Sendo assim, concordamos com Ferreira (2005) quando defende que “a

alfabetização de homens e mulheres na sociedade atual está também relacionada

com o que acontece no interior e exterior das salas de aula” (FERREIRA, 2005,

p.73). Associamos-nos também a Souza (2004) quando defende que os indivíduos

– homens e mulheres são pertencentes, ao mesmo tempo de vários grupos

identitários, e que as identidades são “formadas na interação entre o eu e a

sociedade” (SOUZA, 2004, p.78-79).

Acreditamos que, uma proposta de EJA na sociedade atual precisa

considerar as questões ligadas à construção de identidades, por meio de práticas

sociais de leitura e escrita na perspectiva de gênero, como sendo uma relação

socialmente construída entre o masculino e o feminino e os elementos da cultura –

etnia, classe social, geração, religião, sexualidade. Concordamos, portanto, com o

entendimento de uma EJA enquanto ‘dispositivo cultural’, Carvalho (2004) que

6Estamos adotando o termo EJA e não EA, por se tratar de uma pesquisa no espaço escolar. De acordo comSouza (2004), o termo EJA refere-se a uma face específica da Educação de Adultos – EA, a escolarizada.

Page 7: Mídia, Gênero e Educação

7

“além de assegurar a aquisição da língua na perspectiva do letramento, também

atua como produtora de subjetividades multidimencionais” (CARVALHO, 2004,

p.6). Configurando-se, portanto, num espaço fértil de reflexão e de diálogo

permanente com os domínios de problematização da cultura.

O CAMINHO PERCORRIDO

A atividade investigativa desta pesquisa seguiu uma sistemática de trabalho

por meio de procedimentos em conformidade com a sua especificidade. Assim,

escolhemos trabalhar com uma pesquisa de abordagem qualitativa, por nos

possibilitar, como afirma Gonzaga (2006):(...) fazer uma descrição da complexidade de uma determinada situação,compreender e classificar processos dinâmicos e experimentos pordiferentes grupos sociais, apresentar contribuições no processo demudança de determinado grupo e permitir, em maior ou menor grau deaprofundamento, as particularidades dos comportamentos ou atitudes dosindivíduos. (GONZAGA, 2006, p. 70).

Esclarecemos que estamos cientes da complexidade em definir uma

metodologia de investigação diante de uma pesquisa de abordagem qualitativa,

por se tratar de uma pesquisa de gênero, a qual representa um vasto campo na

análise sociológica que ainda não foi completamente explorado. Segundo Terragni

(2005), pesquisas relativas a gênero dizem respeito ao masculino e feminino,

porém, em sua maior parte implica numa reflexão sobre as mulheres, sua

identidade, trabalho e família.

Esta constatação nos possibilitou a escolha por uma metodologia de

perspectiva feminista, por se tratar de uma pesquisa de gênero, a qual as

experiências do cotidiano para o entendimento das relações de poder se

constituem no ponto de partida. Segundo Terragni (2005):A pesquisa feminista é, principalmente, uma pesquisa de tipo qualitativo. Oque não significa dizer que sejam postas de fora ou que não se faça uso dedados agregados (...), mas por um conjunto de razões, que em partepodem ser deduzidas, a pesquisa feminista se orientou para o uso deentrevistas em profundidade, observação participante, pesquisaintervenção, coleta de materiais biográficos, histórias de vida (TERRAGNI,2005, p. 148).

Um aspecto que se apresenta como integrante de uma pesquisa de análise

feminista é ‘a experiência das mulheres’, por se tratar de um elemento constituinte

Page 8: Mídia, Gênero e Educação

8

da vida de todos os indivíduos; por possibilitar compreender as relações de poder

e opressão; por poder ser usada como um indicador da realidade onde as

hipóteses são submetidas à verificação. Neste sentido, a análise dos dados

acontece paralelamente na medida em que se reflete sobre ela.

Desta forma ganhou relevância nesta pesquisa o uso da entrevista como

instrumento compatível com a proposta de uma pesquisa feminista, a qual se

refere explicitamente à tradição oral das mulheres (TERRAGNI, 2005, p.152).

Utilizamos a técnica de entrevista em profundidade, por percebermos que, “na

entrevista a relação que se cria é de interação, havendo uma atmosfera de

influência recíproca entre quem pergunta e quem responde. Especialmente nas

entrevistas não totalmente estruturadas, onde não há a imposição de uma ordem

rígida de questões” (ANDRÉ & LÜDKE, 1986, p. 33). As entrevistadas discorreram

sobre o tema proposto com base nas informações que elas detinham e que no

fundo se constituía na verdadeira razão da entrevista.

Sob a inspiração do conceito de “dispositivo pedagógico da mídia”

(FISCHER, 2002c) elegemos os aspectos a serem investigados, os quais dizem

respeito à receptividade dos sujeitos em questão, ao texto televisivo, através de

sete perguntas em três blocos: desejos/identificação, identidade feminina/gênero e

informação didática. As respostas foram gravadas mediante a permissão por parte

das entrevistadas. A escolha da novela se deu a partir de um levantamento de

caráter informal sobre quais as novelas mais assistidas pelo público feminino no

período que estava ocorrendo às entrevistas. As turmas foram escolhidas por

terem sido anteriormente visitadas e observadas por ocasião de atividades

curriculares e extracurriculares. Estas atividades se constituíram nas observações

da prática pedagógica como exigência da disciplina Pesquisa e Prática

Pedagógica no curso de Pedagogia e em outra ocasião, para a formação de uma

turma de alfabetização ligada ao Programa Brasil Alfabetizado.

Para procedermos à análise das cenas de telenovela, nos inspiramos nos

princípios postulados da análise microgenética7, Meira (1994). Realizamos o

7Segundo Meira (1994, p.60), essa abordagem interpretativa, implica na descrição dos aspectos interacionaisde atividades, tais como os diálogos, com a finalidade de identificar seus significados numa situaçãoespecífica.

Page 9: Mídia, Gênero e Educação

9

recorte por meio da gravação videográfica das cenas exibidas durante o período

de quatro semanas, pois concordamos que esta é “uma ferramenta importante de

investigação, que possibilita resgatar a densidade de ações comunicativas e

gestuais da telenovela escolhida” (MEIRA, 1994, p.60). Após esse processo

iniciamos a construção de um índice de investigação, constituído sob as

categorias definidas na metodologia mediante pesquisa realizada por Fischer

(2002c) anteriormente mencionada, sob os quais elencamos: geração, estética,

personalidade, ocupação, classe social, comportamento como categorias de

análise dos episódios. E passamos a uma análise comparativa dos aspectos

encontrados na construção discursiva das receptoras e como estes mesmos

elementos aparecem na forma como estão estruturados na trama da novela.

O corpus desta pesquisa é formado por um conjunto de dois tipos de

materiais: texto ficcional e recorte de entrevista. O primeiro refere-se aos episódios

selecionados de um total de 281 cenas da telenovela “Paraíso Tropical”8 da Rede

Globo, gravadas no período entre 08/09/2007 a 28/09/2007, dos quais utilizamos

dois, e os trechos de relatos de entrevistas. A seleção dos episódios levou em

conta as categorias estabelecidas na metodologia. Realizamos 15 entrevistas,

sendo 11 com alunas (A) e 04 com professoras (P) da EJA em duas escolas da

Rede Municipal de Ensino: Célia Arraes, no bairro da Várzea e Municipal dos

Coelhos, no bairro dos Coelhos.

A análise deste corpus nos remeteu a duas questões: perceber a

receptividade das mulheres sobre o discurso midiático e suas representações nas

personagens femininas das telenovelas; e a necessidade de analisar em que

medida na prática pedagógica há algum espaço de reflexão sobre as questões de

gênero considerando essa cultura da imagem. No entanto, percebemos também

que uma pesquisa de abordagem qualitativa trás grandes contribuições nas

análises de verificação sobre o conteúdo da mídia, revelando-se, de acordo com

Sasson (2005) como pertinente e interessante também em relação a muitos outros

gêneros textuais.

8A novela da Rede Globo “Paraíso Tropical”, sob a autoria de Gilberto Braga e Ricardo Linhares, foi exibidano período de 05 de março a 28 de setembro de 2007 no horário das 21 horas (vide referências).

Page 10: Mídia, Gênero e Educação

10

Para iniciarmos na análise do material empírico desta pesquisa,

construímos o processo de categorização baseadas nas orientações de Bogdan &

Biklen (1994), criamos as categorias de codificação, por considerarmos que,

apesar de sua definição, na metodologia os aspectos que seriam observados na

análise, algumas outras categorias poderiam ser anunciadas na medida em que

os dados coletados na entrevista fossem organizados para procedermos a análise.

Em seguida as organizamos em dois conjuntos, o primeiro refere-se à relação das

espectadoras com a telenovela e o segundo ao que estamos chamando de

recepção. No primeiro conjunto de enunciados: representação da realidade,

entretenimento e lugar de aprendizagem. Estes aspectos estão relacionados ao

que Lopes (2002) chama de ‘mediação videotécnica’, que identifica “a telenovela

como produto midiático de entretenimento realizado por uma determinada matriz

industrial” (LOPES, 2002, p.78). Estamos verificando neste bloco, o tratamento

dado pelas espectadoras ao texto televisivo e sua representação. E no segundo

agrupamento de enunciados: a subjetivação das mulheres na produção de sentido

e na operação de mudanças sobre “os modos de ser, atitude, comportamento,

implicados numa relação de poder e dominação” (FISCHER, 2002a, p.154).

Interessa-nos perceber a apreciação e a análise que as receptoras fazem da

trama televisiva.

A análise que passaremos a relatar está estruturada a partir de uma

articulação entre os achados da pesquisa – trechos das entrevistas, episódios de

cenas e campo teórico.

A TELENOVELA E O PROCESSO DE RECEPÇÃO DAS MULHERES

Estamos considerando, nesta pesquisa, que pensar sobre recepção

feminina ao texto televisivo significa dizer que na sociedade contemporânea “a

tevê é parte integrante e fundamental de complexos processos de veiculação e de

produção de significados, de sentidos, os quais por sua vez estão relacionados, a

modos de ser, de pensar, conhecer o mundo e de se relacionar com a vida”

(FISCHER, 2002a, p.154).

Page 11: Mídia, Gênero e Educação

11

Utilizamos, portanto, o conceito de recepção sendo entendido como um

processo e não um momento que acontece no ato de ver televisão, tendo em vista

o que afirma Lopes (2002): “O sentido primeiro apropriado pelo receptor é por ele

levado a outros cenários em que costumeiramente atua” (LOPES, 2002, p. 40).

Estes cenários são na verdade o seu cotidiano, sua história, suas relações e seu

comportamento que se entrelaçam com as informações produzidas e veiculadas

na e pela tevê.

Através da trama da telenovela, o espectador pode estabelecer uma

relação de familiaridade na medida em que se reconhece através de uma teia

“maniqueísta”, de amores proibidos, pobres e ricos, amor e ódio, sem deixar de

sinalizar para “a realidade por meio de personagens que representam os grupos

minoritários e os discriminados da sociedade, campanhas de cunho nacional e da

introdução de problemáticas sociais” (FISCHER, 1976, p.70).

Esta questão é observada nesta pesquisa nos relatos das entrevistadas,

quando perguntadas de seus desejos e identificação, as professoras e alunas,

estabelecem uma espécie de aproximação de fatos da vida real com a trama da

novela, associados aos desejos particulares, na medida em que expressavam o

significado deste gênero televisivo para essas espectadoras:“– A novela é uma representação da vida, do cotidiano das pessoas, dasociedade(...) Porque não é um retrato do que mais ou menos na sociedade?Apenas eu acho assim, que, essas intrigas que fazem parte, não existe só assimnão (...) que todo mundo tivesse um final feliz, assim, né?” (P1)

“–É muito isso, [a novela] retratando a realidade... trazendo pro mundo de hoje,né?” (A7)

“– Mostrar coisa de acontecimento mesmo do cotidiano, que acontece na vidareal ... eu achei, uma coisa muito ... mais pra verdadeiro do que fictícia”. (P3)

Essa proximidade com a realidade, com o cotidiano, associado aos desejos

das espectadoras, presentes nos relatos, nos conduziram ao que Sarlo (2000)

chama de “televisibilidade”. Este fenômeno diz respeito a estilo-padrão dos

produtos televisivos sob um discurso seriado e uniforme, que caracteriza cada

produto da tevê e sua relação com o público: “Os estilos televisivos trazem, muito

claramente, as marcas de um discurso serializado (...) que remetem a um estilo

padrão. Assegura que as imagens pertençam a um mesmo sistema de

Page 12: Mídia, Gênero e Educação

12

apresentação visual, e as torna imediatamente reconhecíveis” (SARLO, 2000,

P.66-67).

A telenovela se configura, assim, como “um texto de ficção que pode em

alguns momentos dirigir-se ao telespectador por meio de várias narrativas”

(FISCHER, 1976, p.70). E veiculado num horário, sob um roteiro e estilo

específico e permanente. No caso na novela da Rede Globo, exibida às 21 horas

e convencionalmente chamada de “Novelas das Oito”, trás em sua trama todos

aqueles elementos da realidade atual nomeados pelas entrevistadas, dando-lhes

uma noção de proximidade da ficção com a realidade na medida em que esses

“sinais de realidade” (FISCHR, 1976), se atualizam a cada nova novela.

Vemos então, que a familiaridade se estabelece no cotidiano das

espectadoras, exatamente porque a telenovela é uma narrativa estruturada de

maneira cronológica, linear e progressiva. Esse conjunto de fatores parece formar

uma “teia”, uma teia afetiva sob uma idéia de continuidade e acompanhamento

diretamente associados aos desejos, aos sentimentos e à familiaridade com fatos

da realidade, manipulados na ficção (LOPES, 2002). Ao continuar relatando a

respeito de sua identificação com a trama, as receptoras dizem:“–(...) Não que ... todo mundo tivesse um final feliz assim, né?(..) Geralmente anovela sempre tende a ... tende a ... é ... ter um final feliz“. (P2)

“– Eu tinha como se fosse eu. Ela era muito boa, ela tomou contou até de umamenina, que ela só vivia drogada... [O CLONE?]9 Foi! Uma morena! [PORQUÊ?]Porque minha menina também viva drogada...(os olhos lacrimejam), eu tinha comose fosse eu! O que ela fez ali tudinho foi... como tava passando ali na novela etava como se fosse minha casa.” (A5)

Ao tomarmos o conceito de televibilidade de Sarlo (2000) como uma

ferramenta que nos possibilitasse analisar as estratégias de linguagem deste

produto midiático, o conceito de “subjetivação” dos sujeitos em Foucault, tal como

o faz Fischer (2002a), nos permite afirmar que “os processos de subjetivação

sempre são históricos e devem ser vistos em sua ampla diversidade, nos modos

de existência que a produzem” (p. 154). E que estão implicados neste processo,

os modos de existência, o tempo histórico e a formação social nas dinâmicas

9 A novela “O Clone”, da Rede Globo, escrita por Carla Perez, foi exibida no período de 01 de out. 2001 a 15de jun. 2002 no horário das 21 horas (vide referências).

Page 13: Mídia, Gênero e Educação

13

relacionais. Referindo-se, portanto, às verdades externas sobre si em relação ao

olhar que o sujeito constrói de si mesmo. Neste sentido, estamos nos referindo ao

fato de que as entrevistadas mesmo quando se reportam para textos de novelas

assistidas á alguns anos, de tempos históricos diversos (novelas de época,

novelas contemporâneas), os elementos de construção das tramas são

recorrentes, trazendo à tona um sentimento de familiaridade da receptora com o

texto.Ao mesmo tempo em que o sujeito está sempre, de alguma forma,submetido a relações de controle e dependência, está tambémpermanentemente mergulhado em várias práticas, nos diferentes espaçosinstitucionais, em que é chamado a olhar para si mesmo, a conhecer-se, aconstruir para se verdades sobre si mesmo (FISCHER, 2002a, 154).

Este processo social e histórico de fixação, manutenção e transformação de

identidades e de construção de discursos sobre os sujeitos se inscreve na mídia

como um conjunto de saberes, discursos, práticas, produção, veiculação e

consumo da tevê (idem). Enquanto assistem à tevê, as espectadoras estabelecem

certa relação entre as suas experiências e as verdades veiculadas, constituindo-se

em novos modos de ser e de estar em sua cultura:“ – (...)Essa novela agora, né? Ela discubriu, ai que, que ele tem uma amante. Euacho que isso acontece na vida real. Você em um... eu não confio em homemnenhum, porque não tem nenhum fiel, já tira pela novela! (...)eu vô falá prasinhora, eu acho assim, na novela e na vida real também, eu acho que um amô éimportante!” (A3)

Na cena da novela “Paraíso Tropical” de um dos capítulos finais, Camila

chama os pais, Nely e Heitor, para colocá-los a par de como está a sua vida

afetiva tendo em vista, o seu casamento com Fred estar em processo de

separação e seu namoro com Mateus:

Camila: - Eu quis que vocês soubessem logo, e por mim ... eu nãoprocurei nada, aconteceu, mas o que eu sinto pelo Mateus é muitoforte. Eu num queria segredo, fofoca e ... A gente ta namorandomesmo, é isso.

Heitor: - Você parece que está feliz?Camila: - Tô!

Heitor: - É isso que importa.

Camila: - Tô, sim pai. Claro que a gente não tem, assim, plano profuturo, mas, tô feliz, sim. Ainda mais sabendo que eu esclareci tudocom o Fred ... Eu tô separada.Nely: - eu tô do seu lado pra o que você precisar. Vô ti apoiar emqualquer decisão que você tomar, Camila ... É como o Heitor disse, tiver bem é a única coisa que importa pra mim.

Page 14: Mídia, Gênero e Educação

14

Camila: - Mas, ainda tem uma coisa meio chata pra resolver, que élegalizar a separação ... eu gosto muito do Fred, eu sou muito gratapor tudo que ele fez, mas...

Heitor: - (completa a fala da filha) – A gente não manda no que sente.

Camila: - È. Eu amo o Mateus, mas ter vocês do meu lado é o quemais importa pra mim agora. (se despede afetuosamente dos pais evai para o quarto)

Heitor: - Você tá sendo muito bacana, e eu acho que ela tá precisandomais do seu apoio do que do meu. Mãe é mãe, né?

Nely: - Eu acho que ela tá sofrendo, sim. Ela não diz, mas tá.

Heitor: - Acho que é impossível se separar sem sofrer ... A gente temque ficar mais junto dela do que nunca.

Nely: - Eu tô.

Heitor: - Eu sei! E eu fico bem mais tranqüilo por isso. Bom, tenho queir (despede-se da ex-mulher com um beijo na testa)

Nesta cena aparecem aspectos ligados ao comportamento, ética, de

relação entre geração, família. O diálogo entre Camila e seus pais acontece sem

nenhum conflito ou algum tipo de questionamento sobre as decisões da filha por

parte dos pais. Camila inicia o diálogo com palavras que demonstram certo

respeito aos seus pais: “eu quis que soubessem logo, e por mim ... eu não

procurei nada, aconteceu”. Durante a conversa apesar de não verbalizar, a mãe

interfere nas decisões da filha, concordando passivamente, comentando com o ex-

marido que entende seus sentimentos: “Eu acho que ela tá sofrendo, sim. Ela não

diz, mas tá!”. Ao responder, Heitor, parece estar se reportando a si mesmo: “Acho

que é impossível se separar sem sofrer ... A gente tem que ficar mais junto dela do

que nunca”. E no final do diálogo ele passa a responsabilidade para a mãe: “mãe

é mãe, né?”, como uma confirmação à cultura na definição de papéis nas relações

de gênero.

Aqui vale lembrar o que é nomeado por Lopes (2002) como “uma família

subjetiva”, retratada nas novelas a qual faz parte do imaginário geral de um núcleo

protetor e de refúgio seguro, que tem como tarefa principal suprir as carências e

necessidades de seus membros a partir de uma relação de amor e lealdade.

A relação de proximidade se dá pelo fato da novela, além de ter uma

narrativa que mais parece um “novelo”, veicula e retrata a realidade sob uma

planície familiar, expondo a intimidade na tela (CAMPEDELLI, 2001). Gerando

assim uma teia imaginária onde aparecem também os objetos do desejo e da

realidade das pessoas, alimentando o interesse em acompanhar as cenas:

Page 15: Mídia, Gênero e Educação

15

“– A novela é como se fosse minha família, entendeu? Eu acho assim, uma novelapra mim é como se fosse a minha família. É uma família como se eu tivesseacompanhando, né? Assim, o menino é desobediente, o menino que quando agente cria, aí quando é no final, ai ele começa a ficá um pouco ruim, táentendendo?Eu já assisti uma novela que é mesmo assim, uma... Quase a vida domeu menino” (A7)

Ou ainda gerando novos desejos:“ – Ah, só se fosse tudo se resolver assim, as mil maravilhas, porque na novelatudo, todo mundo termina bem e feliz né? Que na minha vida também fosse assim,terminasse bem feliz. Se bem que eu não me considero uma pessoa infeliz não!(...) Quem não tem problemas? Tem na novela! A vida já é uma novela, né? (P2)

“– Ah, que tudo terminasse em final feliz! (sorriu) Não tem?” (A8)

“– Gostaria muito era de ficar rica. Assim não rica, né? Que ajudasse a resolvermeus problema, que eu tivesse pelo menos uma casa que eu dissesse que éminha, tá entendendo?” (A1)

Ao articular uma trama da vida social, mesmo se definindo com ficção, a

novela, segundo a autora, mantém uma tênue ligação com o que é familiar à vida

das espectadoras sob uma variedade de elos discursivos e não-discursivos que a

compõe.

Apesar das respostas de alunas e professoras dizerem dos

desejos/identificação, foi possível perceber diferenças na construção discursiva. E

a existência de dois processos distintos de recepção. Enquanto as respostas das

alunas apontam para uma ligação direta da ficção com fatos de sua realidade e de

seus desejos e, sem nenhum tipo de pudor, afirmando-se como espectadoras de

novelas e de outros produtos midiáticos, os enunciados das falas das professoras

se mostram estruturados de forma que os fatos da ficção sejam colocados

distantes da realidade:“– E assisto televisão pra assisti a novela de tarde, porque eu gostava mais danovela da tarde, eu não posso perdê ela não, de jeito nenhum... aí eu gosto deassisti ela. Eu assisto o jornal... tudo! Cardinô, eu gosto de assisti. A novela porque eu gosto de assisti muito pra vê como é as coisa”. (A1)

“– Assisto muita televisão! Só durante o dia e durante a tarde quando eu estoutrabalhando, eu prefiro assisti novela. Se eu pudesse, eu entraria na novela...Gosto muito de novela! Porque é muito mistério! Acontece muita coisa na novela,muito suspense que acontece com o ator. (...)Gosto da história mesmo queacontece”. (A4)

“– Assisto. Eu assisto repórter, eu assisto novela e no final de semana eu assistoum filmezinho. O que eu mais gosto na novela? Eu só não gosto quando tem

Page 16: Mídia, Gênero e Educação

16

assim... briga eu não gosto!(...) Eu gosto da história, eu só não gosto dessashistórias assim, eu não gosto não!” (A5)

Na narrativa das professoras os elementos de subjetivação presentes na

trama, são apresentados de maneira a não se confundirem com a vida real, como

se as entrevistadas se posicionassem com certo distanciamento, longe de

qualquer envolvimento com a trama televisiva:“– A gente torce pelas coisas boas, a gente torce pra que a trama dê certo. Agente se envolve, né? Aí eu não acho que a novela é negativa não!” (P1)

“– (...)Até porque a novela tira os fatos do cotidiano, né? O autor se reporta a fatosacontecidos, em histórias que alguém já contou pra ele, as vividas por ele, pelafamília dele, a livros que ele já leu.” (P4)

Essa estrutura discursiva nos reportou ao que Foucault (2006) classifica de

interdição, que se configura para ele num elemento de exclusão. Este elemento

está sendo evidenciado pela descontinuidade discursiva, como se “não fosse

possível expressar tudo sobre qualquer coisa e de qualquer jeito em qualquer

circunstância” (FOUCAULT, 2006, p.9). Este elemento apareceu no decorrer do

diálogo, através da existência de uma negação à assistência e possível

envolvimento afetivo com a história no decorrer do diálogo:“– Não, por falta de tempo mesmo, eu não assisto. (...). Nos intervalos assim,quando eu chego no horário é sempre assim um jornal, no intervalo de meio-dia, aitem o jornal, é... quando eu chego em casa, o final da novela”. (P2)

“– Novela, novela eu assisti alguns capítulos de “Páginas da Vida”, porque eu tinhatirado licença prêmio nessa época, e meu marido ligava pra vê, porque ele fica emcasa pra vê, porque ele fica em casa vendo. Mas pra mim mesmo, me sentar praver uma novela... não gosto.” (P4)

“– (...) agora no caso assim, essa novela que ta aí, eu assisto no sábado. Qual é amensagem que tem? Intriga só intriga, intriga, intriga, intriga. (P1)

Na medida em que o diálogo se estende, logo aparecem as suas

impressões e opiniões sobre a novela, apresentando uma descontinuidade

discursiva. Ao mesmo tempo em que está presente a negação sobre a assistência

à novela, aparece a afirmação de que este produto midiático está presente no seu

cotidiano, porém mediada de justificativas. Apenas uma das quatro professoras

afirma que assiste e aprecia a novela, no entanto, a construção discursiva é

semelhante a das demais professoras:

Page 17: Mídia, Gênero e Educação

17

“– Olhe, todo mundo assiste televisão, né? Nem que seja assim de relance... euassisto!(...) E...eu não assisto muito não, pouquíssimo! Eu... é uma vez ou outraquando eu assisto.” (P3)

Este dado parece evidenciar que a identidade de professora se reveste de

importância pelo fato de se tratar, naquele momento, de uma situação de

exposição de sua opinião sobre um texto que não é considerado de prestígio

intelectual, e em evidência a sua identidade profissional, em seu papel social de

professora.

Ao apontarmos a descontinuidade discursiva presente na fala das

professoras entrevistadas, não estamos querendo afirmar que exista uma

intencionalidade em camuflar a verdade, mas que estamos compreendendo que

na construção do discurso a presença do que Foucault (2006) chamou de

procedimentos de exclusão, dentre os quais se inscreve a interdição,

anteriormente mencionada.

Estamos entendendo, neste sentido, que há nas sociedades um controle,

seleção, organização e redistribuição da produção de discursos, ou seja, existe

um discurso da professora considerado normal, permitido e esperado, enquanto

identidade social historicamente construída.

MÍDIA E EDUCAÇÃO: A NOVELA COMO UM LUGAR DE APRENDIZAGEM

A análise dos dados associados aos estudos neste campo de pesquisa, nos

permite re-afirmar que na sociedade contemporânea a mídia tem se firmado como

veículo de entretenimento, de informação e como lugar de aprendizagem e de

“criação, reforço e circulação de sentidos para a formação de identidades

individuais e sociais” (FISCHER, 2001, p.2). Ao concordarmos com a autora, re-

afirmamos que a novela se constitui, neste panorama, em um dos produtos

midiáticos de maior permanência no cotidiano das mulheres, que produz e

reinventa discursos sobre a mulher com ampla visibilidade e acesso em nossa

sociedade.

Nos relatos de alunas e professoras, percebemos, além dos aspectos de

identificação, a telenovela em seus diversos modos de subjetivação dos sujeitos,

vem sendo vista como um espaço de entretenimento e como lugar de

Page 18: Mídia, Gênero e Educação

18

aprendizagem. Subjetivação em Foucault, como o diz Fischer (2002a): “está

diretamente relacionado às experiências que o sujeito faz de si mesmo, num jogo

de verdade em que é fundamental a relação consigo” (p.154).

Durante a análise dos aspectos voltados para a recepção ao texto

midiático10, nos foi possível perceber que, apesar de alunas e professoras da EJA

compartilharem de uma mesma percepção sobre a novela, se referem de maneira

diferenciada a respeito desses aspectos. Enquanto nos relatos de alunas, que

veremos em seguida, o texto televisivo aparece ligado ao modo de ser e de estar

no mundo, referindo-se às formas de comportamento:“– Corrige também a gente, né?” (A6)

“– Eu já aprendi muita coisa! Da parte assim, de patroa e patrões e empregada...eu acho que existe distinção da parte do tratar de muitas patroa, entende?(A9)

Ou estabelecendo uma relação com a realidade, com seu cotidiano:“– pra saber o que é do dia-a-dia”: (A1)

“– eu acho que é a história da vida da gente, do dia-a-dia”. (A9)

Ou como forma de preencher o tempo:“– A novela é um passa-tempo, eu acho assim, pra esquece os problemas, brigascom o marido, com a família (...), pra gente esquecer o momento”. (A4).

“– Assisto, quando eu tô sem fazê nada, aí eu assisto. Quando eu tô ocupadafazendo o meu serviço, eu não assisto não”. (A3)

Nos relatos das professoras percebemos que ao falarem do texto televisivo

e sua representação, esse material aparece em seu discurso atrelado ao modo de

ver típico da escola, sob um caráter didático, instrumental. Não havendo a

compreensão do que Fischer (1976) denomina de um “novo estado da cultura”.

Este termo se refere à nova concepção sobre o currículo, o qual tem como

característica principal uma ampliação das fontes de informação e de

aprendizagem sobre como viver, sentir e pensar sobre nós mesmos. Destacamos

trechos das falas de três de professoras:“– “Dona Beija”11, (...) O que chamou a atenção foi o lado histórico, numa

10 Segundo Lopes (2002), pensar na importância e significado dos gêneros ficcionais, pressupõe deslocar areflexão do espaço da realização estritamente literária, e descobrir que eles ocupam outros lugares no campoda moderna produção cultural.11 A novela “Dona Beija” da extinta Rede Manchete, escrita por Wilson Aguiar Filho, foi exibida entre 07 deabr. a 11 de jul. 1986 no horário das 21h30 (vide referências)

Page 19: Mídia, Gênero e Educação

19

sociedade, né?Foi quando ela fez... a novela ali até que tinha um sentido, elamostrou uma época histórica, aqueles preconceitos, tabus, a hipocrisia, né? Dasociedade, né? A injustiça... E ela respondeu, né?”. (P1)

“– (...) você tem que tá trabalhando todo esses temas, principalmente os temaséticos. Não posso chegar agora na minha sala de aula com aqueles métodosantigos do b+a=ba, não é? Eu tenho que ta abordando situações atuais... e,situações atuais que sejam científicas, mas, que ao mesmo tempo né... sejam, é...do dia-a-dia”. (P3)

“– Se eu aprendi alguma coisa? É... a única que, como eu disse que chamôatenção das... Foi essa: “A Escrava Isaura”, que lembro, né? Aquele período daescravidão, de tão... Então a gente parô pra pensá, né?nesse período, pelomomento histórico”. (`P2)

Os elementos recorrentes na fala das professoras estão relacionados ou ao

fato das tramas televisivas em questão, se tratarem de textos literários ou de

conhecimentos gerais e percebidos como produtor de alguma forma de

aprendizagem.

Este dado nos remeteu a uma compreensão tradicional de currículo,

enquanto veículo de algo a ser transmitido e absorvido para posteriormente se

produzir cultura e não o resultado de uma construção social, na qual estão

implicadas as relações de poder, a ideologia e a cultura, como defendem a teoria

pós-crítica, na qual se inscreve este estudo. Estamos tomando emprestado o

sentido de conhecimento em Freire (1987) e sua teorização sobre o currículo. A

pedagogia freireana em seus fundamentos filosóficos é de fundamental

importância, pois, ao focar sua análise da dinâmica do processo de dominação

fazendo uma crítica ao que denominou de “educação bancária”, defende que o

conhecimento será sempre o conhecimento de alguma coisa e esse conhecimento

se processa através do diálogo. Para o autor, “O diálogo é esse encontro dos

homens, mediados pelo mundo, para pronunciá-lo, não se esgotando, portanto,

numa relação eu-tu” (FREIRE, 1987, p. 78).

Sendo assim, entendemos que o currículo não poderá ser entendido como

uma seleção de conteúdos, mas o resultado do envolvimento dos sujeitos

enquanto fazem cultura, numa relação de poder e resistência. Para Silva, (2004)

todo conhecimento é um objeto cultural, e ”não há uma separação rígida entre o

conhecimento considerado como escolar e o conhecimento cotidiano das pessoas

envolvidas no currículo” (SILVA, 2004, p. 136). Do ponto de vista doa Estudos

Page 20: Mídia, Gênero e Educação

20

Culturais, os textos discursivos ou não-discursivos, que circulam dentro e fora do

ambiente escolar, são culturalmente e politicamente construídos e buscam

influenciar, formar identidades e subjetividades. Numa equiparação dos

conhecimentos tipicamente escolares com o conhecimento transmitido na mídia

televisiva, como por exemplo, através da novela.

O DISCURSO MIDIÁTICO E A PRODUÇÃO DE SUBJETIVIDADES

Os estudos desenvolvidos por Fischer (2002a, 2002c, 2001) sobre a mídia

enquanto “dispositivo pedagógico”, investigando, dentre outros aspectos, às

técnicas de subjetivação dos sujeitos e os elementos da linguagem televisiva, na

construção de um discurso sobre a mulher brasileira, veiculados na e pela tevê,

nos trouxeram subsídios teóricos que nos possibilitou analisar como os aspectos

ligados ao modo de ser, atitude e comportamento são percebidos pelas

espectadoras e como estão apresentados na estrutura da trama das telenovelas

mediados por uma cultura da imagem:“– Acho bonito, as roupas, maquiagem (...) Acho bonito... Queria comprar, achobonito”. (A3)

“– Tinha também Marissol12, né? Ela é muito vaidosa, né?(...) eu gosto de andarnos trinque! Na novela o que eu aprendi foi esse negócio de botar no nariz[percing], eu vi uma botando lá aí eu botei também, (..), eu achei bonito aí disse:vô botá também”.(A1)

“– Não é Marilia Gabriela... Marília Gabriela também, eu acho assim, ela umapessoa elegante. Eu gosto assim, do porte dela. Eu gosto da maneira dela agir,da elegância dela, eu gosto da elegância dela, eu acho uma pessoa chiquemesmo, né?” (P3)

Ao investigarmos o processamento do discurso midiático pelas alunas e

professoras da EJA sobre as personagens femininas, identificamos que a

recepção do texto de telenovela aparece mediada pelas “tecnologias que

exploram o imaginário”, os quais, segundo Trevisan (2002) estão expressos na

interação entre a linguagem discursiva e a das imagens, sob uma demanda

estética. Na cena a seguir, da novela “Paraíso Tropical”, Tati e Ivan aguardam na

sala, enquanto Bebel está se arrumando especialmente para irem, ela e o próprio

12 A novela do SBT “Marisol”, baseada no texto mexicano de Inez Rodena, adaptada por Henrique Zambelli,foi exibida entre 09 de abril a 05 de novembro de 2002 no horário das 21 horas (vide referências).

Page 21: Mídia, Gênero e Educação

21

Ivan ao escritório do Grupo Cavalcanti, onde estará acontecendo uma reunião de

acionistas. Eles arquitetaram um plano para vingar-se do irmão de Ivan, um dos

Executivos do Grupo hoteleiro, Olavo, por ter sido o responsável pela prisão de

Ivan e pela volta de Bebel para o calçadão de Copacabana como prostituta:

Ivan: (grita da sala) - Bora! Bebel! Se demorá gente vai perder, hein?Bebel: (apresenta-se vestida como uma executiva) - E aê?Tati: (Admirada) - Amiga! Eu já ti vi vestida de catiguria! Mas isso aí já éfantasia!Bebel: Pois é. Quando eu entrar lá vestida desse jeito, vão até pensa que eusou uma adevogada. E aê quando eu tive na frente daqueles velhinho, euvou barbariza, vô dizer tanta coisa que inclusive o Antenor vai ficá de quêxocaído. O Olavo vai se arrepender de ter mexido comigo. Eu sei de tudo! Atéaquele fragrante armado pra pega o Daniel lá, pra pegar com uma demenor...

Tati: quem mexe com de menor tinha mais era que mofa no xilindró pro restoda vida!Bebel: - Mas eu num botei minha mão nisso aí não, eu só ajudei a produzi afestinha, quem botou a de menor no meio foi o Jader.

Tati: - Mas mermo assim, né Bebel?Bebel: - Depois eu ajudei a despacha a chata da Paula pras cucuia, pra elanum livra a cara do Daniel...

Tati: - Esse Daniel aí, foi preso?Ivan: - (Acena com a cabeça negativamente) – Hum, hum. O Danielconseguiu escapar do flagrante. Teve um rolo com a polícia, mas eleconseguiu se livrar. Depois ele descobriu que quem armou tudo foi o meumaninho, o Olavo. Só que ele é que nem quiabo, né? Ninguém conseguiuprovar nada contra o cara. Ninguém provô que ele tinha culpa no cartório,sacô?

Ivan: - Só que a Bebel é a nossa única testemunha. É fácil! È só ela entrá eentregá. Ela fala tudo que sabe do meu irmão na frente do Antenor e nafrente do grupo todo e meu irmão vai pro olho da rua.

Bebel: - É. Ele num me largô no calçadão? E num dexô você largado lá nacadeia? Então, agora é a vez dele!

Ivan: - É isso aí! É a nossa vez de vazá! Vombora que ta na hora!

Tati: Peraê, peraê neguim... num vai cume nada? Toma um leite!Bebel: - Que leite o quê! Vai virá coalhada quando batê no estômago,pilhada do jeito que eu tô, num desce nada!Ivan: (indo em direção à porta) - Bora!Bebel: – (dirige-se à Tati) - Aê! Torce por mim, viu?

Ivan: Vô ficá esperando do lado de fora do hotel, hein?Bebel: - Beleza, legal!

Tati: (despede-se de Bebel à porta) – Pô, ó: depois de tudo corre pra cá, viu?Pra me contá tudo. Que eu tô lôca pra saber no que vai dá essa história! Vaisê manêro, o Olavo caí do cavalo...

Bebel: - (pára na porta falando com a amiga) - Ó, tem uma graninha alí nomeu quarto, compra umas cerva pra quando eu voltá a gente comemorá arevancheIvan: (grita da escada) – Bora!

Nesta cena, foi possível perceber aspectos de comportamento, ocupação

e classe social mediados pela estética. Esses elementos aparecem dando à

Page 22: Mídia, Gênero e Educação

22

personagem Bebel, a qual é uma prostituta, uma identidade provisória de

“adevogada”, conferindo-lhe a “permissão” para transitar nos espaços sociais da

classe dominante, e evidenciados através dos conteúdos discursivos e não-

discursivos da cena no processo de produção de subjetividade. Apesar da

centralidade do texto estar na vingança contra o vilão da história.

Esses aspectos encontram espaço na construção discursiva das

entrevistadas, a estética está incorporada à apreciação das entrevistadas quando

fazem referência às personagens ou às atrizes que as personificaram por sua

recorrência a cada novela:“– (...) Não sei... Bebel, é o cabelo dela é bem fino... o jeito dela... é bonita, né?de corpo” (A1)

“– Outra novela que tinha... O Rei do Gado, eu não sei o nome daquela artistanão, aquela novela foi bonita, aquela novela... tinha um lado bonito, né? Eulembro assim... tinha aquela menina que trabalhava... Dos olhos verdes...” (P1)

“– Tem umas que eu admiro, acho uma mulher bonita e talentosa, por exemplo,Regina Duarte, é... aquela jovem também, é... Malu Mader, é... aquela da novela,Glória Pires, também chamou atenção porque são atrizes bonitas”. (A11)

Fazendo-nos concordar com o autor quando afirma que para Habermas

“não há como fugir das demandas estéticas incorporadas à linguagem

(TREVISAN, 2002, p. 54)”, veiculadas pela indústria cultural e que é essa

exploração que permite criar um outro universo de comunicação.

COSTURANDO OS ACHADOS

Os resultados obtidos nos aproximam do cerne da nossa hipótese de

pesquisa: no discurso televisivo se pratica uma pedagogia cultural, revelada na

produção de sentidos, e sujeitos sociais e que tem implicações no cotidiano dos

sujeitos educativos da EJA.

O dialogo que estabelecemos com os conceitos de “televisibilidade” de

Sarlo e “subjetivação” em Foucault nos permitiu perceber que os aspectos ligados

à relação e a recepção de alunas e professoras da EJA ao texto televisivo, estão

evidentes em seu discurso através dos elementos de identificação, de

familiaridade e da expressão de desejos pessoais. Tal processo acontece

mediado pelas “tecnologias que exploram o imaginário” através de interação da

Page 23: Mídia, Gênero e Educação

23

imagem com um denso apelo estético. Ao nosso olhar esse processo traz

implicações ao processamento do discurso das receptoras sobre a telenovela, as

representações sobre o gênero, na medida em que veicula e instaura uma

maneira de falar as identidades, seus modos, sentidos e significados carregados

de elementos afetivos e estéticos de forma hegemônica (TREVISAN 2002).

Alunas e professoras da EJA entrevistadas compartilham de uma

percepção semelhante dos aspectos acima mencionados. No entanto,

constatamos certa divergência na percepção da novela como lugar de

aprendizagem e informação. Nos relatos das alunas o texto televisivo aparece

ligado aos modos de ser e estar no mundo: comportamento, cotidiano e como

entretenimento. No discurso das professoras aparece atrelado a uma forma de ver

escolar, sob uma concepção tradicional sobre o currículo, como um elenco de

conteúdos, não como o resultado de uma construção social implicado nas

relações de poder e resistência. Por todos os artefatos culturais que dizem dos

sujeitos e da participação desses sujeitos fazedores de cultura. Diante dessas

constatações, entendemos que a escola enquanto espaço educacional precisa se

posicionar como um espaço de oportunidade de re-leitura, re-conhecimento e de

análise crítica dessa linguagem, pois segundo Freire (1982): “O ato de conhecer

envolve fundamentalmente o tornar presente o mundo para a consciência. (..)

Conhecer envolve intercomunicação, intersubjetividade. E essa intercomunicação

é mediada pelos objetos a serem conhecidos” (FREIRE, 1982, p. 29). E a tevê,

Fischer (1976) tem se caracterizado pela ampliação dos espaços em que nos

informamos em que de alguma forma se aprende a viver, a sentir e a pensar sobre

si mesmos.

REFERÊNCIAS

ANDRÉ, Marli E.D.A.; Lüdke, Menga. Pesquisa em Educação: AbordagensQualitativas. São Paulo: EPU, 1986

ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de (org.).Desafios da Educação deJovens e Adultos: construindo práticas de alfabetização. Belo Horizonte: Autêntica,2005

BOGDAN, Roberto C.; BIKLEN, Sari Knopp. Investigação Qualitativa emEducação. Portugal: Porto Editora, 1994

Page 24: Mídia, Gênero e Educação

24

BRAGA, Gilberto; LINHARES, Ricardo. Paraíso Tropical. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Para%C3%ADso_Tropical . Acesso em 09 ago. 2007.

CAMPEDELLI, Samira, Youssef. A Telenovela. São Paulo: Editora Ática, 2001

CARVALHO, Rosângela Tenório. Alfabetização de jovens e adultos einterculturalidade. In: Revista Pernambucana de educação popular e educação deadultos. Recife, 2004, ano 3 n.4, p.9

COSTA, Marisa Vorraber. O Magistério na política cultural. Canoas: Ed. ULBRA,2006

FERREIRA, Andréa Tereza Brito. Ler e escrever também é uma questão degênero. In: ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de (org.).Desafios daEducação de Jovens e Adultos: construindo práticas de alfabetização. BeloHorizonte: Autêntica, 2005

FILHO, Wilson Aguiar. Dona Beija. Disponível em:http://pt.wikipedia.org/wiki/Dona_Beija. Acesso em: 25 jan.2008

FISCHER, Rosa Maria Bueno. Mídia e educação da mulher: uma teoria sobremodos de enunciar o feminino na tv. In: Revista Estudos Femininos.Florianópolis/UFSC, 2001, vol. 9 n. 2________________________. O dispositivo pedagógico da mídia: modos deeducar na e pela tv. in: Revista Educação e Pesquisa. Porto Alegre/UFRGS,2002a, vol. 28, nº 28________________________. O Estatuto pedagógico da mídia: questões deanálise In: Educação & Realidade. Porto Alegre/UFRGS, 1976, vol. 1 nº 1________________________. Problematizações sobre o exercício de ver: mídia epesquisa em educação in: Revista Brasileira de Educação. Porto Alegre/UFRGS,2002b, n. 20________________________. Uma Análise Foucaultiana da tv: das estratégias desubjetivação na cultura.Currículo sem Fronteiras. v.2, n.1, jan/jun.2002c.Disponível em: http://wwwcurriculosemfronteiras.org. Acesso em 20 jun. 2007.

FOUCAULT, Michel. A Ordem do Discurso. São Paulo: Loyola, 2006

FREIRE, Paulo. Educação como Prática de Liberdade. Rio de Janeiro: Paz &Terra, 1982____________. Pedagogia do Oprimido. 17. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987

GALVÃO, Ana Maria de Oliveira; SOARES, Leôncio José Gomes. História daalfabetização de adultos no Brasil. In:ALBUQUERQUE, Eliana Borges Correia de(org.). A Alfabetização de jovens e adultos em uma perspectiva do letramento.Belo Horizonte: Autêntica, 2005

GIROUX, Henry A. Memória e Pedagogia no maravilhoso mundo da Disney. In:SILVA, T.T. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudosculturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995.

Page 25: Mídia, Gênero e Educação

25

GONZAGA, Amarildo, Menezes. A pesquisa em educação: um desenhometodológico centrado na abordagem qualitativa In: PIMENTA, S.; GUEDIN, E.;FRANCO, Maria. Pesquisa em Educação. São Paulo: Loyola, 2006

HALL, Stuart. A Identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tadeu TomazSilva; Guacira Lopes Louro. 4ªed. Rio de Janeiro: DP&A, 2000

LOPES, Maria Immacolata Vassallo de; BORELLI, Silvia Helena Simões;RESENDE, Vera da Rocha. Vivendo com a telenovela: mediações, recepção,teleficcionalidade. São Paulo: Summus, 2002

LOURO, Guacira Lopes. Gênero, Sexualidade e Educação. Petrópolis: Vozes,1997

MEIRA, Luciano, Análise microgenética e videográfica: ferramentas de pesquisaem psicologia cognitiva. In: Temas em Psicologia. Recife/UFPE, 1994, n. 3

NELSON, Cary; TREICHLER, Paula A.; GROSSBERG, Lawrence. EstudosCulturais: Uma Introdução. In: SILVA, T.T. (org.). Alienígenas na sala de aula: umaintrodução aos estudos culturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995

PEREZ, Glória. O Clone. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/O_Clone.Acesso em: 25 de jan. 2008

ROSEMBERG, Fúlvia. Educação formal, mulher e gênero no Brasilcontemporâneo. In: Estudos Feministas, 2001, vol. 9

SARLO, Beatriz. Cenas da Vida Pós-moderna: intelectuais, arte e videocultura.Rio de Janeiro: UFRJ, 2000

SASSON, Joseph. Métodos qualitativos na pesquisa sobre a comunicação. In:MELUCCI, Alberto. Por uma sociologia reflexiva; pesquisa qualitativa e cultura.Petrópolis: Vozes, 2005

SILVA, T.T. (org.). Alienígenas na sala de aula: uma introdução aos estudosculturais em educação. Petrópolis: Vozes, 1995_____________. Documentos de Identidade: uma introdução ás teorias docurrículo. 6ª ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2004

SOUZA, João Francisco. Ruptura epistemológica e organizacional da educaçãobásica em relação à educação superior. In: Revista Pernambucana de educaçãopopular e educação de adultos. Recife, 2004, ano 3 n.4, p. 71-79

TERRAGNI, Laura. “A pesquisa de gênero”. In: MELUCCI, Alberto. Por umasociologia reflexiva: pesquisa qualitativa e cultura. Trad. Maria do Carmo Alves doBomfim. Petrópolis: Vozes, 2005

TREVISAN, Amarildo Luiz. Pedagogia das Imagens culturais: da formação culturalà formação de opinião pública. Ijuí: Ed.Unijuí, 2002

ZAMBELLI, Henrique. Marisol. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Marisol.Acesso em: 25 de jan. 2008