michelle willingham - voz do coração

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Hlq Histórico 118 – Voz do coração – Michelle Willingham

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VOZ DO CORAÇÃO

Tempted By The Highland

Michelle Willingham

A força de seu silêncio a tocou… Finalmente, depois de anos de torturas brutais, Callum MacKinloch está livre de seus

raptores, mas sua voz ainda está aprisionada. Seu grito não seria ouvido por ninguém, nunca.

Apesar de invisíveis, as correntes de lady Marguerite de Montpierre podem prendê-la a um casamento cruel e sem amor. Quando Marguerite descobre Callum à beira da morte, seu coração bate mais forte, ainda que o amor deles não tenha futuro. Mesmo assim, ela é única mulher com o poder de domar a fúria contida no peito dele. Talvez Callum possa encontrar uma nova razão para viver...Por Marguerite.

Digitalização e Revisão : Projeto Revisoras

Tradução Elaine Moreira

HARLEQUIN 2013

PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a

transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas

ou mortas é mera coincidência.

Título original: TEMPTED BY THE HIGHLAND WARRIOR

Querida leitora, Muitas vezes as palavras que não são ditas pela boca podem ser pronunciadas

com mais força pelo coração. Callum sofrera nas mãos de seus algozes, mas encontrara a redenção no amor de uma dama de alma pura. Lady Marguerite não suporta vê-lo em agonia. Porém, como ela seria capaz de desafiar seu noivo, um homem cruel e implacável? Leia e descubra!

Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books

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Copyright © 2012 by Michelle Willingham

Originalmente publicado em 2012 por Mills & Boon Historical Romance

Projeto gráfico de capa: Nucleo i designers associados

Arte-final de capa: Isabelle Paiva

Editoração eletrônica: EDITORIARTE Impressão: RR DONNELLEY

www.rrdonnelley.com.br

Distribuição para bancas de jornais e revistas de todo o Brasil: FC Comercial Distribuidora S.A.

Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171,4° andar

São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: [email protected]

Capítulo Um

Escócia, 1305 O som de um homem gritando a despertou do sono. Marguerite de Montpierre sentou-se num sobressalto, agarrando a colcha enquanto

encarava sua criada, Trinette. — O que foi isso? Trinette balançou a cabeça, os olhos arregalados de medo. — Não sei. Mas devemos ficar aqui, onde é seguro. Marguerite aproximou-se da janela da torre, espiando o céu escuro iluminado

apenas pela lua. Os gritos do homem tinham silenciado agora. Ela bem podia imaginar o que isso significava.

Fique aqui, ordenou sua mente. Não se intrometa. O que poderia fazer, afinal? Era apenas uma moça de 18 anos. Tanto seu pai quanto lorde Cairnross ficariam furiosos caso saísse sozinha.

Mas se alguém precisava de ajuda, que direito tinha ela de permanecer no quarto? O medo não deveria encobrir a misericórdia.

— Vou descobrir o que foi — informou à criada. — Pode ficar aqui se quiser.

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— Minha senhora, non. Seu pai não permitiria. Não, ele não permitiria. Marguerite podia bem imaginar a voz autoritária do pai

ordenando que permanecesse na cama. Respirou fundo, dividida pela indecisão. Se não fizesse nada, permaneceria segura e ninguém se zangaria com ela.

E alguém poderia morrer. Isso não tinha a ver com obediência, mas sim com salvar uma vida.

— Tem razão. O duque não me permitiria sair. Mas ele não está aqui, está? — murmurou, e rezou para que seu pai voltasse o mais rápido possível, pois cada dia de ausência transformava sua vida num pesadelo maior.

Guy de Montpierre, o duque DAvignois, não sabia o que estava acontecendo ali, pois o noivo de sua filha havia se comportado com grande cortesia diante da família.

O duque era um homem que valorizava riqueza e status, e Gilbert de Bouche, o conde de Cairnross, promoveria uma forte aliança com a Inglaterra. Uma filha caçula não poderia esperar por casamento melhor.

Mas embora o conde a tivesse tratado com respeito e honra, sua crueldade a horrorizava. Era um homem que acreditava piamente que os escoceses mereciam a servidão. Ele havia capturado vários prisioneiros de guerra, e ela os viu construírem muros de pedra por horas a fio.

Trinette estremeceu, olhando para o cobertor. — Acho que não vai querer zangar lorde Cairnross saindo deste aposento. Marguerite não discordou. Mas o grito do prisioneiro a assombrava, penetrando em

sua consciência. Tinha visto os escravos de Cairnross, homens magérrimos, com a desesperança marcada no rosto. Dois já haviam morrido desde a sua chegada. E suspeitava, a julgar pelo berro, que outro homem estava agonizando.

— Não posso ficar parada sem fazer nada — murmurou. Do contrário, não seria melhor que o conde.

Ela colocou um vestido justo de mangas compridas, uma túnica rosada, depois uma capa escura. A criada deu um suspiro resignado e a ajudou a terminar de se arrumar antes de colocar a própria roupa.

Passava da meia-noite, e os soldados estavam dormindo ao longo dos corredores e no cômodo maior da torre de madeira principal. Marguerite ficou com as costas grudadas na parede, o coração tremendo enquanto passava sorrateira pelos homens. Seu pai havia deixado meia dúzia dos seus soldados como guardas; sem dúvida, eles a deteriam caso acordassem.

Deixou a torre de madeira e seguiu para o pátio interno. Lá, viu a causa dos gritos. Um homem, talvez um ano mais velho que ela, jazia prostrado no chão. As costas estavam cobertas de sangue, os tornozelos, acorrentados. O longo cabelo escuro obscurecia seu rosto, mas ela viu que os ombros se mexiam. Ele estava vivo... por enquanto.

Marguerite sussurrou à criada: — Traga-me água e trapos macios. Depressa. Embora não soubesse quem o homem era, não podia dar as costas ao seu

sofrimento. Ele precisava de ajuda, se fosse para sobreviver à noite. Trinette obedeceu. Depois que a garota desapareceu, Marguerite deu alguns passos

hesitantes na direção do homem. Quando chegou ao lado dele, viu-o estremecer, como se sentisse frio. Não queria assustá-lo, mas murmurou em inglês:

— Posso cuidar dos seus ferimentos? O homem ficou tenso, as palmas pressionavam o chão. Vagarosamente, ele virou a

cabeça; seu rosto surrado estava inchado e machucado. Mas os olhos castanhos do homem estavam vazios, como se não sentisse nada. Marguerite se ajoelhou ao lado dele e viu o sangue manchando o chão.

— Sou Marguerite de Montpierre — disse, mudando para o gaélico, na esperança de

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ser compreendida. Embora fosse boa com idiomas e estivesse aprendendo a língua dos escoceses no último ano, preocupava-se com sua pronúncia. — Qual é o seu nome?

O homem a estudou, mas não falou. A dor escurecia sua expressão, e ele a olhava com descrença, como se não entendesse por que ela demonstraria pena. Uma mecha de cabelo caiu sobre seus olhos, e Marguerite a afastou do rosto.

Era para ajudá-lo a enxergar melhor, mas, no momento em que o tocou, a mão dele capturou a sua. Embora a palma estivesse fria, ele segurou a mão dela como se fosse uma delicada borboleta.

O toque gentil a assustou. O primeiro instinto de Marguerite foi o de se soltar, mas algo a manteve no lugar. Olhando além dos ferimentos, os traços do rosto eram fortes, mostravam a resistência de um homem que havia visitado o inferno e sobrevivido.

Continuou esperando que ele falasse, mas o homem manteve o silêncio e largou sua mão. Imaginou se lorde Cairnross havia ordenado que cortassem fora a língua do prisioneiro. Baixou o olhar, temendo perguntar.

Quando Trinette trouxe a vasilha de madeira com água e trapos, Marguerite viu os ombros do homem ficarem tensos de desconfiança.

— Fique afastada — sussurrou ela à criada —, e avise se alguém se aproximar. Marguerite afundou o primeiro pano na água e torceu. Delicadamente, colocou-o sobre as costas ensanguentadas do prisioneiro, que ofegou quando ela o tocou. — Perdoe-me. Não quero machucá-lo. Mesmo trincando a boca ao toque dela, o homem não fez nenhum movimento para

afastá-la. Marguerite tentou limpar o sangue e a terra, esperando que a água fria o aliviasse. Jamais cuidou de ferimentos como aquele, pois o pai não a deixava se aproximar dos soldados quando estavam feridos.

A visão do sangue a incomodava, mas ela se obrigou a conter a ansiedade. Aquele homem precisava dela. Enquanto limpava os ferimentos, mantinha o toque leve, sabendo que devia estar doendo. As chicotadas haviam cortado a pele, deixando sulcos cruéis que formariam cicatrizes.

— Por que ele fez isso com você? — perguntou, encharcando o pano outra vez. Ela umedeceu a bochecha dele com o pano úmido, e ele tocou a garganta e a boca,

meneando a cabeça como se para dizer que não podia falar. — Era você que estava gritando de dor, não? O homem meneou a cabeça. Então esticou o braço e apontou para a escuridão. E Marguerite viu o corpo imóvel de um prisioneiro com olhos sem vida. Cada osso no corpo de Callum MacKinloch doía, seus membros sofriam de dor. Não

conseguiria se mexer se quisesse. Os soldados ingleses o surraram até arrancar sangue, depois prosseguiram com mais vinte chicotadas.

Ainda não o haviam matado, mas matariam. Tornara-se um teste de resistência. Embora seu corpo estivesse fraco e arruinado, sua mente se transformara numa forte barra de ferro. Não gritara de dor, pois tinha perdido a capacidade de falar, quase um ano atrás. Depois de todos os pesadelos que testemunhara, supunha que não fosse surpresa.

Outro pano macio cobriu as últimas chicotadas, e ele estremeceu. Aquela mulher oferecera compaixão quando ninguém mais o fez. Por quê? Estava prometida ao conde, uma nobre que não devia ter deixado a proteção da fortaleza. Pela visão periférica, via relances dela. O vestido rosado acentuava o corpo esguio e, conforme ela se inclinava, longas mechas de cabelo dourado saíam de baixo do véu.

Callum não merecia sua simpatia. Vivera trancafiado nos últimos sete anos, desde que era garoto. O pai havia morrido no ataque, e ele se tornou prisioneiro, assim como seu irmão mais velho, Bram.

Baixou o rosto para o chão, imaginando se Bram teria escapado, afinal. Fazia algum tempo que ele havia partido, e, embora tivesse jurado que retornaria para libertá-lo, Callum não acreditava nisso. Como poderia?

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Ninguém o salvaria. Não era possível. Ele morreria, provavelmente torturado até a morte.

Callum fechou os olhos, encolhendo-se quando lady Marguerite limpou um dos ferimentos mais profundos. O perfume feminino de sua pele cortava o ar fétido como um sopro de misericórdia. Agarrou-se àquilo, respirando fundo, como se pudesse absorver a lembrança dela.

Quando terminou, ela tirou os panos das costas dele e tentou colocá-lo sentado. Callum viu seu rosto e imaginou se não teria morrido, afinal. A pele clara e o rosto em forma de coração eram frágeis, com lábios macios e olhos azuis que o perseguiriam para sempre. Nunca vira criatura tão bonita na vida.

— Está com frio — murmurou ela, e removeu a capa, colocando-a ao redor de seus ombros.

O perfume dela estava preso na vestimenta, assim como seu calor corporal. Callum sentiu o cheiro de flores exóticas e um toque cítrico, perfumes vindos de uma terra distante. Enquanto a olhava, assimilou os sinais de sua riqueza — não apenas o caro vestido de seda, mas também a maciez das mãos e a pele pálida.

Como poderia ela se casar com alguém como o conde de Cairnross? A ideia de tal homem possuindo aquela donzela inocente fez Callum cerrar os punhos.

Não poderia detê-lo mesmo que tentasse, veio a voz da razão. O açoite quase o matara. Ainda não sabia por que os soldados tinham parado. Deixaram-no ali, sem dúvida acreditando que a exposição ao ar frio liquidaria sua vida.

Em vez disso, lady Marguerite interviera. Embora desejasse acima de qualquer coisa que ela o ajudasse a escapar, hoje seria um esforço inútil. Uma dúzia de guardas patrulhava o portão, e faltavam-lhe forças. Mal podia se manter de pé, muito menos fugir de Cairnross.

Callum lutou para se levantar, mas os joelhos pareciam dobrar sob seu peso. Lady Marguerite estendeu a mão para ajudá-lo a se equilibrar. Embora o rosto corasse por ter que tocá-lo, ofereceu-se:

— Deixe-me ajudá-lo. Ele sacudiu a cabeça em recusa, firmando-se contra uma parede de pedra. Preferia

rastejar de joelhos feito um cão a se rebaixar desta maneira. Ela havia cuidado de suas feridas e dera sua capa para aquecê-lo. Não conseguia compreender por que ela desejaria ajudar um estranho, ainda por cima um escocês.

Fechando os olhos, ouviu-a murmurar palavras de conforto em sua própria língua. Ouvia a suavidade do sotaque francês, os sons reconfortantes envolvendo-o como seda.

Quanto tentou dar um passo adiante, as pernas cederam e ele quase tombou por causa dos tornozelos acorrentados. Lady Marguerite aproximou-se, passando o braço ao redor da cintura dele para sustentá-lo. Callum queria dizer não, pois estava imundo e ensanguentado. Ela não merecia ter que suportar sua contaminação.

Mas ela caminhou ao lado dele, guiando-o ao longo da fortaleza. — Você vai ficar bem — sussurrou. — Virei trazer comida. Talvez, quando estiver

forte, eu peça ao conde por sua liberdade. Callum a olhou com ar indagador. Por quê? Por que ela teria misericórdia de alguém

como ele? O ar de perturbação nos olhos da dama sugeria que ela não sabia a resposta.

Quando removeu a capa que lhe havia sido entregue, a mão dele roçou na dela. Os lábios da lady se entreabriram, e Callum quis se ajoelhar diante daquela deusa.

Não queria piedade. Embora seu corpo e sua voz estivessem quebrados, não permitiria que ela acreditasse que era menos que um homem. Entrelaçou as mãos nas dela, a pele fria unindo-se à aquecida.

Levou os dedos dela às faces abatidas, absorvendo o calor. Algumas mechas do cabelo dourado escorregaram do véu, repousando sobre a garganta. E quando Callum

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levou a mão aos lábios, ela ofegou. Ele a soltou de imediato, esperando que lady Marguerite se afastasse com desgosto.

Em vez disso, os olhos dela brilhavam com lágrimas não derramadas, os dedos ainda no rosto dele.

— Não vou esquecê-lo — prometeu ela, puxando a capa sobre os ombros. Depois ergueu as saias e desapareceu na noite.

Nas sombras, Callum percebeu um movimento e virou a cabeça. O conde de Cairnross estava parado ali, observando.

E a fúria ardia em seus olhos. — Eu a vi com ele na noite passada — comentou lorde Cairnross, quando

Marguerite juntou-se a ele no desjejum. — O prisioneiro que foi punido. Marguerite manteve os olhos no chão, sem esboçar nenhuma reação. Se exibisse

consternação, o conde sem dúvida mataria o prisioneiro. — Ouvi um homem sofrendo — murmurou. — Despertou-me do sono. — Manteve o

tom tranquilo, como se estivesse falando de um animal ferido. — Você é tão jovem, lady Marguerite — ralhou o conde. — Estes não são os nobres

com os quais está acostumada — explicou, fazendo-a se sentir uma criancinha. — São escoceses ignorantes que ousaram se levantar contra o rei. Deviam ser gratos por eu lhes dar a chance de expiar seus pecados.

Pecados? Ela se obrigou a encarar as mãos, imaginando sobre o que ele estaria falando. Embora alguns dos homens fossem, sem dúvida, rebelados contra os ingleses, o prisioneiro só devia ser um ano mais velho do que ela mesma. Pela aparência dele, estava aprisionado havia anos.

Um estremecimento percorreu a pele dela, pois a expressão nos olhos do homem era deliberada. Não duvidava que pudesse matar seu mestre sem nenhum vestígio de pesar.

— Não castigue o prisioneiro por minha ignorância, meu senhor — murmurou. — Eu o vi sangrando e só quis cuidar dos ferimentos.

O conde tomou as mãos dela nas suas. — Lady Marguerite, Callum MacKinloch ousou tocá-la. E isso eu não posso perdoar. Um calafrio se espalhou por ela ao encarar lorde Cairnross. Nos olhos dele, via um

homem que acreditava em sua própria supremacia, que não se importava com ninguém além de si mesmo.

— Tirou a vida dele? — perguntou. A voz guardava um tremor que desprezava, mas tentou manter o tom tranquilo. Se a tirou, então a culpa é minha.

— Deveria. Mas o clã MacKinloch não está longe daqui. Continua resistindo às tropas inglesas, e eu decidi mantê-lo refém. Mas não é um risco para você, minha noiva. — O olhar dele se tornou possessivo, como se adivinhasse os sentimentos incertos que ela reservava ao homem que salvara. — Eu o mandei para o sul, onde não a incomodará de novo.

Marguerite fingiu aquiescência, embora por dentro se sentisse preenchida pela fria raiva.

— Você é um homem de grande misericórdia, meu senhor — mentiu, o sorriso arrogante dele deixando-a enjoada quando o lorde levou sua palma aos lábios.

Estivesse dizendo a verdade ou não, ao menos ela sabia o nome do homem que a comovera naquela noite: Callum MacKinloch.

Não sabia o que havia em Callum para extasiá-la. Era pouco mais que um selvagem, com uma aparência desgrenhada que deveria ser repelente.

Porém, o toque da boca em sua palma conjurou uma chama trêmula dentro dela.

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Não pensava em nada mais desde que o vira. Era um lutador que havia resistido ao inimigo, sobrevivendo a desventuras

insuperáveis. Quando ele a olhou, foi como se enxergasse algo mais do que os outros. Uma mulher forte, não uma mulher que obedecia cegamente.

Fosse ela em seu lugar, estaria despedaçada. Não era de sua natureza desafiar ninguém. Obedecia ao pai, fazia o que era ordenado. Sendo a filha caçula, orgulhava— se de sua obediência.

Ou seria covardia? Deixou que o pai lhe escolhesse um marido, mesmo sem conhecer o homem. Viajou para a Escócia com o duque, para as terras do norte onde praticamente ninguém falava sua língua. Embora dissesse a si mesma que o pai só queria o melhor para ela, questionava seu julgamento diante do noivado com lorde Cairnross. O casamento deveria fortalecer a aliança com a Inglaterra, após o fim da guerra recente.

Contudo, Marguerite não conseguia se imaginar casada com lorde Cairnross depois do que havia feito aos prisioneiros. Ele gostava de ver os homens sofrerem, e ela odiava tudo a respeito dele.

Pensou em Callum e na maneira como olhava para os portões de Cairnross, como se fosse capaz de fazer qualquer coisa para escapar. Eram parecidos, sob diversos aspectos. Os dois estavam aprisionados, embora suas correntes invisíveis tivessem sido postas por seu pai.

De alguma forma, encontraria um jeito de se livrar daquele casamento. Dois dias depois Callum sonhou com Marguerite enquanto dormia no chão gelado. Estava aninhado

entre os corpos de outros prisioneiros, pois era a única maneira de sobreviver ao frio congelante. Tinham sido levados para a fortaleza de lorde Harkirk para morrer, e ele já havia testemunhado alguns dos homens mais fracos sucumbirem ao silencioso convite da Morte.

Em sua memória, recordava o rosto bonito, a inocência gentil de seu toque. Não sabia por que ela havia cuidado de seus ferimentos ou por que não tinha fugido dele. Callum sabia o que ele era: um horror de homem destruído.

Mas não era fraco. Ao longo dos anos, manteve os braços fortes, erguendo pedras para construir os muros. Havia aprendido, nos primeiros anos, como roubar uma porção extra de comida quando os guardas não estavam olhando, para não passar fome. Quando ainda estava aprisionado, Bram o aconselhara a manter as forças. Chegaria o momento em que poderiam escapar juntos, prometera o irmão.

Mas Bram o deixou para trás, conquistando a própria liberdade, mesmo quando os soldados colocaram uma lâmina na garganta de Callum.

Fechou os olhos, tentando esquecer o ressentimento. Não o mataram naquele dia, embora esperasse morrer. Bram os desafiou a cumprir a ameaça, o que funcionou.

Embora parte dele soubesse que o irmão não o abandonara, desejava ter conseguido deixar aquele lugar. Sete anos de sua vida tinham desaparecido. Assim como sua voz.

Dias atrás, quando os guardas o apanharam, forçando-o a entrar numa carroça com outros quatro homens, Callum havia tentado novamente falar. Poderiam ter uma chance de escapar, caso os outros resistissem aos soldados com ele. Porém por mais que tentasse, nenhuma palavra saía. Era como se alguém houvesse trancado suas palavras, mantendo-o aprisionado no silêncio.

Pior, os outros o tratavam como se fosse destituído de inteligência. Vários homens falavam dele como se não pudesse entender o que diziam.

Mas quando um tentou empurrá-lo, assim que chegaram, Callum segurou o braço do

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homem e o encarou com cenho franzido. O ar espantado se transformou num pedido de desculpas, e Callum largou-lhe o braço com um aviso silencioso. Esfregando o antebraço, o prisioneiro deu uma olhada nos outros, que agora enxergavam Callum com novos olhos.

Posso não falar. Mas compreendo cada palavra. E desde então, os outros mantiveram distância. Conforme os dias passavam na fortaleza de lorde Harkirk, qualquer esperança que

ele tivesse de ser resgatado começou a morrer. Callum não conhecia prisioneiro nenhum e, sem um rosto familiar, começou a cair na loucura que acometeu tantos outros. Visões colidiam em sua mente, e ele tentava se concentrar na lembrança de lady Marguerite. Quando se concentrava bastante, quase conseguia imaginar o perfume de sua pele, a maciez de suas mãos.

Ela era real. Nas mãos ele apertava uma fita amassada roubada de seus cabelos loiros. Era de um azul mais claro que seus olhos, mas confirmava que ela não era imaginação. Ela havia cuidado de sua carne machucada, tratando-o como homem em vez de escravo.

Era o tipo de mulher pela qual ele morreria para proteger. Inocente e pura, merecia estar com um homem que a amasse, que colocasse um reino aos seus pés. Algo que nunca poderia fazer.

Olhou para os muros de madeira que cercavam a fortaleza. Lorde Harkirk começara a convertê-los em pedra, usando o trabalho de prisioneiros escoceses como ele. Callum acariciou a fita de seda, imaginando que era a curva da bochecha de Marguerite.

Nunca deixaria de tentar escapar. Mesmo que fosse apenas pela chance de vê-la mais uma vez.

Uma semana depois A fortaleza estava em chamas. A fumaça ondulava pelo céu noturno e, lá de fora,

ouviam-se os gritos dos homens em batalha. As mãos de Marguerite tremiam quando puxou a capa, dizendo baixinho orações para que de alguma forma conseguissem escapar com vida.

Embora fosse mais seguro ter continuado escondida em seus aposentos, o fogo poderia se alastrar até a torre principal. Morrer por uma espada era ao menos mais rápido que queimar viva.

Sua criada, Trinette, chorava abertamente enquanto empacotava seus pertences numa trouxa. Marguerite foi até a janela e viu o caos lá embaixo. Espadas ressoando em escudos, o urro dos prisioneiros rompendo a quietude. O conde gritava ordens, desembainhando a própria espada enquanto a fumaça tingia o ar.

Esta era a melhor chance de escapar, enquanto os homens se mantinham ocupados na luta. Ela pegou a trouxa de Trinette.

— Temos que ir. Agora. Como a criada parecia hesitar, amedrontada demais para se mexer, ela lhe deu um

pequeno empurrão. — Vá! — ordenou, e Trinette desceu a escada espiralada, correndo. Marguerite segurava a trouxa num braço enquanto seguia a criada. A fumaça criava

um nevoeiro denso dentro do espaço de encontro principal, e a escuridão a impedia de ver a entrada.

Seu coração disparou enquanto lutava para enxergar, a garganta seca com a neblina fumacenta. Agachou-se no chão, tentando descobrir para onde Trinette tinha ido. Rastejou pelo chão de terra até, enfim, enxergar o clarão de uma tocha lá fora.

Lá. Numa explosão de energia, Marguerite conseguiu rumar até a entrada, mantendo a cabeça abaixada.

Do lado de fora, seus pulmões arderam com o ar frio, e ela tossiu de novo, tentando

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limpar a fumaça. Os prisioneiros estavam escapando. Podia vê-los saindo do abrigo rudimentar, lutando com afinco, apesar das correntes. Outro clã escocês havia atacado, e metade dos homens criou uma distração, enquanto os restantes libertavam os escravos. A vingança permeava seus rostos enquanto investiam forte contra os soldados de Cairnross.

Era uma visão prazerosa assistir aos homens ficarem livres. O único desapontamento era saber que, se estivesse ali, Callum MacKinloch seria um deles. Por causa de sua interferência, ele ainda era prisioneiro.

Simplesmente não era justo. Marguerite encostou-se numa das muralhas externas de pedra, as lágrimas

embargando sua garganta. Não sabia o que fazer ou para onde ir, e largou a trouxa com seus pertences no chão. Fechou os olhos, desejando poder silenciar os sons de morte e luta. O medo prendeu seus pés no lugar.

— Você é uma refém? — gritou um homem em inglês. Marguerite virou um pouco a cabeça e viu um homem alto, de cabelos escuros,

parado diante dela. Apertou os braços, temendo se mexer. Ele poderia matá-la com um único golpe, caso quisesse. Mas a expressão de seus olhos não continha nenhuma ameaça, e ela enxergou certa semelhança com Callum nos traços do homem. Permaneceu imóvel quando ele afastou seu capuz, revelando seu cabelo.

— Se quiser deixar este lugar, meu irmão lhe concederá refúgio — ofereceu. — Minha mulher cuidará de você, e prometo que não será ferida.

Marguerite fechou os olhos, imaginando o que fazer. Seu primeiro instinto foi recusar. Não fazia sentido nenhum deixar Cairnross, fugir de uma fortaleza incendiada com os estranhos que a atacaram.

Mas a única escolha era permanecer ali com um homem que desprezava. Ficou parada, tentando tomar uma decisão, quando, ao longe, viu sua criada. Trinette estava em pânico e gritando, correndo na direção do conde, como se ele pudesse protegê-la da luta brutal que os cercava.

Lorde Cairnross estava absorto com sua própria luta, ocupado demais para prestar atenção a Trinette. Quando ela chegou bem perto, Cairnross pegou sua adaga e cortou a garganta da mulher. Trinette caiu ao chão, o olhar vazio fixo nele.

Marguerite curvou-se de horror, enjoada com o que havia acabado de testemunhar. Bom Deus, tenha misericórdia. Se não tivesse visto com seus próprios olhos, não teria acreditado. O conde sabia que Trinette era sua criada, mesmo assim a matou, simplesmente porque estava no caminho.

O pânico inundou seus pulmões, e Marguerite lutou para respirar. A verdade estava bem diante dela — precisava sair de Cairnross, senão ficaria aprisionada por um monstro.

— Por favor — implorou, buscando as palavras certas em gaélico. — Ajude-me a voltar para a casa de meu pai. — Abaixou-se e apanhou a trouxa de roupas caída, tentando não pensar em Trinette.

A criada tinha sido sua única companhia, e partia seu coração imaginar o quanto estava sozinha agora.

O guerreiro escocês pegou sua mão e a puxou para fora da fortaleza, para longe da luta. Marguerite o seguiu, esperando não ter cometido um erro. Mas o que mais poderia fazer? Esta era a sua única escolha, por mais aterrorizante que parecesse.

O homem a guiou até um grupo de cavalos, num dos quais prendeu sua trouxa. Marguerite se movia como que entorpecida, deixando a mente cair no vazio. Caso tentasse pensar em qualquer coisa além da tarefa à sua frente, começaria a chorar.

Atrás dela, a fortaleza ardia em fogo, o cheiro de destruição escurecia o ar. Marguerite apoiou as mãos numa égua castanha, tentando não pensar no que aconteceria com ela agora.

Então outro escocês veio andando até eles. Seu cabelo escuro pendia sobre os

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ombros e uma longa espada claymore estava presa às costas. A fúria e a descrença chispavam em seus olhos.

— Bram, o que, em nome de Deus, você fez? Ela não virá conosco. Falava em gaélico, como se para impedi-la de entender suas palavras. Marguerite

encolheu-se e encarou as mãos, fingindo não escutar. Seus dedos tremiam, mas ela aguardou que os homens chegassem a uma decisão.

— Não podemos deixá-la aqui — argumentou Bram. Seu salvador encarou o rosto do outro homem num aberto desafio.

— Ela é um deles — retrucou o primeiro. — E se você a levar, os homens de Cairnross a seguirão até Glen Arrin.

Ela podia ver a dúvida se formando nos olhos de seu salvador. Se não dissesse nada, talvez ele a deixasse ali.

— Não — interrompeu Marguerite, usando o gaélico para revelar que compreendia cada palavra. Precisava partir a qualquer custo. Procurando uma maneira de convencer o outro homem, ofereceu: — Se mandar um mensageiro para o meu pai, ele virá me buscar, e você será recompensado.

— E exatamente quem é seu pai? — exigiu ele. Marguerite lhe dirigiu um olhar frio. — Guy de Montpierre, o duque D’Avignois. Embora nunca antes tivesse evocado o poder da fidalguia de seu pai, viu que isso

fez diferença para o outro homem. O rosto dele pareceu ficar intrigado, como se pensasse em como poderia usá-la.

Não importava. Desde que a ajudasse a escapar de Cairnross e chamasse seu pai, garantiria que ele fosse recompensado por seu auxílio.

— Sou Marguerite de Montpierre — prosseguiu, dando-lhe um régio aceno de cabeça. — Fui prometida em casamento a lorde Cairnross. — A aversão encheu sua boca ao pronunciar o nome.

— Você terá nossa proteção até seu pai chegar — concordou o outro homem. — Mas é melhor rezar para que Cairnross não a encontre.

Ela não duvidava disso. Se o conde descobrisse que ela havia conspirado com o inimigo para fugir, poderia compartilhar o mesmo destino de Trinette. Silenciosamente, Marguerite fez uma oração pela alma da mulher.

Bram a colocou na sela, e Marguerite arrumou as saias ao redor da trouxa de roupas que levara. Suas mãos tremiam ao agarrar a sela, imaginando se não estaria cometendo um erro ao partir com estranhos. Não conhecia aqueles homens, nem possuía razão alguma para confiar neles.

Mas até o momento estavam se comportando com honradez. O líder não ficou muito satisfeito com a ideia de levá-la consigo, mas aceitara protegê-la, mesmo arriscando sua própria gente. Era a única esperança que lhe restava.

A luta entre os prisioneiros libertos e os homens de Cairnross continuava ao longe, enquanto os guerreiros a levavam para longe. As chamas consumiam a guarnição, enchendo o ar de fumaça.

— Estou feliz por vê-la destruída — murmurou. O conde merecia perder sua fortaleza depois do que fizera. — Quanto tempo ficou lá? — perguntou Bram, ao montar atrás dela, incitando o

cavalo a ir mais rápido. — Apenas uma semana, mas os prisioneiros... — Estremeceu ao se lembrar de

todos aqueles que tinham sofrido. A maioria fora libertada naquela noite, exceto aqueles que morreram lutando. — Você viu um homem chamado Callum MacKinloch? — perguntou Bram. — Mais

novo que eu, um de meus irmãos. Marguerite voltou os olhos para ele e percebeu que estava certa sobre a

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semelhança. Sentiu-se melhor por partir com eles, embora não soubesse dizer o porquê. — Ele foi enviado para longe, alguns dias atrás — admitiu. — Oui, eu o vi. — Para onde? Ela balançou a cabeça, mantendo o olhar fixo no caminho. — Para o sul, é tudo o que sei. — Mas ele estava vivo e sem ferimentos? — Vivo, sim. — Pelo menos, era o que queria acreditar. Suas mãos afundaram nas

dobras do vestido enquanto rezava para isso ainda ser verdade. — Tentará encontrá-lo? — murmurou, enquanto eles a levavam para as colinas.

— Ele é nosso irmão. Vamos trazê-lo para casa — jurou Bram. A intensidade da promessa deu-lhe esperanças de que ele manteria a palavra. Não

podia entender por que sentia a necessidade de garantir que Callum fosse salvo. Só o viu apenas naquela noite. Não havia nada entre eles, nem mesmo amizade. Mas quando ele levou a mão ao rosto dela, foi como se um elo invisível a tivesse conduzido até ele. Callum ousou tocá-la, e embora não pudesse dizer por que evocava tais sentimentos, era como se ele tivesse procurado por ela durante a vida inteira.

Como se estivesse esperando que ela chegasse. Bem lá no fundo, Marguerite desejava revê-lo — apenas para se convencer de que

não havia imaginado o interesse nos olhos dele.

Capítulo Dois

Callum se recusava a permanecer prisioneiro. Depois de sete anos de sofrimento

esperando que seu irmão decidisse como e quando escapar, não esperaria mais um dia sequer. Mesmo que morresse na tentativa, não seria escravo de homem nenhum.

A cada dia, ele desafiava os soldados, lutando para escapar da fortaleza de lorde Harkirk. O barão não era melhor que Cairnross, pois matava homens todos os dias como exemplo aos outros. Callum não duvidava que um dia seria a próxima vítima, que sua cabeça seria enfiada numa estaca.

Estranhamente, sua rebeldia parecia entreter os soldados. Sempre que tentava fugir, eles recolhiam apostas um dos outros, dependendo de quão longe conseguisse chegar. E, uma vez que era recapturado, revezavam-se ao puni-lo. Às vezes tinha a comida suspensa, às vezes sentia a dor do chicote nos ombros.

Mas tudo mudou quando roubou um arco noites atrás. Foi açoitado em seguida, sendo castigado até um soldado decidir testar as habilidades de Callum. Um guarda se postou atrás dele, segurando uma adaga em seu pescoço enquanto os outros ajeitavam um escudo de madeira como alvo.

— Sabe atirar, MacKinloch? — desafiou o guarda, espetando-o com a lâmina. — Mostre o que consegue fazer. Acerte o escudo e não sentirá mais o chicote nos ombros

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esta noite. Se errar, ganhará mais uma dúzia de chicotadas. Seus braços já pareciam pesados, o sangue escorria pelas costas. A visão de

Callum estava embaçada pela tontura e ele sabia que não seria solto enquanto não o vissem atirar. Fazia anos que não usava um arco, mas tinha caçado muitas vezes com o pai e os irmãos. Sempre teve bom olho e passava horas praticando até conseguir atingir qualquer coisa.

O arco parecia confortável na mão, como um amigo perdido. Embora os soldados esperassem que errasse, Callum sabia que a habilidade estava ali, enterrada sob os anos. Fechou os olhos, sentindo o peso da arma.

Sem uma flecha, puxou a corda, testando a tensão. Não era tão firme quanto os arcos que usava quando era criança. Medindo a distância do alvo, soube que teria que usar a força do braço para aumentar a velocidade da flecha.

— Um disparo — disse o soldado, entregando-lhe uma flecha. — Se tentar acertar um de nós, você morre.

Os homens se reuniram atrás dele para assistir, ficando longe do alvo. A lâmina fria apertava sua garganta, mas Callum a ignorou. Focou toda a sua

concentração no escudo, ignorando a dor violenta dentro dos músculos. Puxando a corda, ajustou a mira. Na mente, ouviu a lembrança da voz de seu pai.

— Veja seu alvo não só com os olhos — instruíra Tavin MacKinloch. — Veja-o com seu braço, sua postura. Só deixe a flecha voar quando souber que vai acertar.

Seu braço agora tremia, a flecha estava bem ajustada. Uma gota de suor escorreu pelo rosto e Callum ignorou as zombarias dos soldados. Visualizou a flecha cravando fundo no escudo. Depois, por fim, soltou a corda, deixando a flecha voar.

Acertou o centro do escudo, exatamente como havia imaginado. O urro dos soldados foi ensurdecedor. Tomaram-lhe a arma, levaram-no dali. Como

prometido, não o açoitaram naquela noite, mas depois fizeram com que disparasse todos os dias, apostando nele. Foi um presente inesperado, que lhe permitia recuperar a habilidade perdida.

Não acertava todos os alvos selecionados, e era punido quando errava. Mas pouco sentia os golpes agora. Seu silêncio intimidava os outros prisioneiros, fazendo com que acreditassem que possuía uma tolerância sobrenatural à dor. Começaram a temê-lo, o que aumentou a sensação de isolamento. Não importava. Logo ele encontraria um jeito de escapar da fortaleza, deixando todos eles para trás.

Certa noite, acreditou notar uma fraqueza nos muros, mas se distraiu com a visão de lady Harkirk parada na entrada da torre. Nos olhos dela viu a desolação que ecoava suas próprias emoções. O casamento dela com lorde Harkirk o fez pensar em Marguerite, noiva de um homem que no fim a destruiria.

A mão de Callum parou sobre a paliçada. Em vez de enxergar o cabelo castanho e o corpo esguio de lady Harkirk, viu o cabelo claro e os olhos azuis de Marguerite. O rosto da jovem estava gravado em sua memória, embora não entendesse o motivo. Talvez fosse porque jamais imaginaria que uma mulher bonita como Marguerite pudesse se importar com um homem como ele. A visão permanecia forte em sua mente, ligando-o à dama.

Será que Marguerite havia sofrido alguma punição por lhe oferecer misericórdia? O conde estava encantado com ela, ansioso por tê-la como esposa. A ideia de tal homem tocando-a, forçando-se sobre seu corpo esguio, despertou a violência em Callum. Queria estar em Cairnross, mesmo que apenas para oferecer a ela a sombra de sua proteção.

— Atrás de você! — ouviu lady Harkirk gritar. O aviso interrompeu as visões, e Callum girou, deparando com três soldados

armados em cota de malha. Ele correu rápido, mas as correntes nos tornozelos atrasaram seus passos, tornando impossível ganhar velocidade. Os homens se aproximaram, e um deles se adiantou para lhe dar uma rasteira com um bastão.

Callum caiu no chão, as risadas deles ecoando em seus ouvidos. Sentiu o gosto de

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terra e sangue na boca e, quando ergueu a cabeça, viu a solidariedade silenciosa de lady Harkirk.

Os soldados arrastaram-no para o centro da fortaleza. Callum viu para onde estava sendo levado e deixou de lutar.

— Implore por misericórdia, MacKinloch, e não o colocamos lá dentro — zombou um.

Sabiam que ele não podia falar, muito menos implorar por coisa alguma. Callum os encarou em desafio.

Ergueram o alçapão que levava ao poço subterrâneo e o atiraram lá dentro. Toda a luz se extinguiu quando fecharam a tampa do teto, prendendo-a com uma pedra pesada. Mesmo tentando empurrá-la, a pedra não se moveu.

Foi subjugado pela escuridão sufocante e imaginou quanto tempo o deixariam ali. O espaço diminuto era semelhante a uma sepultura, então Callum se obrigou a respirar devagar. Queriam que sentisse medo, perdesse o último vestígio de sanidade. Em vez disso, fechou os olhos e sentou-se, procurando pela fita amarrotada dentro da túnica. Levou-a ao nariz, absorvendo todos os pensamentos com Marguerite.

Conforme os minutos se arrastavam em horas, recordou o toque gentil das mãos dela, a música suave de sua voz. Se existia tal coisa quanto um anjo em terra, era ela.

E horas depois, quando o tiraram de lá, manteve a fita apertada na mão enquanto o chicote o atingia.

— Você deveria libertar o escravo MacKinloch — comentou lady Alys Fitzroy de Harkirk com o marido. — Ele está semimorto e não tem mais serventia para você.

Na noite anterior, chegara tarde demais para impedir a surra brutal. O prisioneiro, Callum MacKinloch, não deu um único grito. E ela o encontrou deitado entre os outros escravos, encolhido com os joelhos erguidos, tremendo violentamente. Um dos outros escoceses havia colocado sobre ele uma túnica, cujo tecido estava escuro de sangue.

O olhar de Harkirk se estreitou. — Você viu a aproximação da família dele. Alys deu de ombros, como se não importasse. — Sim. O sentinela reportou que trouxeram uma sacola com dinheiro para resgatá-

lo. — Rezou para que o marido aceitasse o suborno, pois para lorde Harkirk mais valia a prata que a vida de um homem.

— Por que libertá-lo? Se eu o soltar, minha autoridade será enfraquecida. Melhor deixá-lo morrer pela insolência.

— Ele deve morrer de qualquer forma. E você ainda teria o suborno. Embora isso a aborrecesse profundamente, Alys se abaixou para se ajoelhar ao lado

da cadeira. Robert preferia sua subserviência, e ela viu o momento em que os olhos dele brilharam com interesse.

Ele estendeu a mão sobre a cabeça da esposa. — Você o achou bonito, não foi? — Minha lealdade lhe pertence, meu senhor — respondeu baixinho. — Se for de seu

desejo manter o escravo, então este é o seu direito. — É sim. — A mão dele afundou em seus cabelos como num lembrete silencioso de

posse. Os dedos grossos deslizaram por seu rosto, descendo até o ombro. — Considerarei seu pedido. — Quando os dedos se esgueiraram pelo decote do vestido, tocando a pele nua, ela corou, envergonhada. — E compartilharei de sua cama esta noite, esposa. Pois também é meu direito.

Alys nada disse, mantendo a cabeça abaixada em obediência. Um escudo de gelo impedia que sua coragem se despedaçasse. Assim como os escoceses estavam aprisionados na servidão, ela também era mantida cativa naquele casamento.

Não podia se libertar, mas podia ajudá-los. Era sua própria forma de rebeldia silenciosa. Embora a maioria dos prisioneiros fosse de homens, também havia algumas

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mulheres. E recentemente chegara uma menina, com pouco mais de 10 anos. Só um monstro aprisionaria uma criança. Acima de todas as outras, Alys lutaria pela

vida da menina. Só desejava que Harkirk estivesse morto, para que pudesse libertar a todos. A inquietação crescia dentro de Marguerite. Embora Bram e Alex MacKinloch

tivessem saído em missão para resgatar Callum, quase uma semana atrás, não conseguia parar de andar de cá para lá. A esposa de Bram, Nairna, lhe dera algumas tarefas com que se ocupar enquanto estavam fora, mas os afazeres domésticos pouco aliviaram sua preocupação. Queria fio e agulha, pois costurar geralmente a ajudava a se acalmar.

— Eles voltarão — garantiu Laren, esposa do chefe. — E seu pai logo virá buscá-la. — Talvez. — Marguerite não estava inteiramente certa de que seu bem-estar seria

mais importante que as alianças políticas. Embora o duque tivesse sido bom com ela e as irmãs, seu interesse principal era

usar os casamentos para sustentar a própria posição. Sem dúvida ficaria furioso quando descobrisse que ela havia fugido do conde.

Desde que fora viver com os MacKinloch, a imensa liberdade era irresistível. Não havia ninguém para lhe dizer o que vestir, aonde ir, ou quais eram suas obrigações a cada dia. Embora Marguerite tentasse ajudar, estava desacostumada a viver assim. Sentia-se deslocada, tentando se acomodar a um padrão que não era o seu.

Uma comoção do lado de fora atraiu a atenção delas, e Laren correu para ver o que era. Marguerite a acompanhou e viu os homens voltando a cavalo. Callum estava com eles, mas olhava para o nada, como se estivesse cego. Na postura destroçada dele, viu um homem que havia sofrido anos de tormento em apenas algumas semanas.

Um profundo pesar apertou seu coração. É minha culpa, pensou consigo mesma. Se Callum a visse, talvez ficasse zangado com ela pelo que acontecera. Seus nervos se agitaram feito folhas numa ventania. Queria revê-lo, mas era possível que não se lembrasse dela.

Marguerite desapareceu dentro da fortaleza e deu ordens para que preparassem um banho quente para Callum. Envergonhava-se de estar se escondendo dele. De sua vantajosa posição num canto afastado, viu os homens se reunindo. O rosto de Nairna demonstrava palidez enquanto seguia o marido e os outros.

Quando Bram tentou tocar a túnica áspera, Callum explodiu numa luta. Era como um animal, esbravejando com o irmão, atacando com os punhos. Não parecia reconhecer mais a própria família ou perceber que estavam tentando ajudá-lo.

Era horrível vê-lo assim. Era como se o homem que havia salvado não estivesse mais ali, mas perdido num mundo de sua própria loucura.

Alex e Bram tentaram subjugá-lo, mas Callum continuava lutando, acertando socos fortes.

— Ajude-nos a levá-lo para cima — disse Alex a Ross, um de seus parentes. O homem possuía cabelo grisalho e uma barba cheia, mas não havia como negar a

força musculosa de seus braços. — Ele precisa de comida — disse Ross, e Nairna foi correndo buscar. Quando os homens praticamente arrastaram Callum escada acima, Marguerite os

seguiu. Levaram-no para os aposentos de Alex, e ela permaneceu na escada, olhando de longe. Quando tentaram remover a túnica ensanguentada, Callum lutou ainda mais. Bram praguejou quando um soco lhe acertou o olho.

Homens e mulheres entravam e saíam do aposento, mas Marguerite permanecia nas sombras, sentindo-se covarde. Vários MacKinloch haviam levado a água quente, mas

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ela não sabia se Callum se prontificaria para um banho. Depois de certo tempo, Nairna a encontrou. Seu rosto estava cheio de preocupação. — Você disse que ajudou Callum na noite em que foi ferido. Estaria disposta a

cuidar dele agora? — Não sei se poderia fazer alguma coisa — admitiu Marguerite. — Talvez não se

lembre de mim. Ou, caso lembrasse, poderia estar ressentido com ela por ter sido mandado para

longe. — Pode tentar? — Nairna pegou sua mão, puxando-a pelo corredor. — Você é a

última esperança que temos. — O rosto ficou angustiado, mas ela revelou: — A túnica nas costas dele se grudou nos ferimentos. Ele não nos deixa tirá-la. Vai infeccionar se deixarmos assim.

Marguerite fechou os olhos, reprimindo um estremecimento. Callum teria uma morte muito sofrida caso não permitisse que ninguém o auxiliasse. Respirou fundo e assentiu.

— Farei o que puder. Acompanhou Nairna até o quarto, preocupada por talvez não conseguir ajudar. Lá

dentro, viu Bram sentando diante do irmão, uma caneca intocada de hidromel numa mesa ao lado. Callum olhava para a parede, como se não percebesse a presença do irmão. Os nós dos dedos estavam ensanguentados, combinando com o rosto inchado de Bram.

Nairna falou baixinho com o marido, enquanto Marguerite reunia coragem. Por que acha que pode ajudá-lo? Ele nem se lembrará de você.

Mas no momento em que deu um passo à frente, Callum virou o rosto. Havia descrença em sua expressão, como se não compreendesse por que ela estava ali. Os olhos castanhos se fixaram nos dela, e, embora Marguerite enxergasse a dor que havia neles, via algo mais. Quase um anseio.

A garganta ficou inchada, os olhos piscaram para conter as lágrimas, mas Marguerite não desviou o olhar. Ele estava bebendo de sua presença, como se sua visão lhe trouxesse conforto. Ver os ferimentos dele fez com que seu coração sangrasse, sabendo o que tinha sofrido.

Tem que ajudá-lo, veio uma voz de dentro dela. Ele precisa de você. Como que se lidando com um lobo machucado, ela continuou se aproximando de

Callum. Um pé depois do outro, chegando perto, até tomar o lugar de Bram diante dele. Apertou as dobras do vestido de seda cor de safira, tentando pensar no que dizer.

Nairna tomou a mão do marido. — Vamos esperar atrás da porta, para o caso de precisarem de nós. Retiraram-se, deixando a porta apenas alguns centímetro aberta. Quando se foram, Marguerite se obrigou a encarar Callum. Ele não despregava os

olhos dela, o que a deixou nervosa. — Nunca desejei que isso acontecesse — murmurou em francês, sabendo que ele

não compreenderia as palavras. — Só queria salvá-lo. Não fazê-lo sofrer. Ele estendeu a mão, cobrindo a palma dela. A pele áspera contrastava com a de

Marguerite, que compreendeu seu perdão silencioso. A cada segundo que passava, ela ficava mais sensível ao seu toque. Não apenas à mão, mas ao calor do joelho pressionado ao dela enquanto permaneciam sentados um diante do outro. O calor dos olhos dele a abrasava, falando mais do que qualquer palavra poderia dizer.

As bochechas coraram perante a atenção dele, mas Marguerite virou a mão para segurar a de Callum. Acariciou a pele com o polegar, como se para tranquilizá-lo. Embora estivesse sentada a uma curta distância, era quase como um abraço. Caso se debruçasse, poderia repousar a cabeça no peito dele.

Callum levou a mão dela à pulsação em sua garganta. Podia sentir a palpitação acelerada sob a pele, como se ele estivesse querendo mostrar o efeito que lhe provocava. Marguerite entreabriu os lábios e imaginou como seria beijá-lo. Será que ele seria

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ardoroso e exigente? Ou calmo e excitante? A proximidade dele a perturbava, então ficou de pé para apanhar um pedaço de

pano que Nairna deixara. Ensopou o pano na água aquecida da banheira e o levou ao rosto barbado. Embora só houvesse alguns pequenos machucados nas bochechas e no queixo, queria que ele confiasse nela, que compreendesse que não o machucaria.

Callum suportou a limpeza, respirando devagar enquanto se permitia ser cuidado. Depois segurou-lhe a mão e colocou algo nela. Marguerite a abriu e viu uma das suas fitas, amarrotada e desbotada. Havia uma leve mancha de sangue na ponta, como se ele a tivesse segurado com força.

— Onde conseguiu isso? — perguntou, na língua dele. Callum tocou o cabelo dela, removendo o véu. Marguerite sentiu o toque da mão

cálida entrelaçando seu cabelo. O polegar acariciou sua têmpora, como se pedisse desculpas pelo que havia feito.

Devia ter tirado dela na noite em que o viu. Marguerite nem notou que tinha sumido. Ele a guardou por todo aquele tempo. Tudo o que ela conseguia imaginar era

Callum segurando a fita enquanto os soldados o torturavam. Uma lágrima de culpa caiu, enquanto pensava no que havia acontecido com aquele homem.

Marguerite lhe devolveu a fita antes de colocar as mãos nos ombros dele. — Foi culpa minha ter sido mandado para longe. Ele meneou a cabeça, negando. — Lamento muito — murmurou. — Seu irmão foi buscá-lo alguns dias depois que

nos vimos. Ele me trouxe para cá, depois que Cairnross foi incendiada. O olhar ficou duro, mas Callum assentiu para mostrar que havia ouvido. — Ele teria libertado você — ela afirmou. — Nunca deixaram de procurá-lo. Callum não parecia acreditar nas palavras dela, a julgar pela expressão tenebrosa

em seus olhos. Marguerite foi dar atenção às costas dele, e a visão da túnica ensanguentada fez seu estômago revirar. Sabia o que precisava fazer, mas isso não tornava a tarefa menos apavorante.

— Quero ajudá-lo — sussurrou. — A túnica precisa sair para que eu cuide dos seus ferimentos.

A tensão franziu o rosto dele, mas Callum pareceu compreender. Virou-se e agarrou a borda de uma mesa, como se para se preparar para o pior.

— Vou tentar não machucá-lo — ela explicou. A roupa estava grudada na pele; sem dúvida, removê-la reabriria muitas das feridas. Marguerite afrouxou os cordões e levou as mãos à bainha da túnica, erguendo-a

devagar. A parte de baixo não estava tão ruim, mas quando chegou à metade das costas, estava bem colada. Os nós dos dedos de Callum embranqueceram na mesa, mas ela teve que se forçar a continuar.

Fechou os olhos, sentindo a pele se desgrudar do tecido. Uma náusea se formou no estômago. Ouviu um som de jorro nos ouvidos quando puxou a túnica pela cabeça dele. Foi só quando as margens de sua visão começaram a escurecer que ela percebeu que estava para desmaiar.

Não, ordenou a si mesma. Mordeu o lábio com força, respirando fundo com a cabeça abaixada. E quando recuperou o controle sobre si, abriu os olhos e viu os ferimentos sangrando.

Mon Dieu, ele estava sofrendo demais. Marguerite molhou outro pano na água de banho e tocou o rosto de Callum de novo antes de molhá-lo novamente para aplicá-lo nas costas nuas.

Ele ergueu a cabeça para olhá-la, e, embora demonstrasse dor, também havia alívio em seus olhos.

— Está seguro agora — murmurou. — Vai ficar tudo bem. Mas a maneira como ele a olhava fazia com que se sentisse vulnerável. Não

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entendia as necessidades escondidas por trás de seus olhos, ou o que ele estava pensando.

— Sairei para que tome banho — sussurrou. — Se quiser, posso mandar Bram voltar para ajudá-lo.

Ele sacudiu a cabeça, voltando para o banco. Embora não dissesse uma palavra, descansou os antebraços nas pernas, baixando a cabeça. A exaustão o sobrepujava, e ela não gostou do aspecto dos ferimentos nas costas dele. Estava magro, as costelas apareciam sob a luz das tochas. Mas seus braços guardavam uma força resistente, os músculos eram bem definidos.

— Ou prefere que eu fique para ajudá-lo? — indagou. Só os céus sabiam o que a levara a fazer a oferta. Embora já tivesse auxiliado os

convidados de seu pai no banho, sempre havia várias criadas de serviço. Era um suposto dever sobre o qual pouco pensava.

Mas a perspectiva de ver este homem nu a deixava ofegante, quase esperando algo que jamais aconteceria.

Callum ficou de pé e ergueu um olhar questionador. Marguerite ficou parada, tentando fingir uma calma que não sentia. A mente mandava partir, pois ficar significava bem mais do que cuidar de seus ferimentos. Era uma donzela, intocada e inocente.

— Está tudo bem — sussurrou. — Se precisar de mim, eu fico. Quando ele se virou, desamarrando o calção, ela logo desviou o olhar. A água tinha ficado fria, mas era como se lâminas afiadas cortassem suas costas.

Callum sentou na tina de madeira com os joelhos erguidos, encolhendo-se com a sensação de ardência.

Deveria ter mandado Marguerite embora. Deixar que o visse assim não era certo. Mas as últimas semanas o mudaram, fazendo com que se importasse menos com o que era esperado e cedesse aos desejos instintivos que beiravam a selvageria.

Queria-a com uma urgência que o consumia. Quando ela mergulhou um pano na água, lavando a sujeira das feridas nas costas, ficou grato pela dor. Mantinha seus desejos sob controle, pois a própria presença dela o excitava.

Conforme Marguerite erguia as mãos para lavar os ombros, a pele irrompeu em arrepios. Sua mente traiçoeira visualizava aquelas mãos se movendo sobre o peito, descendo até aquela parte sua que se tornava mais rígida.

Callum desacelerou a respiração, tentando não se distrair. Nunca esteve com uma mulher antes e, no momento, o toque dela em sua pele estava incendiando sua imaginação.

Lembrou-se de certa noite em Cairnross quando a esposa de um prisioneiro visitou o marido, tentando libertá-lo. Não obteve êxito, mas passaram uma hora nos braços um do outro. Ela ergueu as saias e o montou, recebendo-lhe a ereção.

Nenhum homem conseguiu desviar o olhar quando a cabeça dela tombou para trás com paixão, seus gemidos rítmicos fazendo com que cada um desejasse experimentar tamanho prazer.

Quando as mãos de Marguerite alcançaram seu cabelo, Callum ofegou. Embora nenhum som saísse de sua boca, os dedos cravaram a madeira enquanto tentava não tocá-la.

— Sinto muito — disse ela. — Não percebi que o machucaria. Não era isso. Por Deus, queria puxá-la para um beijo. Imaginou-se rasgando o

vestido, expondo a maciez do corpo antes que a deitasse na cama, saboreando cada parte até Marguerite sentir o mesmo tormento que ele sentia.

Assentiu para que ela prosseguisse. Marguerite lavou seu cabelo, massageando o couro cabeludo. Era tão bom que fechou os olhos para aproveitar o toque dela. Quando as mãos se moveram para a base do pescoço, começou a perder o controle.

Para se distrair, Callum prendeu a respiração e afundou a cabeça na água. Ela não

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quer você, lembrou a si mesmo. Esta era a filha de um duque, uma mulher que tinha o mesmo status que uma princesa. Não deveria se rebaixar, banhando-o.

Quando subiu para buscar ar, gotas de água escorreram pelo rosto barbado. Callum abriu os olhos e viu que Marguerite o fitava. Acenando para ela, tocou a barba e apontou para a lâmina em sua cintura.

A testa dela se enrugou por um momento. — Quer que o ajude a se barbear? Ele assentiu. O peso da barba o incomodava, pois parecia que a sujeira da prisão

estava entranhada nela. — Não prefere fazer você mesmo? Se tentasse, sem dúvida cortaria a garganta sem querer. Estava aprisionado desde

garoto, e quando os primeiros sinais de barba surgiram alguns anos atrás, simplesmente a deixou crescer. Nunca havia se barbeado e não sabia como fazê-lo.

E queria o toque das mãos dela, não importava a razão. — Tudo bem — concordou ela. — Mas precisarei de uma lâmina mais afiada.

Espere aqui. Enquanto ela estava fora, Callum ensaboou o rosto, tentando tirar a sujeira. Parecia

que nenhuma esfregação bastaria para que se livrasse dos anos miseráveis que passou aprisionado.

Quando Marguerite retornou, ajoelhou-se diante da tina e tocou seu queixo. Primeiro aparou a barba com uma tesoura, depois aplicou sabão outra vez. Quando suas mãos lavaram as bochechas ásperas, ele permaneceu imóvel. No momento, queria apenas fechar os olhos e se deliciar com a sensação. Imaginou-as descendo até seus ombros e, enquanto ela o barbeava com a lâmina, seu desejo se intensificou. O rosto de Marguerite estava muito próximo do seu, os olhos azuis concentrados na tarefa.

Estava faminto por provar seus lábios, mas se obrigou a permanecer imóvel. Sorveu a imagem dela, memorizando cada traço. Quando Marguerite terminou de barbeá-lo, passou as pontas dos dedos pelas bochechas.

— Acho que não esqueci nenhum lugar — disse, mas, antes que pudesse se afastar, Callum capturou o rosto dela entre as mãos.

Com gentileza, passou os polegares úmidos pelas têmporas, descendo até as faces. Os lábios dela se entreabriram em surpresa, e Callum se aproximou, observando, imaginando se ela o deixaria roubar o beijo que tanto queria.

O rosto dela chamejou, e Marguerite se colocou de pé. — V-você pode fazer o resto enquanto pego suas roupas. — Entregando-lhe o

sabão, afastou-se, deixando-o indagar se tinha apenas imaginado o interesse nos olhos dela.

Callum lavou as pernas e o resto do corpo, escondendo-se dela. Viu no chão uma toalha e a apanhou. Saiu da tina, secando-se e enrolando a toalha nos quadris.

Marguerite se virou, o olhar furtivo. Ele esperou que ela se aproximasse, temendo assustá-la. Por baixo da toalha, ainda estava bastante excitado; se ela ousasse olhar, veria.

Ela caminhava devagar e Callum notou como a seda azul se moldava ao corpo, delineando a curva dos seios e a estrutura esguia. O cabelo velado pendia abaixo da cintura, algumas mechas douradas úmidas da água. Quando Marguerite lhe estendeu a roupa, ele não a aceitou.

Nenhuma palavra saía de sua garganta, nenhum som para dizer o quanto estava grato pela presença dela. Não havia como dizer os pensamentos aprisionados dentro de si. Não conseguia falar.

Mas poderia tocar. Com as mãos, Callum traçou a curva que ia dos ombros até a garganta. Os dedos

subiram pela linha da mandíbula, observando para ver se ela se afastaria. Mas os olhos

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azuis exibiam uma miríade de emoções: pesar e simpatia, além de hesitação. Não o conhecia em nada, nem compreendia o que sua gentileza representava para ele.

A morte era fácil. Assim como a loucura. Mas algo naquela mulher o atraía. Em meio à escuridão que conhecia, ela se tornou o único facho de luz que lhe dava razão para sobreviver.

Marguerite suspirou quando ele levou as mãos à nuca. Sob as palmas, a pele delicada se arrepiou. Callum podia sentir a tensão dentro dela, mas enquanto a massageava, Marguerite fechou os olhos.

— Não devia deixar que fizesse isso, eu sei — sussurrou. Ele levou um dedo aos lábios de Marguerite, pedindo que fizesse silêncio. Depois se

ajoelhou diante dela. — O que foi? — perguntou, estranhando a posição dele. Mas Callum lhe tomou a mão e a colocou sobre a cabeça, querendo que ela

compreendesse o que não conseguia dizer. A mão deslizou pelo cabelo úmido, e Marguerite suspirou. — Sei que não vai me ferir. Lentamente, Callum ficou de pé e segurou suas mãos. Lutou para falar, tentando

forçar as palavras a saírem. Pensei que jamais a veria de novo. A desesperada necessidade de palavras o atormentava, mas nada saía. Marguerite viu seu fracasso, mas em vez de oferecer simpatia, ficou na ponta dos pés e encostou a bochecha na dele.

Por Deus, ele jamais esperou por aquilo. Os braços dela tomaram seu pescoço, oferecendo consolo. E perigo.

O perfume da pele, as linhas fluidas do corpo o deixaram bem ciente de como queria venerá-la. Sem tirar os olhos de Marguerite, ele lhe ergueu a mão e a pôs sobre o coração disparado. O toque de pele contra pele o escravizou. Ela era uma mulher que jamais poderia ter, tão longe de seu alcance quanto a luz do sol no céu.

Mas, naquele momento, tomaria o que queria. Aproximou a boca, esperando que Marguerite se afastasse. Os olhos azuis

revelaram confusão, e o calor ruborizado das bochechas, embaraço. Ela poderia se afastar a qualquer momento, pois ele não a impediria.

Devagar, baixou a boca de encontro à dela.

Capítulo Três

Marguerite não conseguiu respirar quando Callum a beijou. A boca era cálida,

incentivando-a a abandonar a timidez. Embora não fosse seu primeiro beijo, este se infiltrou por sua pele como um chama lenta, transformando as inibições em cinzas.

A conexão era mais profunda que a de uma mulher e um homem por ela resgatado e cuidado. Callum a tratava como se não existisse mais ninguém no mundo. Como se precisasse mais dela do que do ar que respirava.

Não era algo a que estivesse acostumada. Em casa, era a caçula de quatro irmãs, bastante negligenciada. As irmãs mais velhas eram travessas e espontâneas, acostumadas a ter vários pretendentes. Marguerite era quieta e geralmente ficava ao fundo, sem ser notada.

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Mas suspeitava que Callum MacKinloch sempre a notaria. Ele estava seminu diante dela, o corpo pressionado ao seu. Nenhum pensamento

passava por sua mente, apenas a necessidade de trazê-lo para mais perto. Seus braços lhe circundaram o pescoço, mas quando sentiu a evidência da excitação dele, aquilo não a assustou como imaginaria. Pelo contrário, despertou sua própria reação, uma urgência entre as pernas.

O beijo se tornou mais profundo, e Marguerite deixou escapar um gemido trêmulo quando Callum lhe conquistou a boca, colando as costas dela na parede. Com o beijo, ele lhe quebrou as defesas, até pô-la tremendo com o ataque.

Por fim, ele a deixou, apoiando as duas mãos na parede. Seus olhos escuros estavam acalorados de desejo, a boca parecia querer fazer mais, beijá-la em outros lugares secretos.

Marguerite não sabia o que fazer ou dizer agora. Confusa, buscou palavras — qualquer cosia que a distraísse do turbilhão de pensamentos perturbadores.

— V-você deveria se vestir — murmurou. Ele a estudou, os olhos perspicazes. Então lhe tocou o rosto, uma pergunta

escondida em sua expressão — quase como se perguntasse se tinha passado dos limites.

Ela não sabia o que dizer. O rubor inundou suas faces diante do acontecido, pois não conseguia encontrar motivo para ter permitido que ele a beijasse. Só que queria ser beijada por ele.

Segurando-lhe a mão, levou Callum até a pilha de roupa. — Nairna trouxe para você. — Depois foi para um canto do quarto, ficando de

costas. Por dentro, ela tremia por causa do beijo. Callum a abalara profundamente, fazendo-

a ansiar por seu toque. Atrás de si, Marguerite ouviu o leve farfalhar das roupas sendo mexidas. Só o céu

sabia o que dera nela, pois virou o ombro para roubar uma espiadela. Os ombros e as costas de Callum exibiam riscos de marcas de chicote, algumas

curadas e outras em cicatrização, cicatrizes que carregaria pelo resto da vida. A cintura era estreita, mas, apesar da estrutura magra, ele possuía o corpo de um lutador. Tinha traseiro firme e musculoso e coxas poderosas.

E, céus, ele a viu espiando! Um sorriso lento e maroto surgiu na boca dele, como se a desafiasse a olhar mais

além. Marguerite girou, imaginando por que tinha feito tal coisa. Mas Callum não ficou

zangado. De fato, ela notou um ar de divertimento em seus olhos, como se quisesse que ela olhasse.

Era inegável o quanto era bonito, apesar das condições severas que suportou. Os olhos escuros guardavam segredos e uma intensidade que enfraqueciam seus sentidos. O longo cabelo escuro fluía além dos ombros, e ela imaginou como seria cortado curto. O rosto barbeado revelava um maxilar forte e uma confiança assertiva em seus modos.

Não sabia por que estava atraída por um homem que fora prisioneiro por tanto tempo. Podia ser compaixão, mas provavelmente era sua própria curiosidade. Callum não fazia segredo de seu interesse, e ela não poderia ter escolhido alguém mais diferente de si mesma.

Havia crescido num castelo, cercada de criados. E embora não fosse de sua natureza exigir bens materiais, teve tudo o que sempre quis. Callum era o terceiro filho, com pouco mais que as roupas sobre suas costas. Não poderia lhe oferecer nada.

Talvez fosse isso o que a atraía. Ele enxergava a mulher, enquanto os outros homens só enxergavam a riqueza e o poder do seu pai.

Quando Marguerite arriscou outra espiada, Callum estava sentado na cama,

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completamente vestido. Os punhos descansavam sobre os joelhos, a cabeça estava baixada. Parecia cansado, porém incapaz de dormir. Ela deu um passo, e o som do movimento o levou a erguer a cabeça. Callum deixou escapar um suspiro, o rosto escondido por uma máscara. Depois tocou o lugar ao seu lado num pedido silencioso para que ela se sentasse.

Marguerite permaneceu parada, incerta de si mesma ou do que ele queria dela. O tempo ficou suspenso enquanto debatia se devia ou não ficar mais tempo. Ele parecia mais calmo, mais no comando de si mesmo.

— Não pode me beijar de novo — avisou. Ele não a provocou com um sorriso, apenas assentiu com a cabeça numa promessa

silenciosa. Em suas mãos, ela viu a fita azul desbotada. Marguerite respirou fundo e se aproximou dele. — Não tem problema dormir, sabia? Ninguém vai feri-lo. — Embora ela mesma

estivesse cansada, pretendia voltar para o próprio quarto quando ele encontrasse um descanso tranquilo.

Callum esticou a mão e a puxou para se sentar ao seu lado. Depois deitou a cabeça em seu colo.

O gesto devia deixá-la inquieta. Em vez disso, conforme acariciava os longos cabelos escuros e o observava fechar os olhos, lágrimas pesadas a assolaram. Ele tinha sofrido por muito tempo, acorrentado no escuro. Era alguma surpresa que desejasse algum conforto humano?

Embora o peso de sua própria exaustão a sobrecarregasse, Marguerite não se mexeu. Callum segurou sua outra mão enquanto dormia. Ela deixou que ele descansasse, embora suas costas doessem. Com o tempo, sucumbiu à necessidade de dormir, deitando-se no travesseiro dele.

Os gritos roucos do corvo o assombravam. Estes pássaros eram conhecidos por circundar o campo, esperando o momento em que um prisioneiro morresse. Callum os odiava, pois se alimentavam da carne dos mortos. Ficava enjoado só de ver as aves, e tinha afugentado dúzias delas dos cadáveres.

Embora a maioria dos prisioneiros fosse de companheiros anônimos, eles não mereciam ser desonrados, ter a carne bicada por predadores de asas negras.

E assim começou a recolher suas penas. Não conseguia dizer o porquê, mas enquanto os guardas o observavam fazer mais flechas, ele grudava suas pontas negras ao cabo. Era como se pudesse honrar a memória dos caídos.

Um dia, ele os vingaria. Agora odiava lorde Harkirk tanto quanto seu antigo senhor. Enquanto Cairnross se acreditava superior aos escoceses, punindo-os por crimes imaginários, Harkirk não se importava com a vida dos homens. Eram mortos sem nenhuma razão, simplesmente por diversão.

Mas Harkirk morreria um dia. E, se Deus permitisse, ele seria atingido por uma flecha de penas negras, uma das suas.

Os olhos de Callum se abriram e o restante do sono sumiu. Contra a face, sentiu a suavidade do cabelo de Marguerite. Seus corpos estavam entrelaçados. O perfume delicado o envolvia, seus braços aninhavam o corpo dela. Saboreou a sensação de abraçá-la, desejando que Deus a fizesse durar.

Ainda não era manhã e, sob a luz fraca, ele viu o contorno dourado do cabelo dela. Por um momento, ouviu-a respirar, observou seu sono.

Nunca sequer sonhara que ela permitiria um beijo. Não tinha sido sua intenção, mas quando ela pôs os braços em volta dele, encostando o rosto no dele, Callum perdeu a noção de mundo. Os lábios dela eram doces, mas por trás da inocência, ele havia provado a promessa de mais. Ela o deixava tentado, mas não conseguiria fazer nada além de saborear os momentos que não durariam. Era a filha de um duque e, apesar do desejo feroz de ser seu protetor, sabia que nunca faria parte da vida dela.

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Um som lá fora atraiu sua atenção. Callum saiu da cama com relutância, ouvindo os sons da noite. Viu Bram dormindo num canto e se perguntou por que o irmão o deixou dormir com Marguerite. Em silêncio, foi abrir a janela com venezianas. Na escuridão, divisou fracos pontos de luz se aproximando deles. Não sabia o que era, mas a luz desapareceu em segundos. O instinto avisou que, fosse lá qual fosse a fonte de luz, precisava alertar o irmão.

Antes que pudesse dizer qualquer coisa, ouviu Marguerite gemer no sono. Ela apertou os lençóis, murmurando palavras em francês que ele não compreendeu. E quanto tentou despertá-la tocando-lhe a bochecha, os olhos dela se abriram.

Ela se sentou e o agarrou com força, ainda tremendo do pesadelo. Callum a abraçou, acariciando-lhe o cabelo para tranquilizá-la.

Está tudo bem. Estou aqui. — Lamento — sussurrou ela. — Eu estava sonhando com a torre e o fogo naquela

noite. Sonhei que não conseguia sair. — Escondeu o rosto no pescoço de Callum, que beijou seu cabelo, baixando a boca para consolá-la da única maneira que sabia.

Marguerite se afastou, fechando os olhos e erguendo a boca para ele. Antes que Callum pudesse saborear os lábios dela, a porta foi aberta e Alex entrou. O rosto do irmão ficou sombrio diante da cena, como se Callum estivesse tentando desonrar Marguerite.

— Afaste-se dela, Callum — avisou Alex. Com o som súbito, Bram acordou e se levantou de seu lugar no chão. — Deixe-os — disse ele, alongando-se. — Ela o acalma. — Ele machucou você? — Alex perguntou a Marguerite. Ela sacudiu a cabeça, o rosto ficando muito vermelho. — Melhor eu ir — murmurou. — Não pretendia ter caído no sono. — Embaraçada,

fugiu do quarto. Callum encarou os irmãos, precisando dizer o que tinha visto. Apontou para a janela,

tentando sinalizar, mas eles não entenderam. Viu nos olhos deles que acreditavam que era um louco, que não estava ciente do

que estava acontecendo. — Ele conseguiu dormir esta noite? — Alex perguntou a Bram. — Ele ficava acordando, mas Marguerite fez com que parasse com os ataques. — Devemos deixá-la por perto, então, já que consegue tranquilizá-lo. A irritação de Callum explodiu. Colocou-se entre os dois, agarrando cada irmão pelo

ombro. Olhem para mim. Escuto suas palavras. Eu as compreendo. Mas nenhum som saiu, apesar de a boca se movimentar. Foi atacado pela

frustração de não conseguir se comunicar de maneira nenhuma. Agarrou a túnica de Bram e o arrastou até a janela, apontando para fora outra vez.

— Não tem nada lá — disse Bram. — Está seguro agora. Ele não acreditava nisso. E eles seriam tolos caso acreditassem. Alex despejou um copo de vinho num cálice e lhe entregou. — Beba alguma coisa. Seja lá o que for, procuraremos pela manhã. Callum bebeu o vinho e, tarde demais, percebeu o amargor das ervas dentro dele.

Percebendo a traição dos irmãos, imaginou o que teriam lhe feito. — Vai ajudá-lo a dormir — disse Alex. — Precisa descansar, para recuperar a força. Apesar dos esforços para enfrentá-los, foi assolado pelo forte efeito narcótico das

ervas. Enquanto caía num sonho escuro, aspirou o perfume de Marguerite nos lençóis. Callum acordou com a boca seca e sentindo ainda o gosto da infusão herbal. As

costas continuaram doendo por causa das marcas dos chicotes, e ele lutou para abrir os olhos. Ouviu a esposa de Bram, Nairna, falar com o marido e conseguiu pegar as últimas palavras da conversa.

— Não sei se ele sequer se encontra ciente de onde está.

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Callum rangeu os dentes. Sabia exatamente onde estava, porém ninguém confiava nele. Lutou para se erguer da cama, agradecido por Alex e Bram estarem concentrados em Nairna, não nele.

— Quando estava caminhando lá fora, vi luz de tochas nas colinas — disse a jovem mulher. — Acham que os homens de lorde Harkirk podem ter nos seguido?

Sem dúvida. Pelo bruxulear de tochas que havia visto, era impossível dizer quantos homens eram.

— Vou alertar os homens — retrucou Alex. — Se for um ataque, envie um mensageiro para Locharr para lhe dizer que podemos precisar de sua ajuda. — Virou-se para Nairna. — Diga a Laren...

— Ela já está reunindo as mulheres e as crianças. — Ótimo. — Alex se virou e Callum encontrou seu olhar com firmeza. O rosto do irmão carregava a magnitude da preocupação com todas as pessoas que

precisava proteger. Não havia homens suficientes, e se fossem invadidos, muitos morreriam.

Num instante, seu irmão mais velho o avaliou, como se para decidir se ele era ou não perigoso. Callum sustentou-lhe o olhar, respondendo à questão silenciosa com ar determinado. Não duvidava de sua habilidade para defendê-los, especialmente com um arco.

— Preciso de sua ajuda para proteger as mulheres e as crianças — disse Alex enfim, desembainhando a espada. — E até mesmo lady Marguerite. — Estendeu a arma, punho primeiro, e Callum inclinou a cabeça em resposta.

Embora não conseguisse impedir as mãos de tremerem, conseguiu agarrar a espada. Alex lhe oferecia a chance de lutar, e ele não poderia falhar com o irmão, embora uma espada não fosse sua primeira escolha. Pelo canto do olho, viu Nairna olhando-o com incerteza.

Posso lutar, queria lhe dizer. Especialmente se isso significasse proteger Marguerite. Viu no chão a fita azul desbotada e a apanhou, escondendo-a por precaução.

Callum os seguiu até o andar de baixo, ainda sentindo os efeitos da poção da noite anterior. Concentrou sua mente na tarefa por vir, embora não soubesse se era uma pequena incursão ou uma força maior.

Nairna os guiou para o lugar onde tinha visto as tochas. Embora estivesse amanhecendo, a fraca luz não era suficiente para determinar quantos homens ameaçavam Glen Arrin.

Enquanto seus irmãos e Nairna subiam ao topo da casa da guarda, Callum ficou lá embaixo, ao lado do portão. Observou o lado oposto, imaginando o que teria acontecido às luzes diante da fortaleza.

Então o sol brilhou acima das colinas, revelando o cintilar das cotas de malha. Estavam em maior número, talvez três para um. Callum não duvidava que Cairnross e Harkirk fossem aliados neste ataque.

A única pergunta era quantos em seu clã sobreviveriam. Marguerite foi com Laren alertar o restante das mulheres do clã. A esposa do chefe

parecia apavorada, mas explicou o que estava acontecendo. Uma a uma, reuniram as mulheres e as crianças, levando-as de volta para a torre.

— Vamos conduzi-las para o subsolo — explicou Laren. — Já nos abrigamos lá antes.

Marguerite ergueu no colo a filha mais nova de Laren, Adaira, e olhou na direção da fortaleza. Quando se virou para trás para ter certeza de que não faltava nenhuma mulher ou criança, viu Callum se aproximando.

Caminhava devagar. Em seus olhos, ela viu a expressão soturna de um homem que estava para lutar. Ver aquela determinação implacável fez seu coração disparar, pois ele não hesitaria em arrancar sangue do inimigo para protegê-las. Marguerite pôs a criança

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no chão, depois se distanciou das outras, esperando por ele. Callum parou de caminhar por um momento, os olhos passeando por ela. Desde o

topo do véu, pelo rosto e o corpo, era como se precisasse garantir a si mesmo que ela estava bem.

— Você conseguiu dormir? — perguntou ela, sentindo-se inibida pela expressão nos olhos dele.

Callum fez um rápido aceno com a cabeça, depois lhe deu uma olhada questionadora como se para perguntar o mesmo.

Ela encolheu os ombros. — Um pouco. Estava preocupada com você. Callum lhe tomou a mão e a levou para trás de uma das pequenas casas. Marguerite

não compreendia o que ele queria, mas Laren e Nairna estavam guiando o restante das mulheres e crianças para dentro da fortaleza.

Seu pulso acelerou na garganta quando ele a pressionou lentamente contra a parede. Com as mãos, ele tocou seu véu, descendo pelas laterais de seu rosto como se estivesse tentando memorizar suas feições. Marguerite viu a promessa em seus olhos, a de um homem que entregaria a vida por ela. Um medo pungente a apertou por dentro, pois não sabia o que estava por vir.

Embora ele fosse forte, estava muito ferido, e não devia lutar tão logo após o resgate. Porém, em seus olhos ela enxergava a firme resolução. Callum não era um homem que ficaria de fora enquanto a família estava em perigo.

— Vai ficar bem? — murmurou, tocando-lhe os ombros. A resposta dele foi se curvar e roubar um beijo. Era como se tirasse forças dela,

necessitando deste último toque. A boca foi gentil, aquecendo seu coração. Não havia razão para beijar este homem, nem lhe dar alguma razão para pensar que poderiam ficar juntos. Uma vez que o pai viesse buscá-la, teria que ir com o duque e casar com o homem de sua escolha.

Mas ao se render ao beijo de Callum, atendendo à própria necessidade, ela se recusou a sentir qualquer culpa. Ele tinha suportado muita coisa, permanecendo forte diante do sofrimento. Saber que ele a queria e que ela sentia o mesmo desejo era o bastante agora. Os dois poderiam morrer hoje.

Quando ele a puxou num abraço, sentiu sua quieta garantia de proteção. Callum não a abandonaria, não importava quais fossem as circunstâncias. Marguerite respirou fundo.

— Devemos ir com as mulheres e as crianças. Elas precisam de você para ajudar a protegê-las.

Ele a conduziu pela mão, o olhar vasculhando o perímetro em busca de qualquer ameaça. Quando alcançaram as outras, Marguerite foi com Callum para a passagem subterrânea debaixo da fortaleza. Elas se esconderiam dos invasores por enquanto. E se o pior acontecesse, Marguerite sabia que Callum usaria cada sopro de vida para defendê-las.

Callum ajudou Nairna a encontrar o túnel secreto que levava para fora da fortaleza. O cheiro úmido de terra permeava o espaço, e ele podia sentir o medo das mulheres e crianças atrás de si. Embora a maioria dos homens fosse ficar temerosa pela batalha iminente, ele experimentava uma sensação calma por dentro. Uma vez que achasse um arco, poderia abater qualquer homem que ousasse atacar as mulheres. Nisto ele não fracassaria. E se morresse neste dia, ao menos manteria Marguerite segura.

O sabor dos lábios dela persistia em sua boca. Ainda não conseguia acreditar que pudera tocá-la outra vez. Ela o aceitou em seus braços, até seus pensamentos irem muito além do beijo. Podia imaginar a clara pele nua, o rubor de excitação surgindo no rosto. Por Deus, o que não daria para gastar uma noite satisfazendo-a. Esta mulher, que lhe oferecera um caminho para fora da escuridão, o fazia querer viver.

O cheiro acre da fumaça atraiu a atenção dele apenas segundos antes de Nairna.

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Os invasores tinham colocado fogo na fortaleza e era apenas questão de tempo para que se espalhasse para baixo.

— Não podemos ficar aqui — insistiu ela, olhando para ele com horror. — Precisamos tirar as outras.

Callum foi examinar o aposento subterrâneo, sabendo que seu irmão mais velho teria deixado mais armas escondidas em algum lugar. Atrás de si, ouviu a esposa de Alex falar com Nairna, as duas discutindo sobre ficar ou sair. Ele ficou vasculhando até, enfim, descobrir as armas. Havia dois arcos longos com flechas e uma balestra, assim como algumas facas cegas e uma espada.

Reclamou um dos arcos para si mesmo, com uma aljava de flechas. Embora ainda estivesse com a espada que Alex lhe entregara, preferia lutar de longe, já que lhe faltava vigor.

Seu irmão mais novo, Dougal, que só tinha 14 anos, parecia inquieto com a perspectiva de lutar, mas tinha aceitado ajudar a defender as mulheres e as crianças. Callum saiu da escuridão, estendendo um arco para Dougal e algumas flechas. Quando Nairna tentou tomar sua arma, Callum meneou a cabeça, segurando o arco com força.

Nos olhos dela, Callum viu a falta de confiança. — Pode nos defender? Ele a encarou e deu um único aceno de cabeça, esperando que compreendesse que

esta batalha devia ser enfrentada por ele, não por ela. Nairna recuou um passo, como se ainda estivesse desconfiada dele. Callum não reagiu, pois ela veria suas habilidades em breve.

Marguerite reuniu as mulheres enquanto Dougal examinava a saída para o exterior. Callum buscou a mão dela e sentiu a fria pele macia de sua palma.

Segurou-a por um tempo, observando-a, tentando deixar que ela soubesse as palavras presas dentro de si. Farei tudo que puder para mantê-la segura.

Um rubor transformou o rosto dela quando assentiu. — Eu sei. — Permaneceu ao lado dele enquanto rumavam para a saída. A luz do sol refletia a água da chuva no fosso. Teriam que atravessá-lo e subir a

encosta oposta para alcançar o refúgio das árvores e as habitações escondidas na floresta.

Quando Nairna começou a avançar, Marguerite a deteve. — Sei o caminho para sua casa, Nairna. Vou na frente e as levarei, se você ajudar

Laren a reunir as outras. Não as conheço tão bem como você. Callum pendurou a aljava de flechas num dos ombros. Embora compreendesse a

vontade de Marguerite em ajudar, não a deixaria ir a lugar nenhum sem ele. Escolheu uma única flecha da aljava, enquanto Nairna retornava ao depósito de armas, de onde trouxe uma besta. O rosto da jovem mulher estava pálido de medo, mas Callum admirou sua vontade de lutar.

A fumaça ficou pior, e quando as crianças começaram a tossir, Laren pegou as duas filhas no colo, uma em cada quadril, enquanto as mulheres se ajuntavam. Marguerite seguiu na frente pela passagem, mas Callum ficou ao seu lado, apertando a flecha ao arco.

Seus olhos azuis revelavam terror quando lançou uma última olhada nele. Ficará tudo bem, ele queria lhe dizer. Ninguém a machucará. Mas sem palavras para tranquilizá-la, ele lhe acariciou uma das faces. Ela segurou

os dedos dele junto à bochecha e lhe deu um aceno de confiança. E isso era tudo o que Callum precisava para encarar o perigo à frente. Callum deixou o abrigo do túnel, estudando os arredores. Não havia soldados

daquele lado da fortaleza, nem nenhum sinal deles na floresta adiante. Satisfeito, sinalizou para que Dougal atravessasse a margem e tomasse posição do lado oposto do fosso. Com os dois armados, poderiam protegê-las de todos os lados.

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Seu irmão obedeceu, mas Callum não deixou de notar a apreensão em seus olhos. O rapaz estava com medo, e não havia como adivinhar se poderia ou não atirar com precisão.

Enquanto Nairna descia até a água com Marguerite, Callum mantinha o arco de prontidão, procurando qualquer ameaça. De sua visão periférica, observou as mulheres atravessarem. O cachorro de Nairna mergulhou atrás delas, patinhando pela água. O animal parecia despreocupado com o êxodo, e Callum tomou isso como um bom sinal de que o inimigo ainda não tinha alcançado aquele lado da fortaleza. Bram e Alex deviam estar mantendo-os ocupados com a luta na fortaleza principal.

— Vá se esconder entre as árvores — Nairna disse a Marguerite, deixando a besta no chão. — Ficarei com Dougal e ajudarei as mulheres a saírem do fosso.

Callum a observava, e Marguerite lhe deu uma última olhada. Ele guardou a imagem na mente, temendo ser a última vez em que a veria. O longo cabelo dourado cintilava ao sol, e seus olhos azuis estavam cheios de preocupação. Apesar do perigo, ele não lamentava os momentos que passou com ela. Se morresse hoje, ao menos teria vislumbrado o Paraíso.

Você é indigno dela, lembrou-lhe a consciência. Tudo o que pode oferecer é sua proteção.

Mais mulheres fugiam com as crianças, e Callum só pôde manter sua posição enquanto Marguerite desaparecia na floresta. Retomou seu lugar na margem ao lado da fortaleza, a flecha pronta para disparar. Porém não conseguia fazer as mãos pararem de tremer. Não era medo — apenas a pura expectativa que corria dentro de si.

O cachorro de Nairna começou a latir, e Callum girou, mirando nos soldados que surgiam. Ele esticou a corda do arco, ajustando a mira. Lentamente, esperou que o soldado se aproximasse e, quando largou a flecha, ela a atingiu no rosto.

Alto demais. Disparou um segundo tiro no coração, abatendo o homem onde estava. Um leve movimento atraiu sua atenção e, enquanto Callum aprontava outra flecha,

viu Marguerite observando das árvores. Se fosse um agradecimento ou uma despedida silenciosa, ele encontrou o olhar dela com a promessa de defendê-la.

Seu irmão Dougal gritou um aviso, e Callum apanhou outra flecha. Quando mais homens atravessaram o lado oposto, o garoto entrou em pânico e disparou cedo demais. A flecha atingiu o chão, mas antes que Dougal pudesse correr, Callum disparou um fluxo constante de seus próprios mísseis nos soldados; uma atrás da outra, cada flecha atingiu o alvo pretendido.

Callum fechou a mente para a luta e a morte ao seu redor, concentrado apenas em exterminar a ameaça. Pela primeira vez em anos, poderia defender seu clã. Com seu arco, já não era menos que um homem, mas igual aos irmãos. Não importava que não pudesse falar, só que pudesse empunhar uma arma.

Nisto ele possuía um propósito. E logo as mulheres e as crianças estariam dentro da floresta, longe do pior da batalha.

Atrás de si, Callum ouvia o urro da torre da fortaleza, enquanto Nairna tirava as últimas mulheres da água. Ele manteve o olhar focado nos arredores enquanto via seus irmãos Bram e Alex se aproximarem às carreiras.

Bram cruzou a água, ajudando a esposa a subir a encosta antes de puxá-la para seu abraço.

Ao vê-los, um aperto se expandiu pelo peito de Callum. Nairna agarrou o marido como se jamais fosse soltá-lo. Ele os invejou, pois queria estar com Marguerite, assegurar-se de que ela estava bem. Deixá-la ir enquanto ficava para trás era a única escolha, mas não tinha gostado dela.

Sem perceber, uma chuva de centelhas de fogo flutuou diante de seus olhos. Atrás dele, um barulho de desabamento ressoou ao mesmo tempo que seu irmão berrou:

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— Callum, mergulhe! Ele se atirou no fosso exatamente quando a torre desmoronou. A água gelada o

deixou dormente, mas Callum nadou até o lado oposto, arrastando-se para fora. Seu arco e as flechas estavam ensopados, e ele descansou sobre os joelhos, recuperando o fôlego.

Nairna estava empurrando Marguerite novamente para dentro da floresta. — Ele vai ficar bem, leve as mulheres para cima e logo o mandarei para você. O olhar de Callum buscou o dela. Marguerite estava agarrada a Nairna, como se não

quisesse ir. Parecia que tinha começando a guiar as mulheres, mas havia retornado quando a torre desabou.

Como alguém que se importasse com ele, apesar do perigo para si mesma. Se pudesse, teria abandonado todo o resto, levando-a para longe do caos da

batalha. Mas esta não era uma escolha. Ele devia defender sua família e o único lar que teve.

Como que para lembrá-lo disso, Bram estendeu a mão para ajudá-lo a subir. E por um momento, ele viu a gratidão no rosto do irmão.

— Obrigado por defendê-las — falou baixinho, para que só Callum pudesse ouvir. — E lamento por seu cativeiro, cada dia, cada minuto que passou lá. Eu me culpo por isso.

Embora não pudesse responder, Callum apertou a mão de Bram em sinal de perdão. Depois do que tinham enfrentado, sabia que o irmão fizera todo o possível para libertá-lo. Nairna lhe deu um sorriso de gratidão, ainda parada ao lado do marido.

Antes que seu irmão Dougal acompanhasse as mulheres e as crianças, Callum lhe ofereceu a espada. O rapaz precisaria de uma arma, agora que gastara todas as flechas. Depois de pegá-la, Dougal desapareceu na floresta, exatamente quando os soldados inimigos surgiram, cercando-os de todos os lados.

Embora Callum quisesse ter certeza de que Marguerite tinha escapado com seu irmão caçula, foi obrigado a não olhar, por medo de atrair a atenção dos soldados para lá.

Tarde demais. Um dos arqueiros disparou várias flechas na direção da floresta antes que

conseguisse abater o homem. Nem todas as mulheres tinham chegado ao topo da colina, e Callum temeu que uma delas pudesse ter sido atingida. Pensar em Marguerite caída, sua vida exterminada por uma flecha, fez uma forte fúria pulsar nele.

Bram e Alex separaram-se para lados opostos para encontrar os homens, os escudos e armas prontos. Callum continuou disparando nos arqueiros inimigos, atirando quantas flechas conseguia, até lhe restar apenas uma única. Alex lhe entregou um escudo, mas ele o rejeitou, precisando das duas mãos para empunhar o arco. Estavam completamente excedidos em número pelo inimigo e ele não enxergava uma saída.

Nairna abraçou-se a Bram enquanto os inimigos aguardavam a ordem para matar. Callum manteve o arco preparado, esperando poder atingir Cairnross ou Harkirk com sua última flecha.

Mesmo que conseguisse, existia uma verdade inevitável. Ele morreria hoje. Marguerite uniu as mãos, o coração disparado. Embora tivesse conseguido adentrar

a floresta, bem longe da batalha, não conseguiu deixar de retornar para observar. Escolheu um lugar isolado perto da margem das árvores, o coração paralisado de medo quando lorde Cairnross e lorde Harkirk os cercaram.

Em meio às lágrimas, sentou-se, imaginando se conseguiria apelar a Cairnross pelas vidas deles. Seria possível que pudesse poupá-los, por ela?

Não. Tinha fugido com os MacKinloch, traindo seu noivo. Embora o conde ainda pudesse desejá-la por esposa, duvidava que fosse liberar os outros. Especialmente Callum.

Ficou de pé, apoiando a mão numa árvore, o coração cheio de terror. Por causa dela, Cairnross viera. Se tivesse ficado para trás, nenhum destes homens morreria.

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Marguerite deu um passo na direção de Callum, mas, antes que pudesse deixar as árvores, viu Bram explodir em fúria. Sua claymore faiscava enquanto abatia homem após homem, e Alex ficou às suas costas para defendê-lo.

Lutavam por suas vidas e, em meio à batalha, Callum apanhou uma aljava de flechas de um arqueiro morto. Enquanto soltava as flechas, uma após outra, entrava na floresta, vindo na direção dela.

Marguerite não se mexeu, sem compreender por que ele estava deixando os irmãos para trás. Quando chegou ao seu lado, tirou seu véu e o jogou no chão, empurrando-a para trás. Ela de repente percebeu que a cor branca a tornara visível lá de baixo. E ela ainda estava ao alcance das flechas, ali onde se achava parada.

— Não pode deixá-los para trás — implorou ela, olhando para Bram, Alex e Nairna.— Eles precisam de você.

O rosto de Callum ficou enrijecido e ele subiu no topo de um grande rochedo, retomando o arco. Disparou outra saraivada de flechas na direção do inimigo, abatendo homem após homem.

A vergonha corou as bochechas de Marguerite quando percebeu que o havia acusado de covardia. Não era nada disso. Ele tinha se movido para uma posição onde poderia defendê-los melhor.

— Entendi mal — desculpou-se. — Lamento pelo que disse. Ao deixar os irmãos e esconder-se nas árvores, Callum ganhou uma posição mais

estratégica, lutando onde o inimigo não poderia vê-lo. Callum apontou o topo da colina, numa ordem silenciosa para que se juntasse às

outras mulheres. Ela compreendeu, mas hesitou, sem querer deixá-lo para trás. — Obrigada por me proteger — sussurrou. Ele baixou o arco por um momento. Seus olhos castanhos revelavam uma firme

certeza, como se jamais fosse permitir que alguém a ferisse. A expressão em sua face era a de um homem preparado para morrer.

Marguerite pegou o véu caído e o levou para Callum, amarrando-o lentamente ao redor do antebraço esquerdo.

— Fique com isto — disse. — Protegerá seu braço da corda. Era tudo o que poderia lhe dar. Callum permaneceu imóvel enquanto ela o

amarrava, depois cobriu a mão dela com a sua. O calor da mão a tranquilizou, e ele a apertou numa despedida silenciosa. Marguerite não sabia o que aconteceria com cada um deles agora, mas apertou a mão dele em resposta.

O troar de cavaleiros se aproximando atraiu a atenção de Marguerite. Viu dois exércitos e, ao avistar o homem alto que liderava o grupo, seu coração pulou. O duque D’Avignois finalmente chegara.

Ela começou a descer a colina, mas Callum a agarrou pelo braço. — É o meu pai — explicou. — Tenho que vê-lo. — Se pudesse alcançar o duque a

tempo, talvez conseguisse convencê-lo a salvar os MacKinloch. Começou a se desvencilhar, quando algo a fez parar e se virar. Callum estava com o

arco sobre o ombro, o olhar resguardado. Fez um sinal para que ela partisse, que não a impediria. Mas Marguerite entendeu a verdade do que estava acontecendo.

No momento em que chegasse ao lado do pai, tudo voltaria a ser como sempre fora. Estaria em segurança com sua família, e provavelmente não veria Callum outra vez.

Encheu-se de pesar, mesmo sabendo que os momentos entre eles jamais durariam. Desbotariam em memórias amargas.

— Nunca esquecerei você — sussurrou, tocando o rosto dele em despedida. Callum puxou o arco tão logo Marguerite deixou as árvores, decidido a atingir

qualquer homem que se aproximasse dela. Dois dos guardas do pai dela a escoltaram em segurança. Ela falava com o pai, apontando para os MacKinloch como se para intervir.

Callum ficou abaixado, agachado com o arco enquanto observava os homens.

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Harkirk ainda estava vivo, mas o corpo de Cairnross jazia no chão, assassinado por seu irmão Bram.

Ele devia estar aliviado por Marguerite não ter que casar com o conde. Em vez disso, foi tomado por um furioso ressentimento, por Bram ter feito justiça em vez dele próprio. Queria ter sido o homem a libertá-la.

Mais do que isso, queria tomar o lugar do conde como marido de Marguerite. Tocou o véu amarrado no braço como proteção improvisada, e a maciez do tecido lhe lembrou a dela.

Nunca esquecerei você. Não acreditava nisso. Tão logo retornasse à França, o pai lhe arranjaria outro

casamento com um nobre. Ela se casaria com o homem, teria filhos e construiria uma vida diferente para si mesma. Uma que não o incluía.

Callum observou um cavalo ser trazido para ela. Viu seus irmãos negociarem uma trégua enquanto os homens de Harkirk se retiravam e Nairna conversava com o duque. E assim como esperava, lady Marguerite se foi com o pai. O pôr do sol reluzia em seu cabelo como uma pálida faixa dourada.

E ele soube que jamais a veria outra vez.

Capítulo Quatro

Verão, 1306 A fita azul estava tão desbotada que se tornou cinza, as pontas esfarrapadas pelo

tempo. — Você está sofrendo por ficar longe de Marguerite, não está? — dissera-lhe Laren,

esposa de seu irmão, meses atrás. — Certamente ela achará romântico se você a roubar e a trouxer de volta.

Romântico? Callum não sabia de onde ela tirara a ideia, mas não tinha nada a oferecer à filha de um duque. O homem o mataria na mesma hora. Para provar seu ponto de vista, assentiu para Laren e passou um dedo pelo pescoço.

— Sim, o pai dela pode matá-lo. — Ela sorrira e se aventurara a dizer: — Mas você morrerá como um homem feliz.

Sem aviso, uma risada escapara dele. O som inesperado chocara Callum, que tocara a garganta em descrença.

— Você vai falar de novo — previra Laren. — E acho que terá um motivo mais forte para superar a mudez se a encontrar.

Os últimos meses tinham sido frustrantes, pois Callum não recuperara a voz, apesar do tempo que teve para se curar e treinar. Havia feito tudo o que podia, porém quanto mais tentava, mais as palavras permaneciam presas dentro dele. Pior, os outros membros

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do clã o evitavam, tratando-o como se fosse defeituoso de alguma forma. E era. Sim, tinha sido torturado e conduzido à beira da morte inúmeras vezes, mas

agora os pesadelos já deviam ter parado. Em vez disso, pioraram, até ele mal conseguir pregar os olhos à noite.

Sua mente estava se despedaçando. E quanto mais lutava contras as memórias, maior era a raiva que o atormentava por dentro. Odiava sua vida e sua falta de propósito. O cativeiro havia governado seus dias por tanto tempo que não sabia o que fazer com a liberdade ou como se adaptar a uma vida sem ter como falar.

A cada dia que se passava, ele se isolava mais da família, pois não conseguia se comunicar com eles. A raiva fervilhava por dentro, a frustração dominava cada segundo de seu dia.

Nairna tomou para si a tarefa de confrontá-lo. De cabeça fria e firme, puxou-o num canto.

— A vingança não lhe deu paz, deu? Callum olhou Nairna, que puxou uma flecha de sua aljava. — Você lutou ao nosso lado nos últimos meses. Ajudou a salvar a filha de Laren

quando foi levada. Mas vejo a raiva em você. Está ficando mais forte a cada dia. Seus olhos verdes foram tomados pela piedade, então ela abrandou a voz. — Sente falta de Marguerite, não é? As palavras foram como uma lança enfiada em seu coração. Marguerite era a única pessoa que nunca o tratou como se fosse um demente ou

menos que inteiro. Aos olhos dela, ele tinha sido o guerreiro que desejava ser. Mas ela havia retornado para a vida que conhecia antes dele. A vida que merecia. — Ela se preocupou com você durante todo o tempo em que foi mantido cativo —

continuou Nairna, sem deixar de atacá-lo. — Se está cego demais para ver a maneira como Marguerite se sentia ao seu respeito, e se não lutar para conquistar o coração dela, então merece perdê-la. — Entregou-lhe a flecha e ordenou: — Vá atrás dela ou deixe de ficar amuado.

Um sorriso aqueceu a expressão de Nairna, uma mistura de amor fraternal e frustração.

Nairna estava certa. Ele tinha ficado para trás e deixado Marguerite ir, sem fazer um único protesto. Era a marca de um covarde, e Deus sabia que ele não era um.

Mas como convenceria a filha de um duque a ir embora com ele? Era como tentar alcançar a lua.

A sugestão anterior de Laren, de que a roubasse, ressoou como uma possibilidade. Mas será que Marguerite desejaria abandonar a família e a vasta riqueza que conhecera durante toda a vida? Não conseguia imaginar tal coisa.

Porém, a sugestão de Nairna lhe deu um propósito. Poderia parar de vagar por Glen Arrin, sentindo-se engaiolado por sua falta de fala. Não importava o quanto fosse impossível a tarefa, a ideia de ver Marguerite outra vez abrandava a raiva dentro dele.

E assim ele iniciou a busca. Callum protegeu os olhos da luz do sol, examinando a floresta lá embaixo. Estendia-

se por quilômetros, envolvendo o castelo Duncraig, que se assentava entre as colinas. Ele nunca viajara até aquela parte da Escócia, mas soubera por outros homens do

clã que estas terras pertenciam ao duque DAvignois, herdadas dos ancestrais normandos. Altas torres quadradas destacavam-se no topo da colina, as imponentes ameias sulcadas de balestreiros.

Ao ver as terras do duque, um vazio frio lançou sua sombra sobre Callum. Aquele não era o seu lugar, e as garras da dúvida comprimiram sua coragem.

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Passara semanas despachando Dougal para fazer perguntas aos clãs vizinhos, mas felizmente não foi difícil rastrear um duque francês com mais de uma centena de servos.

Callum foi descendo com seu cavalo, Goliath, até o bosque, planejando montar acampamento dentro da floresta, onde ninguém o encontraria. Até o momento, não fazia ideia de quanto tempo permaneceria. Dependia de Marguerite estar ali e querer vê-lo.

A parte mais sombria de sua alma queria raptá-la agora, levá-la da riqueza do pai e reclamá-la como sua. Por mais tentador que fosse, devia a ela o direito de escolher. O tempo que ficaram separados poderia ter mudado tudo.

Callum estudou a trilha, margeando a faixa principal para evitar os habitantes do castelo. As árvores agora eram mais grossas, tornando mais difícil a passagem do cavalo. Conforme as sombras se alongavam e a luz do sol brilhava no oeste, encontrou um pequeno riacho para molhar o animal e montou o acampamento para passar a noite.

A inquietação o consumia conforme se demorava a vê-la. Sua presença podia não ser bem recebida lá. Talvez fosse melhor passar o dia vigiando, observando o castelo para ter certeza de que ela estava segura e feliz. Além disso, mesmo que se aproximasse de Marguerite, não podia falar ou dar alguma explicação para sua presença. Ela não compreenderia que nos últimos meses havia assombrado sua mente, atormentando-o com recordações.

Ao cair da noite, Callum se aproximou da orla externa das árvores, estudando o castelo e suas defesas. Um fosso circundava a estrutura e grossos muros de pedra se erguiam, mais alto que a altura de um homem. Duas torres quadradas se destacavam de cada lado, com seus portões muito bem guardados. Ouviu e escutou o som de. Aquilo era música?

Callum não ouvia música fazia muito tempo, e o som parecia invadir a floresta, atraindo-o para ainda mais perto. Manteve-se abaixado, escondendo-se na escuridão, até alcançar um lugar no muro com uma fenda pequena o bastante para que espiasse. Dentro do castelo, homens e mulheres celebravam com canecos de cerveja, rindo, envolvidos pela alegre canção. Callum encostou o rosto na pedra fria, assimilando a cena.

Fazia anos que não tinha nada para celebrar. Observar as pessoas com suas expressões felizes o fez ansiar por ser parte daquilo.

Especialmente quando enxergou a figura familiar pela qual estava procurando nas últimas semanas.

O longo cabelo dourado de Marguerite estava velado, mas escapava sempre que ela rodopiava enquanto dançava com os outros. Callum viu os homens observando-a e foi tomado por uma sensação possessiva.

Vê-la novamente depois de tantos meses era como um bálsamo para seu espírito destroçado. Precisava entrar, satisfazer a necessidade que o atormentava desde quando a observara partir.

O destino interveio quando um grupo de pessoas se aproximou da ponte levadiça. Callum se afastou do esconderijo junto ao muro e puxou o capuz sobre a cabeça. Disfarçado entre os aldeões, adentrou os portões.

Marguerite dançava com as outras mulheres, mas seus movimentos exibiam menos energia, como se não quisesse estar ali. Ele bebeu a visão dela, memorizando seu rosto bonito e a maneira como se movia.

A música mudou outra vez, para um som mais suave e lastimoso. Marguerite se afastou da dança, o rosto corado. Enquanto os outros se aglomeravam ao redor dos músicos, ela se recostou no muro.

Callum não tirava os olhos dela enquanto atravessava a multidão, evitando a luz das tochas. E quando chegou perto, a doçura de seu perfume despertou-lhe um anseio misterioso no peito. Se pudesse viver à sombra dela pelo resto da vida, seria o bastante.

Marguerite girou na direção dele, e estreitou os olhos. Ele viu o momento em que ela percebeu não estar sozinha. Embora pudesse ter baixado o capuz, revelando-se, notou

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que o duque a vigiava. Ela segurou a cintura, dando um passo na direção das pessoas. A oportunidade

estava desaparecendo, e Callum não podia dizer nada para detê-la. Mas precisava revelar que estava ali.

Quando o som de risadas ressoou na multidão, a atenção de Marguerite oscilou por um segundo. Era tudo o que ele precisava.

Quando deixou o castelo, pressionou uma singular fita esfarrapada na palma da mão dela.

Ele estava aqui. Tinha vindo me ver. Durante toda a noite, Marguerite segurou a fita, como uma recordação desbotada.

Não sabia por que Callum havia viajado até Duncraig, mas a inesperada onda de expectativa irrompeu seu ânimo desconsolado.

Desde que deixara Glen Arrin, foi incapaz de esquecer Callum MacKinloch. O feroz e silencioso escocês havia invadido seus sonhos, deixando-a com lembranças do beijo. À noite, imaginava sua boca descendo da mandíbula até a garganta. Lembrou-se das linhas rijas de seu corpo, da firme pele cálida que a convidara ao toque.

— Marguerite. — O pai interrompeu seus pensamentos ociosos na manhã seguinte,

colocando sua taça de prata ao lado dela na mesa. — Parto para a Inglaterra pela manhã. Escoltarei o conde de Penrith até aqui para o seu casamento.

Ela assentiu com a cabeça, tentando não trair o desapontamento interno. — Sei que estes últimos meses têm sido difíceis para você. Mas garanto, este

casamento será melhor, ma petite — prosseguiu. — O conde possui terras aqui, assim como na Inglaterra e na Irlanda. Ele é favorecido pelo rei inglês, e eu acredito firmemente que é um nobre digno de ser seu marido. Deve ficar bastante satisfeita com ele.

Mas e se eu não ficar satisfeita? E se ele for tão terrível quanto lorde Cairnross? Embora soubesse que seu pai arranjaria outra união, a sombra da inquietude a assombrava.

Meses atrás, nunca lhe ocorreria questionar as ordens do pai. Sendo o chefe da família, era a responsabilidade do duque escolher seu marido, selecionar um nobre que cuidasse bem dela. Nenhum de seus desejos pessoais importava. Parecia, porém, que as cordas invisíveis da obediência a envolviam, estrangulando-a até a submissão.

— Por quanto tempo ficará fora? — Cerca de uma semana. — Ele segurou a mão dela. O pesado anel de ouro

pressionou seus dedos quando ele a apertou para transmitir tranquilidade. — Há muitos homens meus para garantir sua segurança. E em breve, você estará na Inglaterra como senhora de seu próprio castelo. — Exibiu-lhe um sorriso caloroso, acreditando que era tudo o que ela sempre quis.

Não tinha razão para pensar o contrário. Apenas meses atrás, ela desejaria governar o próprio feudo, com um marido forte ao seu lado. Planejava ser uma esposa obediente, criar um lar confortável para o marido e ter filhos.

Mas tudo mudou desde sua estada com os MacKinloch. Apesar do perigo e da batalha aterrorizante, Marguerite havia estilhaçado o vidro de sua vida protegida. Outra mulher vivia dentro dela, alguém com coragem. Uma mulher que agarrara a chance de fugir de Cairnross.

Quando o pai a levou para Duncraig, esperava retomar sua antiga vida, como uma sombra familiar. Em vez disso, o passado a assombrava, fazendo-a sonhar com um guerreiro silencioso que havia destruído suas defesas, despertando-a.

E agora ele estava de volta. Sabia pouco sobre Callum MacKinloch, nem podia adivinhar o que ele pensava dela.

Porém a vontade de revê-lo a devastava, enchendo sua mente com pensamentos

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impossíveis. — Vamos caçar esta manhã — disse o pai. Um sorriso caloroso enrugou seus olhos.

— Quero um pouco mais de tempo com minha filha caçula antes que me deixe quando for uma mulher casada. — Chamou um servo e mandou que aprontassem os cavalos. — Enquanto eu estiver fora, não vai deixar este lugar. Está entendido?

Você não deve pensar por si mesma ou tomar alguma decisão que contradiga a minha, pensou ela com amargura. Mas deu a resposta esperada:

— Oui, mom père. — Também passará seu tempo costurando ou rezando — acrescentou. — Não se

preocupe com as necessidades da casa. Indiquei lady Beatrice para inspecionar os servos e guiá-la em minha ausência.

Marguerite reprimiu um gemido. Embora por fora parecesse gentil, a irmã de sua mãe, Beatrice, apresentava um ar de superioridade que não lhe cabia bem. A próxima semana seria, sem dúvida, um exercício de paciência.

— Obedeça-a, Marguerite — insistiu o pai. Apesar de ela ter 19 anos, o duque ainda a tratava como se tivesse apenas 7.

Marguerite encobriu a frustração e levantou-se da mesa, ignorando o resto da comida. Sob o olhar inquiridor, deu a resposta esperada:

— Se é a sua vontade, papai. A aprovação surgiu na expressão do duque, que a dispensou com a mão. — Agora vá, e vamos cavalgar juntos em uma hora. Marguerite encontrou o pai à sua espera perto do estábulo. Ele lhe deu um sorriso

acolhedor quando ela montou no cavalo. — Os outros ainda não estão prontos para vir conosco na caçada. Se estiver

disposta, vamos sair para um pequeno passeio juntos. Aquilo significava que queria falar com ela a sós, adivinhou. Com um aceno, seguiu-

o portões afora. Dentro do corpete, estava enfiada a fita esfarrapada que Callum lhe dera na última

noite. Sua pele ardia de desejo de vê-lo. Por que teria aparecido? Saber que ele estava ali era como abrir a caixa de Pandora de seus desejos proibidos. Marguerite fitou as árvores ao redor, imaginando se Callum estaria por perto.

O duque a conduziu pelo perímetro da floresta, em direção às campinas. Quando ela guiou a égua para perto do pai, este sugeriu:

— Que tal uma corrida? Darei a você uma pequena dianteira. Ela suspeitava que ele a deixaria ganhar, como fazia quando era criança. Mesmo

retribuindo o sorriso, adivinhou que seu pai tinha outra notícia a transmitir, algo de que não iria gostar.

— Não preciso de vantagem — contrapôs, arrumando as saias. — Posso ganhar sem isso.

O desafio levou um sorriso ao rosto do pai. — Que tal uma aposta? Uma medida de seda ou uma corrente dourada com uma

joia que combine com seus olhos? Talvez uma capa com debrum de pele para mantê-la aquecida no inverno?

Ela meneou a cabeça. Não precisava de luxos, pois ele já lhe dera tudo isso no passado.

— Um favor que me seja concedido quando eu quiser. — Com as rédeas nas mãos, ela acrescentou: — O que você quer, se ganhar?

O rosto dele se abrandou. — Uma visita, de tempos em tempos. Suas irmãs quase não vêm mais me ver. Por um rápido instante, Marguerite notou a solidão na expressão dele. Havia perdido

a mãe dela havia muitos anos, e jamais casou outra vez, embora Marguerite não fosse ingênua para acreditar que viveu sem companhia feminina durante este tempo.

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— Tudo bem — concordou ela. — Diga até onde, e vamos correr. — Até a margem da costa. — Ele apontou para a linha costeira ao longe. O duque ergueu a mão, olhando-a para ter certeza de que estava pronta. Depois,

quando baixou a mão, os dois correram depressa pelo campo. Marguerite debruçou— se contra o vento, observando o pai manter o cavalo sob controle, dando-lhe a liderança. Embora adorasse cavalgar tanto quanto ela, sempre foi indulgente, deixando que ela vencesse.

Assim como sempre havia lhe dado tudo o que quis, fosse um vestido de seda ou uma pulseira de ouro. Ela o adorava quando era menina, acreditava que seu propósito na vida era cumprir cada ordem dele. Mas os últimos meses a deixaram preocupada com as decisões que ele havia tomado. Não era mais o governante benevolente a quem ela obedecia sem questionar.

De repente, Marguerite sentiu uma urgência de desafiar as intenções dele outra vez. No último instante, exatamente antes de ganhar a corrida, fez o cavalo parar de repente, deixando que o pai passasse por ela.

O duque virou o cavalo e lhe deu uma olhada surpresa. — Você roubou! — Oui, roubei. — Exibiu um sorriso travesso, acrescentando: — Não negue que

estava para fazer o mesmo. Ele deu de ombros e veio para junto dela. — Um pai pode conceder favores a uma filha amada, não pode? Ela estendeu a mão para segurar a dele. — Suponho que terei que visitá-lo na França, quando eu estiver casada. — Cobrarei essa sua promessa. Mas Marguerite conseguia enxergar uma sombra de preocupação no rosto dele. — O que foi que não me contou? — perguntou Marguerite. — Está escondendo

alguma coisa. O duque deixou escapar um suspiro e a conduziu de volta ao castelo para se juntar

aos outros. — Nada de importante, suponho. O conde de Penrith é um bom amigo do rei. Tenho

certeza de que vai conceder qualquer desejo que tiver. — Mas o sorriso dele carecia de sinceridade, colocando o humor dela no limite.

Acompanhou o pai para se juntar ao grupo de caça que esperava por eles, a mente distraída. O que será que ele não queria contar? Enquanto cavalgavam para a floresta em busca de caça, ela lutava contra a ansiedade que permeava seu espírito.

O bosque se tornou um borrão sob a névoa dourada da luz do sol filtrada pelas árvores. Apesar de continuar com os outros, a mente de Marguerite estava distraída e nada interessada na caçada.

— Um javali! — gritou um dos homens, apontando na direção da floresta. Os cavaleiros aceleraram o passo, e Marguerite ficou para trás, deixando o pai tomar

a liderança. Embora não duvidasse que os caçadores prevaleceriam, não queria se colocar no caminho de um javali. Essas feras agressivas possuíam presas pavorosas, e já tinham ferido muitos homens.

Junto com o pai, uma dúzia de homens e mulheres seguiram cavalgando, enquanto Marguerite permanecia nas cercanias. Os outros estavam muito decididos, ninguém pareceu notar sua ausência.

Então ela ouviu um som de investida. Marguerite virou o cavalo, só para ver outro javali correndo na sua direção.

Mon Dieu! Ela incitou o cavalo a ir mais rápido, tentando se afastar do animal. Ninguém notou, e ela guiou a égua floresta adentro, tentando escapar. O animal empinou e ela lutou para se manter na sela.

Flechas cortaram o ar, cravando-se no javali. Marguerite as encarou, o coração

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disparado quando viu as penas negras. Então, de repente, alguém saltou da árvore atrás dela, aterrissando em seu cavalo. Os braços do homem a envolveram, e ele obrigou a égua a galopar, levando-a para longe dos outros. O instinto de gritar morreu na garganta, pois Marguerite sabia, sem dúvida, a identidade do silencioso homem encapuzado.

Quando o bosque ficou tão fechado a ponto de o cavalo não conseguir mais avançar, ele desmontou e a colocou no chão. Embaixo do capuz sombreado, ela viu os olhos escuros do homem com quem sonhava nos últimos meses.

— Callum. — sussurrou, incapaz de acreditar que fosse ele. Ele não disse nada, mas pegou-lhe a mão, conduzindo-a pela floresta pelo que

pareceu um quilômetro. Para Marguerite, não importava que os outros pudessem sentir sua ausência. Não conseguia pensar em nada senão no homem que estava com ela agora.

Quando enfim pararam, ela viu os restos de um local de acampamento e as cinzas de uma fogueira. Antes que Callum pudesse se inclinar para reacendê-la, Marguerite atirou os braços em volta dele. Callum apertou-a com força, o rosto enterrado em seus cabelos. Ela se derreteu nos planos de seu corpo, incapaz de acreditar que Callum estava mesmo ali.

— Faz tanto tempo — murmurou. — Você está bem? Como está sua família? Os olhos fitavam os dela, mas ele não deu resposta. Marguerite compreendeu,

então, que a fala dele não havia retornado. Mas ele tinha sua própria maneira de se comunicar com ela, uma maneira que a

cativava. Callum removeu o véu, deslizando as mãos por seus cabelos. Marguerite conteve o

fôlego quando ele as desceu por seus ombros, parando nos quadris. O calor do toque disparou um estremecimento de anseio por seu corpo.

— Por que veio? — quis saber. Ele não tinha resposta para dar. Apesar dos meses perdidos entre eles, era como se

nada houvesse mudado. Ela tocou sua bochecha lisa, maravilhando-se com a diferença nele. Já não apresentava mais o ar faminto; o rosto estava cheio. Não havia dúvida da força em seus braços ou da calma segurança que Callum exalava. Manteve o cabelo longo, e as mechas escuras passavam dos ombros, como o escocês selvagem que era.

Foi pega por uma agitação de interesse, pensamentos proibidos da época que passaram juntos meses atrás. Lembrou-se da boca dele na sua e dos desejos chocantes que havia invocado.

Sentindo-se subitamente tímida, deu um passo atrás, e ele aproveitou o momento para refazer a fogueira. Embora ela não pudesse ficar com ele por muito tempo, roubaria quantos instantes pudesse.

Quando o fogo ardeu brilhante, ela se sentou num tronco caído e falou sobre os meses em que viajou do norte da Escócia até o sudoeste.

— Meu pai arranjou-me um novo casamento — admitiu. — Casarei com o conde de Penrith.

Era necessário que Callum soubesse, que fosse completamente honesta com ele sobre como sua vida havia mudado nos últimos meses. Com a confissão, a expressão de Callum ficou tensa. Ele pegou um pedaço seco de madeira e o atirou no fogo. Marguerite não sabia mais o que falar, mas disse:

— Estou feliz que tenha vindo. Eu. Eu pensei muito em você. O silêncio dele só intensificou a estranheza do momento. Sem uma voz, Callum não

podia dizer nada sobre o passado ou o que estava pensando agora. Ela tentou pensar em algo mais, porém só conseguiu perguntar: — Suas costas sararam? Callum lhe deu uma olhada curiosa, mas deixou a aljava ao lado do arco e removeu

a túnica.

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Quando virou as costas, ela viu que as cicatrizes ainda guardavam um tom vermelho, mas que estavam completamente curadas. Ela tocou a pele, e ele se encolheu.

— Machuquei você? Ele meneou a cabeça, erguendo-lhe a mão para que o tocasse outra vez. A pele

cálida estava áspera das cicatrizes produzidas pelas goivas, mas as linhas de sofrimento só o fortaleceram. Quando Marguerite delineou a carne com a ponta dos dedos, ele se entregou ao toque, como se as palmas o curassem.

Ela levou os dedos aos ombros, descendo pelas costelas. Uma súbita risada escapou dele, como se sentisse cócegas. Chocada, Marguerite murmurou:

— Não sabia que conseguia emitir sons. — Aquilo a fez imaginar se um dia ele voltaria a falar; e se voltasse, o que ele diria.

Callum tomou a mão dela e a levou ao pescoço, os olhos a observá-la. O toque íntimo dos dedos sobre a pele dele fez com que Marguerite se sentisse estranha e pressentisse que Callum queria algo dela.

Abruptamente, a expressão dele se tornou estoica, e ele recolocou a túnica, antes de vasculhar uma bolsa de pertences. Pegou uma corrente de prata com um pingente de vidro azul-safira. Marguerite a segurou na palma, cativada com a mudança de cores no azul do cordão. Callum o colocou em seu pescoço, e o pendente se aninhou em seu busto.

— É lindo. — Aventurou-se: — Laren fez este vidro, não foi? Quando ele assentiu, ela disse: — Obrigada. — Tocou o pingente, sem saber o que mais dizer. Experimentou uma

sensação de peso por dentro, então ousou perguntar outra vez: — Callum, por que veio? Os olhos castanhos se fixaram nos dela com a intensidade de um homem que queria

mais do que ela poderia dar. Callum tomou sua mão, segurando-a com delicadeza. Depois abriu a palma, deixando que Marguerite se afastasse se quisesse.

Ela viu a pergunta nos olhos dele. Callum a deixaria ir, aqui e agora, se fosse a escolha dela. Só precisava ir embora.

Recordou na mente a noite em que ele a beijou e provou aquele anseio entrecortado. Era impossível esquecer a maneira como se sentiu ou as emoções trêmulas dentro de si.

Seu pai já decidiu seu casamento. Callum MacKinloch não tem lugar na sua vida, a voz da lógica anunciava.

Sabia disso, assim como sabia que o resto da sua vida seria comandada por outros. Embora desejasse falar, dizer ao pai que queria tomar as próprias decisões, ele nunca ouvia suas opiniões. Simplesmente a lembrava de que queria o que era melhor para sua vida. Era difícil argumentar, já que ele lhe dera tanto.

— Tenho que voltar — murmurou, enfim. — Eles procurarão por mim. As palavras estavam pesadas, e ela suspeitava que Callum partiria pela manhã. A

solidão se instalou nela ao pensar na partida dele. Callum baixou a mão, o rosto destituído de qualquer emoção. Marguerite queria

dizer alguma coisa, fazê-lo compreender o pouco poder que ela possuía. Mas em vez disso guardou as palavras, temendo magoá-lo com a verdade.

Callum a escoltou de volta e, a cada passo, sentia que ela lhe escapava ainda mais. Embora ela estivesse feliz por vê-lo, os dois sabiam que o lugar dele não era ali. Mesmo assim, ele esperava por uma chance.

Fechou por dentro o entorpecimento, aceitando a decisão dela. Ter aqueles momentos com Marguerite havia sido mais do que esperara. Claro que o pai dela teria escolhido outro alguém para casá-la, alguém de sangue nobre.

Não um prisioneiro, recluso do resto do mundo. Não um homem que mal possuía uma moeda para chamar de sua.

A tensão sombria guerreava com seus instintos, mas o orgulho o forçou a soltar a

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mão dela. Não importava quantos quilômetros tinha viajado; se Marguerite tomara uma decisão, não havia mais nada que pudesse fazer.

Ela envolveu o pingente com a mão, os olhos azuis segurando as lágrimas. Callum se virou, a dor queimando um buraco por dentro dele. Talvez fosse melhor deixá-la ir.

— Espere. — A voz dela guardava um tremor que ele não compreendia. Antes que pudesse dar mais um passo, Marguerite encurtou o espaço entre eles.

A pulsação falhou diante do apelo dela, mas Callum resguardou os pensamentos e esperou que ela falasse.

— Não quero que se vá — murmurou. A esperança se avivou dentro dele, a de que ela talvez lhe desse essa chance.

Tocou o rosto de Marguerite, que ficou na ponta dos pés, passando os braços ao seu redor.

Callum a abraçou tão apertado que seus corpos se moldaram em um. Havia tanta coisa que ele queria dizer a Marguerite, por isso lutou outra vez para falar. Mas as palavras não vinham.

Por um rápido momento, ele se afastou para observá-la. A boca pairava sobre a dela, aguardando pelo consentimento. Marguerite ergueu a boca, e a fome física o consumiu. O beijo evocou cada momento que ficaram separados, o vazio da solidão que tornava cada dia interminável.

Callum colocou seus desejos e sentimentos no beijo, sem se importar com nada mais senão aquele instante. A mulher com quem sonhava estava diante dele, por isso pretendia saborear o momento proibido.

— Verei você novamente? — indagou ela. Ele assentiu e apontou na direção do fogo, onde montara acampamento. Ela poderia

ir até ele a qualquer hora, pois ele bem sabia que não devia procurá-la dentro do castelo do pai.

— Meu pai partirá para a Inglaterra ao amanhecer — revelou. — Tentarei vir depois que ele se for.

Ao ouvir a promessa, Callum viu uma ponta de preocupação nos olhos dela, como se temesse que alguém descobrisse seu segredo. Ele não se importava nem um pouco, pois Marguerite lhe dera uma gota de esperança.

E por isso, ele arriscaria qualquer coisa.

Capítulo Cinco

— Bom dia, Marguerite. A irmã de sua mãe, lady Beatrice, abriu as venezianas, revelando a luz matutina. A

matrona era cheinha e de cabelos loiros, da mesma cor que os seus. Uma cruz de prata aninhava-se entre os seios grandes, provavelmente para chamar a atenção para eles.

— Melhor correr para se despedir do seu pai. Ele parte para a Inglaterra em uma hora.

Marguerite se sentou, murmurando uma resposta educada, enquanto a mente vagava de volta ao pesadelo da noite passada. Debaixo do cobertor, suas mãos estavam

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cerradas, as batidas do coração, descompassadas. Embora fosse apenas um sonho, havia nele bastante realidade para assustá-la. Em sua visão, estava com Callum, beijando-o com ardor. Ele a deitara sobre a grama e ela o recebera em seus braços.

Só para acabar sendo capturado pelos homens de seu pai e morto por tocá-la. O medo tomou controle sobre ela, pois sabia que aquilo poderia acontecer

facilmente caso não fosse cuidadosa. Era perigoso se encontrar com ele ou deixar suas defesas enfraquecerem. Callum era um homem que seu pai jamais aprovaria. Selvagem e feroz, era um lutador que sobrevivera a uma vida de torturas. Porém, não podia negar o desejo que havia despertado dentro dela. Era desesperador o quanto queria revê-lo, mas agora ela se questionava sobre ir ou não.

— Trouxe a seda e o samito para você, além das medidas do conde — prosseguiu a tia. — Pode começar a costurar esta tarde.

— Costurar? — Ela havia perdido a primeira parte da conversa e franziu a testa diante do tecido azul.

— A túnica de casamento — lembrou-lhe lady Beatrice. — Seu pai quer que seu marido veja seus dotes. Quer maneira melhor do que fazendo uma nova vestimenta para o conde, bordado por sua mão?

A matrona exibiu um sorriso radiante. — Ele ficará orgulhoso por vestir algo feito pela esposa. — Começou a espalhar

metros de seda sobre a pequena mesa perto da janela. — Se trabalhar todos os dias, terá terminado quando ele chegar da Inglaterra. O duque não queria que você ficasse entediada na ausência dele.

Normalmente, passar várias horas costurando teria sido uma maneira agradável de passar o tempo. Hoje, contudo, fazia com que ela quisesse chorar de frustração. Suspeitava que o pai havia feito isso na tentativa de mantê-la trancada no quarto.

Mas tinha outros planos para aquela manhã. Marguerite deixou que lady Beatrice a ajudasse a se vestir, enquanto espiava o sol

lá fora com anseio. — Farei como meu pai ordena, claro — mentiu. — Mas, depois que ele partir,

pretendo cavalgar. — Tal coisa não será permitida — disse Beatrice, sacudindo a cabeça. — Nós temos

ordens para mantê-la em segurança dentro do castelo. — Feito uma prisioneira? — refletiu Marguerite. O rosto da tia se nublou em confusão. — É para a sua segurança, Marguerite. Não desejaríamos que se perdesse ou, pior,

que fosse raptada por um escocês. — Estremeceu, agarrando os braços dela. — Só posso imaginar o que deve ter suportado com eles.

Marguerite não disse nada, reconhecendo que Beatrice jamais compreenderia. Decidiu ir tocar o tecido, examinando a trama apertada. O preço da seda teria alimentado o clã MacKinloch por um ano, o que era desolador.

Nunca parara para pensar em como a riqueza do pai cercava cada parte de sua vida, enquanto a família de Callum lutava por comida e abrigo. Durante a batalha de meses atrás, a fortaleza em Glen Arrin fora incendiada. Será que conseguiram reconstruir seus lares? Quantos teriam morrido?

Embora houvesse convivido com eles por pouquíssimo tempo antes que Cairnross e Harkirk tivessem atacado, ela fora aceita como um deles. Nairna e Laren trabalharam ao seu lado, quase como irmãs. E a liberdade não era como nada que já tivesse experimentado. Ali, mal podia descer a escada sem que um homem a vigiasse. Era sufocante viver assim.

A tia começou a tagarelar outra vez, mas Marguerite não ouvia as palavras. Sua mente estava consumida pela ideia de encontrar um modo de sair do castelo por algumas horas, para encontrar-se com Callum. Sua melhor oportunidade chegaria tão logo o pai

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partisse. — Venha, Marguerite — insistiu a tia. — Seu pai nos espera lá embaixo. Ele quer

que você vá lhe desejar uma boa viagem. Ela segurou a mão de Beatrice e a acompanhou, dando outra olhada na seda e no

samito azul. De alguma forma, teria que dar uma escapada. Ela chegou a pé. Em meio às árvores, o vestido açafrão florescia como uma flor

dourada presa dentro da floresta. Callum ficou esperando por ela, perto de onde estava amarrado seu cavalo, Goliath. Sobre o ombro, carregava o arco e uma aljava de flechas para protegê-los de qualquer perigo.

A visão dela fez sua pulsação aumentar. Estava dividido entre querer roubá-la e descobrir como conquistar seu coração. Marguerite manteve a promessa de retornar, mas ele mal sabia o que ela pensava ao seu respeito.

Desde o primeiro instante em que a viu, sentiu-se ligado a ela por uma atração invisível. Não havia nada que não faria para mantê-la a salvo e fazê-la feliz.

Embora o belo vestido a marcasse como a filha de um duque, quando olhou no rosto dela, Callum viu a mulher que o havia salvado da morte. Era uma beldade serena da qual não podia abdicar.

Quando ela chegou ao seu lado, Callum reprimiu a vontade de puxá-la para um abraço. Apertou o arco e acenou a cabeça em cumprimento.

Marguerite ofereceu um sorriso hesitante. — Bom dia. Callum apontou para a fogueira, gesticulando para perguntar se ela tomara o

desjejum. Ela viu as sobras da carne do javali que ele havia abatido e sacudiu a cabeça. — Já comi. Ela retorceu as mãos, procurando pela corrente de prata no pescoço. Quando a

puxou, Callum viu o pingente escondido debaixo do vestido de seda. Ela o havia guardado.

Os olhos dela revelavam nervosismo, mas Callum fez um esforço para não assustá-la. Depois de tantos meses, eram estranhos outra vez. Levaria tempo para que ela aprendesse a confiar nele.

Acenou para que ela se aproximasse e apresentou seu garanhão negro. Marguerite tocou Goliath, que encostou o focinho em sua mão.

— É uma bela criatura. Os olhares se encontraram, e um rubor de timidez tomou as bochechas dela.

Murmurando com o animal, ela acariciou sua cabeça e se distraiu familiarizando-se com ele.

Parecia confusa, como se não soubesse o que dizer ou fazer. Interpondo-se, Callum tomou-lhe a mão. Marguerite estava assustada, e isso não era de causar surpresa. Ele a tirou de seu castelo, levando-a até ali sozinha. Precisava fazer algo para que ela relaxasse, para que compreendesse que nada havia mudado entre eles.

Segurando-lhe a mão, levou-a ao seu próprio cabelo e a puxou para trás como quem faz um afago. Um sorriso iluminou o rosto de Marguerite.

— Você não é um cavalo, Callum. — Mas a tensão se evaporou, e Marguerite deu uma meia risada quando ele focinhou sua mão.

Pegando-a pela cintura, Callum colocou-a sobre o cavalo, montando atrás dela. — Aonde estamos indo? Ele apontou além das árvores, ao norte do castelo. Bem longe, onde nenhum dos

homens de seu pai poderia encontrá-los. Marguerite começou a protestar, mas ele a ignorou, incitando o animal em meio às

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árvores até a campina adiante. Callum a segurava contra si enquanto acelerava o passo, deixando o animal levá-los para longe.

Na clareira, ele incitou o cavalo a ir mais rápido, segurando-a apertado enquanto deixava Goliath correr. O garanhão não amava nada mais do que a velocidade, a paisagem ficava borrada ao redor deles. Callum os levou às colinas, até alcançarem um pequeno lago prateado. O cavalo ficou contente por parar para beber, e Callum colocou Marguerite no chão enquanto Goliath se saciava.

— Por um momento, temi que estivesse tentando me levar para Glen Arrin — murmurou ela, um sorriso furtivo nos lábios.

Será que você gostaria que eu fizesse isso? Diferente da maioria dos homens, ele não podia dizer palavras lisonjeiras ou revelar

seus pensamentos. Precisava confiar em seus atos para mostrar a ela o que queria. Com as mãos na cintura dela, tentou deixar que Marguerite visse os pensamentos

dentro dele. Se eu pudesse, eu a levaria de volta comigo. As mãos subiram pelos braços dela, como faria um amante. A pele se eriçou,

arrepiada, mas Marguerite permaneceu imóvel, os olhos azuis presos nos dele. — Não sei o que lhe dizer — sussurrou ela. A resposta dele foi tocar seus lábios com o dedo. Não diga nada. Tomou-lhe as

mãos e as levou ao peito. Furtivamente, ela pousou os dedos sobre seu coração. — Acho que seu coração está batendo tão rápido quanto o meu — admitiu ela,

levando as mãos aos ombros dele. O toque o explorou, descendo pelos braços, para depois subir de novo. Callum não

se mexeu, agradecido por ela ter lido seus pensamentos. Só queria as mãos dela sobre sua pele nua.

— Eu não devia estar aqui agora — murmurou Marguerite. — Mas não me importo. Nem ele se importava. O pai dela partira, e eles tinham algumas horas antes que os

outros viessem procurá-la. Só então ele a levaria em segurança de volta para casa. As mãos dela subiram por seu pescoço, entrelaçaram-se nos cabelos. A sensação

do toque o deixou mais perto da tentação. Queria beijá-la outra vez, sentir a doçura daquela boca e ceder aos próprios desejos. O prazer ofuscante das mãos dela o deixava mais próximo do limite. Mas então, com um sorriso travesso, Marguerite o afagou, como tinha feito antes com o cavalo.

A resposta dele foi lhe segurar os punhos e conseguir o beijo que queria. Tomou comando da boca, roubando-lhe o fôlego, sem lhe dar chance de escapar. Ela não entendia o poder que tinha sobre ele. As mãos buscaram os cabelos dela, afastando o véu até poder deslizar pela extensão sedosa.

Não faça joguinhos comigo. Os lábios dela estavam inchados, a respiração, trêmula. Mas ela compreendia agora

que ele não era um dos homens do pai dela que cederiam a flertes e pequenos toques. O rosto dela estava pálido, mas não havia medo — só um desejo correspondente.

Callum não a levara ali para provocações, mas também não a machucaria. Segurando-lhe a mão, levou Marguerite para sentar num rochedo próximo ao lago. O

sol do fim da manhã estava mais alto, lançando seu calor. — É lindo aqui — disse ela. Puxando os joelhos para debaixo do vestido, observou a

água prateada. — Havia um lago perto do castelo do meu pai, em Avignois. Quando eu era menina, costumava ver minhas irmãs nadando. Eu tinha muito medo de nadar com elas.

Callum exibiu um ar questionador, então ela acrescentou: — Eu nunca aprendi a nadar. Mas ele viu o interesse nos olhos dela. Curvando-se, tirou-lhe os sapatos e colocou

os pés descalços na água.

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— Não está tão fria quanto imaginei. Callum a observou, imaginando se ela confiaria nele. Estavam sozinhos, sem

ninguém para interromper. Tirando a túnica, vadeou a água, sem se importar em molhar a calça. Foi para perto de Marguerite, a água chegando pouco acima dos joelhos, e estendeu a mão.

— Não posso entrar na água — disse ela. — Meu vestido vai ficar ensopado. Ele não a pressionou, mas inclinou a cabeça num convite para acompanhá-lo. A

cautela permeava o rosto de Marguerite, como se não confiasse nele. — Não sei se seria boa ideia. Sou mesmo muito covarde. — Ela tentou sorrir, mas

por trás do sorriso havia um toque de medo. Possivelmente medo da água, mas podia ser medo de se aproximar dele.

Especialmente depois do beijo roubado. Callum exibiu um sorriso lento, pecaminoso. Venha até mim, Marguerite. Se tiver

coragem. Ela recolheu as saias e ficou de pé, olhando-o com cautela. Callum afundou a mão

na água e a salpicou nela. Marguerite deu um gritinho, rindo quando as gotículas de água fria escorreram pela garganta para dentro do vestido.

— Não. É sério, eu não devo. Ele afundou as mãos na água e as juntou como se fossem uma vasilha. Encarando-

a com travessura, deixou que a ameaça pairasse no ar. — Você não ousaria. Em resposta, ele atirou a água na direção dela, mirando de modo a não acertar o

vestido por pouco. Marguerite deu um pulo com as saias ainda presas nas mãos. — Basta. Eu me rendo. — Mas os olhos dela estavam rindo. Callum saiu do lago, pingando, e parou diante de Marguerite. O olhar dela correu

pela pele nua com interesse. Já o vira despido antes, e memórias sensuais invadiram sua mente, lembrando-a de quando o banhou.

Ele levou as mãos úmidas ao cinturão cravado de pedras preciosas na cintura dela. Marguerite o encarou, cobrindo as mãos dele com a sua enquanto o cinturão era desafivelado.

Confie em mim. O rosto dela empalideceu, mas ele largou o cinturão sobre a grama, esperando que

ela fizesse a escolha. — Se eu ainda fosse uma menina, não teria importância, não é? Eu poderia nadar

se quisesse. Callum assentiu em resposta, movendo as mãos para afrouxar a túnica que ela

vestia. — M-meu pai nunca me deixou tentar nadar. Dizia que eu não era muito forte, que

eu poderia me afogar. Nos olhos dela, Callum viu uma batalha de sentimentos, como se ela estivesse

devastada pela indecisão. Levou as mãos à nuca de Marguerite, que estremeceu. Com o polegar, ele roçou delicadamente sua boca, como que para tentá-la.

— Ele ficará fora na próxima semana — continuou ela, virando as costas para ele. — Para trazer o homem que será meu marido.

A confissão incendiou o ciúme de Callum, enfurecendo seu humor. Estava ali para lutar por ela, para lhe mostrar outro destino. Não ficaria de lado para deixar que se casasse com outro. Não se pudesse convencê-la do contrário.

Ela puxou o cabelo sobre um dos ombros, expondo o pescoço. — Pode me ajudar a tirar este vestido? A resposta dele foi pousar as mãos sobre sua pele, deixando que lhe sentisse o

calor. Lentamente, desatou a túnica açafrão e a ajudou a tirá-la. O vestido de baixo estava

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bem ajustado aos braços. Callum pousou as mãos sobre os ombros dela, esperando permissão. Arrepios se espalhavam pela nuca de Marguerite quando murmurou:

— Pode me emprestar sua adaga? Confuso, ele recuou um passo e entregou a arma. Marguerite pegou a faca e a usou

para cortar os pontos que mantinham as mangas no lugar. — Não trouxe tesoura, como costumo fazer. Mas agora podemos tirá-lo. Quando Callum hesitou, ela ergueu os braços. — Vá em frente — sussurrou. — Mas deixe minha camisa. Callum se ajoelhou aos pés dela, recolhendo a barra do vestido. Conforme o erguia,

as mãos roçaram a cintura e a curva dos seios. A camisa de linho era macia, mal cobria a carne, e ele trincou os dentes para conter as vontades que cresciam dentro dele. Quando Marguerite ficou livre da vestimenta, ele não conseguiu conter a vontade de tocá-la. Enquanto as mãos lhe envolviam a cintura, parando abaixo dos seios, Callum levou a boca à corrente de prata pendurada em seu pescoço. Os lábios margearam a corrente, que Callum puxou com os dedos, fazendo o pingente debaixo da camisa se aninhar entre os seios nus.

Um suspiro escapou de Marguerite, e isso foi tudo o que ele pôde fazer para não puxá-la contra si, despindo a última barreira entre os dois. A mente o atormentava com visões de como a reclamaria, usando a boca e a língua para lhe despertar a paixão.

Marguerite se virou para encará-lo, o corpo protegido pelo linho. Com as palmas sobre o peito dele, os batimentos cardíacos de Callum aceleraram.

— Ensine-me a nadar, Callum. Estava fazendo um jogo perigoso. Marguerite viu as emoções correrem pelo rosto de

Callum e temeu ter ido longe demais. Talvez ele a tivesse levado ali para que desfrutassem algum tempo juntos num lugar bonito, e ela ousara revelar mais de si mesma ao tirar os vestidos. Os braços nus atraíam a atenção dele, embora a camisa cobrisse seu corpo.

Callum pegou sua mão e a guiou para dentro d’água. Estava fria, mas nada intolerável. A cada passo, a água ficava mais funda. Chegou às panturrilhas, às coxas e, finalmente, à cintura. A camisa se movia dentro d’água e, embora Callum continuasse a caminhar ao seu lado, ela pôde sentir a tensão no comportamento dele.

Parecia um homem lutando contra si mesmo, mas a escuridão nos olhos a tentava em vez de amedrontá-la. Ele já lhe dera um vislumbre do calor físico que poderia oferecer. O beijo tinha sido selvagem, insistente. E Callum a fascinava de uma maneira como homem nenhum tinha conseguido.

As mãos dela ficaram úmidas, mas ele não a soltou. E uma vez que a água cobriu seus seios, ela ofegou com a súbita queda da temperatura.

— Aqui já está bom. — Ela cruzou os braços sobre o peito, os seios amassados dentro da camisa. Através do linho fino, temia que ele talvez visse demais.

Você poderia ter se negado a nadar, lembrou a si mesma. Isso é culpa sua. Callum a puxou de frente, e ela viu a água atingindo seu peito musculoso. O desejo

feroz de tocar aquele homem, de ser consumida por ele, estava crescendo dentro dela. Já não parecia que estavam em mundos distantes. Existia apenas este momento e os sentimentos indefinidos.

Ele a ergueu, aninhando-a em seus braços. As mãos ficaram por trás dos joelhos e um tremor violento tomou conta de Marguerite. Quando Callum a deitou de costas na água, ela mal percebeu que ele esticava suas pernas. Os olhos escuros a mantiveram cativa enquanto as mãos tocavam sua coluna.

Marguerite flutuava na água, sem entender como. A camisa estava ensopada e grudada ao corpo. Ele sem dúvida podia ver os mamilos escuros debaixo do linho e não fez nenhum esforço para esconder o olhar. Os olhos passearam por ela, como um homem que não consegue se conter. Ele a equilibrou num braço, enquanto o outro traçava a

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curva da bochecha, descendo pela garganta. O contraste entre o calor de suas mãos e a água congelada a manteve parada no lugar.

Cada parte dela queria que ele fosse adiante, que movesse as mãos por seus seios ansiosos, que a tocasse onde nenhum homem havia tocado.

Marguerite estava suspensa sobre as ondulações da água e lutando contra a vontade de se segurar nos braços de Callum. Lentamente, ele se moveu de modo a ficar atrás dela, até remover as mãos. Ela estava flutuando sem nada que a sustentasse acima da água. Ficou cheia de pânico e tentou sentar, debatendo-se na água até Callum segurá-la, guiando seu torso de volta à superfície. Mais uma vez, ele esticou seu corpo, arrumando a posição dela até suas mãos estarem estendidas, as pernas, retas.

Segurou-lhe a nuca, ficando atrás dela mais uma vez. Os braços repousavam debaixo de seus ombros e ela estava muitíssimo ciente da força dele. Era um arqueiro, um homem que podia comandar o arco e fazer uma flecha sair voando com um puxão da corda tesa. Aqueles mesmos braços fortes a seguravam gentilmente, mas com a calma tranquilidade de uma estatura poderosa.

Marguerite ergueu os olhos para os dele. De sua posição, ele parecia estar de cabeça para baixo. O olhar firme a lembrou de que Callum não deixaria que nada lhe acontecesse. Eu a manterei segura, seus olhos pareciam dizer.

Ela o observou, querendo mais do que as mãos dele em sua nuca. — Beije-me — sussurrou. Em vez de recolocá-la de pé para que ficasse diante dele, Callum curvou-se sobre

seus lábios. Da posição contrária, a boca de Marguerite o provocava, os lábios frios se entregaram. Soubesse ela ou não, seu pedido incendiou os desejos que ele tentava conter. Com a visão do corpo esguio, revelado através do fino linho branco, era uma boa coisa que estivesse na água fria. A curva e a cor escura dos seios o estimularam como óleo quente no fogo.

Ele a beijou com gentileza, depois deslizou a língua pela abertura da boca. Marguerite não conseguiu deixar de respirar fundo, e quando a boca se abriu, ele a

invadiu com a língua. A sensação a deixou fraca, as mãos buscaram por ele. Callum a amparou na água, e o beijo se tornou o prelúdio de tudo quanto queria conhecer sobre ela.

As línguas se encontraram numa carícia, e Callum foi mais fundo, fazendo o beijo se tornar mais abrasador. Ardia por ela, de corpo e alma. A água açoitava-lhe a pele da maneira que ele queria tocar cada centímetro dela. Marguerite buscou pelo pescoço dele, procurando equilíbrio enquanto fechava os olhos.

Quero ficar por cima de você, sua pele debaixo da minha. As mãos dele lhe sustentaram os joelhos, antes que ela afundasse. Nos seios, o

tecido molhado da camisa agarrava-se aos mamilos, tornando-os estreitos e rijos. Ele se imaginou descendo a boca para saboreá-la, rodopiando a língua até ela gemer de paixão.

Marguerite agarrou-se nele, virando-se na água com os braços em seu pescoço. A água era funda demais para que ficasse de pé, então aproximou o corpo, a pele fria pressionando a dele. O instinto fazia com que Callum quisesse erguer os quadris dela, enrodilhar a cintura com as pernas esguias até poder penetrá-la numa investida.

Ela o observava com súbita consciência, a boca suavizando enquanto o avaliava. — Callum? — sussurrou. Era tanto uma pergunta quanto um apelo. Ele não podia. Não agora, quando ela não sabia o que pedia a ele. Em vez disso, foi andando até a água rasa, levando-a de volta até onde a água batia

na cintura. Interrompeu o beijo e mergulhou para longe de Marguerite, o corpo cortando a água em braçadas precisas.

O esforço físico era do que precisava agora, a necessidade urgente de se punir. Marguerite era inocente e não compreendia o que ele queria dela.

Os braços irrompiam pela água, nadando forte como se para fugir do homem que

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era. Você é indigno, a voz provocava. Ela é boa demais para você. Ele deu infinitas braçadas, a água tão fria que o congelava por dentro. Quando por

fim voltou, Marguerite estava parada na margem, tremendo. No rosto, ele viu a preocupação.

— Fiz alguma coisa errada? — perguntou. Ele foi andando pela água, alheio às gotículas que escorriam pelo corpo. Não, era

culpa dele. Seus pés afundavam na areia conforme se aproximava. Marguerite não compreendia o efeito que tinha sobre ele, mas Callum queria lhe

garantir que tinha recobrado a sanidade. Quando parou diante dela, pegou uma mecha molhada do cabelo dourado e a prendeu atrás da orelha. Deixou que os olhos falassem por ele, enquanto a palma repousava sobre o rosto dela.

Não é sua culpa. Nunca é. Ela o observava, os olhos azuis preocupados, mas a mão cobriu a dele. — Sei que está frio — murmurou Marguerite —, mas pode me levar de novo na

água? Só mais um pouquinho? Callum a fitou e aquiesceu, embora estivesse congelando. Adentrou o lago e a levou

consigo. Quando Marguerite alcançou a água funda, ele a deitou de barriga. Os braços dele se equilibravam entre os seios e as pernas, levantando-a na água.

— Não me deixe cair — avisou ela. Ele sacudiu a cabeça, e Marguerite inclinou-se para poder fitá-lo. A sensação do

corpo esguio em seus braços era um presente, então Callum os firmou para tranquilizá-la. Jamais. Arrumou a posição do corpo dela, segurando-a com um braço enquanto lhe

mostrava como se mover. Marguerite tentou nadar como ele, mas não sabia como mexer as pernas.

Ele tocou as coxas dela, abrindo-as de leve enquanto guiava uma perna para cima e para baixo num movimento agitado. A pele dela parecia fria e firme sob sua mão. Mas quando foi guiar a outra perna, o rosto dela afundou na água. Callum a ergueu imediatamente e ela tossiu, segurando-se nele enquanto ficava de pé.

— S-Sinto muito — desculpou-se. — Devia estar movendo os braços, mas quando meu rosto afundou, fiquei muito assustada.

Ele pôs para trás o cabelo que havia escapado da trança, as mãos tocaram o rosto. Não tenha medo.

A resposta dela foi agarrar-se nele, descansando o rosto em seu peito. Callum a abraçou, e a dor dentro dele se espalhou ainda mais fundo.

— Não sei o que está acontecendo entre nós — murmurou. — E sei que não deveria vir até você quando estou noiva de outro. Mas tive que vir.

Em sua voz, ele ouvia traços de culpa, como se soubesse que estava traindo a família. Callum encostou a testa na dela, enquanto os dois tremiam.

Nada mais importava. Nem o clã, lá bem ao noroeste. Nem o estranho com que ela supostamente devia casar. Só este momento.

— Poderia fazer uma fogueira? — pediu ela. Callum assentiu e a guiou para fora d’água para sentá-la num rochedo grande.

Recolheu lenha para fazer o fogo, resistindo ao vento frio. Marguerite tremia muito, mas ele construiu a fogueira e bateu na pederneira até conseguir uma pequena chama. Assim que a chamou, ela se aproximou o máximo que ousava.

— Nadar foi mais difícil do que pensei — admitiu, descansando o queixo nos joelhos.— Mas obrigada por me ensinar.

Por um tempo, Marguerite simplesmente ficou sentada com ele e não teve muita importância que os dois ficassem sem falar. O momento de silêncio juntos era bom. Quando Marguerite lhe deu uma olhada, corou, lembrando-se do beijo. Puxou o cabelo

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por cima do ombro, espremendo a água, penteando-o com os dedos. O movimento atraiu a atenção dele. O anseio de mantê-la consigo, de vê-la em

momentos íntimos como aquele, era imenso. As mãos dele afundaram na areia úmida quando ela se ajoelhou, descolando a

camisa da pele enquanto tentava secá-la. Apanhou um galho caído, pretendendo jogá-lo no fogo, mas rabiscou o chão com

ele, ainda observando-a. Marguerite franziu a testa, depois o estudou com interesse. — Sabe como escrever? A ideia não ocorreu a Callum. Sacudiu a cabeça, mas depois foi tomado por um

súbito lampejo de inspiração. Embora não pudesse ler ou escrever, ela podia. E se pudesse lhe ensinar, seria uma maneira de se comunicar com ela. A ideia

explodiu dentro da mente com o desejo feroz de tornar seus pensamentos conhecidos, libertar-se da prisão silenciosa.

Callum estendeu para ela o galho, na esperança de que estivesse com razão. A mão se fechou sobre a dela, e ele guiou o galho de volta ao chão. Marguerite se

ajoelhou, então Callum apontou para ela, depois para o chão. Ensine-me o que sabe. Ela começou a escrever marcas encurvadas, olhando-o com incerteza. — É o meu nome — disse ela. — Marguerite. Callum tomou o galho. Depois pressionou a mão dela sobre a dele e lutou para

cobrir as letras que ela havia feito. Não conseguiu duplicar bem as linhas, mas chegou bem perto.

— Quer que eu ensine? — indagou ela. Sim. Marguerite não sabia o quanto ele estava faminto por palavras, por uma

maneira de expressar os pensamentos dentro si. Se ela pudesse ensinar qualquer coisa, seria um presente sem preço.

— Poucos homens sabem ler — avisou ela. — E leva muitos anos para que se aprenda a escrever. Não são só as letras.

Callum sacudiu a cabeça e forçou a mão dela sobre a sua. Preciso aprender. Esforçou-se para escrever o nome dela de novo, embora uma das letras que tombava para baixo o atrapalhasse.

— Em qual língua? Uma risada inesperada irrompeu dele. Embora imaginasse que Marguerite estivesse

falando sério, para ele pouco importava. Qualquer língua era melhor que um silêncio interminável. Callum apontou para ela e depois para si.

— Nas duas? Ele assentiu e pegou o galho de volta. Marguerite ajustou os dedos dele para ajudá-

lo com o manuseio. — Posso tentar. Mas leva tempo. Mais tempo do que temos. Não importava para ele quanto tempo levaria. Praticaria até seus dedos sangrarem,

se necessário. Mas havia uma sombra na disposição dela. — Eles me vigiam, Callum. Nem sempre poderei vir vê-lo. Callum a puxou de pé, para que se postasse diante dele, envolvendo-lhe o rosto

com as mãos. Ela cobriu os dedos dele com os seus, mas não recuou. Em vez disso, fechou os olhos e Callum encostou a testa na dela.

— Farei o que puder para ajudá-lo — prometeu ela. — Onde estava? — quis saber lady Beatrice, quando Marguerite retornou ao castelo. Não havia resposta que ela pudesse dar. O cabelo ainda estava úmido, o vestido,

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enlameado e molhado. Por isso, não deu nenhuma explicação, atravessou o salão e subiu a escada espiralada até seus aposentos.

Dentro do quarto, encontrou pedaços de seda cortados e dispostos sobre a cama. Ver o lembrete físico de seu casamento iminente fez seu estômago revirar. Não queria ser dada a um homem como uma oferenda. Não queria se deitar dócil na cama nupcial, deixando um estranho tomar sua virgindade.

— Você deixou o castelo — acusou Beatrice, fechando a porta ao passar. — Contra as ordens do seu pai.

Marguerite pegou um pente e pelejou para tirar os emaranhados do cabelo, deixando que a tia resmungasse o quanto quisesse.

— Parece crer que pode fazer o que deseja — comentou a matrona, baixando a barra da porta. — Mas está muitíssimo enganada. Enquanto seu pai estiver fora, ele me deixou no comando deste castelo. — Os olhos brilhavam de fúria. — Você não tem o direito de me desafiar, Marguerite. — Um sorriso contido despontou no rosto da tia. — E haverá uma punição por seu comportamento.

O pente ficou preso no cabelo emaranhado, e Marguerite murmurou: — Não pode me dar uma surra. Meu pai nunca permitiria. — Não — admitiu Beatrice -—, mas existem outras maneiras de ganhar sua

submissão. O duque foi indulgente demais no que se refere à sua disciplina. Você deixou a segurança de Cairnross para ir viver com os escoceses. — O desgosto encheu o rosto da mulher, como se Marguerite tivesse vivido entre ratazanas. — Devia ter sido punida por isso. Mas o coração dele sempre foi brando demais. Não encontrará a mesma tolerância comigo.

Marguerite pousou as mãos sobre o colo, revidando a fúria da tia com uma expressão passiva. Jamais testemunhara tamanha irritação da irmã de sua mãe, e se indagou se haveria alguma outra razão para tanto.

— Sua porta será vigiada — informou Beatrice. — Passará o resto deste dia e o de amanhã costurando. Se tentar sair, seus guardas receberão cinquenta chicotadas.

— Por que ameaçaria homens inocentes pelas minhas ações? — Não conseguia entender por que Beatrice faria tal coisa.

— Nada acontecerá, desde que permaneça em seus aposentos. Marguerite encarou a matrona, e um calafrio percorreu sua espinha. Não se

importava com a própria punição, mas não podia permitir que outro homem sofresse por sua culpa. Estava claro que a tia adivinhara isso.

— Além disso, ficará sem comer amanhã. Sua fome servirá para lembrá-la do seu dever.

Era demais. Marguerite ficou de pé e confrontou a mulher. — O que lhe dá o direito de me negar comida? Meu pai saberá disso, se ousar. — Ele pode não concordar com meus métodos, mas até lá, terá sido tarde demais,

não é? — Com um sorriso sombrio, a tia saiu. Marguerite correu até a porta e a abriu, encontrando dois homens armados com

lanças. Eles barraram seu caminho, e ela viu que um dos soldados era um homem de idade. Não sobreviveria a cinquenta chicotadas.

Com grande relutância, tornou a fechar a porta. E imaginou como conseguiria sair dali.

Capítulo Seis

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Um dia se passara e não havia sinal de Marguerite. Callum havia explorado cada

centímetro da floresta, imaginando se ela teria se ausentado por escolha ou necessidade. Observou os portões do castelo, mas conforme a manhã avançava, não viu sinal dela.

Quando o segundo dia passou e ela não apareceu, suas suspeitas ficaram em alerta. Se não tinha vindo, então devia existir uma razão.

Distraído, apanhou um graveto no chão, tentando segurá-lo como uma pena. Passara boa parte da noite praticando, tentando memorizar os padrões de linhas e curvas que formavam o nome dela.

Queria que ela lhe mostrasse mais. Era incapaz de falar havia quase dois anos, e estava impaciente por encontrar uma maneira de se comunicar. Embora nenhum de seus irmãos soubesse ler, poderiam aprender.

Esta era uma maneira de quebrar o silêncio amaldiçoado. Se pudesse dizer a Marguerite o que queria. Se de alguma forma pudesse expressar isso em palavras escritas, talvez a distância entre eles fosse encurtada.

Também lhe dava um motivo para procurá-la. Uma razão para estar com ela todos os dias. Marguerite tinha o poder de romper seu silêncio. O poder de lhe devolver a voz.

Conjurou na mente as linhas suaves de seu rosto e os vívidos olhos azuis. Não conseguia explicar o que o atraía até ela, prendendo-o em correntes invisíveis. Não havia nada que não fizesse por ela caso pedisse.

Observou o castelo pelas horas seguintes, enquanto a tarde se transformava em crepúsculo. A urgência de vê-la, saber se estava bem, não podia ser negada. Na ausência do pai, não havia como saber o que a impedia de sair.

Eles me vigiam, ela avisara. Seria por isso que não tinha aparecido? Considerou centenas de maneiras diferentes de entrar no castelo, mas a maioria

envolvia o risco da descoberta. Não sabia se o séquito do duque era grande ou se o notariam. Na primeira noite, quando se infiltrou nas terras, havia uma grande multidão na qual se esconder. Esta noite, poderia ser exposto.

Mas então sua sorte mudou. Viu um homem conduzindo uma carroça cheia de barris de vinho. Callum saiu

depressa das árvores e agarrou a beirada da carroça, balançando seus pés para baixo. Usou a força para se atirar debaixo da carroça sem ser visto, enquanto as rodas continuavam girando. O mercador cumprimentou os soldados no portão e recebeu permissão para adentrar o castelo.

Callum agarrou o fundo da carroça, que seguia para a cozinha. Era extenuante ficar pendurado debaixo dela, mas o mercador enfim parou. Quando começou a descarregar o vinho, Callum aproveitou a chance, largando-se no chão. Enquanto alguns homens pegavam os barris e os levavam para a cozinha, ele esperou o momento certo e os acompanhou, erguendo um pequeno barril sobre um dos ombros para manter o rosto escondido.

Os homens estavam empilhando os barris numa adega e, quando partiram, Callum assegurou um esconderijo atrás deles. O tempo agora era seu aliado.

As horas passaram gradualmente até Callum supor que os outros estavam

dormindo. Subiu a escada e se encaminhou para o salão. Lá dentro, as mesas de cavalete

estavam amontoadas na parede e os homens dormiam no solo. Callum encontrou algumas sobras de pão e carne numa das mesas e as escondeu na túnica para mais

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tarde. Centímetro a centímetro, manteve as costas na parede enquanto se aproximava da

escada do lado oposto. Deslocou-se em silêncio pelos outros e subiu devagar os degraus, à escuta de qualquer coisa que o ajudasse a encontrar Marguerite. Ela estaria dormindo no próprio quarto, afastada dos outros.

Na escuridão, manteve as costas na parede de pedra, procurando qualquer ameaça. Na mão, segurava um punhal.

À frente, viu dois homens guardando um dos aposentos. Ele os estudou, imaginando se Marguerite estaria lá dentro. O problema era como passar pelos guardas. Mesmo que conseguisse distraí-los, não havia como saber se ela estava lá.

Mas precisava tentar. A porta se abriu e Marguerite sentou-se na cama, contendo a vontade de gritar.

Parado diante dela estava Callum, enquanto os guardas jaziam inconscientes no chão. Não estavam mortos, felizmente, pois um deles gemia, segurando a cabeça.

Atirou o cobertor para longe e atravessou o quarto correndo para os braços dele. — Lamento não ter ido até você. Fiquei trancada no meu quarto nestes últimos dois

dias. — Abraçou-o apertado, inalando seu perfume. Por mais estranho que parecesse, ele tinha cheiro de pão. O estômago dela roncou de fome, pois Beatrice não lhe dera nada naquele dia, exceto uma tigela de mingau

e vinho azedo. Estendera a punição por mais um dia, e a falta de comida deixava Marguerite tonta.

O rosto de Callum enrijeceu de raiva, o abraço dele se apertou. Quando ele examinou sua vestimenta, Marguerite se deu conta de que ainda estava usando apenas a camisola. Abriu o baú e escolheu uma túnica carmim, mas Callum sacudiu a cabeça, apontando para um vestido azul-escuro. Ele a ajudou a vesti-lo, depois a pegou pela mão, levando-a para fora do quarto.

Marguerite hesitou. Embora quisesse se livrar do aprisionamento, temia o que aconteceria aos guardas. Será que Beatrice os açoitaria, como havia ameaçado? Mas estava claro que os guardas não a deixaram sair por vontade própria. Devia ser uma ameaça vazia, nada mais. De qualquer forma, não permaneceria prisioneira da tia por mais tempo.

Callum a levou escada abaixo, para o salão escurecido. Um dos cachorros ergueu a cabeça e choramingou. Marguerite se adiantou, tocando a cabeça do animal para que conhecesse seu cheiro. O cachorro lambeu seu punho e começou a segui-la, mas ela o convenceu a voltar, implorando para que ficasse lá.

O coração dela disparou, as veias ribombando de medo conforme seguia Callum para fora.

— Seremos vistos — murmurou junto ao ouvido dele. — Acho que não há como sairmos.

Ele não parecia nem um pouco preocupado. Segurando-lhe a mão, ultrapassou a primeira muralha, depois rumou até os soldados. Marguerite não compreendia o que ele pretendia, mas tudo o que podia fazer era deixar que ele tomasse a liderança. Callum esperou por um momento enquanto alguns guardas passavam pela entrada. Marguerite prendeu a respiração, correndo com ele na direção do portão aberto.

Ele não estava planejando simplesmente sair andando, estava? Quando viu os guardas no topo da casa da guarda, Marguerite de repente percebeu o porquê. A atenção deles estava na floresta à frente, buscando potenciais invasores. Achavam-se completamente alheios ao que acontecia às suas costas.

Callum passou um braço ao redor dos ombros dela. Conduziu-a para o lado da muralha externa, e Marguerite pressionou os ombros na pedra, escondendo-se bem nas sombras. Callum foi se esgueirando pelo muro até alcançarem o lado oposto. Depois se deitou no chão, arrastando-se na escuridão na direção do fosso.

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Isso é loucura, pensou Marguerite, indo atrás dele. Era difícil se arrastar com o vestido longo, e ela ouvia os sons dos insetos zumbindo ao redor do rosto enquanto rastejava pelo chão, seguindo-o. Quando Callum alcançou o fosso, vadeou a água, que chegava às coxas. Braços fortes buscaram por ela, erguendo-a para o lado oposto.

Marguerite continuou andando de joelhos até alcançar a margem da floresta. Uma vez lá dentro, Callum fez com que adentrassem ainda mais, caminhando dentro de um riacho, presumivelmente para que os cães não rastreassem seu cheiro.

Era pavoroso estar molhada, com frio e faminta, mas ela se forçou a continuar. Andou até a exaustão aumentar sua tontura. Vozes de dúvida a lembraram de que era um grave erro. Seria procurada por tia Beatrice, e quando fosse encontrada, Callum sofreria.

Deveria voltar, enquanto pode, ordenava-lhe a consciência. Mas sentia-se tão fraca de fome e desesperada nesses últimos dois dias que não conseguiu.

Quando enfim alcançaram o local de pouso de Callum, ele fez uma fogueira. Ela se chegou bem perto, tentando esconder as lágrimas de exaustão e medo. Ele foi para junto dela, primeiro retirando-lhe um sapato, depois o outro. Secou os pés dela com a própria túnica e os deixou em seu colo, permitindo que Marguerite se aquecesse perto das chamas.

Ela sentiu a garganta embargada quando engoliu as lágrimas. Por que tinha saído? Era tolice, perigoso, um grande erro. Muitas pessoas seriam feridas por causa de seu desejo de fuga. Que direito tinha ela de desobedecer à família? O desafio não traria nada, apenas sofrimento.

O fogo estalou na quietude da noite, o único som a quebrar o silêncio. Callum tocou seus pés descalços e os massageou, como se num pedido de desculpas silencioso pelo pesadelo de tentar escapar do castelo. A sensação das mãos dele era de partir o coração, pois estava dividida entre o desejo de tocá-lo e a preocupação de ser pega.

Quando ele lhe ofereceu o pão e a carne tirados de uma das dobras da capa, Marguerite quase o atacou como um selvagem. Saboreou o pão macio de crosta crocante, de tão esfomeada que estava. Callum a olhou com estranheza e ela admitiu:

— Minha tia me castigou por sair do castelo reduzindo minha comida. Pouco tive para comer nestes dois dias.

A expressão dele se tornou muito feroz, Marguerite não sabia quais eram os pensamentos que o assolavam. Callum ficou de pé, vasculhou seu fardo de suprimentos antes de oferecer um naco de carne envolto em tecido. Marguerite quis chorar ao ver, mas se obrigou a comer devagar. Ele a alimentou até que não conseguisse comer mais, depois ela fechou os olhos, puxando os joelhos para cima.

Callum lhe arranjou um lugar para dormir e gesticulou para que fosse se deitar no cobertor que ele estendeu. Marguerite se esticou, e ele se achegou por trás dela, puxando-lhe o corpo junto ao seu. O corpo dele era quente, e Marguerite se sentiu segura, como se Callum fosse fazer qualquer coisa para cuidar dela. Puxou a capa sobre ela, cobrindo a ambos.

Por enquanto, Marguerite se deixou cair no sono, afastando os temores do que aconteceria pela manhã quando seu desaparecimento fosse descoberto.

Ter Marguerite em seus braços foi o mais doce tormento que Callum teve que

suportar e um presente inesperado. O corpo esguio descansava no dele, o cabelo emaranhado enfiado debaixo de seu queixo.

Haveria um tumulto no castelo quando descobrissem o sumiço dela. Provavelmente já estavam à sua procura agora. Mas quando descobriu que Marguerite tinha sido trancada, perdeu a razão, teve que tirá-la de lá. Se tivesse descoberto naquela hora que estavam lhe negando comida, talvez houvesse cometido um crime inimaginável.

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Era impossível acreditar que alguém pudesse tratar uma mulher igual a ela daquela forma. Dormindo, Marguerite se escondeu debaixo da capa, e suas costas se aninharam na ereção que ele tentava controlar. Callum a queria com uma necessidade instintiva e feroz, mas não podia desonrá-la entregando-se aos desejos que o consumiam.

Só na mente poderia baixar o vestido, desnudar-lhe a pele. tomar os seios nas mãos enquanto a beijava. Seu pulso acelerou ao lembrar-se da visão dos mamilos rijos quando ele a levou para nadar, dias atrás. A camisa de linho branco havia se grudado às curvas, revelando-lhe sua beleza nua.

Imaginou-se beijando aqueles seios, tocando-a por toda parte. Da maneira que um marido deveria.

A faca da realidade talhou seus sonhos. Outro homem dividiria a cama com ela, enchendo-a de filhos. Dando-lhe a vida que ele não podia.

A menos que a convencesse a deixar tudo para trás. Não sabia se Marguerite sequer consideraria a ideia.

Callum se sentou, arrumando a capa de modo que ela pudesse continuar a dormir. Cobriu-a e foi buscar o arco e a aljava. Foi tomado pela necessidade de caçar, despejar a frustração no esforço físico.

Moveu-se em silêncio pela floresta, procurando por caça. Enquanto se esgueirava pelas árvores, pensava no que fazer. Ninguém sabia que ele estava ali, exceto Marguerite. Poderia levá-la para Glen Arrin caso ela desejasse.

Por outro lado, por que ela desejaria? Não podia lhe oferecer nada. Uma vida ao lado dele a tornava pouco melhor que uma fora da lei. Não merecia viver desse modo, escondendo-se da família. A triste realidade o fez questionar o que fazer.

Seu lado mais selvagem queria ignorar as consequências e roubá-la. Marguerite tinha ido até ali com ele, não tinha?

Mas se passasse as noites com ela, não aguentaria muito. O cheiro da pele, a maciez do corpo pressionado ao dele haviam incendiado sua luxúria até precisar se afastar. Se ela ficasse, Callum a reclamaria como um amante o faria, descobrindo seu corpo, preenchendo-a consigo.

Apertou o arco, tentando acalmar a tempestade de luxúria. Quando ouviu passos atrás de si, ele girou, uma flecha atrelada à corda.

— Não atire — murmurou Marguerite, e ele baixou o arco. Uma mecha de cabelo estava pendurada sobre o ombro, cachinhos dourados

emolduravam o rosto. Os olhos azuis o cativavam, mas ele se manteve controlado. — Você está bem? Callum deu um único aceno de cabeça. Era como se ela quisesse lhe dizer muitas

coisas e não soubesse como começar. Mas o pior era ver a derrota nos olhos dela. Sem deixar que ela falasse, ele levou o arco ao ombro e se aproximou. Tomou o

rosto dela entre as mãos e a beijou, lembrando-a da noite que passaram juntos. Os lábios dela estavam macios, rendidos a Callum, que tentava convencê-la sem palavras a passar o resto das suas noites com ele.

Mas ela enfim baixou a cabeça, confessando: — Não dormi muito bem. Fico preocupada com o que acontecerá quando nos

pegarem juntos. Nada de se. Quando, ela disse. Como se já estivesse desistindo. — Preciso voltar, ou muita gente será ferida. Callum suspeitava que ela diria isso, mas não queria que ela voltasse para um lugar

onde seria mantida prisioneira. Os argumentos estavam trancados dentro dele e, por mais que tentasse mexer a boca, nada saía.

Marguerite lhe tocou o rosto. — Creio que não devia ter vindo com você na noite passada. A resposta dele foi beijá-la outra vez, apertando-a como se pudesse absorvê-la na

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própria pele. A boca de Marguerite ficou aberta com o choque, mas ele não a largou, exigindo que reagisse.

Não possuía palavras que pudessem dizer a ela o que sentia, mas de jeito nenhum deixaria que Marguerite se fosse. Ele a beijou com ímpeto, exigindo uma reação.

Nenhum homem a tocará assim. Ninguém a fará sentir o que sente comigo. A boca de Marguerite correspondeu com desespero próprio, retribuindo o beijo

enquanto ela se apoiava nele em busca de equilíbrio. Callum a encostou numa árvore, empurrando o joelho entre as pernas dela até fazê-la sentar-se nele.

— O que está. oh! — gemeu, enquanto Callum pressionava o próprio peso contra ela.

A cabeça de Marguerite tombou para trás e ele a beijou novamente, avançando com a língua ao mesmo tempo que lhe roçava a intimidade.

Marguerite foi tomada por um tremor e, ao se afastar, Callum viu o prazer surgindo em seus olhos. Só pretendia equilibrá-la, mas a reação secreta do corpo feminino à pressão da sua coxa o fascinou. Desceu as mãos pelas costas dela até detê-las nos quadris. Marguerite arregalou os olhos, e o azul vívido o encantou.

A respiração dela foi acelerando conforme se pressionava contra a coxa dele, as bochechas coraram quando Callum se curvou para lhe beijar a garganta. O rubor da excitação dela só aumentou a necessidade de Callum, que a levantou mais, puxando-lhe a perna ao redor da cintura. O instinto comandava sua mente, embora soubesse que estava levando as coisas longe demais.

Não se importou. Já que não possuía palavras para usar como armas, não sentia nenhum escrúpulo em usar o toque. Queria seduzi-la, oferecer tanto prazer que Marguerite jamais pensaria em deixá-lo.

Mas então ela começou a se mover contra ele, por vontade própria. — Nunca me senti assim antes — sussurrou, puxando-o para outro beijo. — Quero

você de uma maneira que não compreendo. O corpo estremeceu junto ao dele, as coxas o apertavam. Callum a ergueu ainda

mais, colocando as pernas dela em sua cintura. Ardente e apaixonada, Marguerite manteve o ritmo dos afagos, erguendo os quadris de encontro à ereção. Ele pressionou as costas dela em uma das árvores enquanto a respiração acelerava.

Perdendo o controle, Callum sustentou o peso dela com um braço, direcionando o outro por baixo das saias. Precisava tocá-la, ansiava por isso acima de qualquer coisa. A mão abarcou a nádega nua por baixo das saias, e Margarite se remexeu sem lhe largar a cintura.

— Callum — murmurou, mas a voz não era um protesto. Era uma ordem. Um desejo enlouquecedor lhe deu a coragem de pôr a mão entre as coxas dela, e,

quando tocou os caracóis úmidos, Marguerite deu um gemido gutural. — Dieu — sussurrou. Diante do apelo, ele tocou sua umidade, explorando a pele íntima como se para

marcá-la como sua. Marguerite tremeu, os lábios inchados pelo beijo, mas Callum viu o prazer explodindo conforme a respiração dela ficava acelerada.

Ele a acariciou devagar, sem querer machucá-la, mas Marguerite se comportava como se estivesse sendo torturada. Sem saber se deveria afastar a mão, ficou parado.

— Por favor — implorou ela. — Mais. Callum afundou os dedos em sua umidade e as pernas dela se torceram. Ela estava

deliciosa, o corpo apertava sua mão. Usando um ritmo suave, ele empurrou os dedos dentro de Marguerite, que grudou a boca na dele.

Agora ele compreendia por que os homens se matavam por ciúme. A necessidade visceral de marcá-la, de garantir que quisesse só a ele, preenchia suas veias de uma maneira primitiva. Ardia por ela, desejando poder remover as barreiras entre eles e ser o homem a lhe reclamar a inocência.

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Abruptamente, Marguerite se convulsionou, o corpo se contorceu com violência. Por um instante, ele temeu tê-la machucado, apenas para deparar com o ar lânguido de paixão no rosto dela.

Devagar, ele a baixou. Marguerite encostou o rosto no peito dele, os braços segurando-lhe a cintura. O corpo dele estava muito rígido, a frustração física doía. Mas Callum meramente lhe acariciou os cabelos, abraçando-a.

— Não sei o que dizer. Devia estar envergonhada do que fiz, mas não estou. — Os olhos azuis guardavam o fogo do desejo enquanto ela lhe sustentava o olhar. — Eu queria mais.

Marguerite ficou abalada com a experiência, embora tentasse reunir seus pensamentos. Seu corpo era líquido, as pernas mal conseguiam andar. Era perigoso ficar perto de Callum, pois ele fazia suas inibições desaparecerem.

Ela o queria como amante. Queria se deitar com ele, sentir a intimidade de seu corpo dentro dela.

Mas se ela se atrevesse a buscar outro futuro, o pai não hesitaria em usar seu poder contra o clã MacKinloch. Ela era seu peão, não lhe era permitido ter nenhuma opinião sobre o casamento. E a cada momento que passava com Callum, o ressentimento sufocado ficava maior.

Não era o duque que se casaria com um estranho e o receberia na cama. Ele parecia não se importar com os desejos de Marguerite. Isso tinha a ver com o fortalecimento de seus laços políticos, o aumento da riqueza da família. Não tinha a ver com seus desejos.

A pergunta era: ela se atreveria a lutar por aquilo que queria, sabendo que provavelmente iria fracassar? Era tarde demais para impedir o pai de trazer outro potencial marido. Mas talvez houvesse uma forma de apelar, fazê-lo enxergar que poderia haver vantagens ao aliar-se com um clã escocês.

Callum tomou-lhe a mão e a levou para perto da fogueira. Apoiou-se num dos joelhos e pegou um graveto. Desenhou no chão por um instante e, quando se levantou, Marguerite viu seu nome escrito na terra. Será que ele tinha passado os últimos dias praticando? Só havia escrito seu nome para ele uma vez. As letras não estavam perfeitas, mas eram legíveis.

— Você aprende rápido — disse, espantada por ele ter feito tamanho progresso. Aceitou a distração de lhe ensinar mais letras, pois mantinha a mente afastada do

prazer incrível que tinha recebido. Ou do futuro desconhecido. Callum tomou a mão dela e a levou até um tronco. Havia tensão esculpida em seu

rosto, a tensão de um homem cujo próprio alívio fora negado. Uma pontada de vergonha a fez desejar poder fazer algo por ele.

E quando viu as tentativas dele em escrever seu nome no chão, compreendeu que ele a levara até ali para se distrair.

Marguerite sentou-se e estudou as palavras. Devia ter escrito seu nome quase cinquenta vezes. Ficou comovida por ele ter praticado tanto.

Enquanto varria a terra com um ramo de pinheiro, Callum lhe entregou o graveto mais uma vez. Ela o segurou por um momento e repetiu:

— Não é o bastante. Mesmo que eu lhe ensine as letras, não creio que possa. Impaciente, ele cortou suas palavras, tocando um dedo em seus lábios. Depois lhe

guiou a mão até o chão. Havia determinação em seus olhos e uma vontade de aprender que ela nunca tinha visto antes.

Esta poderia ser a única maneira que ele teria para se comunicar. A única maneira de desbloquear a voz dentro dele. Marguerite compreendia, mesmo que ele não soubesse o quanto seria difícil.

— Posso tentar ensinar, mas não sei se haverá tempo suficiente para que aprenda. — Ela levou anos para dominar a escrita e duvidava que seus esforços fariam qualquer

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coisa por ele. Callum pressionou o graveto na mão dela, acenando para que começasse. Callum bebia do conhecimento mais rápido que qualquer um que ela já tivesse

conhecido. Marguerite nunca vira nada igual. Havia escrito o alfabeto, e Callum praticou cada forma, lutando com as letras curvas. Trabalhou com muito afinco, ignorando a rigidez dos dedos.

Ela demonstrou cada letra e som, mostrando como escrever palavras simples. Ao longo da lição, os olhos dele ficaram atentos no chão. Labutou para unir as palavras, e, apesar de sua ortografia ser desastrosa, ao menos estava começando a entender como colocar os sons ali.

Mai, ele escreveu. Ela acrescentou um “s” para corrigi-lo, e escreveu quantas palavras conseguiu

lembrar, até seus dedos ficarem arranhados do graveto que usava. — Está indo bem — cumprimentou. Callum havia escrito e reescrito as palavras pelo menos uma dúzia de vezes,

praticando mais e mais, como se sua vida dependesse disso. E talvez viesse a depender, caso ficasse ali tempo demais. Os dedos estavam doendo, então ela os massageou, recostando-se no tronco. — Acho que é o suficiente por enquanto — disse, colocando-se de pé. — Preciso

voltar. Vão procurar por mim. O sol da manhã agora beirava o horizonte em vermelho e dourado, e ela não podia

ficar por mais tempo. Callum se curvou e trabalhou com as letras, até ficar de pé para deixá-la ver a

palavra. Não, ele havia escrito. — Não posso ficar, e você sabe disso — murmurou ela. — Eles o acusariam de me

sequestrar, não importa o que eu diga para defendê-lo. Ele largou o graveto, os olhos escuros cheios de frustração. Mas Callum precisava

entender a verdade de suas palavras. Já passara tempo demais sozinha com ele. Se fossem pegos juntos, Marguerite não tinha dúvida de que seria feito prisioneiro. Não podia deixar que isso acontecesse.

— Se eu puder voltar para ver você, virei. Pode demorar um pouco, mas tentarei.— Ela exibiu um sorriso sentido. — Você tem muitas letras para praticar até lá.

Era provável que a tia a mantivesse trancada, incapaz de sair até o duque retornar. Marguerite sofreria um castigo pelo que fizera. Mas não guardaria arrependimento nenhum.

Callum estendeu a mão, mas em vez de conduzi-la de volta, puxou-lhe a palma para a sua cintura. Ficou lhe segurando a nuca por um longo tempo, mantendo a testa apoiada na dela.

— Não sei o que vai acontecer conosco — sussurrou ela. — Queria... As palavras foram interrompidas, pois desejos não valiam de nada. Em vez disso,

fechou os olhos, abraçando-o. Por enquanto, só podia agarrar-se aos instantes que escorriam feito água entre seus dedos.

Ao lado de Marguerite, Callum levou a mão dela ao peito. A firme confiança e a força atingiram ainda mais fundo o coração dela.

Suspeitava que Callum esperaria pelo resto da vida, caso pedisse. E isso simplesmente não era justo.

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Capítulo Sete

O som de cães latindo se aproximava deles na floresta. Callum encaixou uma flecha

no arco e pôs-se diante dela. — Eles vão nos encontrar se eu ficar aqui mais tempo — disse Marguerite. E, embora ele soubesse que estava certa, isso não significava que sairia de cena

para deixar que fosse trancada de novo. Havia sido preso e torturado antes, e suportaria o mesmo se fosse para protegê-la.

Mas ela se voltou para ele, forçando-o a baixar o arco. — Preciso enfrentá-los sozinha. — A voz saiu com tremor, e ele balançou a cabeça.

— Se o virem, você receberá o castigo pela minha rebeldia. — Deu um sorriso triste, acrescentando: — A única maneira de me libertar é se eu falar com meu pai. — A mão tocou o rosto dele. — Fique aqui, Callum. Deixe-me tentar lutar pelo que quero.

Embora compreendesse o desejo dela, ele não tinha intenção de deixá-la enfrentá-los sozinha. Como poderia se esconder como um covarde, deixando-a suportar o peso da raiva deles?

— Não vão me machucar — disse ela. — E se me negarem comida de novo, falarei com os criados. Certamente me ajudarão, se isso representar uma recompensa do meu pai.

Marguerite se aproximou, envolvendo-lhe o pescoço com os braços. Embora o cabelo estivesse emaranhado, o rosto ainda guardava o rubor da saciedade que ele havia proporcionado. Não a deixaria sozinha.

Poderia vigiá-la sem o conhecimento dela. Poderia se infiltrar no castelo, protegê-la como pudesse, até Marguerite ganhar do pai a permissão de ir embora com ele.

Isso nunca vai acontecer, a mente dele provocou. O duque jamais aceitará um homem arruinado como você.

Ele calou a voz da razão e agarrou Marguerite num abraço feroz. Quando se afastou, viu lágrimas brilhando nos olhos dela, embora ela tentasse exibir um sorriso tranquilizador.

— Vou ficar bem. Callum não acreditava nisso, mesmo acenando para que ela se encaminhasse até

eles. Mas primeiro ela ficou na ponta dos pés para lhe dar um último beijo. Foi o mais

suave dos toques, como uma despedida. E quando ela se afastou dele, uma sensação de mau presságio se intrometeu, como se os sonhos que compartilhavam jamais fossem se realizar, por mais que lutassem.

Callum subiu num grande carvalho ali perto e se escondeu nos galhos, vendo-a caminhar na direção dos sons dos cães. Marguerite seguia de cabeça erguida, sem oferecer desculpas para os seus atos. E quando os cavaleiros enfim a alcançaram, eles a apanharam e colocaram em cima de um dos cavalos antes de roubarem-na dele.

— Deveria levar uma surra por sua desobediência — disse lady Beatrice com frieza.

— Jamais vi tal comportamento de sua parte. Pode apostar, seu pai vai saber disso.

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Marguerite manteve os ombros para trás, guardando silêncio. Decidira não responder a nenhuma das perguntas, nem dar desculpas pelo que fizera. Como Callum, pretendia trancar suas palavras.

— Já causou muitos problema a todos — continuou a tia, que pegou Marguerite pelo punho, apertando com tanta força que formaria um machucado. — Não entendo por que iria para a floresta. E não acredito que tenha sido levada contra a vontade. — Ela puxou Marguerite até a escada, forçando-a a voltar aos aposentos.

Quando chegaram à porta, Beatrice parou. — Os guardas do lado de fora confessaram terem visto um homem levá-la. Um

escocês, é o que eles acreditam. — O olhar da tia se encheu de astúcia. — Ou estou enganada?

— E onde eu encontraria um homem assim? — contrapôs Marguerite, incapaz de manter o silêncio por mais tempo. — Não conheço nenhum dos clãs das redondezas. — Ela olhou a tia. — Talvez eu tenha sido a única a me libertar. Os homens ficaram envergonhados demais para admitir que foram superados por uma mulher.

— Espera que eu acredite nisso? Não, mas ela se recusava a pôr Callum em perigo, deixando que alguém acreditasse

que ele estava envolvido em sua fuga. Pelo que sabia até agora, só os guardas haviam encontrado Callum, e a mentira podia funcionar. Era tudo o que tinha.

— Eu não espero que acredite em nada do que digo. — Marguerite entrou no quarto e se sentou diante do fogo, aquecendo as mãos.

A tia fechou a porta. O humor de Beatrice parecia descolorir o ar de raiva. Ela respirou fundo algumas vezes, como que para controlar o temperamento.

— Você passou uma noite longe do castelo. Você, que mal consegue se vestir, muito menos cuidar de uma casa. Seu pai me confiou o castelo Duncraig e me deu ordens estritas de mantê-la aqui.

— De me prender aqui, você quer dizer. — Marguerite se levantou e enfrentou a tia. — Não sou tão indefesa como acha que sou. — Você nunca fez nada além de empunhar uma agulha e sorrir bonito para o seu

pai. Ele fez todas as suas vontades desde que sua mãe morreu. — Eu estava sofrendo. — E eu também! — exclamou Beatrice. — Ela era minha única irmã. — O rosto se

contorceu de frustração. — O duque pode ter me trazido para dentro de sua casa quando meu marido morreu, mas não ficarei num país bárbaro como este. Em pouco tempo o convencerei a voltar para a França, que é o meu lugar. — A tia exibiu um sorriso calculado. — Eu tenho o favor de seu pai, você sabe.

A partir da insinuação da voz de Beatrice, Marguerite suspeitou precisamente que tipo de favores a matrona tinha concedido ao duque. Ficava enojada só de pensar nos dois juntos.

— Ele não pode se casar com você — argumentou Marguerite. — Seria contra as leis da Igreja.

— Ele pode me suprir de muitas maneiras. — Beatrice cruzou os braços sobre o busto voluptuoso. — E acredite quando digo que ele fará qualquer coisa que eu pedir. É melhor que permaneça em seu quarto na próxima semana caso queira que eu esconda dele os seus segredos.

— Não tenho segredos. — Mentirosa. — Beatrice estendeu a mão e segurou seu queixo. — Mesmo que não

tenha sido nestes últimos dois dias, você foi tocada por um homem. Talvez até tenha um amante. O que acha que seu noivo dirá quando descobrir que não é mais virgem?

Apesar dos esforços, Marguerite não conseguiu impedir o rubor nas bochechas. Havia permitido que Callum a tocasse de maneira que não devia. Tinha cedido à tentação, e a culpa pesava sobre ela.

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— Ainda sou virgem — murmurou. Mas se tivesse permanecido com Callum, duvidava que poderia ter mantido sua

virtude. Desejava-o mais que a qualquer outro homem. E ela não sabia como fugir do acordo de casamento com o conde de Penrith.

— Saia do meu quarto — ordenou à tia. — E pare de me tratar como prisioneira. — Você será vigiada o tempo inteiro — disse Beatrice. — Até seu pai retornar. —

Cruzou o quarto e parou na porta. — E quer saber sobre os seus guardas anteriores? Receberam cada um cinquenta chicotadas em seu nome, Marguerite. — O veneno envolvia seu tom, e ela terminou dizendo: — Lembre-se de quem detém o poder aqui.

Depois que a tia se foi, Marguerite fechou os olhos. Precisava de alguma forma encontrar o próprio poder. Callum ficou na sombra das árvores, muito abaixo do castelo Duncraig. Embora

Marguerite não quisesse que a seguisse, pretendia vigiá-la e conseguir de alguma maneira um meio de protegê-la dentro do castelo.

Você é indigno dela, a voz dentro dele zombava. Não há lugar para você aqui. Ele sabia disso, mas não habitaria as árvores como se fosse um animal. Não

abandonaria Marguerite, apesar do perigo para si mesmo. A luz vespertina tocava as colinas, lançando sombras sobre as muralhas do castelo.

Ele limpou a mente das dúvidas, firmando sua resolução. A julgar pelo tamanho do castelo e os homens que vira na primeira visita, era uma casa grande, com muitos servos. Claro que precisariam de mais um. E embora não pudesse falar, poderia mostrar aos outros que era forte o suficiente para qualquer tarefa. Às vezes as ações tinham mais peso que palavras.

Aproximou-se devagar da ponte levadiça. Dentro dos portões, viu os soldados guardando seus postos. Cruzaram as lanças, barrando seu caminho.

Primeiro falaram em francês e ele sacudiu a cabeça, sem entender as palavras. — O que você quer? — quis saber um deles, num inglês carregado. Estavam de olho no cavalo, que tornava evidente que não se tratava de um

mendigo. Callum revidou o olhar deles com firmeza e estendeu as mãos vazias. Depois tocou a boca, num esforço para se fazer entender.

Eles o encaravam sem nenhuma ideia do que queria dizer. Frustrado, Callum desmontou do cavalo. Com esforço, tentou falar, mas era como se a garganta estivesse bloqueada, as palavras lá dentro. Nada veio, nem mesmo um único som.

— Se não tem nada a dizer, vá embora — ordenou o primeiro soldado. Callum olhou para o homem. Achavam que era um estúpido, não é? Sem nenhuma

serventia. A raiva dele ganhou apoio, subindo mais. A ideia de empurrar os homens para o lado soava melhor do que tentar fazer com que adivinhassem o que ele queria.

Agarrou as rédeas do cavalo e se obrigou a ficar calmo. Tinha que haver outra maneira. Callum ergueu os olhos para além dos guardas e avistou um homem se aproximando. Pela aparência do estranho, parecia ser um camarada escocês.

O olhar do homem se estreitou conforme se aproximava. Quando chegou perto dos guardas, o estranho olhou para Callum e arregaçou as mangas. Nos punhos havia cicatrizes avermelhadas como as dele próprio.

O homem interrompeu os guardas e explicou: — Ele vem em paz, rapazes. É só o meu primo, que veio do norte. Callum manteve o rosto impassível, sem saber por que o homem estava ajudando.

Suas suspeitas estavam no limite, mas não fez nenhum esforço para negar as palavras dele.

— Seu primo, é? — comentou o guarda. — Por que ele está aqui? — Depois de todos os ataques, ele está procurando um novo lugar para viver. Estou

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certo? — Olhou para Callum, que deu um único aceno de cabeça. Com relutância, os guardas o deixaram passar, e o homem o conduziu ao estábulo. — Você pode deixar seu cavalo com os outros, por enquanto. — Com um olhar de

soslaio, murmurou: — Você é um MacKinloch, não é? Callum inclinou a cabeça e o homem sorriu. — Foi o que pensei. Conheci seu irmão Bram. Você era só um menino quando o vi

pela última vez. Colin, não é? Não havia como corrigir o homem, então ele encolheu os ombros. Chegava perto. — Sou Iagar Campbell. — O nome era desconhecido, mas as cicatrizes no punho do

homem eram a mais clara indicação de que não estava mentindo. Iagar pareceu notar seu olhar, então acrescentou calmamente: — Estive em Cairnross.

Quando chegaram ao estábulo, o mestre-cavalariço começou a falar em francês, tão rápido que Callum não conseguiu acompanhar nada. Iagar respondeu por ele e, depois de um tempo, o mestre-cavalariço resmungou e levou seu cavalo, Goliath, para uma baia.

— Se está procurando um lugar, este é o melhor que vai conseguir. Os outros acham que não somos bons para nada, exceto cavar esterco. — Iagar piscou para ele. — Mas há maneiras de obter o que se quer, desde que se saiba como pedir. — Passou uma pá para Callum e o levou para uma das baias. Em gaélico, acrescentou: — Vá e comece. Nós nos falaremos mais tarde, quando não houver tantos ouvidos para ouvir nossa conversa. — Com um leve tapa nas suas costas, Iagar deixou o estábulo.

Callum olhou o cavalo diante de si e adivinhou ser o de Marguerite. Era uma égua cinza-clara com traços delicados. Quando tocou o focinho dela, deixando que conhecesse seu cheiro, ela bufou e baixou a cabeça para beber a água de uma valeta.

Trabalhou pelas horas seguintes, até o cair da noite. O mestre-cavalariço, Jean, não

tirou os olhos dele, mas quando percebeu que Callum tinha feito bem a limpeza das baias, houve uma notável mudança em seu comportamento.

— Você não fala, não é? — perguntou Jean, usando por fim o inglês. Callum sacudiu a cabeça, tocando o dedo nos lábios. O mestre-cavalariço o

estudou. — Tem direito a uma refeição depois do trabalho que fez. Está faminto, suponho. Quando ele assentiu, Jean o levou para fora. Tochas cobriam as paredes, o laranja das chamas cintilando sob o crepúsculo.

Callum manteve o rosto abaixado, de modo a não chamar a atenção. Não duvidava que os guardas que atacara na noite em que libertou Marguerite o reconheceriam caso se mostrasse.

Seguiu Jean até a cozinha, onde viu alguns homens e mulheres se reunindo do lado de fora.

— Pode conseguir algumas sobras aqui — explicou o mestre-cavalariço. — E pode dormir no salão, como seu primo faz. — Dada a ênfase que colocou na palavra, Jean adivinhou que não eram parentes.

Depois que saiu, Callum encontrou um cano de água da chuva e lavou o rosto, esfregando bem as mãos até ficar limpo. Imaginou que ninguém desejaria lhe dar comida, fedendo como estava.

Esperou por mais de uma hora entre os outros, o estômago implorando por algo para comer. Embora estivesse acostumado a caçar a própria carne, não tinha a escolha de voltar para a floresta. A ideia de mendigar restos de comida não lhe agradava.

A cozinheira ainda estava ocupada preparando uma refeição leve de carne fatiada, salmão assado, queijos e pães variados para a família do duque. Ver tantas comidas exóticas fazia sua boca salivar. Notou a cozinheira penando com uma pesada panela de ferro com água. Sem pedir, Callum a tomou da senhora e a pendurou no fogo.

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Ela olhou para ele, o rosto redondo ficando desconfiado. — Merci. — Em seguida, pegou um pedaço de pão e colocou nele um pouco de

salmão, despejando um molho espesso por cima. O estômago de Callum roncou de fome, e ele aceitou a comida, acenando em

agradecimento. Quando mordeu o peixe quente, o sabor suculento foi incomparável a qualquer coisa que tivesse provado. Notou o olhar da cozinheira e deu-lhe um sorriso.

Ela falou novamente em francês, mas ele balançou a cabeça para indicar que não entendia. Então ela perguntou em inglês:

— Gostou? Callum devorou a comida e se levantou, aproximando-se dela. O cabelo da mulher

era grisalho, e rugas margeavam seus olhos. Pegou-lhe a mão e a beijou em agradecimento.

— Diabinho escocês — repreendeu ela, puxando a mão. — Se acha que vai conseguir mais comida de mim com flertes.

Ela se virou de costas e começou a remexer em outra parte da cozinha. Callum esperou, e ela lhe entregou uma torta do tamanho da palma da mão, pingando cerejas.

— Você está certo. — O rosto da cozinheira se abriu num sorriso, e Callum mordeu a torta, as cerejas escorrendo pela boca.

Nunca na vida tinha experimentado comida como aquela. Quando terminou de lamber os dedos, beijou a cozinheira na bochecha.

— Seja útil, leve uma dessas bandejas para o salão — ordenou. — Siga os outros, e se tem valor pela vida, não derrame uma migalha. E se comer antes de chegar lá, vai levar chicotadas. — Ela apontou para uma pesada bandeja de salmão com ervas, e Callum seguiu os outros criados da cozinha até o salão, sendo cuidadoso para não derramar o molho.

Lá dentro, o grande salão estava limpo, com juncos frescos no chão. Callum segurava a bandeja pesada, absorvendo a paisagem ao redor, em busca de Marguerite. Se tivesse sido trancada no quarto de novo, ele faria o necessário para libertá-la.

Mas então a avistou no final do salão. Ela estava sentada ao lado de uma matrona, uma expressão fechada no rosto. Vestia uma túnica cor de rubi e um vestido creme que pendia no chão, com mangas ajustadas e compridas. Um véu e uma tiara de ouro repousavam na cabeça. Em torno da garganta, ele viu a corrente de prata e o pingente de vidro azul sobre o vestido vermelho. Embora a expressão permanecesse serena, ele pressentiu a agitação fervendo em seu interior. Callum carregou a bandeja e parou diante dela, esperando que o notasse.

Quando ela o fez, a mão ficou parada sobre a taça de vinho, o pânico gravado no rosto. Parecia congelada, nada satisfeita por vê-lo. Era como se Callum tivesse invadido seu mundo seguro, um hóspede indesejado que jamais poderia apresentar à família. Apesar de aceitar um pedaço de salmão da bandeja, não o olhou nenhuma vez.

Ele não reagiu ao espanto dela, assumindo o papel de servo anônimo. Uma raiva frustrada ferveu sob a pele, pois já não sabia se ela ainda o queria ali ou não.

Mas quando seguiu os outros para a cozinha, pegou-lhe o olhar aflito e enviou seu próprio desafio. Ele se infiltrou no castelo apenas para vê-la — ela que viesse até ele, se ousasse.

Marguerite esperou horas antes de escapar dos guardas durante o entretenimento noturno. Distraídos pelas histórias, não notaram seu sumiço. Mas notariam. Ela só tinha alguns instantes para avisar Callum.

Encontrou-o do lado de fora do estábulo. Tinha se livrado da túnica e despejado água sobre si mesmo. Apesar do ar quente da noite, a pele estava arrepiada por causa das gotas frias. Ela viu as marcas avermelhadas nas costas e os músculos fortes que encordoavam os braços e o torso.

Lembrou-se de como era tocar sua pele, saborear a boca firme que roubava seu

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juízo, deixando-a fôlego. — Não pode ficar aqui, Callum — sussurrou. — Por favor. Você tem que ir embora. Ele não entendia que se fossem pegos juntos a vida dele estaria em perigo?

Beatrice odiava os escoceses e não hesitaria em puni-lo, ou pior, matá-lo. — Se me descobrirem com você... As palavras foram interrompidas quando Callum a levou para as sombras. Não havia

luz, e Marguerite não conseguia ver nada, nem o rosto dele. — Não faça isso — sussurrou. — Estou tentando mantê-lo a salvo. Se algo lhe

acontecer. Callum se aproximou, os olhos escuros sombreados pela persistência. Tinha sido

um erro se deixar tocar daquela maneira na floresta, pois agora Callum vira os desejos secretos de seu coração.

Ele tomou as mãos dela, levando-as aos ombros num convite flagrante. Os dedos de Marguerite subiram para a garganta, onde sentiu o pulso rápido. As batidas de seu próprio coração ecoavam as dele, pois estava presa sem saber o que fazer. Como a maçã do pecado, ele lhe ofereceu uma tentação que não queria recusar.

Callum pressionou suas costas contra a parede, apoiando-a enquanto seu hálito quente silenciava os protestos. Ela se importa.

Percebeu o quanto Marguerite estava perturbada, mas não a abandonaria. Não depois de a terem machucado.

— É muito perigoso que eu continue vendo você, Callum — murmurou ela. — Meu pai voltará em breve. E meu novo futuro marido virá com ele.

As mãos dele pararam de cada lado dela, uma frieza infiltrando-lhe as veias, transformando-se em raiva. Ela estava desistindo?

— Sou grata por me proteger. E estou feliz por estar curado. Mas isso entre nós tem que acabar.

Não. Não se afastaria para deixar que o medo dela ditasse o futuro. Agarrou-lhe a mão e a levou de volta à garganta. Lembrou-a de que não podia falar, mas que isso não o impediu de vir até ali.

Marguerite lhe pertencia, e pretendia lutar por ela. As mãos se ergueram para lhe emoldurar a cabeça, os polegares tocando as

têmporas. Queria que ela sentisse seu toque, conhecesse seus pensamentos. Quando os dedos passaram pelas bochechas dela, sentiu a umidade das lágrimas.

— Não quero mais que fique aqui. Na escuridão acalorada, Callum soube que era mentira. Ela estava tentando afastá-

lo para protegê-lo. Será que não sabia que faria qualquer coisa por ela? Uma pontada de frustração irritou seu orgulho, pois não queria se esconder. Se ela

queria ficar com ele, poderia levá-la agora mesmo. Mas Marguerite estava hesitante. Podia vê-la em sua lealdade dividida, a incerteza de voltar as costas para a família, buscar uma vida ao lado dele. Se a deixasse, seria muito fácil que se esquecesse do que existia entre os dois.

Callum ignorou a luta suave para se libertar e a manteve cativa. Sob as mãos, sentiu as batidas do pulso dela. Aproximou a boca para beijar a veia trêmula, e as mãos de Marguerite buscaram por sua cabeça.

Sim, ela estava mentindo para ele. Pressentia pela maneira como as mãos afundavam nele, puxando-o para perto. Mordiscou a garganta dela, erguendo-lhe o queixo, para depois capturar a boca.

Houve desespero no beijo, mas ela não tentou se libertar. Beijou-o também, recebendo-lhe a boca quando ele tomou posse. Callum nunca partiria para deixar que outro homem pegasse o que era seu. Não se acovardaria perante o duque, nem se esconderia nas sombras do medo.

Como uma marca, ele a beijou com força, provocando o calor que sempre existiu

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entre eles. Deslizou as mãos até a parte inferior dos seios. E quanto roçou os bicos rijos, lembrando-a da maneira como a agradou, Marguerite ofegou em sua boca.

Jamais negue o que existe entre nós. Abruptamente, Callum a largou e se afastou. Não estava partindo, não depois de

tudo que tinham sofrido. Um peso apertava o coração de Marguerite quando ele partiu. O vasto vazio que

sentia por dentro era devorador, pois o próprio Callum a desafiava a lutar. Obrigou-se a voltar para o salão, segurando as lágrimas.

Mesmo desejando-o desesperadamente, compreendia o desafio à frente. Enquanto não convencesse o pai a colocar um fim no noivado com lorde Penrith, não havia esperança de ficar com Callum.

Guy de Montpierre ficaria furioso se ela recusasse o casamento. Dera-lhe uma vida de privilégio, e ela reconhecia o direito, concedido por Deus, que o pai tinha de lhe escolher um marido. Recusar e rebelar-se contra ele seria ingratidão e egoísmo.

A boa filha se encolhia de medo ao pensar em fazer o pedido, mas a mulher que havia passado a noite nos braços de Callum não queria nada mais do que gastar o resto dos dias ao lado dele. Sem se importar com o que acontecesse.

Poderia fracassar, mas precisava reunir coragem e tentar.

Capítulo Oito

— MacKinloch? — veio o sussurro do fundo do salão. — Venha comigo. Callum avistou Iagar Campbell chamando-o. Levantou-se, acompanhando o homem

para fora. Era tarde da noite, e a maioria dos habitantes do castelo dormia. A escuridão tornava difícil seguir Campbell até o estábulo, pois as tochas eram escassas nessa área. Embora não tivesse como saber quem mais estava ali, imaginou que fosse seguro ouvir o que o homem tinha a dizer.

Pararam logo na entrada. Iagar afrouxou a túnica, revelando marcas ao redor do pescoço. Depois ergueu os punhos, mostrando as cicatrizes que só poderiam ter sido formadas por algemas.

— Fui libertado alguns anos atrás — admitiu ele. — Mas lembro o que fizeram com você em Cairnross.

Callum observou as marcas avermelhadas. Embora fosse possível que Campbell estivesse preso junto com ele, não reconhecia o homem. Fosse verdade ou não, esperou que ele continuasse.

— Lembro de quando era garoto — disse Iagar, recostando-se numa das paredes. — Seu irmão recebia castigos por você. — A expressão se tornou zangada e os dedos apertaram a madeira da baia. — Não devia ter acontecido. Com nenhum de nós.

A raiva e a amargura permeavam a voz de Iagar, por isso Callum suspeitou que o homem tivesse perdido alguém próximo.

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— Mas agora estamos revidando os ingleses. — Os olhos de Iagar brilharam de ambição. — Estamos formando nosso próprio grupo de homens para reclamar as terras que nos foram roubadas. Para colocar um fim no sofrimento de nossos parentes.

Callum cruzou os braços sobre o peito, compreendendo que eles queriam que ele tomasse parte na rebelião. Embora reconhecesse o propósito, não tinha nenhum interesse de se envolver.

— Não vai dizer nada, MacKinloch? Callum desembainhou a adaga da cintura e tocou a boca com ela, insinuando que a

língua tinha sido cortada. Iagar empalideceu, o rosto se contraiu. — Então você, mais do que ninguém, tem razão para querer vingança. Callum manteve uma expressão velada no rosto. Estava ali por causa de Marguerite,

não para começar outra luta com os ingleses. Iagar explicou: — Venha se juntar a nós. Temos uma pequena cabana fora das terras do castelo, e

será bom contar com outro escocês. Ter outro homem em quem confiar. Ele começou a balançar a cabeça, mas Iagar insistiu: — Pense um pouco antes de tomar uma decisão. — Olhou para as cicatrizes nos

punhos de Callum. — Existem outros prisioneiros para serem soltos, não muito longe daqui. Acho que lembra como era viver cativo dos ingleses. Vamos libertar o resto deles. Não importa a que custo.

Nos dias seguintes, Marguerite pressentia a presença de Callum por toda a parte para onde se virava. Nas refeições, ele servia a comida. Pelas manhãs, ele estava parado à sua janela, levando cavalos para os caçadores. E hoje, quando caminhava pelo jardim, tinha visto seu nome escrito na terra ao lado das ervas de que cuidava. Era como se ele tivesse rebatido sua declaração com um desafio próprio.

Não vou partir. Ela se ajoelhou e tocou a terra onde ele imprimira seu nome. Ver sua caligrafia

desajeitada a lembrou de quando lhe ensinou as letras. A culpa pressionou sua consciência, pois não fora capaz de lhe dar mais palavras para comunicar. Era como se alguém a estivesse partindo ao meio. Seu coração estava com Callum, e sua mente, ali. E não sabia como reagir à maneira como ele estava lutando por ela. Até o pai retornar, não podia fazer nada.

Varrendo a terra, começou a escrever o nome dele no espaço. Talvez não reconhecesse, mas compreenderia que ela vira sua mensagem silenciosa.

— O que está fazendo, Marguerite? — veio a voz da tia às suas costas. Ela se ajoelhou, escondendo as palavras debaixo da saia. Puxando um mato do

canteiro, respondeu: — Acredito que seja bem óbvio. — Devia estar costurando a túnica de casamento do seu noivo — repreendeu

Beatrice. — Ele chega em poucos dias, e você mal fez alguma coisa. Porque não quero casar com ele. Porque tenho que encontrar um jeito de convencer

meu pai. Manteve-se em silêncio e, um instante depois, a tia agarrou-lhe o braço, puxando-a. — Responda quando eu falar com você, ou a tranco no quarto outra vez. A raiva de Marguerite se acendeu. Tirou o braço da mão da tia e sentiu uma onda de

indignação enchendo-a por dentro. — Tente novamente e verá o que os outros pensam de você. Já a desprezam pelo

que fez aos soldados. — Embora não tivesse visto nenhum dos dois homens, consternava-se ao pensar em como tinham sofrido com sua fuga.

— Foi culpa sua — corrigiu Beatrice. — Se tivesse ficado no seu quarto e me obedecido, isso nunca teria acontecido.

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Marguerite ficou tão atordoada com a atitude prepotente da tia que não conseguiu responder. Não havia sinal de remorso no rosto de Beatrice.

— Seria prudente não fazer de mim uma inimiga, Marguerite — murmurou. — Espero vê-la em seus aposentos em uma hora.

Ela encarou a tia, os ombros erguidos. Beatrice se virou e a deixou, e Marguerite imaginou exatamente quanto dano a mulher havia provocado na ausência do duque. Estava tão preocupada com Callum que nem prestou atenção aos habitantes do castelo.

Atrás de si, dois guardas a vigiavam, como se estivesse para fugir outra vez. — Venham — ela os chamou. Não eram os dois primeiros homens que a vigiaram, mas suspeitava que teriam as

respostas de que precisava. — Gostaria de saber o que aconteceu com os dois homens que me vigiaram no

quarto. O guarda mais alto era barbudo, o cabelo castanho, curto. — Foram chicoteados, minha senhora. — Sobreviveram? O segundo homem assentiu. — Por pouco. Dornas está de cama desde então. Era velho demais para receber

cinquenta chicotadas. John recebeu mais vinte, por ele. Marguerite estremeceu com o pensamento. Tomou fôlego e perguntou: — Será que me culpam por isso? O guarda barbado balançou a cabeça. — Eles sabem que foi culpa daquela peau de vache. Marguerite sabia que devia castigá-lo por comparar Beatrice a uma vaca, mas

deixou o insulto passar. — Eu gostaria de ver os guardas que foram castigados, se possível. — Ela não permitirá — protestou o primeiro homem. — Não acham que esses homens merecem uma compensação pelo que sofreram?

— Ela tocou as pérolas do corpete, como se para lembrá-los de sua riqueza. Eles trocaram um olhar cauteloso, então ela continuou: — Meu pai nunca permitiria que me fosse negado alimento, nem que homens

inocentes fossem punidos. Beatrice foi além da autoridade dela, e pretendo acabar com isso. — Ela estendeu a palma. — Dê-me a faca.

O guarda barbado obedeceu, e Marguerite cortou quatro pérolas do corpete. Dando duas a cada um deles, acrescentou:

— A lealdade de vocês pertence a mim. Não a ela. Os dois homens agora estavam escutando, então ela prosseguiu: — Na frente da minha tia, podem me acompanhar o tempo inteiro. Mas quando ela

não estiver. — Cortou mais duas pérolas e entregou uma para cada um — ... dêem-me liberdade de ir e vir quando eu quiser.

Os guardas curvaram a cabeça em obediência. — Oui, minha senhora. E se for do seu desejo, podemos levá-la aos guardas feridos

para que possa falar com eles. Marguerite assentiu em acordo e começou a andar de volta à torre, com os guardas

a seguindo logo atrás. Quando passou pelo estábulo, viu Callum na parede mais afastada, segurando as rédeas do corcel de seu pai. Sentiu que ele a observava, embora mantivesse a cabeça desviada. Sua rebeldia silenciosa a enervava, pois a lembrava da força de seus braços e do toque conquistador da boca.

Ao passar por ele, seu corpo se tornou sensível, lembrando-se de como a despertara com seu toque.

E algo dentro dela estalou. De que adiantava afastar o homem que queria, comportando-se como uma covarde? Tinham um tempo precioso antes que os outros

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chegassem. Não seria melhor roubar todos os momentos que pudesse? Enquanto seguia os guardas para ir cuidar dos soldados feridos, sua mente

rodopiava com ideias de como se apossar do que queria. Ao amanhecer, Callum ouviu Marguerite entrar no estábulo. Deu ordens ao mestre-

cavalariço: — Prepare meu cavalo. Vou sair para cavalgar esta manhã. — Mas, lady Marguerite, o que sua tia dirá? — protestou Jean. — Pensei que as

ordens fossem de que não podia deixar o terreno do castelo enquanto seu pai estivesse fora.

Marguerite sorriu. — Os guardas estão do lado de fora da porta do meu quarto. De acordo com eles,

ainda estou lá dentro costurando. — Ela apontou para Callum. — Levarei um dos seus homens comigo, como escolta. Esse aí serve.

Esse aí? Callum a olhou de soslaio, imaginando o que ela estava aprontando. Estava se comportando como se nunca o tivesse visto na vida, e suas suspeitas aumentaram.

Marguerite não lhe dignou um olhar, mas quando o mestre-cavalariço recomeçou a discutir, ela apertou algo em sua mão.

— Tenho sido mantida prisioneira há dias. Sairei por algumas horas, ninguém saberá. E você será recompensado por seu silêncio.

O mestre-cavalariço inclinou a cabeça. — Como desejar, minha senhora. Callum terminou de selar o cavalo de Marguerite e sua própria montaria, levando os

dois para fora do estábulo. Ajudou Marguerite a montar o animal e a seguiu de perto quando saiu galopando pelos portões. Ele a deixou liderar, mas em vez de ir pela floresta, ela cavalgou para o oeste, na direção do mar. Não tinha percebido que estavam tão perto, a poucos quilômetros de distância.

Marguerite parou para deixar que os cavalos matassem a sede, antes de prosseguir em direção à costa. Não falou nenhuma vez com Callum, que não conseguia adivinhar os motivos dela para levá-lo lá. Estava claro que não queria ninguém bisbilhotando a conversa deles.

Quando ela fez o cavalo parar, Callum viu as águas cinzentas do mar e as nuvens escuras que pairavam acima. Gaivotas circulavam as rochas, enquanto a colina descia até uma grande faixa de areia. Marguerite desmontou e deixou o cavalo pastar enquanto caminhava colina abaixo. Ele a seguiu, mas, conforme ela continuava avançando em lentas passadas pela praia, agarrou-lhe a mão.

Por quê? Ela puxou a corrente prateada e o pingente de vidro de dentro do corpete. — Você não se foi. Mesmo quando eu pedi. Em resposta, ele lhe tocou o queixo, moldando a bochecha macia. O cabelo dourado

caía sobre a garganta, e ela removeu o véu, atirando-o na areia. — Não sei o que acontecerá quando meu pai retornar. Isso me assusta. O que ele

fará quando descobrir sobre nós? As mãos dela cobriram as dele, e ela prosseguiu: — Mas ainda tenho alguns dias com você. Não quero perdê-los antes da hora. As palavras acenderam uma esperança que Callum não ousava sentir. Tomou a

mão dela na sua e a guiou em direção ao mar. Marguerite recostou a cabeça no ombro dele enquanto caminhavam, e Callum a puxou para mais perto.

Por baixo do comportamento calmo, ele sentia a inquietação fervendo. A tensão vincava o rosto dela, misturada ao desafio. Marguerite o levara ali por alguma razão, mas

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para o quê, ele não conseguia adivinhar. Ela largou a mão dele quando chegaram à beira do mar. Paus e conchas cobriam a

areia, além de um tronco caído. Ele acompanhou Marguerite até lá, e ela se abaixou para pegar um pedaço de madeira.

— Prometi ensinar mais palavras — disse, oferecendo-lhe a madeira. Mas ele não o pegou. Em vez disso, tocou o queixo dela, desejando poder ler seus

pensamentos. Ela estava ansiosa com alguma coisa, mas não revelava o que era. — Se quiser, tentarei lhe ensinar a escrever mais — falou, as palavras

apressadas.— Ou talvez você queira me dar outra aula de natação. Havia nervosismo na voz e no comportamento. Embora Marguerite pudesse

acreditar que nadar seria uma maneira de passarem o tempo juntos, não era uma boa ideia. No momento em que ele visse seu corpo esguio úmido das ondas, desejaria tocá-la outra vez. E que Deus o ajudasse, pois se a tocasse, achava que não conseguiria parar.

O ar de verão era frio, por isso ele gesticulou para que ela esperasse um instante. Fez uma fogueira para eles e, quando esta ardia brilhante, Callum pegou a madeira outra vez e se sentou ao lado dela.

— Mostre-me as letras que lembra — pediu ela. Ele escreveu o alfabeto que passou inúmeras horas memorizando. Algumas das

formas ainda lhe escapavam, mas a mão estava ficando mais firme com a prática. Marguerite se curvou para ajudá-lo com a letra S, a mão sobre a dele. Quando se

debruçou, o perfume delicado o envolveu. Quis deitá-la na areia, tocar seu corpo até descobrir o que a faria soluçar de prazer.

A madeira quase quebrou na mão de Callum, que se forçou a se concentrar. — Você aprendeu tão rápido — comentou ela, ajoelhando-se ao lado dele. — Levei

anos para fazer o mesmo. Ele pegou a madeira e escreveu o nome dela, depois o seu. — Você viu — murmurou. — Escrevi para você no jardim, na esperança de que

encontraria. Diante do sorriso tímido, Callum largou a madeira e a encarou. As mãos dela

procuraram seus ombros, e Marguerite encostou o rosto no dele num leve abraço. — Lamento o que disse dias atrás. Sentia medo de que, se você ficasse, estivesse

em perigo. Callum sabia disso, mas ouvi-la dizer o fez apertá-la mais. As palavras tropeçavam

na garganta, porém não conseguia expressá-las. Mas agora existia outro meio. Afastando-a, pegou a madeira e pensou por um

instante. Pelejou para lembrar os formatos das letras e a grafia. Por fim, escreveu na areia: Minha. A expressão dela suavizou-se de emoção. — Sim, sou sua. Por quanto tempo eu puder. Não era a promessa que ele queria. Queria Marguerite para sempre. As palavras revelaram a verdade da qual suspeitava. Apesar do que existia entre

eles, ela ainda era a filha de seu pai. A lealdade à família era mais forte que qualquer sentimento que tivesse por ele.

Era decepcionante saber que estava pedindo que ela escolhesse um deles. Mas então ela se debruçou e o beijou. Os lábios eram macios e, no toque de sua

boca na dele, havia uma decisão. Marguerite encontrara uma maneira de ir até ele, e não importava quanto tempo durasse, tinha a intenção de aproveitar ao máximo.

Um suspiro ofegante lhe escapou quando Callum se inclinou para beijar a mandíbula e a pele delicada da garganta.

— Quero este dia com você — exigiu ela. — Algumas horas sem que ninguém nos interrompa. Ninguém para dizer com que tipo de homem devo casar. — Olhou fixamente para ele, e um forte rubor cobriu suas bochechas. — Quero me sentir de novo como

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naquele dia em que me tocou. Ela estava brincando com o fogo de sua luxúria, e só Deus sabia onde isso iria

terminar. Callum olhou para ela, deixando que visse o quanto a queria. Pegando as mãos dele, ela as levou ao vestido.

— Ajude-me a tirar isto — murmurou. Depois de afrouxar os cordões, ela ergueu os braços. Enquanto removia cada

camada, Callum via os arrepios lhe cobrirem a pele. Quando estava de camisa, ele parou, sem saber até onde ela queria ir. — Deixe assim por enquanto — respondeu ela. — Ensine-me a nadar, e depois. —

As palavras ficaram no ar, superadas pela timidez. Callum não deixou a mente pensar no significado daquelas palavras. Em vez disso,

tirou a túnica e a levou para a água. As ondas a empurravam, e Marguerite se segurou nele em busca de equilíbrio.

— Está mais fria que no lago, não é? Quando chegaram a uma profundidade logo acima da cintura dela, Callum a ergueu,

esticando-a de bruços. Ela lutou contra as ondas, mas tentou nadar outra vez. Com o cabelo pingando água, esforçou-se, agitando os braços e batendo as pernas. Ele a largou sem aviso e, enquanto continuava a se mover, Marguerite se manteve suspensa na água. Não era suave ou particularmente forte, mas ela conseguia nadar.

— Veja! — gritou para ele. — Não estou afundando. Callum deu um leve sorriso, colocando-se numa posição diferente que a obrigou a

nadar até ele. Quando parou, Marguerite moveu os braços e bateu as pernas até segurar a cintura dele e ficar de pé.

— Não foi tão ruim desta vez. Ao menos me lembrei de mexer os braços e as pernas.

Os dentes batiam, mas ele a aqueceu em seu abraço. Um sorriso ofegante iluminou o rosto de Marguerite, que o envolveu nos braços.

Estava tremendo e, quando ele apontou para a água, perguntando se ela queria nadar de novo, ela sacudiu a cabeça.

— Quero que me ajude a me aquecer — sussurrou. Colou o corpo no de Callum, que se perguntou se ela sabia o que estava pedindo.

As ondas os atingiam, mas ele a conduziu para fora da água. As pernas deles estavam cobertas de areia, e Marguerite estremeceu, agarrando-se nele.

Callum a levou para se aquecer na fogueira, colocando mais madeira para aumentar o calor. Pegou a capa que ela havia largado e a estendeu diante do fogo,

gesticulando para que ela se sentasse. Marguerite o ignorou, parada diante das chamas com as mãos esticadas. A expressão estava distante, como se estivesse perdida em pensamentos.

Voltou o olhar para ele, uma pergunta nos olhos. Naquele momento, Callum viu a incerteza no rosto dela, misturada ao medo. Respondeu a seu olhar com uma força inflexível. Não importava o que acontecesse, permaneceria ao lado dela. Marguerite era a mulher que havia arriscado tudo para salvar sua vida, a mulher que o resgatara do limiar da loucura. A mulher por quem ele morreria.

E então ela olhou direto nos olhos dele, as mãos erguendo a camisa até ficar nua diante de Callum, usando apenas o pingente de vidro.

Capítulo Nove

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Marguerite podia sentir a fome nos olhos dele, o desejo por ela. Mil vozes gritavam

dentro de sua cabeça, avisando para não fazer isso. Estava prometida a outro homem e não tinha o direito de trair o futuro marido.

Mas a ideia de deixar um estranho reclamar sua virgindade parecia muito errada. Callum era o homem que possuía seu coração, e ela queria estar com ele. Se o marido descobrisse que não era virgem, talvez a banisse. Ou talvez se recusasse a casar com ela, caso revelasse o fato.

Era uma maneira de fugir do noivado. A ideia de se render a Callum, deixá-lo se tornar seu amante, era um ato perigoso,

algo que poderia destruir os dois. Mas caso seus esforços fracassassem e ela não pudesse evitar o casamento com o conde, ao menos teria entregado esta parte sua a Callum. Ele nunca a machucaria, e era algo que poderiam compartilhar.

— Deveria tirar o resto das suas roupas — murmurou. — Vamos deixá-las secar ao sol.

Ele se aproximou de Marguerite, que viu os olhos dele passeando pela pele nua, bebendo a visão. Embora se sentisse estranha revelando tudo a ele, não fez nenhum movimento para se cobrir. Observou Callum tirar a própria roupa. Quando ele ficou nu diante dela, impressionou-se com o poder de seu corpo, as linhas ferozes de músculos pesados e pele. Sendo um arqueiro, os braços eram esguios e fortes. Ela ansiava por tocá-lo, descobrir como oferecer o mesmo prazer que lhe dera.

Callum não tinha feito nenhuma tentativa de se aproximar, e ela percebeu que estava esperando por sua permissão. Tomou-lhe as palmas e as colocou sobre seus seios. As mãos dele se encheram, sentindo o peso suave deles. O calor do toque dele disparou outro arrepio nela. Os polegares se moveram sobre os mamilos, que enrijeceram sob a carícia.

Ela mal sentia o ar frio do vento, pasma com Callum. O cabelo escuro pendia sobre os ombros, descendo pelas costas. Não havia nada de manso nele; era como uma criatura selvagem que queria possuí-la.

Marguerite descansou as mãos nos músculos do peito, explorando a carne rija, vendo como o rosto dele se transformava. Ele fez o mesmo com ela, dedilhando os mamilos e acariciando os seios. Depois a deitou na capa, ficando de lado enquanto a deixava confortável.

Os olhos ficaram escuros, pecaminosos, quando lhe tomou as mãos e as prendeu acima da cabeça. Manteve-as firme no lugar, enquanto baixava a boca para provar o botão do mamilo. Uma onda de necessidade ecoou entre as pernas dela, provocando umidade em seu local íntimo. Sentiu o rijo comprimento dele contra a coxa e imaginou como seria recebê-lo dentro de si.

Ele abandonou os mamilos úmidos e pegou o pingente de vidro, esfregando a forma suave sobre os bicos eretos. A sensação era exótica, então ele usou o vidro e a língua para atormentá-la ainda mais. A boca e a língua sugaram forte, arrancando dela uma profunda reação. Marguerite buscou por seu membro, envolvendo-lhe o comprimento com os dedos. A respiração dele acelerou, e Callum afastou a boca do seio, observando-a explorar sua masculinidade. Cobriu a mão dela, mostrando o ritmo.

Parecia incrível, mas ele cresceu ainda mais em sua mão, e ela viu um prazer feroz transformar o rosto dele. Abruptamente, Callum se afastou de Marguerite, que sentiu o

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sopro frio do vento na pele. A boca dele desceu até suas coxas, acima da areia, provando e provocando. Com os dedos, tocou a fenda íntima entre as pernas. Ela tremia quando ele deslizou um dedo para dentro, acariciando preguiçosamente a umidade.

A boca se movia por toda parte, sobre as coxas, fazendo-a se sentir muito vulnerável. Estava arqueando-se, tremendo, quando a necessidade de tê-lo se apossou dela. Callum se sentou, guiando-a para se escarranchar em seu colo. Com a boca, beijava-a intensamente, esfregando-a em seu membro pesado e grosso.

Marguerite tateou e o direcionou para sua abertura. Queria senti-lo bem fundo, ser tomada e conquistada por este homem.

O rosto dele estava tenso de desejo, as mãos lhe seguravam os quadris quando ela se abaixou. Era apertado demais recebê-lo, então o deixou avançar apenas uma fração. Mas quando Callum a ergueu, para em seguida baixá-la outra vez, ele foi mais fundo.

Marguerite compreendeu então o que precisava fazer. Vagarosamente, ergueu os quadris e o abarcou um pouco mais. Encontrou um ritmo lento, e o corpo pareceu se ajustar ao tamanho, esticando-se e ficando mais úmido a cada penetração.

Mas depois as mãos dele seguraram suas nádegas, forçando-a a acelerar o passo. Embora não a puxasse para baixo, Marguerite se viu ficando mais excitada, o corpo ansiando por mais. A respiração vinha em arquejos rápidos enquanto se movimentava, sendo preenchida por ele.

E embora achasse incômoda a invasão, esqueceu-se disso quando ele tomou seu seio na boca. Com a língua, Callum provou o mamilo, ficando imóvel, deixando que ela se acostumasse com ele enterrado dentro de si. Vagarosamente, ela se levantou outra vez, experimentando a sensação enquanto a língua dele enaltecia seus seios.

Callum lhe agarrou a cintura, a mão se colocou entre os dois corpos. Marguerite sentiu os dedos acariciando a carne sensível acima de sua entrada e foi inundada por uma onda de choque. Deixou escapar um gemido quando ele afastou a mão.

— Não, não pare — sussurrou. Ele tornou a afagar a carne, enquanto ela lhe mostrava onde tocá-la, até ficar

trêmula. Ele estava grosso e rijo dentro dela, mas permanecia imóvel. A dupla pressão da masculinidade e do movimento dos dedos a fez erguer o quadril

outra vez, procurando o alívio que queria. — Isso é bom — admitiu. E Callum não hesitou, mantendo a pressão rítmica da mão até ela arquear o corpo,

empurrando-se de encontro às investidas tentadoras. O calor se acumulou dentro dela, uma crista brilhante de prazer, até Marguerite se

despedaçar na mão dele, apertando-o por dentro. Callum lhe agarrou os quadris e investiu forte, forçando-a a montá-lo, a intensidade do clímax fazendo-a convulsionar repetidas vezes.

Ele voltou a deitá-la na capa, ainda se movendo em penetrações lentas, e ela ergueu os joelhos para recebê-lo mais fundo. Callum foi implacável, exigindo que ela lhe entregasse cada parte sua. E quando mergulhou nela, ganhando o próprio alívio, gemeu e continuou a ir fundo dentro dela, agarrada a ele, perdida na própria tempestade.

Quando descansou sobre ela, sobre sua pele, ele deixou escapar um único suspiro: — Marguerite. — Você falou! — Ela ofegou. — Callum. você disse o meu nome. Ele não estava ciente de nada, só da imensa satisfação de seu corpo unido ao dela.

Será que tinha falado alguma coisa? Tentou fazer a boca mexer, dizer o nome dela outra vez, mas nada aconteceu. Lutou mais uma vez para enunciar as palavras, mas a parede invisível o impedia.

— Você falou. Sei que falou. — Os braços nus alcançaram seu pescoço, prendendo-o num abraço apertado. Um sorriso surgiu no rosto dela enquanto erguia as mãos para segurar seus cabelos. — Quero ouvir de novo.

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Ele tentou formar a palavra, porém quanto mais Marguerite o olhava, mais estranho se sentia. Se ela dizia que era verdade, ele tinha falado sem pensar. Sem tentar.

Retirou-se do corpo dela, zangado por não poder atender a um pedido tão simples. Pegou a camisa de Marguerite e, quando pretendia entregá-la, avistou a vela de um

barco aproximando-se no horizonte. A julgar pela velocidade do vento, estaria ali em meia hora, e os ocupantes poderiam vê-los antes disso.

Callum jogou a camisa para Marguerite e atirou areia no fogo, extinguindo-o. Vestiu a própria roupa, mas ela parecia preocupada com a súbita mudança em seu humor.

— Não entendo. O que foi? Ele apontou para o barco que se aproximava e ela empalideceu. — Pode ser meu pai. — Atrapalhando-se com a camisa de linho, apressou-se em se

vestir. Callum a ajudou com o vestido e a túnica, entregando-lhe o véu para cobrir o cabelo

úmido. Marguerite mal havia calçado os sapatos quando ele a puxou numa carreira até os cavalos. Segurou as rédeas da égua dela, ajudando-a a montar.

Ela pretendia esperá-lo, mas ele deu um tapa nos flancos do cavalo, incitando o animal a partir. Não havia tempo para atraso. Poderia acompanhá-la de longe, mas Marguerite precisava retornar ao castelo o mais depressa possível.

Se fosse o duque chegando, ela precisaria estar de volta aos aposentos antes que alguém descobrisse que tinha saído. Não sabia se ela conseguiria, pois o tempo era curto.

Callum pôs o cavalo para galopar, mantendo-se vários passos atrás dela. Enquanto cavalgava, pensava no marido que o duque estava planejando trazer para Marguerite. Uma fúria fria drenou sua razão, substituindo-a pelo ciúme. Se tivesse uma propriedade e um título, poderia ganhar a mão de Marguerite em casamento. Poderia ser o homem a reclamá-la como esposa, da maneira como havia tomado o corpo dela pouco antes.

Fazer amor com ela foi o presente mais inestimável que Marguerite poderia ter lhe dado. Pensar nela dividindo a mesma experiência com outro, permitindo que outro homem a tomasse, era o mesmo que transpassar uma lança por seu coração.

Não podia deixá-la ir. Tudo o que podia fazer era rezar para que ela decidisse largar essa vida e partir com ele.

Marguerite entregou o cavalo para Jean quando chegou ao estábulo. Seus guardas notaram o cabelo desgrenhado e a roupa bagunçada, mas não disseram nada. Sentiu-se embaraçada quando percebeu que todos sabiam o que estivera fazendo.

Quando Callum chegou logo atrás dela, desapareceu no estábulo, presumivelmente para cuidar dos cavalos. Não sabia o que ele pensava de seus atos, mas, por dentro, seu corpo ainda tremia da reação feroz que ele tinha evocado.

Lady Beatrice a olhou de cara feia, mas Marguerite passou pela mulher sem dizer nada. Foi direto para o quarto e ordenou um banho. Embora acreditasse que o pai viajaria por terra, o barco que vira era bastante grande para carregar todo o seu séquito e os cavalos. Era bem possível que tivesse voltado mais cedo, especialmente viajando por mar e não no lombo de um cavalo.

Enquanto as criadas a ajudavam a se banhar e vestir na hora seguinte, pensou em Callum falando sua primeira palavra depois de tantos anos. De todas as palavras que poderia ter dito, escolhera o nome dela.

Seu coração se abrandou com a recordação, pois não existia nenhum outro homem com quem pudesse se imaginar dividindo a vida. Mesmo assim, sentia muito medo de desafiar o pai. Nem em mil anos o duque compreenderia o seu desejo de abandonar a riqueza pela qual era cercada, para se casar com um guerreiro escocês.

Callum era o homem que fazia seu sangue correr, que a fizera provar o gosto proibido da paixão. O homem que amava.

Marguerite tocou o pingente de vidro e o segurou enquanto terminava de tomar

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banho. As criadas não disseram nada enquanto a ajudavam a vestir um conjunto de vestido e túnica azuis. Em volta dos quadris, passou um fino cinturão dourado engastado de safiras. Trançaram seu cabelo úmido e o esconderam debaixo do véu.

Lá fora, ouvia-se a comoção e o som de cavalos se aproximando. — O duque! — gritou um dos soldados, e uma aclamação ressoou entre os homens,

que se reuniram para saudá-lo. Pois bem. Ele havia retornado cedo. Marguerite se obrigou a descer a escada, o

coração disparado. Temia que ele reconhecesse a culpa em seu rosto, ou pior, que alguém lhe contasse aonde ela havia ido.

A cada passo, sua pele ficava mais fria, até parar na entrada para cumprimentá-lo. Callum saiu do estábulo e, quando os homens chegaram, pegou os cavalos. Não a olhou nenhuma vez, o rosto destituído de toda e qualquer expressão. Era para protegê-los, ela sabia, mas isso a aborreceu mais do que deveria.

Sentiu um frio no estômago quando o pai se aproximou, mas forçou um sorriso no rosto. O duque veio cavalgando ao lado de outro homem, cuja altura se igualava à dele próprio. O homem, que ela suspeitava ser o conde de Penrith, possuía cabelo claro como o dela e lhe ofereceu um pequeno sorriso de saudação. Estava impecavelmente vestido num gibão de seda azul-noite, calção cinzento e uma capa escura. Uma espada engastada em joias estava pendurada ao seu lado, e Marguerite se perguntou distraidamente se ele saberia usá-la.

O pai havia escolhido um homem que a maioria das mulheres consideraria bonito e forte. Devia estar muito satisfeita, mas tudo o que queria agora era chorar.

Não se traia, avisou-se. Comporte-se como a filha de um duque. Guy de Montpierre continuou avançando, o conde ao seu lado. — Marguerite, gostaria de apresentá-la a Peter Warrington, o conde de Penrith. Ela fez uma mesura ao lorde, que exibiu um sorriso gentil. Pegando-lhe a mão, deu

um leve beijo. — Estou muito satisfeito com este noivado, minha senhora. Soltou-lhe a mão, mas era como se as entranhas dela tivessem virado pedra. Ficar

parada diante daquele homem era como uma traição a Callum. Não conseguiu encontrar palavras para um simples cumprimento, então assentiu e recuou um passo.

— Redigiremos os documentos necessários esta noite, e eles serão assinados e testemunhados pela manhã — anunciou seu pai. Dirigiu-se a ela: — Prepare comida e um bom vinho para nós.

Marguerite murmurou em concordância, querendo afastar-se. A mente estava em confusão, e quando os deixou, viu Beatrice se aproximando do duque. Embora o pai não fizesse nenhuma saudação, Marguerite notou o interesse sutil nos olhos dele. Era bem possível que Beatrice pudesse influenciá-lo, e ela não tinha dúvida de que a tia encheria os ouvidos dele com histórias sobre seu mau comportamento.

Mas ele não poderia puni-la diante do conde, felizmente. Enquanto Marguerite providenciava a refeição, notou lorde Penrith parado na

entrada, observando-a. Depois de falar com os criados, Marguerite lhe lançou um olhar, imaginando se o conde era o tipo de homem que compreenderia seus desejos.

Sentia-se nervosa sob o olhar dele, sem saber o que dizer. Ele atravessou o salão e, quando a alcançou, perguntou:

— Temos um pouco de tempo antes que a refeição esteja pronta. Não quer me mostrar o lugar enquanto a comida é preparada?

Apesar de acenar em concordância e conduzi-lo para fora do salão, ela não queria passar tempo nenhum com aquele homem, nem levá-lo a acreditar que poderiam ter um casamento bem-sucedido.

O conde começou a caminhar pelo pátio interno e lhe ofereceu o braço. Marguerite aceitou, e ele disse:

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— Parece assustada comigo. Não há necessidade. — Acabamos de nos ver — admitiu ela. — Não o conheço nem um pouco. Ele parou de andar e a avaliou. — Seu pai contou muitas histórias sobre sua beleza e sua virtude. Pensei que

estivesse exagerando, como todos os pais fazem. Mas ao que parece, neste caso, ele estava certo.

Não a respeito de minha virtude, Marguerite pensou. Como se em resposta aos seus pensamentos, viu Callum levando outro cavalo para o estábulo. A expressão no rosto dele era impassível, como se não importasse se ela estava ali ou não. Aquilo machucou seus sentimentos, fazendo-a imaginar se Callum sabia que ela não tinha escolha. A teia invisível da servidão a apertava, e ela não sabia como se livrar dela.

— Foi um ano difícil — confessou Marguerite ao conde. — O outro homem com quem estive comprometida se provou um mentiroso e assassino.

— Cairnross era um homem poderoso — disse lorde Penrith. — Mas qualquer um conseguia enxergar que ele era cruel.

— E você não é? — indagou ela. Ele deu um sorriso envergonhado. — Sou um homem de muitas complexidades. Mas não sou cruel. E tenho toda a

intenção de tratar minha esposa com o maior respeito. Embora o tom fosse leve, ela pressentia algo por trás daquela alegação. Erguendo os olhos para os dele, viu amizade, porém nada mais. Não a fitava com

luxúria, não como um homem inclinado a possuí-la. Marguerite deixou escapar um suspiro lento. Mesmo assim, guardaria julgamento até conhecê-lo melhor.

Conforme continuaram caminhando pelo terreno, ela ficou intensamente ciente de Callum. Embora ele devesse compreender que precisava ser cortês com o convidado do pai, Marguerite sentia a acusação silenciosa. E sentia o ciúme dele, ardendo nela com uma escuridão que desgastava seu coração.

Era errado deixar o conde acreditar que possivelmente poderia ser sua esposa. Era desonroso ficar ao lado dele e deixar que as mentiras da omissão a tornassem uma mulher que não era. Quando chegaram ao jardim, ela parou de andar.

— Lorde Penrith — murmurou. — Quero ser honesta com você. — Buscou as raias da coragem, esperando que ele compreendesse.

— Fiz algo para ofendê-la? — perguntou ele, os olhos ficando estreitos. — Não. — Procurou pelas palavras certas, para fazê-lo entender. — Mas você

percorreu uma longa distância por mim, e não creio que seria uma boa esposa para você. Ele parou de andar. — E por que diz isso? Só estou aqui há alguns minutos. — O olhar dele se estreitou

nela e, antes que Marguerite pudesse falar, adivinhou: — Ou você tem sentimentos por outro?

Devagar, ela assentiu com a cabeça. — Você merece uma esposa que possa amá-lo. Um meio-sorriso contorceu o rosto dele. — Tenho pouco interesse em amor, lady Marguerite. Não me importa se temos ou

não sentimentos um pelo outro. Muitos casamentos fortes foram construídos na amizade. Ela não sabia como responder àquilo, e agora não era o momento de admitir que

havia se entregado a outro. A afirmação do conde a deixou confusa, pois acreditava que ele ficaria zangado ou aborrecido com o fato de ela estar interessada em outro homem. Pelo contrário, ele nem parecia se importar.

Terminaram o passeio, mas quando Marguerite passou pelo estábulo, não pôde deixar de olhar para trás. Callum não estava mais lá.

Quando chegou à entrada da fortaleza, viu os olhos astutos de sua tia Beatrice.

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— É uma bela moça, não é? — comentou Iagar, mais tarde naquela noite. Callum estava parado perto do fundo do salão com o outro homem, comendo um

grande pedaço de pão que a cozinheira lhe dera. Não precisava perguntar de quem Iagar estava falando, mas ignorou a constatação.

— Você ficou fora com ela por um tempo — continuou Campbell, um olhar malicioso no rosto. — Lady Marguerite se afeiçoou a você?

Ele ficou de pé e agarrou a garganta de Iagar, empurrando o homem contra a parede. A fúria preencheu cada pedacinho dele diante da insinuação de qualquer coisa contra Marguerite. Mesmo que fosse verdade.

Callum susteve Iagar por tempo bastante para alertá-lo, antes de largá-lo no chão. O homem tossiu, segurando a garganta. Havia um lampejo de raiva no rosto, mas ele a conteve.

— Devia dar outro uso para a sua força, MacKinloch. Sairemos amanhã à noite para atacar uma guarnição ao sul daqui — contou Iagar. Manteve a voz baixa, acrescentando: — Poderia nos ajudar a libertar os prisioneiros.

A tensão se avolumou dentro de Callum à menção dos cativos. Não queria se envolver com os outros homens, arranjar problemas com os ingleses. Porém lembrou do desassossego que sofreu enquanto estava preso. A sensação de que ninguém viria por ele. De que morreria, trancafiado do mundo.

Sobre o tablado, viu Marguerite sentada ao lado do futuro marido, o conde de Penrith. O ciúme cravou as garras em sua mente. Não gostava da maneira como o homem a olhava, fascinado com a noiva.

Pensar no conde tocando Marguerite disparou uma explosão de fúria dentro dele. Sem perceber, estava apertando a faca. Um lado primitivo queria sequestrá-la do castelo do duque, levá-la para o norte, onde ninguém os encontraria.

Marguerite lhe pertencia. Só ela fora capaz de desmanchar os anos de silêncio, permitindo que ele falasse outra vez. E depois da manhã que passou nos braços dela, não a deixaria escapar.

Seu companheiro percebeu sua distração e insistiu mais. — Venha para a casa de Sileas quando todos estiverem dormindo no castelo.

Poderemos conversar mais. Iagar começou a se afastar, mas voltou. — Você lembra como é, MacKinloch. Esperar que alguém nos liberte. E

continuávamos aprisionados, estação após estação. As palavras do homem evocaram o pesadelo daqueles dias. Callum se controlou,

lembrando bem como era rezar pela ajuda que nunca vinha. Cada dia de sofrimento era como uma cicatriz em sua mente.

Mas recusava-se a atender ao pedido de Iagar, pois estava ali por Marguerite. Ficou recostado na parede dos fundos por horas, vigiando-a. E só quando ela se retirou para dormir, subindo a escada, foi que ele finalmente voltou para o estábulo.

Capítulo Dez

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Sonhos confusos guerrearam dentro da mente de Callum. Neles ele se via parado

no topo de uma torre de pedra, vendo seu irmão Alex lutar para salvar a vida da filha. Lorde Harkirk havia tomado a menininha como refém, atraindo-os para uma tentativa de matar tanto Alex como Bram.

O arco parecia desajeitado nas mãos, embora nunca parasse de praticar. De longe, não conseguiria atingir Harkirk sem o perigo de ferir a criança.

Os irmãos lutavam lá embaixo, enquanto ele mantinha o arco firme, esperando uma oportunidade. Viu nos olhos de Harkirk um homem que se deleitava com a tortura e a morte.

Então ele avistou lady Harkirk e a dor no rosto dela. Estava aprisionada pelo casamento, assim como ele esteve acorrentado à misericórdia de seu marido. Mas tinha sido ela a salvá-lo, convencendo Harkirk a aceitar o suborno e libertá-lo.

A brava coragem em seu rosto lembrava Marguerite. Sem hesitação, Callum soltou a flecha, vendo-a abater o homem que fora responsável por tanto sofrimento. Harkirk enfim estava morto.

As lembranças se revolveram. Agora alguém virava o corpo de Harkirk, mas em vez do rosto do barão, ele viu a expressão congelada de lorde Penrith.

Callum acordou do sonho, abalado com o que vira. Tinha matado Harkirk, meses atrás, assim como jurara fazer. Mas em vez de se libertar de todos os pesadelos, a morte o atormentava por alguma razão desconhecida.

E agora, imaginar-se matando Penrith. Aquilo o fazia pensar em que tipo de homem estava se tornando. Ficou furioso por ver Marguerite passear com o conde, o braço apoiado no dele. O par formava um casal impressionante, os dois eram ricos e atraentes. O conde a olhava com os olhos de um homem que apreciava o que via.

Callum foi obrigado a vê-los juntos. Não tinha certeza se conseguiria permanecer ali sem saber se Marguerite encontraria ou não uma maneira de escapar do casamento. A violência e a inquietação ferviam por dentro, e ele talvez provocasse uma briga se os visse juntos outra vez.

Precisava encontrar uma maneira de liberar a raiva que crescia dentro de si, antes que fizesse algo de que se arrependesse.

Marguerite encontrou Callum esperando por ela do lado de fora do estábulo quando foi cavalgar com o pai na manhã seguinte.

O rosto estava resguardado, mas ela notou nele uma expressão rígida de exaustão, como se mal tivesse pregado os olhos. Nas costas Callum levava o arco e a aljava, como se estivesse preparado para qualquer ameaça. Segurava as rédeas dos dois cavalos, conduzindo-os até parar a pouca distância.

O duque notou as armas e se adiantou para pegar o cavalo. Os olhos se estreitaram. — Você não é um dos meus homens. O mestre-cavalariço se aproximou e disse: — Perdoe-me, senhor duque. Ele é primo de Iagar, e precisava de um lugar para

trabalhar. Ajudou no estábulo nesta última semana e tem se saído bem aqui. Callum enfrentou o olhar do duque com firmeza. Marguerite imaginou se devia

intervir e testemunhar a favor dele. O instinto mandou não dizer nada, mesmo notando que ele a observava às escondidas.

— Conheço seu rosto — disse Guy. — Já o vi em algum lugar. Como Callum não deu resposta, o duque exigiu: — Ora? Não tem nada a dizer? — Ele não pode falar, senhor duque — interveio mais uma vez o mestre-cavalariço.

— A língua dele foi cortada, é o que acreditamos. — Foi? — O duque estudou Callum, e os olhos ficaram duros ao confrontar

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Marguerite. — Conhece este homem? Ela não sabia o que dizer, temendo trair os dois. Nunca havia mentido para o pai,

mas já tinha visto sua natureza implacável. Se Guy de Montpierre soubesse o que acontecera entre eles, Callum pagaria o preço com a vida.

— Não — disse calmamente. — Não o conheço. Callum lhe entregou as rédeas e a ajudou a montar o cavalo. O toque das mãos dele

na sua cintura evocou a lembrança de como havia segurado seus quadris nus na manhã anterior. Ela havia se entregado com abandono, o toque proibido excitando-a enquanto o recebia dentro de seu corpo.

Marguerite não conseguia olhar para ele, pois suas bochechas estavam ardendo com a recordação. Estaria tomando a decisão certa ao mentir para o pai? Não sabia.

Mas viu a frieza no rosto de Callum diante da sua negativa, e não havia nada que pudesse lhe dizer. Ele não buscou o olhar dela, comportou-se como um mero criado.

Aquilo despedaçou o coração dela, pois ali não era o lugar dele. Callum era um guerreiro, como os irmãos. Não servia a homem nenhum, e ela não suportava tratá-lo assim.

Ele gostava daquela situação tanto quanto ela. Será que agora partiria, como Marguerite havia desejado dias atrás? Ou ficaria, obrigando-a a vê-lo, lembrando-a do que perderia?

Guy montou no cavalo e a guiou para fora do castelo, na direção da costa. Marguerite sabia que era apenas uma desculpa para falar com ela a sós. Ficou nervosa, quase temendo o que ele diria.

Quando estavam a meio quilômetro dos portões, o pai reduziu o passo do animal, cavalgando ao lado dela.

— O que você acha do conde de Penrith? — A expressão permanecia neutra, como se esperando para avaliar sua reação. — Terminamos de redigir o acordo de casamento na noite passada, que será assinado e testemunhado hoje, se você concordar.

Marguerite não sabia como responder. Se admitisse que não tinha intenção de se casar com o conde, ele exigiria saber o porquê. A coragem lhe faltou e ela minimizou a resposta:

— Lorde Penrith ainda é um estranho para mim. Só posso esperar que seja um homem melhor que lorde Cairnross.

— Cairnross nunca a destratou, não é? — O tom de Guy era defensivo, irritado com a acusação dela.

Marguerite deteve o cavalo e encarou o pai. — Ele matou a minha criada. Deixei a fortaleza porque não era seguro permanecer lá. — Ele não ousaria machucá-la — argumentou o pai, descartando o fato. Mas o raciocínio dele só aumentou a raiva dela. — Como eu poderia saber? E você já tinha ido para Edimburgo, então tive que tomar

a decisão sozinha. Uma expressão fria tomou o rosto do pai. — O que você fez foi imprudente e perigoso. Ir embora com estranhos e um chefe

de clã que não conhecia. Poderiam ter violado você, ou... — Eles não me fizeram mal — interrompeu ela. — O fato é que você viveu com um grupo de selvagens, como uma plebeia comum. Marguerite o encarou com descrença. — É isso o que pensa dos MacKinloch? Eles me deram refúgio, colocando as

próprias vidas em risco. Por mim, uma mulher que mal conheciam. — Ficou ultrajada com o pai por tê-los chamado de selvagens.

— Falei com o rei em favor deles. Qualquer débito que eu devesse ao clã está quitado. Agora vamos deixar o passado em paz. — A voz se abrandou, mas a rigidez era

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inconfundível. — Beatrice me disse que você desobedeceu minhas ordens e passou uma noite sozinha na floresta.

Marguerite não negou, e o medo começou a pressioná-la. — Ela me trancou no quarto. Eu estava zangada. — Ela estava protegendo você, de acordo com as minhas ordens. — Fiquei sem comida por mais de um dia. Eu precisava sair do castelo. — O rosto

ficou vermelho e ela lutou para pensar numa maneira de explicar suas ações. O duque a olhou com suspeita. — Há rumores de que um homem a ajudou a escapar do castelo. — Ele enrijeceu as

costas, e seu olhar se tornou penetrante. — Seja verdade ou não, acho que me compreende perfeitamente, Marguerite. Vai casar tão logo seja possível. É por isso que escolhi um homem que não se importa se a esposa for virgem ou não.

As bochechas dela arderam de humilhação, pois ele estava certo. Tinha entregado o corpo por vontade própria a Callum, sem arrependimentos. Jamais havia experimentado nada como fazer amor com ele e, para sua vergonha, ela o queria outra vez. Acordar em seus braços, dividir a vida com ele e ter seus filhos significaria o mundo.

Antes que pudesse falar, o pai acrescentou: — Deveria saber que há nobres que a rejeitaram, depois de sua associação com o

clã MacKinloch. — Então não eram homens honrados — respondeu ela. — Devo muito aos

MacKinloch. — O coração doeu ao pensar em Callum outra vez. — Não me arrependo das escolhas que fiz.

Com um suspiro, o duque fez o cavalo parar. — Você sempre teve coração mole, Marguerite. Como sua mãe. — Um leve sorriso

lhe enrugou a boca, e a frustração dela se abrandou. Guy ainda era o pai que a sentava no joelho para contar histórias. Tinha sido seu

único cuidador, pois a mãe havia morrido quando ela mal tinha 2 anos. Embora criada por outra família em Navarra, o relacionamento deles sempre foi próximo. Ele a visitava com frequência, levando presentes.

— Não tema este casamento — tranquilizou-a. — Acredito que Penrith poderá oferecer tudo o que quiser.

Marguerite tentou sorrir, mas ele dissera as mesmas palavras quando arranjou seu noivado com Cairnross.

— Pode adiar o compromisso um pouco mais? Quero ter certeza de que ele é um bom homem.

Uma vez que o acordo formal fosse feito, seria impossível quebrá-lo. O pai esticou a mão e ergueu seu queixo. — Como eu disse antes, não pode haver demora. — Voltou-se para o castelo, e

Marguerite o acompanhou, mantendo-se ligeiramente atrás. Uma vez que o pai atravessou os portões, ela viu outros homens chegando, amigos

que vinham testemunhar o compromisso. Ela ficou para trás, incerta sobre tudo o que havia acontecido.

Um leve estalo soou atrás dela. Quando se virou, viu Callum no próprio cavalo, observando-os das árvores. O que estaria fazendo ali?

Ele a chamou com um gesto, e Marguerite deu uma olhada nervosa no pai. O duque poderia vir atrás dela se notasse sua ausência, mas poderia conseguir alguns instantes.

A curiosidade venceu, então Marguerite foi cavalgando até ele. Callum pegou as rédeas e incitou os dois cavalos para dentro da floresta, até estarem bem longe da vista dos portões do castelo.

Quando fez os cavalos pararem, desmontou e a pôs no chão. — O que foi? — sussurrou ela. — O que aconteceu? Os olhos dele se tornaram ferozes e ele moldou o rosto dela com as mãos. Nas

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bochechas, ela sentiu o calor de seu hálito. — Minha — disse com aspereza. A boca baixou na dela, marcando-a com um beijo que roubou seus sentidos. Ela o

beijou também, maravilhando-se com a onda de prazer que se apossou nela. Callum a tocou na coluna, as mãos se movendo até as nádegas. Marguerite o apertou, experimentando a sensação do corpo dele junto ao seu.

Quando se afastou, sentiu os lábios sensíveis e inchados. — Sim, Callum, sou sua. Ouvir a voz dele era um presente que jamais esperara. Havia mil perguntas que

queria fazer, mas temia que apenas o frustraria caso não conseguisse encontrar as palavras. Callum parecia querer dizer mais, porém as únicas palavras que conseguiu exprimir foram:

— Venha. Agora. Queria que ela se fosse com ele para Glen Arrin naquele exato momento. Sobre o

cavalo, Marguerite viu suprimentos para vários dias. E embora aquilo a tentasse, não podia abandonar o pai e o lar sem nenhuma explicação. O duque simplesmente despacharia um exército atrás deles, e não havia tempo suficiente para que ficassem em segurança.

— Não posso — falou. — Preciso de tempo para persuadir o meu pai. Como Callum não parecia convencido, acrescentou: — Se eu for com você agora, ele nos encontrará. — Levou a mão ao rosto dele. —

Eles machucariam você e sua família. Não posso deixar isso acontecer. Callum lutou para falar novamente, e ela aguardou, esperando que conseguisse

deixar que as palavras saíssem. No fim, ele trancou os pensamentos e a ergueu de novo no cavalo.

Marguerite cavalgou de volta para o castelo, mas Callum ficou para trás, olhando. Vê-la com o conde era como um lento envenenamento, enchendo-o de ciúme.

Callum passou o resto do dia trabalhando em inúmeras tarefas para se distrair de pensar nos dois juntos. Espreitou os servos do conde, pois se houvesse qualquer sinal de crueldade, saberia através deles.

Mas a maioria tinha um ar jovial; todos comportavam-se como se fossem bem tratados. Estavam ali para servir Penrith e levar sua esposa para a Inglaterra. Callum não deixaria isso acontecer. Ele a raptaria primeiro.

A espera interminável estava testando a sua paciência. Não acreditava que ela conseguiria se livrar das ordens do pai, tanto quanto não conseguira escapar do casamento. A única razão por que não havia ignorado os desejos dela e a levado embora era porque isso a magoaria. Marguerite se importava com o pai e lhe era leal, assim como ele era próximo aos irmãos.

Mas cada instante que permanecia ali tornava fácil demais que ela caísse nas armadilhas deles. Callum era impotente para impedi-los, e a frustração fervia por dentro como uma criatura querendo sair. As mãos dele coçavam para pegar arco e flechas, e, conforme a tarde desvanecia, ele foi buscá-los. Uma hora praticando talvez aliviasse a frustração que aumentava dentro dele.

Callum deixou os portões do castelo, e estava rumando para a floresta quando ouviu vozes à frente. Era Iagar Campbell, junto a um punhado de outros. Estavam todos armados.

Iagar havia mencionado que tentariam libertar alguns prisioneiros e, embora não soubesse os detalhes, isso não importava. Estava ansioso por uma briga, para usar as armas e liberar a inquietação que o atormentava. Embora tivesse receio de se juntar a eles, não havia causa maior que dar a liberdade a outro escocês.

Deliberadamente, Callum pisou num graveto seco, e o estalo alertou os outros. — MacKinloch — cumprimentou Iagar.

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Os outros o encararam com desconfiança, e a discussão cessou de imediato. — Decidiu se juntar a nós? Callum deu um simples aceno e ergueu o arco em resposta. Um dos homens mais velhos, Sileas, o encarou com ar de suspeita. — Para que quer esse aí? Ele não tem serventia. É demente, não é? A raiva fria brotou por baixo da pele, pedindo uma briga. Se fosse um homem mais

jovem que houvesse falado, talvez Callum tivesse desatrelado o mau humor, provando quem era o verdadeiro demente. Em vez disso, deu passos lentos na direção dele, numa ameaça silenciosa.

Iagar interveio, colocando-se entre os dois. — Eu conheço os MacKinloch — disse ele. — São leais à nossa causa. A dúvida e a desconfiança mancharam o ânimo. Iagar lhes lembrou: — Um arqueiro pode ser útil. — Deu uma olhada questionadora em Callum. — Se

estiver disposto. Era arriscado se envolver naquela luta, pois ele não conhecia os homens nem sabia

aonde estavam indo. Mas também não poderia permanecer no castelo, vendo Marguerite com o futuro marido. Caso não se ocupasse com alguma coisa, o ciúme e a loucura o consumiriam.

Ele inclinou a cabeça em concordância. Antes que Iagar pudesse falar de novo, outro homem interveio: — Nós nem o conhecemos. — Olhando feio, acrescentou: — Ele poderia contar ao

duque sobre o ataque. — Ele não consegue falar — respondeu Iagar. — Não há nada a temer. Os olhos de Sileas brilharam, um sorriso fino espalhando-se no rosto. — Então não poderia nos trair mesmo se quisesse. Callum não fez nenhuma tentativa de provar que ele estava errado. Embora tivesse

falado algumas palavras com Marguerite, cada uma fora um sofrimento. Não sabia o que o impedia de falar, mas a manhã que passou como amante dela foi algo que rompeu a barreira de sua voz. Estava lutando pelas palavras, esperando de alguma forma recuperar bastante a voz para convencê-la a partir com ele. A proximidade dela o estava mudando por dentro, curando as cicatrizes do cativeiro.

Enquanto os homens continuavam discutindo seus planos para atacar a guarnição alguns quilômetros ao sul, Callum pensou em todas as noites que passou desejando que alguém o salvasse. Viveu cativo desde os 12 anos, e o tempo de prisão o transformou. Não sabia viver como um homem normal, nem como construir uma vida para si mesmo.

O pensamento se cravou em sua consciência como uma lâmina cega, atingindo o cerne de sua frustração. Precisava de um propósito, uma maneira de sustentar a mulher que queria. E a única coisa que sabia fazer era manejar um arco e lutar ao lado dos irmãos. Talvez não fosse suficiente.

— Ele tem um cavalo, não tem? As palavras inesperadas interromperam as reflexões de Callum, recobrando-lhe a

atenção. Antes que os outros pudessem emitir opiniões, ele balançou a cabeça em recusa. Ninguém levaria seu cavalo.

— Chegaremos lá mais rápido com cavalos, MacKinloch — protestou Iagar. — Precisamos do seu.

Mas o garanhão era sua única maneira de retornar para Glen Arrin, seu lar. Não deixaria que usassem seu cavalo e talvez o perdessem no ataque. Callum desembainhou seu punhal num aviso sombrio. Sacudiu a cabeça em recusa.

Iagar ergueu as mãos numa falsa rendição. — Foi só uma sugestão. Vamos deixá-lo aqui, se é o que quer. — Mas as palavras

guardavam uma nota de raiva, ecoadas pelos homens que pareciam irritados com sua recusa.

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Callum baixou o punhal e o recolocou no cinto, ignorando os resmungos. O cavalo estaria mais seguro lá no estábulo do que com aqueles homens.

Ficou para trás enquanto os outros desapareciam na escuridão. Iagar veio andar ao lado dele.

— Fico contente por ter se juntado a nós, MacKinloch. Teremos mais chances de sucesso com mais homens.

Callum apertou o arco pendurado num dos ombros. As linhas no rosto de Iagar relaxaram, e quando eles estavam bem longe do castelo, pararam para fazer uma fogueira e acender tochas.

Aquele ataque era um esforço imprudente, mas mesmo que libertassem alguns poucos prisioneiros, valia se juntar a eles. Callum deu uma olhada no castelo, esperando não estar cometendo um erro.

Capítulo Onze

Levaram mais de uma hora para alcançar a guarnição. Callum imaginou como eles

sabiam aonde estavam indo, mas Sileas os guiou até alcançarem o rio, onde extinguiram as tochas. A fortaleza de madeira era pequena, com talvez 12 guardas. Pouco mais que um posto avançado, não era ameaça para ninguém.

Callum foi tomado de inquietação, perguntando-se por que aqueles homens tinham escolhido um alvo tão pequeno. E se havia mesmo algum prisioneiro ali.

Parou Iagar, apontando para os punhos marcados e depois para a fortaleza. — Se houver prisioneiros lá, livraremos todos. Eu prometo. — Iagar segurou o

ombro dele e acrescentou: — Fique aqui. Precisamos de você para vigiar nossas costas. Callum desacelerou o passo, tomando posição atrás deles. — Não deixe nenhum dos soldados ingleses escapar — avisou Sileas. — Do

contrário, trarão reforços. Callum concordou, mas por dentro não estava gostando daquilo. Duvidava que

pudesse haver mais do que uns dois prisioneiros num posto avançado tão pequeno. Mas teria um alcance maior se ficasse do lado de fora da fortaleza com sua arma. Ajustou uma flecha à corda enquanto Iagar, Sileas e outros dois homens se arrastavam de barriga no chão na direção dos portões.

As sombras encobriam sua presença enquanto esperava. Vários minutos se passaram, durante os quais ele ouviu os gritos de batalha dos homens quando

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avançaram com suas adagas e lanças. Um dos guardas gritou, sendo cortado ao meio com a espada.

Era parte de qualquer ataque, ele sabia. Mesmo assim, aquilo não diminuía a sensação de inquietação que crescia dentro dele. Tinha esperado uma fortaleza do tamanho de Cairnross, onde se infiltrariam pelas muralhas e libertariam os prisioneiros da melhor forma possível.

Mas aquilo parecia errado. Manteve a flecha junto à corda, observando qualquer sinal de prisioneiros sendo

libertados. Quando nenhum apareceu, imaginou o que tinha dado errado e decidiu ir ajudar.

Callum manteve a flecha apontada, pronto para se defender. Seus olhos ficaram atordoados com a claridade das tochas quando entrou na fortaleza.

Depois que os olhos se acostumaram, fitou com descrença os corpos que entulhavam o chão. Ali não havia prisioneiro nenhum. Só soldados ingleses que tinham sido assassinados.

Callum viu Iagar erguer uma adaga, e a fúria fervilhou dentro dele. Abriu a boca, um urro subindo à garganta para que parassem e baixassem as armas. Mas não veio nada além de um sopro de ar. Sua mente estava enfurecida, as palavras, presas. Não conseguia pronunciar uma única palavra de comando.

A chacina o enojou. Sim, ele tinha sido feito prisioneiro quando era criança por homens como aqueles, havia crescido acorrentado. Mas nem todos os soldados mereciam morrer. A fúria dentro dele se transformou em revolta.

Iagar e os outros começaram a pilhar os corpos, e Callum se retirou para a escuridão. Aqueles homens não passavam de assassinos e ladrões.

Sua mão apertava o arco numa luta para controlar a raiva. Se pudesse encontrar sozinho o caminho para o castelo, teria partido imediatamente.

— MacKinloch — Sileas o chamou —, não vai participar? — O homem estava com as costas voltadas para uma parede de madeira, segurando a espada de um dos homens caídos.

A resposta de Callum foi disparar uma das flechas de penas negras, cravando-a na madeira atrás da cabeça de Sileas.

— O que foi isso, filho de uma vira-lata?! Mas Callum ajustou outra flecha ao arco, mirando diretamente no coração do

homem. Você merece morrer pelo que fez. Iagar parou do lado dele. — Abaixe o arco, MacKinloch. Callum girou e apontou a arma para o homem que acreditava ser um aliado. Estava

enganado. Estavam ali para pilhar e matar, não para salvar a vida de ninguém. Afastando-se devagar, deixou que soubessem que não queria nada com eles.

Especialmente porque, como Sileas tinha previsto, não podia contar para ninguém o que acontecera ali.

No dia seguinte, Marguerite encontrou Callum nadando no lago, ao norte da floresta.

O céu revelava pinceladas de rosa e lavanda, e ela se sentou no rochedo, observando-o. O corpo dele rasgava a água em longas braçadas, num ritmo exaustivo. Os ombros se flexionavam, e ela aguardou que Callum terminasse, esperando entregar o presente que havia levado. Em volta do pescoço, usava o pingente que ele lhe dera. Tocou o vidro frio, sentindo-se subitamente nervosa.

Na última vez em que viu Callum, ele pedira que deixasse tudo para trás para que pudessem ficar juntos. Ela queria, mas apesar das tentativas de falar com o conde de

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Penrith a sós novamente, o pai não permitia. Talvez pressentisse o que ela estava tentando fazer. Antes que pudesse protestar, o acordo de casamento foi finalizado, assinado e testemunhado.

Você é fraca e covarde, ralhou consigo mesma. Não merece a liberdade, já que não é capaz de falar por si mesma.

Instalou-se dentro dela o temor de jamais poder se libertar. Sim, podia ter se recusado a assinar o documento. Mas o duque exigiria saber o motivo, e a verdade de alguma forma apareceria. Ele buscaria descontar nos MacKinloch se admitisse que tinha se tornado amante de Callum. Dera início a um jogo perigoso, um jogo que temia ser impossível vencer.

Quando Callum enfim parou de nadar, ficou de pé na água. Os olhos escuros fixaram-se nos dela, e Marguerite viu a preocupação fervendo dentro dele. Parecia zangado, como um homem que tivesse voltado de uma batalha.

Saindo da água, ele não pareceu se importar por andar nu, a água escorrendo em gotículas pela pele. O cabelo escuro passava dos ombros, úmido e puxado para trás.

Como um predador luzidio, ele a observou. Lembrando-a silenciosamente da maneira como havia corrido as mãos pela pele dela, despertando sensações que não compreendia. Vendo-o sob a luz da manhã, ela quis tocar onde o sol cintilava sob os músculos, iluminando a carne.

— Eu. Eu trouxe uma coisa — murmurou, desviando o olhar. Mas ao se inclinar para vasculhar o saco, as pernas poderosas ficaram tão próximas

que não conseguiu deixar de tocá-lo. Marguerite sentia-se nervosa. Quando ela ficou de pé, a masculinidade dele estava

grossa e rija, excitada por vê-la. Marguerite estremeceu, lembrando-se do calor do corpo dele movendo-se sobre o dela.

Mantendo o olhar afastado, ela estendeu o saco. — É uma pena e um pouco de pergaminho. Achei que gostaria de tentar escrever

nele. — Marguerite. Na voz dele, ela ouviu perguntas veladas. Callum pegou o saco e o atirou no

barranco, puxando-a para perto. Os braços a envolveram, apertando-a num abraço. Ela sentiu a extensão da excitação dele em seus quadris e a correspondente onda de desejo dentro de si.

A boca dele buscou os lábios dela, tomando-a num beijo que garantia que ela pertencia aos braços dele. Callum foi implacável, exigindo uma resposta que afastou todos os medos dela, lembrando-a do motivo de precisar dele. Tinha que romper o noivado e encarar a ira do pai.

Quando as mãos dele subiram até os cordões do vestido, ele a olhou com uma pergunta velada.

— Não posso — sussurrou Marguerite. Não agora. Ela não merecia afeição nem prazer, já que tinha fracassado em

combater o noivado. As mentiras que contou ao pai e ao conde a envolviam, ameaçando sua honra.

Callum tomou o rosto dela entre as mãos, olhando-a nos olhos. Ela viu o forte sentimento de posse e a frustração escondida dentro deles. Callum encostou a testa na dela. Nos olhos dele, ela viu o futuro que queria, o homem que desejava.

— Encontrarei uma maneira de me libertar — prometeu. — E quando conseguir, voltarei com você. Eu juro.

As mãos desceram por seu cabelo escuro, acariciando-lhe a nuca. Abraçou-o, cruzando os braços ao redor de seu pescoço, deixando que as mãos deslizassem pelas costas nuas.

Os lábios dele deixaram um beijo suave em sua mandíbula. Aquilo disparou um

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arrepio nela, lembrando-a de quando Callum a beijou em outros lugares secretos. Enquanto ele se vestia, Marguerite não conseguiu deixar de pensar que algo mais o

aborrecia, mas Callum não tinha como contar. Havia tensão na maneira como ele se portava e uma sensação de perturbação.

Ela recuperou o saco e o entregou. — Quer que eu ensine mais palavras? — Dentro da sacola, ela exibiu o presente:

pergaminho, uma pena e um recipiente de tinta. Callum olhou, mas não aceitou o saco. Algo sombrio turvava o humor dele, e

Marguerite não conseguia adivinhar se ela era ou não a causa disso. — Preferia que eu não tivesse vindo, Callum? Se não quiser mais aprender a

escrever, não vou forçá-lo. — Deixou o presente no chão, imaginando se o teria compreendido mal.

Ele estava lutando consigo mesmo, buscando as palavras. A boca se moveu, mas nenhum som saiu. A frustração ficou maior, então ele pegou uma pedra e a atirou na água, onde espirrou e afundou.

— Callum, diga o que é. Foi a escolha errada de palavras. Ele se voltou para ela, cheio de fúria. Marguerite

percebeu que ele estava tentando falar. Pela postura, viu que tremia de raiva e frustração. Doía vê-lo assim, e ela tentou consolá-lo com um abraço. — Está tudo bem. — Tão logo o tocou, percebeu que ter pena era um erro, pois ele

não queria sua solidariedade. Ficou na ponta dos pés e levou a boca à dele, esperando que o beijo o acalmasse.

Callum a beijou de volta, o calor sombrio de sua boca buscando absolvição. Quando as línguas se entrelaçaram, ela se agarrou nele, saboreando sua raiva, unindo-a com a própria culpa. Havia uma selvageria nele, como um homem que tentasse consumi-la. Marguerite estremeceu sob o ataque e o calor, oferecendo-se para conforto.

As mãos dele procuraram os cordões do vestido, e ela soube que, se ficasse em silêncio, Callum a tomaria outra vez. Ele a deitaria na grama, preenchendo-a e dando-lhe um prazer inenarrável.

Callum desnudou a nuca e o ombro, provocando tremores com o calor de sua boca. As mãos foram tocar os seios, e os mamilos enrijeceram sob a seda. Ela lutou para manter a compostura, mas o doce tormento a fazia hesitar. Mais do que tudo, queria estar com ele novamente.

Você não merece isso. Não até estar livre do conde. Por mais que doesse empurrá-lo, Marguerite lhe segurou as mãos, levando-as aos

flancos do corpo dele. — Na noite passada, assinei meu contrato de casamento. A expressão de traição no rosto de Callum fez com que ela se sentisse como se

tivesse lhe dado as costas. — Falarei com os dois hoje — disse ela. — Eu prometo. Mas dentro dos olhos castanhos, Marguerite viu a dúvida. Ele não acreditava nela. Não havia palavras que Callum pudesse dizer. Ele acreditara que ela recusaria o

noivado e se libertaria. Mas parecia que ela não tinha a coragem dentro de si para enfrentá-los.

Ele a viu dar um passo para trás, olhando-o. Embora tentasse manter a expressão neutra, Marguerite viu sua frustração por baixo da superfície.

— Culpo a mim mesma por ter tanto medo. — A voz estava angustiada, e ela lhe deu as costas. — Mas se eu der um passo em falso e revelar meus sentimentos, meu pai vai caçá-lo e matá-lo. Não posso arriscar.

Embora quisesse tocar os ombros dela, Callum se forçou a ficar no lugar. Cada dia ali era outro momento no purgatório. O paraíso estava bem ao alcance, mas enquanto ela não rompesse os laços, Callum não poderia fazer nada.

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— Está zangado comigo, eu sei. — Ela ainda não conseguia encará-lo, mantinha o olhar no chão.

— Não... com você. Callum lhe notou os ombros curvados, a postura vencida. — Queria ter feito alguma coisa para impedir este compromisso de acontecer —

admitiu Marguerite. — Mas fui impotente. Sim, ele compreendia aquela sensação. As palavras dela conjuraram as memórias

cruéis da última noite e dos soldados mortos. Homens inocentes tinham sido assassinados, e ele não fez nada para impedir aquilo de acontecer. Havia ignorado os pressentimentos. Em vez disso, acreditou nas palavras falsas de Iagar.

E tudo acabou em morte. A desolação se abateu sobre ele outra vez, sufocando-o com o desejo de poder voltar e mudar o passado.

— Sabe que não quero realmente me casar com Penrith — disse Marguerite, arriscando lhe dar uma olhada. — Mas ninguém escuta o que estou tentando dizer.

Ele sabia exatamente como era. Bem lá dentro, invocou as palavras, libertando-as. — Lute, Marguerite. Lute por nós. Se não puder dizer ao duque o que quer, então não há esperança. Mas o resto era difícil demais, muito além de seu alcance. Ele respirou fundo e

tentou outra vez: — Você. Ela esperou para ouvi-lo falar, os olhos azuis cheios de pesar. Mil palavras

explodiam na mente dele, palavras que queria dizer. Palavras que ela precisava ouvir. Você é a única mulher que eu sempre quis. Você me manteve vivo quando eu queria

morrer. Sem você, eu era menos que um homem. Mas nenhum de nós pode continuar assim.

Callum enxergava que ela se sentia tão encurralada quando ele. — Eu o quê? — perguntou ela, esperando por mais. Mas a boca dele se movimentou sem som, a garganta se recusando a liberar as

palavras. Ele tentou de novo, e a incapacidade de se comunicar fez com que tentasse ainda mais.

No fim, Callum a encarou com seriedade, incapaz de falar mais do que uma única palavra:

— Escolha. — Sr. duque, o mensageiro que enviou à guarnição inglesa retornou ainda agora.

Ele alega que houve um ataque na noite passada. Não sobrou nenhum sobrevivente. — Seremos culpados pelo massacre — disse o duque, andando de um lado para o

outro. Olhou feio para Xavier, o capitão dos seus guardas. — Estamos muitos próximos ao posto avançado.

— Meus homens estavam todos aqui na noite passada — respondeu Xavier. — Quem fez isso não foi um dos nossos.

O rosto de Guy ficou soturno ao ordenar: — Reúna um grupo de soldados e descubra quem foi. Cabe a nós fazer justiça.

Senão o rei Eduardo da Inglaterra cuidará disso. O duque sentou-se, pegando uma taça de vinho. A mão envolveu a prata, mas ele

se sentia tenso por dentro. Embora tivesse propriedades na Escócia, repassadas por seus ancestrais normandos, sua posição ali era indefensável. Esperava garantir um casamento forte para Marguerite com o conde de Cairnross. Mas a filha fugiu para ir viver com um clã escocês, por razões que nem conseguia imaginar.

Oui, Cairnross provou possuir uma veia cruel. Porém os homens mais poderosos

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faziam o que era necessário para manter a ordem. Avistou Marguerite do outro lado do salão, parada na entrada, o rosto pálido. Tinha

ouvido suas palavras, sem dúvida. — O que fará? — perguntou, aproximando-se. Xavier, o capitão da guarda, trocou um olhar com o duque, como se para pedir

permissão. Guy inclinou a cabeça. — Descobriremos os assassinos e os executaremos por seus crimes — admitiu

Xavier. Os lábios dela se apertaram numa linha, e Marguerite apontou para a mão dele. — O que é isso que está segurando? O duque não tinha notado a flecha até então. Deu uma olhada indagadora ao

capitão, que estendeu o objeto. — Encontramos isto cravado na parede. — Penas negras — notou o duque. — Interessante. Poucos homens usavam flechas com pontas emplumadas distintivas. Tentou

lembrar se um de seus arqueiros usava flechas como aquela, mas não conseguiu imaginar quem seria.

O rosto de Marguerite empalideceu. Pediu licença para se retirar, e o comportamento dela pareceu estranho a Guy.

Seus olhos se estreitaram na direção da entrada, e ele se virou para Xavier. — Ela sabe de alguma coisa. Siga-a. — O que você fez? — quis saber Marguerite. Já era o cair da noite quando ela conseguiu escapulir do castelo. Estava

preocupadíssima com a flecha, aterrorizada com o que significava. A garganta doía com as lágrimas contidas, e as mãos se apertaram quando tentou manter a histeria sob controle.

Callum a estudou, os olhos questionadores. Ela prosseguiu: — Quase uma dúzia de homens foi assassinada na noite passada na guarnição

inglesa. Encontraram uma das suas flechas lá. O rosto dele não moveu um único músculo. Como uma parede de granito, ele não

revelava absolutamente nada. Abalada, ela sussurrou: — Esteve lá na noite passada? Ele inclinou a cabeça em concordância, e o coração dela disparou. Encarou-o com

descrença. — E você matou aqueles homens? Callum balançou a cabeça. Embora ela quisesse acreditar nele, o coração bradava

dentro do peito. — Por que foi com eles? Não havia motivo para isso. — Sabendo que ele não podia

responder, despejou sua raiva: — Não sabe que vão descobrir? Meu pai planeja executar todos os homens que estiveram lá na noite passada.

As lágrimas se libertaram, apesar da resolução de não chorar. — Acha que quero ver você enforcado, sua cabeça cortada como a de um traidor? Callum segurou as mãos dela, a boca tensa de raiva. Marguerite se soltou, as

lágrimas escorrendo livremente pelo rosto. A fúria e o medo eram tão fortes que ela tremia.

— O que aconteceu naquela noite? — murmurou. Callum se agachou num dos joelhos, espanando as agulhas de pinheiro para revelar

a terra. Depois de pensar um pouco, escreveu: Prisoneros.

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Marguerite sacudiu a cabeça, sem entender. — Mas não havia prisioneiros lá. É um pequeno posto avançado. — Tomando o

galho dele, consertou a grafia da palavra. Ele deu de ombros e escreveu outra vez: Não matei ninguém. — Então por que encontraram uma das suas flechas lá? Eu estava zangado. — Quem foi responsável por isso? Os homens do meu pai estavam envolvidos? —

Ela olhou para o chão, esperando as respostas. Escoceses. Mais uma centena de perguntas brotava dentro dela, mas Marguerite parou de

perguntar. Não adiantava de nada. Queria encostar o rosto no peito dele, abraçar apertado o homem que tinha seu

coração. Mas se ousasse desafiar o pai agora, o duque poderia acusar Callum de liderar o ataque à guarnição. E ele morreria por isso.

Callum se postou diante dela. Embora não conseguisse olhá-lo nos olhos, ela sentia a intensidade silenciosa de sua presença. Marguerite continuou deixando as lágrimas caírem, desejando que Callum pudesse de alguma forma falar com ela.

Mas não havia palavra nenhuma. Só o olhar mudo de um homem cujo silêncio seria visto como culpa.

— Não pode se defender — sussurrou, finalmente buscando o olhar dele. — Você será feito prisioneiro e não poderei fazer nada para impedi-los. Não se você não puder falar.

E apesar de ele ter falado em algumas ocasiões, parecia que tinha pouco controle sobre as palavras. Fosse lá o que tivesse provocado a perda da voz, ainda o mantinha cativo.

— Deve partir agora — ordenou ela, sentindo-se arrasada com a ideia. — Volte para Glen Arrin, antes que descubram você.

Callum sacudiu a cabeça, cruzando os braços sobre o peito. Ela não conseguia entender por que ele não tentaria se salvar. Não percebia o que enfrentaria?

Um leve ruído atraiu a atenção de Marguerite, que congelou, como se alguém os estivesse observando. Fosse ou não um animal, ela precisava retornar.

Tomou as mãos dele, o pulso disparado. — Sei que não quer partir, mas deve. — Ela olhou naqueles profundos olhos

castanhos. — Você salvou a minha vida na batalha. Agora me deixe salvar a sua. Ele entrelaçou as mãos no cabelo dela, mas a expressão era impenetrável. — Não. — Por quê? Prefere morrer? — Agarrou a cabeça dele, a raiva ardendo dentro dela.

— Acha que vou deixar que isso aconteça? — Se partir, você casa com ele. — Os olhos castanhos estavam quase negros por

causa da própria frustração, e Marguerite o apertou mais, como se para usar qualquer meio disponível para convencê-lo.

— Eu me casaria com Satã para mantê-lo vivo. — Ergueu a boca, precisando mostrar, sem palavras, o que ele significava para ela.

Os lábios se misturaram e, na força dos braços dele, Marguerite se sentiu inteira. Queria que Callum ficasse, queria ajudá-lo a vencer as muralhas do silêncio. Ele estava faminto por palavras e precisava da ajuda dela. Mas não havia escolha. Teria que partir ou encarar a morte.

Callum a beijou com força, os braços apertando-a como se pudesse capturar seu espírito. Ao deslizar a língua em sua boca, ela lhe deu passagem, os quadris colados nos dele.

Cada pensamento na mente dela desapareceu quando as línguas se encontraram, lembrando-a de quando fizeram amor. O corpo dele ficou rígido, as mãos se aproximaram

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das nádegas, trazendo-a mais perto. Marguerite se entregou aos instintos que urgiam dentro dela, os lábios inchados

beijando-o com força enquanto a ereção se espremia em sua maciez. Estava tremendo nos braços dele, querendo muito mais do que poderia ter. A respiração acelerou nos pulmões e o desejo turvou os pensamentos que giravam em sua cabeça.

— Marguerite — disse ele, afastando-se para fitá-la. Nos olhos escuros, ela viu o homem que não tinha medo nenhum do futuro. Parecia

não se importar por ela estar comprometida com outro. Callum não queria nenhuma outra mulher, apenas ela. E embora desejasse lutar

para ficar com ele, Marguerite nunca o deixaria morrer. Não se pudesse salvá-lo. — Quer que seu pai saiba? Marguerite se virou diante da porta de seu quarto. No corredor estava o capitão dos

guardas de seu pai, Xavier. — O que você quer dizer? — Ela se virou para o homem. O rosto fino era presunçoso, e ela não confiava nem um pouco nele. — Segui você esta noite. E a vi com o escocês. O mudo que trabalha no estábulo. O olhar astuto fez o coração de Marguerite se apertar. Se ele contasse ao duque

que ela beijara Callum, não haveria como não conhecer as profundezas da fúria de seu pai. Ela olhou o capitão, sem querer lhe revelar nada.

— O que vai pagar pelo meu silêncio? — quis ele saber. A ameaça ultrapassou o medo e a deixou enraivecida. Aproveitando-se disso, deu

um passo na direção dele. — Quanto pagaria para se manter vivo? O gelo permeava sua voz quando puxou a faca de refeição e a apontou para ele. — Tudo o que tenho que fazer é dizer ao meu pai que tentou me machucar, que

tentou me forçar suas atenções, e você vai sentir o chicote nas costas. Talvez pior. — Seria uma mentira. Ela forçou um sorrisinho. — Mas ele acreditaria em mim, não em você. Então se ousar espalhar histórias ao

meu pai, lembre-se do que eu posso fazer com você. Ele a encarou, a expressão tão dura quanto ferro. Marguerite tinha ganhado um

inimigo naquela noite, pois não duvidava que Xavier esperava encher os bolsos de prata. Mas ela não se deixaria ser ameaçada.

Depois que ele se foi, Marguerite não conseguiu acalmar as batidas do coração. Embora tentasse parecer serena, estava morrendo de medo por Callum. Ele seria descoberto se não partisse.

Marguerite entrou nos aposentos e sentou-se enquanto a criada cuidava de seu vestido e seu cabelo. Os lábios ainda estavam inchados do beijo de Callum, o corpo, no limite. Havia começado a chover lá fora, e ela se sentia preocupada com ele andando entre as árvores.

Olhou para seu quarto e a pequena cama com lençóis macios e cobertas quentes. Viveu durante toda a vida nos melhores castelos e casas, usando vestidos caros e comendo refeições exóticas. Esta era sua vida, e seu pai jamais permitiria nada menos.

Porém já não era mais o que ela queria. Marguerite dispensou a criada e foi ficar parada na pequena fenda da janela,

observando a escuridão. Se estivesse casada com Callum, jamais viveria num castelo nem usaria vestidos como este. Não haveria criadas nem servos.

Gostara do tempo que passou com os MacKinloch, mas tinha sido muito diferente. Eles lutavam para sobreviver, não lhes preocupava que marido traria mais status. Quando

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analisava a própria vida, sentia-se egoísta e vazia. Ela fechou os olhos, recostando-se na parede do quarto. Sua única esperança era

falar com o conde, convencê-lo de alguma maneira a liberá-la do casamento. Desta vez, o pai não protestou quando ela pediu para sair para cavalgar sozinha

com o conde. Embora lorde Penrith parecesse bastante amável, Marguerite temia contar a ele a verdade. Tomou a liderança, conduzindo-o para longe do castelo, até a colina com vista para o mar.

Ao ver as ondas azuis lavando a faixa de areia, pensou em Callum ensinando-a a nadar na manhã que passou em seus braços. A culpa corou suas bochechas, mas precisava falar com o conde e fazê-lo entender por que não podia casar com ele.

Uma vez que pararam os cavalos, o conde segurou as rédeas e a encarou. — Você insinuou antes que não queria este compromisso. Ela balançou a cabeça. — Mas não por sua causa. Os olhos azuis pareciam pensativos quando o conde lhe estendeu a mão,

convidando-a para andar. — Está tão certa assim de que não seria um bom casamento? — Seria errado. E embora meu pai vá ficar furioso comigo, você merece minha

honestidade. — As faces arderam, mas ela se obrigou a continuar com a confissão: — Você merece uma esposa virgem na sua cama nupcial.

Ele ficou sem dizer nada por um longo tempo, dando-lhe as costas enquanto pensava. Marguerite esperava raiva ou uma resposta mordaz. Em vez disso, ele fitava o mar.

— Cometi muitos erros na minha vida — prosseguiu Marguerite. — Mas seria um erro ainda maior deixá-lo acreditar que eu seria uma boa esposa. Não posso casar com você.

A expressão do conde se tornou pensativa. — Não sabe nada sobre mim, lady Marguerite. Ela esperava que ele continuasse, então o conde acrescentou: — Eu também sei o que é gostar de outra pessoa. Alguém que não é adequado ao

casamento. Quando lançou o olhar sobre ela, Marguerite viu uma sombra familiar em seu olhar,

mas ele a escondeu com um sorriso sardônico. — Não vejo motivo para não encontrarmos uma solução que beneficie nós dois. — O que quer dizer? — Mantenha seu amante — sugeriu ele. — Faça com que ele fique conosco na

Inglaterra, se for da sua vontade. Desde que seja discreta, não a impedirei. O choque a deixou muda. Não fazia ideia de como responder a tal oferta. — E se eu engravidar dele? O conde deu de ombros. — Então não terei que dividir a cama com você. — A expressão nos olhos dele

falava de um homem que não queria exercer seu dever matrimonial. — Firmei este compromisso porque preciso de um herdeiro para as minhas terras. Se você me der um, não me importará quem seja o pai.

— Não entendo. O rosto dele revelava um traço de amargura. — Uma dama como você não entenderia. Mas acho que nos daríamos bem. Gosto

do seu senso de honra. E de você. O olhar dela procurou o chão.

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— Libere-me, lorde Penrith. Por favor. — Não — foi a resposta dele. Embora tivesse falado a palavra com leveza, Marguerite pressentiu o aço em seu

tom. Era um homem que possuía a própria autoridade, com determinação semelhante à dela.

Ele abrandou a recusa ao lhe dar um aperto suave na mão. — Considere minha oferta, lady Marguerite. Um casamento respeitável, uma aliança

forte e vista grossa para o seu amante. Deve ser o bastante para você. Talvez devesse, mas não era. Não compreendia aquela atitude indiferente com

relação à fidelidade. A maioria dos homens ficaria furiosa por descobrir que a esposa já não era mais inocente. Mas o conde era diferente dos outros pretendentes que conhecera.

Lorde Penrith retornou aos cavalos e esperou para reacomodá-la na sela. Deu uma olhada em Marguerite, que viu nos olhos dele um homem decidido a manter o noivado. Embora não compreendesse os motivos dele para querer o casamento, algo no comportamento dele a incomodava.

— Sinto muito — disse ao conde —, mas devo falar com meu pai. Não posso casar com você.

O rosto dele era um bloco de mármore liso, inatingível. — Peça, se é o deseja, lady Marguerite. Mas não tenho nenhuma intenção de

romper nosso compromisso. Callum passou a maior parte da manhã considerando o que fazer. A insistência de

Marguerite para que voltasse para Glen Arrin pesava sobre ele. Embora compreendesse que ela não o queria envolvido na chacina, se partisse agora, ele a perderia.

Ela assinara o compromisso de casamento, e o pai a coagiria a casar com o conde de Penrith. Estava convencido disto.

Sim, o afastamento poderia salvar sua vida, mas sua vida não passava de um vazio sem ela. Não estava disposto a deixar que os temores dela ditassem seus atos. Por

que deveria se esconder como um criminoso só porque o pai de Marguerite tinha poder? Se fugisse, seria o mesmo que admitir a culpa.

Callum pendurou o arco nos ombros e pegou o longo caminho até o castelo, pretendendo retornar ao estábulo. Na cintura, carregava o saco com o pergaminho, a pena e a tinta que Marguerite lhe dera. Embora talvez não fosse necessário, poderia ao menos escrever algumas palavras em sua defesa.

Antes que chegasse ao castelo, viu um ajuntamento de homens, logo fora dos portões. Entre eles, avistou Iagar.

— MacKinloch — veio a voz do homem. — Estamos deixando Duncraig. Você vem conosco.

Callum olhou Iagar e sacudiu a cabeça. Será que aquele homem achava que obedeceria cegamente a um estranho? Mantendo uma expressão neutra no rosto, continuou sua caminhada até Iagar bloquear seu caminho.

— Pegaram Sileas para interrogatório. Ele vai falar se o torturarem. E quem você acha que ele vai culpar por tudo? — O tom de Iagar se tornou ameaçador. — Estou tentando salvar seu traseiro ingrato, MacKinloch. Venha conosco e se salve.

Callum continuou andando, sem nem se preocupar em olhar para o homem. — Você estava com lady Marguerite naquele dia em que a escoltou na cavalgada. Ditas aquelas palavras, Callum parou. O desgraçado estava ameaçando Marguerite?

A mão apertou o arco e ele lutou para manter a expressão neutra. — É bonita, a moça é bonita sim. O que acha que o pai dela vai fazer quando

descobrir que esteve com um escocês? — Iagar baixou a voz para um sussurro: — Ela é

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boa? Será que devo prová-la, depois que você estiver morto? Callum girou, as mãos buscando a garganta de Iagar, mas descobriu, em vez disso,

a ponta de uma adaga em seu pescoço. — Você não tem escolha, MacKinloch. Se ficar, morrerá. Não se ele pudesse evitar. Callum agarrou o punho do homem e apertou até Iagar

largar a arma. O rosto dele se avermelhou quando lutou para se soltar da mão de Callum, que o olhou feio, deixando o homem saber que quebraria o osso dele se quisesse.

— Morra, então, se é o que quer. — Iagar abaixou-se para pegar a adaga. Callum não tirou os olhos de Iagar enquanto se retirava. — Mas se nos trair, será a sua morte. E a dela.

Capítulo Doze

Quando retornou da cavalgada com o conde, Marguerite ficou surpresa por ver a tia

falando com Xavier, o capitão da guarda. Os dois soldados que eram sua escolta estavam amarrados com cordas.

Depois de entregar o cavalo ao mestre-cavalariço, Marguerite correu até eles. A tia estava com uma expressão exultante no rosto, uma expressão que ela não entendia.

— Por que estes homens estão sendo detidos? — perguntou a Beatrice. — São meus guardas, não são?

— Eles a roubaram, lady Marguerite — respondeu Xavier. — Pegaram pérolas suas e tentaram usá-las para compensação própria.

— Não toleramos roubo aqui — acrescentou a tia. — Cada um perderá uma das mãos pelo que fez.

— Não é roubo — disse Marguerite, colocando-se entre eles. — As pérolas foram um presente para eles e os homens que você puniu. Uma compensação pelo que tiveram que suportar. — Ela se virou para encarar a tia, acrescentando: — Está claro que não pode puni-los por algo que lhes foi dado.

— Leve-os lá para baixo — ordenou a tia. — Minha sobrinha e eu discutiremos o assunto.

O falso ar de benevolência no rosto de Beatrice enojava Marguerite, que avançou e puxou a lâmina na cintura de Xavier. Com alguns cortes na corda, libertou os homens e os mandou embora. Virando-se para Beatrice, ordenou:

— Não os manterá presos. — Você está se excedendo. — Não. — Com a faca ainda na mão, ela avançou para a tia, sentindo uma súbita

onda de raiva nas veias. — Já cansei das suas tentativas de tomar o lugar da minha mãe. Esta é a minha casa, e você não passa da putain do meu pai.

Os olhos de Beatrice brilharam de fúria. — Não tolerarei insultos seus, Marguerite! — Com um gesto, dispensou Xavier. Só quando estava certa de que os homens estavam seguros foi que Marguerite

baixou a faca.

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— Eu avisei para que não fizesse de mim uma inimiga, Marguerite — disse a tia calmamente. — Você mentiu para o duque sobre o nosso conflito.

— Falei a verdade. Você tentou me deixar com fome na minha própria casa. E puniu homens inocentes. — A raiva aumentou, quase a cegando de tanta intensidade. E agora acha que pode punir mais deles?

Um sorriso fino se espalhou no rosto de Beatrice. — Não nego misericórdia. Se você diz que deu joias para estes homens, que seja.

Mas seu pai não vai ficar satisfeito de saber que concedeu favores aos homens dele. A insinuação das palavras dela não passou despercebida. — Não concedi favor nenhum. Só dei uma compensação pelos desfeitos. — Quer dizer suborno, para que deixassem que se encontrasse com seu amante na

floresta — corrigiu Beatrice. — Xavier me falou dele. Um dos MacKinloch, não é? — Ela deu um passo adiante, segurando as saias enquanto subia a escada que levava ao salão. — Eu acabei de vê-lo perto do estábulo.

Uma onda de medo varreu Marguerite, deixando-a muda. Bom Deus, não. Que seja mentira.

Mascarou as emoções, mantendo o tom firme: — Não vai ameaçá-lo. — Não preciso — disse Beatrice. — Xavier o está levando até seu pai agora, para

interrogá-lo. Sugiro que seja cautelosa com o que diz. Ele estava carregando uma aljava cheia de flechas de setas negras, como aquela que encontraram no posto avançado.

Enquanto a tia adentrava o salão, Marguerite se virou e viu Callum cercado de soldados. Ele não fez nenhum movimento para enfrentá-los, e seguiu em custódia sem discutir.

Deus do céu, ela não sabia como salvá-lo sem revelar a relação deles. Guy de Montpierre encarou o escocês diante de si. Era o mudo que recebera abrigo

no estábulo. Um dos soldados pegou a aljava dele e puxou uma flecha de pena negra. — É sua? — perguntou o duque. O escocês acenou que sim, o rosto resguardado de qualquer emoção ou medo.

Olhando os guardas, Guy acenou para que se aproximassem, para prevenir uma tentativa de fuga do arqueiro. Suspeitava que aquele homem tivesse algo a ver com o ataque à guarnição, mas por que teria retornado ao estábulo? Já sabia que vários outros escoceses tinham desaparecido e despachou homens atrás deles. Mas o comportamento deste falava de um homem que possuía grande coragem, ou que era o maior dos idiotas. Curioso, apontou para que o homem se sentasse.

— Não consegue falar nada? Callum não respondeu, mas abriu um saco na cintura e tirou um pedaço de

pergaminho. Intrigado, o duque deixou que o homem sentasse. Poucos sabiam escrever, por isso imaginou se teria aprendido com um padre.

O escocês lutou para segurar a caneta, mas escreveu apenas duas palavras. A primeira era MacKinloch. A segunda era Marguerite.

Ao ver o nome da filha, uma fúria cega tomou conta do duque. Se este homem era um MacKinloch, então tinha convivido com Marguerite durante o tempo em que ficou abrigada com o clã. Suas suspeitas aumentaram, e ele começou a enxergar um padrão no comportamento da filha. Pensar que ela tivesse algum envolvimento com este escocês o enfurecia. Se a tivesse prejudicado de alguma forma, Guy não hesitaria em lhe dar a morte de um traidor.

A sugestão de Beatrice de que ela poderia estar se encontrando em segredo com um homem de repente continha um grão de verdade. Mon Dieu, o escocês devia ser o motivo da relutância de Marguerite em se casar.

MacKinloch baixou a pena, sem dar nenhuma resposta. — Chame Marguerite — ordenou o duque.

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Nos minutos anteriores à chegada dela, ficou encarando o escocês. Se a prejudicou de alguma forma, vai se ver comigo.

Mas só havia a silenciosa expressão de desafio nos olhos de Callum. Quando Marguerite apareceu no salão, levou a mão ao coração por causa do medo.

Pois bem. Ela realmente conhecia aquele membro do clã MacKinloch. — Mentiu para mim — falou o duque com frieza. — Disse que não conhecia este

homem. Mas ele alega ser um MacKinloch. O rosto de Marguerite empalideceu, mas ela assentiu. A vergonha lhe inundou o

rosto, mas ela admitiu: — O nome dele é Callum MacKinloch. O irmão dele, Alex, é o chefe do clã. — Por que ele veio para cá? — quis saber o duque. E por que você mentiu? Não era da natureza de Marguerite dizer mentiras, e, pela maneira como evitava

olhar para o homem, suas suspeitas aumentaram. — Não sei o porquê. — Marguerite — avisou ele, atravessando o salão para se colocar diante dela —,

diga o que sabe sobre este homem. O medo fez seu rosto empalidecer, mas ela disse: — Eu salvei a vida dele, quando era prisioneiro de Cairnross. Ele protegeu todos nós

na batalha, antes que você chegasse com seus homens. É só isso. — É mesmo? — Ele não acreditou nela. Provavelmente estava tentando proteger

aquele homem. — Você o ensinou a escrever? As lágrimas empoçaram nos olhos, mas ela confessou a verdade: — Sim. Fazer tal coisa significava que tinha passado tempo com o MacKinloch. O

pensamento o fez querer esfolar o escocês vivo. As mãos de Guy cerraram-se nas laterais do corpo, e naquele momento o conde de Penrith entrou no salão. Os olhos dele procuraram Marguerite, que lhe fez um apelo silencioso.

O olhar de MacKinloch se voltou para os dois, e Guy não deixou de perceber a expressão possessiva. Aquele escocês de alguma forma acreditava que poderia forçar entrada na vida de Marguerite.

Guy não se importava com as mentiras contadas, nem com o que acontecera no passado. Não deixaria que homem nenhum ameaçasse o futuro da filha. Especialmente se fosse um escocês comum que nem conseguia falar.

Lorde Penrith se aproximou, interrompendo: — Hoje de manhã, lady Marguerite e eu chegamos a um entendimento sobre nosso

casamento. Havia tranquilidade no olhar do homem. Quando se voltou para a filha, Guy viu uma

enorme dor naqueles olhos azuis. A seu favor, não negou a alegação do conde. Penrith parou ao lado dela, tomando-lhe a mão. Fosse lá o que tivesse acontecido no passado, isso não contaria contra Marguerite. A aliança não estava em perigo. Quando Guy olhou a filha, ela deu um aceno silencioso.

O duque se voltou para o escocês, querendo saber mais sobre os ingleses assassinados.

— Esteve lá na noite em que a guarnição foi atacada, não esteve? Callum assentiu. — Ele testemunhou o ataque — interrompeu Marguerite. — A flecha que você

encontrou era dele, de quando tentou impedir os homens. Antes que Callum pudesse dizer qualquer coisa, Marguerite prosseguiu: — Eu falei para ele não ficar aqui, que você poderia culpá-lo pelo ataque. E assim seria, se o homem fosse culpado. Guy ouviu um medo trêmulo na voz da

filha e decidiu usar isso ao seu favor. Perguntou a MacKinloch: — Por que estava lá naquela noite?

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O homem escreveu algumas palavras no pergaminho e o ergueu. — Ele achava que havia prisioneiros no posto avançado — disse Marguerite,

decifrando a caligrafia. — Ele queria libertá-los. — E por que eu devo acreditar que ele é inocente? MacKinloch nada disse, baixando a pena. Seu olhar enfrentava o duque, quase o

desafiando a fazê-lo prisioneiro. — Ele veio até você, em vez de fugir como os outros — interrompeu Marguerite

outra vez. — E quando ele lhe der os nomes, você poderá punir os responsáveis pelas mortes.

— Não tenho motivo para dar minha confiança — contrapôs ele. — Mas pretendo continuar interrogando MacKinloch.

Marguerite se aproximou e segurou o braço do pai. — Sei o que quer dizer. — Naqueles olhos azuis, o pai viu o terror dela e apenas

confirmou a crença de que Marguerite tinha sentimentos pelo escocês. — Sem tortura — apelou. — Eu imploro, solte-o.

Guy não deu resposta, o olhar fixo em MacKinloch. Não havia sinal de medo no rosto do homem, só aceitação.

— Usarei qualquer meio necessário para descobrir a verdade — retrucou, tirando a mão de Marguerite do seu braço.

— Por favor — sussurrou. O duque deixou que ela tirasse as próprias conclusões. Em geral, a própria ameaça

de tortura era bastante para dobrar um homem. Especialmente um que tivesse sofrido tortura antes.

Ele sinalizou para que os homens levassem Callum MacKinloch em custódia. — Levem-no para baixo. Falarei com ele mais tarde. A filha parecia abalada, mas não discutiu. Só depois que MacKinloch saiu é que ela

se voltou para ele. — Não lhe dei nada além de obediência durante a vida inteira. Aceitei casar com o

homem que escolheu e não pedi nada em troca. Na voz dela, ele ouviu o medo e as lágrimas contidas. — Pai, só peço que o deixe voltar para Glen Arrin. — Ele tocou em você? Marguerite baixou a cabeça e a sacudiu em negação. Mas ele viu a culpa e o

embaraço no rosto dela. Outra mentira. Por Deus, ele cortaria o escocês ao meio. — Sr. duque. — O conde se colocou entre eles e pegou a mão de Marguerite. —

Seja lá o que tenha acontecido no passado, lá continuará. Estou bem ciente dos sentimentos de sua filha, e acredito que teremos um início de casamento mais forte se ele começar com o perdão.

Guy estudou lorde Penrith, imaginando se ele falava a verdade. Não havia traço de raiva no rosto do homem e parecia que ele não considerava Marguerite culpada.

Uma fração da tensão sumiu de seus ombros. — O que diz, Marguerite? O rosto dela revelava sofrimento, a boca estava caída. Mas ela acenou em

concordância. — Aceitarei o casamento. — Ela o encarou, o rosto pálido. — Mas se eu descobrir

que machucou Callum, não me caso com o conde nem com homem nenhum. A obstinação dela pegou Guy de surpresa. — Não tem o direito de me dar avisos, filha. Devia ser grata pela benevolência do

conde. — É um voto que será quebrado, se ousar ameaçá-lo. Ela falava sério. Embora a voz permanecesse baixa e calma, ele ouviu a sinceridade

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do tom. Parecia que a filha finalmente criara fibra. Sentiu um grande pesar porque a situação tinha chegado a este ponto. Não

compreendia o que Marguerite enxergava no escocês. O homem era pobre, não tinha nada a lhe oferecer. Ele sem dúvida estava usando os sentimentos dela, tentando melhorar de vida conquistando a sua afeição.

A filha era gentil e possuía um coração mole demais para o próprio bem. E ele arrancaria a lua do céu para mantê-la a salvo.

— Eu juro que não vou machucá-lo. — Havia outras maneiras de garantir que MacKinloch jamais visse Marguerite outra vez. Maneiras pelas quais aquele homenzinho ordinário não sobreviveria, e Guy nem teria que encostar a mão nele.

O alívio no rosto dela o aborreceu, mas Marguerite insistiu: — Desde que ele permaneça bem e vivo, manterei minha palavra. Mas ela não olhou para o conde, tampouco havia alguma esperança de afeição

entre eles. Guy assentiu, jurando colocar um fim naquela relação entre ela e o escocês. A aquiescência dela era a única razão para manter MacKinloch vivo. Dois dias depois — Está andando de um lado para o outro — comentou o conde. Marguerite parou e percebeu que ele tinha razão. Estavam dentro do solar, e lady

Beatrice costurava a um canto. Ela deu uma olhada na matrona, e lorde Penrith adivinhou o que ela queria. Falou baixinho com a senhora e, pouco depois, estavam sozinhos.

Marguerite sentia que as paredes se fechavam sobre ela. Callum estava sendo mantido no depósito subterrâneo, vigiado dia e noite.

— Não me deixam vê-lo — admitiu. — Temo que meu pai não tenha mantido a palavra. — Era estranho confessar isso ao homem que queria casar com ela.

O conde atravessou o cômodo e segurou suas mãos. As palmas estavam quentes, o rosto, preocupado.

— Ele tem mantido, até agora. Marguerite o estudou e comentou: — Você me liberaria do casamento se eu pedisse outra vez? Ele ficou em silêncio por certo tempo, as mãos ainda segurando as dela. — Não, lady Marguerite. Pretendo me casar com você, como concordamos. — Por quê? — Ela encarava o conde, incapaz de compreendê-lo. — Como eu disse antes, preciso de um herdeiro e uma esposa. O duque me

ofereceu um dote generoso por você, um dote que vai me ajudar a reconstruir minhas propriedades.

— Qualquer outra mulher serviria para você. — Não. Ela se desvencilhou das mãos dele, abraçando a própria cintura. — Lamento, não posso desistir de Callum. Eu pertenço a ele. — Vamos nos casar em poucos dias, e eu a levarei para a Inglaterra — disse lorde

Penrith. — Lá você será senhora das minhas propriedades e governará em minha ausência. O resto da minha casa verá um marido e uma esposa que são bons amigos. Mas não dividirei a cama com você.

Ela empalideceu. — Por quê? Se quer um herdeiro, então. O rosto dele assumiu um sorriso zombeteiro. — Meus gostos não envolvem as mulheres. Então veio a compreensão. Isso explicava por que ele nunca tentara beijá-la ou

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conseguir sua afeição. O conde queria a amizade dela, nada mais. — Entende agora por que não me importo se quiser manter um amante, desde que

seja discreta? Ninguém precisa saber disso. Ela fechou os olhos, admitindo: — Callum jamais concordaria. A família e o lar dele estão na Escócia. — Ela respirou

fundo e o encarou. — Deve haver outro meio. O conde tomou-lhe a mão outra vez. — Seu pai deixou seus desejos bem claros, e eu também. Se você se casar comigo,

poderá ter tudo o que quiser, Marguerite. Mas se recusar, seu amante enfrentará a acusação de assassinato.

A amargura recaiu sobre ela ao pensar nisso. Sabia o quanto Callum ficaria zangado se ela se casasse com o conde, mas não via outra maneira de salvar a vida dele.

— O que o meu pai pretende fazer? — Depois do nosso casamento, ele o mandará de volta para seu clã na Escócia.

Enquanto isso, o manterá preso para interrogatório. Ela fechou os olhos, cheia de desconfiança. — Pode mandar uma mensagem para os MacKinloch em Glen Arrin? Os irmãos dele

devem conseguir ajudar. — Sim, posso sim. Ela ouviu as palavras não ditas: Desde que mantenha o nosso compromisso.

Embora não soubesse se poderia manter a promessa, estava grata pelo auxílio do conde. — Preciso ver Callum — implorou. — Preciso saber que não está machucado. O conde a trouxe para perto, levando a mão à sua nuca. — Posso conseguir isso. — A expressão nos olhos dele a assustou, pois não a

compreendeu. — Você poderia passar esta noite com ele, se assim quiser. Ela sentiu um tremor quando ele passou o polegar por sua mandíbula. — Lembre, Marguerite. Preciso de um filho seu. Manchas escuras de sangue manchavam as pedras, e correntes pendiam no chão.

Callum tocou as algemas e sentiu um aperto nos pulmões. Embora não tivesse sido acorrentado pelos soldados, ainda era um prisioneiro. Andou de cá para lá no ínfimo espaço, bem ciente do homem que o vigiava.

O duque não aparecera. Ninguém o interrogou. Ele deixou Callum permanecer na escuridão, sabendo que a espera o levaria bem perto da loucura do cativeiro.

Cada hora, cada instante passado na escuridão fazia com que ele perdesse a noção dos dias e das noites. Não havia outros prisioneiros ali, e o isolamento o levou de volta aos tempos sombrios que havia suportado.

Callum se retirou para a parede ao fundo, sentando-se no chão sujo. Quantas vezes não sentiu o chicote nos ombros, os insultos dos soldados? Tinha sido despedaçado tantas vezes que era um assombro ainda estar de pé.

Fechou os olhos, o passado assomando dentro dele. O ar naquele espaço era frio e bolorento, como na noite em que quase morreu. Naquela noite, despiram-no da túnica, usaram uma corda para amarrá-lo a um poste. Ficou de costas para Cairnross, e os homens colocaram a lâmina afiada de uma espada em sua garganta.

— Você é tão jovem, rapaz — dissera Cairnross. — Mal tem 18, não é? Cresceu preso a correntes. E seu irmão nos causou muitos problemas. Tudo termina esta noite.

Os dentes trincaram enquanto ele encarava o chão. Não fale, avisou a si mesmo. Mas quando o chicote o atingiu, ele mordeu com força até sentir o gosto de sangue na boca.

— Seu irmão pagará pelos próprios erros com a sua vida — dissera Cairnross. — No

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momento em que você gritar de dor, meus homens cortarão sua garganta. Ou você será chicoteado até a morte. A escolha é sua.

A declaração de Cairnross o encheu de horror. Callum lutou para se libertar do poste, mas as cordas raspavam tanto os seus punhos que a pele queimava. O chicote açoitou, mais e mais, e ele mordeu tanto o lábio que a dor se rivalizava às das costas. A lâmina da espada estava entre sua garganta e o poste, e o medo o consumia.

Não queria morrer. Nunca teve a chance de viver, ou de escapar das correntes que o mantinham na escuridão. O corpo tremia sob o ataque do chicote, os joelhos enfraqueciam.

— Grite, maldito! — berrou Cairnross. Ele se recusava a dar aquela satisfação ao homem. Bem no fundo da mente, Callum

encontrou um lugar de silêncio. Um lugar de força onde ninguém poderia tocá-lo. Sim, talvez morresse esta noite. Provavelmente morreria. Mas não lhe daria a satisfação de fazê-lo gritar. Trancafiou qualquer som, os joelhos dobrando. Esperava que a espada beliscasse sua garganta, mas não. O soldado a mantinha pressionada contra a garganta, mas não cortou a pele.

Conforme os minutos se transformaram em uma hora, os golpes diminuíram. Bem lá dentro, ele lutava contra o castigo, buscando o lugar de paz dentro de si mesmo, um lugar onde não havia dor.

E continuava sem fazer som nenhum. O soldado que segurava a espada começou a murmurar uma oração em latim.

Callum não compreendia as palavras, mas reconheceu a oferta de misericórdia. Seria este o momento em que a espada acabaria com sua vida? Já não conseguia

mais ficar de pé. O corpo desabou nas cordas, as costas em carne viva e sangrando. Cairnross já tinha ido embora, concedendo-lhe uma pequena vitória, pois Callum não havia emitido um único som.

— Deixem-no — ordenou o soldado que segurava a espada. — Vai morrer, muito em breve.

Em vez disso, Bram o encontrou. O irmão acalentou o corpo destroçado, chorando abertamente enquanto cuidava dos ferimentos de Callum. Manteve vigília e rezou nas noites seguintes quando ele foi tomado de forte febre, deixando-o lutar pela própria vida.

Mas ele sobreviveu, ao custo da voz. O leve ruído de passos o arrancou da visão. Marguerite desceu a escada, um ar

determinado no rosto. Callum mal percebeu as ordens que ela deu aos guardas ou por que estava ali. As

paredes pareciam se fechar sobre ele, aumentando seu desconforto. Ela estava certa — ele não devia ter retornado. A intensa necessidade de liberdade foi crescendo até não poder mais ser negada, mas não o libertariam.

— Tentei vir mais cedo — sussurrou ela. — Juro, eu tentei. Ele não perguntou como, mas quando os braços dela o envolveram, Callum fechou

os olhos e aspirou seu perfume. Quando ela tocou suas costas, ele estremeceu com a dor fantasmagórica das lembranças.

— Você está bem? Alguém o feriu? — Não — conseguiu dizer. Ele a puxou para o colo, as costas pressionadas na

parede. Com ela em seus braços, Marguerite afastou a escuridão, trazendo-o de volta para o presente.

— Você está tremendo — murmurou ela. — Deixe-me aquecê-lo. — Os braços envolveram o pescoço dele, o corpo se aninhou o mais perto possível.

Estar ali naquela noite, arriscando tudo por ele, era mais do que qualquer um já tinha feito.

— Você vai casar com ele, não vai? — As palavras eram ásperas na garganta, e ele não conseguia pronunciar a frase inteira.

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— Você está falando — murmurou Marguerite, e Callum ouviu a surpresa na voz dela. — Nunca ouvi você dizer tantas palavras antes. — Debruçou-se e beijou a boca dele com suavidade.

Só por causa dela. Marguerite de alguma forma tinha alcançado dentro dele, desbloqueando as palavras. Não questionou como ou por quê, mas ele repetiu a pergunta:

— Você vai casar com ele? Ela parecia pressentir o que ele estava tentando dizer. — Farei o que for preciso para salvar você. A frustração borbulhou dentro dele, pois ela sacrificaria a si mesma. — Não — ordenou ele junto à sua boca. Beijou-a com força, segurando-lhe o rosto

entre as mãos. — Você é minha, Marguerite. Sempre foi. — Se eu me recusar, meu pai vai feri-lo. Não poderia conviver comigo mesma se eu

provocasse tal coisa. — As mãos desceram pelas costas dele. Callum lançou um olhar à porta. — Eles sabem? — As últimas palavras ficaram presas, e ele se obrigou a ir mais

devagar. Uma palavra por vez: — ... sabem que você está aqui? — repetiu. Podia imaginar a reação do duque se descobrisse que Marguerite estava com ele nesse momento.

Ela meneou a cabeça. — É tarde da noite, e quase todo mundo está dormindo. Lorde Penrith. — Um rubor

coloriu as bochechas dela ao mencionar o conde. — ... ele... ele me deu a oportunidade de me despedir de você.

Despedir? Como se ela já tivesse decidido ficar com ele? A raiva que sentia pelo conde aumentou, e ele não acreditou nem por um instante que Penrith desejaria Marguerite sozinha com um prisioneiro.

Callum calou o ressentimento e se obrigou a responder: — Deu? Ela tocou o rosto dele e mudou o rumo da conversa: — Quem eram os outros homens que mataram os soldados ingleses naquela noite? Embora desse o nome dos outros, ele tinha pouco interesse no que lhes

aconteceria. Era tarefa do duque fazer justiça. Mesmo assim, Marguerite pareceu guardar os nomes na memória.

— Direi ao meu pai. Não teria serventia nenhuma. Ele tomou fôlego e falou: — ... não acreditará. Minha palavra, contra a deles. Callum tocou a bochecha dela, observando-a recostar-se em sua palma. Fossem os

verdadeiros culpados capturados ou não, não duvidava que o duque encontraria uma maneira de puni-lo pelo tempo roubado com Marguerite.

Não importava. A vida dele tinha sido bem desprezível, mas Marguerite fora um presente precioso. Um presente que jamais mereceu.

Ao redor da garganta, Marguerite brincava com o pingente de vidro que lhe dera. — Tentarei libertá-lo. Preciso subornar mais guardas. Era um esforço infrutífero, e ele sabia. A única maneira de ser libertado seria com a

concordância do duque. Por enquanto, queria aquele momento com Marguerite. — Fique — murmurou junto à garganta dela. A boca pressionava o pulso, que

ribombava sob a pele. — Enquanto puder. Ela se remexeu no colo dele, escarranchando-se. Callum enrijeceu imediatamente,

lembrando-se de quando a tomou naquele dia na areia. Sob a débil luz da tocha, os olhos dela estavam luminosos, o corpo excitando o dele.

— Você lembra? — murmurou ele. — Lembro-me de quando você estava dentro de mim. — O rosto dela se

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transformou, revelando as próprias necessidades. — Fiquei sem fôlego. Ela se grudou em Callum, que passou as mãos por baixo das saias, tocando as

pernas nuas. A boca de Marguerite se abriu em choque quando as mãos subiram as panturrilhas, por trás dos joelhos. Um tremor se espalhou por ela, que deslizou as mãos por baixo da túnica dele.

— Você é o único homem que quero — confessou, tocando-lhe o peito. — É o homem com quem quero acordar pela manhã. Ninguém mais.

— Então que seja — exigiu ele. As mãos subiram mais, tocando a curva dos quadris, escorregando entre as coxas. Ele nunca lhe dará o mesmo prazer que eu.

Ela fechou os olhos, um suspiro escapando da boca enquanto ele levava os nós dos dedos ao monte macio. Marguerite mordeu o lábio, e ele a ouviu segurar um gemido na garganta.

— Não fale, Marguerite — sussurrou junto à pele dela. — Sem barulho. De encontro à sua mão, ela estava úmida, desejando-o demais. Callum a

atormentou com o mais leve gesto, mexendo os dedos intimamente contra ela. Os seios ardiam por seu toque, e ela ergueu as mãos, lutando para afrouxar o vestido que usava. Era perigoso estar ali com ele, enquanto o resto do castelo dormia. Alguém poderia pegá-los a qualquer momento.

Não havia tempo para o amor lento e gentil. Não, esta era uma necessidade desesperada, de recebê-lo em seu corpo e saborear a última vez juntos. Se o conde um dia decidisse compartilhar sua cama, ela teria esta memória no coração.

As mãos de Callum saíram de baixo das saias para tocar seus ombros. Marguerite sentiu a hesitação dele e o medo de serem pegos juntos.

— Por favor — sussurrou ela, levando as mãos ao calção. Sob a palma, sentiu a pesada excitação, fazendo-o inspirar fundo.

Em silêncio, ela o tocou, explorando-o através da lã áspera. — Fique comigo agora — implorou. A resposta dele foi baixar o vestido, puxando um dos ombros. Os braços ficaram

presos nas mangas apertadas enquanto lhe desnudava os seios. Inclinando-se, provocou o mamilo com a língua. Saboreou, despertando o florescer da paixão proibida que ele oferecia.

Sob a mão, ela sentiu a ereção distendendo, ficando mais rígida. Enquanto Callum a sugava, ela o tomou entre os dedos, esfregando seu membro. Ele a ajudou a se libertar até que ela pudesse sentir o calor da extensão contra sua umidade.

— Sem barulho — sussurrou ele de novo, erguendo-lhe os quadris. Sua grossura estirou a entrada dela, mas Callum entrou com facilidade, como se tivesse sido feito para se unir a ela.

Os braços dela estavam grudados nas laterais do corpo, e Callum a ergueu um pouco mais, deixando-a deslizar nele enquanto a boca beijava a pele nua.

Marguerite se esforçou para não fazer barulho quando ele começou a penetrá-la num ritmo gentil, usando agora a boca para circundar os seios, em mordiscadas quentes que foram subindo até a garganta e desceram pelo ombro. As mãos dele lhe ergueram as nádegas, e ele estava tão rijo que Marguerite arfava enquanto o recebia dentro de si. O tormento de não poder falar ficava cada vez mais intenso, até que ele se retirou do corpo dela, ficando de pé.

Ela estava para protestar quando ele de repente a ergueu, equilibrando suas costas contra a parede. As saias caíram, mas ele as juntou na cintura, segurando-a com força enquanto voltava a tomá-la. Marguerite estava febril, sedenta de desejo por ele.

Embora a voz fosse áspera e entrecortada, ele lhe contou da noite em que perdeu a voz, do horror da espada em sua garganta. Os braços dela o apertaram quando ele a invadiu, contando quantas vezes quase morrera.

As lágrimas assomaram, mas Marguerite deixou que ele liberasse todas as palavras,

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todos os horrores. — Sobrevivi — disse ele, ainda dentro dela, ajustando a posição. Acomodou-lhe o

quadril no dele, e pôs os dedos entre as pernas dela. — Mas você me deu uma razão para lutar. Uma razão para viver.

Ele secou suas lágrimas com beijos, as mãos afagando e acariciando, com o corpo ainda enterrado no dela. Marguerite sentia-se tocada tanto pelas mãos quanto por sua masculinidade. As sensações foram aumentando e ela guiou as mãos de Callum para onde as queria. Os olhos dele consumiam os dela, enquanto Callum a tocava até deixá-la trêmula. Ela se moveu de encontro a ele, sentindo-o penetrar enquanto as mãos a conduziam quase ao limite.

— Eu te amo — disse ela, fixando o olhar no dele. As palavras o abalaram, e ele ficou paralisado, os corpos ainda unidos. A voz era

rouca, mas cada palavra foi clara: — Eu te amo. Marguerite. O coração dela se aqueceu por saber, e as mãos dele se moveram numa carícia

enquanto a tomava com carinho. Continuou a aprofundar a penetração até as carícias rítmicas das mãos levarem-na além da iminência. Marguerite conteve um grito; quando se desfez, a boca dele se fechou sobre o seio numa sucção quente e úmida.

— Eu te amo — repetiu. Então o movimento gentil se transformou no de um homem faminto. Ele acelerou o

passo, investindo nela com tanta força que Marguerite chegou ao ápice novamente, quase chorando com a intensidade do prazer.

Já não se importava mais com o lugar onde estavam ou com a possibilidade de serem pegos. Queria que Callum sentisse o mesmo alívio que ela havia encontrado, os quadris se movendo contra ele. Agarrando-lhe o cabelo, envolveu a cintura dele com as pernas e ele a apoiou na parede outra vez, o corpo se mexendo em golpes rápidos. Ela viu a exaustão no rosto dele, recebia a penetração escorregadia da masculinidade dentro de si, e Callum manteve o ritmo intenso.

— Não case com ele, Marguerite — ordenou. — Vou encontrar uma solução para nós. Eu juro.

Mas quando deixou escapar um gemido e derramou sua essência dentro dela, Marguerite só conseguiu ficar abraçada com ele. As lágrimas encheram seus olhos, pois parecia não existir meio possível de ficar com este homem.

E isso partiu seu coração.

Capítulo Treze

Ela se foi uma hora depois. A escuridão o envolveu, deixando nada além de uma

lembrança. Sentindo o perfume dela grudado nele, Callum fechou os olhos, recostando-se na parede.

Hoje. Ele falaria com o duque e sairia sozinho da prisão. Não duvidava que o pai de Marguerite o deixaria apodrecer ali embaixo, se pudesse.

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O som dos guardas retornando interromperam seus planos. A voz de um homem rompeu o silêncio e uma figura acorrentada caiu no chão, a poucos metros de distância. Na escuridão, era difícil dizer quem era, mas Callum notou as denunciadoras marcas de chicote.

— É você, MacKinloch? — perguntou Sileas. As mãos do homem estavam acorrentadas juntas, mas ele conseguiu se aproximar. Callum não disse nada, deixando o homem acreditar que ainda não tinha

capacidade de falar. Sileas desabou contra a parede ao lado, a cabeça apoiada entre os joelhos.

— Espero que tenha feito uma oração na noite passada. Pois hoje é o dia em que morreremos.

Ele encarou Sileas, esperando que o homem continuasse. — Eu dei os nomes deles. Falei que você estava entre nós. — Uma careta retorceu

seu rosto. — Seremos enforcados por isso. Callum não duvidava que o duque o consideraria culpado, apesar de não ter feito

nada errado. Apenas pelo fato de ter ousado amar Marguerite. Durante a hora seguinte, mal ouviu qualquer palavra do que o homem dizia, pois a

mente examinava maneiras de escapar. Naquele momento, as mãos dele estavam livres e apenas os guardas se encontravam entre ele e a liberdade. Precisava aproveitar a única chance que tinha.

Dentro daquelas paredes de pedra não havia armas. Nenhuma pedra, nenhuma lâmina — nada. A furtividade e a surpresa eram suas únicas vantagens.

O homem começou a murmurar preces outra vez e estava claro que já tinha desistido. Callum ficou de pé, movendo-se na direção da escada e para longe dos ouvidos de Sileas. No topo, os dois guardas bloquearam seu caminho.

— Eu quero falar com o duque — exigiu, frustrado consigo mesmo porque a voz ainda estava rouca e as palavras arranhavam ao sair.

O primeiro guarda pareceu surpreso ao perceber que Callum conseguia produzir sons. Mas encolheu os ombros, respondendo:

— Você será levado perante ele antes do meio-dia. — Por quê? O guarda não disse nada, e Callum suspeitou que a alegação de Sileas, de que

seriam mortos, era verdadeira. — Quem mais? O guarda deu o nome de alguns dos homens envolvidos no ataque, terminando

com: — O velho, você e Iagar Campbell. — A expressão dele se tornou soturna. — Não

vai escapar, se é o que está pensando. Mas Marguerite jurou que não se casaria se ele fosse ferido. Portanto, era

improvável que estivesse presente para testemunhar sua morte. O pai dela inventaria uma desculpa.

— Ele quer que você desapareça, MacKinloch. Por causa da jovem senhora. Callum não duvidava. Guy de Montpierre não hesitaria em puni-lo por tocar em

Marguerite. A maioria dos homens ficaria assustada com a ideia de morrer em poucas horas. Mas ele havia encarado a própria morte tantas vezes que isso não o distraiu de seu propósito. Encontraria uma maneira de fugir, no momento em que menos esperassem.

Murmurou um pedido de desculpas, voltando para as sombras. Ao se retirar, enfiou a adaga roubada na túnica. A arma lhe serviria bem, quando fosse necessária.

O sol da tarde estava alto, espalhando sua luz em meio a nuvens fofas. Marguerite viu os prisioneiros reunidos lá embaixo, os mesmos homens cujos nomes dera ao pai. A justiça seria feita pelos assassinatos.

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Uma leve batida soou na porta e, quando ela mandou que o visitante entrasse, viu o conde de Penrith parado ali. A expressão dele parecia tensa.

— Devia descer, Marguerite. — Não quero assistir a homens sendo enforcados. Mesmo que tenha sido por

assassinato. — E seu amante? Não vai deixar que ele veja o seu rosto pela última vez antes de

morrer? As palavras dele a deixaram espantada. — Callum está lá? Mas meu pai... — Um dos guardas que despachei naquela noite contou ao duque que vocês

passaram horas juntos. — O olhar do conde desceu até a cintura dela. — Será que concebeu alguma criança?

As bochechas dela arderam de vergonha. — Não sei. — Ainda não conseguia se conformar com a disposição do conde em

aceitar um bastardo como filho seu, caso por algum milagre tivesse concebido uma nova vida.

— Se você quiser que ele viva, o tempo está ficando curto. — O conde esperava, e Marguerite agarrou as saias, correndo para fora do aposento.

Desceu a escada em disparada e saiu pelo salão, passando por outro lance de degraus de pedra antes de alcançar a área onde os homens estavam sendo mantidos. Como Penrith previu, Callum estava entre os outros. Achava-se atrás de todos, os braços amarrados nas costas. Uma fileira de sete forcas pendia do cadafalso, uma para cada homem. O pai estava parado à frente, observando enquanto as acusações eram lidas. Marguerite correu para perto do duque.

— O capitão da guarda, Xavier, me avisou que você se encontrou com o escocês. É verdade que passou a última noite com ele? — perguntou o pai.

Marguerite não conseguiu responder. Não havia palavras que o fizessem compreender. Em vez disso, reuniu a coragem e disse:

— Se o executar, não me caso com Penrith. — Sou seu pai — murmurou ele com rispidez. — Durante toda a vida, ofereci de

tudo a você. E é assim que me recompensa? Entregando-se a um homem que não tem nada? Que nunca vai lhe dar a vida que quis para você?

— É a minha vida — murmurou ela. — E ele andaria pelo fogo do inferno se eu pedisse. Não sabe que ele poderia ter ido embora a qualquer momento? Ele ficou por mim.

— Então seu rosto será o último que ele verá quando morrer. O sangue dela congelou nas veias, o corpo ficou dormente ao pensar em Callum

morto com os outros homens. — Não faça isso. Ele foi inocente naquela noite. Ele tentou deter os outros. — Marguerite. — A voz do pai revelava cansaço. — Acredita mesmo que isso é por

causa das mortes na guarnição? Era por ela ousar amar um homem que não possuía a mesma riqueza ou classe. Por

ela ter entregado a virtude por amor, não por dever. — Se o matar, nunca mais volto a falar com você — avisou. — Não terá participação

na minha vida. Começou a se encaminhar até Callum, enquanto levavam um prisioneiro para a

forca. Embora Callum permanecesse imóvel, notou que ele examinava o lugar. Ele olhava para a fileira de arqueiros parados pouco atrás dele, depois voltou o olhar para ela.

O coração se apertou, e Marguerite bebeu os detalhes do rosto forte e do cabelo escuro e longo. Não importava o que tivesse que fazer, ela se negava a ficar parada e vê-lo morrer.

Vai ficar tudo bem, os olhos dele pareciam dizer. Ela não conseguia entender como,

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pois Callum estava cercado por todos os lados. Até o duque estava perto da forca para testemunhar as execuções.

Mas então, sem aviso, um dos prisioneiros se livrou das cordas. Marguerite viu o homem correndo na direção do pai dela e encheu-se de horror quando avistou o brilho de uma faca.

A lâmina reluziu quando ele a ergueu para esfaquear o duque. O pai se encolheu, contendo o homem com toda a força.

Um momento depois, uma flecha cortou o pátio interno, cravando-se nas costas do prisioneiro. Um segundo se passou e ele desabou onde estava.

O pátio inteiro ficou imóvel, e Marguerite viu o arco que Callum havia tomado de um arqueiro próximo. De alguma forma, tinha se libertado das próprias amarras e salvado a vida de seu pai.

O duque o encarou, mas não havia gratidão em seus olhos. Pelo contrário, parecia furioso por ter sido salvo por Callum. Atravessou o espaço entre eles, passando por cima do corpo de seu pretenso assassino.

Os olhares dos dois se firmaram, e Marguerite correu até eles. Algo a fez parar, contudo, quando viu a fúria nos olhos do pai.

— Não sei que papel teve naquele ataque — começou a dizer —, mas os outros dizem que você deve ser enforcado por isso.

— Eu não matei ninguém — disse Callum. — Tarde demais para impedir. O duque o encarou feio antes de voltar o olhar para a filha com uma acusação

velada. Marguerite sentiu a intensidade do ódio e da frustração que o pai nutria pelo homem que ela amava.

— Então você sabe falar — comentou. — Imagino o que mais escondeu. Callum não respondeu, e Marguerite manteve-se em silêncio. Os dois tinham

percebido que uma palavra errada seria a morte dele. Em vez disso, ela se aproximou do pai e segurou sua mão. Ajoelhando-se, levou a

mão dele à testa num apelo silencioso. Deixe-o viver, rezou. Os dedos de Guy tocaram o cabelo coberto pelo véu e Marguerite pôde sentir o

tremor da raiva contida. — Levem-no para o norte, para as montanhas — ordenou o pai. — E deixem-no lá. Marguerite foi tomada pelo choque e ficou de pé. O duque se afastou sem lhe

dispensar um único olhar. Os soldados cercaram Callum, que não fez nenhuma tentativa de escapar da custódia deles.

— Concederei sua vida, em compensação pela minha — avisou o duque —, mas não mostre sua cara para mim outra vez. Nem para minha filha.

A afirmação foi como uma flecha no coração dela, atingindo suas esperanças. Marguerite não tirou os olhos de Callum, embora estivessem turvados pelas lágrimas. Os soldados o arrastaram dali, mas ele manteve o olhar fixo em Marguerite.

Lembre, você é minha. Não me esquecerei de você, ela jurou em silêncio. Meu coração é seu. E quando ele se foi, Marguerite caiu de joelhos, sentindo-se completamente perdida. Deixaram-no com nada além das roupas sobre o corpo. Sem comida, sem água.

Sem abrigo. Era a maneira encontrada pelo duque para executar uma sentença de morte sem encostar a mão nele.

Callum ficou vendado durante a jornada, para que não pudesse saber onde estava. Ele conseguia apenas estimar a distância percorrida, rezando para encontrar alguma paisagem familiar ou um clã nas proximidades.

A região era de um verde radiante com montanhas erguendo-se por todo lado ao redor. As árvores eram menos comuns nesta parte da Escócia, e sem cavalo, ele teria que caminhar quilômetro por quilômetro, sem ter um caminho para se guiar.

Pior, suspeitava que Marguerite teria dado prosseguimento ao casamento. O pai

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havia poupado a vida dele, deixando-a com pouca escolha. Já tinha passado tempo suficiente para que ela agora fosse esposa do conde.

Como uma lenta tortura, a ideia de outro homem tomando seu lugar se infiltrava por sua pele.

Caiu de joelhos junto de um riacho, bebendo da água fria enquanto tentava exorcizar a imagem em sua mente. Sim, eles o deixaram viver. E embora soubesse o bastante para sobreviver no mato, o gosto de qualquer comida lhe pareceria amargo na boca. A maldita sensação de impotência o deixava quase louco. Não sabia onde estava e como encontrá-la outra vez.

E caso se revelasse, o duque o mataria sem titubear. Você nunca mereceu Marguerite, a voz dentro dele avisou. Ela nunca lhe pertenceu. Mas a cada dia, pelo resto de sua vida, Callum se lembraria da dor nos olhos dela

quando o levaram embora. Ela o amava, assim como ele a amava. Tinha ido até ele na escuridão, levando-o para a luz.

Callum subiu uma das colinas, agarrando-se ao capim sedoso para se equilibrar. A cada passo, os pulmões ardiam, o corpo combatia a fraqueza da fome e da falta de sono. Persistente, seguiu em frente, até alcançar o cume.

Por toda parte, só conseguia ver a terra subindo e descendo num mar de verde. Pequenos fios d’água vincavam as colinas, cachoeiras que escavavam rugas prateadas na superfície.

Sentiu a tentação de simplesmente deitar ali e deixar estar. Nunca teria Marguerite, por mais que lutasse por ela. Mesmo quando pediu que deixasse tudo para trás, ela não quis. E o pai nunca lhe concederia liberdade.

A vida dela estava entrelaçada demais a um mundo de nobreza ao qual ele não pertencia. Mas naqueles breves momentos roubados, ela lhe deu o sabor do paraíso. Callum a amava com cada parte de sua alma.

Lá da serra, viu o sol ficar mais alto, espalhando sobre a terra seus raios dourados. A imensidão de seu isolamento o encheu com a visão dos anos que passaria sem ela.

Às vezes se perguntava se a morte não teria sido um presente, ficar com ela até o último suspiro deixar seu corpo. Mas não queria desistir dela, nem abandonar o sonho. Marguerite o queria tanto quanto ele a queria.

Já não esperaria mais que ela tomasse uma decisão ou tentasse se livrar da emaranhada teia de obrigações. Ela devia ser dele, quer alguém acreditasse nisso, quer não.

Callum se levantou, a mente decidida. Desta vez, não perguntaria. Simplesmente a levaria consigo sem pensar nas consequências. Valia a pena morrer por ela.

De sua posição vantajosa, avaliou a paisagem, procurando qualquer coisa que o ajudasse a identificar os arredores. Os olhos se estreitaram num pequeno grupo viajando a cavalo entre as colinas.

Começou a descer, indo até eles numa caminhada rápida, passando depois para uma corrida leve ao atingir a base da colina. Encontraria um jeito de voltar para ela, não importava quanto tempo isso levasse.

O sabor do vinho era amargo, e Marguerite engasgou. Tia Beatrice a olhava, um sorriso de satisfação no rosto.

Uma suspeita horrorosa se confirmou quando Marguerite sentiu um gosto que não deveria estar no vinho.

— O que fez? — quis saber, atirando o cálice longe. O vinho se esparramou pelo chão, e ela não sabia dizer o quanto tinha bebido. Será

que fora envenenada pela tia? Viu o leve aceno do pai e os olhares que os dois trocaram. — Vai começar dentro de uma hora — disse Beatrice, acenando para que um servo

recolhesse a taça caída.

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— O que vai começar? — Marguerite tocou a boca, o gosto de alguma infusão de ervas fazendo-a imaginar sobre o que falavam.

— Venha — disse o pai, levantando-se da cadeira sobre o tablado. O conde estava sentando à esquerda de Marguerite, parecendo espantado com o

que acontecia. O duque simplesmente lhe disse: — Não é nada que deva preocupá-lo, Penrith. Marguerite sentiu o medo aumentar por dentro quando o pai tomou sua mão e a

levou para cima. Atrás dela, vinha tia Beatrice. Ele a levou para o quarto e dispensou a criada que estava lá, remendando um vestido.

Assim que a porta foi fechada após a passagem da criada, o pai dela falou: — Beatrice lhe deu uma mistura de ervas para expelir qualquer criança que possa

ter concebido com MacKinloch. Marguerite se sentou na cama, as entranhas geladas de terror. Embora acreditasse

não haver criança nenhuma, as ações deles eram inimagináveis. A ideia de que matariam um bebê ainda por nascer a horrorizava. Levou as mãos à barriga, e, apesar de ainda não sentir os efeitos das ervas, viu o ar horrível de determinação no rosto do pai.

— Você o odeia tanto assim? — perguntou ao pai, enquanto a tia se sentava numa cadeira.

— Oui — respondeu o pai. — Ele não vai ganhar nenhuma parte do seu dote, nem vai tirar vantagem de você. Ele não tem nada para lhe dar, Marguerite.

Exceto amor. Ela estava se despedaçando por dentro, porque o pai jamais compreenderia o que ela sentia por Callum. Quando olhou no rosto dele, viu uma mistura de raiva e preocupação. Mais uma vez, ele a tratava como se fosse uma menininha desobediente que devia ser castigada. Aos olhos dele, era incapaz de tomar decisões por si mesma.

Machucava seu coração saber que o pai que havia amado por tantos anos estava mais interessado na própria ambição do que na felicidade da filha. A bruta realidade a atingiu quando as primeiras cólicas tomaram seu útero.

Ela se encolheu na cama, sendo inteiramente engolida pela dor. Como fora ingênua por nutrir esperanças de que, com o tempo, ele aceitaria sua decisão. Não aceitaria. Jamais acreditaria que Callum MacKinloch era bom o bastante para ela. Escolher o homem que amava significava romper para sempre com a família.

Veio outra dor, e ela se dobrou, sentindo como se parte dela estivesse sendo rasgada. Nas poucas horas seguintes, ficou deitada em angústia na cama, olhando para a parede enquanto o corpo respondia ao veneno herbal.

Mas não chorou. A dor dentro dela não podia ser aliviada com lágrimas. Tinha alcançado seu coração, rompendo a adoração de uma menininha pelo pai. Cauterizou qualquer sentimento de obediência ou lealdade que um dia lhe dera.

O duque já não era mais o homem que a colocava nos joelhos, contando histórias. Já não era mais o homem que prendia sua cabeça debaixo do queixo, abraçando-a enquanto ela brincava com o anel de ouro em seu dedo. Nem o homem que jurara mantê-la a salvo a qualquer custo.

Ele tinha se transformado no homem que destruiu suas esperanças, deixando-a absolutamente sem nada. E por isso, ela nunca o perdoaria.

— Callum! — exclamou seu irmão Bram. Callum acelerou o passo, surpreso por ver seus três irmãos a cavalo. Um sorriso

inesperado surgiu no seu rosto ao vê-los. Quando fizeram os cavalos parar, os irmãos o seguraram com força, todos falando ao mesmo tempo.

— Recebemos uma mensagem de Marguerite há alguns dias.

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— O que está fazendo aqui? Onde está seu cavalo? — ... de que precisava da nossa ajuda. Callum ergueu as mãos e os encarou. — Muita coisa aconteceu. Falamos enquanto comemos. O som da voz dele pareceu deixar todos num silêncio espantado. Alex foi o primeiro

a se recuperar, e seu sorriso era ofuscante. — Sua voz está de volta. Graças a Deus! Bram deixou escapar um suspiro. Passou a mão pelo cabelo escuro e falou: — Sim, temos muito a agradecer. Seu irmão caçula, Dougal, parecia surpreso, mas enquanto cuidava dos cavalos,

perguntou: — E Marguerite? — Vou voltar por ela. Callum explicou o que tinha acontecido e quais eram as suas intenções. Embora às

vezes a voz falhasse, estava ganhando força. Ele conseguiu falar o bastante para se fazer entender.

Eles montaram acampamento, e os irmãos lhe ofereceram comida e hidromel que satisfizessem a fome e a sede. Na presença deles, Callum sentia o calmo apoio. Não poderia expressar em palavras o quanto significava que tivessem vindo em seu auxílio.

Mais tarde, naquela noite, Bram foi para perto dele enquanto Alex e Dougal

dormiam. Deitaram-se no capim, vendo as estrelas que pontilhavam o céu escuro. — É perigoso o que você está querendo fazer. Callum não negou. — Você faria o mesmo, se fosse Nairna. — Eu mataria qualquer homem vivo que tentasse tirá-la de mim. — Então sabe como é. — Levou a mão à sacola na cintura, tocando a fita

esfarrapada que Marguerite lhe devolvera. — O pai dela nunca lhe dará liberdade. Mas não posso deixar que case com o conde. Não agora.

— O duque sabe onde vivemos. Se você a roubar, ele levará um exército atrás dela. Callum se recostou, cruzando os braços sob a cabeça. — Ele queria que eu morresse aqui. Se eu ficar escondido, talvez ele acredite. — Ela compensa o risco? — perguntou Bram. — Ela me devolveu a voz. Não falou que Marguerite também lhe dera a inocência. A ligação física foi muito

mais profunda do que ele esperava. Quando se uniu a ela, descobriu a outra metade de si mesmo.

E não viveria sem ela outra vez.

Capítulo Catorze

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O barco aguardava, a quilômetros da praia, para levá-la para o sul pela costa oeste da Escócia até Gales. De lá, continuariam por terra a viagem até as propriedades do conde na Inglaterra.

Marguerite olhou para seus pertences empacotados, sentindo-se perdida e sozinha. O pai tinha aceitado a proposta do conde de que se casassem na Inglaterra, e não ali. Depois de toda a inquietação e as memórias amargas, seria um começo melhor para eles. Sem mencionar que a levaria para longe dos MacKinloch.

A desolação infiltrava-se pela pele, enchia as veias. Ela havia sofrido nos últimos dias com a dor e o sangramento, até os efeitos das ervas passarem. O corpo estava fraco e sua mente parecia entorpecida e incerta. Marguerite se obrigou a comer um pouco naquela manhã, mas mal notou a comida.

Será que Callum sobreviveu? Embora o pai tivesse mandado que o levassem para longe, ela não sabia se teria sido abandonado no mato ou morto. Não lhe deram armas, nem comida — nada para sobreviver nas severas terras do norte. E não havia como saber se os irmãos o tinham encontrado.

Pensar na morte de Callum mudou sua própria vontade de viver. Que razão tinha para seguir em frente, suportando um casamento que não queria, com um homem que nunca a amaria? Era como se seu pai estivesse modelando sua vida a partir do barro, moldando e destruindo seus próprios esforços.

Ela era como um vaso vazio, cozido pelas ambições do pai, sem nenhum poder próprio. A raiva fria a transformava, fazendo-a imaginar que último ato de imprudência finalmente lhe conquistaria a liberdade.

As criadas a vestiram com uma túnica rosa e um vestido creme, antes de trançarem seu cabelo e prendê-lo numa rede dourada. Um véu branco cobria sua cabeça, circundando o pescoço. Marguerite observou seu reflexo num espelho de prata polida. Embora a mulher diante dela parecesse calma e serena, por dentro, a preocupação consumia sua mente.

Antes de sair do quarto, foi até um dos baús e recuperou um arco e uma aljava cheia de flechas de penas negras. Ela as recuperara dos guardas depois da

libertação de Callum. — Minha senhora? — questionou uma das criadas, mas Marguerite não respondeu. Manteve as armas junto de si, caminhando devagar pela escada espiralada. Lá fora, seu cavalo aguardava, e ela prendeu o arco e a aljava à sela. Além da

primeira muralha, lorde Penrith supervisionava o carregamento do dote nas carroças. Marguerite ficou afastada, observando-o. De todos os homens que o pai poderia ter escolhido, o conde parecia mesmo o mais adequado. Se não fosse pelo amor de Callum, não acharia nada difícil casar com aquele jovem bonito e gentil.

Mas seu amor pertencia ao guerreiro silencioso que havia capturado seu coração com um único olhar. Ele lhe dera paixão, fizera com que se sentisse viva. Podia ter prometido levar o casamento adiante, mas isso não mudaria seus sentimentos por Callum.

Agora sentia que estava sufocada, que sua vida era puxada em todas as direções erradas. Queria uma hora para si mesma, um momento para chorar sua perda.

Depois que o mestre-cavalariço a ajudou a montar no cavalo, ela conduziu o animal para falar com o conde.

— Gostaria de sair para cavalgar — disse a ele. — Só por uma hora, antes de partirmos.

A expressão dele ficou desconfiada ao ver o arco e a aljava sobre a sela. — Não pode ir sozinha. — Havia um aviso no rosto dele, como se temesse que

Marguerite tentasse fugir. A verdade era que não poderia sobreviver sozinha mesmo que quisesse. Não sabia

como encontrar comida ou abrigo, e provavelmente morreria em um dia se tentasse.

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— Prometo retornar. — Pretende procurar por ele? — A expressão de Penrith permaneceu neutra,

embora Marguerite visse a inquietação em seus olhos. — Ele foi levado há quatro dias. Não sou tão tola para acreditar que poderia

encontrá-lo em uma hora. — Vamos embarcar em breve — lembrou Penrith. Segurou a mão dela e a apertou

com firmeza. — Não vai me dar a chance de prantear? — respondeu ela. — Eu...eu preciso de um

tempo. Mesmo que não fosse fazer nada além de vagar pelas árvores ou visitar o lago onde

Callum lhe ensinou a nadar, isso ajudaria a cicatrizar as recordações. Ele a encarou, sem compreender nada. — Há muito que fazer aqui, Marguerite, antes de partirmos. E não permitirei que

volte atrás em nosso acordo. O duque deixou MacKinloch vivo. Agora você deve cumprir sua parte na barganha casando-se comigo.

Marguerite baixou o olhar para o chão. Simplesmente não tinha energia para protestar. Sentia-se tão perdida, tão indisposta a se entregar para outro homem, que não sabia mais o que fazer. Fixou o olhar na floresta, lembrando-se dos dias passados com Callum e de como havia sido dormir em seus braços.

O conde deu um suspiro, levando a mão dela aos lábios. — Provavelmente sou o maior idiota do mundo. Vá, então, se significa tanto para

você. Deixarei que tenha uma hora. Nada mais. Um sorriso surgiu, e ela apertou a mão dele em resposta. — Você é um bom homem, meu senhor. — Seu dote reparará minhas propriedades — foi a resposta pragmática. — E seu pai

ofereceu pagar uma grande quantia, caso eu fizesse vista grossa para os seus atos. — Cruzou os braços e a encarou com desconfiança. — Mas se não voltar.

— Voltarei — prometeu. Ele a acompanhou até o portão e, em poucos minutos, Marguerite estava

cavalgando sozinha na direção da floresta. As árvores a cercaram, filtrando a luz do sol. Marguerite virou o cavalo na direção do lago, deixando a mente vagar. Enquanto continuava a adentrar o bosque, sentiu uma inquietação, como se estivesse sendo observada. Mas não havia ninguém, apenas sons imaginários.

Quando chegou às margens do lago, pegou um punhado de pedrinhas e as atirou na água, observando a superfície ondular.

Deus, que ele esteja bem, ela rezou. Que ele esteja vivo. A vasta solidão se abateu sobre ela, até que não conseguisse mais saber se poderia

levar o casamento adiante. A ideia de viver cada dia com um homem que não a desejava, ou pior, ter que suportar o toque dele para conceber o filho que ele queria, era como se afogar. Não sabia se conseguiria fazer isso.

Virou-se para a égua e apanhou o arco e a aljava de Callum. O peso da arma era equilibrado e, quando seus dedos apertaram a madeira, Marguerite pôde sentir a presença e a força dele. Quando tentou puxar a corda, era tão retesada que não conseguiu afastar mais do que alguns centímetros. Encaixou uma das flechas na corda, imaginando se conseguiria fazer um disparo.

— Está querendo uma aula? — soou uma voz profunda atrás dela. O arco caiu das mãos, e ela viu Callum parado a poucos passos. Alheia a qualquer

coisa, voou para os braços dele, apertando-o com força. Atrás dele estavam os irmãos, que os observaram por um instante antes de se retirarem para as sombras.

— Você está vivo — sussurrou, erguendo a boca para ele. O beijo de boas-vindas era uma mistura de agradecimento, uma súbita onda de júbilo mesclada com lágrimas. — Você está bem? — perguntou, afastando-se para vê-lo.

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O rosto mostrava que não tinha dormido nos últimos dias, mas não havia sinais externos de sofrimento.

As mãos dele entrelaçaram-se em seus cabelos, erguendo-lhe o rosto. Encostando a testa na dela, ele disse:

— Vim para levá-la comigo, Marguerite. Ela fechou os olhos, preenchendo seus sentidos com Callum. O som da voz dele,

tão raro no passado, lhe era querido. Tinha se tornado mais forte, mais fluente, em poucos dias.

Nos braços dele sentia-se inteira novamente, e as promessas que havia feito ao conde já não guardavam nenhum peso. O desejo de deixar tudo para trás para ficar com este homem era tudo o que ela queria.

— Se eu for — murmurou —, jamais verei minha família, não é? — Ela ergueu os olhos e viu Callum assentir.

Antes, o fato a mantinha longe dele, pois queria as duas coisas. Queria manter o amor do pai, continuar sendo uma filha adorada aos olhos dele. E queria o homem que ele jamais aprovaria.

Agora Marguerite sabia a verdade: só podia escolher um ou outro. — Vai me amar bastante, já que não terei mais uma família? — Até o último sopro de vida deixar meu corpo. — Ele a abraçou tão forte que

Marguerite já não sabia mais onde um terminava e o outro começava. — Que bom. — Sorriu e segurou a mão dele. Callum apanhou o arco caído e pendurou a aljava num dos ombros. Com a mão dele

na sua, Marguerite não tinha dúvida de que havia tomado a decisão certa. Não poderia existir outra.

Ele a recolocou na égua e montou atrás dela. Os irmãos dele se colocaram um de cada lado, e Marguerite os cumprimentou. Embora Bram e Alex fossem bastante amigáveis, ela sentiu a tensão deles.

Então Dougal veio correndo através das árvores. Embora o adolescente tentasse mostrar coragem no rosto, ela viu o medo nos olhos dele.

— Estão vindo atrás dela. Ouvindo isso, o pavor lhe inundou as veias. O conde tinha contado ao duque. Ou

talvez tivesse pressentido a verdade e mandado os próprios homens. — Quem? — quis saber Callum, puxando uma flecha da aljava. — Dúzias de soldados. Se não a deixarmos voltar, eles vão matar a todos nós. Em seus braços, Callum pôde sentir a súbita mudança em Marguerite. A cabeça

baixou e as mãos procuraram as dele. — Eu devia saber — sussurrou. — O conde não me deixaria quebrar a promessa. Callum incitou com força o cavalo, cavalgando para o norte o mais depressa que o

animal podia. Os irmãos o seguiram, Dougal tentando alcançá-los. Se fosse um exército, seria difícil vencê-lo na corrida — especialmente com ele e Marguerite dividindo o mesmo cavalo. Mas tinha que tentar.

— Não vou desistir de você — disse ele ao ouvido dela. Marguerite se debruçou, segurando-se com força no cavalo, mas ele podia sentir o

medo dela aumentando. Quando saíram da floresta, Callum começou a mudar de direção. Mais atrás, ouvia-

se o som de cavalos se aproximando. Dando uma olhada, avistou pelo menos trinta homens, galopando depressa.

Seu irmão Alex se aproximou, erguendo a voz por causa do vento. — Callum, eles vão nos alcançar. Ele ignorou as palavras, tentando aumentar o passo do animal, mas a égua de

Marguerite era velha, uma montaria gentil desacostumada a tal velocidade. Ela estava lutando para obedecer e ele sabia que seria questão de tempo para perderem a dianteira.

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Bram ficou para trás, e Callum compreendeu que o irmão estava se oferecendo para ganhar tempo para ele, lutar com os homens e fazer o que podia para atrasá-los. Mas se ele escolhesse esta batalha, seria um risco muito grande. Bram morreria na tentativa, deixando para trás a esposa, Nairna, que esperava um filho.

Callum praguejou. Quando alcançou o terreno montanhoso, fez a égua parar. A respiração dela era ofegante, os flancos estavam escorregadios de suor.

Marguerite estava tão calada e imóvel que ele pressentiu o que diria. Ele a tomou num abraço que dizia mais do que palavras. Queria que ela soubesse que, se os enfrentassem, preferiria morrer ao seu lado a viver milhares de dias sem ela.

— Não posso deixar que seus irmãos morram por você — disse ela, por fim, a voz vazia. Puxando a perna para o lado, descansou o rosto no peito dele enquanto o exército se aproximava. — Você me deu os melhores dias da minha vida. Nunca amarei outro homem tanto quanto te amo agora.

— Não vá — exigiu ele. — Fique comigo e lute. Marguerite tocou-lhe o rosto. — Acho que sempre soube que nossos caminhos nunca poderiam se unir. — Os

olhos azuis marejaram e uma lágrima rolou. — Só queria ter esperanças de que, de alguma forma, encontraríamos uma saída.

A dor de perdê-la estava partindo a alma dele ao meio. Callum a manteve nos braços, beijando-a com ardor. Sentiu o gosto das lágrimas e a amargura da perda.

— Mantenha uma parte de mim no seu coração — sussurrou ela. — Você sempre viverá no meu.

Então desmontou do cavalo e começou sua caminhada solitária na direção dos guardas que esperavam por ela.

O pai e o conde estavam entre os homens. Marguerite parou de andar no meio do caminho. Lorde Penrith ergueu a mão, sinalizando para que os homens se contivessem.

Por um longo instante, ela sustentou o olhar vazio de Callum. Os irmãos falaram com ele, que apenas ordenou que fossem embora.

Marguerite via nos olhos dele que Callum não queria deixá-la ir. Estava esperando por algum sinal de que ela quisesse ficar com ele. Mas se ela tentasse, Callum e os irmãos morreriam.

Só existia uma maneira de forçá-lo a ir embora. Levou os dedos aos lábios e lhe deu as costas, voltando para os homens que a aguardavam.

A força de seu pesar estava engasgada nos pulmões. Em seguida, aproximou-se de um dos soldados, reconhecendo o cavalo que montava. Era o garanhão de Callum, Goliath.

— Dê-me sua montaria — ordenou. Quando ele obedeceu, Marguerite puxou o cavalo e o guiou na direção de Callum,

que ainda esperava. Ele deu um assobio agudo, e o cavalo obedeceu, voltando para o dono. Marguerite o viu desmontar e arrumar a sela da égua, que também lhe foi devolvida.

Sobre a sela, ele havia amarrado a fita de cabelo que tinha pegado há tanto tempo. E quando Marguerite a viu, compreendeu que Callum já não a guardaria mais. Ele a estava deixando partir.

Ela lançou um último olhar para Callum, que desapareceu colina acima. O soldado a ajudou a subir na égua, e isso foi tudo que Marguerite pôde fazer para

não cair em soluços. Em vez disso, segurou o pedaço esfarrapado de seda e conduziu a montaria para diante de seu pai. Deixou claro que ele não devia mandar homem nenhum atrás dos MacKinloch. Se necessário, ela se colocaria entre eles.

A expressão do duque era grave, e ele não falou com a filha. Depois que alguns minutos se passaram, Marguerite ordenou:

— Mande que os soldados voltem para Duncraig, senhor duque. — A palavra “pai”

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pesava na língua, e ela descobriu que já não podia mais chamá-lo assim. Guy de Montpierre a estudou, depois deu a ordem. Os soldados se retiraram, mas

ela só recuou quando eles estavam longe. Lorde Penrith levou o cavalo para perto de Marguerite, pegando as rédeas da égua e conduzindo-a para a costa.

Ela foi com ele, bem ciente de sua raiva. — Você trouxe meu pai aqui, não foi? Ele devia ter reunido os homens do duque tão logo ela saiu. Ou a teria seguido? Ele assentiu. — Eu sabia que MacKinloch viria atrás de você. Marguerite ergueu os olhos confusos para ele. — Eu nem sabia que ele estava vivo. — Um homem como Callum MacKinloch não morre fácil. Especialmente quando tem

uma mulher como você por quem viver. Marguerite não sabia o que dizer, então ficou em silêncio enquanto cavalgavam o

resto do trajeto até a praia. Um barco grande esperava por eles afastado da costa. Os criados tinham carregado barcos menores e estavam transportando suprimentos de cá para lá. Seus próprios baús se encontravam entre eles.

O conde a ajudou a desmontar e entregou a égua para outro criado. — Você acha que não a compreendo. Acha que não sei o que é amar alguém com

quem não se pode estar. — Uma expressão estoica surgiu no rosto dele. — Mas está enganada.

Marguerite viu nos olhos dele a frustração da perda. O conde estava se casando com ela por obrigação, nada mais.

— Não seremos felizes, nenhum de nós dois. — Não — admitiu ele. — Mas você, pelo menos, não me pedirá mais do que posso

dar. — Um sorriso torto surgiu no rosto dele. — Não será tão ruim, Marguerite. O conde lhe tomou a mão e a conduziu ao barco. Não largou a mão dela, e quando

embarcaram, ordenou que os homens remassem até o barco maior. Marguerite olhava a água cinzenta, sentindo que pedaços de si mesma eram

levados pelas ondas. Quando ergueu os olhos para as colinas, não havia sinal de Callum ou seus irmãos. Eles tinham ido embora.

O vazio preencheu cada parte sua, deixando-a numa desolação que tornava difícil respirar. As mãos estavam geladas nas palmas do conde, que a conduziu a bordo do barco. Marguerite se afastou dele, encaminhando-se para a proa. Apoiou os braços na madeira, sentindo o vento passar por seu rosto e pelo cabelo.

Ao redor dela, os homens continuavam carregando o barco. O pai embarcou com os últimos homens. Olhando de esguelha, percebeu que ele queria falar com ela. A expressão dele parecia cansada, como se tivesse envelhecido uma dúzia de anos.

A tarde se transformara em noite, e o duque foi para perto dela. — Navegaremos rumo ao sul por algumas horas e depois baixaremos âncora para

passar a noite — informou. Normalmente não navegariam antes da maré da manhã, mas ela sabia que isso era

para colocar mais distância entre ela e os homens MacKinloch. — Marguerite, ouviu o que eu disse? — Tocou o braço da filha, que o repeliu. — Não tenho nada para falar com você. — Deixamos que ele fosse embora — disse o pai. — Mantive minha palavra e

permiti que ele vivesse. Lentamente, ela o encarou. Ali diante dela estava o homem que antes adorava, o

homem que foi o único conforto que teve. — Por quê? — perguntou ela baixinho. — Por que é tão importante que eu me case

com o conde, e não com Callum? Minhas irmãs já têm casamentos fortes. Você não precisa desta aliança.

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— Você é a minha última filha. Quero o que é melhor para você. — Não enxerga o que é melhor para mim. Quero viver com o homem que me amará

pelo resto da vida. Os outros homens só enxergam meu rico dote. Mas Callum vê a mim. O vento se tornou mais frio sobre sua pele, e o barco começou a deslizar sobre a

água. — Nada disso lhe importa, não é? — Esqueça-se dele, Marguerite. Ele não tem serventia para você. Ela não se preocupou em desperdiçar palavras, tentando convencer um homem

cego a enxergar a verdade. Em vez disso, afastou-se dele, precisando se distanciar de todos e ficar sozinha com seus pensamentos.

Sua mente estava em turbilhão, como as ondas que atingiam as laterais do barco. A cada milha vencida, via sua chance de felicidade escapar.

Callum não desistiu nenhuma vez. Tinha viajado inúmeros dias para encontrá-la. Mesmo no fim estava disposto a lutar para levá-la consigo.

A água gelada parecia debochar dela, afastá-la do homem que amava. Os criados prepararam uma refeição leve para todos e a chamaram para comer. Ela ignorou os chamados; não tinha apetite algum.

Atrás de si, ouvia os ruídos dos homens comendo e os sussurros a seu respeito. Estavam sem dúvida se congratulando por tê-la salvado dos MacKinloch.

Ela odiava todos eles por isso. Quando a escuridão se espalhou pelo céu, encobrindo o sol, o conde se aproximou

dela outra vez. Ficou ao seu lado, as mãos sobre a murada do barco. — Está tudo bem, Marguerite? — Você sabe que não. — Deixou escapar um suspiro, as mãos se retorceram. — Palavras não vão tranquilizá-la, vão? Ela sacudiu a cabeça. — Se a pessoa que você ama estivesse naquela praia, e você estivesse no meu

lugar, o que faria? Ele ficou completamente imóvel, sem responder, por um longo tempo. Em seguida,

admitiu: — Eu abandonaria o barco. Marguerite o encarou e segurou as mãos dele. — Nós dois estamos agindo como covardes. Você não quer casar comigo, pois ama

outra pessoa. — É diferente comigo. — Será? Você é o conde de Penrith. Tem dúzias de propriedades; não há motivo

para que desista da própria felicidade. — Já sou tratado como pária porque tenho o favor dele. Muitos homens querem me

matar porque sou o que sou. A Igreja acredita. — Você está feliz, vivendo assim? — interrompeu ela. O conde permaneceu em silêncio, fitando a água. — Não. Mas não tenho escolha. — Não há mais ninguém que possa ser seu herdeiro? Penrith sacudiu a cabeça vagarosamente. — Meus irmãos estão mortos. Sou o último da família, e se eu não tiver um herdeiro,

perderei minhas terras para o rei. — Uma melancolia permeava o rosto do conde, que acrescentou: — Vê? Você não é a única pessoa com muito a perder.

Passou o braço pelos ombros dela, e o gesto lhe deu um pouco de conforto. — Marguerite, se eu pudesse encontrar uma saída para nós dois, eu a agarraria. Ela engoliu em seco, sentindo-se tomada de medo. — Existe uma saída. Mas você não vai gostar da ideia. A mão dele apertou seu ombro.

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— Conte-me. — Esqueça-se dela, Callum — aconselhou Alex. — O duque nos liberou. Se

procurar por ela outra vez, duvido que ele o deixará viver. — Vou cavalgando até a costa — respondeu. — Para vê-la partir. Bram pousou a mão sobre seu ombro. — Lamento, irmão. Nós tentamos. — Ela fez isso para nos salvar — murmurou. Marguerite se sacrificara por todos eles, concedendo-lhes a vida. — Vamos montar acampamento aqui — disse Alex. — Vá à praia, se é o seu desejo.

Estaremos aqui quando retornar. Callum acenou com a cabeça e montou Goliath, incitando o cavalo na direção da

praia. O animal manteve um passo forte, mas quando chegaram ao local de onde o barco tinha partido, as recordações o assaltaram.

Ali ensinara Marguerite a nadar, antes de aquecê-la com a fogueira e se deitar com ela. Lembrou-se de como era estar dentro dela, observando o rosto corar com um prazer arrasador. E na noite em que ele estava preso, ela foi até ele, oferecendo-se.

Deus do céu, como ele a amava. Amava sua beleza serena e sua coragem. A maneira como o ensinou a escrever, oferecendo uma saída para o silêncio sufocante. Deixá-la partir foi a coisa mais difícil que teve que fazer.

Mesmo agora, considerava impossível esquecê-la. Callum observou o navio se afastando. Depois levou o cavalo para o sul, cavalgando

paralelamente ao seu trajeto até ficar escuro demais para ver as velas brancas enfunadas ao vento.

Fazendo Goliath parar, assistiu ao barco desaparecer na névoa. Nenhuma mulher significaria tanto para ele quanto Marguerite. Mas ela agora estava longe, e ele não tinha escolha a não ser deixá-la ir.

Baixou a cabeça sobre o cavalo, fechando os olhos por causa da dor de perder aquela mulher. Mas não havia mais nada que pudesse fazer.

Nada mesmo. — Não pode fazer isso — insistia o conde. — Meu pai nunca vai me deixar em paz, a menos que acredite que estou morta —

disse Marguerite. — É a única maneira. — E se você morrer de verdade? — Então não terei que sofrer, vivendo sem Callum. — É imprudente e tolo. — O conde sacudiu a cabeça, recusando. — Não posso

permitir. — Escute-me — sussurrou. Ergueu as mãos e tocou o rosto dele. — Quero que nós

dois sejamos felizes. Volte para a Inglaterra. Leve a pessoa que você ama para a sua casa e me liberte. — Ficou na ponta dos pés e deu um beijo em seu rosto. — Quero fazer isso, lorde Penrith.

— Peter — corrigiu ele. Apesar de sorrir, Marguerite viu o pesar no rosto dele. — Perderei seu dote, não é? — Se um dia eu encontrar uma maneira de retribuir, eu lhe entregarei cada joia que

eu tiver. Ele deu um suspiro.

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— Sei que vou me arrepender disso. — Confie em mim — prometeu. — Vai ficar tudo bem. Ele a abraçou, mas naquele contato não havia nenhum sinal de atração. Penrith

poderia muito bem ter sido um irmão amado. — Rezarei por você — disse ele. — E eu por sua própria felicidade. — Embora seu estômago revirasse de pavor, era

hora de colocar os medos de lado e buscar o que queria. Mesmo que isso envolvesse um risco enorme. — Ainda há luz suficiente. Tenho que ir agora.

— Tem certeza? Marguerite assentiu. — Então leve isto com você. — Ele puxou um remo do casco de um dos barcos. —

Pode evitar que se afogue. Ela o encostou à murada do barco e o abraçou outra vez. — Pode me ajudar com as roupas de cima? O peso vai me puxar para baixo se eu

usar tudo isso. Lorde Penrith se aproximou dela e a beijou como faria um amante, deixando que os

outros acreditassem no que quisessem. O beijo foi intenso e, apesar de não fazer nada para excitá-la, deu-lhe a chance de desamarrar a túnica, afrouxando-a dos ombros. Quando se afastou, Penrith bloqueou a visão para que Marguerite a tirasse, largando-a no chão do barco. Apesar de estar preocupada com o peso do vestido e da camisa, talvez precisasse do calor daquelas peças quando chegasse em terra.

Pegou o remo e sorriu para o conde. — Procure sua própria felicidade, meu senhor. Assim como eu farei. E dizendo isso, pulou no mar, segurando com força a madeira quando a água

gelada lhe encobriu a cabeça.

Capítulo Quinze

A água estava tão fria que parecia congelar seus membros. Marguerite fazia enorme

esforço com o remo, que não a estava ajudando a flutuar. Uma onda encharcou seu rosto e ela lutou para respirar.

Continue, insistia consigo mesma. Mas ela não era nem de perto uma boa nadadora, e seus pés não conseguiam tocar o fundo.

Ouviu atrás de si os gritos dos homens e outra onda surgiu como se alguém a perseguisse. O som de ambos a fez perceber que se não começasse a nadar o máximo possível, eles iriam apenas levá-la de volta.

— Marguerite! — era a voz do conde. Segundos depois, ela o ouviu nadando em sua direção. Então um braço forte

envolveu sua cintura e a levantou acima da água. — Tolinha. — sussurrou ele em seu ouvido. — Você não é forte o suficiente, não é? — E-eu tenho que tentar — sussurrou ela em resposta. — Deixe-me ir.

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Mas em vez de levá-la de volta ao barco, ela notou que ele estava nadando em direção à terra firme, levando-a consigo.

— Joguei seu vestido na água, para que eles não notassem — murmurou ele, mantendo-a acima das ondas. Quando estavam perto da costa, perguntou: — Você consegue tocar o fundo?

Quando ela se afastou dele, a água chegava na boca quando ela ficava na ponta dos dedos.

— S-sim. — A água congelante fazia seus membros doerem, mas ela poderia continuar dali em diante sozinha.

— Esconda-se nas colinas — disse ele, deixando-a ir. — Boa sorte, Marguerite. Ela o ouviu nadar de volta ao barco, então sussurrou em resposta: — Boa sorte. O que ele fez por ela significava muito. Marguerite tinha esperança de que Penrith

procuraria a própria felicidade com a pessoa que amava. Um homem como o conde não merecia nada menos.

O corpo estava pesado com a fadiga, mas aos tropeços ela fez seu caminho até a costa. Incapaz de ver qualquer coisa, conseguia apenas ter uma noção de distância conforme seguia em frente, com a água cada vez mais rasa. Cada minuto era interminável, seu corpo tremia violentamente.

Quando chegou à areia, desabou de joelhos, incapaz de dar outro passo. Atrás dela, os gritos continuavam, e Marguerite ouviu a voz angustiada de seu pai.

Levante-se, ela se ordenou. Precisava continuar, não importava o quão difícil fosse. Dentro de si, imaginava o rosto de Callum, tentando tirar forças desta visão. Se ela pudesse encontrá-lo, tudo teria valido a pena. Não se deixaria pensar no quanto haviam navegado ou na quase impossibilidade de achá-lo.

O tempo passava, e ela escalava a encosta da colina, sem saber aonde estava indo ou como sequer poderia alcançar Callum. Não conhecia o terreno, e o céu pouco iluminava.

Ela andou, sentindo a tontura tomar conta de seu corpo. A rede dourada e o véu que usava pareciam pesar contra sua cabeça e seu pescoço. Ela os afrouxou até que caíssem no chão.

O vestido fino estava úmido em sua pele, e o vento a fazia tremer ainda mais. Era difícil respirar, e ela se sentia ofegante.

Quanto tempo havia passado? Minutos ou horas, ela não sabia dizer. As mãos estavam dormentes e, quando ela tentava levantar a bainha do vestido, seus dedos não respondiam.

Ela continuava andando, agora sem senso de direção. Estava voltando na direção do castelo de seu pai? Ou adentrando ainda mais no mato? Sem aviso, ela perdeu o equilíbrio e tropeçou, e seu corpo desabou no chão. A grama abaixo dela era macia, e amorteceu a queda. Quanto tempo restava até a manhã? Talvez, caso ela se deitasse para descansar, pudesse ter uma visão melhor quando o sol brilhasse.

Aninhada no chão, olhava o céu noturno, imaginando se havia feito o que era certo. Não sabia se o conde iria mentir em seu favor ou o que ele falaria para seu pai.

Seus batimentos aceleravam no peito, e ela lutava para se acalmar. Havia perdido seus sapatos na água, e seus pés descalços estavam tão frios que ela nem sequer os sentia.

Durma, uma voz dentro dela insistia. Não lute mais contra o sono. Callum despertou antes do amanhecer, com um pesadelo. A inquietação o deixava

desconfortável, sentindo que havia algo de errado. Não sabia exatamente o que era, mas

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encontrou-se empacotando a tenda e os lençóis com um sentimento de urgência. Deu uma mordida na carne-seca e no bolo de aveia que havia trazido consigo como

comida para a viagem, e então preparou Goliath para a jornada de volta para casa. Protegendo seus olhos contra o sol, olhou adiante para as areias da praia e a água brilhante. Não havia sinais do barco. Marguerite sumira, como ele já esperava.

Deveria se juntar aos irmãos e retornar para casa. Mas algo o detinha ali. Callum encontrou-se cavalgando pela costa novamente, procurando por qualquer sinal do barco, mesmo sendo inútil.

Eles já haviam partido, levando Marguerite junto. O pesar e a raiva vieram tão intensamente que ele cavalgava Goliath em seu passo

mais rápido, extravasando as emoções. A cada quilômetro, ele se enfurecia contra a injustiça de não ser capaz de levar Marguerite consigo. Sentia saudade de seu sorriso delicado e do modo como olhava para ele, como se fosse o único homem que importava.

Nunca haveria nenhuma outra para ele. Não igual a ela. Callum baixou seu rosto junto à crina de Goliath, descansando por um momento

antes de puxar as rédeas para voltar. Seus irmãos o esperavam. Foi então que avistou algo branco no chão. Ele se aproximou com Goliath, e,

quando viu, seu coração acelerou. Eram o véu e a rede dourada que Marguerite estava usando no cabelo. Como foram

parar ali? Os instintos de caçador afloraram, e ele começou a rastrear a grama amassada,

puxando o cavalo enquanto traçava o caminho. Ia para longe do mar, o movimento indo para uma direção, depois outra como se ela estivesse desorientada.

Seguiu os rastros, incerto do que encontraria. Seu corpo tremia enquanto investigava cada pegada, cada pista.

E quando alcançou uma clareira, avistou o corpo de uma mulher caído imóvel no chão.

Callum precipitou-se numa corrida, fazendo mil orações enquanto a mente congelava de medo. Quando chegou ao lado da mulher, ele a virou.

Era Marguerite. A pele estava gelada, e ela não reagiu ao seu toque. Callum pôs a mão sobre seu

coração e mal conseguiu detectar as batidas. Deus do céu, como Marguerite fora parar ali?!

Ela usava apenas um fino vestido e estava sem sapatos ou algo que lhe cobrisse a cabeça. Callum não sabia por quanto tempo permaneceu ali deitada, exposta ao tempo.

O terror o atingiu quando pensou que ela poderia morrer. Marguerite havia tentado voltar para junto dele, e suas roupas estavam encharcadas com a água do mar. Era um milagre ela ter chegado tão longe, já que havia acabado de aprender a nadar.

— Marguerite — disse ele, tocando seu rosto gélido. — Olhe para mim, Marguerite. Ela não respondeu e ele não sabia como ajudá-la. Foi até o cavalo e trouxe uma

coberta de lã, que colocou sobre os ombros dela. Quando ele a ergueu em seus braços, Marguerite parecia não notar sua presença.

Não morra, rogou. Montou no cavalo, embalando-a enquanto voltava ao lugar onde havia deixado seus

irmãos. Nem uma vez sequer ela abriu os olhos, mas Callum tentou aquecê-la ao longo do caminho.

A cavalgada era interminável, e todas as suas atenções se concentravam nela. O risco que ela havia corrido era muito grande, e Callum não tinha certeza de que ela iria acordar. Seu rosto estava muito pálido, a respiração mal movia o peito.

Mais à frente, avistou a fogueira no local onde seus irmãos haviam acampado. Quando os alcançou, desmontou, levando Marguerite consigo. Bram e Alex se levantaram; Dougal ainda dormia.

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— Eu a encontrei — falou Callum. — Ela tentou ...deixar. — As palavras tropeçavam em sua boca, incapazes de formar um pensamento coeso. Tudo que ele podia fazer era segurá-la como se apenas seu toque pudesse mantê-la com ele.

Dougal tinha acordado e estava olhando para Marguerite. — Ela está viva? Não parece estar. — Ela está — disse Bram. — Por enquanto. As palavras escapavam de Callum neste momento, o tormento invadia sua

consciência ao pensar em Marguerite morrendo. Não poderia deixar isso acontecer. Não depois de tudo que ela suportou durante a tentativa de fuga.

Dougal sabiamente se afastou. — Eu irei cuidar do seu cavalo. — Por quanto tempo ela ficou ao relento? — perguntou Alex. Callum não tinha como saber, e apenas balançou a cabeça. Seu irmão trocou

olhares com Bram. — Você terá que aquecê-la. — Alex mandou Bram arrumar a tenda novamente e

cobrir o chão com cobertores. — Tire a roupa molhada e a esquente colocando sua pele em contato com a dela.

Callum deu a Alex um olhar de aviso. — Não. olhe. — Calma, Callum. — O rosto de Alex transparecia seu divertimento. — Nós dois

somos homens casados. Não acha que Laren e Nairna iriam querer nossas cabeças se tivéssemos o atrevimento de olhar para outra mulher nua?

Suas provocações diminuíram a tensão de alguma forma, e então as palavras vieram mais facilmente a Callum:

— Não significa...eu confio. Enquanto seus irmãos se ocupavam em cuidar da fogueira e de aquecer água para

o chá, Callum carregou o corpo de Marguerite para dentro da tenda e a deitou sobre as peles de animais. Fechou a entrada da tenda para que tivessem mais privacidade. Com a mão em seu pescoço, ele mal sentia o pulso.

Você precisa viver, rezou. Com as mãos trêmulas, tirou o vestido molhado e depois a camisa. A pele dela estava gelada, e Callum a aninhou nos lençóis.

Quando saiu da tenda, viu Alex com uma caneca de madeira contendo um líquido quente.

— Você pode tentar fazê-la beber isso. Não é muito, mas pode ajudar a aquecê-la por dentro.

A bebida não era pouco mais que água aquecida, mas ele a pegou de seu irmão. Antes de entrar na tenda, Alex lembrou:

— Pele com pele, Callum. Isto irá aquecê-la mais rapidamente. Seu irmão Bram lhe lançou um olhar sagaz. — E não há nada de errado em aproveitar seu tempo com uma linda mulher nua. — Dougal será voluntário, caso você seja muito tímido — provocou Alex. — Ele não

tem esposa para lhe cortar a cabeça. O rosto do irmão mais novo enrubesceu fortemente, e ele se apressou a voltar aos

cavalos, ignorando o comentário. Callum apontou para a praia e ordenou: — Devemos...encontrar o barco. — Você teme que o duque venha atrás dela — previu Alex. Ele assentiu. Eles já deviam estar procurando, e ele não estava disposto a deixar

que a encontrassem. — Eles devem achar que ela está morta — respondeu Alex. — A maioria das

mulheres não sobreviveria ao que ela passou. O lembrete apenas abasteceu o medo de Callum de que ela talvez não

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sobrevivesse. Marguerite estava muito fria e sem reação. — Encontrem-nos — repetiu, e viu Bram acenar concordando. Ele confiou que descobririam se os soldados estavam próximos enquanto se

dedicava a Marguerite. Apressadamente, ele se abaixou de volta à tenda e tentou levantar a cabeça dela.

— Abra os olhos — rogou. — Marguerite, por favor. Enquanto ela continuava inconsciente, ele a segurou em seus braços, dando-lhe

suporte. — Beba — murmurou, tentando levar a caneca aos lábios dela. O líquido morno escorreu pelos lados da face, e ele então percebeu que precisaria

tentar uma tática diferente. Tomando um pequeno gole do líquido, levou seus lábios aos dela, abrindo-os

gentilmente. Ele então soltou a água morna em sua boca deliberadamente devagar. Como Marguerite não tossiu nem cuspiu, Callum tentou de novo, transferindo a água morna até ela beber metade da caneca. Era o suficiente por ora.

Ele se despiu das próprias roupas e afastou o cobertor. O corpo dela estava pálido, mas a imagem de seus seios e dos quadris estreitos o fizeram ranger os dentes com as lembranças de seus corpos sendo um só.

Quando ele moveu seu corpo para cima dela, enrolados no cobertor, sentiu o quanto a pele dela estava fria. Marguerite não se movia nem dava nenhum sinal de reação.

Ele a puxou para bem perto, deixou a cabeça encaixada debaixo do seu queixo, a pele congelada contra a sua.

— Você irá viver, a ghràidh — prometeu. Se a força de vontade dele mantivesse o coração dela batendo, ele iria fazer de tudo para isso.

Marguerite dormiu junto dele, com sua pele macia ficando cada vez mais aquecida. Ele falava com ela num fluxo de palavras, dizendo o quanto ela significava para ele. Dizendo como cuidaria dela e a amaria pelo resto de seus dias.

Horas se passaram, e seus irmãos deixaram comida fora da tenda. Callum tentou fazer com que Marguerite comesse, mas ela continuava sem reação. Ele a cobriu com os cobertores e se vestiu, antes de sair novamente da tenda para falar com seus irmãos.

— Onde está o barco? — Ainda ao sul — respondeu Dougal. — Enquanto você estava com a dama, eu

cavalguei pela costa com Bram. Parece que eles ainda a estão procurando na água. — Precisamos levá-la de volta para Glen Arrin — avisou Alex —, antes que alguém

nos ache aqui. Apesar de Marguerite não estar mais tão gelada, Callum não tinha certeza se era

sábio removê-la. Mas sabia que o pai dela provavelmente retornaria e a encontraria se eles continuassem ali.

— Está bem — concordou. — Nós a levaremos de volta. Ele analisou seus irmãos e olhou para a tenda. Só tinham algumas poucas horas

para desaparecer nas colinas, onde o duque e seus homens não os encontrariam. Podia apenas rezar para que ela sobrevivesse à viagem. Callum amparou Marguerite durante a severa cavalgada. Como após três dias ela

ainda não havia acordado, Alex decidiu apressar o passo com medo de que morresse de inanição. Na noite anterior, Callum tentou fazê-la beber mais água, mas, apesar de ter bebido, Marguerite continuava sem se mexer.

Sua vida estava por um fio. E ele não sabia como salvá-la. Quando chegaram a Glen Arrin naquela noite, um alívio o inundou. As outras

mulheres sabiam mais sobre cura que ele, e tinha esperanças de que Nairna ou Laren

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pudessem ajudar a reanimar Marguerite. Conforme se aproximavam, Callum saudou a imagem da fortaleza. Tinham

continuado a reconstruí-la durante a primavera e o verão, estava maior que antigamente, e já quase completa. Muros de calcário erguiam-se ao redor da fortaleza, e as torres de madeira estavam sendo preenchidas com pedras, para eventualmente se transformarem em um castelo.

Mesmo assim a vista de sua casa não aliviava seu medo. A pele de Marguerite estava em brasa, e ela sofria com a febre desde o dia anterior. Não sabia o que fazer por ela, nunca havia se sentido tão desamparado. Podia lutar contra qualquer inimigo, mas este adversário invisível talvez a tomasse dele.

Nairna e Laren estavam lá para saudá-los, mas seus sorrisos sumiram assim que viram Marguerite em seus braços.

— Ela está.? — sussurrou Laren. Seu rosto parecia desolado, e ela se agarrou à sua barriga de grávida, como se isso pudesse protegê-la de tal possibilidade.

— Ela não está morta. — Callum passou por elas, em direção à fortaleza. Mas o medo de perder Marguerite já o havia machucado tanto que ele não aguentava mais.

Nairna, que já estava avançada em sua gravidez, lutou para alcançá-los. — Traga-a para dentro. Nós colocaremos Adaira com Laren e Alex. Ela indicou o caminho, e Callum arrumou Marguerite em seus braços para passar

pela escada estreita. — É bom ouvir você falar de novo, Callum — disse Nairna discretamente. — Eu

sempre soube que você conseguiria. — Abriu a porta de um pequeno quarto com uma única cama dentro. Um leve sorriso surgiu em sua boca. — Se alguém fosse capaz de ajudá-lo, eu sempre soube que seria Marguerite.

Ele a aninhou em seus braços e olhou para a esposa do irmão. — Ela não pode morrer. — Com toda a gentileza, deitou Marguerite na cama,

cobrindo-a com um cobertor. — Tem alguém que possa curá-la? — Sua mãe deve ter alguns remédios para ajudar. — Ela se recostou na parede,

colocando as mãos sobre o ventre. Em resposta ao olhar de preocupação, confessou: — Eu fico tonta de vez em quando. Mas isso passa.

— Mas você e Laren estão bem? Ela acenou com a cabeça. — Nossas crianças virão no outono. — Olhando para Marguerite, perguntou: —

Callum, o duque sabe que ela está aqui? — Ela se jogou do navio. Acho que o pai dela acredita que está morta. — Ele sentou

ao lado de Marguerite, tocando seus cabelos. — Era a única forma de ele a deixar em paz. Marguerite rompeu o noivado para ficar comigo.

Os olhos de Nairna se encheram de lágrimas. A porta do quarto se entreabriu, e Bram estendeu uma bandeja com uma substância

líquida. — Eu trouxe um caldo, caso você ache que ela consegue beber. Callum indicou para que seu irmão o colocasse na mesa. — Chame nossa mãe e eu ficarei aqui com ela. — É de você que ela mais precisa agora, Callum. — Nairna tocou seu ombro e

retornou para o marido, fechando a porta ao sair. Depois que todos se foram, ele se sentou ao lado de Marguerite. Apesar de ela

finalmente ter superado os efeitos da friagem, a febre o preocupava. A transpiração deixava úmida a testa dela, e Marguerite estava tão pálida que ele não sabia se havia feito o suficiente para salvá-la.

Meses atrás, ela veio até ele. Banhou-o e cuidou de suas feridas, deixando-o descansar a cabeça em seu colo. Sua compaixão alcançou sua mente sombria, proporcionando-lhe, pela primeira vez, paz.

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Era estranho falar com ela enquanto estava inconsciente, mas Callum sentiu que ela estava ali, de alguma forma. Que podia ouvi-lo.

Ele se deitou ao lado dela, trazendo-a para perto. Marguerite estava tão quente que ele não achava sábio que ela permanecesse vestindo tantas roupas pesadas. Com grande cuidado, Callum a despiu, tirando suas vestes até que ela estivesse apenas com a camisa. O linho agarrou-se a pele, e ele trouxe a cabeça dela para descansar em seu peito.

— Eu não irei deixá-la, Marguerite. Nem em vida. Nem na morte. — Ele pressionou a boca contra a têmpora dela, acariciando seus cabelos novamente. — Lutei demais por você.

O cansaço das noites que ele passou fazendo vigília começava a pesar contra sua determinação.

— Você irá casar comigo quando estiver melhor. Eu irei construir uma casa, em qualquer lugar que você queira.

Uma semente de arrependimento brotava dentro dele, pois não poderia jamais dar a ela um castelo como aquele.

— Não será muito grande, mas será o suficiente para nós. Ao redor do pescoço dela, Callum observou a corrente que segurava o pingente de

vidro que lhe dera. Marguerite o estava usando, muito embora houvesse partido. Ele levantou a corrente, seu leve peso descansou em sua palma. Feito de vidro,

deveria ser frágil, mesmo assim permanecia forte. Como Marguerite. Callum respirou fundo e voltou a falar. Ele enchia os ouvidos dela com histórias,

falando até que sua voz ficou rouca. As lembranças dela o puxaram de uma imensa escuridão, quando ele sofria com os açoites. Se a voz dele pudesse de alguma forma fazer o mesmo por Marguerite, ele falaria por quanto tempo conseguisse.

Quando por fim se sentiu cansado demais para pronunciar uma palavra sequer, Callum se esticou ao lado dela, segurando-a em seus braços. Era como se a amarrasse a ele, forçando-a a ficar.

Quando sua mãe, Grizel, chegou na manhã seguinte, trazia um chá de odor

desagradável. — Disseram que você está falando novamente. — Ela olhou para Callum com um

curto aceno, como se nada daquilo significasse coisa alguma. — Já era hora, não? Ele ignorou os modos rudes. Sua mãe jamais poderia ser acusada de ter um

coração sensível. — Você pode salvar Marguerite? — Eu tenho um chá que ajudará a baixar a febre. Mas você não devia ter viajado

com ela. Quando o corpo fica muito frio, é melhor aquecê-lo aos poucos. Você podia ter matado a moça por fazer uma jornada tão longa.

Os modos abrasivos de Grizel o irritaram. — Eu estava tentando salvá-la. — Colocou Marguerite em uma posição sentada,

dando suporte a ela em seus braços. Sua mãe largou o chá e analisou a ambos. — Faz quanto tempo que ela não abre os olhos? — Quatro dias. — Ele não deixou escapar o olhar de resignação no rosto de Grizel.

Ela provavelmente não acreditava que Marguerite iria viver por muito mais tempo. Ainda assim, continuou com as perguntas: — E como você fez para dar água e comida a ela? Eu presumo que ela não possa

beber sozinha. A cor subiu pelas bochechas, mas ele admitiu:

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— Eu coloquei minha boca na dela e a forcei a beber. Grizel levantou o chá até ele, com discernimento. — Continue fazendo da mesma forma, faça-a tomar o chá. E se ela acordar, traga-a

até mim. Se. Não quando. A preocupação roeu sua compostura, mas ele se forçou a acenar. O olhar de sua mãe passou dele de volta a Marguerite. — Ela sempre foi muito fina para um homem como você, mas eu reconheço que

teve coragem. Callum não tinha resposta para seu insulto, pois era verdade. Podia apenas esperar

que, se Marguerite recuperasse as forças, sua pobreza não importasse para ela. Antes de Grizel fechar a porta, ela completou: — Estou feliz que tenha voltado, Callum. — Com um sorriso hesitante, ela partiu. Ele encostou o rosto no de Marguerite, desculpando-se por sua mãe, para o caso de ela ter ouvido tudo aquilo. Conforme o tempo passava, ele a alimentava com aquele

chá de cheiro desagradável, os lábios sobre os dela para ter certeza de que tinha bebido. Continuou falando, durante todo o dia e noite adentro, contando sobre os anos que

ele passara aprisionado. Sobre como tinha desenvolvido suas habilidades com o arco e flecha, e sobre as noites que sonhava com ela.

— Se eu pudesse lutar esta batalha em seu lugar, eu o faria — jurou. Marguerite havia feito tudo em seu poder para voltar para ele. A ideia de perdê-la

agora era como uma facada lenta. Ele segurava o corpo febril dela, sentindo a desolação inundá-lo. Os batimentos cardíacos de Marguerite eram muito frágeis, sua respiração, ofegante.

Marguerite talvez não vivesse para ver uma nova manhã. Esta ideia era pior que qualquer tortura. Callum esteve de cara com a própria morte, diversas vezes, até que não fosse mais uma ameaça aos seus olhos. A morte era inevitável para todos os homens. Porém nada o assustava mais que perder Marguerite.

— Você é tudo pra mim — disse a ela. — Não desista. E quando ele não conseguiu mais ficar acordado, dormiu com Marguerite aninhada

ao seu coração.

Capítulo Dezesseis

Seus olhos não abriam. Marguerite sentiu o corpo de um homem junto ao seu e

instintivamente se aninhou à pele quente. Por dentro, seu estômago doía pela falta de comida, mas ela não tinha forças para falar.

Vislumbrou o Paraíso pacífico que a aguardava e a tentação de deixar para trás a dor e o sofrimento que eram tão fortes. Mas um homem permaneceu conversando com ela, contando histórias sobre a sua juventude. A voz familiar a estava acorrentando a ele, puxando-a dos braços da morte.

— Marguerite. — A voz de Callum quebrou seu devaneio, alcançando-a.

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Ela sentiu seus lábios contra os seus, e um líquido fresco entrou em sua boca. Seria água? Ela tentou sentir o gosto e, quando movia os lábios, ouvia o encorajamento dele.

— Beba — insistia ele. — Isso. A doçura da água a lembrava das cachoeiras das montanhas. Límpidas e puras,

elas extinguiam sua sede. Apesar de ainda não conseguir abrir os olhos, o toque de Callum a cativava.

Algo mais descia por sua boca, e ela sentiu o gosto de um caldo. Desta vez, ela bebeu muito rápido e engasgou. Tossiu para limpar a garganta, e Callum esfregou suas costas, tentando ajudar.

Finalmente ela abriu os olhos e o viu segurando-a. O rosto de Callum demonstrava cansaço, e seus longos cabelos negros desciam pelos ombros.

— Você está terrível — conseguiu dizer. E, como se ele tivesse sido aprisionado novamente, seu rosto estava magro, a falta

de noites de sono sobressaía nas sombras abaixo de seus olhos. — Você deveria tomar um banho. A gratidão tomou conta do rosto dele em um sorriso aliviado. — Eu deixarei que você me dê banho, quando recuperar suas forças. — Com isso,

ele a pegou em seus braços e a segurou firme. Em seu abraço, Marguerite sentiu o amor feroz e tentou levantar os braços ao redor

do pescoço dele. — Desculpe por ter dado tanto trabalho. Eu não lembro o que aconteceu depois que

pulei do barco. — Você passou horas sem abrigo — contou ele. — Eu só a encontrei de manhã,

você quase morreu. — Eu lembro que estava com muito frio. — O esforço para falar começava a causar

dor, e ela descansou a cabeça junto a ele. — Você está a salvo agora. Nós a trouxemos de volta a Glen Arrin. — Havia

aspereza em sua voz e, momentos depois, Callum se sentou, acomodando-a na cama. — Quando você estiver recuperada, irá se casar comigo.

— Eu vou? — A voz estava fraca, mas a declaração dele a entreteve. — Você não vai me perguntar se quero?

— Não. — Ele colocou ambas as mãos nos ombros dela. — Se eu tiver que acorrentá-la ao meu lado, é o que farei, porque me casarei com você. Não tem escolha, Marguerite. — A expressão dele ficou sombria, e ela viu todo o sofrimento que havia suportado nos dias que se passaram. — Eu te amo.

As palavras a inundaram, enchendo-a com uma luz que afastava as sombras do passado. Os olhos de Callum demonstravam um homem que iria adorá-la pelo resto de sua vida. E isto era o suficiente.

Levantando as mãos até o rosto dele, ela o aproximou para que a beijasse. Era um beijo de boas-vindas, uma promessa de que ficaria com ele.

— Eu casarei com você — prometeu. — Nada me deixaria mais feliz. O casamento foi adiado por causa do nascimento prematuro dos gêmeos de Laren.

Marguerite estava encantada com os bebezinhos, mas quando Alex lhe deu a filha recém-nascida para que a segurasse, ela se sentiu esquisita e desajeitada.

A cabeça da menina não era maior que a sua palma. Quando encaixou o bebê, que dormia, debaixo do queixo, Marguerite se maravilhou com a pele macia. Callum veio por trás dela e colocou seus braços ao redor de sua cintura.

— Ela é minúscula, não é? — Ela é linda. Tenho um pouco de medo de deixá-la cair.

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— Se você quiser, eu poderia lhe dar um desses — ofereceu ele ao pé do ouvido dela.

— Esta noite, após nosso casamento. Com o lembrete, o rosto de Marguerite enrubesceu. Já havia algum tempo desde

que se deitara com ele, e ela sentia que Callum se mostraria insaciável quando estivessem juntos novamente. Ela beijou o bebê na testa e o devolveu a Laren.

Murmurou então para Callum: — Eu não me importaria em ter um filho. — Nas pontas dos pés, sussurrou em seu

ouvido: — Mal posso esperar por esta noite. Ela deliberadamente deixou seus lábios tocarem a orelha de Callum, que pegou sua

mão, começando a levá-la dali. Marguerite riu da impaciência dele. — Agora não — protestou. — Eu quero visitar Nairna. — Ela pode esperar. — Callum continuou a andar, ignorando seu irmão e Laren. O rubor voltou ao rosto de Marguerite, já que ela havia recobrado suas forças

poucos dias antes. Ele não estaria planejando. seduzi-la, estaria? Apesar da tentativa de permanecer calma, quis sentir as mãos dele sobre si, entregar seu corpo ao dele.

— Aonde estamos indo? — perguntou, tentando soar mais desinteressada do que realmente estava.

— Vamos ver a casa que construí para você. — Callum a levou para fora da fortaleza, nas colinas.

O sol estava brilhando, e em apenas algumas horas o padre chegaria e eles poderiam se casar e desfrutar do banquete junto ao resto do clã.

Callum a levou para além de um pequeno conjunto de cabanas, em direção a um caminho para a floresta. Cerca de um quilômetro mata adentro, ela viu uma pequena clareira com uma casa de palha recém-concluída. O cheiro de serragem da madeira fresca a fez sorrir, e ele a guiou para dentro, mostrando a lareira e a cama contra a parede mais distante.

— Quando tivermos filhos, nós a tornaremos maior — prometeu ele. — Mas por enquanto.

Em sua expressão, Marguerite viu a sombra de arrependimento, como se Callum quisesse dar mais a ela.

— Está perfeito — disse, indo para seus braços. E estava. Ela não se importava de ter nada mais que uma simples casa com quatro

paredes e um teto. Dentro da floresta, ela se lembrava dos momentos proibidos que passaram juntos. Poderia ser feliz ali, com ele.

Mas, apesar de ela colocar seus braços ao redor de Callum para beijá-lo, não conseguia deixar de sentir uma inquietação. Marguerite lutou bravamente para ter o direito de amar esse homem e dividir sua vida com ele, contudo as sombras do medo espreitavam dentro dela.

A boca dele tocou os lábios dela em um beijo feroz, as mãos desciam por sua espinha.

— Esta noite você não irá dormir, Marguerite. Pois eu estarei dentro de você, mostrando-lhe todas as maneiras de como posso amá-la.

Marguerite não conseguia recuperar o fôlego conforme a língua dele a invadia, tocando a dela com uma promessa sensual. Seu corpo parecia derreter junto ao dele, desejando mais.

— Eu irei tocá-la de todas as formas que tenho sonhado nestas últimas semanas — prometeu.

Callum se ergueu bruscamente contra ela, pressionando a junção de suas coxas. Ela levantou a perna sobre ele; seu coração batia tão rápido quanto a mão dele que se movia debaixo de sua saia, sentindo a pele nua. Suas palmas ásperas passaram pelas nádegas e, quando ele alcançou por entre suas pernas, Marguerite sentiu dois dos dedos

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dele dentro de si. Ele praguejou enquanto a esfregava de forma íntima. — Você está molhada para mim, Marguerite. Deuses, eu poderia me embainhar em

você neste momento. Em resposta, ela alcançou seu membro, acariciando o grosso calor que sentia

através da lã. Ele ia e voltava com seus dedos num ritmo suave, fazendo-a fechar os olhos com o doce tormento que a reivindicava.

— Olhe para mim — ele ordenou. — Olhe em meus olhos enquanto eu a toco. Eu quero ver você desmoronar.

Ela se agarrou nos ombros dele procurando equilíbrio; um suspiro escapou enquanto seu corpo se retorcia com o toque dele. Mais e mais, ele movia suas mãos, seus dedos acariciando profundamente dentro dela. O êxtase a fazia tremer, sua respiração vinha em curtos suspiros enquanto ele investia repetidamente.

Marguerite se moveu contra ele, procurando o prazer que ele tentava lhe dar, até que finalmente as mãos dele se moveram num ritmo mais rápido, fazendo-a em pedaços. Seu ápice foi um êxtase trêmulo que convulsionava-a por dentro. Ela o alcançou, querendo desesperadamente lhe dar a mesma satisfação.

— Callum! — ouviu-se um grito. O olhar perigoso nos olhos de seu amante a fez baixar a perna. — Eu talvez tenha que assassinar meu irmão mais novo, querida. Fique aqui

enquanto vou matá-lo por nos interromper. Marguerite ajeitou a saia e se sentou na cama, pois mal conseguia ficar de pé. — Rápido, então — respondeu com um sorriso. Por dentro, seu corpo estava derretido, rogando por ele. Tentou se acalmar quando

ouviu as vozes do lado de fora, perguntando-se o que estaria acontecendo. Logo depois, Callum voltou e pegou seu arco e sua aljava de flechas.

A expressão em seu rosto era severa e implacável. O presságio se enraizou em seu estômago e aumentou.

— O que houve? — sussurrou. — Soldados se reunindo a oeste. O coração dela afundou, e o medo trêmulo ascendeu tão forte que Marguerite não

conseguia fazer com que suas mãos parassem de tremer. — Ingleses? — arriscou ela. Callum balançou a cabeça devagar. — São os homens de seu pai. Vieram invadir Glen Arrin. Fique aqui, Marguerite. Não importa o que aconteça, não saia desta casa. Callum cavalgou com seus irmãos, uma raiva fria camuflando seu humor. Ele não

sabia o que havia levado o duque a fazer esta jornada, mas pretendia enfrentar o homem e fazê-lo partir.

Seria melhor se ele acreditasse que Marguerite estava morta. Sem dúvida, ele viera para se certificar disso.

Callum se juntou a Alex e Bram, enquanto Dougal ficou com as mulheres. Os outros homens do clã se armaram, se posicionando em todos os lados da fortaleza. Eles haviam tido tempo para evacuar as mulheres e crianças para a casa de Bram, no topo da colina.

— Eles sabem que ela está aqui? — perguntou Alex. Callum apenas balançou a cabeça. — Faça-os acreditar que ela está morta. É a única chance que ela tem de ganhar

liberdade. — Onde está Marguerite agora? — Escondida na floresta, em nossa casa. — Ele avançou com seu cavalo,

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cavalgando em direção ao exército. O fato de o duque vir especialmente esta noite o enfurecia, a noite em que eles

deveriam se casar. Não havia jeito de aquele homem os deixar em paz? — Controle seu temperamento, irmão — avisou Alex. Bram veio do lado oposto; sua expressão era austera. — O padre está com eles. Callum soltou um xingamento. Se eles acharam o padre, então o homem poderia ter

confessado a verdade, que Marguerite estava lá e eles se casariam esta noite. — Não sei por que, mas não acredito que o duque tenha vindo testemunhar nosso

casamento — disse. Era mais provável que o quisesse impedir. Mas ainda assim, Callum continuou em frente até que o exército se espalhou. Pegou

uma flecha de penas negras na aljava e a colocou na corda de seu arco. — Deixe-os vir, se quiserem. — O que você quer fazer? — perguntou Alex. — Deixar que eles deem o primeiro passo. — Callum manteve a flecha engatilhada, esperando que o duque tomasse sua decisão. — Nós não faremos suposições até

sabermos o motivo de estarem aqui. Os soldados atrás dele estavam preparados para uma batalha. Vestiam armadura de

cota de malha, e todos tinham lanças, arcos e outras armas. Uma segunda fila de cavaleiros estava em posição, todos preparados para luta.

Ninguém do exército se movia, e o tempo desacelerou conforme eles se encaravam. Callum percebeu que o duque não acreditaria se ele afirmasse que Marguerite não

estava lá. Ele tiraria cada pedra do lugar, procuraria cada casa até achá-la. Ele não queria matar o pai de Marguerite, ou ficar em uma posição em que não teria

escolha a não ser tirar a vida do duque. O silêncio pesava em ambos os lados, mas, um quarto de hora depois, uma movimentação chamou a atenção deles.

Callum viu um grupo de mulheres caminhando no espaço entre os dois lados. Nairna usava um vestido largo de seda, lutando para andar com sua barriga inchada. Seu cabelo estava trançado para trás, com flores entrelaçadas nos fios. Ao lado dela vinha Laren, carregando os dois bebês. Apesar de a esposa de Alex estar com as mãos ocupadas, ela, também, vinha trajada para o casamento. Atrás delas, ele podia apenas ver o cintilar dos cabelos dourados.

E seu coração afundou, sem saber por que Marguerite tinha ignorado sua ordem. Ela andou devagar, cada passo cheio de determinação. Nairna e Laren a ajudaram a

se preparar, e Marguerite usava o cabelo solto sobre os ombros. Elas haviam feito um penteado para ela, com uma coroa de flores de urze e carqueja. Ao redor do pescoço, usava o pingente azul, e seu vestido era cor de safira. Um cinto dourado se pendurava em seus quadris, e seus pés estavam descalços na grama de verão.

Marguerite contou a Nairna e Laren sobre seu plano e, apesar do risco, era tudo o que tinha. Algo precisava ser feito antes que a luta começasse. E apesar de decidida a ficar com Callum, não importasse o que acontecesse, Marguerite faria tudo em seu poder para evitar um derramamento de sangue.

— Eles parecem que vão matar um ao outro — murmurou Laren, apertando os filhos junto ao seio.

— Não ousarão atacar, conosco entre eles — afirmou Marguerite. Quando seu pai a avistou, seu olhar se transformou. Havia um imenso alívio,

seguido de raiva e uma determinação renovada. Marguerite continuou a andar até ficar diante de seu cavalo. Ela então segurou as

mãos dele como se fosse cumprimentá-lo. — Poderia aceitar meu beijo de boas-vindas, pai? Seu pai não desmontou. Em vez disso, ele a encarou.

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— Pensei que você estivesse morta. — Eu quase morri — concordou ela. — Callum me encontrou e me trouxe de volta a

este lugar. — Ela voltou sua atenção para o padre, que se aproximava. — Espero que o senhor tenha vindo se juntar a nós em nossa cerimônia de casamento.

— Eu não celebrarei seu casamento com um escocês plebeu. Callum chegou a cavalo naquele momento. O olhar de vingança entre ele e o pai

dela deixava-a desconfortável, então Marguerite ofereceu: — Você aceitaria nossa hospitalidade para continuarmos esta discussão em

particular? O duque nada disse, e seu silêncio servia de recusa. Marguerite se perguntou se

seria capaz de comovê-lo. Ela se esticou e pegou a mão de Callum. Enquanto seu pai permanecia calado, ela completou:

— Seus homens devem desejar se refrescar no castelo. Se não houver problema para você, Laren — dirigiu-se à senhora de Glen Arrin.

A esposa de Alex agarrou seus bebês e consentiu. — Desde que eles deixem para trás suas armas. Seu pai parecia querer atacar abertamente a fortaleza, mas Callum recebeu sua

ameaça silenciosa com uma promessa própria. — Eu irei falar com você, Marguerite — concordou o duque, enfim. — Mas não com

ele. — O senhor falará com ambos. Ou com ninguém — retrucou ela. Eles estavam num impasse, e seu pai parecia preferir dar o comando de atacar. — Eu estava disposta a enfrentar a morte a viver sem Callum — afirmou Marguerite,

com toda a calma. — Se for necessário, eu a enfrentarei novamente. A face rígida de seu pai carregava descrença. Ele olhou para ela como se tentasse

adivinhar se Marguerite continuaria com a ameaça. Callum desmontou e trouxe a mão para junto da cintura dela. Ao lado dele, Marguerite confrontou o duque, esperando a resposta.

— Por favor — pediu gentilmente. — Se você me ama de verdade. O rosto de seu pai não demonstrava nenhuma expressão, mas por fim, ele pôs o

cavalo para avançar, recusando-se a se rebaixar. Ela os guiou para a fortaleza, sem sequer saber o que ia falar com o pai.

Nairna se ocupou em levar vinho e comida para o duque, enquanto Laren começava a alterar as ordens do banquete. Marguerite segurava a mão de Callum, sentindo sua tensão. Ele não estava disposto a negociar com o duque — já havia desistido disto há muito tempo. Marguerite tinha de interceder antes que matassem um ao outro.

Quando chegaram ao salão, o duque se recusou a se sentar. Manteve-se em pé e a encarou. Com um sinal discreto, Callum ordenou que os outros saíssem. Ele ficou ao lado dela e aguardou.

Marguerite endireitou os ombros e encarou o pai. — Você me deixou acreditar que estava morta. — Ele se enfureceu. — Tem ideia do

que senti? Ela viu a dor nos olhos dele e a raiva que estava profunda em seu coração. — Sinto muito por ter sido desse jeito. Mas o senhor nunca me ouvia. Recusava

meus sentimentos e se comportava como se eu não tivesse importância nenhuma. E quando me fez beber aquela poção, percebi que jamais iria ouvir o que eu tinha a dizer. Queria o que você acreditava ser melhor para mim. Nunca o que eu queria.

Ela soltou a mão de Callum e disse: — Quando estiver pronto para ver que estou feliz aqui, que sou amada por este

homem, o senhor será bem-vindo para se juntar à nossa cerimônia. — Com passos na direção do duque, afirmou: — Durante esta noite, você poderia ser meu pai novamente. Não meu inimigo.

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O duque a analisou, o rosto estava atento. — E o que você tem a dizer, MacKinloch? Acredito que ainda possa falar. — Graças a Marguerite, sim. — Ele veio à frente e pousou suas mãos nos ombros

dela. — Você e eu talvez nunca cheguemos a um acordo. Mas eu mataria milhares de inimigos para proteger sua filha. Eu daria minha vida pela dela, e juro que a farei feliz.

As palavras dele a encheram de tal alegria que Marguerite voltou para seu abraço, puxando os braços dele ao seu redor.

— Liberte-me, pai. O duque nada disse, só observou. Em poucos instantes, ele parecia ter envelhecido,

sua expressão carregava amargura. — Eu sempre quis o que era melhor para você. — Eu encontrei minha própria felicidade. E se você pudesse apenas ser flexível em

suas convicções, seria capaz de ver isso. — Você realmente daria as costas para sua herança? — perguntou ele. — Para toda

a riqueza que iria possuir? Marguerite tocou as flores em seu cabelo. — Estas são as minhas joias agora. O senhor poderia deixar de lado a raiva? — Ela

diminuiu o espaço entre eles, se esticando para tocar a face de seu pai. — Esta noite, simplesmente fique feliz por mim.

— E o conde? Um noivado não pode ser facilmente desfeito, Marguerite. — Ele me ajudou a chegar até a praia — admitiu ela. — Eu o deixei ir, da mesma

forma que ele me libertou. Diante da descrença dele, Marguerite completou: — Ele sabe, pai. O duque alcançou a mão dela. Naquele momento, ele parecia tão exausto que ela

não sabia no que acreditar. — Suponho que ele saiba mesmo. Alguém puxou a âncora, e o navio ficou à deriva

por milhas antes que percebêssemos. — Apertou a palma dela e tocou seu cabelo. — Você se parece tanto com sua mãe, ma petite.

Ela respondeu com um sorriso deslumbrante, compreendendo o pedido de desculpas que ele não havia pronunciado.

Capítulo Dezessete

Callum ficou ao lado de Marguerite, ainda descrente de que seu pai estivesse

testemunhando o casamento. O padre pronunciou uma bênção em latim, juntando as mãos deles enquanto Marguerite sorria. Seus olhos azuis estavam cheios de alegria, enquanto ele mal conseguia falar os votos que agora os casavam.

Ele se inclinou para beijá-la, e seus parentes comemoraram. A escuridão no olhar do duque não estava de todo desfeita, mas ele concordou relutantemente com uma trégua entre os dois. Apesar da situação, sua aceitação significou muito para curar a distância entre eles.

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Callum encontrou o olhar fixo do duque, oferecendo uma promessa silenciosa de sempre fazê-la feliz.

Laren e Nairna haviam feito um banquete que não era nada menos que miraculoso. Muitos dos soldados haviam passado a tarde pescando, e eles comeram carneiro frio, aves e salmão assados, bem como bolos de aveia e tigelas de frutas de verão. Havia música e dança em todo o entorno e, mais tarde, o duque aceitou dançar com Marguerite. O rosto dela reluzia de amor, e quando ela o fitou, Callum correspondeu com a mesma mensagem silenciosa de adoração.

— O que aconteceu com tia Beatrice? — perguntou ela ao pai. — Eu a enviei de volta à França. Ela estava causando mais problemas, e ouvi

histórias de meus homens que comprovam que você estava certa. — Ele encolheu os ombros. — As ervas foram ideia dela. — Tocando as bochechas da filha, disse: — Eu nunca deveria ter concordado com aquilo. Peço seu perdão.

Marguerite balançou a cabeça, reconhecendo a sinceridade na voz dele. O pai havia permitido que a raiva o cegasse.

— Estou feliz que ela tenha ido embora. — Descansando suas mãos nos ombros dele, completou: — Eu ainda lhe devo o prêmio pelo dia em que o deixei vencer nossa corrida.

Como ele não disse nada, Marguerite levantou a cabeça para encará-lo. — Você se lembra? Eu prometi visitá-lo. Havia um pequeno traço de emoção no rosto dele. — Eu apreciaria muito. — Seus braços a apertaram, e em seu abraço, Marguerite

sentiu seu amor. A noite continuou com mais festa e música. O duque demonstrou interesse nos

vitrais que havia espiado anteriormente dentro da fortaleza. Depois de beber mais algumas taças de cerveja, conversou com Laren sobre a colocação de um vitral em seu château na França.

Apesar de ter se sentado e comido com Marguerite, Callum não estava nem um pouco interessado na comida. Ela percebeu seu olhar, e o sorriso dela desapareceu dando lugar a um olhar de compreensão.

Estendeu sua mão até ele, que a seguiu para longe da celebração, para a floresta que os chamava. Eles haviam acabado de se embrenhar nas árvores quando, abruptamente, Marguerite parou de andar e se apoiou contra um dos altos carvalhos. E o puxou para um beijo profundo.

Callum colou a boca na dela, reivindicando seus direitos de marido. Ela retribuiu o beijo com a própria paixão, envolvendo seus braços ao redor do pescoço dele e oferecendo tudo de si.

Quando ela recuou, sua respiração estava ofegante, a boca, inchada. — Eu não posso mais esperar. — Se você não tivesse me trazido aqui, eu talvez a tivesse carregado para fora —

respondeu ele. A necessidade dele de sentir a pele dela nua contra a sua, de mostrar o quanto a

amava, era tão forte que Callum a ergueu em seus braços. — Sendo assim, irei então carregá-la. Marguerite riu em seus ombros enquanto ele a levava para dentro da floresta, o pôr

do sol brilhando vermelho e dourado no horizonte. Callum a carregou até a casa deles, fechando a porta ao entrar. Então a baixou até a cama.

Ela o acariciou, e Callum trabalhou para livrá-la do vestido enquanto ela o ajudava com a própria roupa. Pretendia tirar a coroa de flores do cabelo, mas ele a tirou para ela.

— Espere. Ele se afastou para olhá-la. Com os cabelos soltos e o lindo corpo revelado, seus

sentidos foram roubados ao pensar que agora Marguerite era sua esposa. Ele quebrou

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um galho de urze roxa da grinalda e o levou ao corpo dela. Com o galho nas mãos, ele traçava desenhos sobre sua pele.

— O que você está fazendo? — sussurrou Marguerite, arfando quando ele passava a flor sobre seu mamilo ereto.

— Você me ensinou a escrever — respondeu ele. — Eu acho que deveria praticar. — Rodopiando a flor pelos seios dela, completou: — Foi muito duro aprender a letra S.

— Eu sei de outra coisa que está ficando dura — respondeu, alcançando-o. Quando a palma dela se aproximou de seu membro, ele inalou bruscamente e

deixou a urze cair nos lençóis de linho. Baixando sua boca em direção à pele dela, Callum começou a beijá-la, de seus ombros até a parte sensível do pescoço. Ela o desejava. Ele conseguia sentir isso na forma como o pulso dela batia sob seus lábios.

Callum beijou a nuca de Marguerite e baixou a mão. Ela o apertou mais, e ele a desejava tanto que estava lutando para controlar a luxúria.

— Vá com calma, querida. — Talvez eu não queira. — O polegar dela se moveu para a crista de sua ereção, e

ela lhe deu um sorriso maldoso. — Esta noite fui sequestrada por um guerreiro escocês. Espero ser violada por ele.

Callum removeu as roupas, se posicionando ao lado dela na cama. — Se este é o seu desejo. Callum tomou os seios dela na boca, sugando forte o mamilo tensionado. Ela deixou

escapar um arquejo chocado, com um suspiro de prazer. O rosto de Marguerite havia se transformado com o desejo, corando suas bochechas. Ela se virou de lado, sussurrando na boca dele:

— Você é uma tentação a que eu jamais conseguiria resistir, Callum. — Percorreu as costas dele com os dedos. — Deixe-me tocá-lo por um momento.

Ele ficou parado, deixando-a fazer como bem quisesse. Ela o guiou para que ficasse de bruços e então o montou, com sua feminilidade úmida tocando a parte lombar das costas. Com suas mãos, tocou as cicatrizes do passado dele, arrastando os dedos em suas costas.

— Eu me lembro do dia em que o encontrei. Tive tanto medo de que você pudesse morrer. — Ela se curvou e tocou com a boca as cicatrizes dele, e o movimento fez com que seus seios se esfregassem nele.

Era um tormento ficar parado sem poder tocá-la, enquanto ela o acariciava. — Eu acho que, de alguma forma, sabia que ficaríamos juntos. — Pensei que você fosse um anjo de compaixão — admitiu ele. — Talvez você

fosse. Pois eu juro por minha vida, isto é o paraíso. Ele rolou por cima dela, com a necessidade de lhe dar prazer, de adorar cada parte

de sua pele. Callum encheu suas mãos com os seios enquanto, abaixo da cintura, ele se empurrava entre as pernas dela. Marguerite elevou os joelhos, dando-lhe boas— vindas. Ela ofegava enquanto ele se esfregava contra sua fenda, e seus dedos estimulavam e acariciavam os seios.

— Diga como quer ser tocada. A respiração dela ficou presa nos pulmões enquanto ele aquecia sua pele,

esperando a resposta. Ela o guiou para sua passagem úmida, e Callum pressionou a carne macia, completando-a.

Ele a saboreou, mordiscando a curva abaixo dos seios. Seu mamilo endureceu, mostrando a ele que apreciava seu beijo.

— Diga, Marguerite. Ela se moveu contra ele, puxando-o mais para dentro, murmurando em francês

enquanto tentava fazê-lo se mexer. — Eu não falo francês, a ghàidh. — Mas ele agiu instintivamente, colocando-se

dentro dela até Marguerite gritar, trêmula de êxtase.

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Devagar, ele puxou os quadris dela para a beirada da cama e ficou de pé, ainda dentro de seu corpo. Com as pernas dela ao redor da sua cintura, Callum se introduziu, penetrando de um ângulo maior.

Os dedos dela se cravaram na cama, seus olhos selvagens enquanto se submetia às investidas dele, arqueando-se fortemente. As paredes dela apertavam o membro de Callum, e Marguerite tremeu com a força com que faziam amor.

— Eu te amo, minha esposa — disse ele, preenchendo-a novamente. — Je t'aime — respondeu ela, alcançando os quadris dele. Callum afundou dentro dela e viu o olhar renovado de excitação nos olhos de

Marguerite. O contato intenso a fez se arrepiar. Quando ele começou a mergulhar de forma ritmada, pressionando seu corpo mais forte contra o centro dela, Marguerite começou a falar palavras de encorajamento.

— Aí — implorou, dizendo a ele o quanto amava senti-lo dentro de si. O prazer único de vê-la liberar-se, com o corpo tremendo de desejo, deixava ainda

mais rijo dentro dela. Marguerite estava tão molhada, tão impaciente, que ele não poderia impedir o grito que ecoou de seu peito quando as pernas dela apertaram ao redor de sua cintura, abraçando-o com toda a força enquanto seu líquido a inundava.

Ele continuou o ritmo pulsante até a própria satisfação vir forte e rápida. E quando se deitou sobre ela, seus corpos se fundiram em um só. Callum a segurou bem perto, o coração batendo muito rápido, sem acreditar que agora ela lhe pertencia.

— Você se tornou minha desde o momento em que a vi — murmurou junto aos cabelos dela.

Marguerite sorriu para ele e, em seus olhos azuis, ele viu a promessa silenciosa de que passariam juntos todos os amanhãs.

Não eram necessárias mais palavras.

Epílogo

Quatro anos depois... Um grupo de mensageiros se aproximou de Glen Arrin, vestindo a insígnia que

representava Eduardo de Caernarfon, o rei da Inglaterra. Quando Marguerite os viu, agarrou sua pequena filha, protegendo-a. Por causa dos trejeitos sérios dos homens, ela não poderia imaginar que traziam boas notícias.

— Fique atrás — avisou Callum, transferindo seu arco para a mão esquerda. Seu filho de 3 anos, Ailric, agarrou o arco de tamanho infantil em suas mãos,

imitando suas ações. — Você quer que eu leve as crianças embora? — perguntou Marguerite, sem ter

certeza de quem o mensageiro procurava. — Ainda não. Eles não vieram para lutar. — Callum acenou para trás. — Mas

mantenha distância. Vá com a sua mãe — avisou a Ailric. — Eu ajudo — Ailric se ofereceu, elevando seu arco em miniatura. Callum afagou o cabelo do menino, empurrando-o para junto de Marguerite. — Faça o que digo, filho.

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Os homens continuaram do lado de fora dos portões, e Callum se aproximou deles. Marguerite segurou a bebê e agarrou a mão de Ailric, com o coração pulsando de medo. Apesar de não terem feito nada de errado, ela não conseguia imaginar o porquê de os homens do rei estarem ali.

Alguns momentos depois, os homens adentraram a fortaleza, guiados por Dougal. O jovem adolescente havia se transformado em um belo rapaz, e Marguerite tinha esperanças de que um dia ele encontrasse uma boa mulher para se casar. Ele já havia perdido muito tempo cuidando dos animais em vez de se relacionar com pessoas.

— Por que vieram? — perguntou Callum, ainda mantendo seu arco em uma das mãos.

— Nós desejamos falar com lady Marguerite de Montpierre, filha do duque D’Avignois, esposa de Callum MacKinloch — disse o primeiro homem.

Marguerite deu um passo à frente. — Sou eu. Callum permaneceu na frente dela, e Marguerite não deixou de perceber a tensão

em sua postura. Se necessário, ele poderia lançar meia dúzia de flechas, para defendê-los.

— E a senhora foi no passado noiva de Peter Warrington, o conde de Penrith? Ela acenou. — Aconteceu algo? — O medo cresceu em seu estômago. Lorde Penrith era um bom homem, e Marguerite tinha apreço por ele, mesmo que

nunca fosse capaz de desposá-lo. Após seu casamento com Callum, ele lhe escrevia de tempos em tempos e parecia ter ficado bastante feliz por ela ter tido um menino tão logo após se casar.

O mensageiro veio à frente e inclinou a cabeça, reconhecendo Marguerite. — O conde de Penrith é um grande amigo de Sua Majestade. As faces dela coraram, pois agora ela entendia por quem lorde Penrith tinha apreço.

E não era para menos que ele não poderia viver a vida que desejava. — O que isto tem a ver comigo? — Sua Majestade deseja prover mais terras ao conde, como presente. Existem

terras aqui que foram conquistadas pelo rei. É o seu Desejo Real que a paz seja restaurada na Escócia.

Marguerite aguardou, ainda incapaz de entender do que os mensageiros estavam falando.

— Mas por que.? — Sua Majestade, em favor e por amor a lorde Penrith, concordou em consentir o

desejo do conde. As terras na Escócia serão dadas ao seu filho mais velho. O choque a deixou sem palavras, e Marguerite não conseguia pensar numa

resposta. O conde tinha riqueza suficiente para si e não precisava de nada além. O fato de ter doado essas terras para seu filho era um presente que ela jamais esperaria.

O olhar do mensageiro voltou-se para Ailric, e ele completou: — O rei honrou seu pedido. Você e seu marido devem proteger as terras até seu

filho ter a idade apropriada. Marguerite fincou seus dedos nos braços de Callum, esperando que ele

compreendesse o que aquilo significava. Ele trocou olhares com ela e balançou a cabeça. Cobrindo suas mãos com as dele, Callum perguntou ao mensageiro:

— Devemos planejar uma visita à corte, para demonstrar nossa gratidão ao rei? O mensageiro inclinou sua cabeça. — Isto seria o mais sábio. E lady Marguerite talvez queira passar algum tempo com

Sua Majestade, a rainha Isabella, já que elas partilham da mesma pátria. O homem começou a falar dos direitos sobre as terras, mas, antes que ele pudesse

continuar, Callum interrompeu:

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— Onde são estas terras que serão doadas a nosso filho? — Ficam apenas a poucos dias de jornada daqui. — Ele estreitou os ombros. — A

torre está toda queimada, infelizmente, e não é de qualquer forma uma grande fortaleza. Uma estranha premonição invadiu seu sangue, e Marguerite suspeitou aonde isso

iria parar. — A quem pertenciam estas terras anteriormente? — Ao conde de Cairnross — admitiu o mensageiro. — Você já deve ter ouvido falar

dele. Marguerite quase engasgou ao ouvir o nome do homem que matou sua criada e

causou tormentos para tantos prisioneiros. Possuir aquelas terras, reconstruir uma fortaleza à custa do sangue de tantos homens, parecia uma brincadeira cruel.

Callum apertou sua mão para acalmá-la. Em seus olhos ela viu segurança. — Entre e poderá ter abrigo conosco antes de retornar à Inglaterra — ofereceu ele

ao mensageiro. Para seu irmão mais novo, Dougal, deu instruções: — Garanta que Laren encontre um lugar para esses homens.

O mensageiro retirou um anel de ouro e o deu a Marguerite. — Este anel deverá ser dado ao seu filho. Ele pertence ao conde, e é um sinal de

favor do rei. Ela sorriu e agradeceu a ele, fechando o anel em sua palma. Sua filha começou a se

agitar, e Marguerite passou a criança para Callum, em cujos braços se acalmou instantaneamente.

Os homens seguiram Dougal até a fortaleza. Quando viu-se a sós com o marido, Marguerite se dirigiu a Callum:

— Será doloroso para você voltar a Cairnross? Ele balançou a cabeça. — As lembranças daquele lugar nunca sumirão de mim. Mas nós iremos reconstruí-

lo e fazer novas lembranças. — Inclinando-se, ele roubou um beijo dela. — Sempre quis lhe dar terras e um castelo. Acho que finalmente poderei, graças ao conde.

Com seus filhos entre os dois, Marguerite descansou a testa contra a dele. — Eu nunca precisei disso, Callum. — Sorrindo para seu filho e sua filha, ela

completou: — Pois você já me deu tesouros inestimáveis.

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HARLEQUIN Históricos

QUESTÃO DE DESEJO Louise Allen

Bella pegou o resto das folhagens e levou o pesado regador de volta à sacristia.

Uma vez sonhara com um amante que viria para ela. Um cavalheiro numa armadura brilhante. Um galante aristocrata que a arrebataria para longe e a amaria e honraria.

Infantilidade, disse a si mesma, abotoando a peliça e calçando as luvas. Contos de fadas não se transformavam em realidade, e não era sensato sonhar que poderia, porque acordar de um sonho assim era sempre uma desilusão amarga.

Trancou a sacristia e saiu pela porta do sul, então passou pelo portão coberto do cemitério e parou. Além ficava a trilha que levava para a estrada de Ipswich e a liberdade. Uma estrada que jamais tomaria.

Então percebeu que esquecera sua cesta. Valeria a pena voltar para pegá-la? Bella começou a se virar quando ouviu a voz:

— Aqui é Lower Leaming, sra.? — Não, é Martinsdene — começou, e olhou para trás. Um estranho se levantou do banco abrigado nas sombras da cobertura do portão. — Lower Leaming é para. aquele lado. — Bella não conseguiu continuar. Olhos azuis a observavam com interesse e uma boca sensual se curvou no sorriso

que era — certamente era engano dela. — apreciativo. O homem era alto, relaxado, elegante. Seu casaco de montaria era tão simples que devia ser caro, e um anel de rubi brilhava com um fogo quente no dedo. Ergueu a mão, na qual segurava as luvas e um chicote, para o chapéu, tirou-o, e ela viu cabelos castanhos que brilhavam num corte da moda. Bella jamais vira nada igual naquela aldeia perdida.

— Obrigado, senhorita. — a voz despertou tremores quentes em seu corpo congelado.

— Shelley — conseguiu dizer. — Meu pai é o vigário daqui. Mesmo enquanto dizia as palavras, lançou um olhar assustado pela trilha que levava

à casa paroquial, como se os olhos de falcão do pai pudessem vê-la, através da cerca viva, pelas janelas do estúdio onde estava ocupado escrevendo o sermão do domingo seguinte.

— Srta. Shelley. Sou Rafe Calne, visconde de Hadleigh. E ele lhe fez uma reverência, como se ela fosse uma dama rica e estivessem no

Hyde Park, em Londres. Bella respondeu com outra reverência. — Estou passando uns dias com meu bom amigo Marcus Daunt em sua casa, Long

Fallow Hall, e devo confessar que estou completamente perdido. — Bem, sim, neste caso você precisa pegar a estrada para Lower Leaming. — Bella

se sentiu grata por conseguir articular palavras sensatas. Um visconde, pelo amor de Deus! — É depois da taverna Royal George, então pegue à esquerda na encruzilhada depois do lago de patos. Se veio pelo cemitério, há um atalho que atravessa o muro. ali, junto ao arbusto de azevinho.

— Pode caminhar comigo e me mostrar, srta. Shelley? Pareço ter a tendência de me perder.

— Eu. Mas ele já havia segurado as rédeas de um grande cavalo baio e o soltava do

arbusto onde o deixara amarrado na trilha. Ofereceu-lhe o braço, e Bella o tomou, sem

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encontrar palavras para recusar. — Sabe, srta. Shelley, devo confessar que estou muito entediado. Aqui estou eu,

supostamente para descansar. Tenho me sentindo um pouco indisposto. Mas sinto tanto tédio que não consigo relaxar. O pobre Marcus não consegue saber o que fazer comigo. Então saí para cavalgar, me perdi e encontrei esta encantadora aldeia e você. E já me sinto melhor.

Deveria entender que ela o fazia se sentir melhor? Não, é claro que não, Martinsdene era uma aldeia pitoresca, e sabia que artistas já haviam parado lá para desenhá-la ou pintá-la.

Bella inspirou com força para acalmar seu coração agitado e tentou não perceber como era firme o braço que sentia sob a mão e como ele era quente e a protegia do vento. Oh Deus, pensou. Agora, quando sonhar acordada, terei um verdadeiro herói aristocrático para visualizar.