michaud, yves - a violência

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YVES MICHAUD – A VIOLÊNCIA 1. O problema das definições (7-15) “São violência o assassinato, a tortura, as agressões e vias de fato, as guerras, a opressão, a criminalidade, o terrorismo etc. Como passar destes fatos disparatados para uma definição que revele sua natureza?” (7). 1.1. Os sentidos de “violência” e a etimologia (7-8) Os diversos sentidos da palavra violência se dividem em duas orientações principais: “de um lado, o termo ‘violência’ designa fatos e ações; de outro, designa uma maneira de ser da força, do sentimento ou de um elemento natural – violência de uma paixão ou da natureza” (7). Quanto à etimologia do termo, violência vem do latim violentia, cujo sentido está ligado à força e a braveza. A palavra vis, também do latim, quer dizer “a força em ação, o recurso de um corpo para exercer sua força e portanto a potência, o valor, a força vital” (8). Já no grego, o termo vis corresponde a is, que significa músculo, vigor. Em todas essas definições encontra-se, portanto, a idéia de força, de uma potência. Quando ocorre a passagem da força natural para a desmedida perturbação de uma ordem, tem-se a violência. 1.2. As definições do direito (8-10) 1 A qualificação da violência depende de normas sociais determinadas que variam de acordo com o âmbito em questão No direito penal, por exemplo, “todos os atentados à pessoa humana não são chamados violências” (8). Segundo juristas, a violência propriamente dita são atos nos a agressividade e brutalidade humana se exprimem contra outros homens. Resultam das violências lesões, donde o vínculo necessário com o emprego da força física e de danos decorrentes. Assim, é corrente no direito inclusive considerar como violência todo ato, ainda que imaterial, que cause dano, ainda que psicológico. Até atos menos físicos podem ser caracterizados pelo direito como violência, tal como a “coação exercida sobre a vontade de outra pessoa para forçá-la a concordar” (9). Porém, em meio a um regime de normas algo caracterizado como violência no geral pode vir a ser descaracterizado como tal, como ocorre em alguns esportes, ou quanto a cirurgias médicas, ou ainda quanto à violência praticada em virtude de lei. Assim o caráter físico da violência mostra-se sempre submetido a um caráter imaterial de transgressão a uma ordem normativa definida. “Como dano físico, a violência é 1 Refere-se esse sub-capítulo ao direito penal e civil franceses.

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Page 1: Michaud, Yves - A violência

YVES MICHAUD – A VIOLÊNCIA

1. O problema das definições (7-15)“São violência o assassinato, a tortura, as agressões e vias de fato, as guerras, a opressão, a

criminalidade, o terrorismo etc. Como passar destes fatos disparatados para uma definição que revele sua natureza?” (7).

1.1. Os sentidos de “violência” e a etimologia (7-8)Os diversos sentidos da palavra violência se dividem em duas orientações principais: “de um

lado, o termo ‘violência’ designa fatos e ações; de outro, designa uma maneira de ser da força, do sentimento ou de um elemento natural – violência de uma paixão ou da natureza” (7).

Quanto à etimologia do termo, violência vem do latim violentia, cujo sentido está ligado à força e a braveza. A palavra vis, também do latim, quer dizer “a força em ação, o recurso de um corpo para exercer sua força e portanto a potência, o valor, a força vital” (8). Já no grego, o termo vis corresponde a is, que significa músculo, vigor.

Em todas essas definições encontra-se, portanto, a idéia de força, de uma potência. Quando ocorre a passagem da força natural para a desmedida perturbação de uma ordem, tem-se a violência.

1.2. As definições do direito (8-10)1

A qualificação da violência depende de normas sociais determinadas que variam de acordo com o âmbito em questão No direito penal, por exemplo, “todos os atentados à pessoa humana não são chamados violências” (8). Segundo juristas, a violência propriamente dita são atos nos a agressividade e brutalidade humana se exprimem contra outros homens. Resultam das violências lesões, donde o vínculo necessário com o emprego da força física e de danos decorrentes. Assim, é corrente no direito inclusive considerar como violência todo ato, ainda que imaterial, que cause dano, ainda que psicológico. Até atos menos físicos podem ser caracterizados pelo direito como violência, tal como a “coação exercida sobre a vontade de outra pessoa para forçá-la a concordar” (9). Porém, em meio a um regime de normas algo caracterizado como violência no geral pode vir a ser descaracterizado como tal, como ocorre em alguns esportes, ou quanto a cirurgias médicas, ou ainda quanto à violência praticada em virtude de lei. Assim o caráter físico da violência mostra-se sempre submetido a um caráter imaterial de transgressão a uma ordem normativa definida. “Como dano físico, a violência é facilmente identificável; como violação de normas, quase qualquer coisa pode ser considerada uma violência” (10).

1.3. Definições da violência (10-12)Frente a isso, observa-se uma dificuldade na definição de violência, já que não basta a

utilização de critérios físicos, mas também é necessário que se leve em conta uma norma a qual a violência transgride. “Na verdade, os defeitos das definições objetivas se devem ao seu princípio: trata-se de afastar os julgamentos de valor e de encontrar critérios que permitam um estudo quantitativo” (12).

1.4. A violência e o caos (12-14)Uma definição de violência deve levar em conta, portanto, esses dois aspectos: o objetivo,

relacionado a critérios que podem ser institucionais, jurídicos, sociais, ou mesmo pessoais – “segundo a vulnerabilidade física ou a fragilidade psicológica dos indivíduos” (12); e o caráter normativo, relativo à conflagração e transgressão de uma ordem. Tão grande é a dificuldade dessa definição que autores como G. Sorel e H. Arendt dedicaram livros inteiros a esse assunto sem dar uma definição acabada do termo. Assimilando-a ao “imprevisível, à ausência de forma, ao desregramento absoluto” (12), tais autores demonstraram a real insuficiência de uma definição precisa. Definiram-na, antes, como aquilo que é inconcebível, uma vez que, tal como o caos ou a transgressão da ordem, não comporta nenhuma previsibilidade, estabilidade, regularidade ou segurança: “ela introduz o desregramento e o caos” (13). Pode ser equiparada a violência ao estado de natureza de Hobbes, “onde reina a guerra de todos contra todos” (13).

1.5. Balanço (14)

1 Refere-se esse sub-capítulo ao direito penal e civil franceses.

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Assim, é preciso ter em mente que nenhuma definição objetiva de violência está isenta de pressupostos e não levam em conta o conjunto social do fenômeno. Assim, é preciso defini-la também segundo critérios subjetivos, segundo os valores e as normas de um grupo ou mesmo segundo cada indivíduo (caso de violência psicológica, por exemplo). “É preciso estar pronto para admitir que não há discurso nem saber universal sobre a violência: cada sociedade está às voltas com a sua própria violência segundo seus próprios critérios e trata seus próprios problemas com maior ou menor êxito” (14).

2. História e sociologia da violência (16-41)2.1. Os fatores de incerteza no conhecimento da violência (16-18)Retomando as idéias do capítulo anterior quanto à dificuldade de uma definição precisa de

violência e quanto à necessidade de critérios subjetivos que levem em conta as normas sociais de cada grupo: “a maioria das sociedades comporta subgrupos cujo nível de violência é incompatível com o da sociedade global ou, de qualquer modo, com as avaliações em vigor na sociedade global” (17). Outra dificuldade se estabelece no tocante à coleta de dados estatísticos a respeito da evolução da violência, cujas pesquisas datam apenas a partir do século XIX; antes disso, são muito raros e imparciais. Com relação aos números relativos às guerras, igualmente carecemos de estudos confiáveis sobre períodos mais distantes. “Portanto, o projeto de uma história da violência frequentemente esbarra na falta de dados precisos” (17). Ademais, não há neutralidade no registro dessas informações, pois aqueles que se encarregam de arquivar os dados têm interesse em “exagerar ou diminuir a violência de seus adversários ou a deles próprios” (17). No mesmo sentido, “os documentos sustentam as opiniões daqueles que detêm o poder” (18)2

2.2. As guerras (18-22)São controversos os dados a respeito do número de mortos em guerras, mesmo quando se

trata de períodos mais recentes da história. Porém, é mais ou menos pacífico que a definição do que seja uma guerra sempre leva em conta o caráter da utilização da violência direta, a qual é “seguida de mortos e feridos em número significativo” (19). Apesar de a violência caracterizar toda e qualquer guerra, “não é fácil avaliar os graus comparados de crueldade das guerras” (21). Mesmo com a elaboração de leis de guerra, acordos e tratados internacionais, a situação não se modifica substancialmente: “Embora não se liquide mais os prisioneiros (...), os campos de detenção não são menos duros e os casos de sevícias e de torturas não desapareceram” (21).

2.3. A violência política (22-33)Como aqui também a definição não é precisa, para melhor esclarecer as principais

manifestações de violência no âmbito político, têm-se os seguintes subitens.2.3.1. A violência sociopolítica difusa (22-23)Trata-se de uma violência espontânea, mais primitiva, que ocorre de forma localizada,

comportando, precipuamente: “as rixas, as rivalidades entre grupos, seitas, comunidades de aldeias, as batalhas entre corporações, as insurreições pelo pão e contra a carestia, sem esquecer a pilhagem e o banditismo” (22).

2.3.2. A violência contra o poder ou violência de baixo (23-26)“Diferentemente da precedente, esta visa uma reorganização do poder. Ela é a das

sublevações e das revoluções, e também dos golpes de Estados e putschs” (23). Trata-se de “conflitos políticos que se inscrevem numa perspectiva de confronto político pelo poder” (23). Para que esse tipo de manifestação ocorra é preciso que haja um poder central, e que interesses de grupos conscientes antagônicos a esse poder, com projetos políticos gerais, busquem, através da força, uma nova organização da sociedade. Para impedir tais manifestações, surgiu a polícia, instituição cuja função de manutenção da ordem foi-lhe outorgada a partir do século XIX. “Os regimes democráticos são mais vulneráveis que os regimes autoritários ou totalitários cujas forças de manutenção da ordem são hipertrofiadas e, a violência repressiva, dissuasiva” (26). “Também intervém o grau de tolerância da sociedade diante da violência como meio de ação política” (26).

2.3.3. A violência do poder ou violência de cima (26-31)

2 apud Q. Wright e C.C. Lienau, Statistics of deadly quarrels. Pittsburgh: Boxwood, 1960.

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“Trata-se da violência acionada para estabelecer o poder político, mantê-lo e fazê-lo funcionar” (26). Não se trata propriamente da violência do Estado, pois esta é mais restrita que a violência do poder, visto que o Estado é “um aparelho estruturado e diferenciado de organização da vida social e de gestão da vida política” (26).

A) As formas despóticas e tirânicas do poder político (26-27)A tirania é uma forma muito antiga de poder político. Já Aristóteles, em sua Política, a

definiu como uma monarquia absoluta, “na qual o poder absoluto se exerce sem responsabilidade e no interesse exclusivo do tirano” (26). O mecanismo utilizado pelo tirano para manter o poder é o terrorismo, assim definido, ainda por Aristóteles, pelos “temas do aviltamento dos cidadãos, da desconfiança entre eles e da impossibilidade de agir” (27). Assim, a tirania “é o máximo de arbitrariedade e também de violência” (27). Já H. Arendt defende que “a idéia de um contrato entre o soberano e seus súditos nunca esteve inteiramente ausente do pensamento político, mesmo quando a obediência era o primeiro princípio da vida política” (27). Essa forma de poder político se restringe a pequenas comunidades, pois são restritos os círculos nos quais o tirano faz imperar seus métodos terroristas e, assim, os que conseguem se ver dele longe não sofrem os efeitos desse terror, permanecendo alheios ao seu poder.

B) A repressão (27-28)“Aos desafios e revoltas, o poder responde com negociações, concessões e repressão” (27).

Quando uma revolta atinge uma amplitude que pode desestabilizar o poder estabelecido, este responde com a repressão, que pode se tornar feroz e extensa, atrelada à “vontade do Estado de afirmar sua supremacia e seu monopólio do poder” (28).

C) O terror (28-31)“O terror pelo chicote e pelo suplício assume outras dimensões quando se trata não mais de

estabelecer o Estado mas de renovar a sociedade” (28). O primeiro exemplo é o Terror, período compreendido durante a Revolução Francesa entre 1793-1794. Outro exemplo é o terror soviético, desde a Revolução de 1917 até os anos de governo stalinista. O número de mortos nesse período chega a dezenas de milhões. Trata-se o terror de um instrumento de defesa interna e externa do poder que permite, também, um controle econômico centralizado. “Quando as circunstâncias são tais que a virtude não é mais suficiente, o terror torna-se a força coatora que faz a unidade revolucionária e defende a revolução contra seus inimigos” (29).

2.3.4. O terrorismo (31-32)Embora haja exemplos antigos de manifestações terroristas, “as origens do terrorismo

moderno devem ser situadas no século XIX” (31). Surgem com teóricos da conspiração contra o Estado, como Buonatorri, Blanqui, Bakunin e Netchaev. A partir da segunda metade do século XIX, o número de atentados terroristas aumenta significativamente em todo o mundo. “Pensando que o Estado encontra-se cortado das raízes da sociedade, os terroristas concluem ser possível o seu aniquilamento automático através do desaparecimento daqueles que o dirigem” (32). Assim, próximo a uma concepção de guerrilha urbana, o terrorismo contemporâneo muitas vezes é uma forma de buscar sensibilizar e conscientizar as massas.

2.3.5. As guerras civis (32-33)Trata-se de uma forma de hiperviolência que extravasa todos os limites. Ocorre quando há

um desmoronamento da comunidade política, que deixa os adversários sem convenção comum. “Não se trata apenas de um alto nível de violência mas da transgressão generalizada que resulta do desmoronamento de todos os fundamentos da comunidade” (32-33).

2.4 A criminalidade (33-38)O aumento da criminalidade não corresponde necessariamente a um aumento da violência

ou da insegurança ante a vida. Isso porque a criminalidade é uma modalidade normativa, convencionada por leis penais, o que quer dizer que seu aumento pode estar ligado tão somente à criminalização de certas práticas que, uma vez não existentes tais leis, não seriam consideradas como crimes. As sociedades modernas assistem a uma diminuição da violência com relação a outros períodos da história, onde a vida era menos segura e mais ameaçada, e, ao mesmo tempo, pode haver um aumento relativo da criminalidade. No entanto, a criminalidade está, evidentemente, ligada à violência. Com efeito, “as violências físicas e o roubo são o que há de mais corrente na criminalidade” (34). “Se considerarmos agora a evolução da criminalidade desde o século XIX,

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apoiando-se nas estatísticas judiciárias ou sanitárias, constataremos uma regressão dos homicídios em quase toda parte” (37). “Os conhecimentos históricos permitem portanto perceber uma progressiva civilização dos costumes e uma diminuição da violência criminosa” (38). Isso está atrelado a uma gestão e a um controle sociais cada vez mais acirrados.

2.5. A violência da vida (38-39)“Como mostram as pesquisas sociológicas, um alto nível de violência constitui o aspecto

normal da vida de muitos grupos sociais” (38). Há sociedades ou grupos em que a violência é algo cultural, como as populações do Oeste estadunidense no século XIX, por exemplo. Em alguns casos, essa violência cultural pode estar ligada “à dureza das condições de vida e de sobrevivência” (39). Também é o caso de certas gangues de rua ou de algumas seitas religiosas, ocasião em que a violência está atrelada “aos valores pelos quais o grupo se diferencia e se afirma contra os outros” (39)

3. Tecnologia da violência contemporânea (43-54)“Nada garante que o mundo contemporâneo seja mais violento que as épocas passadas”

(42). Hoje em dia há uma instrumentalização dos mecanismos que podem proporcionar a violência sem precedentes na história, com um aumento igualmente assombroso dos meios de gestão e controle da violência, “um ideal de funcionamento racional e sem sobressaltos” (42). Além disso, há diversas sociedades díspares convivendo contemporaneamente, sendo que cada uma delas vive uma era diferente cujos fenômenos da violência também diferem, o que também ocorre dentro de uma determinada sociedade. Assim, o que será aqui descrito como uma evolução não diz respeito a todos os grupos, mas há uma tendência dominante.

3.1. Tecnologia da destruição (43- 48)“As sociedades contemporâneas dispõem de uma tecnologia de morte aterradora que não se

limita ao arsenal nuclear” (43).3.1.1. Diversidade dos instrumentos (43)“Há armas para todas as ocasiões, todos os usos e todos os bolsos. (...) A indústria de

armamentos elabora seus produtos segundo as regras do marketing. (...) Existe assim uma espécie de hipermercado da violência”. (43)

3.1.2. Gradação dos meios e acesso a eles (43-44)Existem as panóplias, organizações das séries de arsenais de armas nas quais os

instrumentos se completam uns aos outros, utilizados para os mais diversos fins. Além dessas utilizações, que geralmente têm guarida pelo sistema normativo de determinado país, tais como exércitos ou grupos armados formados para lutar contra algo específico, tal como o terrorismo, por exemplo, há também outras utilizações marginais. Os armamentos estão sempre sujeitos a serem roubados ou desviados; quando há renovação dos equipamentos, as armas antigas são amortizadas, o que propulsiona a indústria bélica e contribui para o estreitamento de alianças políticas e aumento da dependência das nações clientes.

3.1.3. Sofisticação, potência precisão dos instrumentos (44-46)Hoje em dia, as armas desenvolvidas são muito sofisticadas, devido ao desenvolvimento

científico, sendo que algumas delas, as armas químicas e nucleares, por exemplo, são em princípio proibidas. Há vezes, inclusive, em que é o progresso das armas que comanda o progresso científico. Correlatamente, foi necessário, para controlar essa potência de destruição, que o progresso se direcionasse também para a limitação do desencadeamento de muitas dessas armas. Dessa forma, buscou-se substituir a imprevisibilidade, que antes norteava a impulsão da violência, pelo cálculo.

3.1.4. A profissionalização dos serventes (46-47)A sofisticação dessas armas dá lugar a uma nova classe sociológica correlata a dos

guerreiros nas sociedades antigas, a dos profissionais qualificados e bem remunerados que utilizam e controlam o uso desses instrumentos. Até mesmo a tortura foi profissionalizada, passando de suja e sangrenta à medicalizada: “em vez de queimar aos as pessoas aos pouquinhos, agora lhes dão choques elétricos ou drogas psicotrópicas sob controle médico” (p. 47).

3.1.5. A contaminação de novas áreas (47-48)“Assim como determinadas técnicas que não têm nada de especificamente militar

encontram-se a serviço da violência, o potencial de controle e de instrumentação do mundo humano

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também desemboca, por sua vez, em tipos de ação próximos da violência” (p. 47) “É o tema do filme de Stanley Kubrick Laranja mecânica: entre a violência do delinqüente Alex e a do tratamento antiviolência do Prof. Brodsky, é impossível fazer uma distinção” (p. 48). Quanto aos métodos, embora sejam os objetivos diversos, tanto num quanto noutro caso, são os mesmos.

3.1.6. O custo da violência (48)A “corrida armamentista” desembestada entre as nações, corresponde à lógica do dinheiro e

do lucro, sendo os instrumentos bélicos tais quais outras mercadorias industriais cuja demanda desencadeia um complexo jogo entre os Estados.

3.2. Mídia e violência (49-51)Com efeito, a mídia contribui com seus meios de comunicação de massa com a criação de

uma estética do sensacional, uma vez que é imprescindível para ela que, como princípio e matéria-prima, a violência de todos os dias.

3.2.1. A relação com o mundo passa pelas imagens (49-50)Toda imagem, por mais verídica que seja, quando passa pela mídia, foi antes selecionada,

montada, legendada, para corresponder ao que deve ou não ser mostrado, de acordo com a vontade daqueles que estão por trás da mídia. Assim, as imagens da violência da violência não escapam a essas distorções. Assim, mesmo que não sejamos nós mesmos os atingidos pela violência cotidiana, nos sentimos como suas vítimas: “o que conta não é a realidade vivida, mas o que ficamos sabendo e o que a mídia deixa ver” (pp. 49-50). Assim também, em nível nacional, a mídia manipula os incidentes no mundo todo, e os Estados se aproveitam para elaborar campanhas pró ou contra certos deles.

3.2.2. As imagens se tornam a parada da batalha (50-51)Assim, controla-se não somente o conflito, mas a maneira como ele aparece se torna

também um objeto do combate, sendo igualmente motivo para muitas batalhas.3.2.3. A violência com celofane (51)A mídia contribui, portanto, para tornar a violência irreal, uma vez que banaliza as imagens.

A repetição, a estilização das imagens para melhor serem digeridas pelo público, a censura, que muitas vezes não permite que algumas imagens sejam exibidas, contribuem para esse enfraquecimento proporcionado pela mídia, criando um hiato entre uma “experiência anestesiada e as provas da realidade, raras mas muito mais fortes” (p. 51).

3.3. Vulnerabilidade e resistência das sociedades contemporâneas (51-53)As sociedades contemporâneas são ao mesmo tempo vulneráveis e resistentes à violência.

Primeiramente, devido à sua complexidade, multiplicando as conexões e os deslocamentos entre as coisas, possibilitando, por exemplo, ataques terroristas em metrôs ou aeroportos, seqüestros nos mais variados locais etc.; também epidemias e outros ataques em grande escala são mais propícios a acontecerem.Em segundo lugar, no entanto, tamanha a sua capacidade de rápida adaptação a tais situações adversas, devido ao rápido desenvolvimento tecnológico, produz-se um permanente movimento de racionalização dos problemas que culmina com um relativo controle dessa vulnerabilidade. “Às tecnologias da violência correspondem contratecnologias que lhes servem de remédio” (p. 53).

4. Gestão e controle da violência (55-69)A violência em nossa sociedade é submetida à racionalização e ao cálculo, tal como muitos

aspectos da vida social e política. Dessa forma, é extraída dela uma utilização, dependendo de sua eficiência, como estratégia que, bem administrada, pode até trazer benefícios: “Não há mais violência pura nem violência escandalosa, e ela não é nem santa nem desonrosa: vale o que produz e o benefício que traz” (p. 56).

4.1. A administração do terror (56-59)“O emprego sistemático e calculado da violência pode constituir-se num meio de governo”

(p. 56). Porém, hoje em dia tal organização assumiu dimensões novas.4.1.1. O terrorismo de Estado (56-58)Não apenas os terroristas procedem pela imposição do medo e do terror, mas o Estado

também pode fazê-lo. Juridicamente, o Estado é a institucionalização do poder, dispondo do monopólio da violência legítima, que é exercida segundo as leis. Há casos em que pode haver um

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“terrorismo de Estado” (p. 56), em que se criam tribunais de exceção, se estabelecem estados de sítio ou outras medidas que “deslegalizam” a vida política (são exemplos a Alemanha nazista, a França de Vichy, a União Soviética de Stalin, as ditaduras militares na América do Sul).

Ao mesmo tempo em que as ações civis são controladas ao mais extremo ponto, são livres e desprovidas de controle as ações internas dos governantes e da polícia. A tortura aparece como prática surpreendentemente constante. É uma prática que impõe o terror, que deve “humilhar, fazer mal, quebrar as vítimas” (p. 57). Deve ser clandestina, mas conhecida. Assim, todos devem saber que qualquer um pode desaparecer subitamente, temendo assim a possibilidade de ser torturado. “O terrorismo de Estado pratica em escala industrial a política que Aristóteles atribuía ao tirano e chega ao mesmo resultado: a despolitização da vida” (p. 58).

4.1.2. O sistema totalitário (58-59)No sistema totalitário, a obediência é dispersa em todos os níveis.4.2. As estratégias da violência (59-62)4.3. Gestão da desordem e do risco (62-66)4.3.1. A violência urbana (62-63)4.3.2. O comportamento policial (63-64)4.3.3. A violência das prisões (64-65)4.3.4. O terrorismo internacional (65-66)4.4. As valorizações da violência (66-67)

5. As causas da violência: o ponto de vista antropológico (70-87)5.1. O ponto de vista neurofisiológico (71-72)5.2. Etologia e agressividade (72-75)5.3. A contribuição da antropologia pré-histórica (75-77)5.4. Psicologias da agressividade (77-82)5.4.1. A psicologia geral da agressividade (77-79)5.4.2. As abordagens clínicas e estatísticas (79-80)5.4.3. A psicologia social (80-82)5.5. As contribuições da psicanálise (82-84)5.6. Balanço (84-85)

6. As causas da violência: as abordagens sociológicas (88-101)6.1. As abordagens empíricas (89-92)6.2. A violência e a teoria social (92-97)6.2.1. As abordagens funcionalistas (93-95)6.2.2. O ponto de vista sistêmico (95-96)6.2.3. A concepção marxista (96-97)6.2.4. Balanço (97)6.3. Os estudos microssociológicos (98-99)

7. As filosofias da violência (102-114)7.1. As ontologias da violência (103-106)7.1.1. O Ser e a negatividade (103)7.1.2. As filosofias da vida (104)7.1.3. G. Sorel (104-105)7.1.4. Violência e messianismo (105-106)7.2. As filosofias da reciprocidade (106-110)7.2.1. Hegel (106-107)7.2.2. Sartre (107-109)7.2.3. Girard (109-110)7.3. Conclusão filosófica (110-113)