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  • A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS: REVISITANDO CONCEITOS E SUGERINDO CAMINHOS

    PRADO, Alessandra Elizabeth Ferreira Gonalves PUC CAMPINAS [email protected]

    AZEVEDO, Heloisa Helena Oliveira de PUC CAMPINAS [email protected]

    Eixo temtico: Didtica: Teorias, Metodologias e Prticas Agncia Financiadora: CAPES

    Resumo

    Este artigo constitui-se em parte de pesquisa cientfica1 e se refere ao tema Formao de Professores da Educao Infantil. Como se trata de um recorte da referida pesquisa, destacamos, para essa exposio, uma reviso acerca da Teoria das Representaes Sociais e possvel aplicao desta no mbito de pesquisas em educao, em especial, referentes ao trabalho docente na educao infantil. Para tanto, propomos incluir essa reviso em uma proposta de pesquisa qualitativa em que os conceitos da teoria em questo seriam auxiliares para a interpretao de determinados fenmenos na educao. Trata-se, portanto, de um artigo de cunho essencialmente terico que se juntou a algumas reflexes feitas na pesquisa em que, especialmente, analisamos as discusses recentemente realizadas sobre a formao do professor de educao infantil, nas quais percebemos que o reconhecimento deste docente tem permeado, apenas, a defesa de aes voltadas ao olhar atento junto s necessidades das crianas.

    Palavras chave: Teoria das Representaes Sociais; Profisso Docente; Educao Infantil.

    Introduo

    Ouve-se muitas vezes falar que a boa cincia deveria comear propondo conceitos definidos clara e meticulosamente. Na verdade, nenhuma cincia, mesmo a mais exata, procede dessa maneira. Ela comea juntando, ordenando e diferenciando fenmenos que surpreendem a todos, porque so perturbadores e exticos, ou constituem um escndalo (MOSCOVICI, p. 2009, p.167).

    Em meio aos desafios que os professores de educao infantil precisam enfrentar em sua prtica educativa, encontra-se o direito ao seu reconhecimento enquanto docente e cujos

    1 Dissertao de mestrado.

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    direitos para o exerccio da profisso perpassam, tambm, por conceitos e concepes presentes em pesquisas da rea.

    O auxlio que a Teoria das Representaes Sociais (TRS) nos oferece, fundamental para analisarmos concepes e prticas sociais defendidas e fundamentadas teoricamente como sendo as mais adequadas e que se encontram presentes em pesquisas que se dedicam faixa etria de 0 a 5 anos.

    Pensando, portanto, na Teoria das Representaes Sociais e, diante da diversidade de opes terico-metodolgicas contidas em uma pesquisa qualitativa, podemos nos perguntar se esta teoria serve como fundamento interpretativo para anlise de artigos cientficos?

    Entendemos que sim, pois o estudo da referida teoria configura-se como um caminho importante e promissor o qual, conforme Alves-Mazzotti (2008), nos ajuda a investigar como se formam e como funcionam os sistemas de referncia que utilizamos para classificar pessoas e grupos e para interpretar acontecimentos da realidade cotidiana (p.20-21).

    O presente artigo tem como finalidade, efetuar uma reviso acerca da Teoria das Representaes Sociais (TRS) e possvel aplicao desta no mbito de pesquisas em educao, em especial, referente ao trabalho docente na educao infantil. Trata-se, portanto, de um texto especificamente terico, pois, pretende incluir essa reviso em uma proposta de pesquisa qualitativa em que os conceitos seriam auxiliares para a interpretao de determinados fenmenos educativos. Deteremos-nos, portanto, reviso terica, aproveitando algumas reflexes que foram feitas por ocasio da concluso de nossa pesquisa (2011) que subsidiou a elaborao de nossa dissertao de mestrado em Educao, cujo tema perpassou a discusso sobre as representaes sociais de professores de educao infantil.

    A teoria das representaes sociais: revisando conceitos

    A Teoria das Representaes Sociais (TRS) na rea da psicologia social foi proposta por Serge Moscovici, tendo como ponto de partida o conceito de representaes coletivas de Durkheim.

    Segundo Moscovici (2009), tal conceito de representaes sociais vindo de Durkheim e sob o pressuposto da sociologia, prope que qualquer ideia, emoo, crena, enfim, cadeias completas como as cincias, religio, mito, etc, estariam includas nas representaes sociais.

    Segundo Moscovici (2009), Durkheim delimitou passos muito importantes para o desenvolvimento de uma pesquisa quando definiu o coletivo como princpio de nossa vida

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    mental, sendo que as representaes coletivas seriam nossa matriz subjacente. Isso quer dizer que Durkheim iniciou uma mudana radical na sociologia e antropologia. Mudanas que nos fizeram avanar.

    As representaes sociais so parte da realidade (vista como grupal), ou seja, funcionam coletivamente (por meio de interaes e comportamentos). Nesse movimento, novas e velhas representaes surgem mediadas pelo que Moscovici chama de flutuao de sistemas unificadores que so as cincias, as religies e as ideologias sociais. Em outras palavras, existe uma necessidade continua de re-constituir o senso comum ou a forma de compreenso que cria o substrato das imagens e sentidos, sem a qual nenhuma coletividade pode operar (MOSCOVICI, 2009 p. 48, destaque do autor).

    Tal coletividade acaba enxergando suas ideias e relaes por meio de seus prprios comportamentos coletivos. o que o autor chama de sociedade pensante, ou pensamento considerado como ambiente. Para falar sobre isso Moscovici cita Marx quando ele dizia que as ideias, uma vez disseminadas entre as massas passam a ser e a se comportar como foras materiais (2009, p. 48). Se entendermos dessa forma, passamos a compreender porque o objeto da Psicologia Social observar, descrevendo e interpretando como as ideias passam a ser realidade e como os conceitos passam a ser considerados como objetos ou pessoas. Para o autor, as representaes sociais so fenmenos que precisam ser descritos e explicados porque tm um modo prprio de compreender e de comunicar a realidade.

    Em sua obra, Moscovici (2009) questiona de que modo o pensamento pode ser considerado como ambiente (atmosfera social e cultural)? Perguntas decorrentes so: como as representaes intervm na nossa atividade cognitiva, ou ainda, at que ponto, o pensamento independente das representaes?

    Nesse sentido, o autor fala que preciso considerar duas funes das representaes sociais:

    A primeira sua funo convencional, onde pessoas, objetos ou acontecimentos so colocados em um modelo. O autor cita o exemplo de Marcel Duchamp, que em 1910, assinou obras fabricadas e elas foram elevadas ao status de obras de arte. Obras, antes sem valor, passaram a ter uma imagem valorizada. importante compreender que cada experincia, segundo o autor, somada a realidade na determinao prvia desta realidade, por meio de convenes. suficiente, simplesmente transferir um objeto, ou pessoa de um contexto a

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    outro, para que vejamos sob nova luz e para sabermos se eles so, realmente os mesmos (MOSCOVICI, 2009, p35).

    A segunda funo a prescritiva, onde a forma de pensar (repensar, recitar) depende das representaes. Ou seja, os sistemas imagticos, classificatrios e descritivos so dependentes de conhecimentos anteriores.

    Enquanto essas representaes, que so partilhadas por tantos, penetram e influenciam a mente de cada um, elas no so pensadas por eles; melhor, para sermos mais precisos, elas so re-pensadas, re-citadas e re-apresentadas (MOSCOVICI, 2009, p.37).

    Nesse sentido, aprendemos a pensar o j pensado, desde que nos encontramos nesse mundo social e representativo. O pensamento prescrito pelo que temos como representaes. [...] elas so impostas sobre ns, transmitidas e so o produto de uma sequncia completa de elaboraes e mudanas que ocorrem no decurso do tempo e so o resultado de sucessivas geraes (MOSCOVICI, 2009, p.37).

    Em suma, segundo Moscovici (2009), para compreendermos como o pensamento pode ser considerado como ambiente, preciso entender que o que percebemos e imaginamos no so nada mais alm de ideias. Isso quer dizer que, ao colocarmos um smbolo convencional na realidade e tambm prescrevendo com a tradio, memrias, costumes e contedos culturais, passamos a transformar tais ideias como se fossem materiais. Nesse sentido as representaes sociais no somente interferem na nossa forma de pensar, mas no nosso prprio ambiente (social e cultural).

    De acordo com Moscovici (2009) predomina nas cincias humanas a ideia de que a sociedade no pensa. Isto porque vivemos em um mundo de cunho comportamental. Para o autor, o estudo do comportamento objetiva compreender o ser humano que processa informao e se comporta, sendo que os grupos passam a ser considerados receptores. J o estudo das representaes sociais enfoca suas questes a respeito do homem que pergunta, procura resposta e comunica suas decises, enfim, pensam por si suas prprias solues alimentando-se dos acontecimentos, das cincias e das ideologias.

    Por isso, ao estudar as representaes sociais, preciso considerar a dinmica social e suas linguagens e as formas de comunicar um pensamento, aqui entendido como social, e que tambm revela seu teor subjetivo e identitrio. O objeto da psicologia social prev a descrio

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    de como as ideias passam realidade, buscando interpretar, nesse percurso, de que forma conceitos passam a ser considerados como pessoas ou objetos; como um pensamento compartilhado se torna para ns como um ambiente, como se fosse real.

    Outro aspecto abordado por Moscovici (2009) diz respeito ao modo como entendemos o mundo e a sociedade. O autor afirma que atualmente distinguimos nosso mundo entre dois universos, o consensual e o reificado.

    Conforme o autor, no universo consensual a sociedade uma criao visvel, contnua, com sentido e finalidade, agindo e reagindo sob a perspectiva humana. Isso pressupe um grupo de pessoas livres e cada indivduo tem voz nesse grupo, no existindo assim competncias exclusivas. Existe no mundo consensual uma cumplicidade e, nos locais pblicos, so comunicadas e construdas suas prprias leis. Ao contrrio, no universo reificado, a sociedade vista como um sistema de entidades, engessado, desprovido de identidade e as pessoas no so vistas como um grupo, mas isoladamente.

    Como conseqncia, h diferentes papis e classes e os graus de participao sero direcionados de acordo com as competncias conquistadas. Enfim, cada contexto ser determinado e apropriado a cada indivduo. Segundo o autor possvel perceber que enquanto no universo consensual o ser humano a medida de todas as coisas, no reificado todas as coisas so a medida do ser humano.

    Segundo Moscovici (2009) existe uma arte no universo consensual, pois ao compartilhar imagens e ideias, por meio dos discursos, cria-se estabilidade e recorrncia, o grupo se mantm consolidado, sentindo-se satisfeito nas suas necessidades de expresso e de interao comunicativa. Nesse sentido, as representaes sociais so um meio para entendermos o universo consensual (tal universo um produto das representaes sociais), dando voz a ela e explicando acontecimentos. J as cincias so um meio para entendermos o universo reificado onde as reaes so vistas fora da conscincia e a adequao intelectual almejada junto s evidencias empricas (no se preocupando com valores e vantagens). Por isso, o autor aponta para a importncia das representaes sociais que a partir da psicologia social nos ajudam a enxergar mais adequadamente a origem das ideologias e cuja inteno subordinar o mundo consensual ao reificado facilitando assim a transio de um para o outro.

    O mesmo autor explica que criamos representaes porque nos sentimos desconfortveis ao que no nos familiar. Existe uma motivao em absorver o que no familiar ao seu sistema familiar de determinado grupo. Ou seja, em sua reapresentao e

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    familiarizao junto s convenes, valores e aes aceitos naquele grupo. Tais consideraes demonstram que as pessoas repensam o j pensado, reapresentam o j apresentado.

    Para compreendermos de comportamento social, de como certas vises e ideias alcanaram determinado grupo, preciso entender sobre representaes sociais, sobre universos consensuais, sobre o movimento do no-familiar ao familiar.

    Segundo Moscovici (2009), as cincias eram antes um antdoto contra representaes e ideologias, contudo so hoje geradoras de tais representaes. Isso porque o mundo reificado prolifera delas (das cincias) na medida em que teorias, informaes e acontecimentos so transferidos a um nvel que conseguimos alcanar. Ou seja, so reapresentadas no interior desse mundo de acesso mais facilitado: este mundo o universo consensual.

    Conforme o referido autor, a cincia era antes baseada no senso comum e o tornava menos comum. Agora o senso comum a cincia tornada comum.

    Para ele um lugar comum coletivamente efetivo, por isso ele nos fala que:

    No fcil transformar palavras no familiares em familiares, idias ou seres em palavras usuais, prximas e atuais. necessrio, para dar-lhes uma feio familiar, por em funcionamento, dois mecanismos de um processo de pensamento baseado na memria e concluses passadas (MOSCOVICI, 2009, p.60).

    O mesmo autor cita dois mecanismos, baseados na memria e concluses passadas, que so responsveis em transformar o no familiar em familiar, ou seja, por criar as representaes sociais nesse processo, a saber: processos de ancoragem e objetivao.

    Para Moscovici (2009) ancorar classificar e dar nome a alguma coisa. Coisas que no so classificadas e que no possuem nome so estranhas, no existentes e ao mesmo tempo ameaadoras (p.61). Por isso, experimentamos resistncia quando no conseguimos avaliar ou descrever alguma coisa ou pessoa. Nesse processo, para superarmos essa resistncia, damos-lhe nome e o categorizamos. Assim representando aquilo que no costumeiro em nosso universo familiar, consigo avaliar, consigo comunic-lo e enfim este

    pode ser representado. Por isso, classificamos pessoas ou coisas no processo de avaliar, de rotular. No h neutralidade nesse processo, pois quando classificamos algo ou algum, esses ficam restritos a um conjunto de comportamentos e regras.

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    Nesse momento, possvel refletir sobre a teoria das representaes sociais e pesquisas na rea da educao infantil2. Se partirmos do pressuposto de que existe uma influncia do campo cientfico que se destina a pesquisar sobre a educao para crianas de 0 a 5 anos, podemos pensar a respeito dos professores da educao infantil, e interpretar como, de certa forma, estes so classificados. Outro ponto de reflexo perceber como conceitos foram ancorados (aps classificar e nomear) e incidem sobre o reconhecimento de sua profisso, enfim quais proposies foram comumente estabelecidas e aceitas naquele grupo investigado. Categorizar algum ou alguma coisa significa escolher um dos paradigmas estocados em nossa memria e estabelecer uma relao positiva ou negativa com ele (MOSCOVICI, 2009, p.63).

    Segundo Moscovici (2009), impossvel classificar sem nomear. Ao dar nome a algo ou algum, o encaminhamos do anonimato perturbador (no familiar) ao conhecido (familiar), para ele, na matriz de identidade de nossa cultura. Assim, classificar e dar nomes so dois aspectos da ancoragem das representaes.

    O outro processo gera representaes sociais, nessa necessidade social de transformar o no familiar em familiar a objetivao. Segundo o autor objetivar descobrir a qualidade icnica de uma ideia, reproduzir um conceito em uma imagem. A domesticao um processo que atua com maior eficincia do que a ancoragem.

    A materializao de uma abstrao uma das caractersticas mais misteriosas do pensamento e da fala. Autoridades polticas e intelectuais, a exploram com a finalidade de subjugar as massas (MOSCOVICI, 2009. p.71).

    Muitas palavras esto em circulao na sociedade e buscamos dar-lhes sentido concreto. Nem todas as palavras podem ser ligadas a imagens. Por isso, selecionamos imagens porque podem ser representadas e integradas no que o autor chama de Ncleo Figurativo, que ele define como um padro, um paradigma, um complexo de imagens que reproduzem um complexo de ideias.

    Aps disseminar a imagem como realidade por meio de um ncleo figurativo (padro, paradigma), tal imagem assimilada totalmente. Ou seja, as imagens devem ter uma realidade e tambm tornarem-se elementos dessa realidade e no elementos do pensamento.

    2 Em uma das etapas de nossa pesquisa, investigamos textos aprovados na ANPEd, como comunicao oral, no

    Grupo de Trabalho que trata de temas relacionados a educao infantil, GT-7. Analisamos artigos que falassem da formao dos professores entre os anos de 2000 e 2009. A anlise destes textos encontra-se na referida pesquisa.

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    Ns imaginamos um objeto, criamos uma imagem com a qual o identificamos e, fazendo isso, damos vida a sentimentos e classes sociais.

    A linguagem o instrumento que nos possibilita fazer tais transferncias. Esse um processo contnuo. No paramos de transformar representaes em realidade. Expressamos primeiro a imagem e depois o conceito como se fosse realidade. Cada caso implica uma representao social que transforma palavras em carne, ideias em poderes naturais, naes ou linguagem humanas em linguagem de coisas (MOSCOVICI, 2009, p.77-78).

    Em suma, ao comparar e interpretar, dando nome e classificando pessoas ou coisas (ancoragem) e nos apropriando de conceitos e imagens extradas da memria (objetivao), estamos lidando com nossa necessidade de conforto e domnio sobre nossa realidade coletiva e cultural, ou seja, da nossa necessidade de transformar o no familiar em familiar. Tais mecanismos, a ancoragem e objetivao, geram as representaes sociais e contam com a linguagem como instrumento nesse processo. Afinal, memria e comunicao precisam estar

    juntas para que isso acontea. Nossa memria vive permeada pelo que geraes passadas nos comunicaram. Somos, por meio dela, capazes de reconstruir muitos passos importantes para compreendermos parte do que somos e do que pensamos.

    Contribuies de outros autores sobre a teoria das representaes sociais

    Conforme acabamos de observar, o conceito de representaes sociais foi um trabalho pioneiro proposto por Serge Moscovici. Por outro lado, segundo Alves-Mazzotti (2008), a partir das reflexes propostas em vrios estudos, tal conceito e teorizao sofreu muitas crticas pelo fato de Moscovici se recusar a apreender a essncia desse conceito, explicando que tal tarefa no seria fcil. Isso porque tal conceito se encontra entre o cruzamento de pressupostos essencialmente psicolgicos e sociolgicos. Para a autora justamente a que reside toda a originalidade do trabalho de Moscovici e essa relativa fluidez, apesar de ter sofrido crticas, favoreceu, por outro lado, a expanso desse campo de pesquisa.

    Alves-Mazzotti (2008) cita, dentre os vrios autores que contriburam e continuam contribuindo, Denise Jodelet. Tal estudiosa considerada a principal colaboradora de Moscovici. Ela passou a auxili-lo nas anlises dos conceitos e adoo dos instrumentos metodolgicos apropriados para o estudo das representaes sociais no que tange, de forma mais restrita, ao auxilio na interpretao da realidade.

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    Dessa forma, Jodelet assume a tarefa de sistematizao do campo e contribuiu para o aprofundamento terico, procurando esclarecer melhor o conceito e os processos formadores de representaes sociais (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p.27).

    Durante a ampliao e anlise dos processos responsveis pela construo das representaes sociais, a referida autora, dentre muitas outras revises, tambm retoma conceitos como objetivao e ancoragem.

    Jodelet (1990) define objetivao como: uma operao imaginante e estruturante que d corpo aos esquemas conceituais, reabsorvendo o excesso de significaes, procedimento necessrio nesse processo (ALVES-MAZZOTTI, 2008, p.28).

    A referida autora pontua trs fases nesse processo de objetivao: (1) a construo seletiva que significa o processo, no qual, diante de um objeto, o sujeito busca informaes e saberes a seu respeito. (2) a esquematizao estruturante, onde uma estrutura imaginante reproduz uma imagem conceitual capaz de tornar-se uma imagem coerente e de fcil comunicao, onde, nesse processo, o sujeito consegue apreend-lo, de forma individual, em seus sistemas de relaes; (3) a naturalizao, onde, com o resultado dos outros dois, temos o ncleo figurativo que permite que cada um dos elementos seja concretizado, se tornado um ser da natureza (ALVES-MAZZOTTI, 2008).

    No caso do conceito de ancoragem, este retomado e compreendido no sentido de tentar mostrar como o social intervm na nossa vida, pois a ancoragem vista como aquela que atribui sentido, que fortalece a hierarquizao de valores presentes em diferentes grupos da sociedade, e nesse sentido, cria em torno do objeto uma rede de significaes (JODELET, 1990, apud ALVES-MAZZOTTI, 2008).

    Por isso, importante destacar que ao analisarmos os processos que criam representaes sociais, tambm percebamos como tais imagens interferem, porque:

    A marca social dos contedos ou dos processos se refere s condies e aos contextos nos quais emergem as representaes; s comunicaes pelas quais elas circulam; e s funes que elas servem na interao do sujeito com o mundo e com os outros (JODELET, 1990, p. 361-362 apud ALVES-MAZZOTTI, 2008, p. 28).

    A pesquisa qualitativa em educao e a teoria das representaes sociais

    Segundo Spink (1993), aquilo que refletimos sobre representaes sociais conhecimento prtico, uma forma comprometida e negociada para interpretar a realidade.

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    Entendemos que terica e metodologicamente, os conceitos presentes na teoria das representaes sociais, podem nos auxiliar a compreender determinados aspectos que se referem ao cotidiano da profisso de professor da educao infantil. A forma como o pesquisador utiliza a metodologia em uma pesquisa qualitativa aquela que d sentido e definir os caminhos que o pesquisador se deter para encontrar melhores condies para refletir sobre os objetivos propostos. Por isso, quando nos embrenhamos nos caminhos de uma pesquisa, necessitamos, nesse percurso, ir delimitando o que vamos estudar, ou seja, pensando os passos metodolgicos no sentido de que possamos lidar mais adequadamente com os fenmenos que rodeiam nosso objeto de estudo.

    A abordagem qualitativa pode ser considerada como adequada para pesquisa em educao e cujos mtodos devem ser vistos como possibilidade de traduo da experincia humana em forma de texto, o que permite reconhecer a existncia de vrios paradigmas e mtodos.

    Na pesquisa qualitativa a preocupao primordial do pesquisador o contexto que envolve a histria, seus sujeitos e o local cujo estudo acontece (BOGDAN & BIKLEN, 1994). Tal preocupao visa compreender os acontecimentos, as falas, os contextos, interpretando-os luz do referencial terico do investigador.

    No se pode desconsiderar que o ponto de partida de uma pesquisa que busca analisar contedos a mensagem. Segundo Franco (2007), essa mensagem, seja ela oral, escrita, gestual, silenciosa, dentre outras, expressa:

    as representaes sociais na qualidade de elaboraes mentais construdas socialmente, a partir da dinmica que se estabelece entre a atividade psquica do sujeito e o objeto do conhecimento. Relao que se d na prtica social e histrica da humanidade e que se generaliza via linguagem [...] tm implicaes na vida cotidiana, influenciando no apenas a comunicao e a expresso das mensagens, mas tambm os comportamentos (p.12). [grifos nossos].

    importante nos posicionarmos diante do fato de que entendemos que o homem se constitui nas interaes com o contexto social e com as pessoas. Segundo Moscovici (2009), a teoria das representaes sociais, dentre as da psicologia social, deveriam ter maior variedade e riqueza em descrever e explicar os fenmenos especficos. Ao falar a respeito de como comeou a pensar sobre a teoria das representaes sociais, o autor indaga que sua gerao estava mais interessada em compreender de que maneira a cincia teve impacto na

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    mudana histrica, pensamento e perspectivas sociais, e que estavam muito menos interessados em como a cincia afeta nossa cultura, as ideias de cada um na vida cotidiana, ou como essas ideias podem se tornar parte das crenas das pessoas (MOSCOVICI, 2009, p.309). [grifos nossos].

    Nesse sentido, concordamos com o referido autor e entendemos, a partir desta reviso terica a respeito das representaes sociais, que seus conceitos e concepes podem nos auxiliar na anlise e interpretao, como por exemplo, para refletirmos acerca do contedo de artigos cientficos luz do referencial terico proposto por Serge Moscovici, e, nesse sentido, entendemos que estes, dentro de determinada rea, podem sim afetar nossa cultura, idias e vida cotidiana.

    Moscovici (2009) afirma que percebeu a transformao do conhecimento cientfico em conhecimento comum, como uma rea de estudo possvel e excitante (p.311).

    No comeo deste artigo citamos que em nossa pesquisa que se referiu ao tema professores de educao infantil em interface com a teoria das representaes sociais, analisamos o processo que cria representaes sociais e tornam ideias, valores naturalizados/materializados. Como poderamos nos valer dessa teoria, para pensarmos em ideias consolidadas no prprio campo cientfico? Pensando especificamente na educao infantil e imagem de seus professores, poderamos afirmar que ideias comumente defendidas, podem refletir na imagem que o professor desta etapa tem de si e de sua profisso?

    Conforme Jodelet (2009, p.697):

    As representaes, que so sempre de algum, tm uma funo expressiva. Seu estudo permite acessar os significados que os sujeitos, individuais ou coletivos, atribuem a um objeto localizado no seu meio social e material, e examinar como os significados so articulados sua sensibilidade, seus interesses, seus desejos, suas emoes e ao funcionamento cognitivo.

    Observamos, nesta pesquisa, a divulgao, no meio acadmico, sobre determinado tipo de imagem relativa ao professor da educao infantil. Essa imagem a qual nos referimos encontra respaldo terico no que tem sido chamada pedagogia da infncia, ou pedagogia da educao infantil. Percebemos, a partir da anlise dos artigos, uma averso em se chamar a instituio de educao infantil de escola, as crianas de alunos e tambm dizer podemos ensinar na educao infantil. Nas propostas, cabe fundamentalmente ao professor, desenvolver um olhar atento junto s necessidades das crianas.

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    Nesse momento, a partir de breves consideraes, podemos refletir a respeito de reflexes acadmicas e questionar se estas acabam ou no promovendo consenso, ou seja, proposies familiarizadas a respeito do professor. aquilo que Moscovici fala sobre a cincia tornar o senso comum menos comum. Ser necessrio refletir se ideias que tm sido utilizadas para explicar a realidade e a viso de professor na educao infantil tm contribudo para valorizar a imagem deste a respeito de sua prpria profisso.

    Conforme Moscovici, se uma classificao pode definir os limites lingusticos, espaciais e comportamentais, logo, nosso prprio pensar, essa prpria transformao da ideia em realidade nos circunscreve nos limites e expectativas de tal classificao.

    Buscamos, enquanto grupo tornar determinadas informaes familiares a ns. Essa a dinmica das representaes sociais. Tornar algo no familiar em familiar, ancorando, classificando, delimitando expectativas, vises, ideias e aes.

    Consideraes Finais

    Devido representao social que hoje a sociedade tem sobre o professor de educao infantil, j cristalizada, como se nada, nunca, pudesse ser bom ou relativamente bom, o que gera uma atmosfera pouco receptiva a inovaes, mesmo que interessantes e necessrias (FRANCO, 2004, p.173). Nesse sentido, se sou um professor de educao infantil (ou em formao), vises que chegam a mim, que foram objetivadas e cristalizadas, como se fossem as verdadeiras, podem me conduzir negao da necessidade de reflexes que me auxiliem a avanar.

    Entendendo, portanto que as representaes sociais se relacionam com nossa compreenso, nossas formas de lidar com a realidade passamos a concordar com a importncia da nomeao nas relaes com nossas aes, representaes sociais e identidade.

    O ato de nomear por si s no basta e, nesse aspecto, Moscovici (2009), nos fala que preciso compreender onde se originou tal representao. Por isso, defendemos a reviso de conceitos e concepes que permeiam a imagem do professor de educao infantil, buscando romper com a familiaridade, ou resistncia ao simples fato de repens-las.

    Ao nos embrenharmos em uma pesquisa de cunho qualitativo, podemos pensar na Teoria das Representaes Sociais como recurso terico-metodolgico para interpretao de determinadas pesquisas acadmicas. Essa uma sugesto inicial que requer continuidade, posto que analisamos artigos cientficos e entendemos, neste momento, a necessidade de contato com o cotidiano das escolas de educao infantil, sendo assim possvel efetuar uma reflexo mais ampla para compreendermos as representaes sociais que os professores de

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    educao infantil tm de si e de sua profisso e, tambm, observar se as proposies acadmicas, de alguma forma, tm influenciado a maneira como os professores compreendem sua profisso e sua importncia nesta sociedade, se estas esto caminhando em direo ao reconhecimento social e profissional dos professores de educao infantil.

    REFERNCIAS

    ALVES-MAZZOTTI, A J. Representaes sociais: aspectos tericos e aplicaes educao. Rev. Mltiplas Leituras, v. 1, p.18-43, jan/jun. 2008.

    BOGDAN, R C; BIKLEN, S K. Investigao qualitativa em educao: uma introduo teoria e aos mtodos, Portugal: Porto Editora, 1994. .

    FRANCO, M L P B. Representaes sociais, ideologia e desenvolvimento da conscincia. Cadernos de pesquisa, v.34, n. 121, p. 169-186, jan/abr. 2004.

    FRANCO, M L P B. Anlise de contedo. Braslia, DF. 2 ed: Liber Livro, 2007.

    JODELET, D. O movimento de retorno ao sujeito e a abordagem das representaes sociais. Sociedade e Estado, Braslia, DF, v.24, n.3, p. 679-712, set/dez. 2009.

    MOSCOVICI, S. Representaes Sociais: investigaes em psicologia social. 5 ed. Petrpolis, RJ: Vozes, 2009.

    SPINK, M J P. O conceito de representao social na abordagem psicossocial. Caderno Sade Pblica, Rio de Janeiro, v. 9 , n. 3, p. 300-308, jul/set. 1993.