desenvolvimento interpessoal: treinamento em grupo - fela moscovici

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MOSCOVICI, Felá. Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo. 7 ed. Rio de Janeiro: José Olympio, 1997. Aos participantes dos grupos de desenvolvimento e deformação, essenciais colaboradores espontâneos desta obra. SUMÁRIO Dados bibibliográficos da autora, 11 Nota da autora à 4 edição, 13 Prefácio da 1 edição, 15 Introdução, 19 PRIMEIRA PARTE LEITURAS 1. EDUCAÇÃO DE LABORATÓRIO, 5 O laboratório de treinamento. Meta-objetivos da educação de laboratório. Vivências e mapas cognitivos. Como funciona um laboratório de treinamento. O processo vivencial de aprendizagem. Resultados do laboratório. Singularidade do laboratório. 2. TREINAMENTO, TERAPIA E DESENVOLVIMENTO, 19 Treinamento ou terapia? Algumas diferenças entre psicoterapia de grupo e laboratório de sensibilidade. Papel do coordenador de laboratório. Responsabilidade ética e profissional. Pedagogia e andragogia. Podem os adultos aprender bem em qualquer idade? Implicações para a educação de adultos. 3. COMPETÊNCIA INTERPESSOAL, 32 Eu e os outros. A primeira impressão. Relações interpessoais. Aquisição de competência interpessoal. Uma pesquisa de competência interpessoal. vii 4. A JANELA JOHARI, 43 Conceituação. Mudanças nos quadrantes. A comunicação interpessoal — dar e receber feedback. Estilos interpessoais. 5. IMPORTÂNCIA DO FEEDBACK NAS RELAÇÕES INTERPESSOAIS, 53 Significados de feedback. Por que é difícil receber feedback? Por que é difícil dar feedback? Como superar as dificuldades. Feedback de grupo. Habilidades de comunicação a serem desenvolvidas. 6. ESTILOS PESSOAIS DE ATUAÇÃO, 66 Tipos de personalidade de executivos. Forças e fraquezas: os estilos LIFO. Estilos LIFO de gerentes brasileiros. 7. NOVAS PERSPECTIVAS DE MOTIVAÇÃO, 76 A motivação de deficiência. Revisões da teoria. A motivação de crescimento. Uma visão sistêmica de motivação. Modelos de conteúdo. Modelos de processo. A motivação deôntica. Um conceito de trabalho. 8. FUNCIONAMENTO E DESENVOLVIMENTO DO GRUPO, 96 Funcionamento do grupo. Componentes principais do funcionamento do grupo. Modelos de grupo. Grupos de treinamento. 9. INTERAÇÃO NO GRUPO: TAREFA E EMOÇÃO, 115

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Livro Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo em formato word

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FELA MOSCOVICI

MOSCOVICI, Fel. Desenvolvimento Interpessoal: treinamento em grupo. 7 ed. Rio de Janeiro: Jos Olympio, 1997.

Aos participantes dos grupos de desenvolvimento e deformao, essenciais colaboradores espontneos desta obra.

SUMRIO

Dados bibibliogrficos da autora, 11Nota da autora 4 edio, 13Prefcio da 1 edio, 15Introduo, 19

PRIMEIRA PARTELEITURAS

1. EDUCAO DE LABORATRIO, 5O laboratrio de treinamento. Meta-objetivos da educao de laboratrio. Vivncias e mapas cognitivos. Como funciona um laboratrio de treinamento. O processo vivencial de aprendizagem. Resultados do laboratrio. Singularidade do laboratrio.

2. TREINAMENTO, TERAPIA E DESENVOLVIMENTO, 19Treinamento ou terapia? Algumas diferenas entre psicoterapia de grupo e laboratrio de sensibilidade. Papel do coordenador de laboratrio. Responsabilidade tica e profissional. Pedagogia e andragogia. Podem os adultos aprender bem em qualquer idade? Implicaes para a educao de adultos.

3. COMPETNCIA INTERPESSOAL, 32Eu e os outros. A primeira impresso. Relaes interpessoais. Aquisio de competncia interpessoal. Uma pesquisa de competncia interpessoal.

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4. A JANELA JOHARI, 43Conceituao. Mudanas nos quadrantes. A comunicao interpessoal dar e receber feedback. Estilos interpessoais.

5. IMPORTNCIA DO FEEDBACK NAS RELAES INTERPESSOAIS, 53Significados de feedback. Por que difcil receber feedback? Por que difcil dar feedback? Como superar as dificuldades. Feedback de grupo. Habilidades de comunicao a serem desenvolvidas.

6. ESTILOS PESSOAIS DE ATUAO, 66Tipos de personalidade de executivos. Foras e fraquezas: os estilos LIFO. Estilos LIFO de gerentes brasileiros.

7. NOVAS PERSPECTIVAS DE MOTIVAO, 76A motivao de deficincia. Revises da teoria. A motivao de crescimento. Uma viso sistmica de motivao. Modelos de contedo. Modelos de processo. A motivao dentica. Um conceito de trabalho.

8. FUNCIONAMENTO E DESENVOLVIMENTO DO GRUPO, 96Funcionamento do grupo. Componentes principais do funcionamento do grupo. Modelos de grupo. Grupos de treinamento.

9. INTERAO NO GRUPO: TAREFA E EMOO, 115Categorias de interao no grupo. Tarefa e emoo. Modalidades de interao grupal. Modalidades de trabalho-tarefa. Modalidades emocionais.

10. PARTICIPAO NO GRUPO, 125Estilos de liderana. Um modelo normativo de liderana. Liderana e poder. Papis dos membros: ao nvel de tarefa, ao nvel socioemocional. Papis no-construtivos.

11. ENERGIA NO GRUPO: TENSO E CONFLITOINTERPESSOAL, 145O conflito. Compreenso e diagnstico de divergncias e conflitos.Como lidar com o conflito. Conflito e conformismo. Resoluo criativa do conflito.

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12. MUDANAS NO GRUPO, 157O processo psicossocial de mudana. Resistncia mudana. O modelo PESQUISA-AO. A tcnica Anlise de Campo de Foras. Alternativas de mudana.

13. DESENVOLVIMENTO INTERPESSOAL, GERENCIAL E ORGANIZACIONAL, 168Desenvolvimento gerencial. Objetivos de desenvolvimento gerencial. Laboratrio de sensibilidade e desenvolvimento organizacional. O desafio.

14. ADENDO, 178Consideraes ticas. O contexto cultural. Responsabilidade do coordenador.

SEGUNDA PARTE

EXERCCIOS

15. ORIENTAO, 189Primeiras impresses. Inventrio pessoal: Quem sou eu? Identificao transpessoal. Exerccio de introspeco. Inventrio pessoal:foras e fraquezas. Dimenses interpessoais. Perfil. O chefe ideal. Orientaes de liderana. A Janela Johari. Resultados. Hierarquia de valores. Exerccio de confronto. Atributos pessoais. Posies no grupo. O ambiente do grupo. Atribuies de papis. Situaes de grupo. Exerccio de feedback Desempenho no grupo. Um elenco especial. Censo de problemas. Confronto de percepes. Expresso e descrio de sentimentos. Mensagem de feedback. Comunicao no verbal. Presentes e problemas. Mudanas em mim e no grupo. Relaes no grupo. Escolhas e relaes interpessoais. Perguntas sem resposta. Dilogo. Padres de comportamento interpessoal. Fatores adversos e fatores favorveis no trabalho de grupo. Anlise de campo de foras. Exerccio intergrupal. Solicitao de feedback. Uma fantasia dirigida. Meu nome. Voc se conhece?. Relao eu-outro. Feedback simblico. Trabalhar com os outros. Interao diversificada. Negociao de expectativas e desejos. Aspectos Yang e Yin. Apego e renncia. Minha vida.

TERCEIRA PARTEOBSERVAO E AVALIAO

16. COMO OBSERVAR UM GRUPO EM AO, 257Roteiro para observao geral. Apreciao do observador. Roteirode observao A. Roteiro de observao B. Roteiro de observao C. Corno estava o grupo? Meu desempenho na reunio. Avaliao da reunio. Auto-anlise do comportamento intragrupal. Avaliao da eficincia do grupo. Avaliao final.

BIBLIOGRAFIA SELETA SUPLEMENTAR, 274

FONTES DE EXERCCIOS, 276

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DADOS BIOBIBLIOGRFICOS DA AUTORA

FELA Moscovici psicloga, mestre em psicologia social pela Universidade de Chicago (EUA) e fez especializao em consultoria organizacional no NTL Institute of Applied Behavioral Science (EUA).E consultora de empresas atuando nas reas de desenvolvimento interpessoal, de executivos e organizacional.Foi professora de cursos de ps-graduao da Ebap e do CPGPA da Fundao Getlio Vargas (FGV), no Rio de Janeiro.Autora de obras tcnicas publicadas no Brasil e no exterior, participa como conferencista de encontros, simpsios e congressos nacionais e internacionais. Pela Jos Olympio Editora, publicou os livros Renascena Organizacional (6 ed., 1996) e Equipes dAo certo (3 ed., 1996).

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NOTA DA AUTORA 4 EDIO

O ACOMPANHAMENTO da notvel trajetria desta obra ao longo de vinte anos de existncia, resistncia e sucesso tem sido motivo de grande satisfao. O tempo decorrido no prejudicou seu contedo fsico, mantendo-se a obra til e interessante atravs de pequenas revises nos temas e na bibliografia.Numerosos depoimentos e feedbacks recebidos confirmam sua atualidade para utilizao segura por parte de treinandos e coordenadores, estudantes e professores, executivos, gerentes, tcnicos e especialistas de recursos humanos, bem como de outros profissionais e leitores interessados em comportamento humano em grupo.A constatao da duradoura validade da obra em sua concepo original de coletnea de textos de fundamentao conceitual e de sugestes de atividades prticas de aplicao para treinamento em grupo tem sido um estmulo intelectual e emocional ao seu aprimoramento contnuo, sem contudo modificar sua feio caracterstica.O livro continua dotado de flexibilidade operacional multi-uso, pois apresenta textos semi-independentes que permitem leitura especfica de determinado assunto, sem que os outros textos sejam indispensveis compreenso inicial do mesmo. Os exerccios so variados e abertos e servem mais como inspirao e sugesto; possibilitam, assim, uso artesanal pelo coordenador que os adapta aos objetivos especficos, contexto e momento do treinamento. No h, portanto, rigidez de seqncia obrigatria de leituras ou exerccios.A presente edio manteve as caractersticas essenciais da obra ao proceder reviso de textos e da bibliografia; dez novos exerccios foram elaborados para ampliar as opes de seleo de atividades de aprofundamento

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das vivncias em grupo em estgios mais avanados de treina- Em funo da crescente relevncia da dimenso tica em nossa sociedade tecnolgica atual, foi redigido um Adendo dedicado a Consideraes ticas sobre vrios aspectos freqentes nas atividades profissionais de desenvolvimento de seres humanos.Rio de Janeiro,janeiro de 1995FELA Moscovici

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PREFCIO DA 1 EDIO

APRENDER A APRENDER o verdadeiro cerne de qualquer processo educativo. Aprender a relacionar-se e comunicar-se o fundamento existencial mais importante para alcanar um ajustamento real e um rendimento efetivo da prpria ao.A estes dois objetivos est voltado este livro.Por sua natureza insere-se assim nos instrumentos de uma educao permanente. Como manual para treinamento em grupo de dinmica interpessoal, condensa os anos de experincia e a amplitude de conhecimentos de sua autora, a prof. Fela Moscovici, que traz para aqui um duplo acervo de informaes, tericas e prticas, decorrentes do duplo filo de sua atividade: docente especialmente em nvel de ps-graduao e profissional particularmente voltada ao manejo de muitos grupos de laboratrio de sensibilidade.Indiscutivelmente, esta publicao vir preencher uma lacuna em nosso meio, quer para os especialistas da rea, quer para os estudantes das ltimas sries dos cursos de graduao, em que a disciplina dinmica de grupo seja integrante do currculo ou dos cursos de ps-graduao que tenham que prestar tal disciplina.Uma das mais importantes caractersticas desta obra, que aflora facilmente at para o leitor superficial, o aspecto pragmtico intrnseco que transcende o objetivo no somente terico, mas at mesmo prtico do livro. O leitor, medida que progride, poder gradativamente perceber a ativao de reflexes muito prximas dos processos de feedback, como seja estivesse realizando, ainda que virtualmente, certa participao em um laboratrio de sensibilidade.

xvCarecamos de uma obra deste tipo: um livro que viesse a reunir, por um lado, uma explanao acerca dos principais fundamentos tericos subjacentes a estas tcnicas e, por outro, uma apresentao clara e sistematizada dos procedimentos prticos, incluindo, neste particular, uma coleo bem selecionada de exerccios e instrumentos de avaliao.Quanto ao significado deste campo de atuao tcnico-cientfica, poderamos de antemo estabelecer trs problemticas: uma a nvel antropolgico, outra a nvel cientfico-metodolgico e urna terceira em sentido estritamente psicolgico.A nvel antropolgico caberia observar que a existncia humana deixou, em grande parte, de ser uma relao com um mundo fsico. Ainda que semelhante comrcio ocupasse consideravelmente os nossos ancestrais em poca remota, hoje e sempre mais nossas atividades afastam-se, alienando-se, dessa realidade. Sempre mais recuamos num plano de mediaes o que J. Nuttin define como um viver ao nvel da imagem mais do que ao nvel da ao executiva completa. O rumo da civilizao nos leva cada vez mais a lidar com smbolos, entidades substitutivas, por vezes num encadeamento concntrico e complexo. Cresce a vida em nvel de projeto, em detrimento do plano manipulatrio direto. Um dos retratos mais penetrantes desta realidade o que E. Fromm nos ofereceu.No entanto, no apenas na vertente simblica que recua nossa conduta. Se assim fosse, a perspectiva patolgica de nossa cultura seria bem mais elevada e os perigos enfatizados pela obra de E. Fromm alcanariam valores crticos.Talvez pudssemos at fazer um reparo Psicanlise da Sociedade Contempornea. Na medida em que a atividade e o trabalho humano considerados em suas trs categorias fundamentais: atuar sobre coisas, sobre smbolos ou idias e sobre pessoas vo diminuindo no mbito das coisas, no crescem exclusivamente no plano dos smbolos e das abstraes. Hoje talvez mais do que nunca, a maior carga efetiva de atividade e de trabalho despendida com pessoas: para D. K. Berlo, 70% do tempo ativo do norte-americano comum so gastos comunicando-se verbalmente; e nas funes mais elevadas de qualquer campo de atividade, a comunicao passa a ser fator substantivo de trabalho. Assim, vemos hoje o homem que chega ao topo da escada no pelo que capaz de fazer com as coisas, mas pelo que pode fazer com as pessoas por meio da comunicao.

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As decorrncias prticas desta situao so complexas. Mas em primeiro lugar torna-se urgente firmar um campo especfico de aprendizagem, o que recentemente se vem impondo: preciso ensinar as pessoas a lidarem com as pessoas; e, quanto mais alto for o nvel da hierarquia e da responsabilidade de cada um, tanto mais imperioso ser estabelecer e consolidar essa habilidade.A segunda problemtica relaciona-se com a posio cientfico-metodolgica das tcnicas aqui apresentadas. Poderamos observar que constituem um campo promissor na medida em que oferecem um plano de interseo entre mtodo clnico, tratamento da informao singular, idiogrfica e anlise sistematizada do comportamento observvel em termos nomotticos. As duas facetas do paradoxo rogeriano, liberdade e determinismo, adquirem anui um sentido prtico na dinmica do trabalho. E o que torna possvel inserir o fluxo do diagnstico no processo de interveno estabelecendo uma contnua realimentao reguladora tal como na psicoterapia e ao mesmo tempo sistematizar a observao em termos comparativos e quantificados tal como no trabalho experimentalmente planejado. Ainda que nestes dois ltimos aspectos haja ainda considerveis concesses quer frente profundidade da psicoterapia quer face preciso da maior parte do trabalho experimental, este campo de interseo da psicologia social aplicada e da microssociologia experimental uma abertura epistemolgica e metodolgica para o progresso da psicologia cientfica. Em particular modo o campo que permite um tratamento controlado de significaes determinantes da conduta: autntica transio do plano metaterico S-O-R para um plano S-S. E neste sentido que a maiutica, principal recurso tcnico da dinmica de grupo, torna-se hermenutica da realidade circundante, em busca de uma pragmtica apta a alcanar um mais alto equilbrio da conduta.Finalmente, em terceiro lugar, caberia destacar as decorrncias especificamente psicolgicas, cuja gama ampla. Duas parecem fundamentais: a possibilidade de se reestruturar a conduta atravs da percepo social e da reformulao no uso de papis, por um lado, e, por outro, a genuna compreenso do outro em termos propositivos o que subjacentemente implica as recentes preocupaes da psicologia social em torno da atribuio de causalidade de inspirao heideriana.Para cumprir sua importante tarefa, este livro compe-se de trs partes:

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1) Leituras para insumo cognitivo no treinamento, que visam proporcionar aos treinandos uma perspectiva introdutria dos processos e problemas interpessoais.2) Exerccios a serem utilizados pelos treinandos, de acordo com a orientao do coordenador de treinamento.3) Roteiros de observao e questionrios de avaliao de atividades realizadas durante o treinamento.Esta interpenetrao da teoria e da tcnica o que fornece obra presente sua peculiaridade e sua maior riqueza, oferecendo ao leitor recursos os mais variados quer para uma simples informao, quer para uma atualizao, quer para escolha e deciso acerca do instrumental tcnico desejado. Desta forma, destina-se tanto aos participantes de grupos de treinamento, aos especialistas que atuam nesta rea, quanto aos professores e estudantes universitrios.Um passo importante est sendo dado, atravs da presente obra, no sentido de se oferecer um conjunto de informaes novas e atualizadas em torno desta tcnica autenticamente humana e dirigida fundamentalmente para uma percepo humanista da realidade e da vida.Junho de 1975FRANCO LO PRESTI SEMNRIODiretor do Instituto de Seleo e Orientao Profissional Fundao Getlio Vargas. Professor do Instituto de Psicologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

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INTRODUO

O PROCESSO DE MUDANA tem sido a caracterstica mais estvel ao longo dos tempos.O homem tem modificado o ambiente em que vive e recebe o refluxo de sua ao como um problema de adaptao contnua s mudanas ambientais e de ajustamento s outras pessoas, grupos e sociedades em geral. O problema se agrava com o ritmo exponencial de descobertas e inovaes tecnolgicas sem respostas educacionais e sociais imediatas e adequadas.A defasagem entre progresso tecnolgico e progresso humano amplamente reconhecida nos sentimentos de perplexidade, inadequao, alienao e despersonalizao do homem contemporneo.Viver hoje um desafio intelectual e emocional constante para todos, dentro da ambigidade e incerteza das mudanas velozes e contnuas. Como acompanhar as mudanas aprendendo novos conhecimentos, incessantemente? Como estar preparado para mudanas inesperadas e sbitas? Como antecipar mudanas?A chamada educao de laboratrio uma tentativa de resposta ao problema de ajustamento mudana. Baseia-se no pressuposto de que preciso aprender a aprender, no apenas copiar formas e modelos alheios, de fora, e sim, identificar, descobrir sua maneira melhor para utilizar seus recursos e potencialidades, confiando em suas habilidades, sabendo aproveitar suas foras e lidar com suas fraquezas. Ao mesmo tempo, desenvolver habilidades de utilizar recursos dos outros, sem excessiva dependncia nem independncia total at alcanar a sbia dosagem de autntica interdependncia.

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O treinamento de sensibilidade social, de grupo T, de dinmica interpessoal visa proporcionar ao indivduo um autoconhecimento mais realstico e um conhecimento dos processos de grupo e da interao Eu-Outros para compreenso de seu significado e alternativas de decises de mudana pessoal e interpessoal. Toda conscientizao traz em si as possibilidades de mudana, atravs da nova percepo da realidade externa ou interna. Se a percepo se modifica, vrios outros planos do processo psicolgico tambm se modificam levando o indivduo no apenas a ver diferente, mas a sentir e pensar de forma diferente e, conseqentemente, a agir de outra maneira.Ao invs de dedicar tanto tempo e esforo ao contedo, como se tem feito, parece mais adequado dedicar mais ateno ao mtodo de aprendizagem. Se o indivduo aprende a pensar criticamente, a enfrentar situaes novas sem pnico e tambm de forma mais livre ou criativa, a confiar em si e nos outros, a descobrir e desenvolver suas potencialidades, no sentido de tornar-se mais autntico e produtivo, ele estar mais bem preparado para enfrentar mudanas.O mtodo socrtico, da redescoberta, do esforo de chegar s suas prprias concluses ainda vlido ou talvez at d maior valor agora. A maiutica, no entanto, supe uma orientao adequada do mestre para que o discpulo chegue a desenvolver suas potencialidades. Esta orientao a palavra-chave. O mtodo socrtico no significa o aprendiz aprendendo sozinho simplesmente. O papel do mestre, do professor, do educador, enfim, crucial para o sucesso do mtodo.Nos grupos de treinamento, o coordenador um educador que orienta o grupo para a aprendizagem de um material de estudo muito especial: o prprio grupo, suas caractersticas de constituio e funcionamento. Atravs desse estudo, o indivduo, como membro desse grupo, levado a estudar tambm seu prprio papel, sua personalidade e atuao, e seu significado ou conseqncia para os demais membros e o grupo como um todo.Educador tambm o gerente de qualquer nvel que lidera, e no apenas chefia, um grupo de pessoas. Um de seus papis sociais , sem dvida, o de conduzir pessoas e esta uma funo educativa, O gerente que v os outros como pessoas, e no apenas como instrumentos de produo, passa a exercer funo educativa que permite o desenvolvimento dos subordinados como pessoas.Em nossa cultura, industrializada e urbana, nota-se ainda uma tendncia, no relacionamento social, a tratar a outra pessoa como objeto, o

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qual pode ser possudo e manipulado. Mesmo quando a inteno de ajudar e no explorar, tratar o outro como objeto constitui manipulao e indefensvel do ponto de vista moral.Esta tendncia manipulativa refletia-se como prtica generalizada, at, recentemente, nas relaes patro-empregado, chefe-subordinado, professor-aluno, mdico-paciente, pai-filho, marido-mulher.A nova tica humanstica, resultante de idias de figuras tais como Martin Buber, Carl Rogers, Rollo May, Jean-Paul Sartre, Erich Fromm e outros, e de inovaes sociais da educao de laboratrio, da comunidade teraputica, dos grupos de encontro, enfatiza que uma pessoa s despersonaliza outras pessoas custa de seu prprio humanismo, O relacionamento humano precioso demais em suas potencialidades para ser reduzido ao nvel de funcionamento de uma mquina. A dimenso interpessoal transcende os estreitos limites da avanada tecnologia e tambm pode e deve desenvolver-se com intuio e criatividade.Os profissionais atuam em elevado e sofisticado nvel tcnico de competncia nas varias reas de atividades ocupacionais. Quando comearo a funcionar, ao mesmo nvel de competncia, como pessoas?FELA Moscovici

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PRIMEIRA PARTE - LEITURAS

1. Educao de laboratrio

EDUCAO DE LABORATRIO um termo genrico, aplicado a um conjunto metodolgico visando mudanas pessoais apartir de aprendizagens baseadas em experincias diretas ou vivncias.As mudanas pessoais podem abranger diferentes nveis de aprendizagem; nvel cognitivo (informaes, conhecimentos, compreenso intelectual); nvel emocional (emoes e sentimentos, gostos, preferncias); nvel atitudinal (percepes, conhecimentos, emoes e predisposio para ao integrados); nvel comportamental (atuao e competncia). Modalidades diversas de processos de influncia social visam, preferencialmente, nveis diferentes de aprendizagem. Assim, por exemplo, o alvo primordial da psicoterapia o nvel emocional; do ensino tradicional, o cognitivo; da educao de laboratrio, o de atitudes, englobando funes e experincias cognitivas e efetivas.Qualquer desses nveis promover alguma forma de mudana de comportamento (Ou aprendizagem em termos formais), a qual poder ser menor ou maior, parcial ou global, lenta ou rpida, superficial ou profunda, fugaz ou duradoura.O processo ENSINO-APRENDIZAGEM no pode ser encarado de forma simplista ou linear, como se apenas dependesse dos objetivos e preferncias de professor/educador, sem considerar suas principais variveis componentes. Dentre estas, duas merecem destaque: a complexidade do contedo da aprendizagem e o nvel de capacidade de aprendizagem do indivduo. Essas variveis distribuem-se de forma contnua desde um nvel mnimo at um nvel mximo e determinam trs posies ou pontos de referncia para tipos diferentes de modelos de ensino: mecnico/behaviorista, cognitivo/gestalt e humanstico/adulto.

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A Fig. l. 1 mostra esse posicionamento e esclarece a adequao de certos mtodos e tcnicas didticas a serem utilizados de acordo com objetivos e condies diferenciada.s de ensino-aprendizagem. Assim, para o treinamento de tarefas relativamente simples, uma tcnica mecnica/behaviorista (como por exemplo: instruo programada) ou at uma tcnica cognitiva de ensino seriam adequadas, enquanto para a educao de adultos, um modelo humanstico (tal como um projeto de pesquisa autodirigido) seria mais conveniente. Naturalmente, h superposio, permitindo certa flexibilidade metodolgica, porquanto no h separaes distintas e absolutas nos processos humanos de aprendizagem.

Figura Esquema em forma de quadrado, dividido em 4 partes, onde se l, no centro, Modelos cognitivos / EnsinoNa parte superior direita, l-se: Autodesenvolvimento/ Modelos humansticosNa parte inferior esquerda, l-se: Modelos mecnicos/ TreinamentoNo centro, embaixo l-se Capacidade do Indivduo. Uma seta para a direita e l-se Alta. Uma seta para a esquerda e l-se BaixaNo lado esquerdo, ao centro, l-se Contedo da aprendizagem. Uma seta para cima e l-se complexo. Uma seta para baixo e l-se simples.

O LABORATRIO DE TREINAMENTO

O nome laboratrio indica, fundamentalmente, o carter experimental da situao de treinamento, no sentido de que os participantes so encorajados a experimentar comportamentos diferentes do seu padro costumeiro de interao com outras pessoas em grupo, sem as conseqncias que adviriam de tal experimentao na vida real (trabalho, lar etc.).

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Conquanto sui generis sob vrios aspectos, o laboratrio de treinamento no pode ser considerado inteiramente artificial, pois as pessoas que o compem so reais e o que nele acontece real, ainda que sob condies controladas, que diferem das da vida real, tal como ocorre no laboratrio de pesquisas cientficas.O enfoque aqui-e-agora a caracterstica mais marcante do mtodo de laboratrio. A experincia presente o ponto de partida para aaprendizagem, uma vez que comum a todos os membros do grupo. A experincia presente direta, pessoal, imediata, compartilhada pelos membros do grupo, podendo ser comparada, apreciada e validada, como base para conceitos e concluses pessoais e grupais a serem elaborados.O laboratrio de desenvolvimento interpessoal toma diversos nomes, conforme seus objetivos especficos e a orientao de modelo terico dada pelo coordenador. Suas caractersticas essenciais, entretanto, permanecem como base comum de trabalho, como premissas sobre as quais podem ser construdas variantes para atingir objetivos semelhantes, embora com nfase e gradaes diferentes, que determinam tcnicas diferentes.O laboratrio de desenvolvimento interpessoal pode ser planejado para atender a objetivos individuais, grupais e organizacionais. O laboratrio bsico de DI, geralmente, conduzido de forma intensiva durante um fim de semana com a durao de 20 a 24 horas, por dois a trs dias. Se o esquema extenso, sua durao pode variar de 30 a 60 horas, com sesses duas a trs vezes por semana, de duas a trs horas cada.

META-OBJETIVOS DA EDUCAO DE LABORATRIO

Aprender a aprender, aprender a dar ajuda e participao eficiente em grupo so os meta-objetivos essenciais da educao de laboratrio. Estes meta-objetivos expressam valores de pressupostos filosficos que consideram o homem como um ser que se desenvolve, continuamente, em busca de realizao e felicidade. Todavia, este ser faz parte de grupos, convive com outras pessoas e, portanto, suas potencialidades individuais somente sero plenamente atualizadas com a participao dos outros.

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Aprender a aprender significa a aprendizagem que fica para a vida, independentemente do contedo. E um processo de buscar e conseguir informaes e recursos para solucionar seus problemas, com e atravs da experincia de outras pessoas, conjugadas sua prpria.Aprender a dar ajuda quer dizer estabelecer uma relao com o Outro para crescimento psicossocial conjunto. Cada um tem recursos que servem ao outro e precisam ser utilizados com propriedade, O processo de dar (e receber) feedback fundamental para atingir este objetivo, porquanto conduz a trocas autnticas e construo de confiana e respeito mtuos.Finalmente, a participao eficiente em grupo completa o processo, permitindo implementar opes conscientes para mudanas de comportamentos inadequados, de modo a exercitar interdependncia verdica com os demais membros do grupo, de forma natural e espontnea, sem recorrer a manobras manipulativas.Quando esses objetivos so atingidos, desenvolve-se na pessoa uma disponibilidade psicolgica para continuar aprendendo a aprender e aperfeioar, constantemente, os processos de ajuda e participao em grupo.Os metaobjetivos podem ser resumidos da seguinte forma: 1. Aprender a aprender (Conhecimentos, sensibilizao, diagnose)2. Aprender a dar ajuda (Feedback, colaborao)3. Participao eficiente em grupo4. Atitude de indagao5. Conscientizao6. Opo7. Mudana8. Todos estes fatores resultam numa Competncia Interpessoal

VIVNCIAS E MAPAS COGNITIVOS

O mtodo indutivo central na aprendizagem dentro da perspectiva aqui-e-agora. O marco inicial a observao do evento para a indagao intelectual, a formulao de hipteses e toda uma seqncia de raciocnio que leva a concluses vlidas.Mas este caminho no percorrido apenas cognitivamente. A peculiaridade do mtodo consiste em efetuar observaes explorando as idias e os sentimentos que acompanham os eventos. Num grupo de estudo, ou de pesquisa cientfica, o interesse maior est voltado para o contedo do tema tratado. Num grupo de treinamento em laboratrio, o contedo no a nica nem a maior preocupao o interesse predominante volta-se para o processo do fenmeno ou situao, ou seja, examinar corno aconteceu e no somente o que aconteceu.

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A educao de laboratrio preconiza a aprendizagem pela vivncia global: a explorao, o exame, a anlise do evento em seu duplo aspecto, o objetivo e o subjetivo. O enfoque puramente lgico, ou objetivo, tem sido, ultimamente, contestado por artistas, filsofos e cientistas. As modernas teorias de educao e administrao mostram a tendncia de atribuio de importncia crescente aos fatores emocionais e criatividade na aprendizagem e na produtividade, na liderana e na participao em grupo.A dicotomia cartesiana, introduzida por Descartes no pensamento ocidental, est sendo gradualmente substituda por uma atitude interdisciplinar, em que mente e corpo, intelecto e emoo so integrados para maior significado a cada momento, ou experincia de persi e vida como um todo. Emoes e sentimentos so, hoje, considerados componentes essenciais to vlidos quanto idias e conhecimentos em qualquer situao humana. Emoes e sentimentos tambm constituem fatos reais, ou variveis da situao, e no elementos acessrios que possam ser menosprezados.Na educao formal, nos cursos escolares e seminrios de treinamento, a nfase est na absoro e devoluo do contedo, nas idias e

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conhecimentos, enquanto no laboratrio, o processo de interao, o corno dos eventos pessoais e interpessoais, os sentimentos associados so tambm atentamente estudados.No conclua o leitor que os conhecimentos no fazem parte da aprendizagem em laboratrio, que neste s se sente, s se vivencia, sem preocupao intelectual. Os conhecimentos, as informaes, os conceitos tericos so parte integrante do laboratrio, pois as experincias vivenciadas, por mais importantes que sejam, no bastam para uma aprendizagem significativa. Refletir sobre as experincias, discuti-las, compar-las e organiz-las em conceitos que formem um quadro de referncia intelectual constituem recursos indispensveis para a fundamentao dos conhecimentos empricos. Atravs dessa conceptualizao, ou mapa cognitivo, a experincia vivida se torna compreensvel e, conseqentemente, aplicvel ou transfervel a outras situaes.A aquisio desses mapas cognitivos, porm, no se efetua atravs de aulas em que os temas so expostos pelo professor ou especialista no assunto. O trabalho intelectual muito mais ativo por parte do treinando de laboratrio, que toma as iniciativas para prover a si e ao grupo com fontes e recursos para aprender. As leituras individuais servem como inspirao de idias novas a serem discutidas no grupo e comparadas com a ocorrncia do fenmeno ao vivo, para enriquecimento maior da experincia pessoal e grupal. Cada membro, que l e traz para o aqui-e-agora do grupo no o simples contedo da leitura e sim suas reflexes e experincia anterior, estar contribuindo para o aprofundamento da experincia pessoal e grupal.Este livro poder ajudar o leitor a organizar sua experincia no laboratrio, de modo a obter vivncias e conhecimentos conjugados de forma funcional, para utilizao em suas atividades profissionais e no profissionais.

COMO FUNCIONA UM LABORATRIO DE TREINAMENTO

Um pequeno grupo de pessoas se rene para estudar seu prprio funcionamento ao vivo, suas relaes interpessoais e grupais, com a ajuda de um coordenador (trainer). No h uma agenda prvia para cada

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sesso, nem um programa, no sentido usual do termo. O grupo conversa, debate temas, engaja-se em atividades variadas, determinando seus procedimentos. O coordenador no intervm nas decises do grupo, nem assume o papel de lder formal ou professor. O grupo tem liberdade para decidir sobre os cursos de ao, os assuntos a serem abordados, o que fazer e como fazer.O papel do coordenador ajudar o grupo a explorar a situao e examinar os eventos, objetiva e subjetivamente, para que cada membro possa aprender com a experincia, isto , passe a observar e compreender OS eventos ocorridos no processo de grupo. Sua funo exige habilidade especial, competncia tcnica e interpessoal, para criar, com o grupo, uma atmosfera socioemocional de confiana recproca, em que os participantes se sintam vontade para experimentar novas maneiras de reagir, exercitar novos comportamentos e ousar dar e receber feedback til para opes de mudana pessoal, sem necessidade de recorrer a subterfgios amenizadores, com medo de ferir os outros ou de receber agresses.O processo de aprendizagem em laboratrio pode ser representado de forma esquemtica e muito simplificada, como se segue:

1. Conhecer/Conscientizar2. Arriscar e experimentar3. Praticar e utilizar

Aprender/Mudar (Conhecimentos, sentimentos, atitudes, comportamentos)

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A ausncia do programa ou de professor tradicional no quer dizer que qualquer grupo de pessoas se possa reunir e formar um grupo de treinamento de laboratrio. imprescindvel um profissional qualificado para conduzir os trabalhos, embora em tcnica diferente das expectativas usuais do papel de lder, especialista, coordenador ou mestre que transmite conhecimentos e orienta diretivamente as atividades.

O PROCESSO VIVENCIAL DE APRENDIZAGEM

O laboratrio de treinamento e desenvolvimento interpessoal utiliza uma abordagem vivencial em que a experincia de cada participante, dentro de uma experincia global compartilhada no espao/tempo do grupo, aqui-e-agora, serve de ponto de partida para a aprendizagem de cada um e de todos.A aprendizagem vivencial compreende um ciclo de quatro etapas seqenciais e interdependentes: atividade, anlise, conceituao, conexo.A primeira etapa consiste na vivncia de uma situao atravs de atividades em que o participante se empenha, tais como resoluo de um problema, simulao comportamental, dramatizao, jogo, processo decisrio, comunicao, exerccios verbais e no-verbais.A etapa de anlise segue a vivncia. Consiste no exame e na discusso ampla das atividades realizadas, na anlise crtica dos resultados e do processo de alcan-los o como passa a ser mais importante do que o resultado em si. E uma fase muito mobilizadora de energia emocional, pois cada participante deve expor seus sentimentos, idias e opinies livremente. Se na primeira etapa houve envolvimento e abertura, nesta, o participante poder praticar maior auto-exposio, espontaneidade e autenticidade, troca de feedback com os companheiros do grupo, possibilitando a elaborao de um processo diagnstico da situao vivenciada e da participao de cada um e de todos no desenrolar do processo de grupo.Para que se possa aprender com a experincia, torna-se necessrio organizar esta experincia e buscar-lhe o significado, com a ajuda de conceitos esclarecedores Cabe, ento, uma etapa de insumos cognitivos, informaes e fundamentos tericos que permitam sistematizao e elaborao de mapas cognitivos individuais. Esse trabalho conjunto de coordenador e participantes, durante as reunies do grupo, complementado

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por leituras individuais e debates, permite a conscientizao de aspectos pessoais, interpessoais e grupais, levando a aprendizagens significativas baseadas na vivncia de cada um. A conscientizao de aspectos inadequados ou problemticos facilita a deciso de mudanas e a reformulao de comportamentos disfuncionais, a nvel pessoal e interpessoal, os quais se refletem no grupo.A partir dessa fase conceitual, de aquisio e ampliao de conhecimentos e reflexes, passa-se etapa de conexo, em que se fazem correlaes com o real, comparando-se aspectos tericos com situaes prticas de trabalho e vida em geral. Cada participante elabora suas concluses e generalizaes para uso futuro, estima perspectivas pessoais e riscos de aplicao das novas aprendizagens e exercita sua criatividade ao planejar tticas de inovao de procedimentos. Nesta etapa o participante busca a mudana, experimentando e testando outras formas de conduta, o que o leva novamente etapa primeira de atividade/vivncia, completando um e comeando outro ciclo vivencial de aprendizagem.O processo vivencial de aprendizagem pode, eventualmente, no conduzir aos resultados desejados, como acontece com qualquer outra modalidade de aprendizagem. A aprendizagem depende de fatores internos e externos, do aprendiz e da situao. Esses fatores podero facilitar ou dificultar o processo e seus resultados. Entre os fatores internos figuram a maturidade, a motivao, as aptides, a inteligncia e a experincia anterior, incluindo conhecimentos e habilidades do aprendiz. Entre os fatores externos incluem-se os diversos elementos componentes da situao de aprendizagem, tais como contedos e metodologia, a personalidade e o desempenho do coordenador (professor ou facilitador de aprendizagem), as pessoas que formam o grupo, as relaes interpessoais no grupo, o clima psicossocial de funcionamento do grupo, enfim, as variveis dinmicas fsico-ambientais e psicossocioemocionais da situao-contexto em que ocorre a aprendizagem.A primeira etapa, de atividade ou vivncia, pode ser percebida e sentida pelo aprendiz de forma favorvel ou desfavorvel, em funo do Conjunto de fatores internos e externos atuantes na situao aqui-e-agora. Assim, um aprendiz pode sentir e considerar sua participao na atividade como uma oportunidade de crescimento pessoal, como um desafio sua capacidade de enfrentar e superar obstculos. Esta percepo positiva estimular seu interesse, levando-o a envolver-se plenamente

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na atividade, vivenciando intensamente sua participao e interao com os demais membros do grupo.Um outro participante, em funo de um conjunto diferente de variveis internas e externas, poder sentir e considerar a situao de vivncia corno urna ameaa sua pessoa, sua competncia, sua imagem no grupo, ao seu conceito profissional. Esta percepo poder lev-lo a reaes defensivas, a um fechamento, no se envolvendo verdadeiramente na atividade, participando de forma superficial ou rgida ou recolhendo-se a uma postura de mero observador.Se a primeira etapa do ciclo pode ocorrer de maneira to diferente do esperado e desejado, evidentemente a segunda etapa tender a sofrer os efeitos da modalidade de vivncia experimentada, notando-se uma continuao de progresso e facilitao do ciclo ou de dificultao e obstculo aprendizagem. Nesta etapa, no sentido positivo, observam-se tendncias de maior auto-exposio e troca de feedback na anlise crtica da atividade, o que permite um processo diagnstico mais acurado.Se a primeira etapa for de fechamento e resistncia do participante, provavelmente ele poder experimentar alguma forma de dissonncia cognitiva entre seus sentimentos, percepes e idias e os de seus colegas de grupo a respeito da mesma atividade. O participante poder tambm enfrentar dificuldades de comunicao no aceitando feedback que lhe fornecido e adotando formas cada vez mais rgidas de posicionamento para defender seus pontos de vista, estabelecendo-se uma escalada de bloqueios de comunicao e relacionamento, conducente a seu afastamento psicolgico do grupo.Esse estado de coisas, alm de criar ressentimentos, poder tender a diminuir a motivao do participante pelas atividades do grupo, a tal ponto que, na terceira etapa, os conceitos fornecidos, a sistematizao de informaes e elaborao do mapa cognitivo podero no despertar interesse, tornando-se uma atividade mecnica, cumprida, muitas vezes, por imposies formais. Por outro lado, a depender da intensidade da carga emocional das etapas anteriores, o participante poder contestar as teorias e objetar contra quaisquer tentativas de argumentao lgica como uma forma de reconquistar seu lugar no grupo, seu reconhecimento como pessoa e seu prestgio como profissional. Com esta postura, o participante no se beneficia da etapa conceitual, deixando de organizar adequadamente sua experincia e de aprender com ela.

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Conseqentemente, a quarta etapa sofrer limitaes quanto a possibilidades de reflexes sobre as experincias, de comparaes entre teoria e prtica, de conscientizao de suas foras e fraquezas, de reformulao realstica de idias, opinies, conceito e de busca de mudana em atitudes e comportamentos.No obstante esse ciclo improdutivo de aprendizagem, este mesmo participante, em outra ocasio, com outras condies de contexto externo e interno, poder engajar-se positivamente no processo vivencial de aprendizagem, beneficiando-se do mesmo, apesar ou, talvez, at por causa da experincia anterior malsucedida.No se pode generalizar afirmando que o ciclo vivencial de aprendizagem sempre melhor que outros procedimentos didticos. Admite-se, contudo, que seu alcance seja mais profundo para abranger maiores possibilidades de mudana cognitiva e atitudinal/comportamental atravs da abordagem conjunta de idias, sentimentos e atitudes, envolvendo a pessoa como um todo.

RESULTADOS DO LABORATRIO

Aprender vivendo os conceitos, e no apenas ouvindo ou lendo informaes a respeito, pode significar mudana marcante nos processos cognitivos e emocionais do treinando. Desta vivncia e desta compreenso podem resultar formas novas de resoluo de problemas de liderana e habilidades de participao em grupo. Os prprios treinandos relatam mudanas subjetivas em termos de percepes, conhecimentos, sentimentos e insight alcanados. Mudanas objetivas so observadas pelos outros, evidenciadas por diferentes comportamentos, formas mais construtivas de abordar situaes interpessoais, desempenho eficiente em grupo e comunicao mais fcil.Essas mudanas comportamentais, percebidas pelos outros e sentidas pelos treinandos, permitem inferir mudanas de atitudes, num plano mais significativo e profundo. A inferncia plausvel de que o participante desenvolveu maior capacidade de observao e reflexo, de sensibilidade aos outros (empatia), de sensibilidade aos processos de grupo, de tolerncia ambigidade, a novas informaes e a estresse, de controle

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emocional, de eficincia na comunicao, principalmente sabendo ouvir, dando e recebendo feedback de forma hbil.Essas capacidades reforam os sentimentos de segurana psicolgica, a autoconfiana do treinando, possibilitando a autodescoberta e o exerccio de sua autenticidade como pessoa, para atingir maior competncia interpessoal.

SINGULARIDADE DO LABORATRIO

No existe um modelo padronizado de laboratrio de treinamento. Cada grupo de treinamento singular no desenvolvimento dos processos interativos, na modalidade de sua histria, nos seus incidentes e vocabulrio tpico. E singular pela sua composio, pois os seus componentes, como pessoas individualizadas, que iro determinar o que vai acontecer e como vai acontecer ao contrrio de uma situao escolar que vai cumprir um programa previamente elaborado. E singular pelo estilo do coordenador sua personalidade e orientao terica imprimiro uma feio prpria ao laboratrio.A esta altura, o leitor poder estar, talvez, um pouco perplexo, tentando captar das informaes fornecidas elementos substanciais para a configurao de seu mapa cognitivo sobre o laboratrio de treinamento. Um pouco de perplexidade til, pois mobiliza energias necessrias aprendizagem. Para que no se torne excessiva, porm, e disfuncional, e como parece extremamente difcil e incua a tentativa de descrever e explicar um laboratrio de treinamento, cabe apenas uma sugesto: experimente, participe de um laboratrio, com ingenuidade e mente aberta, pois insubstituvel a vivncia direta.Somente a participao num laboratrio poder oferecer dados relevantes sobre os quais meditar, passveis de anlise cognitiva e apreciao emocional, para que o leitor, aps a experincia, possa chegar a concluses suas quanto validade e utilidade da metodologia para o seu desenvolvimento pessoal, interpessoal e profissional.

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REFERNCIAS E LEITURA COMPLEMENTAR

ARGYRIS, C. Reflecting on laboratory education from a theory of action perspective.Journal ofApplied Behavioral Science, 15(3): 296-310, 1979.BERBAIM, J. Apprentissage elformation. 3. cd. Paris, P.U.F., 1992.BRM)FURD, L.P. et ai. (eds.). T-group theoiy and iahoratory method. New York, Wiley, 1964.EGAN, G. Face to face lhe smali group experience and interpersonal growth. Monterey, Cal., Brooks/Cole, 1973.GIBB, iR. etai. Teorayprctica dei grupo T. Buenos Aires, Paids, 1975.GGLEMBIEWSKI, R.T. & BLUMBERG, A. (eds.). Sensitivily training and lhe lahoratoiy approach. 2. cd., Itasca, Iii., Peacock, 1973.KOLB, [).A. Experiential learning: Experience as the source of iearning and deveiopment. Englewood Cliffs, N.J., Prentice Hail, 1983.LAKIN, M. Interpersonal encounter: theoy and practice in sensitivity training. New York, McGraw-Hill, 1972.Moscovwi, F. Laboratrio de sensibilidade um estudo exploratrio. Rio de Janeiro, Fundao Getulio Vargas, 1965.Educao de laboratrio: uma perspectiva inovadora. Revista Brasileira de Estudos Pedaggicos, 56(124):287-298, 1971.N0T, L. Enseigneretfaire apprendre: lments depsycho-didactique gnra1e. Toulouse, Privat, 1992.SFIN, E.H. & BENNS, W.G. (eds.). Personai and organizational change through group met hods: the laboratoy approach. New York, Wiley, 1965.SENGE, P.M.A quinta disciplina: arte, teoria e prtica da organizao de aprendizagem. So Paulo, Best Seller, Crculo do Livro, 1992.WALTER, G.A. & MARKS, S.E. Experiential iearning and change, New York, Wiley, 1981.

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2. Treinamento, terapia e desenvolvimento

TREINAMENTO OU TERAPIA?

A QUESTO TREINAMENTO versus terapia tema recorrente durante o laboratrio de sensibilidade e precisa ser esclarecida para permitir o desenvolvimento normal do processo de grupo. Constitui uma preocupao legtima dos participantes e que se expressa de v.rias formas, direta ou indiretamente, sobretudo nas etapas iniciais do treinamento.Ajudar algum a crescer e modificar-se para melhor desempenho pessoal terapia ou educao? Como classificar mes, amigos e sacerdotes terapeutas ou educadores?No h linhas divisrias rgidas entre educao e terapia, h superposies e nfases ao longo de uma dimenso complexa de influncia social. Num extremo situa-se a educao formal, caracterizada, e no outro a terapia formal. Intermediariamente situam-se aprendizagens informais, reeducao e treinamento em laboratrio.A educao tem componentes teraputicos e a terapia tem componentes educacionais. O laboratrio de sensibilidade tem sido considerado por alguns especialistas como terapia para normais (Weschler etal., 1962).A chamada medicina preventiva utiliza mais recursos educativos do que teraputicos propriamente ditos. Educa-se a pessoa para evitar o paciente, O outro enfoque consiste em tratar, recuperar, modificar o paciente para torn-lo novamente pessoa, em sua plenitude funcional orgnica, psicolgica e social.Os objetivos gerais so similares: ajudar o indivduo a adquirir e desenvolver comportamentos mais funcionais que os utilizados at o

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momento, para sua maior competncia e ajustamento psicossocial. As mudanas comportamentais resultam de diferentes condies situacionais de aprendizagem.Os objetivos especficos so diferentes. Os grupos de treinamento visam tornar os membros mais sensveis ao seu prprio funcionamento, s suas modalidades caractersticas de comportamento e aos processos importantes que se desenrolam dentro do grupo, para que alcancem insight sobre seus pontos cegos no relacionamento com os outros e assim desenvolver sua eficincia como membros e como lderes de outros grupos. Os grupos de terapia visam ajudar seus membros a alcanar insight sobre suas dificuldades, em situaes interpessoais de todos os tipos, e respectivas causas, e, por conseguinte, permitir o alvio de suas ansiedades neurticas, como primeira etapa na resoluo de sua problemtica.Esses objetivos especficos decorrem de percepes diferentes do participante paciente ou treinando. Em terapia, o paciente considerado portador de comportamentos disfuncionais, insatisfatrios, cujas causas desconhece, e encorajado a lembrar e examinar eventos de sua infncia e do presente, num esforo para descobrir as razes de sua problemtica. O participante de um laboratrio de sensibilidade no considerado doente, apenas desconhecedor de alguns aspectos de seu comportamento e seus efeitos sobre OS outros, de suas dificuldades e possibilidades de incrementar seu relacionamento interpessoal e sua eficincia como lder e membro de grupo.Como o paciente sofre conflitos interiores graves, sua motivao est mais orientada para a defesa e a preservao de seu eu, tornando-se, assim, um sistema mais fechado ou rgido em termos de aprendizagem. E usual o paciente apresentar reaes de evaso, distoro perceptiva e de agresso ao ambiente (terapeuta, outros, grupo) como formas de defesa de seu penoso equilbrio interno, aumentando a resistncia aprendizagem, reeducao, ou a mudanas que signifiquem ajustamento. Por isso mesmo, a terapia demanda maior tempo de durao que o treinamento de sensibilidade.Os treinandos, por no sofrerem de conflitos graves, apresentam-se como sistemas mais abertos aprendizagem, s mudanas que significam melhor ajustamento e funcionamento pessoal. Sua motivao orientada para o crescimento, e no simplesmente para a homeostasia e defesa de seu repertrio reacional.

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Essas duas orientaes motivacionais para a aquisio de competncia interpessoal ou para a sobrevivncia do eu determinam diferenas qualitativas nas informaes e feedback produzidos durante o processo interativo em grupo.Os treinandos veiculam informaes diretamente verificveis, portanto pouco distorcidas e tambm pouco avaliativas, isto , com menos julgamento de valor. Os pacientes trocam informaes interpretativas, baseadas em inferncias, com maior dose de distoro e de julgamento de valor, justamente pelo intenso envolvimento emocional caracterstico das etapas iniciais de tratamento. As mudanas na natureza das informaes e do feedback so indicadores de progresso na terapia, mas exigem tempo e competncia do psicoteraputica.Os treinandos exibem e desenvolvem confiana em si mesmos e nos outros membros do grupo como recursos para aprendizagem. Os pacientes mostram confiana num profissional o terapeuta considerando-o a fonte mxima para aprendizagem e cura.

PAPEL DO COORDENADOR DE LABORATRIO

Em desenvolvimento interpessoal, como em outros processos educacionais, uma pea crtica o coordenador de laboratrio, que no pode ser improvisado. A coordenao de laboratrios de DI exige formao especializada, a nvel de ps-graduao, com slido background e um esforado tempo de estudos, experincias e amadurecimento. Requer, tambm, condies pessoais de aptido para tal e valores tico-morais congruentes com a filosofia da Educao de Laboratrio. Um coordenador incompetente ou indigno traz danos irreparveis metodologia e prpria aplicao de cincias comportamentais rea de desenvolvimento de recursos humanos.O coordenador de laboratrio , acima de tudo, um educador. Sua tarefa prioritria criar condies tais que os treinandos possam aprender

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e crescer como pessoas, confiando em si e nos outros como recursos valiosos para a aprendizagem. Isto possvel quando o educador expressa expectativas positivas de que cada treinando capaz de aprender com os outros se fornecer e receber informaes e feedback til, numa atmosfera apropriada de grupo, o que depende de todos e de cada um.O educador manipula o ambiente, jamais as pessoas, em sua funo de propiciar condies favorveis para criar uma situao genuna de aprendizagem, onde seja possvel a ocorrncia de sucesso psicolgico e funcionamento eficaz do grupo: objetivos grupais congruentes com necessidades dos membros, ateno aos processos de grupo, normas de individualidade, preocupao com os outros, confiana recproca e liderana compartilhada.Todas essas condies se reforam mutuamente, num processo circular. Se as pessoas decidirem participar nesse ambiente criado pelo educador, encontraro oportunidades de definir seu prprio objetivo de aprendizagem, desenvolver seus caminhos para alcan-lo, relacionar objetivo e caminhos sua motivao central e experimentar o desafio que consiste em alcanar esse objetivo e ampliar sua competncia como pessoa.

RESPONSABILIDADE TICA E PROFISSIONAL

Cabe lembrar que psicoterapeuta e coordenador de laboratrio competente no se improvisam. So ambos profissionais qualificados que tiveram formao especializada, segundo pressupostos tericos bsicos, com estudos profundos de comportamento humano e tecnologia de mudana psicossocial, aliados experincia com grupos e que buscam constante atualizao terico-prtica.Alm de competncia tcnica, coordenador e terapeuta apresentam Competncia interpessoal, flexibilidade perceptiva, atitude experimental, capacidade de assumir riscos e, principalmente, padres ticos de exerccio profissional. A responsabilidade tica inalienvel quando se tomam decises que iro afetar profundamente outras pessoas. No h Justificativa moral para a inexperincia, a ignorncia ou a irresponsabilidade, mesmo inocentes ou inintencionais, que no avaliam as

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conseqncias danosa.s e, muitas vezes, irreversveis, de atividades ou tcnicas que so empregadas com seres humanos.

PEDAGOGIA E ANDRAGOGIA

Um dos equvocos freqentemente encontrados na tecnologia atual de educao formal a equiparao dos aprendizes como se no houvesse diferenas sensveis entre eles. A pedagogia baseia-se em certos pressupostos e utiliza certas prticas razoavelmente pertinentes ao aprendiz em foco: a criana ou o adolescente.Esses mesmos pressupostos e prticas aplicados ao aprendiz adulto no podem trazer os mesmos resultados, pois o adulto diferente da criana e do adolescente. A andragogia tem outras premissas e orientaes que no podem ser ignorada.s ao se pretender fazer educao ou ensino de adultos.M. Knowles (1973) indica que, em situaes de aprendizagem, os adultos diferenciam-se de crianas e jovens, principalmente em relao a autoconceito, experincia, prontido, perspectiva temporal e orientao da aprendizagem.Autoconceito: Os jovens percebem-se mais dependentes do professor e de seus ensinamentos, enquanto os adultos consideram-se mais independentes, com responsabilidade pelo prprio processo de aprendizagem e capazes de autodireo para buscar o que carecem.Experincia: Os adultos trazem maior experincia acumulada em suas atividades de vida, cada um com seu repertrio variado de conhecimentos, tcnicas, sentimentos, habilidades. Em muitas situaes, os adultos aprendem melhor que as crianas e os jovens, justamente pela experincia anterior, a qual pode ser utilizada como fonte comum, tornando-se cada participante um recurso de aprendizagem para os outros, pelo intercmbio de acertos e desacertos, de convices e dvidas.Prontido: Crianas e jovens precisam atingir certo nvel de amadurecimento fsico e psquico para aprenderem determinados comportamentos/conhecimentos Os adultos tambm desenvolvem maturidade em reas diferenciadas, mais de cunho social, levando-os a desenvolver interesses especficos e aprender formas mais complexas de conduta em

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termos de papis sociais. R. Havighurst (1964) denominou tarefas de desenvolvimento seqncia de etapas de prontido para aprendizagem de habilidades motoras, conhecimentos e condutas sociais, a qual definiria o ciclo de vida humana, desde o nascimento at a velhice. Esta concepo indicaria um momento ideal, que seria o melhor para aprender algumas coisas. O momento ideal pode ser observado mais facilmente na aprendizagem de destrezas e habilidades motoras, como, por exemplo, escrever (e ler), tocar instrumentos musicais, bal, esportes em geral.Perspectiva temporal: Crianas e jovens aprendem para o futuro, a aplicao de conhecimentos algo que acontecer algum dia, enquanto os adultos aprendem para aplicao imediata s atividades que executam, para resolver problemas, e no simplesmente para estocar conhecimentos de utilidade eventual futura.Orientao da aprendizagem: Enquanto crianas e jovens aprendem assuntos/temas ligados a matrias ou disciplinas constantes de um currculo, que serve de base de conhecimentos para a vida profissional e social, os adultos procuram aprender aquilo que possa contribuir para resolver os problemas que enfrentam no presente, aquilo que carecem para melhorar seu desempenho e enfrentar os desafios que surgem no dia-a-dia.O sumrio comparativo entre pressupostos e prticas da Pedagogia e da Andragogia pode ser visto no Quadro 2.1.

PODEM OS ADULTOS APRENDER BEM EM QUALQUER IDADE?

Mitos e crenas errneas a respeito da aprendizagem na idade madura so veiculados livremente e aceitos sem exame critico, s vezes, at por responsveis por programas de treinamento. Os ditos populares, como, por exemplo, Burro velho no aprende coisas novas!, podem induzir crena de que o adulto mais velho j no consegue aprender e, por isso, desperdcio investir em seu desenvolvimento.A operacionalizao da maioria dos programas de treinamento e desenvolvimento, na prtica, tem oscilado entre os dois extremos: o mito

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da incapacidade dos mais velhos aprenderem e a crena ingnua de que o adulto, enquanto aprendiz (treinando), deve ser tratado e conduzido como uma criana. De um lado, os adultos mais velhos so marginalizados e, de outro, os programas e eventos utilizam largamente a abordagem pedaggica, caracterizada por relaes verticais entre instrutor/professor e alunos/aprendizes.Os adultos sofrem, com a idade, certo declnio nas funes orgnicas e intelectuais, o que ocasiona limitaes fisiolgicas, mas no significa impossibilidade de aprender coisas novas ou de efetuar mudanas em seus comportamentos.O ritmo de aprendizagem torna-se mais lento e determina outras expectativas e metodologia de ensino-aprendizagem. Verifica-se, entretanto, que outros fatores, tais como motivao, status social, background educacional, nvel profissional e inteligncia, influem mais na aprendizagem que a idade de per si.O fator isolado mais importante a prtica constante, isto , o adulto que continua lendo, interessando-se pelas mudanas que ocorrem no inundo em que vive, mantendo-se intelectualmente ativo, numa atitude de curiosidade sadia e de iniciativa para buscar informaes, adquirir conhecimentos, questionar e argumentar, geralmente continuar aprendendo por toda a vida. O adulto at aprende melhor que o jovem quando a experincia e a maturidade de vida fazem diferena.Pesquisas recentes indicam que o adulto mais velho num programa de educao de adultos , em geral, intelectualmente to apto quanto os participantes adultos mais jovens e seu desempenho equivale ao dos demais. Foi tambm observado que os adultos que continuam a participar em atividades educativas aprendem mais efetivamente que adultos comparveis que no o fazem. Isto sugere que habilidades para aprender requerem prtica para serem mantidas. Igualmente, os adultos aprendem mais efetivamente quando se permite que sigam seu prprio ritmo.Da mesma forma que a atividade fsica constante assegura a sade orgnica e prolonga a perspectiva de vida, a atividade intelectual constante tambm mantm a pessoa em forma, apta a aprender por muito tempo, alerta, lcida e produtiva.Este fato de significado fundamental para treinamento e desenvolvimento de recursos humanos, pois mostra que no adiantam eventos espordicos e muito distanciados. Terminar um curso, seja universitrio ou tcnico, no basta para uma carreira profissional produtiva. A pessoa

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necessita atualizar-se freqente ou permanentemente, porquanto as mudanas tecnolgicas, econmicas e sociais so rpidas, exigindo adaptao contnua a novas condies de vida e de trabalho para sobrevivncia, subsistncia, crescimento e realizao pessoal e profissional.

IMPLICAES PARA A EDUCAO DE ADULTOS

A partir dos pressupostos citados, a prtica de andragogia deve orientar-se para capitalizar todos os aspectos relevantes e atender s necessidades e feies diferenciadas do adulto como aprendiz.Em primeiro lugar, a situao de aprendizagem deve caracterizar-se por uma atmosfera adulta, e no por uma rplica da sala de aula infanto-juvenil. Isto requer relaes horizontais, paritrias, entre coordenador/facilitador e aprendizes como scios, colaboradores de um empreendimento conjunto, em que os esforos de todos so somados ao invs de relaes verticais tipo superior-inferior entre professor e alunos no ambiente usual de ensino.O clima psicossocial passa a ser de respeito mtuo, os colegas tornam-se recursos para a aprendizagem dos outros, pela experincia anterior de cada um, a qual oferecida, analisada, discutida e somada sua prpria. H menor dependncia do professor/facilitador e dos livros e textos para a palavra final ou concluso correta.A tecnologia andraggica utiliza a motivao e a experincia dos aprendizes adultos como molas principais. Os aprendizes participam plenamente no diagnstico de necessidades individuais e do grupo para estabelecer e negociar objetivos da aprendizagem, no planejamento e na implementao da prpria aprendizagem, juntamente com o coordenador/facilitador. As experincias de cada um podem servir de ilustraes e exemplos para facilitar a compreenso e aquisio de conceitos/conhecimentos novos e tcnicas, pois so significativas, mais reais e concretas que qualquer exemplo ou caso de livro trazido pelo coordenador/facilitador.O uso de tcnicas de dinmica de grupo e de laboratrio, de aprendizagem vivencial, possibilita comunicao mais fluente entre os participantes no sentido de troca de experincias, comparao e discusso das

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mesmas, levando-os a descobrir como podem aprender com Os outros, como ajudar e serem ajudados e como trabalhar com outros em vrias modalidades de tarefas em grupo.Especial ateno precisa ser dada s atividades introdutrias de um programa de educao de adultos. Recomenda-se um tempo inicial prolongado para estabelecer um clima propcio de abertura e confiana entre os participantes e diminuio de resistncias mudana das expectativas e hbitos fixos de programas de treinamento, nos moldes pedaggicos usuais, de estrutura vertical instrutor-alunos, em que um transmite e os outros recebem as informaes. Essa atividade preparatria socioemocional absolutamente necessria para o sucesso do programa.Se este incio bem realizado, os adultos confiaro no programa, podero envolver-se nas atividades e delas obter benefcios. Caso contrrio, mais um seminrio superficial ter acontecido, com conseqncias variveis para cada participante, em termos de conhecimentos, habilidades, crenas, motivao e valores que repercutiro nos eventos subseqentes de trabalho ou de treinamento/desenvolvimento.O papel do professor/instrutor tambm sofre modificaes, passando de transmissor de informaes e conhecimentos, na orientao pedaggica, para o de facilitador da aprendizagem, na orientao andraggica.O coordenador/facilitador em educao de adultos primordialmente uma pessoa-recurso de contedos e processos. Sua funo consiste em ajudar a abrir canais de comunicao entre os aprendizes; em conduzir treinamento de habilidades para utilizar a experincia de outras pessoas como recursos de aprendizagem; em envolver os aprendizes nos principais aspectos do processo de aprendizagem, tais como diagnstico de carncias/interesses, planejamento de atividades, participao no procesSO C avaliao de resultados.Vale lembrar que a aprendizagem um processo complexo que envolve a pessoa toda, no s seu intelecto. Toda aprendizagem finalmente auto-aprendizagem, para a qual o facilitador contribui atravs de estimulao (insumos), recursos e estruturao ambiental (setting).A prtica andraggica orienta-se pelos pressupostos sobre a capacidade dos adultos e suas necessidades especficas e por uma filosofia de ao social em que valores humanistas de respeito pessoa humana e de participao plena no processo decisrio e na implementao de aes so considerados os mais elevados.

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O homem deve ser o sujeito de sua prpria educao. No pode ser o objeto dela. (Paulo Freire, Educao e mudana.) Como sujeito do processo educativo, o homem busca ativamente respostas para seus problemas, de forma consciente, crtica e criativa, rejeitando a mera repetio do que est escrito ou foi dito por outros.Estudar assumir uma atitude sria e curiosa diante de um problema. (Paulo Freire, O ato de estudar.)O conhecido conselho de sabedoria oriental de ensinar a pescar ao invs de dar um peixe para matar a fome do momento expressa uma filosofia de ao para o desenvolvimento de recursos e potencialidades do indivduo, de crescimento pessoal, contrapondo-se a uma filosofia paternalista de dar informaes apenas para melhor desempenho da tarefa em pauta (o peixe dirio), sem levar em considerao o sistema Pessoa, como um todo dinmico e em interao com outros sistemas semelhantes e supra-sistemas ambientais.

REFERNCIAS E LEITURA COMPLEMENTAR

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3. Competncia interpessoal

EU E OS OUTROS

Como trabalhar bem com outros? Como entender os outros e fazer-se entender? Por que os outros no conseguem ver o que eu vejo, como eu vejo, por que no percebem a clareza de minhas intenes e aes? Por que os outros interpretam erroneamente meus atos e palavras e complicam tudo? Por que no podemos ser objetivos no trabalho e deixar problemas pessoais de fora? Vamos ser prticos, e deixar as emoes e sentimentos de lado...Quem j no pensou assim, alguma vez, em algum momento ou situao?Desde sempre, a convivncia humana difcil e desafiante. Escritores e poetas, atravs dos tempos, tm abordado a problemtica do relacionamento humano. Sartre, em sua admirvel pea teatral Huis Clos, faz a famosa afirmao O inferno so os outros...Estaremos realmente condenados a sofrer com os outros? Ou podemos ter esperanas de alcanar uma convivncia razoavelmente satisfatria e produtiva?Pessoas convivem e trabalham com pessoas e portam-se como pessoas, isto , reagem is outras pessoas com as quais entram em contato: comunicam-se, simpatizam e sentem atraes, antipatizam e sentem averses, aproximam-se, afastam-se, entram em conflito, competem, colaboram, desenvolvem afeto.Essas interferncias ou reaes, voluntrias ou involuntrias, intencionais OU inintencionais, constituem o processo de interao humana,

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em que cada pessoa na presena de outra pessoa no fica indiferente a essa situao de presena estimuladora. O processo de interao humana complexo e ocorre permanentemente entre pessoas, sob forma de comportamentos manifestos e no-manifestos, verbais e no-verbais, pensamentos, sentimentos, reaes mentais e/ou fsico-corporais.Assim, um olhar, um sorriso, um gesto, uma postura corporal, um deslocamento fsico de aproximao ou afastamento constituem formas no-verbais de interao entre pessoas. Mesmo quando algum vira as costas ou fica em silncio, isto tambm interao e tem um significado, pois comunica algo aos outros. O fato de sentir a presena dos outros j interao.A forma de interao humana mais freqente e usual, contudo, representada pelo processo amplo de comunicao, seja verbal ou no-verbal.

A PRIMEIRA IMPRESSO

O contato inicial entre pessoas gera a chamada primeira impresso, o impacto que cada um causa ao outro. Essa primeira impresso est condicionada a um conjunto de fatores psicolgicos da experincia anterior de cada pessoa, suas expectativas e motivao no momento e a prpria situao do encontro. Primeiras impresses podero ser muito diferentes se certos preconceitos prevalecerem ou no, se as predisposies do momento forem favorveis ou no aceitao de diferenas no outro e se o contexto for formal ou informal, de trabalho neutro ou de ansiedade e poder assimtrico, tal como, por exemplo, uma entrevista para solicitar emprego, ou promoo, ou outras vantagens.Quando a primeira impresso positiva de ambos os lados, haver uma tendncia a estabelecer relaes de simpatia e aproximao que facilitaro o relacionamento interpessoal e as atividades em comum. No caso de assimetria de percepes iniciais, isto , impacto positivo de um lado, mas sem reciprocidade, o relacionamento tende a ser difcil, tenso, exigindo um esforo de ambas as partes para um conhecimento maior que possa modificar aquela primeira impresso.Quantas vezes geramos e recebemos primeiras impresses errneas que nos trazem dificuldades e aborrecimentos desnecessrios, porque

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no nos dispomos a rever e, portanto, confirmar ou modificar aquela impresso. Quando isto acontece, naturalmente, ao longo de uma convivncia forada, como na situao de trabalho, por exemplo, percebemos, ento, quanto tempo precioso e quanta energia perdemos por no tomar a iniciativa de procurar conhecer melhor o outro e examinar as prprias atitudes e preconceitos, com o fito de desfazer impresses negativas no-realsticas. muito cmodo jogar a culpa no outro pela situao equvoca, mas a realidade mostra a nossa parcela de responsabilidade nos eventos interpessoais. No h processos unilaterais na interao humana: tudo que acontece no relacionamento interpessoal decorre de duas fontes: eu e outro(s).

RELAES INTERPESSOAIS

As relaes interpessoais desenvolvem-se em decorrncia do processo de interao.Em situaes de trabalho, compartilhadas por duas ou mais pessoas, h atividades predeterminadas a serem executadas, bem como interaes e sentimentos recomendados, tais como: comunicao, cooperao, respeito, amizade. A medida que as atividades e interaes prosseguem, os sentimentos despertados podem ser diferentes dos indicados inicialmente e ento inevitavelmente os sentimentos influenciaro as interaes e as prprias atividades. Assim, sentimentos positivos de simpatia e atrao provocaro aumento de interao e cooperao, repercutindo favoravelmente nas atividades e ensejando maior produtividade. Por outro lado, sentimentos negativos de antipatia e rejeio tendero diminuio das interaes, ao afastamento, menor comunicao, repercutindo desfavoravelmente nas atividades, com provvel queda de produtividade.Esse ciclo atividades-interaes-sentimentos no se relaciona diretamente com a competncia tcnica de cada pessoa. Profissionais competentes individualmente podem render muito abaixo de sua capacidade por influncia do grupo e da situao de trabalho.Quando uma pessoa comea a participar de um grupo, h uma base interna de diferenas que englobam conhecimentos, informaes, opinies,

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preconceitos, atitudes, experincia anterior, gostos, crenas, valores e estilo comportamental, o que traz inevitveis diferenas de percepes, opinies, sentimentos em relao a cada situao compartilhada. Essas diferenas passam a constituir um repertrio novo: o daquela pessoa naquele grupo. Como essas diferenas so encaradas e tratadas determina a modalidade de relacionamento entre membros do grupo, colegas de trabalho, superiores e subordinados. Por exemplo: se no grupo h respeito pela opinio do outro, se a idia de cada um ouvida, e discutida, estabelece-se uma modalidade de relacionamento diferente daquela em que no h respeito pela opinio do outro, quando idias e sentimentos no so ouvidos, ou ignorados, quando no h troca de informaes. A maneira de lidar com diferenas individuais cria um certo clima entre as pessoas e tem forte influncia sobre toda a vida em grupo, principalmente nos processos de comunicao, no relacionamento interpessoal, no comportamento organizacional e na produtividade.Se as diferenas so aceitas e tratadas em aberto, a comunicao flui fcil, em dupla direo, as pessoas ouvem as outras, falam o que pensam e sentem, e tm possibilidades de dar e receber feedback. Se as diferenas so negadas e suprimidas, a comunicao torna-se falha, incompleta, insuficiente, com bloqueios e barreiras, distores e fofocas. As pessoas no falam o que gostariam de falar, nem ouvem as outras, s captam o que refora sua imagem das outras e da situao.O relacionamento interpessoal pode tornar-se e manter-se harmonioso e prazeroso, permitindo trabalho cooperativo, em equipe, com integrao de esforos, conjugando as energias, conhecimentos e experincias para um produto maior que a soma das partes, ou seja, a to buscada sinergia. Ou ento tender a tornar-se muito tenso, completivo, levando desintegrao de esforos, diviso de energias e crescente deteriorao do desempenho grupal para um estado de entropia do sistema e final dissoluo do grupo.Relaes interpessoais e clima de grupo influenciam-se recproca e circularmente, caracterizando um ambiente agradvel e estimulante, ou desagradvel e adverso, ou neutro e montono. Cada modalidade traz satisfaes ou insatisfaes pessoais e grupais.A liderana e a participao eficaz em grupo dependem essencialmente da competncia interpessoal do lder e dos membros. O trabalho em equipe s ter expresso real e verdadeira se e quando os membros do grupo desenvolverem sua competncia interpessoal, o que lhes permitir

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alcanar a to desejada e propalada sinergia, em seus esforos colaborativos, para obter muito mais que a simples soma das competncias tcnicas individuais como resultado conjunto do grupo.

AQUISIO DE COMPETNCIA INTERPESSOAL

A competncia tcnica para cada profissional no posta em dvida, claramente todos reconhecem que o profissional precisa ser competente em sua rea especfica de atividade. A competncia interpessoal, porm, s reconhecida para algumas categorias profissionais notrias, tais como assistncia social, psicoterapia, magistrio, vendas, servios de atendimento ao pblico, em geral.Em cada profisso, na verdade, os dois tipos de competncia so necessrios, embora em propores diferentes. O problema consiste em discernir e aprender qual a proporo adequada para prover servios de alta qualidade, ou seja, para um desempenho superior.Cada tipo ou dimenso de competncia interdependente de outra. Assim, a maneira pela qual um gerente, advogado, mdico faz as perguntas (tendo ou no estabelecido um clima psicolgico favorvel e uma relao de confiana) pode influenciar as informaes que recebe. Neste exemplo, a competncia interpessoal (processo) to importante quanto a competncia tcnica de formular as perguntas adequadas (contedo das perguntas).Se a competncia tcnica pode ser adquirida atravs de cursos, seminrios, leituras e experincia ou prtica, a competncia interpessoal necessita treinamento especial de laboratrio.Desenvolver sua competncia interpessoal a meta primordial do treinando de laboratrio de sensibilidade. Em que consiste esta competncia?Competncia interpessoal a habilidade de lidar eficazmente com relaes interpessoais, de lidar com outras pessoas de forma adequada s necessidades de cada uma e s exigncia da situao.Segundo C. Argyris (l96), a habilidade de lidar eficazmente com relaes interpessoais de acordo com trs critrios:

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a) Percepo acurada da situao interpessoal, de suas variveis relevantes e respectiva inter-relao.b) Habilidade de resolver realmente os problemas interpessoais, de tal modo que no haja regresses.c) Soluo alcanada de tal forma que as pessoas envolvidas continuem trabalhando juntas to eficientemente, pelo menos, como quando comearam a resolver seus problemas.Dois componentes da competncia interpessoal assumem importncia capital: a percepo e a habilidade propriamente dita. O processo da percepo precisa ser treinado para uma viso acurada da situao interpessoal. Isto significa um longo processo de crescimento pessoal, abrangendo autopercepo, autoconscientizao e auto-aceitao como pr-requisitos de possibilidades de percepo mais realstica dos outros e da situao interpessoal. Esse treinamento perceptivo no se realiza espontnea nem facilmente, mas requer treinamento especial, demorado, e muitas vezes sofrido, exigindo coragem e disponibilidade psicolgica do treinando no exerccio de receber feedback. O autoconhecimento s pode ser obtido com a ajuda dos outros, por meio de feedback, o qual precisa ser elaborado para auto-aceitao de componentes do eu cego. Se o indivduo tem percepo mais acurada de si, ento pode, tambm, ter percepo acurada da situao interpessoal, primeiro passo para poder agir de forma adequada e realstica.A habilidade de lidar com situaes interpessoais engloba vrias habilidades, entre as quais: flexibilidade perceptiva e comportamental, que significa procurar ver vrios ngulos ou aspectos da mesma situao e atuar de forma diferenciada, no-rotineira, experimentando novas condutas percebidas como alternativas de ao. Desenvolve-se, concomitantemente, a capacidade criativa para solues ou propostas menos convencionais, com resultados duplamente compensadores: da resoluo dos problemas e da auto-realizao pelo prprio ato de criao, altamente gratificante para as necessidades do ego (estima), na hierarquia de Maslow. Outras habilidades consistem em dar e receber feedback, sem o que no se constri um relacionamento humano autntico, conducente ao encontro eu-tu, de pessoa a pessoa, ao invs da relao eu-isto, de Sujeito a objeto, na concepo de Martin Buher (1970). Assim, ampliam-se a capacidade perceptiva e o repertrio comportamental do indivduo Saindo dos limites estreitos da conduta estereotipada do dia-a-dia.

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Um terceiro componente da competncia interpessoal refere-se ao relacionamento em si e compreende a dimenso emocional-afetiva, predominantemente. Vrios autores preocupam-se com esse aspecto, entre os quais W. Bennis (1972), que o expe por meio de sua matriz de contedo/motivao, na qual indica a combinao ideal: verdade/amor. Num relacionamento a mdio prazo, preciso considerar o contedo cognitivo e a relao afetiva em qualquer situao de conflito interpessoal. Muitas vezes, a soluo vivel para o contedo cognitivo, mas afeta a relao afetiva. O equilbrio desses dois componentes que far com que o relacionamento no sofra danos (s vezes irreversveis), e at se torne mais forte e verdadeiro.Competncia interpessoal, portanto, resultante de percepo acurada realstica das situaes interpessoais e de habilidades especficas comportamentais que conduzem a conseqncias significativas no relacionamento duradouro e autntico, satisfatrio para as pessoas envolvidas.

UMA PESQUISA DE COMPETNCIA INTERPESSOAL

Em 18 grupos de treinamento conduzidos pela autora e sua equipe, totalizando 297 gerentes de vrias organizaes brasileiras, foi, inicialmente, aplicado um questionrio de auto-avaliao composto de 20 itens relativos a dimenses interpessoais.*As respostas mostraram as percepes dos treinandos quanto a sua competncia interpessoal da seguinte forma:PONTOS MAIS FORTES1. Competio2. Independncia3. Flexibilidade4. Autoconfiana

PONTOS MAIS FRACOS1. Reao afeedback2. Espontaneidade3. Lidar com conflito4. Resistncia a estresse

* Questionrio Dimenses Interpessoais, pp. 198-201.

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Os pontos fortes indicados sugerem uma percepo social de valores culturais de nossa sociedade relacionados imagem de chefia, comando, afirmao de sucesso profissional e de atributos pessoais positivos masculinos. Os itens competio, independncia e autoconfiana fazem parte dessa constelao cultural. A competio claramente imagem de luta, agressividade, iniciativa, possivelmente ligada ao n achievement de McClelland, caracterstica do homem que busca desafios e supera obstculos para realizar-se. A independncia tambm um smbolo masculino de afirmao social, diferenciando-se da dependncia, submisso feminina ou de subordinados... A autoconfiana, como imagem de segurana interior que os outros invejam e procuram, tambm socialmente valorizada como figura paterna, forte, superior, sem as fraquezas, dvidas, insegurana dos subordinados/inferiores.O item flexibilidade pode, igualmente, fazer parte da imagem social do gerente/executivo que se atualiza, no rgido, no estagna, aberto a inovaes, suficientemente apto a adaptar-se, a ajustar-se s mudanas. Em suma, a imagem mais valorizada hoje em dia: o jovem.Quanto aos pontos fracos, parece que no houve tanta influncia de imagem social, pois as carncias mostram justamente o outro lado, que menos exposto publicamente ou at escondido e negado. Entretanto, a concentrao dos pontos fracos sugere aspectos comuns que perturbam o relacionamento humano e preocupam os indivduos que os apontaram, bem como o nvel de conscientizao das deficincias de cada um.O item mais fraco, reao afeedback, indica o aspecto mais negligenciado da comunicao humana, a dificuldade no superada de receber feedback, mesmo em gerentes de alto nvel, aparentemente competentes em suas funes. O outro item a ele diretamente relacionado, expresso de feedback, aparece como quinto item fraco, o que pode sugerir que a carncia da habilidade de dar feedback no percebida ou sentida to intensamente como receber feedback, em que o impacto maior sobre o prprio indivduo e no sobre o outro. Contudo, a inferncia que se pode fazer que ambos os processos, tanto o de dar quanto o de receber feedback, constituem carncias importantes a serem trabalhadas em desenvolvimento interpessoal, sem o que ficaro como aspectos ineficientes do desempenho dos gerentes. Reao a feedback talvez seja o item crtico da competncia interpessoal, uma das mais difceis conquistas pessoais. Os dois processos conjugados, dar e receber feedback de

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modo inbil, provocando reaes defensivas, formam a maior fonte de bloqueio de comunicao efetiva e de desgaste de relacionamento.O segundo item mais fraco, espontaneidade, sugere um processo de condicionamento cultural contrario expresso franca de idias e sentimentos, principalmente no selvagem mundo dos negcios em que a revelao pode ser prejudicial na competio por sucesso, lucro, fama... No h um provrbio que diz: A alma do negcio o segredo? Ento preciso no se revelar, no mostrar suas fraquezas ou planos, para no fornecer armas ao inimigo (competidor), tomando a vida organizacional um jogo de vantagens: ganha mais quem sabe mais do outro e menos revela de si... Esse processo circular deteriora o clima organizacional, levando a tenses, desconfianas, conflitos e crises mais ou menos srias e duradouras, objeto de grandes preocupaes da alta administrao e bom mercado de trabalho para os consultores organizacionais...O item lidar com conflitos mostra outra carncia acentuada entre gerentes, cada um procurando resolver a seu modo os problemas interpessoais, sem ter tido treinamento adequado para isto. Alguns tm maior habilidade intuitivamente, outros, menor habilidade, sem se aperceberem das conseqncias a curto e mdio prazos para as pessoas envolvidas e para a organizao. Lidar com conflitos de forma segura exige treinamento especial de laboratrio de DI, e no apenas leituras e conferncias sobre o assunto.O quarto ponto mais fraco, resistncia a estresse, revela a situao real do dia-a-dia do gerente, sujeito a presses de cima e de baixo, e lateralmente, tambm, alm de presses extra-organizacionais e familiares. Essa carncia indicada retrata um aspecto pouco reconhecido ou tratado em programas de desenvolvimento gerencial e at nos planos de carreira gerencial, em que deveria figurar como um dos itens de avaliao de desempenho superior do gerente.

Em treinamento de laboratrio, consegue-se obter compreenso, insight e comportamento funcional durante o processo de aprendizagem. Todavia, o verdadeiro teste de competncia interpessoal est na transferncia de aprendizagem da situao de laboratrio para a vida real, o que e bastante difcil na dinmica interpessoal. E difcil porque exige do participante insight e compreenso dolorosa de que algumas de suas formas usuais de reao no so as mais adequadas, que preciso mudar,

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experimentar novas formas e pratic-las, criativamente, e assumir riscos. difcil porque no depende apenas da pessoa treinada, no uma habilidade individual, e sim uma habilidade situacional ou interpessoal.As probabilidades de aprender e transferir a aprendizagem, em termos de competncia interpessoal, aumentam quando o indivduo consegue desenvolver autoconscientizao e auto-aceitao para produzir informaes com um mnimo de distoro, quando passa a aceitar e confiar mais nos outros, dando e recebendo feedback til.Competncia interpessoal no , pois, um dom ou talento inato da personalidade, e sim uma capacidade que se pode desenvolver por meio de treinamento prprio.

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4. A Janela Johari

CONCEITUAO

DIFCIL ENTENDER a complexidade da personalidade humana, especialmente em suas relaes com os outros. Os quatro retngulos abaixo podero ajudar-nos a conceituar o processo da percepo de um indivduo em relao a si mesmo e aos outros. Esta representao de reas da personalidade chamada Janela Johari, idealizada por Joseph Luft e Harry Ingham (1961), para ilustrar as relaes interpessoais e os processos de aprendizagem em grupo.Visualiza-se um quadrado dividido em quatro quadrantes.No primeiro quadrante, com o nmero um, o Eu aberto, associado s frases: Conhecido pelo Eu / Conhecido pelos outrosNo segundo quadrante, com o nmero dois, o Eu cego, associado frase: No conhecido pelo EuNo terceiro quadrante, com o nmero trs, o Eu secreto, associado No conhecido pelos outrosNo quarto quadrante, com o nmero 4, o Eu desconhecido, No conhecido pelos outros..43

A rea 1 (o eu aberto) constitui o nosso comportamento em muitas atividades, conhecido por ns e por qualquer um que nos observe. Este comportamento varia grandemente conforme nossa estimativa do que correto em um ambiente especfico e com diferentes grupos de pessoas. Esta rea limita-se quilo de que nossos parentes e amigos esto cnscios e ao que ns consideramos bvio, tais como nossas caractersticas, nossa maneira de falar, nossa atitude geral, algumas de nossas habilidades etc.A rea II (o eu cego) representa nossas caractersticas de comportamento que so facilmente percebidas pelos outros, mas das quais, geralmente, no estamos cientes. Por exemplo, alguma manifestao nervosa, nosso comportamento sob tenso, nossas reaes agressivas em relao a subordinados, nosso desprezo por aqueles que discordam de ns etc. Podemos especular por que estes padres de comportamento permanecem desconhecidos para ns e, no entanto, so bvios aos outros. H evidncias de que nessa rea que, freqentemente, somos mais crticos com o comportamento dos outros sem percebermos que nos estamos comportando da mesma forma.A rea III (o eu secreto) representa as coisas sobre ns mesmos que conhecemos mas que escondemos dos outros. Estas podem variar desde assuntos inconseqentes at os de grande importncia. Numa situao fechada, ou relativamente autoritria, provvel que haja muito mais deste aspecto do que numa situao aberta. A pessoa que conta tudo sobre si mesma a algum totalmente estranho, ou a um vizinho, pode estar agindo assim por incapacidade de comunicao satisfatria com pessoas que significam, afetivamente, muito para ela. nesta rea e na rea II que algumas modificaes podem ser conseguidas entre indivduos trabalhando juntos, experimentalmente, com esprito de cooperao e compreenso.A rea IV (o eu desconhecido) inclui coisas das quais no estamos cnscios e das quais nem os outros o esto. Constitui-se de memrias de infncia, potencialidades latentes e aspectos desconhecidos da dinmica intrapessoal. Algumas coisas esto muito escondidas e talvez nunca se tornem conscientes; outras mais superficiais e com o aumento de abertura e feedback podero tornar-se conscientes.

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MUDANAS NOS QUADRANTES

Num grupo novo, a rea 1, do eu aberto, muito pequena, h pouca interao livre e espontnea. Co