metodos pre escolar

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AGRADECIMENTOS À Professora Doutora Júlia Oliveira-Formosinho pela orientação e o apoio científico em momentos tão decisivos e que tornaram possível a concretização deste trabalho. Pelo privilégio de colaborar no Projecto Infância e na Associação Criança que tem possibilitado uma longa jornada de aprendizagem profissional. E, ainda, a amizade, a compreensão e a partilha de saberes. Às educadoras que integram o grupo desta pesquisa, que, com uma imensa simpatia e disponibilidade, me abriram as portas das suas salas. Ao Professor Doutor João Formosinho, pela amizade, e pela oportunidade de comigo partilhar os seus inesgotáveis saberes. Às minhas colegas Fátima e Cristina pela solidariedade e pela amizade em momentos tão importantes deste percurso. À Sissi pela amizade, pelo apoio e disponibilidade em momentos decisivos deste percurso, e, também pela confiança que sempre me manifestou. À Né, que está sempre presente, pelo afecto, incentivo e companheirismo. Aos meus pais, por tudo o que me ensinaram. iii

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  • AGRADECIMENTOS

    Professora Doutora Jlia Oliveira-Formosinho pela orientao e o apoio

    cientfico em momentos to decisivos e que tornaram possvel a concretizao deste

    trabalho. Pelo privilgio de colaborar no Projecto Infncia e na Associao Criana que

    tem possibilitado uma longa jornada de aprendizagem profissional. E, ainda, a amizade,

    a compreenso e a partilha de saberes.

    s educadoras que integram o grupo desta pesquisa, que, com uma imensa

    simpatia e disponibilidade, me abriram as portas das suas salas.

    Ao Professor Doutor Joo Formosinho, pela amizade, e pela oportunidade de

    comigo partilhar os seus inesgotveis saberes.

    s minhas colegas Ftima e Cristina pela solidariedade e pela amizade em

    momentos to importantes deste percurso.

    Sissi pela amizade, pelo apoio e disponibilidade em momentos decisivos deste

    percurso, e, tambm pela confiana que sempre me manifestou.

    N, que est sempre presente, pelo afecto, incentivo e companheirismo.

    Aos meus pais, por tudo o que me ensinaram.

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  • RESUMO

    Este estudo visa compreender o impacto da formao no desenvolvimento

    profissional das educadoras e na qualidade das prticas na educao de infncia. Para

    cumprir este objectivo avaliam-se dois cursos de formao especializada do ex-

    CEFOPE e do IEC da Universidade do Minho, procurando identificar os paradignas de

    formao subjacentes e compreender a sua relao com o desenvolvimento profissional

    das educadoras e com as aprendizagens das crianas. Esta problemtica assume grande

    relevncia, sabendo que a investigao salienta que s as prticas de educao de

    infncia de qualidade tm impacto duradouro na vida presente e futura da criana

    (Schweinhart e Weikart, 1997; Schweinhart, Montie, Xiang, Barnett, Belfield e Nores,

    2005).

    A presente investigao insere-se no mbito da formao contnua especializada

    e contnua especializada em contexto. Os dois cursos estudados so cursos de formao

    especializada (CESES), situando-se um destes cursos no mbito da formao em

    contexto (Formosinho, 1995).

    O estudo de caso desta investigao, de natureza qualitativa e avaliativa,

    permitiu construir conhecimento em torno dos contributos de dois paradigmas de

    formao de educadoras para a construo de prticas de qualidade na educao de

    infncia e para as aprendizagens das crianas. A anlise e interpretao dos dados,

    permitiu identificar o impacto da formao especializada na qualidade dos contextos

    educacionais, avaliada atravs de duas dimenses pedaggicas o tempo e as

    interaces educativas. Permitiu, ainda, compreender a relao da qualidade do contexto

    educacional na educao de infncia com as aprendizagens das crianas.

    Os dados permitem extrair algumas concluses. Salientam a aprendizagem da

    pedagogia como um processo longo que requer a aprendizagem de competncias de

    natureza complexa. Salientam a interactividade entre a formao de educadoras, o

    desenvolvimento profissional e a aprendizagem das crianas. Salientam, ainda, que nem

    toda a formao de professores garante o direito das crianas a aprender Oliveira-

    Formosinho, 2004).

    iv

  • ABSTRACT

    This study aims to understand the impact of in-service teacher training in

    preschool teachers professional development and in the quality of early childhood

    practices. In order to fulfil this target two specialised training courses from the ex-

    CEFOP and the actual IEC, from the University of Minho are evaluated, trying to

    identify the underlying paradigms of teacher training and to understand the relation

    between preschool teacher professional development and childrens learning. This

    question acquires a great relevance, once we know that research enhances that only

    quality childhood practices can have long lasting effects on the present and future

    childrens life (Schweinhart and Weikart,19997; Sweinhart, Montie, Xiang, Barnett,

    Belfield and Nores, 2005).

    This research studies two specialised courses. Both courses are in-service

    specialised courses (called - CESES) but with different characteristics, one is context

    based training and the other one is a traditional one. (Formosinho, 1995)

    This is a qualitative and assessment case study, which allowed the construction

    of knowledge around the contributes of two teacher training paradigms and their impact

    on the construction of quality practices in early childhood education and in childrens

    learning. The data analysis and interpretation allowed the identification of the impact of

    both specialised training researched on the quality of preschool educational contexts,

    which were evaluated through two pedagogical dimensions- time and interactions. It,

    still allowed, to understand the relation between quality practices in early childhood

    education and childrens learning.

    The data alowed some conclusions. Hilihgts that pedagogy apprenticeship is a

    long running process which requires the learning of complex nature skills. Hilihgts the

    interactivity between pre-school teachers training, professional development and

    childrens learning. Also hilihgts that, not all kind of teachers training is a guarantee for

    childrens learning.

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  • NDICE

    RESUMO-----------------------------------------------------------------------------------------------------

    NDICE--------------------------------------------------------------------------------------------------------

    INTRODUO----------------------------------------------------------------------------------------------

    PRIMEIRA PARTE A FORMAO DE PROFESSORES

    Introduo-----------------------------------------------------------------------------------------------------

    1. As tradies da formao -------------------------------------------------------------------------------

    1.1 As tradies de formao na perspectiva de Zeichner-----------------------------------------

    1.1.1 A tradio acadmica--------------------------------------------------------------------------

    1.1.2 A tradio da eficincia social----------------------------------------------------------------

    1.1.3 A tradio desenvolvimentista----------------------------------------------------------------

    1.1.4 A tradio da reconstruo social------------------------------------------------------------

    1.1.5 A utilizao das tradies no mbito da educao de infncia---------------------------

    2. Cinco projectos no mbito da educao de infncia: aportes para a formao-------------------

    Introduo-----------------------------------------------------------------------------------------------------

    2.1 A formao em contexto no mbito do Projecto Infncia-------------------------------------

    2.2 A formao em contexto no mbito do Projecto de Pen Green------------------------------

    2.3 A formao em contexto no mbito do modelo High/Scope----------------------------------

    2.4 A formao em contexto no mbito do modelo do Movimento da

    Escola Moderna MEM---------------------------------------------------------------------------

    2.5 A formao em contexto no mbito do modelo de Reggio Emilia--------------------------------

    3. A formao contnua de educadoras e professores---------------------------------------------------

    3.1 A formao especializada uma modalidade de formao contnua------------------------

    3.1.1 A emergncia e a construo da especializao docente no mbito da

    escola de massas em Portugal------------------------------------------------------------------

    3.1.2 A oferta e a procura da formao especializada--------------------------------------------

    3.1.3 A formao especializada como um processo de desenvolvimento profissional------

    3.2 A formao contnua em contexto----------------------------------------------------------------

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  • 4. Dewey da criana reflexiva ao professor reflexivo ------------------------------------------------

    4.1 O espao e os materiais----------------------------------------------------------------------------

    4.2 O tempo----------------------------------------------------------------------------------------------

    4.3 As interaces---------------------------------------------------------------------------------------

    4.4 A observao, documentao, planificao e avaliao das crianas------------------------

    4.5 Os projectos e as actividades----------------------------------------------------------------------

    4.6 A organizao dos grupos-------------------------------------------------------------------------

    5. Freinet do tempo da criana ao tempo do professor-----------------------------------------------

    5.1 O espao e os materiais----------------------------------------------------------------------------

    5.2 O tempo----------------------------------------------------------------------------------------------

    5.3 As interaces---------------------------------------------------------------------------------------

    5.4 A observao, documentao, planificao e avaliao das crianas------------------------

    5.5 Os projectos e as actividades----------------------------------------------------------------------

    5.6 A organizao dos grupos-------------------------------------------------------------------------

    SEGUNDA PARTE -METODOLOGIA DA INVESTIGAO

    Introduo----------------------------------------------------------------------------------------------------

    1. A teoria da investigao: o paradigma qualitativo---------------------------------------------------

    1.1 O estudo de caso no paradigma qualitativo-----------------------------------------------------

    1.2 O estudo de caso desta investigao-------------------------------------------------------------

    2. Os objectivos da investigao---------------------------------------------------------------------------

    3. A operacionalizao da investigao -----------------------------------------------------------------

    3.1 A observao directa-------------------------------------------------------------------------------

    3.1.1 O PIP (Perfil de Implementao do Programa) um instrumento de

    observao do contexto educacional----------------------------------------------------------

    3.1.2 A Ficha de Observao das Oportunidades Educativas da Criana-------------------

    3.2 A entrevista na investigao qualitativa---------------------------------------------------------

    3.2.1 A conversao como pesquisa---------------------------------------------------------------

    3.2.2 A entrevista desta investigao: a entrevista semi-estruturada--------------------------

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  • 4. A conduo da investigao----------------------------------------------------------------------------.

    4.1 O grupo da investigao---------------------------------------------------------------------------

    4.2 O tempo da investigao--------------------------------------------------------------------------

    5. O processo de anlise dos dados------------------------------------------------------------------------

    6. A interpretao dos dados analisados------------------------------------------------------------------

    7. Apresentao, anlise e interpretao dos dados-----------------------------------------------------

    7.1 A aplicao do PIP (Perfil de Implementao do Programa) para duas

    dimenses da pedagogia da infncia o tempo e as interaces-----------------------------

    7.1.1 O tempo educacional--------------------------------------------------------------------------

    7.1.1.1 A aco da criana na construo do conhecimento----------------------------------

    7.1.1.2 A autonomia e iniciativa----------------------------------------------------------------

    7.1.1.3 A estimulao------------------------------------------------------------------------------

    7.1.1.4 A cooperao e a colaborao entre as crianas e entre as crianas e os adultos--

    7.1.1.5 A partilha de controle entre a criana e o adulto-------------------------------------

    7.1.2 A interaco adulto-criana-------------------------------------------------------------------

    7.1.2.1 A aco da criana na construo do conhecimento----------------------------------

    7.1.2.2 A autonomia e iniciativa----------------------------------------------------------------

    7.1.2.3 A estimulao------------------------------------------------------------------------------

    7.1.2.4 A cooperao e a colaborao entre as crianas e entre as crianas e os adultos--

    7.1.2.5 A partilha de controle entre a criana---------------------------------------------------

    7.2 O envolvimento da criana na tarefa-------------------------------------------------------------

    7.2.1 O envolvimento da criana nos contextos do Curso A e do Curso B-------------------

    7.2.2 O envolvimento da criana nas actividades auto-iniciadas-------------------------------

    7.2.3 O envolvimento da criana nas actividades iniciadas pela educadora------------------

    7.3 As entrevistas----------------------------------------------------------------------------------------

    7.3.1 Os contributos da formao especializada---------------------------------------------------

    7.3.2 Fundamentao das prticas-------------------------------------------------------------------

    8. Concluses gerais desta investigao------------------------------------------------------------------

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  • REFERNCIAS BIBLOGRFICAS---------------------------------------------------------------------

    ANEXO A O PIP Perfil de Implementao do Programa---------------------------------------

    ANEXO B A Ficha de Observao das Oportunidades Educativas da Criana----------------

    ANEXO C O guio da entrevista-----------------------------------------------------------------------

    ANEXO D A transcrio de uma entrevista----------------------------------------------------------

    NDICE DE QUADROS

    QUADRO n1 Caractersticas dos estudos qualitativos---------------------------------------------

    QUADRO n2 Mdias da dimenso organizao do tempo por curso----------------------------

    QUADRO n3 - Mdias da dimenso organizao do tempo por grupo----------------------------

    QUADRO n4 Mdias da interaco adulto-criana por curso-------------------------------------

    QUADRO n 5 Mdias da interaco adulto-criana po grupo------------------------------------

    QUADRO n 6 Mdias do envolvimento por curso--------------------------------------------------

    QUADRO n 7 Mdias do envolvimento por grupo-------------------------------------------------

    QUADRO n 8 Envolvimento nas actividades auto-iniciadas no Curso A e no Curso B------.

    QUADRO n 9 - Envolvimento por grupo nas actividades auto-iniciadas-------------------------

    QUADRO n 10 - Envolvimento nas actividades iniciadas pela educadora no Curso A e

    no Curso B------------------------------------------------------------------------------

    QUADRO n 11- Envolvimento por grupo nas actividades iniciadas pela educadora------------

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  • INTRODUO

    Esta investigao visa compreender os efeitos de dois cursos de formao

    especializada no desenvolvimento profissional dos professores e nas aprendizagens das

    crianas.

    Para realizar este objectivo mais amplo do estudo utiliza-se a fundamentao

    terica como fonte reflexiva sobre questes centrais da formao e a investigao

    emprica como forma de acesso compreenso do impacto dos cursos junto dos

    professores e junto das crianas. Cabe, portanto, articular o percurso terico realizado, o

    percurso emprico desenvolvido e esclarecer a interdependncia destes dois percursos

    para finalmente chegar s concluses centrais do estudo.

    No que se refere ao percurso terico utiliza-se a conceptualizao de Zeichner

    (1997) sobre as tradies curriculares da formao que tem sido amplamente utilizada

    na literatura da rea, numa primeira aproximao temtica especfica da tese. De facto,

    no se utilizam as tradies de forma descontextualizada mas, antes se procura

    compreender a relevncia desta teorizao para a formao de educadoras1 de infncia.

    Da utilizao deste recurso terico e genrico passou-se compreenso de perspectivas

    especficas de formao de educadoras (ponto 2). Para realizar este objectivo

    escolheram-se cinco projectos de formao de educao de infncia que tm em comum

    uma caracterstica a sua preocupao com a qualidade dos profissionais que trabalham

    com as crianas, sabendo que a investigao salienta a formao dos profissionais como

    uma das variveis centrais para a qualidade da educao de infncia (pontos 2.1 a 2.5).

    O que de comum existe em todos estes projectos, (que so reputados como projectos de

    qualidade) a formao de longo prazo, referida aos problemas do quotidiano,

    sustentada na formao terica com disponibilizao de sistemas de apoio. A escolha

    destes cinco projectos revelou-se profcua para a construo terica.

    O terceiro ponto entra na compreenso especfica da formao contnua na

    medida em que os cursos avaliados se situam no mbito da formao contnua. A

    utilizao dessa literatura salienta a formao como processo de ciclo de vida como

    rersposta s exigncias da sociedade plural, sociedade da informao, a uma escola em

    constantes mudanas.

    1 Optou-se pela utilizao da expresso no feminino dada a feminizao da profisso.

    1

  • A segunda parte do ponto 3 refere-se formao especializada na medida em

    que os cursos de formao especializada se situam num mbito muito especfico da

    formao contnua o da formao especializada - e referem-se a essa formao tal

    como desenvolvida no ento CEFOPE da Universidade do Minho. De facto, os dois

    cursos estudados desenvolvem-se nesta instituio.

    A anlise feita nesta seco salienta a importncia da formao especializada

    entendida num paradigma reflexivo e crtico e no numa mera perspectiva tcnica.

    Salienta, contudo, a importncia da formao tcnica.

    O ponto 3.3 concentra-se na compreenso da formao em contexto na medida

    que um dos cursos estudados desenvolve uma perspectiva de formao contnua

    especializada como resposta aos problemas prticos que a profisso encontra nos

    contextos do seu exerccio. A anlise de literatura usada nesta seco revela a

    necessidade da formao ser sensvel e responder aos problemas do quotidiano

    profissional, como forma mais eficaz de garantir que a formao promova o

    desenvolvimento profissional e este sirva as aprendizagens das crianas (Oliveira-

    Formosinho, 1998, 2004).

    Da totalidade deste percurso releva uma ligao incontornvel entre a teoria de

    formao de educadoras e a pedagogia da infncia. Por vrias vias este percurso

    esclarece sobre a necessidade de, quando se iniciam processos de formao, ter em

    conta o mbito especfico da aco profissional da educadora. Este mbito especfico

    remete para a pedagogia da infncia. desta forma que a ltima parte desta seco de

    anlise terica se centra em dois expoentes da pedagogia da infncia Dewey e Freinet

    cuja teorizao reconhecida internacionalmente como de grande actualidade.

    A herana cultural pedaggica que data dos finais do sculo XIX vasta, rica,

    complexa, plural. No est no objectivo desta tese fazer a sua reviso. Outras fontes

    existem para o fazer. Est, contudo, no mbito desta tese e no contexto do projecto em

    que ela se insere, sublinhar a indissociabilidade da formao do adulto e a pedagogia da

    infncia. Para cumprir este objectivo, esta investigao recorre-se de dois pedagogos

    que se notabilizaram na rea e cuja mais valia tem sido continuamente reconhecida.

    Um, Dewey, que creditado como o maior pedagogo americano e um dos maiores

    universalmente falando. Outro, Freinet, que dispe de uma actualidade renovada no

    movimento que inspirou e cuja coluna vertebral se continua a centrar no seu

    pensamento e propostas prticas, refere-se o Movimento da Escola Moderna (MEM). A

    razo desta seleco no arbitrria. Os anos de pertena da investigadora ao Projecto

    2

  • Infncia (Oliveira-Formosinho, 1998) e Associao Criana (Oliveira-Formosinho e

    Formosinho, 2001) tm sido um locus de redescoberta dos pilares da pedagogia, sendo

    que estes dois pedagogos se revelaram uma fonte inesgotvel para a compreenso dos

    dados que a presente investigao recolheu.

    Assim, reconhecendo muitas outras possobilidades de escolha para a

    compreenso da relao da teoria de formao de educadoras com a pedagogia da

    infncia, assume-se a particular relevncia destas duas perspectivas pedaggicas para a

    compreenso do largo volume de dados empricos que esta investigao recolheu.

    A arquitectura terica apresentada sustenta a investigao de dois cursos de

    formao contnua especializada. So, assim, seleccionados dois cursos de formao

    especializada (CESE) promovidos pelo ex-CEFOPE e pelo IEC da Universidade do

    Minho para serem investigados no decurso do presente estudo de caso.

    A segunda parte do estudo apresenta a opo metodolgica usada e descreve o

    estudo de caso efectuado. Este estudo de caso, de natureza qualitativa e avaliativa, tem

    como principais objectivos descrever e compreender duas perspectivas de formao

    especializada, compreender os contributos da formao especializada para o

    desenvolvimento profissional das educadoras, analisado atravs da qualidade do

    contexto educativo, compreender a relao entre a qualidade dos contextos educativos e

    as aprendizagens das crianas.

    Para cumprir estes objectivos, como referido, selecionaram-se dois cursos de

    formao especializada (CESE) do ex-CEFOPE e do IEC e constituiu-se o grupo da

    investigao que integra um total de quarenta educadoras. Para conduzir o estudo

    emprico utiliza-se, ao nvel do contexto educacional, o PIP - Perfil de Implementao

    do Programa (High/Scope Educational Research Foundation, 1989) que permite

    avaliar a qualidade das dimenses pedaggicas: espao; tempo; interao adulto-criana

    e interaco adulto-adulto. Ao nvel das aprendizagens das crianas a Ficha de

    Observao das Oportunidades Educativas da Criana (Pascal e Bertram, 1999)2.

    Foram, ainda, realizadas entrevistas s educadoras que permitiram auscultar as suas

    percepes sobre os contributos da formao contnua especializada para a construo

    dos contextos educacionais.

    2 As observaes so conduzidas pela investigadora que teve formao e treino nestas escalas e as tem usado, extensivamente, no mbito da formao inicial e contnua em contexto

    3

  • Apresentam-se e analisam-se os dados obtidos atravs dos referidos

    instrumentos. A anlise e interpretao dos dados, sustenta-se nos pressupostos tericos

    e propostas pedaggicas de Dewey e Freinet. Como caracterstico da investigao

    qualitativa, a interpretao dos dados vai sugerindo a extraco de concluses que,

    portanto, se desenvolvem ao longo de todo o estudo emprico. No obstante, termina-se

    com um conjunto de concluses de natureza meta-reflexiva que informam quer sobre

    questes da pedagogia da infncia quer sobre questes da teoria de formao de

    professores e sua mtua relao.

    4

  • PRIMEIRA PARTE A FORMAO DE PROFESSORES

    Introduo

    A formao de professores e educadoras de infncia uma componente central

    do processo de desenvolvimento profissional. A investigao salienta que s as prticas

    de educao de infncia de qualidade tm impacto, a curto e longo prazo, no sucesso

    educativo e na vida da criana (Schweinhart e Weikart, 1997; Schweinhart, Montie,

    Xiang, Barnett, Belfield e Nores, 2005). Salienta, tambm, que a formao um dos

    factores de promoo das prticas de qualidade. Nesta perspectiva, a formao dos

    professores de crianas pequenas revela-se de extrema importncia no desenvolvimento

    do contexto educacional.

    Neste captulo, pretende-se analisar a formao de professores e educadoras

    perspectivando-a como um processo de desenvolvimento profissional para a

    reconstruo da pedagogia da infncia. Analisam-se os contributos de vrias tradies

    de formao de professores (Liston e Zeichner, 1997) procurando compreender a sua

    relevncia para a formao de educadoras. Apresentam-se cinco projectos de formao

    de educadoras o Projecto Infncia (Oliveira-Formosinho, 1998), o Projecto de Pen

    Green (Whalley, 2001), o modelo curricular High/Scope (Hohmann e Weikart, 1997), o

    modelo do Movimento da Escola Moderna Portuguesa (MEM) (Niza, 1996) e o modelo

    curricular de Reggio Emilia (Malaguzzi, 1998), que perspectivam a formao como um

    processo contnuo, referido ao contexto e teoricamente sustentado. Discutem-se os

    contributos da formao contnua e suas modalidades para o desenvolvimento

    profissional das educadoras e para o desenvolvimento de prticas de qualidade na

    educao de infncia. Este estudo visa aprofundar e reflectir o conceito de formao

    contnua, o seu papel no desenvolvimento profissional ao longo do ciclo de vida e o seu

    enquadramento no sistema educacional portugus. Conceptualiza-se a formao

    especializada e a formao em contexto como duas modalidades de formao contnua,

    reconhecendo que tm especificidades prprias, embora ambas constituam uma

    modalidade de formao para os professores e educadoras, dotados de formao inicial

    profissional, visando o aperfeioamento pessoal e profissional. Desta anlise da

    formao de educadoras emerge a sua ligao pedagogia da infncia. A ltima parte

    deste captulo analisa as teorias e as propostas pedaggicas de dois pedagogos do sculo

    5

  • XX Dewey e Freinet que constituem um contributo de enorme relevncia para a

    pedagogia da infncia.

    1. As tradies da formao

    As sociedades, ao longo do tempo, tm passado por diferentes etapas num

    processo evolutivo que se tem acompanhado de diferentes revolues tecnolgicas:

    agrcola, industrial, ps-industrial e da informao. Estes processos de transformao

    constante produziram mudanas a vrios nveis: na organizao da sociedade; no

    trabalho; nas relaes e comunicaes interpessoais; nos processos de ensino e

    aprendizagem (Dalin e Rust, 1996, citados por Marcelo Garcia, 1999). As constantes

    mudanas operadas nas sociedades reflectem-se nas situaes que se colocam s

    crianas e aos seus professores (Hargreaves, 1998; Day, 2001) e requerem uma

    conceptualizao da formao como um processo permanente e constante, que comea

    com a formao inicial e se perptua ao longo da vida profissional. Chapman e Aspin

    (2001), editores do International Handbook of Lifelong Learning, salientam a

    necessidade de transformao dos sistemas educativos actuais com vista a acompanhar

    os novos desafios da sociedade do conhecimento e da informao, o que remete para

    uma perspectiva de formao ao longo do ciclo de vida. Esta sociedade emergente

    caracteriza-se pelo fcil acesso informao e capacidade de a utilizar

    adequadamente, isto , de criar conhecimento. Nesta perspectiva, vrios so os desafios

    que se impem organizao social nas suas vrias dimenses, designadamente s

    instituies educativas, ao papel social e profissional dos professores e educadoras,

    assim como dos alunos. Uma das caractersticas desta sociedade a exigncia constante

    de mudana, fazendo com que os indivduos passem grande parte da sua vida num

    processo constante de aprendizagem, de forma a responder a estes desafios. Torna-se

    assim necessrio adquirir uma srie de capacidades para aprender uma srie de

    conhecimentos e reaprender outros, em funo das novas exigncias sociais e dos novos

    conhecimentos que se vo construindo. Este novo modelo de sociedade sugere uma

    aprendizagem permanente e realizada de forma contnua, com o propsito de melhorar

    as qualificaes, os conhecimentos e as atitudes.

    O Relatrio Mundial da Educao sublinha o papel crucial dos professores como

    agentes de mudana e advoga a importncia de um investimento na formao e no

    6

  • desenvolvimento profissional continuado, que se apresentam como um indicador crtico

    da qualidade que se procura (UNESCO, 1998).

    A formao de professores constitui um importante recurso dos sistemas

    escolares e educacionais para promover as reformas e as transformaes clamadas por

    uma sociedade em constante mudana (Day, 2001; Escudero, 1998; Flores, 2003;

    Nvoa, 1992). Neste sentido, a formao de professores conceptualizada como um

    processo de formao ao longo do ciclo de vida (Oliveira-Formosinho, 1998; 2001;

    Perrenoud, 1993) e contribui para a melhoria da qualidade da sociedade.

    O conceito de formao de professores um conceito complexo e apresenta

    vrias definies. De facto, diferentes autores tm tratado o conceito de formao de

    professores, enfatizando diversas componentes e dimenses que conduzem a diferentes

    perspectivas. Algumas acentuam o carcter individual da formao como um processo

    para adquirir ou aperfeioar capacidades (Ferry, 1991), enquanto outras enfatizam o seu

    carcter colaborativo (Marcelo Garcia, 1999).

    A anlise de diferentes tradies de formao de professores contribui para uma

    compreenso do papel do professor e das competncias profissionais que lhe so

    requeridas.

    1.1 As tradies de formao na perspectiva de Zeichner

    A conceptualizao de Zeichner, no que se refere s tradies curriculares de

    formao de professores constitui um importante contributo na compreenso de

    perspectivas especficas de formao de educadoras.

    Ao longo da histria da formao de professores tm surgido vrios programas e

    modelos que reflectem diferentes compreenses do que o professor e do seu papel no

    mbito das prticas educacionais. Para uma melhor compreenso dos objectivos

    educacionais dos programas de formao torna-se necessrio analisar os pressupostos

    conceptuais e epistemolgicos que subjazem s diferentes perspectivas que os

    fundamentam. Segundo Feiman-Nemser (1990) necessria uma anlise aprofundada

    dos vrios modelos e programas de formao para compreender as abordagens

    pedaggicas e as relaes sociais que os orientam, ou seja, o que que as formaes de

    professores fazem e como fazem (Zeicnher, 1993, p.52).

    Neste sentido, assumem uma substancial importncia os trabalhos de Liston e

    Zeichner (1997) que analisam as tendncias da formao de professores no contexto da

    7

  • sociedade americana no sculo XX. Identificam quatro tradies de formao de

    professores: a tradio acadmica; a tradio da eficincia social; a tradio

    desenvolvimentista e a tradio da reconstruo social.

    Cada tradio apresenta uma concepo de escola e sociedade que emerge do

    contexto histrico, social e educacional vigentes (Zeicnher e Tabachnich, 1991). Os

    diversos programas de formao existentes reflectem, com maior ou menor focalizao,

    os elementos presentes em cada tradio. A anlise das tradies permite a compreenso

    da multiplicidade de factores presente em cada programa de formao e a lgica e

    fundamentos subjacentes.

    1.1.1 A tradio acadmica

    A formao nesta tradio enfatiza a especializao dos professores em

    contedos especficos a ensinar a matria objecto de estudo - e adopta a transmisso

    de conhecimentos como estratgia privilegiada de ensino.

    Numa fase inicial, considera-se que a formao de professores deve incidir numa

    formao clssica em letras ou cincias sendo, posteriormente, complementada com

    experincias de prticas realizadas num contexto escolar (Liston e Zeichner, 1997;

    Zeichner, 1993). Esta perspectiva alvo de vrias crticas que tendem a salientar a baixa

    qualidade intelectual dos cursos de formao de professores. Flexner (1930, citado por

    Liston e Zeichner, 1997), um dos primeiros crticos desta tradio, critica a

    superficialidade intelectual dos cursos de formao, os professores das cincias da

    educao e os alunos, pelos limitados recursos intelectuais. Considera as disciplinas das

    cincias da educao pouco relevantes, excepo da filosofia da educao e dos

    estudos comparativos sobre o ensino, fundamentais para a formao dos professores.

    Salienta a necessidade de formao e o domnio numa disciplina, considerando este

    aspecto o mais relevante na formao de professores (Liston e Zeicnher, 1997). A

    formao privilegia, assim, o estudo aprofundado em matrias especficas que resulta

    em conhecimento especializado a transmitir aos alunos nos contextos educacionais e

    acentua o papel do professor como especialista de uma disciplina.

    Esta nfase inicial, que coloca o foco no professor especialista, sofre diversas

    crticas e as escolas, faculdades e departamentos dedicados formao de professores

    so criticados por esquecerem o facto de que o bom professor o que domina a

    especificidade das matrias a ensinar, mas tambm o modo de as ensinar.

    8

  • Neste mbito, vo surgindo outras crticas a esta tradio. Martin (1987, citado

    por Zeichner, 1993) crtica a nfase platnica desta formao que acentua o esprito e

    no a cabea, o pensamento e no a aco, a razo e no a emoo. Shulman (1987),

    outro crtico desta tradio, adverte que os contedos de ensino no so, por si s,

    suficientes, sendo necessrio que os professores os transformem face compreenso dos

    alunos (Liston e Zeichner, 1997). Salienta-se, ainda, uma outra crtica que afirma que

    esta tradio sofre de um bias cultural. Isto , critica-se a nfase dada a uma

    orientao curricular ocidental, branca e de classe mdia, que conduziu a uma ausncia

    de perspectivas no ocidentais e multiculturais na formao de professores (Liston e

    Zeichner, 1997)). Como resposta a esta tendncia elitista na formao assiste-se, na

    dcada 90, a uma tentativa acentuada de integrar perspectivas multiculturais na

    formao e preparao dos professores para ensinarem em escolas de estudantes pobres

    e de cor (Zeichner e Hoeft, 1996).

    A reflexo como uma dimenso do ensino surge, nesta tradio, atravs dos

    trabalhos de Shulman (1986; 1987) que advoga a construo de um conhecimento

    pedaggico como central na educao formal dos professores. Segundo Shulman

    (1987), o conhecimento pedaggico implica a organizao e estruturao dos contedos,

    questes ou problemas de forma a favorecer a compreenso dos alunos. A adequao

    dos contedos e das metodologias de ensino s necessidades dos alunos requer uma

    atitude reflexiva do professor.

    1.1.2 A tradio da eficincia social

    A orientao behaviorista, presente nesta tradio, acentua a natureza cientfica

    do ensino e conceptualiza o professor como um tcnico que implementa directrizes e

    orientaes prescritas por outros. Esta tradio surge no interior das escolas e

    departamentos da educao, como forma de legitimar os cientistas da educao

    (Liston e Zeichner, 1997; Zeichner, 1993). Desenvolve-se a crena que possvel

    construir um conhecimento base (knowledge base) a partir do qual se desenvolve o

    currculo de formao de professores (Zeichner e Tabachnich, 1991). Este

    conhecimento base, parte da investigao das cincias da educao e valoriza a

    aquisio de um conjunto de competncias e capacidades especficas e observveis

    consideradas centrais para o ensino. Acentua-se, assim, a aquisio de capacidades

    observveis de ensino.

    9

  • Esta perspectiva amplamente desenvolvida nas dcadas de 60 e 70 e leva ao

    aparecimento da Competency/Performance-Based Teacher cuja influncia se manifesta

    na formao de professores. As capacidades requeridas aos professores para um bom

    desempenho profissional e uma boa aprendizagem dos alunos so previamente definidas

    e centram-se em competncias especficas e claramente observveis. O desempenho

    nessas competncias considerado a medida mais importante para a competncia no

    ensino e os sistemas de avaliao devem controlar essas competncias. Surge, assim, no

    mbito dos programas que seguem esta tradio, um sistema de ensino, gesto e

    avaliao para supervisionar o domnio dos alunos nas competncias especficas

    previamente estabelecidas (Liston e Zeichner, 1997).

    Neste mbito, surge o micro ensino como um meio importante para ensinar, de

    forma sistemtica, aos alunos dos cursos de formao, as competncias requeridas ao

    bom professor. Dentro desta perspectiva, so desenvolvidos e ganham grande relevncia

    os mini cursos que, para alm do micro ensino, incluem leituras e visionamento de

    filmes em torno de reas consideras relevantes para o ensino. Um exemplo no mbito da

    educao infantil refere-se relao entre aprendizagem individual e o dilogo em

    pequeno grupo (Borg, 1970, citado por Liston e Zeichner, 1997).

    Esta orientao behaviorista gera grande controvrsia na comunidade dos

    formadores de professores e o principal alvo das crticas a orientao geral e a

    validade emprica da base de conhecimentos que fundamentam os currculos de

    formao de professores. Esta crtica , em especial, salientada por autores da

    perspectiva humanista que advertem para o facto de, ao estabelecer previamente as

    competncias e as condutas, no envolver os professores no processo de anlise e

    reflexo em torno das suas prprias aces, condicionando, assim, a possibilidade de

    desenvolvimento profissional. Outras crticas feitas a esta tradio prendem-se com as

    tendncias polticas conservadoras associadas a estes programas (Liston e Zeichner,

    1997).

    Apesar destas crticas, segundo Zeichner (1993) esta tradio, que considera o

    professor como tcnico, est, ainda, presente nos programas de formao de professores

    nos E.U.A. No entanto, alguns dos seus dispositivos iniciais, como por exemplo o micro

    ensino, quase desapareceram e foram desenvolvidos outros dispositivos que se

    aproximam mais da orientao cognitiva que se evidencia mais amplamente nas

    perspectivas actuais da tradio da eficincia social. Esta nova tendncia integra uma

    viso tcnica e uma viso deliberativa nos programas de formao de professores. A

    10

  • viso tcnica inclui as competncias dos professores que a investigao demonstrou

    estarem relacionadas com o sucesso dos alunos. A viso deliberativa favorece a tomada

    de deciso dos professores na resoluo dos problemas, utilizando os conhecimentos e a

    informao proporcionados pelos dados da investigao Feiman-Nemser (1990).

    Zeichner (1997) cita o programa de Cruickshank (1987) como um exemplo de ensino

    reflexivo.

    1.1.3 A tradio desenvolvimentista

    A tradio desenvolvimentista acentua o conhecimento das caractersticas

    desenvolvimentais dos alunos como base para determinar o que se deve ensinar quer aos

    alunos quer aos professores (Kliebard, 1986, citado por Liston e Zeichner, 1997).

    Atravs da investigao, que observa e descreve os comportamentos das crianas nas

    vrias etapas, possvel identificar as caractersticas desenvolvimentais dos alunos e,

    esta informao contribui quer para o desenvolvimento do currculo de formao de

    professores quer para o desenvolvimento do currculo escolar. Assim, as teorias do

    desenvolvimento cognitivo e moral da criana e do adulto constituem a base para a

    formao dos alunos e dos professores.

    Nesta tradio, surgem vrias metforas para entender o professor: o naturalista,

    o artista e o investigador. Estas metforas esto associadas a uma fase inicial da tradio

    progressiva e desenvolvimentista (Perrone, 1989, citado por Liston e Zeichner, 1997).

    A metfora do professor naturalista acentua que a principal tarefa do professor

    observar a ordem natural do desenvolvimento dos alunos. Uma das tarefas centrais do

    professor observar e descrever o comportamento do aluno e interpretar essas

    observaes. Isto, exige do professor desenvolvimentista o domnio de competncias e

    tcnicas de observao e o conhecimento dos quadros tericos da psicologia do

    desenvolvimento que lhe permitem ler e interpretar as observaes. A informao

    recolhida atravs da observao permite aos professores adequar as estratgias e

    actividades aos interesses e necessidades dos alunos. Ser bom observador , desta

    forma, uma caracterstica chave do professor desta tradio (Perrone, 1989, citado por

    Liston e Zeichner, 1997), pois constitui o suporte para uma planificao educacional

    desenvolvimentalmente adequada.

    O professor considerado um artista porque domina um quadro terico de

    conhecimentos em torno da psicologia do desenvolvimento e organiza um ambiente

    11

  • educacional rico e estimulante em experincias de aprendizagem activas e criativas. Isto

    requer do professor uma aprendizagem contnua atravs da participao em experincias

    de dana, teatro, escrita, pintura, narrao de histrias, etc., o que promove o

    desenvolvimento de uma atitude de abertura de esprito, criatividade e interrogao.

    A metfora do professor investigador acentua a importncia de manter uma

    constante atitude de experimentao e reflexo relativamente prtica. Estudar a

    aprendizagem e o desenvolvimento da criana, no mbito da prtica, uma tarefa

    central do professor, o que requer um conjunto de saberes em torno da aco,

    observao, anlise e reflexo. Os futuros professores devem ser introduzidos, pelos

    seus formadores, neste processo de investigao permanente (Zeichner, 1993).

    Podem considerar-se dois momentos de forte influncia desta tradio ao longo

    do sculo XX. Um primeiro momento surge, na viragem do sculo, com as teorias de

    Dewey e Stanley Hall. De facto, os programas de formao que se inscrevem nesta

    tradio so fortemente influenciados pelas ideias de Dewey (1952; 1971), que advoga

    que o principal objectivo da educao criar as condies necessrias para o

    desenvolvimento de competncias de investigao junto dos alunos que lhes permitam

    participar de forma activa na reconstruo da sua prpria experincia. Um segundo

    momento de grande influncia desta tradio situa-se nos anos 60 e 70 com o

    movimento de renovao pedaggica que evoca a centralidade do aluno no processo de

    ensino e aprendizagem. Este movimento fortemente influenciado pelos estudos

    empricos da psicologia do desenvolvimento.

    Uma outra linha desenvolvimentista acentua o papel da escola e da formao de

    professores na reconstruo e no progresso sociais.

    1.1.4 A tradio da reconstruo social

    No mbito desta tradio a escolarizao e a formao de professores so

    elementos centrais na construo de uma sociedade mais justa e equitativa, acentuando,

    assim, o carcter da escola como elemento de progresso e reconstruo social (Liston e

    Zeichner, 1997).

    Kliebard (1986) faz uma anlise da histria da evoluo do currculo nos E.U.A.

    e salienta que o desenvolvimento desta tradio foi impulsionado pelo

    descontentamento com o sistema econmico e social das dcadas de 20 e 30 e pela

    12

  • crena do poder da escolaridade como elemento transformador da sociedade para a

    criao da justia social.

    Esta tradio assume que a escola, em conjugao com outras foras

    progressistas, tem um papel central na planificao e reconstruo inteligente da ordem

    econmica e social, que consistiria numa distribuio mais justa e equitativa da riqueza

    da nao e onde o bem comum se sobrepusesse ao benefcio individual (Liston e

    Zeichner, 1997, p.52). Para que a escola se assuma como instituio social, com poder

    para reconstruir a sociedade, necessrio formar os professores para estes

    compreenderem os problemas sociais, econmicos e polticos e, assim, promoverem a

    formao de cidados crticos e empenhados na procura de solues para os problemas

    sociais. Neste sentido, Kilpatrick afirmava que a educao consistia em preparar as

    pessoas para uma participao inteligente na gesto das condies segundo as quais

    vivero, levando-os a compreender as foras em que elas actuam, e equip-las com

    ferramentas intelectuais e prticas que lhes permitiro influenciar o rumo dos

    acontecimentos (1933, citado por Liston e Zeichner, 1997, p.52).

    Estas perspectivas levaram a uma polmica pertinente que questionava se os

    professores e os formadores deveriam doutrinar deliberadamente os alunos nos valores

    socialistas e no bem comum ou, em alternativa, basear-se no experimentalismo e na

    investigao reflexiva para promover a melhoria da sociedade atravs da formao de

    cidados crticos e reflexivos (Liston e Zeichner, 1997). Esta tenso entre

    endoutrinamento e promoo de um pensamento crtico e reflexivo uma caracterstica

    desta tradio. Os defensores de ambas as perspectivas defendem que para os

    professores assumirem um papel na reconstruo inteligente da sociedade necessrio

    reconstruir a formao dos professores. Dentro desta perspectiva, destacam-se os

    trabalhos de Dewey e Kilpatrick, considerados educadores de fronteira que criticavam

    a formao tradicional dos professores devido nfase tcnica afastada da considerao

    de objectivos mais amplos e reclamavam uma formao dos professores que apoiasse os

    futuros docentes no desenvolvimento de uma filosofia social e educativa adequada a

    uma nova perspectiva social. Neste sentido, salientam a necessidade de promover o

    desenvolvimento da capacidade reflexiva dos professores face escolarizao e

    sociedade (Liston e Zeichner, 1997).

    A tradio da reconstruo social teve outras manifestaes mais ligadas

    Consecuo Curricular quer no que se refere aos contedos do currculo quer no que se

    refere natureza da relao professor-aluno. Estas manifestaes visavam a alterao

    13

  • das desigualdades sociais e procuravam uma melhoria das condies educacionais das

    crianas mais desfavorecidas economicamente.

    Embora exista uma heterogeneidade nos programas de formao que se

    inscrevem nesta perspectiva, perpassa em todos eles a ideia de que crucial apoiar os

    professores na compreenso das implicaes sociais e polticas das suas aces e dos

    contextos educacionais que constroem, para favorecer a mudana social atravs da

    formao de cidados crticos, reflexivos e politicamente activos.

    1.1.5 A utilizao das tradies no mbito da educao de infncia

    A anlise das tradies da formao de professores, embora feita

    predominantemente no mbito de professores de crianas mais velhas, revela-se til

    para analisar a formao das educadoras de infncia. A formao de educadoras em

    Portugal insere-se no mbito da formao geral de professores, reconhecendo um perfil

    de competncias comum, que transversal a todos os nveis de ensino, e um perfil de

    competncias especfico para o desempenho da profisso (2001).3 Os cursos de

    educao de infncia tm sido marcados pelas tendncias da formao de professores

    vigentes, as quais se repercutem ao nvel do seu desempenho profissional. Assim, a

    anlise das tradies da formao de professores apresentada por Liston e Zeichner

    (1997) contribui quer para a compreenso da formao das educadoras quer para a

    compreenso das pedagogias que praticam.

    As tradies apresentadas por Liston e Zeichner (1997) tm expresso em vrios

    modelos e abordagens de educao de infncia. Os modelos transmissivos de educao

    de infncia constituem expresses das primeiras tradies apresentadas a tradio

    acadmica e a tradio da eficincia social. Segundo Oliveira-Formosinho, nos modelos

    transmissivos, a educadora assume um papel de transmissora de conhecimentos

    orientando-se por objectivos que visam a aquisio de capacidades acadmicas, a

    acelerao das aprendizagens e a compensao dos dfices. Os contedos do que se

    ensina centram-se nas capacidades pr-acadmicas, na persistncia e na linguagem do

    adulto (Oliveira-Formosinho, 1998; 2002a). So exemplos desta tradio, entre outros,

    3 Em Portugal o perfil geral do professor e o perfil especfico da educadora de infncia so regulamentados por decretos-lei: Perfil Geral de Desempenho Profissional do Educador de Infncia e dos Professores dos Ensinos Bsico e Secundrio (Decreto-Lei n 241/2001, de 30 de Agosto); Perfil Especfico de Desempenho Profissional do Educador de Infncia (Decreto-Lei n 241/2001, de 30 de Agosto.

    14

  • os programas DISTAR (Direct Instruction on Arithmetic and Reading) que inclui

    instrues exactas acerca do que deve ser dito nas sesses de instruo, e, o programa

    DARCEEE (Miller e Dyer, 1975) altamente estruturado e academicamente orientado

    (Oliveira-Formosinho, 1998; 2002a; Goffin, 1994).

    A terceira tradio a tradio desenvolvimentista centrada nas teorias do

    desenvolvimento cognitivo e social da criana e do adulto (Oliveira-Formosinho, 1987),

    tem expresso nos modelos interaccionistas e construtivistas de educao de infncia.

    Segundo a mesma autora, o papel da educadora requer competncias de observao e

    avaliao da criana para planificar e organizar um contexto educacional que se adeque

    s caractersticas desenvolvimentais da criana e, assim, promover a aprendizagem e o

    desenvolvimento. A educadora vista como facilitadora das aprendizagens que orienta

    a aco educativa com base em objectivos que visam promover o desenvolvimento,

    estruturar a experincia, construir as aprendizagens, dar significado experincia e

    actuar com confiana. Nesta perspectiva, os contedos organizam-se em torno das

    estruturas e esquemas internos, do conhecimento fsico, lgico, matemtico e social e

    dos instrumentos internos culturais (Oliveira-Formosinho, 1998; 2002a). A primeira

    fase do modelo curricular High/Scope (Hohmann e Weikart, 1997), na qual o currculo

    se desenvolve a partir de uma interpretao e aplicao literal da teoria piagetiana,

    constitui um exemplo de um programa para a educao de infncia desta tradio.

    A quarta tradio a tradio da reconstruo social reconhece a centralidade

    de algumas das teorias construtivistas e interaccionistas para o processo de ensino e

    aprendizagem e salienta o carcter da escola como elemento de progresso e

    reconstruo social. Nesta tradio, o construtivismo, a epistemologia, as preocupaes

    com a justia social e os direitos das crianas e dos professores constituem a base para a

    formao das crianas e das educadoras (Oliveira-Formosinho, 1998). A educadora

    vista, tal como na tradio desenvolvimentista, como um facilitador e promotor das

    aprendizagens das crianas a partir da observao e da informao das teorias do

    desenvolvimento cognitivo e social, e, ainda, como um agente de promoo de uma

    sociedade mais justa e equitativa, atravs da formao de cidados reflexivos e crticos.

    Constituem expresses desta tradio as abordagens desenvolvidas no mbito do

    Projecto Infncia e Associao Criana (Oliveira-Formosinho, 1998; Oliveira-

    Formosinho e Formosinho, 2001), o Projecto de Pen Green (Whalley, 2001) e o modelo

    curricular de Reggio Emilia (Malaguzzi, 1998).

    15

  • 2. Cinco projectos no mbito da educao de infncia: aportes para a

    formao

    Introduo

    A investigao na rea da formao contnua de professores e educadoras

    salienta as vantagens da formao em contexto para o desenvolvimento profissional dos

    docentes, das organizaes onde desempenhem funes e para a aprendizagem das

    crianas (Epstein, 1993; Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001). A formao

    apresenta-se, assim, como uma das variveis centrais da educao de infncia.

    Analisam-se as propostas de formao de cinco projectos o Projecto Infncia

    (Oliveira- Formosinho; 1998); o Projecto de Pen Green (Whalley, 2001); o modelo

    curricular High/Scope (Hohmann e Weikart, 1997); o modelo curricular do Movimento

    da Escola Moderna (MEM) (Niza, 1996); o modelo curricular de Reggio Emilia

    (Malaguzzi, 1998) - que so reputados como projectos de qualidade, e que partilham a

    preocupao com a qualidade dos profissionais.

    2.1 A formao em contexto no mbito do Projecto Infncia

    H quase duas dcadas e no mbito do Projecto Infncia (Oliveira-Formosinho,

    1998) e da Associao Criana (Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001; Oliveira-

    Formosinho, 2002b) Jlia Formosinho tem desenvolvido teorizao, interveno e

    investigao em torno da profisso educadora. No conjunto do seu trabalho

    desenvolve-se a ideia da interactividade entre a formao das educadoras e o

    desenvolvimento profissional contnuo (Oliveira-Formosinho, 1998). Desenvolve-se

    ainda a ideia de que a interactividade entre formao e desenvolvimento profissional das

    educadoras metaorientada, isto , orientada para melhor promover a aprendizagem das

    crianas. Afasta-se portanto de uma perspectiva encerrada na formao e afirma-se a

    formao como estratgia de desenvolvimento profissional, uma e outra, ao servio das

    aprendizagens das crianas (Oliveira-Formosinho, 2001; 2004; 2005).

    O vasto nmero de estudos realizado pela autora e os grupos de investigadores

    que coordena e que integram o Projecto Infncia e Associao Criana tem vindo a

    chamar ateno da formao como caracterstica central na promoo da qualidade

    educativa (Oliveira-Formosinho, 2001; Oliveira-Formosinho e Lino, 2001; Oliveira-

    16

  • Formosinho e Arajo, 2001; Oliveira-Formosinho e Azevedo, 2001) clarificando outra

    cadeia de interaces: a da importncia da educao de infncia de qualidade para os

    anos da infncia (para a vida actual da criana) e para os anos futuros. A infncia um

    perodo muito importante como bero do ser humano, sendo que a educao

    desempenha um papel central cujas consequncias so diferenciadas quando o processo

    educativo dispe de standards de qualidade.

    Uma terceira ideia fora nos trabalhos desta autora (Oliveira-Formosinho, 2002;

    2005?) refere-se ao processo de desenvolvimento da qualidade da formao para o

    desenvolvimento da profisso. Um vasto nmero de investigaes realizadas a este

    nvel (pelos grupos de investigao que coordena) refere-se aos organizadores centrais

    de formao para a profisso. Comeando por discutir os standards da profisso

    (Oliveira-Formosinho, 1981) Jlia Formosinho progride para chamar a ateno que a

    educadora de infncia partilha com os outros professores um perfil que envolve

    aprender ao longo da vida, actuar nas salas de actividades e na organizao, dispor de

    um cdigo deontolgico. Contudo, necessita de desenvolver um perfil de competncia

    tcnica, reflexiva e crtica que se centre na especificidade da profisso educadora. A

    especificidade da profissionalidade da educadora , pela autora, entendida como uma

    que envolve uma abrangncia de papeis, uma multiplicidade de interaces e

    integraes (1998; 2002b) que se acentuam quando os principais autores do processo

    educativo, as crianas, so o ponto de partida e de chegada para esse processo (Oliveira-

    Formosinho, 2005; 2006). Desde h cerca de quinze anos que a investigao,

    interveno e teorizao destas questes tendo sido iluminada por algumas ideias

    centrais: a de que o foco de formao de educadoras deve ser a praxis como locus da

    pedagogia (1995; 1996); que a pedagogia um lugar integrador da teoria, das prticas e

    das crenas; princpios; que a pedagogia da infncia tem uma longa histria que se deve

    ser utilizada na procura de imagem de criana/adulto; adulto/professor; processo de

    aprendizagem/ensino; que estas imagens reconstrudas apelam a ambientes educativos

    que reconstroem as dimenses da praxis (espao, materiais, tempo, interaces,

    observao e avaliao, planificao, actividades, projectos) para que a vivncia

    quotidiana da criana no contexto educativo garanta o direito a participar, construir, co-

    construir, agir; que todo esse processo necessita de procurar na histria da pedagogia as

    gramticas mediadoras que permitem a aco educativa plena de direitos: os das

    crianas, os dos adultos, os dos pais (Oliveira-Formosinho, 2005).

    17

  • Em sntese, a profissionalidade de educadora de infncia desenvolve-se, nesta

    perspectiva, a partir da aco (que integra teoria e crenas) centrada nas dimenses

    incontornveis da vivncia educativa em contexto.

    A anlise do trabalho realizado pela investigadora e suas equipas no mbito do

    Projecto Infncia e Associao Criana, elucida sobre a perspectiva de formao de

    educadoras e desenvolvimento profissional.

    O Projecto Infncia4, iniciado em 1991-92, tem como principal objectivo a

    identificao e contextualizao de modelos pedaggicos de qualidade para a educao

    de infncia e, deste modo, contribuir para o desenvolvimento de prticas educacionais

    de qualidade, melhorando a educao e os cuidados prestados s crianas e suas

    famlias. O projecto tem trs vertentes, a investigao, a formao e a interveno no

    terreno (Oliveira-Formosinho, 1996a).

    A investigao incide, simultaneamente, sobre dois aspectos - os factores de

    qualidade na educao de infncia e os resultados da construo participada da

    qualidade desenvolvida nos centros de educao de infncia que integram o projecto

    (Oliveira-Formosinho, 2001). A nfase na qualidade justifica-se porque s os programas

    de qualidade para a infncia tm impacto duradouro na vida das crianas (Shweinhart e

    Weikart, 1997; Sylva e Wiltshire, 1993; Schweinhart, Montie, Xiang, Barnett, Belfield e

    Nores, 2005).

    As estncias de formao do Projecto Infncia so a formao inicial, atravs de

    um modelo adequado de superviso para o estgio final e atravs de disciplinas

    centradas em contedos especficos no mbito da pedagogia da infncia (Oliveira-

    Formosinho, 1997; 2001), a formao especializada, em currculo, metodologia,

    avaliao e superviso em educao de infncia, a formao ps-graduada (mestrados

    em educao de infncia) que incide nas temticas da formao especializada e a

    formao contnua creditada, num processo continuado e suportado de

    desenvolvimento profissional dos educadores de infncia (e outros profissionais de

    desenvolvimento humano) e dos seus formadores (Oliveira-Formosinho, 2001). A

    formao dos professores universitrios e outros formadores do Projecto Infncia esteve

    sempre presente desde o incio do projecto e materializa-se atravs de seminrios,

    cursos de formao no mbito da pedagogia da infncia, da pedagogia da superviso e

    4 O Projecto Infncia: Contextualizao de Modelos de Qualidade para a Educao de Infncia coordenado por Jlia Oliveira-Formosinho e apoiado pelas Fundaes Aga Khan e Calouste Gulbenkian.

    18

  • em contedos especficos, cursos de formao de formadores, estgios, visitas de

    estudo, leituras e pesquisas.

    A interveno no terreno integra vrias dimenses que contribuem para a

    qualidade na educao de infncia a dimenso curricular (Oliveira-Formosinho,

    1996a; Lino 1996b); a dimenso para a educao sociomoral e para a cidadania

    (Oliveira-Formosinho, 1996b); a dimenso da educao multicultural (Oliveira-

    Formosinho, 1998); a dimenso do envolvimento parental (Oliveira-Formosinho e

    Andrade, 2001). Estas dimenses integram-se num processo geral de desenvolvimento

    profissional (Oliveira-Formosinho, 1998).

    O Projecto Infncia , deste modo, um projecto de natureza ecolgica, porque a

    sua essncia mesossistmica, isto , facilita e produz interaces e interfaces entre os

    diversos actores e as instncias de formao e interveno que integram o projecto a

    teoria, a prtica e as crenas; a formao, a interveno e a pesquisa; o currculo e a

    superviso; a universidade, as escolas e o sistema educativo; as supervisoras

    cooperantes, as supervisoras universitrias e as alunas da formao inicial; a formao

    inicial, a formao contnua/especializada e a formao ps-graduada (Oliveira-

    Formosinho, 1998, 2001).

    Segundo a coordenadora do projecto distinguem-se duas fases na evoluo do

    Projecto Infncia que apresentam importantes mudanas nos contextos sistmicos em

    que o projecto se insere. A primeira fase do projecto decorre de 1991 a 1995 e integra

    vrias vertentes a vertente da interveno no terreno; a vertente da formao inicial (a

    construo de um modelo ecolgico de estgio); a vertente da formao (a formao

    especializada) e a vertente da investigao.

    Assim, em 1992-93 inicia-se a interveno no terreno atravs da

    contextualizao de modelos curriculares para a educao de infncia. O primeiro

    modelo a ser contextualizado o modelo curricular High/Scope, seguido da

    contextualizao do modelo curricular do Movimento da Escola Moderna portuguesa

    (MEM). A contextualizao no terreno concretizada por educadoras em formao no

    Curso de Estudos Superiores Especializados em Educao Infantil e Bsica Inicial5,

    ramo de Metodologia e Superviso em Educao de Infncia, por alunas estagirias dos

    cursos de formao inicial e por outras educadoras que frequentaram cursos de

    formao contnua sobre estes dois modelos curriculares. A interveno permite a

    5 Neste ano este curso correspondia ao Diploma em Estudos Superiores Especializados em Metodologia e Superviso em Educao de Infncia.

    19

  • contextualizao dos modelos curriculares e o desenvolvimento de prticas educativas

    inovadoras em torno de dimenses centrais da pedagogia da infncia educao

    multicultural, envolvimento parental, transio pr-escolar/1 ciclo do ensino bsico,

    entre outras.

    A formao inicial centra-se, principalmente, na construo de um modelo

    ecolgico da prtica pedaggica final do curso de educao de infncia que envolve as

    alunas da formao e as supervisoras do terreno6. Envolve ainda, as alunas na formao

    dos modelos curriculares adoptados para a contextualizao High/Scope e MEM.

    A formao especializada concretiza-se no Curso de Estudos Superiores

    Especializados em Educao Infantil e Bsica Inicial (CESE), Ramo de Metodologia e

    Superviso em Educao de Infncia destinado, exclusivamente, a educadoras de

    infncia. um dos cursos de formao especializada oferecidos pelo ex-CEFOPE e

    actual IEC da Universidade do Minho. Este CESE teve a sua primeira edio em 1991-

    93, a segunda edio em 1993-95, a terceira edio em 1995-97, a quarta em 1997-99 e

    a quinta em 1999-2001, actualmente est como curso de qualificao no novo

    enquadramento legal destes cursos.

    O CESE de Metodologia e Superviso em Educao de Infncia criado para

    responder a um conjunto de necessidades da formao prtica das educadoras,

    identificadas pela coordenadora do Projecto Infncia, atravs duma pesquisa realizada

    em torno dos problemas da superviso e das prticas de educao de infncia. A

    pesquisa realizada em 1990-91 permitiu elencar um conjunto de problemas. Assim, no

    mbito da superviso foram identificadas as seguintes questes: pouco tempo curricular

    dedicado prtica pedaggica; falta de definio dos papis de cada um dos membros

    do tringulo da superviso (supervisora universitria, estagiria, educadora cooperante);

    falta de intencionalidade das prticas; falta de formao especfica para os papis de

    supervisora cooperante e supervisora por parte da universidade; conflitos em torno da

    avaliao final da estagiria. Os problemas em torno da prtica centravam-se num

    espontanaismo/emergentismo, num modismo e num aplicacionismo. Estes problemas

    permitiram extrair trs grandes concluses falta de intencionalidade das prticas

    pedaggicas das educadoras cooperantes; falta de intencionalidade das prticas

    supervisivas das cooperantes e das supervisoras universitrias e falta de preparao de

    6 Para mais informao ver Oliveira-Formosinho, J. (1997). Em direco a um modelo ecolgico de superviso de educadoras de infncia. Inovao, 10 (1), 89-109.

    20

  • todos os membros do tringulo (supervisora universitria, estagiria, educadora

    cooperante) para os papis e funes supervisivas (Oliveira-Formosinho, 2003).

    Neste enquadramento, considerou-se que para reconstruir a formao prtica

    seria necessrio um conjunto alargado de saberes ligados pedagogia da infncia e

    pedagogia da superviso, ancorados numa pedagogia da formao de professores, numa

    pedagogia de formao prtica e na profissionalidade docente (Oliveira-Formosinho,

    2003). Assim, para transformar a pedagogia da superviso foi necessrio transformar a

    pedagogia da formao prtica, o que exigiu a construo de uma equipa mista de

    superviso (universitria e de terreno), a formao dessa equipa em modelos

    pedaggicos para a educao de infncia e em modelos de superviso da formao de

    professores partilhando, deste modo, referenciais tericos comuns (Oliveira-

    Formosinho, 1998; 2002a; 2003).

    Neste mbito, houve a necessidade de criar um projecto, surgindo, assim, o

    Projecto Infncia. Este projecto, um projecto institucional, que parte de uma

    universidade e no apenas um projecto de investigao educacional. Isto, porque houve

    a preocupao de criar um projecto que oferecesse formao creditada no mbito de

    uma especializao, neste caso da especializao em Metodologia e Superviso em

    Educao de Infncia. A preocupao com a creditao no mbito da especializao

    prende-se com o facto de providenciar formao com um estatuto e reconhecimento

    social, no como um fim, mas como um meio.7 As educadoras que frequentam este

    curso ficam com uma especializao no mbito da pedagogia da infncia e na

    superviso de educadoras. esta especializao, no mbito da superviso, que lhes

    confere a creditao como supervisores cooperantes do terreno e no, apenas

    educadoras cooperantes da prtica pedaggica. Neste enquadramento, entende-se a

    Universidade como o espao de identificao de problemas e necessidades, frum de

    recursos, suporte nas decises e motivao para as extenses (Oliveira-Formosinho,

    2001, p.19).

    A formao em pedagogia da infncia e em pedagogia da superviso (pedagogia

    da formao e pedagogia da formao prtica) da equipa do terreno8 (as educadoras de

    infncia cooperantes), concretiza-se atravs do CESE em Metodologia e Superviso em 7 A primeira edio do curso, o Diploma em Estudos Superiores Especializados em Metodologia e Superviso em Educao de Infncia, no tinha consequncias sociais, nomeadamente ao nvel da progresso na carreira. 8 A equipa universitria realizou a sua formao atravs de seminrios, cursos, estgios, participao em congressos, pesquisas, leituras, visitas a contextos de inovao pedaggica, etc. realizados em Portugal e noutros pases. Esta equipa tem estado, permanentemente, envolvida em processos de formao.

    21

  • Educao de Infncia. O CESE tem uma componente de formao generalista e uma

    componente de formao especfica para o desempenho de papis de superviso, quer

    na superviso da formao inicial de educadoras de infncia quer na superviso em

    contexto das educadoras e outros profissionais ligados educao das crianas

    pequenas, como por exemplo as auxiliares de aco educativa. As disciplinas

    especficas centram-se nas reas da interveno educacional, modelos pedaggicos e

    metodologias de educao de infncia e da superviso (Oliveira-Formosinho, 1998).

    A formao oferecida no mbito deste CESE revela uma opo pelas teorias

    scio-construtivistas e ecolgicas, nomeadamente, ao nvel da pedagogia da infncia, da

    pedagogia da superviso e da pedagogia da formao (Oliveira-Formosinho, 1998). A

    opo pelo scio-construtivismo ancora-se na crena de que o conhecimento se constri

    na interaco que o sujeito estabelece com o mundo material e social e reconhece a

    aco do sujeito como central para a construo do conhecimento.

    Assim, no mbito da pedagogia da infncia os modelos curriculares

    seleccionados so o modelo High/Scope, o modelo do Movimento da Escola Moderna

    (MEM), o modelo Reggio Emlia, e a Metodologia de Trabalho de Projecto, que se

    situam numa perspectiva scio-construtivista, fundamentada nas teorias de Piaget,

    Vigotsky, Bruner, Dewey, Freinet, etc. A opo pela formao em modelos e

    metodologias construtivistas para a educao de infncia acentua a opo pelo scio-

    construtivismo como ancoragem para a formao em pedagogia da infncia e reconhece

    o papel central e crucial da criana e do meio social na construo do conhecimento

    (Oliveira-Formosinho, 1998).

    Procura-se adoptar uma perspectiva construtivista na leccionao das disciplinas

    especficas9 do curso que so as ligadas aos modelos pedaggicos e s metodologias de

    educao de infncia, superviso em educao de infncia, observao da criana e

    dos contextos, formao contnua das educadoras de infncia e iniciao ao projecto

    (Oliveira-Formosinho, 1998). A iniciao e orientao do projecto final do CESE

    insere-se, tambm, numa perspectiva construtivista. A realizao do projecto

    proporcionou s educadoras em formao a oportunidade de se envolverem em

    projectos de investigao aco. A investigao aco considerada uma metodologia

    de investigao ou de formao (Lopes da Silva, 1996) e no caso do Projecto Infncia

    um meio para construir o profissionalismo (Oliveira-Formosinho, 1998. p.175).

    9 Estas disciplinas so leccionadas por docentes que so membros ou colaboradores do Projecto Infncia.

    22

  • Nesta primeira fase do projecto, a investigao centra-se na perspectivao

    global dos modelos curriculares, fundamentalmente, nos modelos High/Scope, MEM e

    Reggio Emlia, no que se refere filosofia educacional, teorias da aprendizagem e da

    instruo e epistemologia das prticas (Oliveira-Formosinho, 1996a; Lino, 1996a;

    Parente, 1996).

    Outra dimenso, objecto da investigao, a teoria da formao de professores,

    nomeadamente em torno dos modelos e processos de superviso (Formosinho, 1996a;

    Oliveira-Formosinho, 1997). A preocupao evidenciada centra-se na reflexo sobre o

    papel da formao especializada de professores (Oliveira-Formosinho, 1994). Assim,

    esta vertente de investigao do Projecto Infncia concentra-se em torno dos modelos e

    processos de desenvolvimento profissional das educadoras de infncia (Oliveira-

    Formosinho, 1998).

    As actividades de formao, interveno e investigao desenvolvidas no mbito

    do Projecto Infncia no se tm mantido num ambiente fechado entre a equipa da

    universidade e a equipa do terreno. O Projecto tem contado, desde o seu incio, com a

    colaborao de uma equipa de consultores nacionais e internacionais10, que colaboram

    com a equipa universitria e com a equipa do terreno na construo e desenvolvimento

    de referenciais tericos comuns. A colaborao desta equipa envolve a realizao de

    seminrios e encontros de formao, visitas aos contextos de prticas para observao e

    feedback s educadoras e equipa universitria, encontros para reflexo em torno das

    questes centrais da formao, interveno e investigao do Projecto Infncia, etc. De

    facto, o Projecto Infncia, (e mais tarde a Associao Criana), promove a criao de

    uma rede de interveno e de investigao na aco, de reflexo e de formao que

    integra a equipa universitria, a equipa do terreno, a equipa das estagirias e, por vezes,

    a equipa de consultores nacionais e internacionais que colaboram com o Projecto11. Esta

    rede constituda pelo conjunto de interaces e inter-relaes entre os diversos

    membros que integram o projecto12.

    10O Projecto Infncia tem mantido dilogos com investigadores portugueses: Srgio Niza, Margarida Alves Martins, Joaquim Bairro, Isabel Lopes da Silva, Teresa Vasconcelos, Emlia Nabuco, Cristina Figueira, Isabel CruzO projecto tem, ainda mantido dilogos sistemticos com investigadores internacionais: Miguel Zabalza, Bernard Spodek, Lilian Katz, Kathy Sylva, David Fontana, Mary Hohmann, Christine Pascal, Tony Bertram, Tizzuco Kishismoto, Marggy Whalley; Mnica Pinazza. 11 Esta rede de formao, interveno e investigao foi inicialmente criada atravs das interaces e relaes promovidas pelo Projecto Infncia e tem sido alargada no mbito da aco da Associao Criana. 12 Foram, ainda criadas outras redes e parcerias com projectos de investigao nacionais e internacionais, dos quais se destacam o Projecto EEL, o Projecto Pen Green.

    23

  • Assim, ao nvel da formao das educadoras, destacam-se os encontros

    cientficos e as sesses de formao promovidos no mbito do CESE e que tm como

    principais destinatrios as educadoras em formao especializada e a equipa

    universitria13. Ao nvel da interveno no terreno, salientam-se as visitas aos contextos

    de prticas para observao e estudo e que tm constitudo um importante contributo de

    desenvolvimento profissional para todos os membros do Projecto. Neste mbito, refere-

    se, ainda a frequncia de congressos e encontros cientficos nacionais e internacionais.

    A participao em encontros e a difuso pblica onde a equipa do projecto apresenta

    resultados e se informa sobre novas perspectivas constitui um processo formativo

    importante para os investigadores.

    A criao do Projecto Infncia e, nomeadamente, a criao do CESE possibilitou

    transformar a pedagogia e a superviso prtica dos alunos da formao inicial do curso

    de educao de infncia. A formao realizada no mbito do CESE uma formao

    especfica (no mbito da pedagogia da infncia e da pedagogia da superviso) assumida

    e integrada na prtica da profisso. um curso que reconhece a especificidade da

    profisso educadora de infncia e reconhece o legado cultural da pedagogia e,

    especificamente, da pedagogia da infncia (Oliveira-Formosinho, 1998). De facto, so

    mltiplas as lies aprendidas com os vrios pedagogos da infncia, salientando-se

    Dewey e Freinet pelo legado inestimvel das suas obras e pelo papel crucial que as suas

    teorias e ideias assumem nas prticas de qualidade para a educao de infncia da

    actualidade.

    Assim, com Dewey (1929) redescobre-se a importncia da ligao teoria/prtica,

    da investigao terica/experimentao prtica. Na sua vasta obra, nomeadamente em

    The Sources of a Science of Education (1929), Dewey proclama que a inovao

    cientfica e pedaggica no se realiza apenas ao nvel da teorizao, mas implica uma

    parceria entre a teoria e a prtica, entre os centros acadmicos e os centros de prticas.

    Para o autor a inovao pedaggica s possvel atravs do envolvimento activo dos

    professores, o que implica que estes avancem para um plano de experincias elaboradas,

    reflectidas e fundamentadas teoricamente. Tal significa, que no mbito da formao de

    professores, no suficiente desfilar uma srie de saberes da psicologia, sociologia,

    estatstica, ou outras reas cientficas (Dewey, 1929). Para a construo da cincia

    pedaggica fundamental a reflexo daqueles que esto envolvidos com a prtica

    13 Para mis informao sobre estes encontros e seminrios ver o Relatrio de Actividades do CIFOPE/CEFOPE (Formosinho, 1995) que refere as aces organizadas neste mbito entre 1991 e 1995.

    24

  • educativa, os professores (Pinazza, 2005). S se verifica uma transformao da prtica

    quando se convocam os saberes cientficos e, investigadores e professores, colaboram

    em parcerias na co-construo da cincia pedaggica.

    Tal como Dewey, Freinet (1973c) afirma que s possvel reconstruir a

    pedagogia atravs da formao prtica e as teorias que esto desligadas da prtica no

    tm assento na realidade escolar. Freinet foi um professor primrio, um prtico que,

    descontente com a escola do seu tempo, se dedica ao estudo e reflexo para procurar

    novos mtodos que melhor se adeqem aos interesses e motivaes dos alunos,

    condies que considera chave para o sucesso escolar e para a integrao plena na vida

    comunitria. a reflexo em torno da prtica que conduz Freinet ao desenvolvimento

    de uma proposta pedaggica que permite reconstruir a prtica e, assim modernizar a

    escola no interior da prpria escola (Machado e Arajo, 2005). Para Freinet a reflexo

    sobre a prtica e a reformulao da prtica constituem, simultaneamente o seu objecto e

    objectivo de estudo.

    Desta forma, com o objectivo de reformular e modernizar a escola, Freinet

    empreende uma longa jornada na procura de encontrar e desenvolver novos mtodos de

    ensino e aprendizagem. Esta procura, que uma presena constante ao longo da sua

    vida, leva Freinet a estudar as teorias e ideias dos tericos e pedagogos do seu tempo,

    nomeadamente os pedagogos e tericos da Escola Nova, que o vo influenciar no

    desenvolvimento de uma proposta pedaggica que reconhece a aco da criana como

    central para a construo do conhecimento e o professor como um agente de mudana e

    renovao da prpria escola. Para Freinet (1973c) no possvel modernizar e renovar a

    escola e os seus mtodos sem a constante ligao teoria/prtica e o envolvimento activo

    dos professores nos processos de mudana. Isto implica que o professor da escola

    Freinet adopte uma atitude reflexiva perante o processo de ensino e aprendizagem.

    atravs da reflexo individual, com os pares e com a teoria que a prtica se constri e

    reconstri num processo continuado de desenvolvimento profissional.

    Na linha de pensamento de Dewey e Freinet, para que a formao tenha impacto

    na mudana das prticas e, assim, constitua uma inovao pedaggica necessria uma

    articulao entre as vrias reas da cincia e a sua integrao nos saberes-fazer da

    profisso. A ligao entre a teoria e a prtica, entre os investigadores e os professores do

    terreno, possibilita a recriao da prtica, a inovao educacional e o desenvolvimento

    profissional das educadoras. Desta forma, tambm no Projecto Infncia se assume a

    formao e, especificamente, a formao no mbito do CESE

    25

  • (.) como um processo de autonomizao dos profissionais no terreno,

    isto , como um processo sociopessoal de capacitao, pela aquisio de

    saberes, competncias e prticas e pelo desenvolvimento de capacidades

    crticas () Isto significa que nos envolvemos num processo de

    autonomizao das profissionais permitindo-lhes o acesso a quadros

    tericos partilhados, repensando o significado das prticas e recriando a

    prtica (Oliveira-Formosinho, 2001, p.19).

    Isto tambm significa a assuno de que a formao no pode ser desligada das

    especificidades e dos saberes-fazer da profisso, ou seja, a formao contextual, tem

    uma ligao directa ao contexto de prticas.

    Tal como Dewey, e muitos outros (Zeicnher, 1993; Shn, 1983; Alarco, 2002),

    no Projecto Infncia assume-se que a reflexo crucial para a formao prtica e para a

    construo de uma pedagogia da infncia (Oilveira-Formosinho, 1998). O acesso a

    quadros tericos partilhados possibilita a reflexo sobre as prticas e a sua reconstruo

    num processo co-operado de desenvolvimento profissional que envolve a equipa

    universitria e a equipa do terreno (Oliveira-Formosinho, 1998).

    A segunda fase do Projecto Infncia (1996-2001), revela um desenvolvimento

    do projecto nas diversas instncias que o integram. Ao longo deste tempo procura-se

    responder s necessidades e aos problemas que vo emergindo dos contextos de prticas

    que integram o projecto, o que ultrapassa as necessidades da superviso e incorpora

    desenvolvimentos ao nvel da formao contnua centrada na escola e ao nvel da

    superviso centrada nas prticas do terreno. Esta evoluo acentua a importncia da

    formao em contexto de trabalho e faz emergir as perspectivas ecolgicas na formao,

    na investigao e na interveno educativa no terreno (Oliveira-Formosinho, 2001).

    Este investimento na formao e superviso em contexto de trabalho cria alguns

    problemas ao Projecto Infncia, uma vez que a universidade no rene os recursos

    necessrios para a prossecuo destes novos objectivos14. Assim, a partir de 1996, as

    vertentes da interveno no terreno e da formao em contexto ficam centradas na

    14 Para mais informao ver Oliveira-Formosinho (2001). Do Projecto Infncia Associao Criana: da Formao Escolar Formao em Contexto. In J. Oliveira-Formosinho e J. Formosinho (Orgs.), Associao Criana: Um contexto de formao em contexto. Braga: Livraria Minho.

    26

  • Associao Criana15 e o Projecto Infncia fica mais centrado na vertente da formao

    formal (formao inicial e superviso da prtica pedaggica e formao especializada),

    (Oliveira-Formosinho, 2001).

    No mbito da formao formal, continuam a realizar-se edies do CESE em

    Metodologia e Superviso em Educao de Infncia que, a partir de 1998, com as novas

    mudanas legislativas, reconvertido num curso de qualificao com a designao de

    Curso de Metodologia e Superviso em Educao de Infncia na rea de Qualificao

    de Superviso Pedaggica e Formao de Formadores. Os objectivos e a estrutura do

    curso de qualificao permanecem os mesmos do CESE.

    A realizao de novas edies do CESE e do Curso de Qualificao permite

    formar mais educadoras com especializao em pedagogia da infncia e em pedagogia

    da superviso e, assim, alargar o grupo de supervisoras cooperantes. Este alargamento

    do corpo de supervisoras cooperantes permite, de certa forma, responder s

    necessidades que emergem na formao inicial para a realizao do estgio final do

    curso de educao de infncia. No entanto, apesar do elevado nmero de educadoras

    que completam a formao especializada16, o nmero de supervisoras cooperantes tem-

    se revelado insuficiente para o nmero de alunos a realizar o estgio final. Isto, porque a

    partir do final da dcada de 1990 e primeiros anos do ano 2000 o nmero de alunos a

    frequentar o curso de educao de infncia duplicou e, por vezes, quase triplicou17. A

    mobilidade docente compulsiva e o sistema de colocao das educadoras so factores

    que tm dificultado a estabilidade do corpo de supervisoras cooperantes18.

    Nesta segunda fase do Projecto Infncia, criado, em 2001-2002, o Mestrado

    em Educao de Infncia com duas especialidades - Metodologia e Superviso em

    Educao de Infncia e Educao Multicultural e Envolvimento Parental. O mestrado

    permite dar continuidade, a muitas das questes tratadas no mbito do CESE e no curso 15 A Associao Criana (Criando Infncia Autnoma Numa Comunidade Aberta) uma associao de profissionais de desenvolvimento humano professores, educadores de infncia, formadores, psiclogos, investigadores que tem como misso promover programas de interveno para a melhoria da educao das crianas pequenas nos seus contextos organizacionais e comunitriosA Associao Criana baseia-se no trabalho colaborativo e voluntrio de professores universitrios, professores especializados, educadores de infncia, professores do ensino bsico e psiclogos (Oliveira-Formosinho e Formosinho, 2001). 16O total das cinco edies do curso de formao especializada possibilitou a formao de cerca de 140 supervisoras cooperantes. 17 No incio do Projecto Infncia o nmero de alunos do curso de educao de infncia situa-se entre os vinte, vinte e cinco alunos. No ano lectivo, 2004-2005, so sessenta e duas alunas que se encontram no quarto ano e, portanto a realizar o estgio final. 18 de referir, ainda, que muitas destas supervisoras cooperantes encontram-se a desempenhar cargos de gesto e de administrao nas escolas e na administrao educativa e outras exercem funes de cooperantes noutras instituies de formao.

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  • de qualificao. A criao do mestrado possibilita a formao ps-graduada de muitas

    das supervisoras cooperantes que colaboram com o IEC, UM, no estgio das alunas da

    formao inicial, bem como de outros cooperantes e supervisores institucionais de

    outras instituies de ensino superior. Frequentam, ainda, o mestrado, muitos dos ex-

    alunos do curso de educao de infncia do IEC e que, portanto, na sua formao inicial

    tiveram formao em pedagogia da infncia. A frequncia do mestrado tem permitido, a

    estas educadoras em incio de carreira, aprofundar e desenvolver os seus conhecimentos

    no mbito da pedagogia da infncia e construir um conjunto de conhecimentos e saberes

    no mbito da superviso, bem como de outras reas curriculares, nomeadamente, o

    envolvimento parental (Oiliveira-Formosinho e Andrade, 2001) e a educao para a

    multiculturalidade. Desta forma, muitas destas educadoras tm ingressado no corpo de

    supervisoras cooperantes, possibilitando o alargamento dos centros de prticas, o que se

    tem revelado um contributo importante na resposta s necessidades da formao inicial.

    No que se refere formao contnua, a aco da Associao Criana situa-se,

    fundamentalmente, na formao em contexto, quer atravs da formao contnua

    creditada19 quer atravs da formao e superviso realizada em contexto de trabalho.

    A formao creditada oferecida pela Associao Criana centra-se na pedagogia

    da infncia e suas vrias dimenses e em reas curriculares especficas. Os cursos tm

    sido criados no sentido de responder: s necessidades evidenciadas pelas educadoras e

    outros profissionais (directores, auxiliares, etc.) dos contextos educacionais que

    colaboram com a Associao; s necessidades identificadas