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http://www.enanpege.ggf.br 2151 Geografias, Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais De 07 a 10 de outubro de 2013 METODOLOGIA GEOSSISTÊMICA E O USO DA BACIA HIDROGRÁFICA ENQUANTO TÁXON DE ANÁLISE 1 CARLOS EDUARDO DAS NEVES 2 GILNEI MACHADO 3 1 Introdução Através da Constituição de 1988, eleva-se a bacia hidrográfica à escala de unidade de análise para o planejamento geográfico regional, o que destaca sua importância ao nível geossistêmico. Diante disso, formulam-se duas perguntas: Se os geossistemas e suas escalas são esforços de abstração do pesquisador, porque delimita-los e hierarquizar suas unidades por meio das bacias hidrográficas? E como o geossistema pode auxiliar no entendimento das interações e dinâmicas socioambientais em bacias hidrográficas? A partir desses questionamentos, objetiva-se evidenciar a importância da utilização do potencial teórico-metodológico geossistêmico em pesquisas de bacia hidrográfica. E como exemplo, ao fim do artigo, realiza-se um esboço metodológico de delimitação de unidades geossistêmicas para a bacia hidrográfica do rio Tibagi (Paraná), devido a sua grande importância regional. A escolha da teoria e método geossistêmico deve-se ao fato do mesmo se mostrar eficiente e aplicável metodologicamente a uma série de trabalhos científicos que objetivaram o entendimento e preservação do meio ambiente através da análise integrada de bacias hidrográficas. Desse modo, ao concentrar-se na integração dos elementos componentes da bacia hidrográfica, no que condiz seu funcionamento, focaliza-se a mesma como unidade geomorfológica fundamental ao estudo geográfico, pois como o geossistema, a bacia evidencia a relação entre potencial ecológico, exploração biológica e ação antrópica em sua modelagem, permitindo, assim, uma aproximação desses conceitos. 1 Este trabalho contempla algumas ideias iniciais do projeto de mestrado do autor, apresentado ao programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Londrina (Londrina/PR) no ano de 2012, intitulado “Teoria e Método Geossistêmico: uma análise das pesquisas realizadas entre 1971 a 2011 para o estado de São Paulo”. 2 Mestrando em Geografia (UEL) - Bolsista CAPES - e-mail: [email protected]. 3 Doutor em Geografia UNESP/FCT (Presidente Prudente) - Docente do Departamento de Geociências e da pós-graduação em Geografia (UEL), e-mail: [email protected].

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Geografias, Políticas Públicas e Dinâmicas Territoriais De 07 a 10 de outubro de 2013

METODOLOGIA GEOSSISTÊMICA E O USO DA BACIA HIDROGRÁFICA

ENQUANTO TÁXON DE ANÁLISE1

CARLOS EDUARDO DAS NEVES2 GILNEI MACHADO3

1 – Introdução

Através da Constituição de 1988, eleva-se a bacia hidrográfica à escala de unidade

de análise para o planejamento geográfico regional, o que destaca sua importância ao nível

geossistêmico. Diante disso, formulam-se duas perguntas: Se os geossistemas e suas

escalas são esforços de abstração do pesquisador, porque delimita-los e hierarquizar suas

unidades por meio das bacias hidrográficas? E como o geossistema pode auxiliar no

entendimento das interações e dinâmicas socioambientais em bacias hidrográficas?

A partir desses questionamentos, objetiva-se evidenciar a importância da utilização

do potencial teórico-metodológico geossistêmico em pesquisas de bacia hidrográfica. E

como exemplo, ao fim do artigo, realiza-se um esboço metodológico de delimitação de

unidades geossistêmicas para a bacia hidrográfica do rio Tibagi (Paraná), devido a sua

grande importância regional.

A escolha da teoria e método geossistêmico deve-se ao fato do mesmo se mostrar

eficiente e aplicável metodologicamente a uma série de trabalhos científicos que objetivaram

o entendimento e preservação do meio ambiente através da análise integrada de bacias

hidrográficas.

Desse modo, ao concentrar-se na integração dos elementos componentes da bacia

hidrográfica, no que condiz seu funcionamento, focaliza-se a mesma como unidade

geomorfológica fundamental ao estudo geográfico, pois como o geossistema, a bacia

evidencia a relação entre potencial ecológico, exploração biológica e ação antrópica em sua

modelagem, permitindo, assim, uma aproximação desses conceitos.

1Este trabalho contempla algumas ideias iniciais do projeto de mestrado do autor, apresentado ao

programa de pós-graduação em Geografia da Universidade Estadual de Londrina (Londrina/PR) no ano de 2012, intitulado “Teoria e Método Geossistêmico: uma análise das pesquisas realizadas entre 1971 a 2011 para o estado de São Paulo”. 2Mestrando em Geografia (UEL) - Bolsista CAPES - e-mail: [email protected].

3Doutor em Geografia UNESP/FCT (Presidente Prudente) - Docente do Departamento de

Geociências e da pós-graduação em Geografia (UEL), e-mail: [email protected].

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Portanto, afirma-se a possibilidade de destacar unidades geossistêmicas em bacias

hidrográficas, visando o entendimento do sistema ambiental, tão necessária à gestão e ao

planejamento ambiental local e regional, visando à sustentabilidade ambiental.

2 - O geossistema: escala de análise e hierarquização

Surge após a segunda metade do século XX a necessidade de tratar o meio

ambiente na Geografia de forma integrada, principalmente, devido às mazelas

socioambientais geradas através da relação contraditória entre a sociedade (capitalista) e a

natureza (dominada). Essas contradições apelaram para métodos e conceitos que

explicassem a realidade de forma mais concreta e menos setorizada, como até então se

fazia e ainda se faz. A aplicação destas concepções teórico-metodológicas integradas levam ao

surgimento do conceito de Geossitema

O geossistema surge com a inserção da discussão sistêmica e os princípios da

modelagem nas Ciências Ambientais e em especial na Geografia, aprofundando-se ao

ganhar base teórica e metodológica com a Teoria Geral dos Sistemas, difundida em 1968

pelo biólogo austríaco Ludwig Von Bertalanffy, através do livro “General Systems Theory”.

Apesar do vanguardismo desse livro, Bertalanffy já havia discutido os princípios dessa

teorização para os campos da Física e da Biologia desde 1932, com destaque para o artigo

“The theory of open systems in Physics and Biology” (BERTALANFFY, 1950)

Nesta perspectiva, ao longo dos anos, vários autores procuraram entender e

empregar o conceito de geossistema de forma distinta, visando à explicação dinâmica de

seus campos analíticos (geomorfologia, biogeografia, climatologia, etc.). Ressalta-se aqui, a

importância que a análise sistêmica teve no bojo da análise geográfica. Neste momento,

sobretudo, na análise da Geografia Física, por meio da criação de modelos quantitativos,

como evidenciado por Chorley e Kennedy (1971).

Na Geografia, tal conceito teve como principal idealizador o russo Victor Sotchava

(1962), pois o mesmo acreditava que sistematizar o parcelamento do meio era indispensável

para a elaboração de cartas para o conhecimento do território e das paisagens (landschaft).

A esse respeito, Penteado (1980) frisa que os autores russo-siberianos, entre 1960 e 1970,

ressaltam a importância da classificação das paisagens, visando melhor organizar-se

geograficamente para aperfeiçoar a produção agroindustrial da URSS, desenvolvendo de

forma teórica e prática a concepção de regionalização ambiental, através da conceituação

de geossistema.

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Sotchava (1978), representando a Escola Siberiana da Paisagem, realiza sua

discussão geossistêmica em torno das unidades espaciais (portanto, possíveis de serem

delimitadas), considerando os aspectos físicos, ecológicos e sociais da paisagem e sua

relação com os fluxos termodinâmicos de matéria e energia. Para o autor os geossistemas

destacam classes peculiares de sistemas dinâmicos abertos e hierarquicamente

organizados, sendo este influenciado pela ação antrópica que em seu estudo não era o

cerne da questão, referindo-se a imagem de homogêneo e diferenciado, como princípios

impares para a classificação geossistêmica. Os geossistemas para Sotchava (1978) são

apresentados através de axiomas, apresentados por meio de uma hierarquia estrutural,

dividida em ordem dimensional, onde se destaca o nível planetário, regional e nível

topológico, divididos entre geômeros e geócoros em relação de interdependência. Para

Sotchava as áreas homogêneas são onde ocorrem as biogeocenoses (geômeros

elementares), estas são os pontos de partida para classificação dos geossistemas. Já na

outra fileira encontram-se as áreas diferenciadas (geócoros elementares), as quais

asseguram um mínimo de ligações para a existência dos geossistemas. Esta assertiva se

consolida ao se destacar a dinamicidade temporal e espacial dos geossistemas, por meio da

relação imprecisa e não linear entre a sociedade e a natureza.

A esse respeito, Penteado (1980, p. 160) ressalta que “toda a categoria dimensional

de geossistema (topológica, regional e planetária) possui suas próprias escalas e

peculiaridades qualitativas da organização geográfica”. Esta conceituação se aproxima da

concepção de Chorley e Kennedy (1971) acerca dos sistemas enquanto elementos

interligados em várias escalas e complexidades, encontrando-se interligados entre si e

formando sistemas hierárquicos.

Tricart (1982) realiza serias criticas as conceituações de Sotchava (1962, 1977,

1978) em torno do geossistema, as quais se baseiam, especialmente, na necessidade de

exemplos mais precisos e mais dialéticos sobre sua aplicação, e assim, menos verbais e

vagos. Nesta perspectiva, Bertrand (1968) também não contente com os pressupostos

geossistêmicos de Sotchava (1962) cita a relação entre potencial ecológico, exploração

biológica e ação antrópica, como princípios ímpares para a formação do geossistema. Para

o autor o geossistema consiste em dados ecológicos relativamente estáveis que resultam da

combinação de inúmeros fatores físico-geográficos. Bertrand (1968) ao aperfeiçoar a

conceituação de Sotchava (1962), no que condiz a maior inserção da importância da ação

antrópica, direciona ao geossistema a acuidade da dinâmica social e sua relevância para a

modificação da paisagem, principalmente, ao criar taxonomias para a delimitação das

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unidades de paisagem, destacando: zonas superiores (Zona, Domínio e Região) e zonas

inferiores (Geossistema, Geofácie e Geótopo) por meio de escalas temporo-espaciais.

3 - A bacia hidrográfica enquanto táxon de análise para sistemas ambientais

Pesquisas experimentais, como medições de bacias de drenagem, são realizadas

desde o final do século XIX, mas é depois da segunda metade do século XX que a bacia

hidrográfica, enquanto unidade de análise, ganha destaque junto aos geógrafos físicos,

principalmente, com a repercussão dos estudos realizados por Horton (1945) e Strahler (1950)

que descreverem o sistema de drenagem enquanto um sistema aberto em estado

constante. Gregory (1985) destaca o pioneirismo, em 1960, do projeto da Vigil Network, que

analisou as modificações em canais fluviais, movimento de massa, modificação da

vegetação, da chuva e sedimentação. Destaca-se também, nesta época, o estudo

experimental de Hubbard Brook através do monitoramento, em grande detalhe, dos efeitos

da derrubada da vegetação, bem como a consequência do uso de herbicidas em área de

bacia. No entanto, os retornos desses projetos eram pequenos, devido, principalmente, ao

desconhecimento das estruturas, padrões e fluxos contidos na bacia hidrográfica.

Neste âmbito, o uso da bacia hidrográfica como unidade espacial de análise vem

ocorrendo desde o final da década de 1960, mas é somente nas duas últimas décadas do

século XX que a mesma (enquanto unidade ambiental) transpõe o uso, predominantemente,

da Geografia, expandindo-se a muitas áreas das Ciências Ambientais e Agrárias, uma vez

que além de ser célula básica de análise do meio ambiente, ela permite diagnósticos e

prognósticos acerca dos processos interacionais, por meio de uma visão sistêmica e

integrada.

O forte vinculo da visão sistêmica junto à bacia hidrográfica subsidiou muitas

pesquisas, principalmente as geomorfológicas, no entendimento da relação sociedade-

natureza, sendo a bacia hidrográfica um recorte possível, principalmente, no que condiz a

aceitação de modelos empíricos para a inferência das entradas e saídas de matéria e

energia do sistema, como é caso do uso da EUPS (Equação Universal de Perda de Solo)

em pesquisas ambientais na escala de médias e pequenas bacias hidrográficas.

Neste âmbito, destaca-se Scheidegger (1970 apud Christofoletti, 1991) com os

estudos de formas e processos na geomorfologia, onde a abordagem dos sistemas

dinâmicos se apresentam relevantes na relação entre sistemas e meio ambiente, por meio

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de análise teórica e analítica. Destaca-se também, a coletânea de Shen (1979 apud

Christofoletti, 1991), onde se apresentaram diversas modelagens em pesquisas fluviais,

para predição quantitativa do comportamento dos cursos d’água, onde a bacia hidrográfica

apresenta lugar especial. Como destacado é após a década de 1980 que estudos

sistêmicos e de modelagem, acerca de bacias hidrográficas, evidenciaram maior relevância

no entendimento sustentável em pequenas bacias, analisando-as por meio da relação

economia e componentes naturais da bacia, como destacado por Trudgill (1995) ao

considerar os processos ecossistêmicos e hidrogeoquímicos na criação de modelos

quantitativos, objetivando com isso, o manejo sustentável de bacias hidrográficas.

Através desses modelos de sistemas ambientais, procurou-se destacar como as

relações sociais de produção do espaço sobre o meio ambiente podem ser explicadas por

meio de cálculos estatísticos e matemáticos e de pressupostos sistêmicos de análise de

conjunto e hierarquização, os quais objetivam diagnosticar e prognosticar mudanças

ambientais (mudanças nos padrões, formas e processos), ocasionadas ou não pelo homem.

Com isso, expõe-se o homem como mais um componente pertencente ao sistema

ambiental bacia hidrográfica, o qual modifica o comportamento natural da bacia,

condicionando-a e sendo condicionado por ela. Por isso, a importância de entendimento da

apropriação e a transformação da bacia hidrográfica pelo homem em sociedade, por meio

da exploração biológica, que afeta o equilíbrio climáxico da mesma, o que gera implicações

resistásicas, uma vez que a alteração em qualquer ponto de um subsistema pode repercutir

na totalidade do sistema maior.

As alterações nos subsistemas possuem cunho inicialmente natural, mas se

intensificam com o trabalho humano sobre a bacia, alterando a relação de morfodinâmica

das áreas e agindo em conjunto com o processo de morfogênese, a qual segundo Tricart

(1977) é o componente mais importante da dinâmica da superfície terrestre.

De tal modo, ao aproximar a perspectiva geossistêmica da “bacia hidrográfica”,

fornece-se a mesma característica de “geocomplexo ambiental”, ao passo que “uma torrente

na cabeceira de um curso d’água pode ser considerada um sistema a partir (um subsistema)

de uma escala inferior”, onde este “se relaciona com o curso d’água maior que se identifica

como um sistema a nível imediatamente superior”, e assim por sua vez irá integrar uma

bacia hidrográfica, que pode ser definida como outro sistema maior que o curso d’água

anteriormente citado (PENTEADO, 1980, p. 156).

Com base nessa discussão aponta-se a pesquisa de Neves (2012) para Londrina,

Paraná, em que o autor realiza mapeamento de geofácies para a bacia do ribeirão Cambé

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através do uso do solo, considerando as unidades elementares de Bertrand (1968) acerca

dos elementos botânicos e das unidades valoradas pelo homem. No mesmo estudo

realizam-se mapeamentos de geótopos em dois afluentes do ribeirão Cambé, o córrego

Água Fresca (área urbana) e afluente superior do córrego dos Periquitos (área rural).

Evidencia-se, com o estudo a tarefa de isolar um sistema e hierarquiza-lo, destacando, de

acordo com Penteado (1980, p. 156) que “onde a hierarquização já é mais ou menos

definida como nos casos das bacias hidrográficas” a delimitação de unidades sistêmicas

(geofácies e geótopos) se torna mais fácil.

Cunha e Freitas (2004) também utilizaram os geossistemas para a avaliação de sua

área de estudo. Os autores objetivaram entender a área de forma complexa e integrada,

para isso realizaram uma análise geossistêmica da bacia hidrográfica do Rio São João – RJ,

atentando-se à gestão e ao planejamento ambiental. Através dos mapeamentos e

resultados delimitaram-se cinco unidades geossistêmicas (hólons) através da integração de

variáveis ambientais, físicas, ecológicas e sociais, o que fomentou um estudo mais integrado

e pleno da bacia hidrográfica.

Pissinati e Archela (2008) também contribuíram para a análise geossistêmica,

possuindo como escala de análise a bacia hidrográfica que comporta o Distrito Rural “Água

de Sete Ilhas”, no intento de compreender a dinâmica da paisagem rural sob a ótica do

sistema GTP (Geossistema-Território-Paisagem). As autoras por meio de características

geomorfológicas delimitam distintas classes de geofácies relacionadas às unidades

geomorfológicas da bacia e classes de geótopos referentes ao uso e ocupação da terra,

unidades geomorfológicas e biogeográficas, evidenciando ao fim do artigo a relevância de

entender a bacia hidrográfica enquanto um geocomplexo ambiental.

Estes, entre vários outros estudos com base na temática, buscaram realizar

diagnósticos e prognósticos para o melhor uso da bacia, pautados em planejamento e

gestão ambiental mais adequado. Ao passo que agredir a bacia hidrográfica pelo uso e

manejo inadequado, cria-se uma diminuição da superfície de infiltração e aumento da

velocidade da água e consequentemente a mudança da vazão, especialmente em bacias

urbanizadas, contribuindo para que haja a formação de geossistemas regressivos ligados à

ação antrópica.

4 – Esboço da carta síntese de unidades geossistêmicas do rio Tibagi (Paraná)

A análise da Geografia Física, como um subconjunto da Geografia, tem se

preocupado, segundo Christofoletti (1999), com a explicação dos sistemas ambientais

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físicos que para o autor são os próprios geossistemas. Esta conceituação acaba por não

explicar a complexidade dos impactos socioeconômicos atuais, onde a ação antrópica não

se evidencia enquanto um componente externo, mas sim, enquanto um componente do

próprio geossistema. Neste caso, os produtos dos sistemas socioeconômicos se inserem

nos sistemas ambientais como inputs, interferindo nos fluxos de matéria e energia, bem

como na estruturação espacial dos geossistemas.

Desse modo, a discussão aqui aferida caminha-se em torno, não dos sistemas

ambientais físicos, mas sim no seio dos sistemas socioambientais, que agregam unidades

geossistêmicas antropizadas, que podem ser percebidos na escala de análise da bacia

hidrográfica.

Assim, se utiliza neste esboço metodológico de delimitação de unidades

geossistêmica, a bacia do rio Tibagi, como bacia experimental, especialmente devido as

suas peculiaridades físicas e sua importância em escala estadual, concentrando grandes

núcleos de ocupação, tais como Londrina e parte da sua região metropolitana e Ponta

Grossa, por apresentar grande aproveitamento para a geração de energia, bem como ser

uma região de antiga colonização, o que evidencia uma grande alteração do sistema físico

natural original.

A bacia do rio Tibagi nasce em Palmeira (PR), ao sul do estado, e tem sua foz junto

ao rio Paranapanema, no município de Sertaneja (PR), entre os paralelos 22º 30’ e 25º 30’

de latitude Sul e meridianos 49º 30’ e 51º 30’ de longitude Oeste. O mesmo percorre cerca

de 320 km de comprimento e 72 km de largura, possuindo próximo de 24.715 km² de área.

A bacia apresenta um vasto mosaico paisagístico, visto que possui características

físico-geográficas variadas, referente aos aspectos geológicos (Figura 1), geomorfologicos

(Figura 2), vegetacionais (Figura 3), climáticos (Figura 4), pedológicos (Figura 5), bem como

referente ao uso do solo (Figura 6). Através da correlação das características físicas

dispostas nos mapas, representados pelas Figuras 1, 2, 3, 4, 5, junto ao mapa de uso do

solo na bacia (Figura 6) delimitou-se as oito unidades geossistêmicas, a partir de técnicas

cartográficas, por meio software Adobe Illustrator® e ArcGIS 10® que são adaptadas de Stipp

(2000). A autora realiza um macrozoneamento ambiental da bacia através da identificação

de áreas que evidenciavam semelhanças em suas compartimentações geográficas de

formação da paisagem. Nesse viés, analisa-se a interação entre elementos da natureza e os

da sociedade através da apropriação e exploração ambiental.

Como resultado, obtiveram-se oito unidades geossistêmicas, representadas na

Figura 7, onde as características geomorfológicas e o uso do solo tiveram centralidade ao

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delimitar as unidades, visto que a primeira (geomorfologia) é base da formação da paisagem

junto ao material de origem, sendo que devido à variedade do relevo a incidência de sol e

chuva fornece dinâmicas distintas às unidades, o que cria diferentes paisagens, já a

segunda (uso do solo) é modificador e retrato da inserção e modificação da paisagem pelas

práticas humanas.

Fonte: Adaptado de Paraná, 2012 Fonte: Adaptado de Paraná, 2012 Org: Carlos Eduardo das Neves Org: Carlos Eduardo das Neves

Fonte: Adaptado de Paraná, 2012 Fonte: Adaptado de Paraná, 2012 Org: Carlos Eduardo das Neves Org: Carlos Eduardo das Neves

Fonte: Adaptado de Paraná, 2012 Fonte: Adaptado de Paraná, 2012 Org: Carlos Eduardo das Neves Org: Carlos Eduardo das Neves

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Figura 7: Unidades geossistêmicas da bacia hidrográfica do rio Tibagi.

Org: Carlos Eduardo das Neves.

A partir da análise das unidades geossistêmicas, ressalta-se que a unidade I

encontra-se no baixo Tibagi, ela apresenta uma concentração de Argissolos que compõem a

região do Planalto Médio Paranapanema, e destaca-se pelo uso intensivo do solo por

práticas agrícolas e encontra-se sob o clima Cfa.

A unidade II, também se encontra no baixo Tibagi, sendo abrangida pelos planaltos

de Londrina, Apucarana, Maringá e Foz de Areia e encontra-se sob a influência do clima Cfa

e predomínio de Latossolos, Nitossolo e em menor escala Neossolos. Destaca-se ainda,

uma intensiva produtividade agrícola e forte urbanização, com média e alta degradação,

devido a forte apropriação e exploração ambiental. Com destaque para as cidades de

Londrina e sua região metropolitana.

No que tange a unidade III, a mesma encontra-se no médio Tibagi e é abrangida

pelos planaltos de Santo Antônio e Ortigueira, sofrendo influências climáticas de Cfa/Cfb,

destacando Neossolos, Nitossolos e Argissolos em grande parte da unidade. Observa-se na

área uso misto, que chega a uma área de 4.761,28 km² em toda a bacia. Apresenta ainda,

média degradação do solo e água.

A IV unidade encontra-se no médio Tibagi, no segundo planalto paranaense e sofre

influências climáticas de Cfa/Cfb, destacando Argissolos e Latossolos na vertente direita e

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Cambissolos e Latossolos em grande parte da vertente esquerda. O grande destaque dessa

unidade é o grande reflorestamento e matas naturais e secundárias próximas aos fundos de

vale. No que confere a aptidão agrícola desta unidade, caracteriza-se como adequada a

culturas temporárias. Atem-se nesta área, as características de Cambissolos dispostos em

grandes inclinações. Para Stipp (2000), esta área é um ecossistema frágil, havendo a

necessidade de estudos detalhados para instalação de práticas antrópicas, principalmente,

devido à erosão dos solos e poluição hídrica.

No que tange a unidade V, a mesma encontra-se no segundo planalto paranaense,

mais precisamente no Planalto de Ponta Grossa, sob o clima Cfb, destacando Argissolos e

Latossolos na vertente direita e Cambissolos e Latossolos em grande parte da vertente

esquerda, com predomínio de agricultura intensiva e pecuária extensiva e degradação de

média a baixa. Apresenta ainda, um relevo suave e ondulado e solos rasos suscetíveis a

erosão quando desprovidos de cobertura vegetal, portanto com restrições ao uso pela

presença de vertentes com alta declividade. Esta unidade, não apresenta aptidão para a

pastagem natural, mas sim para a silvicultura, como percebido em Stipp (2000).

Na unidade VI o relevo é ondulado, com solos derivados do arenito, principalmente,

Cambissolos e Latosolos e clima Cfb. Apresentam-se na área, terras ociosas de

especulação imobiliária ao entorno da cidade de Ponta Grossa. Acerca da degradação

ambiental, apresenta índices de médio a elevado, especialmente, devido à atividade

industrial de grande expressividade na região de Ponta Grossa, bem como pelo intensivo

uso agrícola.

A Unidade VII apresenta o relevo de médio a fortemente ondulado estando na

transição entre o Segundo e o Primeiro Planalto Paranaense, onde se destaca o Planalto de

Jaguariaiva e Prudentópolis, com grande concentração de Neossolos e Latossolos, com

pastagens artificiais e naturais e uso misto, ao norte da unidade no Planalto de Jaguariaiva,

destacando boa aptidão para a silvicultura. Apresenta também, aproveitamento econômico

problemático com degradação ambiental de média a baixa.

No Primeiro Planalto Paranaense, destaca-se a unidade VIII, disposta na formação

geomorfológica regional do Planalto de Castro, com destaque de altitudes entre 900 á 1200

metros, com relevo de médio a fortemente ondulado, onde se destacam Latossolos em topo

de morro e nas vertentes e na área de fundo de vale grande quantidade de Organossolos e

Gleissolos, que são facilmente erodíveis quando desprovidos de cobertura vegetal, e

destaque para o clima Cfb. Há grande uso pela agricultura intensiva, bem como uma

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concentração fundiária de forte a muito forte e condições ambientais de média a baixa,

especialmente onde o uso agrícola não se faz presente.

De acordo com Almeida e Tertuliano (2009) e através da análise das unidades

geossistêmicas, por meio do sistema bacia hidrográfica (conjunto individual/unitário), pode-

se perceber que tanto alterações de ordem natural e social, condicionam a relação entre

processos e formas dentro desse sistema, interferindo nas entradas e saídas (input e output)

dos fluxos de matéria e energia e informação, o que irá alterar esse geocomplexo ambiental

– que pode apresentar em seu cerne unidades geossistêmicas.

Cabe explanar, que a vegetação não se apresentou como fomentadora na

delimitação das unidades geossistêmicas, uma vez que o avanço agropecuário devastou

grande parte da vegetação natural da bacia, por isso, que somente a área de

reflorestamento (Unidade IV) e a área de campus tiveram maior enfoque.

5 – Considerações

Ao concentrar-se na integração dos elementos componentes da bacia hidrográfica,

no que condiz seu funcionamento e estrutura, focaliza-se a mesma como unidade

geomorfológica fundamental ao estudo geográfico dos geossistemas. Há com isso, a

possibilidade da criação de cenários alternativos, que tenham a meta de estabelecer

procedimentos para estudos presentes e futuros, tratando os sistemas ambientais, entre

eles a bacia hidrográfica, a partir de limiares de estabilidade e recuperação dos padrões de

organização espacial, possibilitando o conhecimento dos estágios evolutivos dos

geossistemas e de melhores formas de mitigar os impactos ocorridos nesses sistemas.

Neste âmbito, percebe-se que há a necessidade da conservação e melhor manejo

dos recursos naturais, onde as bacias hidrográficas encontram lugar especial no que condiz

a preocupação de pesquisas acadêmicas e o fomento de politicas públicas para a

recuperação desses “geocomplexos socioambientais”. Neste viés, nota-se que o uso da

bacia hidrográfica pela atividade social age junto à mesma de forma insustentável, ao passo

que a degradação só tende a aumentar nas próximas décadas.

As ações de planejamento voltadas às bacias hidrográficas devem incluir os

aspectos de proteção à vida humana, o cuidado com mananciais de água, proteção da vida

selvagem, bem como o gerenciamento de áreas de lazer, sob uma perspectiva de

sustentabilidade geossistêmica, visto que qualquer estudo voltado ao meio ambiente possui

em seu cerne o escopo de evitar o fim dos recursos e de suas potencialidades.

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Cabe também explanar que ao realizar uma análise sobre qualquer ambiente através

do uso da conceituação e metodologia geossistêmica, o pesquisador deve se ater as

relações escalares dessas áreas analisadas, bem como na delimitação dos elementos

analisados, pois isolar as unidades geossistêmicas do seu conjunto maior cria a

possibilidade de enxerga-las sob a perspectiva de “conjunto individual”, com uma

complexidade inerente a aquela determinada escala.

6 – Referências

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