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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Celso Eduardo Mendes Gonçalves A vertente Vico MESTRADO EM FILOSOFIA Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia pela Pontifícia Univer- sidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Antonio José Romera Valverde. SÃO PAULO 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

Celso Eduardo Mendes Gonçalves

A vertente Vico

MESTRADO EM FILOSOFIA Dissertação apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial para obtenção do título de Mestre em Filosofia pela Pontifícia Univer-sidade Católica de São Paulo, sob a orientação do Professor Doutor Antonio José Romera Valverde.

SÃO PAULO 2011

Banca Examinadora ________________________________ ________________________________

A Simone, por me propiciar tão resplandecente aurora: Aurora Sofia!

AGRADECIMENTOS

Ao Caro Orientador, Prof. Doutor Antonio José Romera Valverde, pela atenção, paciência e confiança. Ao Prof. Doutor Antonio Rago Filho, pelas oportunas observações na Banca de Qualificação. Ao Prof. Doutor Humberto Aparecido de Oliveira Guido, pela carinhosa empatia, pelas valiosas indicações e pelo incentivo para a continuidade da pesquisa de tão fascinante autor. Ao CNPq, pelo fundamental auxílio da bolsa de pesquisa.

RESUMO

A Scienza nuova de Vico apresenta uma proposta para a ciência – a Vertente Vico

– que é notadamente diversa da vertente prevalente, ou da ciência moderna como

a entendemos hoje, baseada no mecanicismo de Newton e no racionalismo de

Descartes, firmada no iluminismo do século XVIII e sacramentada no positivismo

de Comte. Em Vico, a metafísica deixa de ocupar-se com a contemplação e

especulação sobre Deus para trazer seu foco para a terra e buscar na história

aquilo que buscava até então na mente divina. O conhecimento das coisas

humanas é que pode responder à questão característica de todas as épocas

sobre o que é o homem. O mundo civil da Scienza nuova, desenvolve-se no

âmbito metafísico, para cujo estudo é desenvolvida a nova arte crítica: uma

sinergia entre a crítica filosófica e a investigação filológica, constituindo-se na

hermenêutica viquiana, que se vale tanto da razão, como, igualmente, das

faculdades do espírito. Nessa hermenêutica, microcosmo e macrocosmo,

homem e sociedade, particular e universal, são sintetizados em analogias

constantes; a teoria do verum ipsum factum é originalmente aplicada e o senso

comum da humanidade é alçado como princípio objetivo da evolução histórica

(manifestação da providência divina) e como fundação subjetiva de uma

compreensão histórica. Para situar as nações no desenvolvimento da “historia

ideal eterna”, avaliar seus graus de civilidade e os riscos a que estão

submetidas, a Scienza nuova propõe, também, uma arte diagnóstica, a partir da

qual são empreendidas críticas à maneira como o conhecimento (ciência e a

educação) é considerado pelos modernos de sua época. Tais críticas não se

detém em observações e considerações, mas lançam as bases de uma ação –

numa ciência também política, portanto – através da proposta de um enfoque

que supere o império da Mathesis Universalis para contemplar, igualmente, a

possibilidade de conhecimento dos universos ético, político e humano,

interagindo numa mesma ciência. A Vertente Vico não é apenas uma via

preterida no caminho do desenvolvimento da ciência; algo que poderia ter sido.

Mas é uma orientação filosófica que privilegia a vida prática, a compreensão do

comportamento humano e o viver civil, que pode ser estendida até pensadores

posteriores a Vico, cujas ideias permitem a identificação com aspectos

destacados do pensamento viquiano; uma orientação filosófica que, identificada

com a ênfase de Pico dela Miràndola sobre a dignidade do homem, pode

representar a emancipação da humanidade.

Palavras-chave: Filosofia Moderna. Ciência Nova. Dignidades. História. Verum

ipsum factum.

ABSTRACT Vico’s Scienza nuova introduces a proposal to science – the Vico Variable – which

is clearly different from the prevailing variable, that of Modern Science as we

understand it today, based on Newton’s Mechanicism and in Descartes’

Rationalism, anchored in the Enlightenment of the 18th century and established,

once and for all, in Comte’s Positivism. In Vico, metaphysics no longer busies

itself with the contemplation of and speculation about God, to bring its focus

down to earth and seek, in History, that which had, until then, sought in the

Divine Mind. To him, the knowledge of human affairs is that which can answer

the question characteristic of all times concerning what Man is. The civil world

of the Scienza nuova develops in the metaphysical realm, to whose study the new

art of criticism is developed: a synergy between philosophical criticism and

philological investigation, leading to Vico’s hermeneutics, which takes

advantage both of Reason and of the faculties of the spirit. In this hermeneutics,

microcosm and macrocosm, man and society, particular and universal, are

synthesized in constant analogies; the theory of the verum ipso factum is

originally applied and the common sense of humanity becomes the supreme

objective principle of historic evolution (a manifestation of Divine Providence)

and as a subjective ground of a historic understanding. So as to situate nations

in the development of the “eternal ideal history”, to evaluate its degrees of

civility and the risks it is subject to, the Scienza nuova proposes, also, a diagnostic

art, from which one may criticize the way which knowledge (Science and

Education) is considered by the moderns in this time. Such criticism is not

restricted to observations and considerations, but it sets the groundwork for an

action – it is, therefore, a Political Science – through the proposal of a focus that

is able to overcome the empire of the Mathesis Universalis, and thus, to

contemplate, equally, the possibility of knowledge of the Ethical, Political and

Human universes, interacting in a selfsame science. The Vico Variable is not only

a way that has been forsaken on the road of the development of science;

something which might have been. It is a philosophical orientation which

privileges the practical life, the understanding of human behavior and civil life,

which can be extended to thinkers who came after Vico, whose ideas allow the

identification with outstanding aspects of his thought; a philosophical

orientation which, identified with the emphasis Pico della Mirandola gave upon

the Dignity of Man, can represent the emancipation of humanity.

Key-words: Modern Philosophy. Scienza nuova. Dignities. History. Verum ipsum

factum.

SUMÁRIO INTRODUÇÃO ……………………………………………………………...…. 11 CAPÍTULO 1 – SITUANDO VICO E A SCIENZA NUOVA ............………. 17 1.1 VICO E AS QUESTÕES DA RACIONALIDADE MODERNA ................ 17 1.2 CONTEXTUALIZANDO O HUMANISMO RENASCENTISTA E A AURORA DA CIÊNCIA MODERNA ................................................. 24

1.2.1 O RENASCIMENTO E O HUMANISMO ......................................... 25

1.2.2 A TRADIÇÃO HERMÉTICA ...............................................................28

1.2.3 A CIÊNCIA MODERNA ...................................................................... 30 1.3 VICO ENTRE ANTIGOS E MODERNOS ................................................... 33 1.4 VICO ENTRE A ORTODOXIA E A HETERODOXIA ............................... 36 CAPÍTULO 2 – O MUNDO SOCIAL E A HERMENÊUTICA DE VICO ............................................................................... 39 2.1 A SCIENZA NUOVA E O MUNDO SOCIAL ………………………......... 39 2.1 VERUM IPSUM FACTUM ............................................................................. 41 2.2 A FILOLOGIA E A NOVA ARTE CRÍTICA: UMA HERMENÊUTICA PARA A PESQUISA DOS PRIN CÍPIOS DA VIDA SOCIAL ............................................................................ 47

2.2.1 O ENGENHO ........................................................................................ 56

2.2.2 O SENSO COMUM ............................................................................... 59

2.2.3 O MITO ................................................................................................... 61 CAPÍTULO 3 – A VERTENTE VICO HERMENÊUTICA DE VICO ............................................................................... 65

3.1 A SCIENZA NUOVA E UMA NOVA CONCEPÇÃO DA METAFÍSICA ........................................................................................... 65

3.2 CORSI E RICORSI – O DESENVOLVIMENTO CÍCLICO HISTÓRICO .................................................................................... 72

3.3 A VERTENTE VICO: UMA ALTERNATIVA À

VERTENTE PREVALENTE E À BARBÁRIE DA REFLEXÃO ................................................................................................... 81

3.4 A PROPOSTA PEDAGÓGICA DA SCIENZA NUOVA ............................ 86 CONCLUSÃO ....................................................................................................... 92 BIBLIOGRAFIA ………………………………………………….…..……........ 96

11

INTRODUÇÃO

Filósofo que sempre defendeu a integração das faculdades do

espírito humano para a produção do conhecimento e o diálogo promovido

pela retórica como fator norteador do bom desenvolvimento científico,

Giambattista Vico vem ganhando espaço nas discussões acadêmicas no

Brasil, e em marcha resoluta.

Se tal interesse por Vico se deve, em parte, a um reflexo caudatário

do destaque verificado na Europa e América do Norte, por outro lado não se

pode olvidar de um crescente interesse pelo pensamento viquiano

impulsionado por questões candentes que afligem a sociedade hodierna.

Com efeito, a grande discussão sobre os problemas sociais aponta

para o fato de as faculdades do espírito – a razão, os sentidos, a fantasia e o

engenho: as faculdades relativas aos planos da ética, da estética, da política,

da religiosidade, da linguagem, da teoria do conhecimento, do mito e da

imaginação – parecerem eclipsadas pelo individualismo e pelo controle

social, surgidos a reboque dos avanços ilimitados da tecnociência: um

padrão de produção científica totalmente direcionado à aplicabilidade

técnica.

O pensamento de Vico se mostra, assim, atual e oportuno ao

exercício filosófico, haja vista privilegiar, em sua Scienza nuova, as

humanidades, as faculdades do espírito, o senso comum, a cultura retórica e

o destaque da finalidade pública e social do saber, em oposição à cultura

12

científica hermética e afastada de sua função social enquanto fundada no

racionalismo cartesiano1, cuja filosofia monástica2 e valores individualistas,

deram azo ao tecnicismo exacerbado, à massificação alienante e às formas de

controle da sociedade.

Destacando pontos basilares do pensamento de Vico, como o

engenho – a faculdade de encontrar uma razão comum entre coisas distantes

e díspares – e o verum ipsum factum – o critério que só permite ao homem

garantir logicamente aquilo que é sua obra, e, pelo tanto, só à partir daquilo

que o homem faz é que se pode conceber a ciência, em stricto sensu – a

presente dissertação busca delinear o pensamento filosófico de Giambattista

Vico, cujo desenvolvimento deu-se próximo à definição dos paradigmas da

ciência moderna3, embasado por pensadores clássicos e humanistas que vão

além dos “quatro autores” explicitados em sua Autobiografia (Platão, Tácito,

Grócio e Bacon), numa linha – ou vertente – que, embora preterida pelo

Iluminismo, manteve-se latente para patentear-se no pensamento de autores

posteriores como Marx, Lévi-Strauss, Freud e Jung, permitindo-se o traçado

de uma via posterior, a qual não será esmiuçada no presente trabalho, mas

deixada para retomada e aprofundamento em investigações futuras, onde se

ambiciona fazer a urdidura do pensamento de Vico com saberes posteriores

(Idealismo alemão, ciências sociais, psicanálise e psicologia analítica, só para

exemplificar), ressaltando a grande originalidade do autor Napolitano ao

empregar a retórica da invenção (inventio) na (re)constituição da história do

pensamento e na história da experiência humana, empregando-se uma

analogia entre ontogênese e filogênese no discurso viquiano. 1 Há que se destacar de plano, que o anticartesianismo de Vico se dirige à hereditariedade cartesiana, que não soube atentar para os preceitos da atividade científica enumerados por Descartes na formulação do método para investigação da verdade, cf. Guido, H.Giambattista Vico: a filosofia e a educação da humanidade, 2004, p. 51. 2 Para Vico, as filosofias monásticas são aquelas que propugnam o individualismo racional, concorrendo 2 Para Vico, as filosofias monásticas são aquelas que propugnam o individualismo racional, concorrendo em detrimento da coesão social e prenunciando a fase histórica que denomina de barbárie da reflexão: a fase histórica em que a razão busca desvincular-se totalmente da piedade, em flagrante prejuízo da sociabilidade, haja vista a religião, para Vico, constituir-se na gênese da sociedade. 3 A ciência moderna, tal como a conhecemos hoje, assume seu paradigma no meado do século XVII, conforme explicitado no Capítulo I da presente dissertação.

13

Dessarte, a vertente Vico é uma orientação filosófica que privilegia a

compreensão do comportamento humano, a vida prática e o viver civil, para

a qual se pode traçar uma linha de ideias, considerando desde a

jurisprudência romana e autores clássicos, passando por pensadores

renascentistas que influenciaram a formação do discurso filosófico de

Giambattista Vico, e se prolongando para pensadores posteriores a Vico,

cujas ideias podem ser identificadas com aspectos destacados do

pensamento viquiano.

A presente dissertação, assim, sem embargo da grande

abrangência da obra de Vico nas diversas áreas do conhecimento –

notadamente educação, filologia, filosofia, direito e história – e das miríades

de possibilidades de estudos que tal obra suscita, se atém na análise do

contexto histórico do desenvolvimento das ideias de Vico, em seus

principais conceitos e como estes atuam na hermenêutica viquiana, para,

finalmente, destacando a metafísica e os ciclos históricos, analisar a barbárie

da reflexão na vertente prevalente, expondo o ideal pedagógico viquiano e sua

concepção de saber, como possibilidade de emancipação do homem.

Por conta dessa abordagem, ressalta-se que, em sintonia com os

novos rumos assumidos hoje pelos estudos da obra de Vico, o presente

trabalho considera a sua obra como uma resposta às questões da

racionalidade moderna, questões concretas da Nápoles de seu tempo,

permeadas pelos debates sobre a “cultura da Contra Reforma e da tradição

humanista, da cultura das poéticas barrocas, as conseqüências dos novos

métodos críticos-analíticos para a cultura da vida civil e para a formação dos

jovens” (LIMA, 2006). Assim, Vico é considerado um pensador consoante as

tradições humanistas da renascença, nada obstante influenciado pelos

avanços da ciência moderna e pela crise da cultura européia no século XVII.

14

Haja vista, nesse mesmo sentido, a própria pertinência do tema em

epígrafe – inspirado pelo traçado de uma linha de idéias que verte do

pensamento de autores clássicos e renascentistas na formação do discurso

filosófico de Vico e em como esse discurso filosófico antecipou importantes

ideias em obras de outros destacados pensadores – não poder se coadunar

com as concepções de “precursor” e de “gênio isolado, fora do seu tempo”

que lhe foram tributadas pelo Romantismo do século XIX.

Seguindo essa linha de pesquisa, tornou-se oportuno à presente

dissertação situar Vico em relação às questões da racionalidade moderna,

apresentando, em seguida, uma contextura com o Humanismo como reflexo

do Renascimento, formando – juntamente com a exposição de uma breve

contextura com a aurora da ciência moderna – o primeiro capítulo deste

trabalho, configurando o ponto de partida para a exposição.

Na sequência, no segundo capítulo analisa-se como Vico aprimora

a teoria do verum ipsum factum, elevando-a à categoria de ciência: o

conhecimento de todas as criações humanas (direito, arte, sociedade, cultura,

linguagem), postulando que o “homem só conhece verdadeiramente aquilo que

faz”4, e que, pelo tanto, a história, pelo prisma da filologia, é o campo

delimitado da verdadeira ciência. Ainda no segundo capítulo, destaca-se

como Vico desenvolve uma nova concepção da filologia, estendendo seu

sentido e associando-a à filosofia, proporcionando-lhe um caráter

hermenêutico – a sua nova arte crítica –, discorrendo-se, oportunamente,

sobre o conceito do engenho e sua aplicação na nova arte crítica, além de

ressaltar a mitologia e o senso comum como formas de conhecimento, com

vistas a delinear aspectos relevantes do pensamento filosófico do 4 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, § 331. Para a lavra da presente dissertação, foram utilizadas obras originais de Giambattista Vico, com traduções do próprio autor da dissertação, utilizando-se o sistema de indexação por parágrafos consagrado por F. Nicolini em sua edição crítica da obra de Vico.

15

Napolitano, que o levaram a situar o homem tanto como sujeito, quanto

como objeto do conhecimento.

Fechando a exposição, no terceiro capítulo destaca-se a metafísica

“acima e sobre uma história das ideias humanas” e os ciclos históricos como

uma arte diagnóstica, que avalia o estágio de desenvolvimento das nações.

Faz-se, ainda, a exposição da vertente Vico como alternativa à vertente

prevalente e como a barbárie da reflexão está presente e foi percebida5 por

pensadores da Escola de Frankfurt na sociedade orientada sob o paradigma

da ciência moderna, dois séculos após a edição final da Scienza nuova.

Encerra-se esse derradeiro capítulo com a proposta de Vico para a

prevalência nos métodos de ensino – tanto quanto para o pensamento

científico e filosófico – de uma razão abrangendo a integração de todas as

faculdades humanas (a razão, os sentidos, a fantasia e o engenho,)

igualmente importantes e valiosas, numa perspectiva praxista,

apresentando-se as críticas de Vico ao método de ensino de seu tempo, e sua

exaltação, em contraposição a essas críticas, do valor do homem e de sua

história, destacando a prioridade de seu estudo integral, implicando no ideal

humanista de sabedoria e educação no mesmo sentido dos Studia

Humanitatis e no resgate da exaltação da liberdade, da criatividade e da

dignidade humanas; uma educação dotada do talante para a emancipação

do homem.

Concluindo a presente dissertação, destaca-se que, durante o

desenvolvimento da pesquisa que a ensejou, a troca de opiniões com

professores, os dados coletados, as opiniões dos autores de literatura crítica

sobre Vico pesquisados e a interpretação amadurecida pelas seguidas

releituras para exegese dos textos do Napolitano, em especial do texto da

Scienza nuova, concorreram para que se formasse uma opinião bem

5 Como a aporia da autodestruição do esclarecimento.

16

consolidada sobre a originalidade do pensamento filosófico de Giambattista

Vico e sua expectativa na perenidade da idade dos homens.

Destarte, a presente dissertação é o corolário do trabalho de

pesquisa sobre o sistema filosófico de Giambattista Vico em seu contexto

Humanista, identificado a partir de raízes lançadas no período do

Renascimento, fortemente influenciado pelas ideias em voga na

consolidação do paradigma da ciência moderna, demonstrando tanto a

influência de filósofos renascentistas, quanto de filósofos modernos –

inclusive do próprio Descartes – para o desenvolvimento do pensamento

viquiano, numa linha de ideias – ou numa vertente – que pode ser

prolongada para sistemas filosóficos de outros pensadores, posteriores ao

Napolitano. Destacando, ainda, aspectos relevantes da obra de Vico,

notadamente a teoria do verum ipsum factum e o conceito do engenho; a

abrangência da mitologia e do senso comum como formas de conhecimento;

e a sua hermenêutica, que parte de sua teoria da história e da linguagem e

sabedoria poéticas, conciliadas à filosofia, o presente trabalho faz uma

urdidura com suas críticas ao ensino dos jovens de seu tempo, ressaltando o

pensamento viquiano como um pensamento, de fato, original, a partir do

qual é possível vislumbrar uma nova vertente, com um distinto modelo de

racionalidade; uma vertente que conjuga a razão e a historia; a teoria e a

práxis. Uma vertente perfeitamente viável nos tempos hodiernos, vez que

privilegia a sabedoria prática (frónesis) do sentido comum e o engenho, como

as ferramentas básicas para a solução dos problemas e necessidades sociais.

Uma vertente, que consoante o projeto de conhecimento viquiano, é capaz de

emancipar o homem.

17

CAPÍTULO I

SITUANDO VICO E A CIÊNCIA NOVA

1.1 Vico e as Questões da Racionalidade Moderna

Pensador fecundo, Giambattista Vico apresenta em sua obra

maior, a Scienza nuova, um projeto para uma nova ciência, propondo

mudanças nos padrões intelectuais, éticos, artísticos e científicos de sua

época. “É um livro tão repleto de ideias que quase explode pelas costuras” (sic) 6

Berlin corrobora a riqueza de ideias do Napolitano, ao mesmo

tempo em que critica sua construção literária, quando ressalta que o

Napolitano, a partir da visão que pioneiramente desenvolve da humanidade

e da sua história condicionada à observância de uma lei de desenvolvimento

social, procura conjugar na estrutura de sua Scienza nuova uma enorme gama

de novas ideias “excessivamente heterogêneas, ricas e autocontidas para

enquadrarem-se no esquema que lhes era reservado; elas voam à parte e

seguem seus próprios caminhos” 7, resultando daí que a leitura de Vico não é

uma tarefa fácil.

6 Burke, P. Vico, 1997, p. 45

7 Berlin, I. Vico e Herder, 1982, p. 71.

18

A despeito de qualquer alegada dificuldade, há que se destacar

como a Scienza Nuova é, ao mesmo tempo, uma obra que versa sobre

história, filosofia, poesia, teologia e direito, trazendo em seu bojo questões

seminais de disciplinas e linhas teóricas que se desenvolveram

posteriormente, creditando a Vico “o direito à originalidade [que] pode

submeter-se a escrutínio, de qualquer ponto de vista vantajoso, sem o mínimo

receio”8.

Destarte, relevante situar Giambattista Vico em seu contexto

histórico, com as questões efervescentes de seu tempo; situá-lo com relação

aos ortodoxos e heterodoxos da religião cristã; entre antigos e modernos;

entre as questões da racionalidade moderna.

Nesse sentido, destaca-se, de plano, que a imagem romântica de

um pensador idealista, isolado de seu mundo e fora de seu tempo, que se

atribuía ao Napolitano até meados do século XX, é, conforme Guido9,

decorrente da visão extremamente idealista passada por seu mais célebre

interprete no meio acadêmico, Benedetto Croce10.

Com efeito, a ideia de gênio na ciência já foi combatida por Kant11,

que destacou que os cientistas aprendem suas teorias de seus mestres ou da

experiência, razão pela qual podem explicar cada passo da elaboração de

suas teorias, deixando a possibilidade da existência do gênio – aquele que

não aprendeu de ninguém e, pelo tanto, não pode explicar a elaboração de

suas obras – exclusivamente à esfera da arte. Desse modo, a pesquisa em tela

afastou-se das concepções de Giambattista Vico como “precursor” ou “gênio

8 Ibidem, p. 21.

9 Guido, Humberto. Giambattista Vico: a filosofia e a educação da humanidade, 2004.

10 A respeito das considerações de Croce sobre a genialidade e isolamento de Vico e, em especial, da sua tese sobre estética viquiana, vide LIMA, J.E.P., 2006.

11 Kant, E. Crítica da faculdade do juízo, 1995.

19

isolado, fora do seu tempo” que lhe foram tributadas pelo Romantismo do

século XIX.

Nada obstante, é oportuno esclarecer que, relativamente a Vico, a

ideia de “gênio isolado” encontra amparo em sua própria autobiografia12,

cuja melhor interpretação requer o conhecimento de eventos que o

Napolitano não quis relatar, como o contato de Vico com a cultura científica

da época, através da sua participação nas academias napolitanas, o que lhe

propiciava a convivência com outros estudiosos de diversas áreas do saber,

permitindo-lhe integrar-se com as ideias que se desenvolviam nos outros

centros da Europa.

Corroborando a interpretação que desfaz a imagem de isolamento

de Vico, Guido destaca:

“A participação de Vico em diversas academias e salões literários, além da vida universitária, fazem deste homem um cidadão ativo em sua sociedade, conhecido e muito requisitado para diversos encargos sociais, tais como: orações fúnebres, discursos laudatórios para núpcias de casais nobres, recepções de autoridades reais e religiosas, entre tantos outros trabalhos literários que lhe eram encomendados. Portanto, Vico não foi um personagem menor da sua cidade, só foi notável porque viveu o seu tempo.”13

E ainda no mesmo sentido, Rossi14 situa a Scienza nuova como obra

influenciada pelos debates sobre linguagem, história dos povos antigos,

teoria do conhecimento e métodos da ciência, travados entre filósofos e

eruditos do século XVII.

12 Vico, G. Vita di Giambattista Vico, 1728.

13 Guido, H. op.cit., p. 12.

14 Rossi, P. Os sinais do tempo: história da terra e história das nações de Hooke a Vico, 1992.

20

De fato, há que se considerar o diálogo crítico entre teorias,

tradições científicas e imagens da ciência que “foi sempre (tal como continua

sendo) contínuo e insistente” como ressaltado por Rossi15, razão pela qual,

em sintonia com os novos rumos assumidos hoje pelos estudos do

pensamento filosófico de Vico, o presente trabalho considera a sua obra

como uma resposta às questões candentes de seu tempo.

Assim procedendo, a presente pesquisa leva em consideração,

ainda, que Vico bebe na fonte humanista para inspirar-se, opondo-se ao

horizonte comum de certas áreas, opondo-se à excessiva importância dada

às ciências naturais, opondo-se, especialmente, ao cartesianismo.

Sem embargo, tal oposição está muito longe de significar uma

negação do valor epistemológico da ciência. Como bem destaca Guido16,

Vico, em seus primeiros escritos, valoriza as descobertas científicas dos

modernos e, sempre primando pela importância da tradição humanista para

a continuidade dos progressos da cultura moderna, concebe, em seu projeto

filosófico, uma reforma do racionalismo do século XVII, com vistas à

aplicação para a pesquisa da verdade das coisas humanas. “Vico deu início à

formulação de um projeto para ciências humanas, em tudo diverso do projeto que

surgiria mais tarde com o positivismo de Augusto Comte (1798-1857)”17.

Pensador de temas retóricos da reflexão acerca da vida social, Vico

é herdeiro da cultura retórica humanista, e essa herança o conduz à crítica da

vida civil, entendida como a arte da convivência e vida política, em oposição

às concepções cartesianas do pensamento analítico em busca da verdade

15 Idem. O nascimento da ciência moderna na Europa, 2001, p 20.

16 Guido, H. op.cit.

17 Ibidem, p.31.

21

primeira sob o império da Mathesis Universalis, cuja imposição se verifica em

detrimento da integralidade antropológica do homem.

Por conseguinte, o Napolitano segue uma orientação filosófica que

privilegia a vida prática; que privilegia a compreensão do comportamento

humano e o viver civil, deixados de lado pela tendência moderna

direcionada à dedicação exclusiva às ciências naturais. Vico pretende uma

reflexão filosófica e uma concepção científica que reconstituam um ideal de

integralidade humana, propondo um humanismo cívico e retórico para o

vivere civile.

Destarte, a Scienza nuova de Giambattista Vico, assentada sobre três

pressupostos básicos18: 1) Que há Providência Divina; 2) Que nossas almas

são imortais; e 3) Que há que se respeitar o senso comum dos homens,

busca fundamentar uma ciência para a compreensão de como nasce e de

como se desenvolve a civilidade humana; uma ciência que contemple a

possibilidade de conhecimento dos universos ético, político e humano e a

sua interação, a sua unificação numa mesma ciência.

Para tanto, propõe19 uma nova arte crítica, visando conciliar o

sentido filosófico da reflexão inata da natureza humana, nos seus sucessivos

estágios de desenvolvimento cognitivo, com a investigação das fontes que

evidenciam o surgimento da vida em sociedade e atestam a natureza

sociável dos homens. Propõe, igualmente, uma arte diagnóstica, que avalie o

Estado civil, o grau de civilidade das nações e os riscos a que estão

submetidas.

18 Conforme exposto por LIMA, J.E.P., em palestra proferida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 26 de maio de 2009. 19 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, § 7.

22

Intentando, desse modo, a investigação de como nasce e como se

desenvolve a civilidade humana no curso da história, não objetivou o

Napolitano, a criação de uma nova ciência, mas tão somente valer-se da

sabedoria humana representada pela retórica, pelo direito, pela filosofia,

para renovar a ciência demonstrando a possibilidade de desenvolvimento

científico livre do império exclusivo da Mathesis Universalis.

Para Vico, a filosofia cartesiana, ao relegar como ultrapassadas as

disciplinas tópicas, distanciou a filosofia da vida prática, levando-o a afirmar

que a filosofia de seu tempo “considera o homem tal como ele deve ser”20,

em detrimento da consideração sobre as reais condições da existência

humana, dificultando o aprendizado das virtudes morais.

Essa preocupação com a dimensão prática do saber, leva Vico a

defender um ideal pedagógico próprio, o qual, assim como a sua concepção

de saber, abarca a retórica e outros saberes dos studia humanitatis, preteridos

da filosofia cartesiana, que os considerou destituídos de uma justificação

científica, excluídos, portanto, do âmbito de um conhecimento verdadeiro.

Contudo, nada obstante suas críticas ao cartesianismo, há que se

examinar com atenção a postura de Vico, que não é, absolutamente, a de um

ferrenho adversário de Descartes. Pelo contrário, o Napolitano teve forte

influência cartesiana que se evidencia no reconhecimento de que a ciência é

a sabedoria humana e, pelo tanto, não há como se dedicar a uma ciência em

detrimento das demais; ou no reconhecimento de que o conhecimento

científico deve ser certo e evidente.

20 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, §§ 138-140 (axioma X, primeiro livro, segunda sessão).

23

Efetivamente, Vico adota uma via racionalista21. A Scienza nuova

visa constantemente demonstrar que a razão humana foi se desenvolvendo

ao longo da história e que seu estágio mais avançado é uma meta a ser

alcançada.

Na exposição dos princípios da Scienza Nuova em sua edição de

1744, Vico reafirma que somente o pensamento torna possível o contato

entre o civilizado e o bárbaro; que o pensamento é a matéria e o instrumento

da pesquisa social:

Mas em tal densa noite de trevas onde está encoberta e muito distante de nós a primeira antiguidade, aparece esta luz eterna, que não se põe, desta verdade, a qual não se pode de modo algum colocar em dúvida: este mundo civil, ele foi certamente feito pelos homens, nos quais se pode porque se deve encontrar os princípios nas modificações da nossa própria mente humana.22

Assim, o acesso ao primeiro pensamento só é possível graças à

certeza que a filosofia racionalista deposita no pensamento humano, o que

implica na assunção de que o pensamento é próprio da natureza humana,

pressuposto da base do racionalismo.

Ademais, a hermenêutica23 de Vico, fundada na nova arte crítica, ao

conciliar filosofia e filologia, está longe de ser uma simples coleta de dados,

pois se baseia na interpretação de dados fundamentada em uma teoria que é,

a um só tempo, guia e controle24. Corroborando essa assertiva, Rossi25

21 A respeito da via racionalista adotada por Vico, cf. Guido, op.cit., p.40 e 62-63.

22 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744., § 331.

23 Sobre a hermenêutica de Vico, vide Capítulo II da presente dissertação.

24 Vale dizer: conforme o método experimental.

25 Rossi, P. Os sinais do tempo, 1992, p. 139

24

aponta a influência do empirismo e do racionalismo na obra de Vico,

destacando, ainda, o recurso à demonstração do tipo geométrica e a

configuração sistemática da obra viquiana, além da aplicação do

racionalismo como orientação filosófica para a formulação dos enunciados

científicos a partir da análise do verossímil, como características tributáveis à

Descartes.

1.2 Contextualizando o Humanismo Renascentista e a Aurora da Ciência Moderna

A compreensão do pensamento filosófico de Vico, a exegese de sua

produção literária, não pode prescindir da contextualização do período

singular em que o Napolitano desenvolveu suas ideias.

Vivendo numa época polêmica, entre o ocaso do Humanismo e a

recém consolidação da ciência moderna em sua vertente prevalente, na qual

pululavam controvérsias entre conservadores convictos, partidários da

tradição humanista e inovadores entusiastas do desenvolvimento científico,

Vico deparou-se também com a autoridade da religião cristã, grande

obstáculo epistemológico para a consolidação das novas verdades sobre o

homem, a natureza e a vida.

A presente pesquisa, portanto, se ocupa nas próximas páginas com

a contextualização do Renascimento e do prelúdio do Iluminismo, para, nos

itens seguintes, situar Giambattista Vico entre antigos e modernos, e entre

ortodoxos e heterodoxos.

25

1.2.1 O Renascimento e o Humanismo

Obscurecido em decorrência das “luzes” do Iluminismo, o

Renascimento foi o processo social que lançou todas as bases para a

sociedade tal como a conhecemos hoje. Sua importância, entretanto, só

começou a ser reconhecida a partir de meados do século XIX, pelo trabalho

de Stendhal, Jules Michelet, Jacob Burckhardt, Engels e Nietzsche. Há ainda,

portanto, muito por entender e desenvolver sobre a filosofia desse processo

tão abrangente, designado como uma Revolução por Engels.

De fato, o Renascimento deve ser entendido como um completo

processo social no qual toda a estrutura da sociedade se viu afetada e

modificada econômica, social e culturalmente; com reflexos profundos no

viver religioso, no desenvolvimento das artes e da ciência. Um processo tão

amplo, que promoveu mudanças no quotidiano, nas práticas morais e nos

ideais éticos.

Verificado – como processo de mudança da estrutura social – na

Itália, França, Inglaterra e parte da Holanda, teve seu reflexo substanciado

no Humanismo, abrangendo toda a Europa26.

Sob o Humanismo, o homem é recolocado em relação ao universo; a

ação humana se torna o valor maior da humanidade e a fortuna, antes

ditadora dos destinos humanos, passa a ser pensada como uma entidade

26 Com efeito, o Humanismo é um (ou vários) dos reflexos ideológicos do Renascimento, sob uma forma ética e acadêmica, separável da estrutura social e das realidades da vida quotidiana e, portanto, capaz de possuir uma relativa vida própria e de se desenvolver em países onde o Renascimento, enquanto fenômeno social total, nunca existiu. Mas nesses países manteve-se necessariamente desenraizada, apenas ganhando aderentes nas camadas superiores da vida social (pelo menos entre aristocracia política e intelectual) e isolando-se rapidamente. Foi assim que na Alemanha, por exemplo, a Reforma substituiu o humanismo. Cf. Heller, A. O homem do renascimento, 1982, p. 10.

26

exterior, que pode encarnar-se nas forças cegas da natureza, mas que não nos pode

obrigar a abandonar os nossos projetos de transformação do mundo

(MIRANDOLA, 2001)

Assim, contrariamente à visão agostiniana de que o homem no

mundo era coisa sem importância quando comparado com sua condição na

“Cidade de Deus”, para os humanistas o homem torna-se o centro do

Universo.

Numa linguagem figurativa, o espírito humanista é representado

pelo “Homem Vitruviano”27, aquele de braços estendidos, cuja imagem

se inscreve tanto no círculo, como no quadrado, o qual se acha no célebre

Livro de Horas do Duque de Berry, em que materializa, ao mesmo tempo, a

relação simbólica e mágica do homem individual com o universo.

Leonardo da Vinci faz uso dessa representação para ilustrar “a base que

deu à estética, na qual as proporções do corpo humano refletem a ordem universal,

noção esta, que é aceita como evidente em todo o período da Renascença”28.

Com a recolocação do homem em relação ao universo, o eixo da

vida se desloca da ordem divina para a ordem temporal e humana, numa

mudança que não implicou, contudo, no abandono dos valores cristãos, os

quais foram incorporados a um novo modo de vida, que exigia, de todos, a

participação nos negócios públicos, resultando que o modelo de homem

bom deixou de ser o santo para ser o cidadão.

27 Marcos Vitruvio Pollio, engenheiro militar e arquiteto da Roma antiga, contemporâneo do Imperador Augusto. Escreveu Os dez livros da arquitetura, redescobertos no final do século XV pelos renascentistas italianos, que estabelece, no capítulo I, do livro III, intitulado “De acordo com qual modelo se edificam os templos”, o princípio da existência de uma relação harmoniosa entre as proporções arquitetônicas e o homem de “boa conformação” (bene figuratus), definindo um cânone de beleza para o desenho de corpos no Ocidente, desde o Renascimento até fins do século XIX. (Panofsky, E. L’évolution d’um schème structural. L’histoire de La théorie des proportions humaines, conçue comme um miroir d l’histoire des styles. In L’ouvre d’art et ses significations. Essai sur les “arts visuels”, Paris: Galimard, 1969)

28 Francastell,P. A realidade figurativa, 1993, p. 176.

27

Nesse novo contexto, uma preocupação da antiguidade é

retomada: qual é a verdadeira vida virtuosa: a vida ativa, ou a vida

contemplativa?

Durante a idade média, a prevalência do pensamento agostiniano

e tomista atribuía dignidade apenas à contemplação; a vida considerada

digna para o sábio era a vida contemplativa, haja vista a teologia, em

essência, tratar-se de um conhecimento – Deus – que não pode ser

apropriado pelo homem.

Ao retomar essa antiga discussão, os humanistas se voltam às

origens do pensamento ocidental, aos gregos e, em especial, a Aristóteles,

que traduzido por entusiastas do humanismo como Leonardo Bruni, volta a

conduzir as preocupações desta dignidade à vida cívica29.

Bruni concentra-se na vida ativa. A vida contemplativa,

argumenta, é para os religiosos. Por isso, o cidadão é ator da sua própria

história. A vida ativa é a função da política.

A retórica passa, então, a ser fonte da vida política, como elemento

que liga a cultura clássica à ação republicana, e busca-se a formação de uma

sociedade sadia, composta de homens virtuosos, que se faz a partir dos

studia humanitatis30

29 Bem ao modo característico do humanismo, cf. definição de Bignotto: Assim, de maneira ampla, podemos dizer que humanismo descreve a relação que estudiosos dos mais variados matizes entretiveram com o passado Greco-romano e com a interpretação e atualização do conteúdo dos textos dos grandes autores do mundo antigo. In: BIGNOTTO, Newton. As Origens do Republicanismo Moderno, 2001, p. 18. 30 O estudo do grego e do latim clássicos, que, se nunca deixaram de ser lidos e referenciados pelos medievais – sempre sob o teto ideológico do Cristianismo –, serão reapreciados pelos humanistas, dispensando – até certo ponto – a tutela dos valores religiosos cristãos, e, oportunamente, introduzindo novidades convenientes em seu enfoque.

28

A retórica romana, então, revivida a partir de Petrarca e a sua

“descoberta” de textos de Cícero, é o que irá atribuir dignidade à vida

pública, tornando-se, a vida nas cidades, tema recorrente nas discussões

humanistas.

Garin traduz muito bem a importância da palavra para o espírito

humanista:

Posto que, num de seus aspectos mais válidos, o Humanismo foi justamente esta exigência de que cada termo encarnasse todo o espírito e o revelasse até os seus refolhos, para que entre o espírito e a palavra, entre a alma e o corpo, não houvesse mais desvio algum, e que, no fim, todo o corpo verdadeiramente iluminado pela alma não parecesse ser o esconderijo ou a prisão em que esta se encerra, mas sim luminosa descoberta e total revelação.31

A dignidade da vida ativa, a consequente preocupação com as leis

e a valorização da retórica, são temas fundamentais no pensamento

filosófico de Vico, destacados mais adiante na presente dissertação.

1.2.2 A tradição hermética

Dentre os movimentos verificados no Renascimento, é oportuno

destacar o neoplatonismo, entendido originalmente como um ressurgimento

vagamente místico e cristianizado do idealismo platônico, que passou a ser

31 Garin, Eugenio. Ciência e vida civil no renascimento italiano, 1993, p. 87.

29

entendido de forma diversa, mais aprofundada, com os novos estudos que

ligam o redescobrimento dos textos de Platão à simultaneidade, no

Renascimento, do surgimento de textos místicos, atribuídos, pretensamente,

a sábios prestigiosos, como Orpheu, Zoroastro e – especialmente – Hermes

Trimegisto, conforme esclarece Frances Yates32.

De fato, o neoplatonismo renascentista foi um movimento que

apresentava um núcleo hermético (ou mágico), desenvolvido no

Renascimento italiano a partir de Marsílio Ficino, que supunha o universo

vivo: um vasto sistema de correspondências, unindo o mundo dos

elementais ao mundo das estrelas e, mais além, ao mundo dos seres

espirituais.

O livro de Cornélio Agripa, De occulta philosophia, incorpora as

ideias neoplatônicas de Marsilio Ficino e os princípios cabalistas de Pico

della Mirandolla, descrevendo as técnicas a serem usadas nos mundos

elemental, celestial e supra celestial, evidenciando a ciência mágica como

poder e o homem como mago e dominador que opera a natureza, mostrando

a visão de mundo do mago renascentista.

Esse entendimento da tradição hermética renascentista se faz

importante para o entendimento do quão tênues eram as fronteiras entre a

ciência e o hermetismo, chave para entendimento da passagem do

Renascimento ao pensamento do século XVII (época de Vico), bem como

para a compreensão, por exemplo, de como John Dee, filósofo, destacado

matemático, inventor de instrumentos de navegação e notabilizado como

autor do prefácio à tradução inglesa de Euclides33, pode conciliar sua

reputação de homem de ciência com a de “conjurador” de espíritos34.

32 Yates, F.A. Ensayos reunidos III: ideas e ideales del renacimiento en el norte de europa, 1993. 33 Livro de reconhecida importância no período renascentista, pelo impulso que os estudos matemáticos propiciaram ao avanço da ciência.

30

1.2.3 A Ciência Moderna

O que hoje denominamos Ciência Moderna, ainda que não possa

ser precisado o momento ou o local de seu nascimento na Europa35, pode ser

identificado como um rompimento com a tradição científica medieval,

consequência de um processo iniciado no Renascimento, processo este, do

qual é possível destacar alguns marcos – dentre tantos outros – como o

tratado De revolutionibus (1543) de Copérnico, e bem assim, as ideias de

Francis Bacon (1561-1626), o desenvolvimento dos estudos astronômicos, o

aprimoramento do telescópio e os estudos sobre o movimento dos astros de

Galileu Galilei (1564-1642), os Principia (1687) e a Optica (1704) de Newton,

destacando, ainda, como corolário desse processo de nascimento da ciência

moderna, a assimilação36 do pensamento de Descartes (1596-1650), o qual se

apresentou à cultura europeia como um sistema, consumando a revolução

científica a partir do meado do século XVII.

De fato, o desenvolvimento da astronomia sobrepujando a

astrologia, a valorização da técnica e o uso de equipamentos para

observação, como o telescópio e o microscópio, as grandes conquistas do

cálculo, as experiências sobre a circulação do sangue e sobre o vazio, a

rejeição do saber hermético, a consideração do tempo na análise dos fatos

naturais, assim como a nova imagem de Deus como engenheiro ou

relojoeiro, são fatos que marcaram a revolução científica a partir da segunda

34 Dee é o autor de “Diários Espirituais”, obra onde descreve a invocação de anjos através de conjuros cabalísticos.

35 Personagens associados ao “nascimento” da ciência moderna são provenientes de variados países europeus, e suas ideias estavam ligadas ao pensamento um do outro, “dentro de uma realidade artificial ou ideal, livre de fronteiras e em uma República da Ciência que a duras penas foi construindo para si um espaço em situações sociais e políticas sempre difíceis, muitas vezes dramáticas e, por vezes, trágicas.” Conforme Rossi, P. O nascimento da ciência moderna na Europa, 2001. 36 A filosofia e a física de Descartes prevaleceram no centro da cultura europeia durante toda a segunda metade do século XVII, mas a penetração e a difusão de seu pensamento foram lentas e difíceis, acompanhadas por acirradas polêmicas. Cf. Rossi, idem.

31

metade do século XVII, quando surgem vários títulos de obras científicas

marcados pelo termo “novo”, como a Nova de universis philosophia de

Francisco Patrizzi, a New Attractive de Robert Norman, o Novum Organum

de Bacon, a Astronomia Nova de Kepler e os Discorsi intorno a due nuove

scienze de Galilei.

Nada obstante, nessa época ainda conviviam no mundo europeu

pressupostos, crenças e ideias que parecem – aos olhos hodiernos –

completamente inconciliáveis entre si, provenientes do Renascimento, e que

mantinham, ainda, muito tênue a fronteira entre a ciência e a magia

(conforme tópico “da tradição hermética”, supra), como fica evidente ao se

destacar a grande proliferação de obras alquímicas e o desenvolvimento

matemático37 verificados durante o século XVII.

É, então, que a ciência começa a definir o caminho (ou a vertente)

que a conduz, tal como é, até os dias de hoje:

Naqueles anos toma vida e alcança rapidamente a plena maturidade uma forma de saber que revela características estruturalmente diferentes das outras formas de cultura, conseguindo a duras penas criar suas próprias instituições e suas próprias linguagens específicas. Tal saber exige “experiências sensatas” e “determinadas demonstrações” e, ao contrário do que acontecera na tradição, requer que estas duas coisas complicadas andem juntas e estejam indissoluvelmente ligadas uma à outra. Qualquer afirmação deve ser “publicada”, isto é, ligada ao controle por parte de outros, deve ser apresentada e demonstrada a outros, discutida e submetida a eventuais contestações.38

37 Newton é um bom exemplo dessa conciliação: considerado o pai da física mecânica e reconhecido como um dos principais criadores do cálculo infinitesimal, foi, ao mesmo tempo, autor de diversos manuscritos de alquimia.

38 Rossi, P. idem., p. 13 - 14.

32

E a opção por essa vertente – como em toda escolha -- implicou no

abandono de alternativas. De fato, Rossi39 ressalta que postulados e noções

que hoje se nos apresentam como óbvios e naturais, constituíram-se de

escolhas, opções e contrastes; que alternativas então preteridas, eram, antes,

opções reais e não imaginárias. Cada decisão, cada escolha, implicou em

dificuldades e descartes, por vezes, dramáticos:

mediante a pesquisa histórica jamais, no passado, são descobertos estudos monoparadgmáticos ou épocas caracteri-zadas, como as pessoas, por um único rosto; [...] a ciência do século XVII, junto e ao mesmo tempo, foi paracelsiana, cartesiana, baconiana e leibniziana;40

Na sequência do desenvolvimento da vertente prevalente dos

modernos, o entendimento do que a ciência é e do que a ciência deve ser, foi

cunhado com base no mecanicismo de Newton e no racionalismo de

Descartes, firmado no Iluminismo do século XVIII e sacramentado no

positivismo do século XIX, definindo, frequentemente, os limites, os critérios

e os caminhos que a ciência deve seguir.

A era moderna aflorou, assim, caracterizada pelas novas

descobertas da ciência, que conduziram ao otimismo do progresso, com a

expectativa de que o esclarecimento livraria os homens do medo,

permitindo-lhes fazer a própria história e afirmarem-se superiores diante da

natureza.

39 Ibidem.

40 Ibidem, p. 20 - 21.

33

1.3 Vico entre Antigos e Modernos

Durante o período que precede à definição da vertente prevalente

para o entendimento do que a ciência é e de como a ciência deve ser,

polarizou-se a discussão entre os antigos, partidários do culto à tradição

renascentista, e os modernos – que prevaleceram – partidários do

mecanicismo newtoniano e do racionalismo cartesiano, cuja posição se

corrobora pelo progresso representado pelas novas descobertas.41

Vico se preocupa com a tendência da ciência de seu tempo, que

privilegia exclusivamente o método crítico, o qual, nada obstante provar a

sua utilidade ante o dogmatismo escolástico, ao descobrir verdades lógica e

racionalmente evidentes, impõe critérios e princípios lógicos à experiência,

que limitam saberes que ultrapassam os limites do procedimento

dedutivista do Cogito cartesiano, como é o caso dos saberes do mundo

social.

Há que se observar, ainda, que mesmo sendo reconhecidamente

um defensor das tradições humanistas, tanto que Grassi o vê como o “último

grande humanista”42, Vico valoriza, ao mesmo tempo, as descobertas

científicas dos modernos, conforme se expôs em páginas precedentes desta

mesma dissertação.

Dessa forma, conforme destaca Lima43, Vico busca conciliar as

vantagens do método dos modernos com as vantagens do método dos

antigos, sem pretender “um conflito com a ciência em si mesma, mas

41 A disputa entre antigos e modernos não foi restrita à imagem da ciência: ela envolveu também a filosofia, a literatura e a religião.

42 Grassi, E. Humanismo y marxismo: crítica de la independización de la ciência., 1977, p.221

43 Lima, J.E.P., aludindo ao De ratione, de Vico. op.cit., p175 - 186.

34

combater um determinado paradigma de saber adotado pelos cartesianos

em Nápoles.”:

E se comparássemos os nossos tempos com os antigos, e pesássemos vantagens e desvantagens de uma e de outra parte para os estudos. Poderíamos definir um método tal qual o dos antigos. Descobrimos muitas coisas desconhecidas pelos antigos, ao passo que os antigos sabiam muitas coisas que não conhecemos. Temos faculdades para o êxito em determinados estudos; eles, outras faculdades, para êxito em outros campos.44

Essa tensão característica de sua época entre o velho e o novo, e a

tentativa de conciliação entre esses saberes, é bem ilustrada pela analogia –

apropriada por Vico à Descartes – entre o conhecimento e o método, e uma

edificação, conforme bem ressaltado por Guido:

Tomando a analogia do edifício do saber empregado por Descartes nas primeiras partes do Discurso do método, Vico queria promover uma reforma que ampliasse o espaço desse edifício. Para tanto, não seria necessário demolir tudo até os alicerces, como pretendeu Descartes. O alicerce continuaria sendo a metafísica. Novos cômodos deveriam ser construídos, sem que a base arquitetônica perdesse a sua harmonia. Com este projeto, os moradores do edifício da ciência não precisariam ser desalojados e recolhidos em uma moradia provisória. Os transtornos provocados pela ampliação do velho edifício são passageiros, de maneira que os seus moradores tenham a oportunidade de acompanhar e participar da sua reforma. A vontade de por abaixo todo o edifício para construir outro, tal como foi o objetivo de Descartes, pode causar um hábito pernicioso, de se querer, de quando em quando, demolir novamente tudo o quanto já foi construído, para acompanhar os modismos do tempo, de tal maneira que

44 Vico, G. De ratione,1709, p. 93.

35

ninguém se sinta seguro quanto à estabilidade da sua moradia.45

O comentário acima remete à leitura de Vico, que conclui a

analogia da reforma do edifício do saber da seguinte maneira:

Portanto, os físicos modernos se parecem com aqueles que tendo herdado casas, que quanto à magnificência e a comodidade não deixam nada a desejar, tanto que eles não tem outra coisa a fazer do que mudar de lugar o suntuoso mobiliário, ou introduzir, com pouco esforço, pequenos ornamentos para adaptá-lo à moda do tempo.46

Considerando a querela entre antigos e modernos, Garin aponta os

arcaísmos de Vico, observando, não obstante, que o Napolitano compartilha

ideias iluministas, tanto da consciência histórica, quanto da educação do

homem, destacando, especialmente, a definição viquiana da polêmica sobre

Homero, a qual, analisada independentemente, propiciaria a convicção de

tratar-se, Vico, o mais revolucionário dos modernos47.

Essa aparente ambiguidade, resultado da constante tentativa de

conciliação entre a tradição humanista e a ciência moderna, que despontava,

é o que conduz Vico – conforme Guido48 – à investigação do mundo da

cultura, que por ser exclusivamente dependente da vontade humana, é mais

apropriado ao conhecimento humano do que o mundo natural, de criação

divina e, pelo tanto, passível da ciência experimental só fornecer as leis que

explicam o fenômeno em sua exterioridade.

45 Guido, H. op. cit., p. 32.

46 Vico, G. De nostri temporis studiorum ratione, 1709, p. 183.

47 Garin, E. L’Educazione in Europa, p. 291.

48 Guido, H. op. cit. p. 35.

36

1.4 Vico entre a Ortodoxia e a Heterodoxia

Por defender e buscar conciliar suas ideias com a doutrina da

religião cristã, não superando esse obstáculo epistemológico para o

desenvolvimento de novas teorias para a origem da vida e do homem, Vico

se mostra um conservador.

Por outro lado, a grande admiração pela ciência experimental

sempre nutrida por Vico, sua via racionalista49 e a tese da barbárie primitiva

constante na Ciência Nova, que alonga a história e contradiz a rapidez do

processo civilizatório defendido pelos ortodoxos, coloca o Napolitano em

posição ambígua, como expressa Rossi:

Declarar as origens fabulosas, insistir no caráter rude e primitivo das épocas mais remotas, na imaginação e na irraciona-lidade, no assombro e na ferocidade dos primeiros habitantes da Terra, impelia Vico para uma doutrina decerto não menos sacrílega e perigosa do que a dos defensores das teses pré-adâmicas e deístas: aquela que para explicar as origens da história humana fora apresentada, na idade antiga, por Lucrécio e, no mundo moderno, por Hobbes.50

No mesmo sentido, Guido ressalta a definição de infância dada

por Vico na Scienza nuova, como barbárie dos intelectos51, em que a barbárie

seria a privação do comportamento social e a ausência de raciocínios

49 Cf. exposto na presente pesquisa, sob o item Vico e as questões da racionalidade moderna.

50 Rossi, P. Os sinais do tempo, p. 139

51 Numa antecipação das abordagens psicanalíticas do século XX. In: Guido, H. op. cit., p. 87. Cf. Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, § 159 (axioma XXI).

37

abstratos, a qual daria lugar à humanidade através da educação. Assim,

somente ao superar o estado de natureza é que o homem confere

intencionalidade à sua vontade, em contraste com todas as outras criaturas.

Esse raciocínio revela um Vico muito mais próximo do humanismo

do que da ortodoxia. Na abertura do ano letivo de 1701, o Napolitano, em

sua oração inaugural, discorreu aos estudantes universitários com este

argumento:

Eu creio firmemente que todo esse universo, que nós chamamos o infinito, se fosse dotado de sensibilidade, vendo que todas as criaturas obedecem à lei da natureza, teria notado que o homem é, ao contrário, o patrão e o árbitro do seu destino, porque teria certamente reconhecido que ele, graças à sua liberdade natural, é, se não senhor, quase o senhor do criado.52

Assim, no pensamento filosófico de Vico é possível encontrar tanto

elementos arcaicos como inovadores, cuja convergência suscita

interpretações, por vezes, diametralmente opostas, conforme exemplificado

por Rossi, pelo o fato de que Vico poderia ser ora considerado um ardoroso

defensor da fé cristã, ora radicalmente criticado pela promoção da

destruição da fé. 53

Essa aparente ambiguidade que permite que se considere o

Napolitano ora ortodoxo, ora heterodoxo, assim como seu esforço em

conciliar antigos e modernos, pode, enfim, ser definida como uma

característica que é produto de sua época, resultando que, com relação a

Vico, é emblemática a definição dada por Risério54: “Giambattista Vico é um

52 Vico, G. Le orazioni inaugurali I – VI apud Guido, H., op.cit., p. 87-88.

53 Rossi, P. Os sinais do tempo, p. 11.

54 Antonio Risério no ensaio “A Via Vico”, publicado na Revista USP n. 23, out-nov-dez/1994.

38

monstro bifronte, eruditamente enraizado no passado, ousadamente apontado

para o futuro.”

39

CAPÍTULO II

O MUNDO SOCIAL E A HERMENÊUTICA DE VICO

2.1 A Scienza nuova e o Mundo Social.

Conforme já exposto, a Scienza nuova de Giambattista Vico busca

fundamentar uma ciência que contemple a possibilidade de conhecimento

dos universos ético, político e humano e a sua interação, a sua unificação,

numa mesma ciência; uma ciência para a compreensão de como nasce e de

como se desenvolve a civilidade humana no curso da história para prevenir

a crise da civilização no mundo moderno, caracterizado pela predominância

da razão abstrata, a qual, muito desenvolvida em detrimento de outras

faculdades humanas, navega ao vazio pelo distanciamento de seu

fundamento – o extraordinário da imaginação. Daí a decadência intelectual e

moral de uma civilização que se individualiza, perdendo o vínculo do senso

comum55.

Ao mesmo tempo em que critica a unilateralidade da Mathesis

Universalis, a Scienza nuova estende o conceito de ciência à função poética do

espírito humano, conquistando espaço para as Ciências do Espírito,

antecipando, assim, a construção epistemológica de W. Dilthey.

55 Conforme LIMA, J.E.P., em palestra proferida na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, em 26 de maio de 2009.

40

Com efeito, sobre o fundamento de uma história e um diagnóstico

do senso comum do gênero humano, Vico propõe em sua Scienza Nuova uma

nova arte crítica, que busque o sentido filosófico e se ocupe da investigação

da tradição, e uma arte diagnóstica, que avalie o Estado civil, o grau de

civilidade das nações e os riscos a que estão submetidas, conforme

expressou o Napolitano no Livro IV de sua obra maior.

Observando que a compreensão do comportamento humano e o

viver civil foram deixados de lado pelos filósofos modernos, que se

dedicaram exclusivamente às ciências naturais, o filósofo Napolitano

pretende uma orientação filosófica que considere a vida prática e que

reconstitua o ideal de integralidade humana, propondo um humanismo

cívico e retórico, primando pela conciliação dos saberes antigos da tradição

humanista com o pensamento consoante a ciência moderna.

Uma nuova scienza capaz de compreender a dimensão da verdade a

respeito dos criadores das nações é, como sintetiza56 Lima, a intenção

fundamental do Napolitano, que se esforça em sucessivas redações,

correções e acréscimos para a redação final de sua grande obra editada em

1744, sempre incrementando a pesquisa dos princípios da vida social e,

consequentemente, do nascimento da sociedade civil.

Dentre os temas retomados de textos anteriores para a versão final

da Scienza nuova, destacam-se a crítica à racionalidade cartesiana; a elevação

à categoria de ciência do conhecimento das criações humanas nas áreas do

direito, das artes, da cultura e linguagem, dentre outras; e a expressão de

uma retórica pedagógica. No desenvolvimento desses temas destacados,

56 A partir da expressão do próprio Vico na primeira redação da Scienza Nuova, de 1725, e reiterada em sua Autobiografia. In: Lima, J.E.P., A estética entre saberes antigos e modernos na Scienza Nuova de Giambatista Vico, 2006.

41

Vico aprimora a teoria do verum ipsum factum e desenvolve uma nova

concepção da filologia, que associada à filosofia, adquire um caráter

hermenêutico. O aludido critério do verum ipsum factum e a hermenêutica de

Vico, é o que se propõe discutir no presente capítulo.

2.1. Verum ipsum factum

O princípio do verum ipsum factum, que numa tradução sintética

pode ser expresso como “o verdadeiro é o feito”, tem, em Berlin, uma

definição muito objetiva: “o que Deus fez através dos homens já é nosso; o

que Ele fez sem o nosso concurso é impenetrável para nós.”57

No mesmo sentido e, ainda, ressaltando sobre o quão problemático

é reduzir o princípio viquiano do verum–factum a uma “simples formulação

gnosiológica”, Lima58 destaca que Vico articula visão metafísica e

composição epistêmica, considerando, ademais, a distinção que o

cristianismo estabelece entre o generato e o factum para conceber que

“somente em Deus o verdadeiro é completo. Devemos declarar

absolutamente verdadeiro o que Deus nos revelou; e não procurar o gênero

e o modo pelo qual é verdadeiro, dado que nos é absolutamente impossível

compreendê-lo”59.

Berlin aprofunda sua análise sobre o principio do verum-factum do

Napolitano aludindo a Paci e destacando que:

57 Berlin, I. Vico e Herder, 1982, p. 115.

58 Lima, J.E.P., op.cit., p. 207.

59 Vico apud Lima, op. cit., p. 207

42

no âmago do pensamento de Vico se encontra o contraste entre dois mundos: o mundo exterior recalcitrante, que podemos manipular, mas apenas dentro dos limites estabelecidos pela Providência, e o mundo dos homens, ‘feito’ pelo seu espírito criativo, com suas imagens, símbolos e mistérios recorrentes, que perseguem sua consciência coletiva, isto é, o mundo criado pelos homens, do qual nós somos verdadeiros cidadãos; a corrente da história, apenas na qual nos achamos à vontade. 60

A relação entre a verdade e o fazer humano, que constitui o

princípio do verum ipsum factum trata-se, com efeito, de um dos princípios

basilares do pensamento viquiano, que na Scienza Nuova elevou à categoria

de ciência o conhecimento de todas as criações humanas: direito, arte,

sociedade, cultura, linguagem. Foi apresentada por Vico primeiramente em

A antiqüíssima sabedoria dos italianos, de 1710, conforme destacado por

Guido61, que na mesma oportunidade, chama a atenção para a associação

entre a teoria verum-factum dos antigos com a clareza e distinção das ideias,

características do pensamento moderno.62

Na apresentação desse princípio relacionando verdade e fazer

humano, Vico, na aludida obra de 1710, afirma que o único conhecimento

possível é aquele produzido pelo próprio individuo, ilustrando sua assertiva

com a certeza e evidência matemáticas, que são produtos da mente humana,

haja vista que o intelecto possui em si mesmo os elementos matemáticos que

lhe permitem organizar e compor a verdade matemática:

60 Paci apud Berlin, op.cit.. p. 116

61 Guido, H. Giambattista Vico: a filosofia e a educação da humanidade, 2004.

62 Guido destaca que “embora tenha optado por trabalhar com o mundo da cultura, Vico possuía o mesmo ideal de ciência dos filósofos do século anterior, ou melhor dizendo, a sua ideia de conhecimento verdadeiro teve a influencia de Descartes, pois admitiu igualmente que a ciência é a sabedoria humana, e portanto não há como se dedicar a uma ciência em detrimento das demais. Ainda sob a influência de Descartes: o conhecimento científico deve ser “certo e evidente”. In Giambattista Vico: A filosofia e a educação da humanidade, p. 36.

43

Ordem e composição pela qual ganha consistência a verdade demonstrada que converte esta demonstração no ato de operar, isto é, o verdadeiro no feito.63

Recordando-se, oportunamente, que o capítulo precedente da

presente pesquisa situa Giambattista Vico entre modernos e antigos,

demonstrando, justamente, o esforço do Napolitano no sentido de conciliar

a tradição humanista e o moderno, destaca-se que a certeza e evidência

matemáticas, expostas em conformidade com a prescrição moderna para a

clareza e distinção das ideias, são emblemáticas quanto ao destacado esforço

de Vico para a conciliação do conhecimento antigo com o pensamento

moderno, quando associadas ao princípio da identidade entre o fazer e o

conhecer, haja vista a ideia do verum-factum provir como antiga doutrina da

religião cristã e já estar presente em outros pensadores, que antecederam

Giambattista Vico.

Com efeito, Leonardo da Vinci, nessa senda, já advertia o

pesquisador da natureza: “Oh! Investigador das cousas, não te vanglories de

conhecer as cousas que ordinariamente a natureza leva a cabo por si mesma;

mas alegra-te de conhecer o fim daquelas cousas que são delineadas por tua

mente”64.

A advertência de Leonardo ao pesquisador da natureza, para que

não alimente a ilusão de conhecer, na verdade, o que faz a natureza por si

mesma, mas somente o que ele próprio realiza, traz, como observa

Mondolfo, “um pressentimento germinal do princípio de Vico: verum ipsum

factum; para conhecer a verdade, temos que produzir nós mesmos o objeto

do nosso conhecimento.”65.

63 Vico, G. A antiquíssimas sabedoria dos italianos (1710 apud GUIDO, op. cit.)

64 Da Vinci apud Mondolfo. In Figuras e ideias da renascença, 1967, p. 27. 65 Ibidem, loc cit.

44

Também Galilei considera a exigência de produção real para

conseguir o conhecimento verdadeiro66, e explicita isso no Dialogo sopra i due

massimi sistemi del mondo, onde apresenta Sagredo e Salviati discutindo com

Simplício sobre os limites e o valor do conhecimento humano, onde Salviati

argumenta que, mesmo dentro dos limites “de uma infinita pequenez”, o

homem pode atingir a um valor de conhecimento que corresponde ao

conhecimento divino:

O entender (explica) pode considerar-se de duas maneiras, quer dizer, intensive ou então extensive. Extensive, isto é, no referente à multidão dos inteligíveis que são infinitos, o entender humano é como nada, mesmo quando compreendesse mil proposições, pois mil em relação à infinidade é como zero; considerando, porém, o entender intensive, enquanto compreende intensivamente, quer dizer perfeitamente alguma proposição, afirmo que o intelecto humano compreende algumas tão perfeitamente e tem das mesmas certeza tão absoluta como a que possui a própria natureza; e tais são as ciências matemáticas puras, quer dizer a geometria e a aritmética, das que o intelecto divino sabe certamente infinitas proposições mais, pois as sabe todas, mas daquelas poucas compreendidas pelo intelecto humano creio que o conhecimento iguale ao divino na certeza objetiva, pois chega a compreender a sua necessidade, sobre a qual não me parece possa haver segurança maior. 67

É interessante destacar, que Galileu, com seu método experimental

que revela a relevância cognoscitiva da técnica instrumental na investigação

científica, supera a dificuldade que Vico opõe à física, de não poder nunca

passar do conhecimento verossímil ao verdadeiro, em função da

66 Mondolfo diferencia o método experimental de Galileu tanto da indução baconiana – que considera para registro e coleção de experiências – , como da dedução cartesiana, “que é puro processo lógico ou teórico”. (op.cit., p. 242-243)

67 Sciacca apud Mondolfo, op. cit. p. 234 – 235.

45

incapacidade humana de produzir os fenômenos naturais. Mostrando o

caminho pelo qual o homem pode produzir experimentalmente os

fenômenos e conseguir, assim, a compreensão efetiva de sua necessidade,

Galileu concedeu universalidade ao princípio do verum-factum, o qual Vico

optou por limitar à esfera da arte, da matemática e da criação humana da

história.

E antes de Leonardo e Galilei, Ficino e Cardano também se

antecipam a Vico na ideia de seu princípio fundamental do “verum ipsum

factum”.

Mondolfo ressalta que o conhecer, para Ficino, se identifica com o

fazer, sendo que, em Deus, tal relação se refere à criação (à natureza e a cada

um dos seres individuais), enquanto que no homem, se refere unicamente à

matemática. E traz à colação um trecho do Comentário ao Parmênides de Platão,

de Ficino:

Como não somos autores das cousas mediante o nosso conhecimento, talvez não haja nenhuma razão pela qual as percebamos, se não houver certa proporção; em troca, como a ciência divina é causa primeira das cousas, Deus não as conhecerá pelo fato de se por de acordo com a natureza das cousas, mas as conhece porque é ele mesmo causa das cousas. Ao conhecer-se, pois, a si mesmo, como principio de todas as cousas, prontamente as conhece e as faz todas. 68

Sobre Cardano, Mondolfo cita um trecho do capítulo IV do seu

Tractatus de arcanis aeternitatis, que demonstra a presença do verum-factum

em seu pensamento:

68 Ficino apud Mondolfo, op.cit., p. 241.

46

A alma humana, colocada no corpo, não pode compreender as substancias das cousas, pois anda vagueando na superfície das mesmas com o auxilio dos sentidos, perscrutando medidas, ações, semelhanças e doutrinas. E em troca, a ciência da mente que faz as cousas é quase a cousa mesma, assim como nas cousas humanas a ciência do triangulo, isto é, que tenha três ângulos iguais a dois retos, é quase idêntica à mesma verdade: pelo que é evidente que a ciência natural em nos é de outra espécie que não a ciência verdadeira. 69

Destarte, relacionando o fazer e o conhecer, Vico parte de uma

ideia que ecoa desde o Renascimento e que certamente era do conhecimento

dos filósofos modernos, de que a verdade está em conformidade com as

ideias matemáticas. Seu mérito, no entanto, está na aplicação desse princípio

para a descoberta da realidade histórica. O que só foi possível com a

“adequação da teoria do verum-factum às exigências da filosofia do século

XVII”70.

A inovação para a aplicação do verum-factum empreendida por

Vico, tem seu alcance muito bem observado no comentário de Horkheimer:

Vico adota o principio da exclusiva cognoscibilidade do que é criado por si mesmo e o converte em fio condutor de sua filosofia, só que lhe imprime uma mudança bem distinta e nunca ouvida. Aquilo que os homens criaram e o que, por conseguinte, há de constituir o objeto mais elevado do conhecimento, ou seja, aquelas criações nas quais se expressa com maior nitidez a essência da natureza humana e do “espírito”, não são as construções fictícias do entendimento matemático, mas a realidade histórica. 71

69 Cardano apud Mondolfo, op.cit. p. 241.

70 Guido, H. op.cit., p. 38

71 Horkheimer, M., Vico e mitologia. Origens da filosofia burguesa da história, 1984, p. 94.

47

Como ponto de destaque da Scienza Nuova de Vico, o verum ipsum

factum, a tese da identidade entre o fazer e o conhecer, se apresenta em

oposição ao procedimento analítico do cogito ergo sum cartesiano72, o qual,

por não considerar a dinâmica da vida prática, somente admite duas

possibilidades: verdade ou falsidade. Ora, a complexidade da realidade

social abrange miríades de circunstâncias que não podem ser classificadas

de imediato como verdadeiras ou falsas, daí a impossibilidade do cogito

cartesiano para a investigação social.

O verum ipsum factum, em contrapartida versa sobre “o

conhecimento das circunstâncias interiores que geram o significado

simbólico do mundo da cultura”73. É a inauguração promovida por Vico da

produção histórico-cultural, portanto, que vincula a compreensão do mundo

da história à sua criação pelo homem e, pelo tanto, traz consigo a

possibilidade de conhecimento dos mundos da moral, da política e da

história, e sua unificação.

2.2. A Filologia e a Nova arte crítica de Vico: uma Hermenêutica para a pesquisa dos princípios da vida social

No intento de compreender de onde procedemos como

humanidade, Vico buscou uma chave para a solução das questões sobre a

razão de ser tal como são os homens e, por conseguinte, para saber se é

conveniente e correto continuarmos seguindo no mesmo caminho, seguindo

sendo tal como somos.

72 A respeito das críticas de Vico sobre a fragilidade dos argumentos do Cogito de Descartes, vide Lima, op.cit., p. 212 – 225.

73 Guido, H. op.cit., p. 55.

48

Para tanto, o conhecimento do passado, o conhecimento histórico,

mostrou-se imprescindível, e para empreender a investigação do passado,

conforme destaca Berlin, Vico, “com sabedoria, audácia e imaginação”,

desenvolve a tese de que há três fontes de conhecimento do homem que não

podem mentir: a linguagem, a mitologia e a arqueologia. 74

De fato, como a presente pesquisa já destacou, o intento do projeto

de Vico reside na investigação de como nasce e como se desenvolve a

civilidade humana no curso da história. Não buscou o Napolitano, portanto,

a criação de uma nova ciência, mas tão somente valer-se da sabedoria

humana representada pela sabedoria poética, pela retórica, pelo direito, pela

filosofia, para demonstrar a possibilidade de desenvolvimento científico

independente do império da Mathesis Universalis.

Pois que para a ciência natural, tão fortemente baseada na

abstração matemática, os fatos naturais são regidos por leis universais e, por

conseguinte, o que não se enquadra na universalidade da lei é

imediatamente falso.

Ciente disso e destacando o fato de que abandonando a tradição

humanista, os modernos pretenderam adaptar a realidade social às leis

naturais, com o consequente desprezo da história e das humanidades, as

quais, por esse prisma da ciência natural, passaram a ser vistas repletas de

incorreções pelos filósofos a partir do século XVII, Vico se preocupou em

instituir com a sua Scienza nuova uma nova arte crítica75, para buscar o sentido

filosófico e se ocupar da investigação da tradição, juntamente com uma arte

diagnóstica, para avaliar o Estado civil, o grau de civilidade das nações e os

riscos a que estão submetidas.

74 Berlin, I. op.cit., p.50. 75 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, § 7.

49

Essa nova arte crítica é a própria hermenêutica viquiana para a

investigação do mundo social. É o método pelo qual um homem do século

XVIII propõe compreender o pensamento e o desenvolvimento dos homens

primitivos, onde o conceito da filologia é alargado para encampar o

pressuposto de que os homens podem compreender-se mutuamente, pois o

mundo humano é comum a todos os povos, além de abranger todas as

disciplinas relacionadas com a ciência do homem, incluindo o estudo dos

mitos e dos costumes para percepção do senso comum entre os homens,

indo, portanto, muito além do estudo da história das palavras.

Battisti76 atenta para o fato de que, na recriação de um texto, Vico

é induzido por seu próprio princípio gnesiológico do verum-factum e, ao

aplicar esse cânone no momento da leitura, o intérprete [leitor] se converte

de receptor passive para autor, criador de significados, ainda que

alternativos e sob um cunho pessoal.

A legitimidade dessa “usurpação” (sic) semântica é confirmada

por Vico quando diz que os princípios do mundo civilizado se encontram

“dentro das modificações de nossa própria mente humana”77

Nesse sentido, as considerações de Vico sobre a filologia alertam

que, se os filósofos e filólogos tivessem atentado para a autoridade da

filologia, teriam se antecipado ao próprio Vico, que na Scienza nuova define

de modo incisivo:

a filosofia contempla a razão de onde vem a ciência do verdadeiro; a filologia observa a autoridade, a autoridade do arbítrio humano do qual vem a consciência do certo.78

76 Battistini, Andrea. La sapienza retorica di Giambattista Vico. Nápoles: Guerini e Associati, 1995. 77 Vico, G. op.cit. § 331. 78 Ibidem, § 138.

50

Ao conciliar crítica filosófica e investigação filológica para

encontrar o fundamento de uma história e um diagnóstico do senso comum

do gênero humano, Vico está corrigindo o que aponta como o erro de

filósofos e filólogos, qual seja, “a não observância daquilo que é próprio à

mente humana, ou seja, dos sucessivos estágios de desenvolvimento da

razão”, conforme observado por Guido79.

A esse respeito, Berlin80 se posiciona de forma diversa e remonta

aos estudos da história durante o Renascimento e a Reforma, motivados pelo

interesse na história, como um reflexo de vícios e virtudes, sucessos e

fracassos, muito útil para orientar as gerações vindouras, ou mesmo como

testemunhas da verdade das Escrituras ou da Revelação, ou, ainda, “como

um monumento das realizações de uma nação, de uma igreja, de um

movimento, ou da validade ou corrupção de uma tradição, especialmente

relativa à Igreja Romana”, tornando-se assim um atraente terreno para

papistas e reformistas, para os jesuítas e para os jansenistas, travarem suas

batalhas, levando os historiadores e cronistas a um generalizado descrédito,

que culmina com o golpe desferido por Descartes, ao manter que, sem

definições, axiomas, normas dedutivas e rigor intelectual, a história não

podia, em absoluto, ser uma fonte de conhecimento sistemático.

A Narrativa histórica começa a se recuperar desse ceticismo, ainda

segundo Berlin81, com o aparecimento de “mestres da filologia”: eruditos e

críticos melhor dotados, que estabelecem suas conclusões utilizando

cuidadosamente técnicas científicas, que consideram que as palavras

mudam os significados e que, pelo tanto, há que se lidar com fatos e

contextos históricos e não com o erro de atribuir significados estáticos às

palavras. Estes “mestres da filologia”, baseando-se nos “monumentos

79 Guido, H. op.cit., p.37

80 Berlin, I. op. cit. p. 117- 120

81 Ibidem, p. 120.

51

representados pelos documentos literários, inscrições, moedas, medalhas,

obras de arte e arquitetura, leis, ritos, tradições permanentes ou

lembradas”82, que conforme era consenso, não poderiam ser corruptas ou

corruptíveis, trazem, então, um novo dimensionamento do conhecimento

histórico.

A nova arte crítica de Vico, pelo tanto, segundo Berlin, baseia-se

nos métodos de estudos levados a cabo para dirimir controvérsia legais e

religiosas desde o século XV, ressaltando, contudo, que isso em nada

diminui seu “mérito de homem original”83 ao aplicar a antiga doutrina do

verum-factum à história e com isso firmar a base para a tese de que o

conhecimento histórico está melhor fundamentado que o conhecimento

científico da natureza.

Bem além disso, entretanto, concorda-se com a posição de Guido,

de que Vico interessava-se pelas origens, mesmo, e a nova arte crítica é

desenvolvida84 para estudar a teologia civil raciocinada da providência

divina, para rastrear a história das ideias humanas e para se aplicar aos

criadores das nações, como filosofia da autoridade, e não para focar os

escritores e cronistas, que narram fatos de épocas distintas com a visão de

suas próprias épocas. Nas palavras de Vico: Por isso, aqui se acena com uma nova arte critica, que até agora havia faltado, para adentrar na pesquisa sobre os autores das nações (na quais deveriam correr mais de mil anos para que pudessem surgir os escritores sobre os quais a crítica tem se ocupado até agora), aqui a filosofia se põe a examinar a filologia (ou seja, a doutrina de todas as coisas que dependem do arbítrio humano, como são todas as histórias das línguas, dos costumes e dos feitos tanto de paz como de guerra entre os povos) [...]85

82 Ibidem, p. 120-121

83 Ibidem, p. 129 84 Vico, G. op.cit., axiomas VI, VII e X

52

Como filosofia da autoridade, a nova arte crítica desce à noite dos

primeiros homens e penetra nas mentes rudes desses mesmos homens

apenas com os vestígios filológicos.

A presunção dos doutos quando tratam dos tempos primitivos,

que são, conforme Vico os define, “lugares de confusa memória, todos

imagens de uma mal regulada fantasia”86 implica na projeção de ideias do

presente para o passado, resultando em um juízo equivocado, que

desconsidera a lógica poética própria dos tempos fabulosos e obscuros. É

devido à “vaidade dos doutos” que se forma uma visão anacrônica, que

descreve os valores do passado de acordo com o pensamento presente,

desprezando a necessária contextualização histórica e o estado da razão

(filosofia e filologia).

Consoante sua hermenêutica, a proposta do Napolitano para

alcançar os tempos primitivos é a suspensão do juízo, a epoché dos céticos

antigos, que nunca esteve ausente do comportamento filosófico:

O passado para Vico é condição ontológica da existência, isto é, o eu histórico não é fruto do presente, ele foi gerado pelas circunstâncias anteriores ao seu nascimento em determinado tempo e lugar. Os fatos não poderão ser resgatados integralmente pela memória, mas o comportamento gerador dos eventos históricos pode ser descoberto, porque as fabulas possuem “sensos não análogos, mas unívocos; não filosóficos, mas históricos”. 87

A exegese das fontes históricas deve considerar que o passado dos

historiadores é, comumente, uma representação imaginada a partir de fatos

verdadeiros. Vale dizer, nos poemas de Homero, por exemplo, são narrados

85 Ibidem, § 7.

86 Ibidem, § 330.

87 Cf. Guido, H. op.cit. p. 96 – 97.

53

acontecimentos históricos, verdadeiros, porém a narrativa é poética, com

estruturação, pelo tanto, que respeita uma lógica igualmente poética.

Assim, estudando as manifestações objetivas do homem na sua

totalidade, Vico não faz uma opção por uma ou outra disciplina já conhecida

e não apresenta sua nuova scienza como esta ou aquela ciência particular, ou,

ainda, como a instauração de uma ciência inédita88, conforme já afirmado.

Mas busca uma orientação filosófica que privilegie a vida prática;

busca uma reflexão filosófica e uma concepção científica que reconstituam

um ideal de integralidade humana, propondo um humanismo cívico e

retórico que concilie os saberes antigos da tradição humanista com o

pensamento moderno da aurora da ciência.

Para tanto, empreende seu projeto de investigação do mundo

social acreditando que toda comunicação humana é compreensível, haja

vista a sua convicção na natureza comum dos homens e nos aspectos

essenciais igualmente comuns a todos os seres humanos, convicções estas,

que se constituem no pressuposto sobre o qual se funda a sua hermenêutica.

“A nova arte crítica sobre os autores de todas as nações”, na

acepção da filosofia da autoridade, é, conforme Auerbach89, o método de

Vico para a interpretação dos mitos, dos poemas, das escrituras e das fábulas

para o estudo do homem, desde o alvorecer de seu estado social, onde Vico

encontrou o princípio de uma força espiritual, carente em lógica formal, mas

rica no aspecto “sensorial”. A divina providência, que é um fato histórico,

filológico, atua por vias naturais, se desdobrando desde o interior da

história, com a influência da qual os homens criaram um sistema que se

88 Guido, H. op.cit.

89 Auerbach, E. Giambattista Vico e l'idea della filologia, p.394 - 403.

54

desenvolveu organicamente: pais mitológicos, sacerdotes que lideravam as

comunidades e atuavam como juízes absolutos, famílias, propriedades,

escravos, até o período feudal e as aristocracias republicanas, com a gradual

imposição da razão niveladora e da fé na igualdade de todos, chegando às

monarquias e democracias, para, então, declinar e retornar à barbárie. As

concepções sobre linguagem, direito e organização social advêm dessa

descoberta.

Destarte, Vico se vale amplamente de fontes históricas e de lendas,

poesias, costumes, mitos, da linguagem e sabedoria poéticas, enfim, para a

consecução de seu projeto de investigação do mundo social na Scienza

Nuova, conjugando filosofia e filologia para legitimar suas teorias. Em seu

tempo, Vico não dispunha de material etnográfico, nem pré-histórico; até

mesmo o conhecimento sobre a Idade Média era obscuro e as fontes

históricas não eram rigorosamente confiáveis; Vico trabalhou com dados da

antiguidade greco-romana (Scienza nuova, livro 3º, “A descoberta do

verdadeiro Homero”, que Vico considera universal) e do Barroco tardio. Por

conseguinte, a Scienza nuova é permeada por interpretações filológicas

muitas vezes fantásticas e especulativas.

Vico admite a dificuldade na concepção da nova arte crítica:

Para chegar ao modo de tal primeiro pensamento humano, nascido no mundo da gentilidade, encontramos ásperas dificul-dades que nos custaram a pesquisa de bem vinte anos e tivemos de descer dessas nossas naturezas humanas enobrecidas ou (civilizadas) àquelas absolutamente ferozes e enormes que nos impediram completamente de imaginar e só com grande dificuldade e sacrifício nos permitiram entender.90

90 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, § 71.

55

Fica evidente nessas palavras, o seu método hermenêutico

quando, respondendo a uma crítica desfavorável sobre a primeira edição da

Scienza Nuova (de 1725), publicada na Acta eruditorum de Leipzig, reafirmou

que a sua obra oferecia os princípios que fundamentavam a natureza

comum das nações, e, para isso, empreendeu o desenvolvimento simultâneo

de duas tarefas, conforme mencionado por Guido91: uma é de natureza

empírica, que “implica o levantamento das fontes que evidenciam o

surgimento da vida em sociedade e atestam a natureza sociável dos homens

– independente de tempo e lugar”, que orbita a esfera da filologia; e a outra

tarefa é de natureza filosófica, consistente na “reflexão inata da natureza

humana, nos seus sucessivos estágios de desenvolvimento cognitivo, tendo

em vista a boa educação dos homens.”

Sobre a presente exposição da nova arte crítica de Vico, sua

originalidade e sua hermenêutica, Berlin proporciona um fecho perfeito:

A aplicação do principio do verum-factum à história é inalienavelmente sua. A associação dessa antiga doutrina do Cristianismo com a noção renascentista da inter-relação dos diferentes aspectos das atividades espirituais de sociedades também diferentes é o que faz destacar a distinção de Vico entre a natureza e a cultura, entre os fatos e os acontecimentos. Essa distinção, por sua vez, diferencia o que é historia do que não o é; do que pode ou não ser “penetrado” pelo pensamento humano, Esse pensamento encontra-se frequentemente encarnado em instituições e tradições, e o sensus comunis de nações inteiras, ou de toda humanidade, como que guiado pela Divina Providencia, procura compreender-se a si mesmo e seu passado, nas muitas formas que ele tem assumido em seu incessante esforço para explicar e dominar, tanto a si mesmo quanto ao mundo externo. Essa foi a síntese que transformou os critérios dispersos dos juristas ou antiquários, ou dos historiadores por eles influenciados,

91 Guido, H. op. cit., p. 37.

56

em um poderoso e frutífero método histórico.92

2.2.1. O Engenho

Buscando a identificação de uma alternativa com novos modelos

de racionalidade que privilegiam a razão histórica frente à via logocêntrica

de uma razão pura, abstrata, cartesiana, Vico concebe o conceito de

engenho93 (ingenium) como a faculdade de perceber uma razão comum entre

coisas distantes e díspares94.

Conforme bem ressalta Lima95, de todas as faculdades, é o

engenho que Vico identifica como específica do saber, em razão de sua

capacidade de juntar em unidades as coisas separadas e diversas. Sua

elaboração da faculdade do engenho procede de uma tradição de reflexão

poético-retórica que vem dos séculos XVI e XVII, adquirindo maior

envergadura na cultura seiscentista e barroca, onde o conceito de engenho

está situado em seu próprio núcleo de reflexão.

Como descobridora do novo96, a faculdade do engenho tem sua

importância elevada por Vico, que defende a necessidade de sua aplicação

na educação, haja vista a sua capacidade de reunir outras faculdades para

estabelecer conexões entre elementos distantes e instituir semelhanças,

promover o lado ativo e criativo do conhecimento97.

92 Berlin, op.cit., p. 129.

93 Engenho – cujo significado é “faculdade inventiva, talento, habilidade”— deriva do latim ingenium, que por sua vez é formado por In-, “em”, mais Gen-, raiz de gignere, “produzir”.

94 Vico, G. Vita di Giambattista Vico, 1728.

95 Lima, J.E.P., op.cit.

96 Vico sustenta que o engenho é a faculdade que encontra as coisas novas, enquanto a fantasia, ou força de imaginar, é a mãe das invenções poéticas (Vico apud Lima, op.cit., p. 219)

57

Um exemplo prático do conceito em tela se encontra no

desenvolvimento verificado no livro segundo da Scienza Nuova, onde pela

aplicação do engenho, Vico aproxima os mitos remotos, frutos da força

criadora da fantasia, com figuras da Retórica, como a metáfora, a metonímia

e a sinédoque, para a conclusão de como a progressão de uma genealogia de

potestades mitológicas nos primórdios do mundo social, originam a própria

ordem social, a linguagem e a religião, numa marcha histórica da Lógica

Poética, que culminará na contemplação de Deus na religião cristã, passando,

antes, pelo estágio da tópica sensível do modo poético de falar e, bem mais

adiante, pela etapa da razão crítica e do logos prosaico.

O engenho é, pois, um conceito chave na hermenêutica viquiana,

que o Napolitano aplica, como no exemplo acima, quando percebe um nexo

que aproxima a filologia do estudo dos povos mais antigos para chegar ao

conhecimento de como viviam e de como pensavam os homens primitivos,

elaborando sua teoria do corso e do ricorso da história das nações, com a

concepção da marcha da história em ciclos.

Com efeito, em sua investigação do mundo social o Napolitano,

exalta a tópica antes da crítica98, estabelecendo um predomínio retórico

sobre o discurso lógico, onde, diferente do pensamento aristotélico, a poesia

não é mera imitação da natureza, mas a primeira linguagem do homem, que

expressa uma forma intuitiva de conhecimento, uma forma espontânea, que

se manifesta nas crianças e na infância dos povos:

O homem primeiro sente sem perceber, depois percebe com o espírito comovido e perturbado. Finalmente reflete com mente pura.99

97 Ibidem, p. 224 – 225.

98 Sobre a defesa da tópica em relação à moderna crítica, vide desenvolvimento no Capítulo III da presente Dissertação.

99 Vico, G. Principi di scienza nuova, 1744, §36.

58

A imaginação, ou fantasia100, prevalente sobre a razão pura, é, pois,

a forma como atua o engenho, constituindo-se, por conseguinte, em chave

para a interpretação do mundo remoto. É a razão comum, o engenho, que

aproxima a linguagem ao direito natural dos povos e à origem das nações.

Na narrativa poética repousa a sabedoria do mundo em sua

barbárie. Assim, o homem primitivo busca explicar o mundo através da

linguagem ou lógica poética, através dos universais fantásticos, através dos

signos constituintes do primeiro vocabulário mítico, criado de metáforas,

explicando qualidades por similaridades, fazendo surgirem as fábulas e os

mitos, que despontaram como narrações orais, posteriormente consignadas

por escrito, de ações de deuses no espaço e no tempo, dos seus encontros

com o homem, das suas metamorfoses, como bem nos exemplificam os

poetas Homero, Hesíodo e os trágicos.

A aproximação da linguagem poética com a organização social e o

pensar do homem primitivo, é fruto da aplicação do conceito de engenho

como a faculdade de perceber uma razão comum entre coisas distantes e

díspares, conforme dito anteriormente. Da mesma forma, o engenho é,

ainda, aplicado na Scienza nuova para conciliar antigos e modernos, para

aproximar ou relacionar povos diferentes em épocas distintas, mitologia e

retórica, o progresso social e o desenvolvimento individual101.

100 Vico concebe memória e fantasia como uma única faculdade. A esse respeito, consultar Lima, op.cit., p. 218 – 221.

101 Sobre a analogia a respeito do individuo e a história, sobre ontogênese e filogênese, vide a Metafísica de Vico, no Capítulo III da presente Dissertação.

59

2.2.2 O Senso Comum

A nova arte crítica proposta na Scienza Nuova e, pelo tanto, a

hermenêutica de Vico para a compreensão do mundo social, tem seu

fundamento na percepção do senso comum dos homens, entendido, o senso

comum, como a faculdade da qual todos participam; como uma disposição

natural originada da divina providência para formas de comportamento e

de entendimento comuns a todos os homens e a todos os povos.

O sensus communis generis humani é valorado na Scienza Nuova

como uma sabedoria sem reflexão:

Um juízo sem nenhuma reflexão, comumente sentido por toda uma ordem, por todo um povo, por toda uma nação ou por todo gênero humano.102

Este excerto explicita a abrangência do senso comum entre todos

os povos, entre todas as nações, não sendo transmitido ou tomado do

exterior, mas desenvolvido por cada grupo ou nação de per si.

Ao valorizar o senso comum, Vico toca um ponto nevrálgico da

filosofia, que é a distinção entre doxa, entendida como opinião e/ou

conhecimento vulgar, e episteme, o conhecimento científico, com o objetivo

de situar o âmbito da verdade do conhecimento.

De fato, a controvérsia parece residir no fato de que, como

conhecimento apreendido das experiências e observação imediata do

mundo, o senso comum se situa no nível das crenças, vivido passivamente,

consoante uma interpretação já previamente estabelecida pelo grupo social.

102 Vico, G. idem, § 142

60

A inovação de Vico está em compreender que não se pode

desprezar a força e a presença de um conhecimento comum, produzido

pelas relações sociais, adotado e transmitido pela comunidade, mesmo

reconhecendo que o senso comum se forma sem quaisquer argumentos ou

provas, e se estrutura, muitas vezes, de acordo com explicações subjetivas,

de um conhecimento fragmentado, intuitivo e, não raro, imaginário. 103

Para tanto, o Napolitano pressupõe que, distintamente do

entendimento sob o império da Mathesis Universalis, o mundo social admite

o certum, o verossímil, situado entre o falso e o verdadeiro. O verossímil, o

certo, é a maneira de agir consuetudinária da comunidade, comum entre os

povos, e que é determinada e reconhecível pelo senso comum.

O reconhecimento do certum, do verossímil, está em sintonia com a

aplicação da tópica como instrumento da ciência, e é admitido em posição

diametralmente oposta ao racionalismo cartesiano, que na busca da verdade

absoluta, desqualifica o provável e considera apenas o falso e o verdadeiro.

103 A  valorização  do   senso   comum  para  a   formação  do   conhecimento  promovida  por  Vico  é  uma  inovação  cuja  atualidade  se  demonstra  no  eco  que  encontra  no  discurso  de  pensadores  bem  mais  próximos  do  nosso  tempo:    Popper,   filósofo  hodierno  de   ideias  muito   familiares  ao   leitor  de  Vico,   rejeita  a  visão  ortodoxa  do  conhecimento   científico   e  propõe  uma  nova   lógica  do   conhecimento,   defendendo  que  o  ponto  de  partida  da  ciência  é  o  senso  comum  e  o  grande  instrumento  para  progredir  é  a  crítica.  Em  seu  texto  “O  Ponto  de  Partida  Inseguro:  senso  comum  e  crítico”  afirma  que  “toda  ciência  e  toda  filosofia  são  senso  comum  esclarecido”,    explicando  que  o  conhecimento  se  desenvolve  de  “um  ponto  de  partida  vago   e   construído   sobre   alicerces   inseguros”   –     referindo-­‐se   ao   senso   comum  –  para  progredir   e  receber,   algumas   vezes,   oportunas     críticas   que   ensejam   a   percepção   de   que   há   erro,   cuja  compreensão   permite   o   aprendizado   a   partir   de   nossos   próprios   enganos.   Cf.   Popper,   K.   In  Conhecimento  objetivo,  1972.  Gramsci,  por  sua  vez,    não  distingue  diferença  de  qualidade  entre  o  senso  comum,  filosofia  e  ciência,  reconhecendo   a   superioridade   da   ciência   e   da   filosofia   em   função,   apenas,   da   sistematização,   do  ordenamento   lógico.   Observando   que   o   senso   comum   possui   um   núcleo   racional   formado   pelo  saber  prático,  defende  que  é  impossível  separar  radicalmente  filosofia  científica  e  filosofia  popular,  destacando  que  o  núcleo  racional  do  senso  comum  deve  ser  elevado  ao  bom  senso,  entendido  este  último  como  visão  crítica  do  mundo,  como  senso  comum  depurado.  Cf.  Gramsci,  A.  In  A  concepção  dialética  da  história,  1978.  

61

“Só se pode conhecer o que é criado”, e o mundo histórico é obra

do homem, mesmo quando sua construção tenha ocorrido sem o seu

conhecimento, quando o homem é simples instrumento da providência.

Como produto do homem, o mundo histórico permite ao seu criador

conhecer o desígnio da providência e, portanto, a si mesmo e à própria

história. O senso comum torna-se não somente o princípio objetivo da

evolução histórica correspondente, mas também a fundação subjetiva de

uma compreensão histórica, ou seja, daquela filologia tal como

compreendida por Vico104.

2.2.3 O Mito

Ao reconhecer nos mitos uma forma própria de linguagem, através

da qual os homens primitivos procuram superar a sua estranheza do

mundo; uma linguagem simbólica que personifica as forças da natureza,

cuja interpretação só é possível como produto da criação poética, Vico

contraria o entendimento prevalente à sua época, que atribui ao mito o status

de mera vestimenta alegórica da verdade105.

A inovação da maneira de interpretar os mitos perpetrada por

Vico é destacada por Cassirer106, que aponta o Napolitano como fundador da

104 Auerbach, E. op.cit., p. 402.

105 Durante o Renascimento, a arte e a literatura foram fortemente influenciadas pela mitologia greco-romana, difundindo-se interpretações alegóricas dos mitos. Com o advento da Reforma e o consequente interesse pelo texto original do Antigo Testamento, a investigação comparada de línguas orientais se difunde e, forma-se um consenso dos investigadores da antiguidade e dos teólogos quanto aos mitos se resumirem a deformações da tradição bíblica. Cf. JAMME, Christoph. Introduccion a la filosofia del mito. Espanha: Paidós Ibérica, 1998.

106 Cassirer,E. Filosofia de las formas simbólicas 2, 2000.

62

filosofia da linguagem e fundador de uma nova filosofia da mitologia, cuja

importância em relação à cultura é elevada a tal ponto, que para se chegar a

um sistema abrangente da cultura humana há que voltar-se,

necessariamente, ao mito.

Os homens rudes da antiguidade remota não eram dotados de

sabedoria refinada, mas capazes de uma sabedoria poética, razão pela qual,

os criadores dos mitos não poderiam se valer da mitologia para embutir

conceitos, pois seu pensamento não era refinado, mas constituído por

imagens. Logo, os mitos não são resultado de uma reflexão elaborada, mas

são resultado de uma linguagem figurada, atributo de uma mentalidade

naturalmente fantástica, como a mentalidade dos povos primitivos.

Pelo tanto, Vico reconhece a sabedoria existente nos mitos e a sua

interpretação faz parte de sua investigação do mundo social. Isto, contudo,

não significa que Vico reconheça qualquer espécie de conhecimento

científico, quer explícito, quer subliminar, na mitologia. A mitologia é

considerada naquilo que tem de verdade, por sua expressão do senso

comum dos povos primitivos em linguagem poética e deve ser entendida

conforme a hermenêutica da nova arte crítica.

Antes de Vico, Bodin107 já havia intentado o uso da mitologia como

fonte de pesquisa histórica, atendo-se, contudo, na suposição de que a

verdadeira história do mundo está na Bíblia e que a mitologia pagã é uma

representação imperfeita dos eventos narrados no livro sagrado. Vico, por

sua vez, inova ao considerar que os mitos são intrinsecamente história e que

107 O jurista e filósofo político francês Jean Bodin (1530-1596) tem, na Scienza Nuova, um capítulo dedicado para a “Refutação dos princípios da doutrina política segundo o sistema de Jean Bodin”, e, conforme salienta Berlin (1982) e Fiker (1994), há afinidade de ideias e de linguagem entre Vico e o pensador francês, como a tentativa de rastrear as origens dos povos e o conceito de unidade da raça humana, além do citado uso da mitologia como instrumento de pesquisa histórica.

63

“sua alegada alteração reside exatamente em sua verdade tal como ela

aparecia às mentes primitivas”108.

A atualidade da interpretação dos mitos por Vico é evidenciada

em texto de Barthes109, no qual se estabelece solidamente que o mito é um

sistema de comunicação, uma mensagem. Não poderia, pois, ser um objeto,

um conceito ou uma ideia, tratando-se de um modo de significação, uma

forma, à qual é preciso impor limites históricos, condições de

funcionamento, reinvestir nela a sociedade.

Barthes adverte, ainda, que o mito não se define pelo objeto de sua

mensagem, mas pela maneira como o profere, e, pelo tanto, o mito tem

limites formais, mas não substanciais. Vico, de maneira análoga,

considerando a abertura que os mitos prestam para diferentes

interpretações, adverte para o uso desvirtuado dos mitos como legitimadores

de ideias artificialmente deles deduzidas, o que conferiria a essas ideias um

argumento de autoridade face sua pretensa tradição.

Encerrando este capítulo com o mito e sua função no pensamento

filosófico de Vico, ressalta-se que, da força criadora da fantasia, inerente ao

homem de todos os tempos, os mitos são criados em tempos remotos pela

sapienza de poetas teólogos e, através da aplicação do conceito do engenho

(aproximação pelas semelhanças, de tudo o que é diferente e separado), Vico

se lança ao seu estudo sob a égide da Lógica Poética no segundo livro da

Scienza Nuova destacando as semelhanças com as figuras da Retórica

(metáfora, metonímia, sinédoque, etc.). As representações universais da

fantasia criadora são provocadas, inicialmente, em função do medo gerado

pela ignorância e impotência perante as forças da Natureza, e assim nascem

as divindades mitológicas, cuja elaboração genealógica representa uma saída

108 Croce, B. La filosofia di Giambattista Vico, p. 65.

109 Barthes, R. O mito é uma fala. in: Mitologia, 1972.

64

progressiva do seio da natureza, com a formação da ordem social, da

linguagem, da religião, da tradição.

65

CAPÍTULO III

A VERTENTE VICO

3.1 A Scienza nuova e uma nova concepção da Metafísica.

O mundo civil da Scienza nuova de Vico desenvolve-se no âmbito

metafisico, conforme o próprio Napolitano expressa na figura alegórica110

apresentada no frontispício da edição de 1744, substituindo a introdução das

edições anteriores, e conforme o próprio autor explicita na “Spiegazione

della dipintura proposta al frontispicio che serve per l’introduzione

dell’opera”:

A mulher de têmporas aladas, que se sobrepõe ao globo mundano, ou seja, ao mundo da natureza, é a metafísica, como seu nome indica.111

E prossegue argumentando:

O triângulo luminoso que encerra um olho a observar, é o aspecto providencial de Deus, pelo qual a metafisica, extasiada, o contempla.112

110 É relevante ressaltar que essa imagem traz diversos elementos do conteúdo da Scienza nuova, estando, pois, muito longe de representar apenas uma modalidade expressiva com o fim em si mesma: ela remonta à memória e à fantasia, que em conjunto com os sentidos e o engenho constituem as faculdades sensíveis, além de de constituir-se num expediente mnemônico – oriundo da tradição retórica – visando a apreensão do conteúdo representado alegoricamente para o leitor. “A pintura se apresenta como uma sinopse que reúne o material distribuído nos cinco livros desta última edição da Scienza nuova, a fim de que o leitor conceba a ideia antes mesmo da leitura da obra e possa conservá-la depois, com o auxílio da fantasia”, cf. Lima, Lima, J.E.P., A estética entre saberes antigos e modernos na Scienza Nuova de Giambatista Vico, 2006, p. 299. 111 Vico, G. Principi di Scienza nuova, 1744, p. 1: “La donna con le tempie alate che sovrasta al globo imondano, o sia al mondo dela natura, è la metafisica, ché tanto suona il suo nome.” 112 Ibidem, p.1: “Il triangulo luminoso con ivi dentro un occhio veggente egli è Iddio con l’aspetto dela sua providenza, per lo qual aspetto la metafisica in atto di estática il contempla.”

66

Figura alegórica no frontispício da edição de 1744 da Scienza nuova.

67

Para Vico, a metafisica é uma vertente de estudos válida, mas

equivocada quanto à direção para a qual está milenarmente voltada: os

filósofos equivocam-se ao intentar subir aos céus para conhecer o que está na

terra; é com o conhecimento das coisas humanas que se pode responder à

questão característica de todas as épocas sobre o que é o homem.

Com efeito, pelo entendimento até então tradicionalmente aceito,

os desígnios de Deus são vedados aos homens. Entendida por esse viés

tradicional, a providência divina se constitui em incontornável obstáculo

para o projeto viquiano.

Pelo tanto, a metafisica da Scienza nuova deixa de se ocupar com a

contemplação e especulação sobre Deus, para trazer seu foco para a terra e

buscar na história o que até então se buscava na mente divina, rompendo

com a tradição metafisica, inalterada desde Aristóteles.

Na ilustração, a metafisica proposta pela Scienza nuova “alçando-

se mais alto, contempla em Deus o mundo das mentes humanas, que é o

mundo metafisico, para demonstrar a providência no mundo do ânimo

humano, que é o mundo civil, ou seja, o mundo das nações”113,

diferentemente da metafisica tradicional que contemplava Deus e sua

providência na ordem do mundo natural.

O raio da divina providência, que ilumina a joia no peito da figura

feminina que representa a metafisica, significando o coração puro e límpido

que esta deve ter, não se detém nessa joia, “demonstrando que a cognição de

Deus não termina na metafisica, mas a ilumina intelectualmente,

113 Ibidem, p.1: “Innalzandosi, contempla in Dio il mondo delle menti umane, ch’è’l mondo metafisico per di mostrarne la provedenza nel mondo degli animi umani, ch’è’l mondo civile, o sia il mondo delle nazioni.”

68

permitindo-lhe regular suas questões morais”114, o que também é um

acréscimo da Scienza nuova `a tradicional concepção da divina providência.

Ao tratar desse tema, Guido115 destaca que, numa classificação

aparentemente conservadora, mas cujo “desdobramento é de estarrecer os

conservadores da época”, Vico distingue a ciência humana de uma ciência

divina, considerando a capacidade da mente humana em produzir coisas

humanas e divinas a partir da consideração de que a mente humana é capaz

de desenvolver, para si mesma, a cognição de Deus, e expressá-la com ideias

sublimes, vale dizer, com ideias divinas.

Essa concepção de ideias divinas que se expressam na mente

humana, implica que, além da intervenção sobrenatural por intermédio da

graça divina – que é matéria dos teólogos, pois se trata de objeto da fé –,

Deus também ampara e auxilia o homem caído e débil de uma forma

natural, através da providência divina, esta sim, um caminho que os

filósofos devem percorrer para alcançar a cognição perfeita das coisas

divinas e humanas produzidas pela mente do homem, que é partícipe da

mente divina.

Nas palavras de Vico, a Scienza nuova:

...deve ser uma demonstração, por assim dizer, de fato histórico da providência, porque deve ser uma história das ordens que ela, sem nenhum discernimento ou conselho, e frequentemente contra esses propósitos dos homens, deu esta grande cidade do gênero humano, porque se bem que este mundo tenha sido criado em tempo e particular, porém as ordens que aí ela pôs são universais e eternas.116

114 Ibidem, p. 5: “dinota che la cognizione di Dio non termim in essolei, perch’ella privatamente s’illumini dell’intellettuali, equindi regoli le sue sole morale cose.” 115 Guido, H. Giambattista Vico – A filosofia e a educação da humanidade, p.53 116 Vico, G. Principi di Scienza nuova, 1744, § 342.

69

Com esse entendimento, Vico associou a metafisica à história,

consoante a metafisica “é feita acima e sobre uma história das ideias

humanas, a partir do momento em que os homens começaram a pensar

humanamente”117. A esse respeito, Guido118 destaca a atualidade e realismo

do projeto de Vico para as ciências humanas, mesmo três séculos passados

da publicação de sua obra. De fato, é válido ainda perguntar em que o

conhecimento dos princípios e fins últimos da criação divina podem

contribuir para o aperfeiçoamento das instituições humanas, mormente se

considerarmos que tal conhecimento extrapola a capacidade do

entendimento humano. Por conseguinte, resta claro que Vico considerou

despropositadas as indagações sobre as origens e o destino do universo, haja

vista a infinitude e eternidade de Deus frente as limitações da mente

humana.

Para o Napolitano, a metafisica deve voltar-se, portanto, à

cognição do mundo das mentes humanas, ao mundo das nações, ao mundo

civil. Uma vez atingido tal objetivo, a bondade divina que permitiu a

existência temporal dos ânimos humanos, compartilhando com o mundo

natural o espaço infinito da mente livre e absoluta da natureza, restará

plenamente demonstrada.119

A providência divina é o auxílio natural prestado por Deus aos

homens, constituindo-se na própria ordem do mundo desde os propósitos

mais primitivos dos primeiros homens; tanto, que sem a centelha do fogo

divino na mente humana, a humanidade não teria logrado superar o tempo

arcaico dos indivíduos solitários, fadados ao desaparecimento em face do

ambiente hostil em que viviam, mas que foram capazes de superar o

isolamento e as condições ambientais adversas através da constituição de

famílias, da associação com outros pais e núcleos familiares, na formação de 117 Vico, G. idem, § 6. 118 Guido, op.cit., p. 61. 119 Vico, G. idem, § 2.

70

clãs para, em seguida, fundarem as primeiras cidades, as repúblicas, as

nações, a humanidade.

A aceitação, assim, da existência de uma providência que atua no

interior do homem, impulsionando-o, preservando-o, torna-se precípua para

a concepção viquiana de um mundo civil feito pelo homem, sem a

intervenção sobrenatural divina. E será para o estudo metafisico a partir da

história das ideias divinas na mente humana, que Vico conceberá a sua nova

arte crítica da sinergia da crítica filosófica e investigação filológica,

permitindo que a filosofia conheça a origem da vida humana sociável,

consoante o preceito de Espinosa expressado na Scienza nuova, dando conta

que “as doutrina devem começar tão logo começam as matérias de que elas

tratam”120 (1744, § 314).

Verene121 destaca os parágrafos 35 e 145 da Scienza nuova de 1744,

nos quais Vico expressa o conceito de um vocabulário mental, observando

que já na segunda edição da obra magna viquiana (de 1725) esse conceito (de

“vocabolario” ou “dizionario mentale”) é conectado com a noção de um

senso comum da raça humana em geral para demonstrar a providência

divina atuante na mente dos homens, e que na Scienza nuova de 1744 é

explicitado no axioma XII (já mencionado no capítulo II da presente

dissertação), onde o senso comum é definido como um “julgamento sem

reflexão” que é “comum a toda uma classe, todo um povo, uma nação

inteira, ou toda a raça humana”122 e no axioma seguinte, literalmente:

Ideias uniformes originadas em povos inteiramente desconhecidos entre si devem ter uma base comum de verdade. Este axioma é um grande princípio, que estabelece o senso comum do gênero humano, o qual foi o critério passado às nações pela

120 Vico, G. idem ,§ 314. 121 Verene, D.P. Vico’s Science of imagination, 1991, p.176-177. 122 Vico, G. idem ,§ 142.

71

providência divina para definir o certo sobre o direito natural dos povos, do qual [direito] as nações se certificaram em entender as unidades substanciais com as quais, com varias modificações, todas concordam. De que resulta o dicionário mental para dar origem às diversas línguas articuladas, com o que foi concebida a história ideal eterna que oferece as histórias de todas as nações no tempo. [...] 123

Vico percebeu que há um senso comum por detrás de toda

atividade humana, que não varia de nação para nação ou de povo para

povo, e toma essa percepção como base para a nova arte critica que

fundamenta sua Scienza nuova. Esta nova arte critica, que foi concebida, como

vimos acima, para o estudo metafísico a partir da história das ideias divinas

na mente humana, e que foi tema desenvolvido como a hermenêutica

viquiana no capítulo antecedente, é a chave que permitiu alcançar uma

ciência da mitologia à partir da junção da filologia com a filosofia,

considerando-se, tal como Vico faz expressamente, “que a primeira ciência a

ser aprendida é a mitologia, ou seja, a interpretação das fábulas (porque,

como se verá, todas as histórias gentílicas tiveram princípios fabulosos) e

que as fábulas foram as primeiras histórias das nações gentílicas”124

A partir do estudo da mitologia, aprende-se que a origem de todas

as nações é idêntica, independente de cronologia ou geografia: embora o

conteúdo da mitologia possa variar e os deuses possam ter nomes distintos,

eles tornam-se deuses por uma motivação comum do pensamento, do senso

comum, de toda a humanidade; porque todo pensamento começa na

123 Vico, G. idem, §§ 144-145: “Idee uniformi nate appo intieri populi tra essoloro non conoscinti, debbon’avere un motivo comune di vero. Questa Degnità è un gran principio, che stabilisce il senso comune del gener’umano ch’è il criterio infegnato alle nazioni dalla provvedenza divina, per definirei l certo d’intorno al diritto natural dele gente; del quale le nazioni si accertano con intendere l’unità sostanziali di cotal Diritto, nelle quali con diverse modificazioni tutte convengono: ond’esce il dizionario mentale da dar l’origini a tutte le lingue articolate diverse; col qual esta conceputa la storia ideal’eterna, che le dia le storie in tempo di tutte le nazioni. [...]”

124 Ibidem, § 51.

72

fantasia e toda comunicação fundamental humana depende de um contato

direto com a língua mental comum da humanidade, conforme enfatiza

Verene.125

Língua mental comum, senso comum, origem comum dos povos:

a exteriorização da providência divina atuante no interior do homem se dá

mais claramente na regularidade do curso histórico, em que povos e nações,

completamente estranhos entre si, obedecem a cursos de desenvolvimento

semelhantes. Vico, então, postula um modelo de desenvolvimento comum a

qualquer sociedade humana, independente do lugar de sua formação, que,

dividido em ciclos sucessivos das civilizações, constitui os corsi e ricorsi.

3.2 Corsi e Ricorsi – O desenvolvimento cíclico histórico

Motivo pelo qual esta Ciência descreve uma história ideal e eterna, decorrida no tempo por todas as nações, contemplando ascensão, progresso, decadência e queda. (Vico, 1744, § 349)

A “história ideal eterna“ a qual Vico alude, é o modelo de

desenvolvimento que todas as sociedades estão compelidas a cumprir,

contemplando ascensão e queda.

Esse desenvolvimento das sociedades segue três estágios bem

definidos – a idade dos deuses, a idade dos heróis e a idade dos homens – e

em ordem inalterável, haja vista cada um deles se constituir em

consequência das necessidades criadas pelo esgotamento das

potencialidades do estágio predecessor, conforme observa Berlin126.

125 Verene, D.P. op. cit., p. 177-178: ”sempre que articulamos palavras numa linguagem atual para nos comunicarmos, a nossa capacidade de alcançar o significado estará baseada na linguagem mental comum, que contém, em si, os lugares-comuns da mentalidade humana e que é alcançada por nossa fantasia.” 126 Berlin, I. Vico e Herder, 1982, p. 68-69.

73

Vale destacar que as mudanças cíclicas não se fazem de forma

peremptória, mas “como um rio de grande correnteza conserva por longo

trecho no mar a impressão do curso e a doçura das águas”127, podendo,

portanto persistir a característica de um determinado ciclo em pleno

desenvolvimento do ciclo posterior.

Além disso, os ciclos podem ser interrompidos, como, por

exemplo, no caso de invasão ou de tragédia natural, causando o colapso

prematuro de uma sociedade.

Sobre os três ciclos (ou idades), os homens da idade dos deuses

são cruéis e ferinos, vivem na barbárie, mas são muito religiosos (de uma

forma idolátrica)128 e formam associações, organizando-se em famílias e clãs.

A fantasia prevalece, de modo que esses homens são espontaneamente

poéticos.

Na idade heroica, os homens formam as cidades e as repúblicas

aristocráticas, surgindo as instituições e a estrutura baseada nas leis divinas.

É a fase das repúblicas aristocráticas, comandadas pela classe dos guerreiros.

A natureza desses homens é severa e poética. A fantasia ainda prevalece,

reforçada pela memória.

A idade dos homens é o ciclo racional. Observa-se a equidade, as

leis escritas e o principio de igualdade entre os homens. A poesia, contudo,

passa a ser artificial em decorrência da mente racional e da linguagem

abstrata, perdendo qualidade em relação à poesia dos ciclos antecedentes,

127 Vico, G. idem, § 629. 128 “Os homens primitivos estavam submetidos a regras mais rígidas que as das sociedades avançadas, e somente podiam avançar se elas não lhes parecessem ter sido feitas por eles mesmos, mas fossem objetivas e absolutas, e estivessem dotadas da autoridade de alguma vasta sanção externa: a natureza, Deus ou algo excessivamente misterioso e terrível para ser mencionado”, cf. Berlin, op. cit., p. 66.

74

em cujas mentes dos homens prevaleciam a força da sensação e da

imaginação.

Berlin129 faz uma descrição notável desse desenvolvimento cíclico

da sociedade à partir da Scienza nuova, notadamente do conteúdo da

Conclusão da Obra130, que vale a pena trazer à colação:

Eles [os homens primitivos] anseiam ter leis e, assim, inventam entidades objetivas chamadas direito, justiça e vontade divina, para manter e preservar sua forma de vida. Embora inconscientemente, são criados ritos que inspiram terror, a fim de proteger a tribo contra perigos e inimigos internos e externos.[...]

Na idade dos deuses, com o desenvolvimento da agricultura e a

adoção do sedentarismo, surgem as primeiras propriedades rurais, cujos

donos estavam sujeitos aos ataques dos homens “naturais”, ainda sem lei.

Para resistirem a esses ataques, juntam-se uns aos outros e formam os

primeiros grupos organizados, que darão origem aos primeiros povoados.

Alguns nômades buscam, então, proteção no interior dessas primeiras

paliçadas131, surgindo, deste modo, a primeira classe de escravos e servos.

E Berlin prossegue:

As instituições da idade heroica, que formam a estrutura das imprescritíveis leis “divinas” – cruel disciplina imposta, dentro dela, pelos governantes aos governados – dominaram a segunda fase da evolução social. [...] No devido tempo, os plebeus ficaram insatisfeitos com seu status inferior, baseado na suposição metafísica da desigualdade inerente das suas naturezas, que os provava dos direitos iguais aos dos seus donos, tais como o direito à herança, à

129 Ibidem, p. 66 – 67. 130 Vico, G. idem ,§§ 1097 e seguintes. 131 Ibidem , § 1099.

75

propriedade de terras, ao matrimônio e sucessão legais, e outros parecidos. Deu-se então novamente um aumento da pressão social, que deu ocasionalmente lugar a violentas batalhas pelos direitos civis e religiosos. A plutocracia e as recompensas ao mérito sucederam à oligarquia, e isso, por sua vez, sucumbiu ante as exigências de soberania popular, mantidas pela maioria dos desprivilegiados. Os ricos cresceram excessivamente seguros, e foram derrotados pelo populacho. A lei da justiça democrática começou a funcionar, com o seu acompanhamento de discussões livres, argumentos legais, prosa, racionalismo e ciência. A liberdade de palavra levou inevitavelmente consigo o questionamento irrestrito dos valores aceitados, isto é, a filosofia e a crítica e, no fim, terminou socavando a estrutura admitida da sociedade. O individualismo cresceu excessivamente e dissolveu os laços de união da massa popular, já não mais formando um bloco unido pelo terror inspirado pelas leis inexoráveis e sobrenaturais. Isso levou ao ceticismo e à destruição da religiosidade e da fé unificadora, e à desintegração do laço apertado do Estado “orgânico”. Todo esse processo resultou na anarquia ou (Vico era um pensador profundamente antidemocrático)na “liberdade incontrolada do povo, que é a pior das tiranias”[§ 1102]. A virtude cívica desapareceu e foi substituída pela anomia e pela violência arbitrária. Essa doença originou seu próprio e drástico remédio, representado, seja por um indivíduo forte, que dominou uma sociedade e restaurou a ordem e a moralidade (como Augustus fez em Roma), ou pela dominação de uma sociedade mais jovem e vigorosa, em estágio menos avançado e mais primitivo de desenvolvimento.

E o ciclo se completa com o advento da “barbárie da reflexão” e o

colapso da idade dos homens:

Mas, algumas vezes, a raiz do mal já tinha aprofundado excessivamente, e os membros da sociedade em decadência colapsaram em uma espécie de segundo barbarismo, mas não “barbarismo” da juventude ou “dos sentidos”,

76

senão no da “reflexão” – um tipo de senilidade e impotência, onde cada homem vive em seu mundo egoísta e dominado pela ansiedade, incapaz de comunicar-se ou de cooperar com seus semelhantes. Esta é a situação na qual os homens, embora “fisicamente continuem juntos, vivem como animais selvagens, em uma profunda solidão do espírito e da vontade, sendo escassamente capazes de concordar cada dois deles, visto que todos obedecem sua própria satisfação ou capricho”[§ 1106]. Os seres humanos desumanizados pelo que, em uma frase notável, ele chama esse “segundo barbarismo da reflexão” (la barbárie della reflexione) – “basicamente selvagens vivendo sob aparências amáveis” [§ 1106] – terminaram sucumbindo, vítimas de sua própria debilidade e corrupção. A sociedade caiu aos pedaços, seus membros foram destruídos em guerras terríveis contra os inimigos internos e externos, a civilização colapsou, os homens se espalharam, as cidades caíram, e sobre suas ruínas cresceu novamente a floresta. Desse modo, um ciclo se completou a si mesmo e deu-se o início de outro novo.

Findo o ciclo, ou terminado o “corso”, vem o “ricorso”, ou o início

de um novo ciclo: com a queda de Roma, cidades são perdidas para as

florestas, volta a brutalidade do tempo arcaico e a religião retoma sua função

de grande força de coesão da sociedade, uma vez que “os homens voltaram

a ser novamente religiosos, fieis e sinceros”132. É o tempo dos primeiros

senhores a organizarem os feudos, erigindo fortalezas primitivas para a

defesa contra os nômades bárbaros. É um novo ciclo da idade dos deuses.

Em seguida, passa-se ao segundo ciclo, ou à nova idade dos heróis,

no medievo dominado pelos sacerdotes, com os santos católicos fazendo as

vezes dos deuses do Olimpo e marcado pelo simbolismo característico desse

ciclo, os emblemas heráldicos ostentados nos escudos e pavilhões de armas.

132 Vico, G. idem, § 1106.

77

E chega-se, então, ao terceiro ciclo, com o fim das oligarquias e

observando os processos da idade dos homens até a alta civilização dos tempos

hodiernos.

A sequência, sabe-se, é o declínio e a queda, com novo “ricorso”

para o início de um novo ciclo.

Pelo tanto, num exame menos acurado, o modelo de

desenvolvimento social de Vico, a sua “história ideal eterna“, pode ser

tomado como um “círculo vicioso” do qual a humanidade não pode

escapar, pois os acontecimentos não resultam da vontade deliberada do

homem. Tal juízo pode, ainda, ser reforçado pelas palavras do próprio Vico,

que no § 348 da edição de 1744 da Scienza nuova, textualmente afirma que em

virtude do senso comum, e dada a ordem das coisas estabelecidas pela

Divina Providência, o curso das nações “teve, tem e terá de proceder."133

Mas tal entendimento não prevalece.

Ao se observar o segundo ciclo das idades, em especial a segunda

idade heroica, percebe-se grande correspondência e semelhança, mas não uma

perfeita identidade. O medievo apresenta uma marcante diferença em

relação ao período heroico do mundo clássico, que é o cristianismo; uma

diferença tanto mais profunda do ponto de vista do desenvolvimento ético e

moral, quando nos atemos ao fato de que Vico era um cristão professo.

133 E  ‘l  critério,  di  che  si  serve,  per  una  Degnità  sovra  posta,  è  quello   insegnato  dalla  Provvidenza  divina   comune   a   tutte   Nazioni,   ch’è   il   senso   comune   d’essa   gener’umano,   determinato   dalla  necessária  convenevolezza  di  questo  mondo  civile.  Quidi  regna   in  questa  Scienza  questa  spezie  di  pruove,  che  tali  DOVETTERO,  DEBBONO,  e  DOVRANNO  andar  ele  cose  delle  Nazioni,  quali  da  questa  Scienza   son   ragionate,   posti   tali   ordini   dalla   Provvidenza   Divina,   suffe   anco   che   dall’Eternità  nascessero  di  tempo  in  tempo  mondi  infiniti,  lo  che  certamente  è  falso  di  fato.  

78

Pelo tanto, o movimento cíclico da história deve ser considerado

antes espiral do que circular, o que rompe o pretenso “círculo vicioso” da

“história ideal eterna”.

Pelo outro lado da mesma questão, sobre o aludido parágrafo 348

da Scienza nuova, Pompa134 ressalta que a afirmação aposta contraria o que

Vico propõe na descrição da “história ideal eterna”, onde o desenvolvimento

cíclico da história é condicionado às circunstâncias do mundo real. Prever o

que acontecerá, se certas circunstâncias forem observadas, faz parte da

maioria das outras ciências, desenvolve Pompa, que deixam à história a

missão de confirmar o acerto ou não de suas previsões. Mas nenhuma

ciência pode jactar-se preditiva para determinar o que deve absolutamente

acontecer. Isso posto, Pompa conclui que o conceito de uma ocorrência

necessária ao invés de uma simples possível recidiva no padrão da “história

ideal eterna” não pode ser validamente deduzido da teoria política e social

de Vico.

Ademais, prossegue o argumento de Pompa, a filosofia de Vico

sobre a natureza humana e sobre a história nos propicia deliberar sobre o

que é preciso fazer diante de uma sociedade democrática em vias de

desestabilizar-se; mas não há em seu pensamento nada que prive os homens

em sociedade da responsabilidade de decidir por conta própria sobre o que

querem fazer. Destarte, a antinomia entre o aludido parágrafo e o teor

maior da Scienza nuova, não autoriza o desvirtuamento do que o Napolitano

conseguiu em sua grande obra. É, pelo tanto, muito mais plausível

considerar tais proposições como avaliações subjetivas, frutos da influência

das incertezas de Vico sobre o futuro da Europa de seu tempo, do que tê-las

como conclusões válidas de sua ciência.

134 Pompa, L. “Introduction”. In Vico, G. The first new Science. Cambridge: Cambridge University Press, 2002.

79

Além disso, conforme destaca Luglio135, a Scienza nuova pode ser

entendida como uma ampliação para o plano coletivo (para o

desenvolvimento histórico da humanidade) da concepção pedagógica

viquiana, onde o papel do “insegnante” é protagonizado pela providência

divina.

Vista por esse prisma, a Vertente Vico apresenta uma alternativa

para a emancipação da humanidade análoga à emancipação individual, com

a questão do conhecimento (da ciência e da educação) assumindo o foco

fundamental.

De fato, é oportuno destacar que a analogia entre homem e

história na Scienza nuova de Vico pode ser observada expressamente em

muitas passagens como, por exemplo, na Referência à República de Platão136

feita na Conclusão da Obra (“Conchiusione dell’Opera”), no seu parágrafo

376 (livro II), ou nos axiomas LXVI a LXVIII (livro I). Mas será na proposta

pedagógica de Vico que o foco será fixado nessa analogia para efeito do

desenvolvimento de uma ideia de emancipação da humanidade.

É sabido que a comparação entre o homem e o universo, entre

microcosmo e macrocosmo, remonta à antiguidade, assim como a ideia de

ciclos no movimento histórico humano não é própria de Vico, mas já

135 Luglio, D. La Science nouvelle ou l’extase de l’odre. Connaissance, rhétorique et science dans l’ouvre de G.B.Vico. Paris: Press Universitaires de France, 2003.

136  Vico,  G.  Op.  cit.,  §  1097:  “Conchiudiamo  adunque  quest’Opera  con  Platone;  il  quale  fa  una  quarta  spezie  di  Republica,  nella  qualle  gli  uomini  onesti,  e  dabbene  fussero  supreme  Signori;  che  farebbe  la   vera   Aristocracia  Naturale.   Tal   Republica,   la   qual’intese   Platone,   cosi   condusse   la   provvidenza  da’primi   incominciamenti  dele  nazioni;  ordinando,   che  gli  uomini  di  gigantesche  stature  più   forti,  che  dovevano  divagare  per  l’alture  de’  monti,  come  fanno  le  fieri,  che  sono  di  più  forti  nature,  eglino  a’primi   fulmini   dopo   l’Universale   Diluvio,   da   se   stessi   aterrandosi   per   entro   le   grotte   de’monti,  s’assoggettissero  ad  una  forza  superiore,  ch’immaginarono  giove:  e  tutti  stupore,  quanto  erano  tutti  orgoglio,   e   fierezza,   essi   s’umiliassero  ad  una  Divinità:   che  n   tal’ordine  di   cose  umane  non  si  può  intender’   altro   consiglio   essere   stato   adoperato   dalla   Provvidenza   Divina,   per   fermagli   dal     loro  bestial’errore  entro  la  gran  selva  della  Terra,  affine  d’introdurvi  l’Ordine  dele  cose  umane  civili.”  

80

discutida por Platão, Aristóteles e Políbio, na antiguidade, e retomada pelos

humanistas do renascimento137.

Nada obstante, há que se destacar a originalidade do Napolitano

em sua concepção do homem inseparável do processo de seu

desenvolvimento, tanto no aspecto físico, como moral, intelectual, espiritual

e, também social, político e artístico, levando-o, por conseguinte, à

necessária analogia entre individuo e sociedade, entre ontogênese e

filogênese, entre o particular e o universal.

Conforme Luglio138, a analogia, como um recurso retórico na

Scienza nuova de Vico, corrobora a evidência da providência divina atuando

no desenvolvimento histórico. A empatia com a mente dos homens do

mundo arcaico é construída através de uma base lógica à partir da

contraposição do particular e do universal, onde o homem primitivo se

mantém no particular, assim como as crianças; esta analogia com a infância

humana permite que as características dos primeiros homens sejam descritas

e passem de forma natural, com valor universal. Da mesma forma, os ciclos

do “corso” histórico refletem preparo e evolução para o ciclo seguinte, tal

como o homem se desenvolve para a vida adulta.

 137  Os  humanistas  do  período  do  Quattrocento  adotaram  a  teoria  da  circularidade  da  história  para  embasar   a   leitura   dos   eventos   de   seu   tempo   à   luz   daqueles   do   passado,   abandonando   a   teoria  agostiniana  da  linearidade  da  história  e  permitindo  uma  explicação  criativa  para  a  regeneração  dos  tesouros  de  gregos  e   romanos  que  estavam  eclipsados,  mas  não  destruídos,  durante  a   “idade  das  trevas”  e  cujo  esplendor  os  humanistas  eram  capazes  de  recuperar.   138 Luglio, D. op.cit.

81

3.3 A Vertente Vico: uma alternativa à vertente prevalente e à barbárie da reflexão

Vertente Vico é como se denomina no presente trabalho a via de

entendimento da ciência à partir dos preceitos da Scienza nuova de Vico,

considerada como uma alternativa à vertente prevalente, assim entendida a

via seguida pelos modernos do meado do século XVII e que definiu os

limites, os critérios e os caminhos que a ciência deveria seguir para se

constituir no que hoje conhecemos como a Ciência Moderna.

A vertente Vico não é, de modo algum, uma ciência distinta da

Ciência Moderna. Mas a proposta para uma Ciência Moderna modificada,

amplificada, para abranger os universos humano, ético e político,

interagindo numa mesma ciência com o universo das ciências naturais.139

Ambas as vertentes em tela propõem a emancipação do homem

através do conhecimento. Mas enquanto para a vertente Vico a exaltação do

valor do homem e de sua história, propugnando a prioridade de seu estudo

integral, remetendo ao ideal humanista de sabedoria e educação, tem vistas ao

resgate da exaltação da liberdade, da criatividade e da dignidade humanas,

para a vertente prevalente a razão é a via única: o conhecimento emancipa

porque nele está implícito o domínio da realidade, libertando o homem da

sujeição às forcas da natureza e aos dogmas ditados à partir de esferas

distintas daquela do domínio da pura razão. Para a vertente prevalente, a sua

base racionalista determina que a razão é o único instrumento para o

conhecimento, enquanto sua base mecanicista aponta para o domínio técnico

da natureza pelas artes mecânicas. 139 É possível identificar a vertente Vico como uma via da ideia do pensamento social, desde a tradição jurisprudencial romana até o desenvolvimento das ciências sociais. Uma linha de pensamento iniciada pelos sofistas da antiguidade, passando por Aristóteles e os oradores romanos, dos quais se destaca Cícero; passando pelos humanistas do Renascimento que atribuíram nova dignidade à vita ativa, até chegar nos teóricos sociais do mundo hodierno. Cf. Mooney, M. Vico in the tradition of rethoric, Princeton: Princeton University Press, 1985.

82

Trata-se a vertente Vico, pelo tanto, de uma proposta para a ciência

assestar seus instrumentos para uma orientação filosófica que privilegie a

vida prática, a civilidade e o comportamento humanos, na qual a razão

promova a integração de todas as faculdades humanas (a própria razão, os

sentidos e a fantasia, que para Vico abrange a memoria e o engenho), sob

pena, de não o fazendo, navegar para o vazio da razão desprovida de

imaginação; navegar para uma sociedade desprovida do vínculo do senso

comum; navegar para o declínio preconizado nos “ricorsi” e representado

pela barbárie da reflexão.

Com efeito, é fato que a ciência moderna, com seu paradigma no

racionalismo de Descartes e no mecanicismo de Newton, seguiu a vertente

prevalente firmada durante o iluminismo e reafirmada, mais tarde, no projeto

positivista de Augusto Comte, vicejando, ainda hoje, sob o império da

Mathesis Universalis, seguindo por uma via predominantemente logocêntrica,

em detrimento de outras faculdades humanas, especialmente das faculdades

do espírito.

E é igualmente fato, que nada obstante a via prevalente ter

proporcionado ao homem um vertiginoso desenvolvimento científico e

técnico, a sociedade hodierna está muito distante de conquistar a harmonia e

a felicidade pretendidas por Descartes na ideia de organização racional do

conhecimento, que inclui na sua noção de sabedoria a finalidade do bem-

estar do homem.

Tal dissociação entre a autonomia da razão e a conquista da

harmonia social e da felicidade do homem, contraria, portanto, algo que,

para Descartes, o pensamento instituiu como verdade fundamental. Mas

vem de encontro à previsão feita pela arte dignóstica de Vico, sob a forma da

barbárie da reflexão, evidenciada – dois séculos depois da edição definitiva da

83

Scienza nuova – por dois pensadores do mundo contemporâneo,

representantes da Escola de Frankfurt140, como a “aporia da autodestruição

do esclarecimento” implícita no desenvolvimento da vertente prevalente:

A aporia com que nos defrontamos em nosso trabalho revela-se assim como o primeiro objeto a investigar: a autodestruição do esclarecimento. Não alimentamos dúvida nenhuma - e nisto consiste nossa petitio principii - de que a liberdade na sociedade é inseparável do pensamento esclarecedor. Contudo, acreditamos ter reconhecido com a mesma clareza que o próprio conceito deste pensamento, tanto quanto as formas históricas concretas, as instituições da sociedade com as quais está entrelaçado, contém o germe para a regressão que hoje tem lugar por toda parte. Se o esclarecimento não acolhe dentro de si a reflexão sobre este elemento regressivo, está selando seu próprio destino. Abandonando a seus inimigos a reflexão sobre o elemento destrutivo do progresso, o pensamento cegamente pragmatizado perde seu caráter superador e, por isto, também sua relação com a verdade.141

Adorno e Horkheimer remetem à autonomia da razão a causa de

um modelo de racionalidade que submete todo o conhecimento à sua

140   O   reconhecimento   de   Horkheimer   à   contribuição   de   Vico   para   elucidação   histórica   já   foi  expresso  no   capitulo  precedente,   com  a   colação  de   seu   comentário   sobre   a   inovação  viquiana  na  aplicação  da  teoria  do  verum-­‐factum.  Horkheimer  e  Adorno  podem  ser  perfeitamente  identificados  na   vertente   Vico   da   ciência,   quando   reivindicam   uma   teoria   crítica   da   sociedade,   afirmando   que  aquilo  que  diz  respeito  ao  homem  nunca  pode  ser  tomado  como  um  dado  natural.  Tomar  o  homem  como  produtor  das  práticas  que  constituem  a   sua   realidade  é   tirá-­‐lo  da  esfera  dos  objetos   físico-­‐inertes,  é  considerar  a  impossibilidade  de  separar,  no  sujeito,  o  que  ele  é  do  que  ele  faz,  entendendo  que  a  ação  humana  se  distingue  da  ação  dos  objetos  naturais  por  ser  dotada  de  intencionalidade.  In  verbis:   “A  teoria  em  sentido  tradicional,  cartesiano,  como  a  que  se  encontra  em  vigor  em  todas  as  ciências  especializadas,  organiza  a  experiência  à  base  de   formulação  de  questões  que   surgem  em  conexão  com  a  reprodução  da  vida  dentro  da  sociedade  atual.  Os  sistemas  das  disciplinas  contêm  os  conhecimentos  de  tal  forma  que,  sob  circunstâncias  dadas,  são  aplicáveis  ao  maior  número  possível  de  ocasiões.  A  gênese  social  dos  problemas,  as  situações  reais  nas  quais  a  ciência  é  empregada  e  os  fins  perseguidos  em  sua  aplicação,  são  por  ela  mesma  considerados  exteriores.  -­‐  A  teoria  crítica  da  sociedade,   ao   contrário,   tem   como   objeto   os   homens   como   produtores   de   todas   as   suas   formas  históricas  de  vida.  As  situações  efetivas,  nas  quais  a  ciência  se  baseia,  não  é  para  ela  uma  coisa  dada,  cujo  único  problema  estaria  na  mera  constatação  e  previsão  segundo  as  leis  da  probabilidade.  O  que  é   dado   não   depende   apenas   da   natureza,   mas   também   do   poder   do   homem   sobre   ela”.   Cf.  Horkheimer,  1989a,  p.  69.    141 ADORNO, T.W. e HORKHEIMER, M. Dialética do esclarecimento: fragmentos filosóficos. 2.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1985, p. 13

84

subordinação. E mais, um modelo que se impõe como determinante do

próprio exercício da razão.

Com isso, o desenvolvimento do conhecimento, a expansão da

atividade racional, se resume à adequação de novos conteúdos a um mesmo

molde de racionalidade. A ideia do que é ciência, e de como a ciência deve

ser, tornou-se dependente da conformação do conhecimento ao molde da

Mathesis Universallis.

De fato, em sua proposta para reforma da filosofia, Descartes

elimina a dúvida que se origina da variação entre fundamento sensível e

fundamento intelectual, estabelecendo – a partir do intelecto – o fundamento

da certeza sobre a qual se edificará o conhecimento, e, desse modo,

empreende a unidade da razão, reunindo a razão teórica e a razão prática142.

Daí resulta que, ainda que se saiba que o racionalismo reconheça a

diferença entre a Física e a Moral, a necessidade de conhecimento evidente

em todas as áreas do saber implica que o conhecimento em moral siga,

necessariamente, o mesmo paradigma do conhecimento em física, ou seja,

que o conhecimento se submeta à certeza intelectual, à certeza matemática .

Isso evidencia a restrição à qual o desenvolvimento do

conhecimento na vertente prevalente está adstrito: todo desenvolvimento,

mesmo de um novo campo de conhecimento, está subordinado ao

paradigma matematizante, haja vista a noção daquilo que é ciência estar

subordinado a uma definição pré-concebida de conhecimento objetivo.

E como consequência, essa restrição deforma a realidade ao

transformá-la em objeto do conhecimento, uma deformação tanto mais

142 Razão prática no sentido da fronesis aristotélica; responsável pela apreciação, pelo discernimento dos fins.

85

grave, quando a ciência tem por objeto o homem, resultando, por

conseguinte, na reificação do sujeito, que, como única possibilidade de

conhecê-lo, o define nos termos mesmos da alienação.

É justamente essa representação reificada do sujeito que enseja

submissão e controle onde se pretendia emancipação através do

conhecimento adstrito ao molde da vertente prevalente. Eis, pois, como se

constitui a aporia a qual aludem Adorno e Horkheimer: a submissão surge

em detrimento da emancipação no mesmo passo em que o conhecimento

avança pela via logocêntrica de uma razão pura e coincide com a regressão

do humano à condição de objeto.

Tal regressão coincide perfeitamente com a barbárie da reflexão, que

é o estágio de decadência após um período de alta civilização, no qual a

sociedade colapsa para o advento de um “ricorso”, conforme os ciclos

históricos concebidos por Vico.

Não é de causar surpresa, portanto, a atualidade da proposta da

vertente Vico para a prevalência, tanto para o pensamento científico e

filosófico, quanto para os métodos de ensino, de uma razão abrangendo a

integração de todas as faculdades humanas – a razão, os sentidos, a fantasia

e o engenho – igualmente importantes e valiosas, numa perspectiva

praxista, concebida por Vico em uma época em que já viçavam o monismo

da razão iluminista e o cientificismo característicos do espírito cartesiano.

Nesse mesmo sentido, vale destacar as críticas expressas na Scienza

nuova dirigidas à vaidade dos doutos e das nações e à sustentação do

individualismo racional em detrimento da coesão social, prenunciando

igualmente o ciclo histórico da barbárie da reflexão.

86

Tais críticas, por não se limitarem ao campo teórico, mas efetivamente

propugnarem ações concretas, fazem da Scienza nuova de Vico uma ciência

também política, dando azo a consideração de uma vertente Vico, caracterizada

pela identificação de uma alternativa válida e atual à vertente prevalente.

3.4 A Proposta Pedagógica da Scienza nuova

A barbárie é a antítese do comportamento social. Com a

intervenção da educação a barbárie dá lugar à humanidade, pois dissipa-se a

corrupção da natureza humana, privilegiando-se a razão em detrimento da

indeterminação da mente humana143, haja vista o homem só conseguir

conferir intencionalidade à sua vontade quando supera o estado de

natureza.

Efetivamente, através do estudo do desenvolvimento do mundo

civil na “história ideal eterna”, denominada de arte diagnóstica por Vico,

tornou-se possível avaliar os graus de desenvolvimento civil e os perigos a

que estão submetidas as nações. Com base nessa arte diagnóstica, Vico

empreendeu, então, críticas à maneira como o conhecimento (englobando a

ciência e a educação) é considerado pelos modernos de sua época.

Tais críticas não se detiveram apenas em observações e

considerações, mas lançaram as bases de uma ação, através da proposta de

um enfoque que superasse o império da Mathesis Universalis, para

contemplar, igualmente, a possibilidade de conhecimento dos universos

ético, político e humano, interagindo numa mesma ciência. Uma proposta de

143 A indeterminação da mente humana decorre da impossibilidade de a criança já nascer com todos os conhecimentos que lhe serão uteis para a vida, conforme esclarece Guido, H., op.cit., p.87.

87

conhecimento que pudesse manter a idade dos homens, evitando a barbárie da

reflexão e sua inevitável consequência, o ricorsi, representado pela queda da

civilização.

E foi na educação que Vico depositou suas esperanças quanto à

perenidade da idade dos homens, conforme bem observa Guido144.

De fato, na sintetização entre filogênese e ontogênese das

constantes analogias presentes na Scienza nuova, Vico aponta a emancipação

individual como caminho para as nações. Nesse sentido, Guido destaca que

“o curso dos estudos deve conduzir à emancipação individual e à

consolidação da idade dos homens”145. Citando Vico:

O conhecimento das coisas naturais e das divinas é alcançado com estas doutrinas. A experiência das coisas humanas torna possível isto, que cada um cumpra o próprio dever, como homem e como cidadão. A doutrina moral forma o homem probo, a civil o cidadão sapiente, e uma e outra, em conformidade com os ditames da nossa religião, constituem a teologia que é chamada moral, e estas três doutrinas alargam e confluem na jurisprudência.146

Em sua Oração inaugural, de 1699, Vico retoma o célebre adágio

filosófico “conhece a ti mesmo”, promovendo-o à primeira tarefa educativa

do homem147.

144 Guido, H. op. cit, p. 83. 145 Ibidem, p.89. 146 Vico, G. Le orazioni inaugurali I – VI, p.199-201. 147 Ibidem, p. 81 Mooney, M. Vico in the tradition of rethoric, Princeton: Princeton University Press, 1985.

88

Observando o que é mais adequado a uma idade e menos a outra,

respeitando rigorosamente as peculiaridades da mente humana, a escola

deve oferecer o ensino das ciências respeitando o desenvolvimento cognitivo

do estudante. Pelo tanto, primeiramente a gramática, acompanhada do

estudo da poesia, da eloquência, da geografia e da história das nações

devem propiciar o conhecimento correto do uso da linguagem à criança e ao

adolescente. A geometria, igualmente uma disciplina tópica, se junta às

disciplinas anteriores para fechar o primeiro ciclo dos estudos. O ciclo

seguinte abrange o aprendizado das coisas naturais, com a instrução da

física e da anatomia, preparando a mente para o ciclo seguinte, que é o dos

estudos superiores: a metafísica, ou a filosofia, que – já na juventude – enseja

o estudo das coisas divinas como realidades verdadeiras, Deus e o

pensamento humano, além de promover, neste ciclo, a promoção para as

aptidões necessárias à vida prática, assim entendido o exercício da

cidadania.

Trata-se da proposta do saber dos sentidos, que privilegia as

faculdades sensíveis em contraposição ao método de estudos de sua época,

de orientação analítica, que Vico considerava ter efeito deletério pois:

podem podar nos jovens aqueles dotes da mente juvenil, que deveriam ser regulados e promovidos, cada um, por uma arte própria, como a memória com o estudo das línguas, a fantasia com a lição de poesias, história e oratória, o engenho com a geometria linear, que, de certa forma, é uma pintura que revigora a memória com o grande número de seus elementos, enobrece a fantasia com suas figuras delicadas, assim como com tantos desenhos com sutilíssimas linhas, acelerando o engenho em percorrê-las todas, e entre todas recolher as que necessita para demonstrar a grandeza que almeja; e tudo isso para aflorar, em tempos de juízo

89

maduro, uma sabedoria bem expressada, viva e aguda.”148

A condução do estudo à crítica, ensinada aos jovens para eliminar

da verdade primeira todo falso e toda suspeita de falsidade, posta, com

antecedência, fora e acima de todas as imagens sensíveis antes do

amadurecimento do juízo “contraria o curso natural das ideias, de antes

aprender, depois ajuizar e, finalmente, raciocinar; torna a juventude árida e

seca no desempenho, e sem mais fazer, quer ajuizar antes de qualquer

coisa.”149

Com efeito, os jovens são excelentes apenas na fantasia e na

memória; a velhice potencializa a razão. Assim a crítica, prematuramente,

ensinada aos jovens, impede que se cultive a fantasia e a memória, bem

como as artes que se valem destas, como a pintura, a poesia, a oratória e a

jurisprudência. Vico remete aos antigos, para os quais a geometria era a

lógica dos jovens: essa ciência que não pode ser bem aprendida sem a

capacidade de configurarem-se imagens.

Seguir o curso natural das ideias implica em não violentar a

natureza da mente dos jovens, que é altamente ligada ao sensível e ao

concreto, e deixar que eles se habituem gradualmente à razão segundo a

índole de sua idade. Pelo tanto, Vico defende que a tópica, como matéria de

ensinamento, deve preceder a crítica, considerando, ainda, pelo mesmo

ponto de vista, que a lógica formal deveria ser ensinada por último, pois,

148 Vico, G. Vita di Giambattista Vico, 1728, p. 169: con che si vengono a convellere ne’giovinetti quelle dotti della mente giovanile, le quali dovrebbero essere regolate e promose ciascuna da un’arte propia, come la memoria con lo studio dele lingue, la fantasia con la lesione de poeti, storici, ed oratori, l’ingegno con la geometria lineare, che in un certo modo è una Pittura la quale invigorisce la memoria con gran numero de suoi elementi, ingentilisce la fantasia con le sue delicate figure come con tanti disegni descritti con sottilissime linee e fa spedito l’ingegno in dover correrle tutte, e tra, tutte raccoglier quelle che bisognano per dimonstrare la grandeza che si domanda: e tutto ciò per fruttare a tempo di maturo giudizio, una sapienza ben parlante, viva ed acuta.” 149 Ibidem, p. 170: “contro il corso natural dell’idee, che prima apprendono, poi giudicano, finalmente ragionano; ne diviene la gioventù árida e secca nello spiegarsi e, senza far mai nulla, vuol giudicar d’ogni cosa.” À guisa de exemplo da relação ontogênese – filogênese, vide a Dignidade LIII na Scienza nuova, onde Vico apresenta a mesma progressão natural, mas aplicada à história.

90

sem uma bagagem empírica de imagens e opiniões, a lógica ou é útil por

incompreensível, ou é compreensível, porém inútil.

Por conseguinte, a proposta pedagógica de Vico prioriza o

processo natural do conhecimento e do aprendizado em contraposição ao

método cartesiano e suas implicações pedagógicas; foca mudanças ao

método de ensino de seu tempo, propugnando pela revalorização do ensino

de assuntos éticos que, segundo ele, haviam sido esquecidos pela pedagogia

moderna; pela volta do ensino da tópica dos antigos, a fim de que se

fomentasse nos jovens o engenho, ou inteligência aguda, que seria melhor

facultado para constituir uma prudência civil; e pela promoção do engenho

(o engenho é próprio para conhecer ou fazer, isto é, para a teoria e a práxis)

como a faculdade certa para qualquer investigação, dotado de capacidade de

observação e da perspectiva de encontrar o novo.

Sua proposta de formação intelectual é integralista, partindo de

uma instrução em todas as ciências e artes, exercitando as faculdades

humanas para enriquecer a mente com a invenção argumentativa da tópica.

Privilegia o senso comum visando o desenvolvimento da prudência e da

eloquência, para, então, e só então, incutir a crítica cartesiana e formar

inteligências aptas a julgar o verdadeiro e o verossímil, versando os jovens a

experienciar todos os campos do saber, valendo-se igualmente de técnicas

retóricas e analíticas.

Assim como na concepção de sua nova arte crítica Vico sintetiza

filosofia e filologia, promovendo o entrelaçamento do conhecimento do

particular com o universal, do verossímil com a verdade, do senso comum

com a ciência, a sua proposta pedagógica concilia tópica e crítica.

Destarte, Vico vê na educação uma instância capaz de promover a

atividade escolar e científica como práxis social, o que habilita a escola para,

além da instituição necessária para a reforma do pensamento, auxiliar

91

efetivamente a emancipação da humanidade na perspectiva coletiva, ou, por

outras palavras, proporcionar a perenidade na idade dos homens.

92

CONCLUSÃO

Contextualizando o surgimento da ciência moderna à partir de um

processo de rompimento com a tradição científica medieval, iniciado no

Renascimento e definido no meado do século XVII, com a assunção dos

limites, dos critérios e do entendimento do que é a ciência e do que a ciência

deve ser, apontando o caminho que a ciência deve seguir, apontando a

vertente prevalente da ciência, a presente dissertação logrou apresentar a

tensão característica da época de Vico: uma época tumultuada pelas

disputas entre partidários da tradição humanista e os modernos, entusiastas

do desenvolvimento científico e adeptos do cartesianismo; tumultuada pelo

grande obstáculo epistemológico representando pela autoridade da religião

cristã e pelas disputas entre ortodoxos e heterodoxos.

Nesse contexto, Vico desenvolveu sua Scienza nuova, conciliando

vantagens do método dos antigos com as vantagens do método dos

modernos, apresentando uma proposta de ampliação do paradigma do

saber, que deveria abranger a possibilidade de conhecimento dos universos

humano, ético e político em interação numa mesma ciência. Dito de outra

forma, não intencionava o Napolitano, a criação de uma nova ciência, mas

tão somente valer-se da sabedoria humana representada pela sabedoria

poética, pela retórica, pelo direito, pela filosofia, para renovar a ciência

demonstrando a possibilidade de desenvolvimento científico livre do

império exclusivo da Mathesis Universalis.

93

Entretanto, nada obstante o desenvolvimento de seu pensamento

filosófico se verificar pelo propósito de conciliação entre a tradição

humanista e a ciência moderna, que despontava, há que se reconhecer a

originalidade de Vico e de sua obra.

Com efeito, à partir de uma concepção inovadora da metafísica,

que deixa de ocupar-se com a contemplação e com a especulação sobre

Deus, trazendo seu foco para a terra, buscando na história aquilo que

buscava até então na mente divina, a Scienza nuova de Vico aponta o

conhecimento das coisas humanas como a chave para responder à grande

questão de todas as épocas sobre o que é o homem.

Valorizando todas as faculdades humanas, o Napolitano identifica

o engenho como a faculdade específica do saber, por sua capacidade de unir

coisas separadas e diversas. Desse modo, aliando filosofia e filologia

desenvolveu a nova arte crítica como método hermenêutico, no qual

revitaliza a antiga teoria do verum-factum, aplicando-a, com originalidade,

para a descoberta histórica. Também com originalidade, valoriza o senso

comum como princípio objetivo da evolução histórica, ao mesmo tempo em

que é considerado como a fundação subjetiva de uma compreensão

histórica.

Da aplicação de seu método hermenêutico, Vico desenvolve sua

teoria de evolução cíclica da história, com seus “corsi” e “ricorsi”, para, à

partir de então, estruturar a arte diagnóstica de avaliação do grau de

desenvolvimento e dos riscos aos quais as nações estão sujeitas.

Com base em sua arte diagnóstica, Vico alerta para o risco

representado pela barbárie da razão, fase que identifica com a Europa de seu

tempo e que prenuncia a queda da civilização, ou o “ricorso” de seus ciclos

históricos.

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A Scienza nuova empreende, então, críticas aos erros intelectuais dos

modernos, à vaidade dos doutos e das nações e à cultura científica hermética e

afastada de sua função social, pois fundada na filosofia monástica e nos valores

individualistas do racionalismo cartesiano. Essas críticas não se restringem

apenas em observações e considerações, mas propugnam por ação,

caracterizando, pelo tanto, a proposta de uma ciência também política.

Assim, a Scienza nuova propõe uma orientação filosófica para a

ciência que considere o ideal de integralidade humana, propondo uma

reflexão filosófica e uma concepção científica que abranja o humanismo

cívico e retórico, sempre conciliando os saberes antigos da tradição

humanista com o pensamento moderno dos adeptos do desenvolvimento da

ciência.

Propõe, igualmente, um projeto pedagógico, enfatizando a finalidade

pública e social do saber; uma proposta educativa que leve em consideração as

peculiaridades da mente humana, respeitando o desenvolvimento cognitivo do

estudante e que propicie a instrução em todas as ciências, privilegiando o senso

comum e integrando – no devido tempo – a crítica cartesiana para a formação

de inteligências aptas a experienciar todo o potencial da mente humana.

A Scienza nuova de Vico, pelo tanto, é a proposta de uma

alternativa para a vertente que prevalece como paradigma da ciência. A

proposta da vertente Vico é a orientação de um caminho para a ciência por

uma terceira via, a qual dista tanto do racionalismo absolutista, quanto do

relativismo empirista; a qual dista tanto do dogmatismo, quanto do ceticismo.

Uma vertente que conjuga a razão e a historia; a teoria e a práxis.

Essa vertente Vico pode ser identificada na história do pensamento

social, na evolução da tradição da jurisprudência romana, passando por

95

Vico, para seguir até o desenvolvimento das ciências sociais

contemporâneas.

Trata-se, a vertente Vico, de uma alternativa fundada na síntese

entre universal e particular; entre o ideal da perenidade na idade dos homens

e o factual dos ciclos históricos; entre o verdadeiro e o real, conforme

explícito na concepção da nova arte crítica, que une a Filosofia – a ciência do

verdadeiro, que se desenvolve sobre a temática da justiça – e a Filologia – a

ciência do fato, do certum, que se desenvolve sobre a temática da linguagem

e tradições dos povos.

Destarte, lembrando a ênfase do humanista Pico della Mirandola

sobre a dignidade do homem essencialmente representada pelo poder de

escolha, a esperança de emancipação vislumbrada na vertente Vico reside no

conhecimento, ou, mais especificamente, na educação que prepara o

individuo para suas escolhas, propiciando a autonomia para a permanência

na idade dos homens, emancipando da heteronomia dos “corsi” e “ricorsi”

o homem em sua perspectiva coletiva.

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