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1. Introdução Na Região Norte de Portugal registam-se, frequentemente, movimentos de vertente dispersos com grande capacidade destrutiva, que foram responsáveis por mortes, destruição de habitações e estradas. Apesar das perdas produzidas não existem programas de mitigação e zonamento do risco a movimentos de vertente e regulação do uso do solo imple- mentadas a nível municipal. O Projecto MapRisk (PTDC/GEO/68227/2006, nanciado pela FCT) pretende desenvolver a análise da perigosidade e risco a movimentos de vertente para fornecer uma base para a tomada de decisões no planeamento ao nível muni- cipal. Este projecto tem como Objectivos gerais: (1) rever a legislação portuguesa relacionada com a perigosidade e gestão do risco; (2) aplicar métodos e técnicas de investiga- ção uniformizados para identicar, classicar e cartografar os movimentos de vertente à escala regional; (3) avaliar e validar a susceptibilidade a movimentos de vertente utili- zando técnicas diferentes; (4) denir cenários de risco pro- babilístico integrando a informação da frequência de mo- vimentos de vertente; (5) denir a vulnerabilidade e o valor dos elementos em risco; (6) analisar o risco a movimentos de vertente à escala regional; e (7) estabelecer orientações para a prevenção e mitigação do risco a movimentos de vertente ao nível municipal. Na Região Norte estes objectivos estão a ser concretizados nos concelhos de Santa Marta de Penaguião e Arcos de Val- devez (Figura 1). Neste trabalho, apresentam-se alguns resultados da apli- cação de duas metodologias utilizadas no inventário de movimentos de vertente: uma indirecta (interpretação de ortofotomapas) e outra directa (levantamento de campo). É apresentada uma síntese de resultados e são discutidas as vantagens e limitações dos métodos utilizados. No projecto adoptamos a classicação de movimentos de vertente proposta pela Working Party on World Landsli- de Inventory (1993) e apresentada por Cruden e Varnes (1996), que considera 5 tipos principais de movimentos de vertente: queda, balançamento, deslizamento, expansão la- teral e uxo. Segundo Cruden e Varnes (1996) e Guzzetti (2005), a in- ventariação dos movimentos de vertente e a sua utilização na avaliação da perigosidade relaciona-se com as seguintes Movimentos de vertente à escala municipal: identicação, classicação e representação cartográca S. Pereira 1 , C. Bateira 2 , M. Santos 3 & L. Martins 3 1 Bolseira de Doutoramento da FCT, Departamento de Geograa, FLUP 2 Departamento de Geograa, FLUP 3 Alunos de Mestrado em SIG e Ordenamento do Território, Departamento de Geograa, FLUP [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected] Resumo: Na Região Norte de Portugal registam-se frequentemente movimentos de vertente com grande capacidade destrutiva, que foram responsáveis por mortes, destruição de habitações e estradas. Apesar destas perdas não existem programas de mitigação e zonamento do risco a movimentos de vertente e a regulação do uso do solo implementados a nível municipal. O Projecto MapRisk pretende desenvolver a análise da perigosidade e risco a movimentos de vertente para fornecer uma base para a tomada de decisões no planeamento ao nível municipal. Na Região Norte estão a ser testadas diferentes técnicas de cartograa da susceptibilidade e risco a movimentos de vertente, nos concelhos de Santa Marta de Penaguião e Arcos de Valdevez. Estas duas áreas distintas do ponto de vista morfológico, litológico e da dinâmica de vertentes exigiram a aplicação de diferentes metodologias para a realização do inventário de movimentos de vertente. Em ambas as áreas de estudo utilizaram-se os mesmos critérios para a interpretação de situações de instabilidade de vertentes a partir da análise de ortofotomapas. Estes registos foram valida- dos através de trabalho de campo com metodologias adaptadas às áreas em questão. Apresentam-se os resultados do inventário de movimentos de vertente e discutem-se as vantagens e diculdades na utilização destas duas metodologias. Demonstra-se que a conjugação da interpretação de ortofotomapas com a realização de trabalho de campo é uma boa solução para a realização de inventários de movimentos de vertente, permitindo identicar e caracterizar as situações de instabilidade de vertentes. O inventário dos movimentos de vertente ao nível municipal foi incorporado numa base de dados com ligação ao SIG, constituindo uma proposta de base de dados municipal a manter e actualizar, para explorar a relação entre movimentos de vertente e o conjunto de factores que os condicionam e desencadeiam. Abstract: e northern Portugal region is frequently aected by destructive landslides that have been responsible for death people and houses and roads destruction. Despite these losses, the mitigation and zonation landslides programs and the land use regulation are missing at the municipal level.e MapRisk project intends to develop a landslide hazard and risk analysis to support planning decisions at the municipal level. In the northern region we are testing dierent landslide susceptibility and risk cartographic techniques at the municipalities of Santa Marta de Penaguião and Arcos de Valdevez. ese two areas, distinct from the morphological, lithological and slope dynamics point of views, require the application of dierent methodologies for landslides inventories. In both study areas we used the same criteria for landslide interpretation, using ortho-rectied aerial photographs. ese records were validated through eld work with methodologies adapted to the study areas. In this work we present the results of the landslides inventory, and we discuss the main advantages and diculties of used methodologies. We conclude that combination of aerial photo interpretation and eld verication is a good compromise to achieve a reliable landslide inventory, which will allow a good slope instability characterization. e landslide inventory and classication at municipal level was brought together in a database connected to a GIS. us, we built a municipal landslide database that is used to explore the relationship between landslides and its conditioning and triggering factors. Palavras-chave: MapRisk; Susceptibilidade; Movimentos de Vertente. Keywords: Maprisk; Susceptibility; Landslides. Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Volume VI, APGEOM, Braga, 2009, p. 149-154 149

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1. Introdução

Na Região Norte de Portugal registam-se, frequentemente, movimentos de vertente dispersos com grande capacidade destrutiva, que foram responsáveis por mortes, destruição de habitações e estradas. Apesar das perdas produzidas não existem programas de mitigação e zonamento do risco a movimentos de vertente e regulação do uso do solo imple-mentadas a nível municipal. O Projecto MapRisk (PTDC/GEO/68227/2006, !nanciado pela FCT) pretende desenvolver a análise da perigosidade e risco a movimentos de vertente para fornecer uma base para a tomada de decisões no planeamento ao nível muni-cipal. Este projecto tem como Objectivos gerais: (1) rever a legislação portuguesa relacionada com a perigosidade e gestão do risco; (2) aplicar métodos e técnicas de investiga-ção uniformizados para identi!car, classi!car e cartografar os movimentos de vertente à escala regional; (3) avaliar e validar a susceptibilidade a movimentos de vertente utili-zando técnicas diferentes; (4) de!nir cenários de risco pro-babilístico integrando a informação da frequência de mo-vimentos de vertente; (5) de!nir a vulnerabilidade e o valor

dos elementos em risco; (6) analisar o risco a movimentos de vertente à escala regional; e (7) estabelecer orientações para a prevenção e mitigação do risco a movimentos de vertente ao nível municipal.Na Região Norte estes objectivos estão a ser concretizados nos concelhos de Santa Marta de Penaguião e Arcos de Val-devez (Figura 1).Neste trabalho, apresentam-se alguns resultados da apli-cação de duas metodologias utilizadas no inventário de movimentos de vertente: uma indirecta (interpretação de ortofotomapas) e outra directa (levantamento de campo). É apresentada uma síntese de resultados e são discutidas as vantagens e limitações dos métodos utilizados.No projecto adoptamos a classi!cação de movimentos de vertente proposta pela Working Party on World Landsli-de Inventory (1993) e apresentada por Cruden e Varnes (1996), que considera 5 tipos principais de movimentos de vertente: queda, balançamento, deslizamento, expansão la-teral e "uxo. Segundo Cruden e Varnes (1996) e Guzzetti (2005), a in-ventariação dos movimentos de vertente e a sua utilização na avaliação da perigosidade relaciona-se com as seguintes

Movimentos de vertente à escala municipal: identi!cação, classi!cação e representação cartográ!caS. Pereira1, C. Bateira2, M. Santos3 & L. Martins3

1Bolseira de Doutoramento da FCT, Departamento de Geogra!a, FLUP2Departamento de Geogra!a, FLUP3Alunos de Mestrado em SIG e Ordenamento do Território, Departamento de Geogra!a, [email protected]; [email protected]; [email protected]; [email protected]

Resumo: Na Região Norte de Portugal registam-se frequentemente movimentos de vertente com grande capacidade destrutiva, que foram responsáveis por mortes, destruição de habitações e estradas. Apesar destas perdas não existem programas de mitigação e zonamento do risco a movimentos de vertente e a regulação do uso do solo implementados a nível municipal. O Projecto MapRisk pretende desenvolver a análise da perigosidade e risco a movimentos de vertente para fornecer uma base para a tomada de decisões no planeamento ao nível municipal. Na Região Norte estão a ser testadas diferentes técnicas de cartogra!a da susceptibilidade e risco a movimentos de vertente, nos concelhos de Santa Marta de Penaguião e Arcos de Valdevez. Estas duas áreas distintas do ponto de vista morfológico, litológico e da dinâmica de vertentes exigiram a aplicação de diferentes metodologias para a realização do inventário de movimentos de vertente. Em ambas as áreas de estudo utilizaram-se os mesmos critérios para a interpretação de situações de instabilidade de vertentes a partir da análise de ortofotomapas. Estes registos foram valida-dos através de trabalho de campo com metodologias adaptadas às áreas em questão. Apresentam-se os resultados do inventário de movimentos de vertente e discutem-se as vantagens e di!culdades na utilização destas duas metodologias. Demonstra-se que a conjugação da interpretação de ortofotomapas com a realização de trabalho de campo é uma boa solução para a realização de inventários de movimentos de vertente, permitindo identi!car e caracterizar as situações de instabilidade de vertentes. O inventário dos movimentos de vertente ao nível municipal foi incorporado numa base de dados com ligação ao SIG, constituindo uma proposta de base de dados municipal a manter e actualizar, para explorar a relação entre movimentos de vertente e o conjunto de factores que os condicionam e desencadeiam.

Abstract: #e northern Portugal region is frequently a$ected by destructive landslides that have been responsible for death people and houses and roads destruction. Despite these losses, the mitigation and zonation landslides programs and the land use regulation are missing at the municipal level.#e MapRisk project intends to develop a landslide hazard and risk analysis to support planning decisions at the municipal level. In the northern region we are testing di$erent landslide susceptibility and risk cartographic techniques at the municipalities of Santa Marta de Penaguião and Arcos de Valdevez. #ese two areas, distinct from the morphological, lithological and slope dynamics point of views, require the application of di$erent methodologies for landslides inventories. In both study areas we used the same criteria for landslide interpretation, using ortho-recti!ed aerial photographs. #ese records were validated through !eld work with methodologies adapted to the study areas. In this work we present the results of the landslides inventory, and we discuss the main advantages and di%culties of used methodologies. We conclude that combination of aerial photo interpretation and !eld veri!cation is a good compromise to achieve a reliable landslide inventory, which will allow a good slope instability characterization. #e landslide inventory and classi!cation at municipal level was brought together in a database connected to a GIS. #us, we built a municipal landslide database that is used to explore the relationship between landslides and its conditioning and triggering factors.

Palavras-chave: MapRisk; Susceptibilidade; Movimentos de Vertente.Keywords: Maprisk; Susceptibility; Landslides.

Publicações da Associação Portuguesa de Geomorfólogos, Volume VI, APGEOM, Braga, 2009, p. 149-154

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premissas:- Os movimentos de vertente produzem marcas que podem ser identi!cadas, classi!cadas e cartografadas no campo ou por foto-interpretação. A maior parte das evidências de movimentos de vertente são morfológicas, devido a alte-rações na superfície topográ!ca e no uso do solo, coberto vegetal ou litologia;- As caraterísticas morfológicas de cada movimento de vertente dependem da sua tipologia (queda, balançamen-to, deslizamento, expansão lateral e "uxo) e velocidade de deslocamento. Por norma, o mesmo tipo de movimento de vertente produz características morfológicas semelhantes;- “O passado e o presente são as chaves para o futuro”, o que signi!ca que a instabilidade de vertentes futura deverá ocorrer em condições semelhantes às actuais e passadas. Por isso, os inventários de movimentos de vertente são importantes para compreender a distribuição espacial dos movimentos de vertente passados e prever a localização das

futuras ocorrências.

2. Caracterização da área de estudo

As duas áreas de trabalho analisadas neste estudo são bas-tante distintas do ponto de vista morfológico, litológico e da dinâmica de vertentes. Desde logo, o concelho de Arcos de Valdevez, com 480 km2 de área, é bastante maior do que Santa Marta de Penaguião, com 70 km2. Adicionalmente, estes dois concelhos apresentam uma grande variedade morfológica.O concelho de Arcos de Valdevez tem quatro unidades morfológicas (Figura 2):- Os fundos de vale amplos e regulares do Rio Vez e seus a"uentes;- Superfícies aplanadas culminantes mal conservadas;- Vertentes complexas com rechãs e patamares agrícolas com sectores de maior encaixe da rede hidrográ!ca nos valeiros;- Vertentes rectilíneas de declive forte a muito forte nas Ser-ras da Peneda e Soajo. Santa Marta de Penaguião apresenta cinco unidades mor-fológicas principais (Figura 3):- O vale do Rio Corgo, encaixado e meandrizado e com sectores de fortes declives;- Vertentes de declive forte a muito forte no sector este da Serra do Marão;- Vertentes regularizadas com terraços agrícolas;- Superfícies aplanadas culminantes e mal conservadas.Os concelhos apresentam uma grande diferença em rela-ção à ocupação do solo, segundo a Corine LAND Cover de 2000, escala 1: 100 000. Em Arcos de Valdevez os principais tipos de ocupação do solo são: os espaços "orestais degra-

Figura 1 – Localização dos concelhos de Arcos de Valdevez e Santa Marta de Penaguião.

Pereira, S. et al.

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Figura 2 – Altimetria do concelho de Arcos de Valdevez.

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dados: cortes e novas plantações (17% da área), vegetação esparsa (15%), culturas anuais associadas às culturas per-manentes (14%) e matos (12%), entre outros com menor importância. Em Santa Marta de Penaguião, mais de meta-de da área do concelho está ocupada com a monocultura da

vinha (52%) e a restante com !orestas mistas, de folhosas e resinosas.Em Arcos de Valdevez dominam as manchas de rochas gra-nitóides (Figura 4), com depósitos de vertente soli!uxivos e mantos de alteração graníticos com espessura variáveis en-

Movimentos de vertente à escala municipal: identi!cação, classi!cação e representação cartográ!ca

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Figura 3 – Altimetria do concelho de Santa Marta de Penaguião.

Figura 4 – Carta Geológica do concelho de Arcos de Valdevez (1:50 000)Fonte: Carta Geológica de Portugal, folhas 1 D e 5B, escala 1: 50 000, 1985 e 1974, IGM.

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tre 0,5 m a 4 m (espessuras observadas nos levantamentos de campo). Em Santa Marta de Penaguião, pelo contrário, dominam as rochas metassedimentares e alguns depósitos de vertente soli!uxivos no sector Este do concelho (Figura 5).As precipitações médias anuais mais elevadas localizam-se em Arcos de Valdevez, variando entre os 1600 mm no Vale do Rio Vez e os 3500 mm na Serra da Peneda. No Vale do Rio Corgo, em Santa Marta de Penaguião, a precipitação média anual é de 700 mm e vai aumentando até aos 2500 mm no sector este da Serra do Marão (Daveau, 1977).

3. Metodologia

As diferenças observadas nas duas áreas de trabalho exi-giram a aplicação de diferentes metodologias para a aqui-sição dos registos de instabilidade e a sua caracterização.A primeira fase da metodologia para o inventário de mo-vimentos de vertente passou pela interpretação de ortofo-tomapas à escala 1:5 000, com resolução de 50 cm, obtidos nos anos de 2005 e 2006. Os critérios utilizados para a realização da interpretação de ortofotomapas foram semelhantes nos dois concelhos. Através da observação atenta dos ortofotomapas procura-ram-se as seguintes evidências de instabilidade de verten-tes:- Cicatrizes de movimentos de vertente e áreas de acumu-lação visíveis; - Crescimento diferenciado na vegetação que coincide com áreas de vertentes;- Sectores de estradas e taludes destruídos, que não indi-ciem a intervenção antrópica na sua origem;

- Muros de terraços agrícolas destruídos ou reconstruídos, embora estes últimos sejam extremamente difíceis de dis-tinguir pelo ortofotomapa;- Existência de irregularidades em vertentes predominan-temente rectilíneas;- Áreas com solo remexido, que normalmente no ortofo-tomapa têm uma cor que varia entre o branco e o amarelo claro;- Evidências de edifícios total ou parcialmente destruídos;- Abruptos rochosos que indiciem possíveis quedas de blo-cos;- Linhas de água de primeira ordem que indicem eventuais !uxos de detritos.Após o levantamento de todas as prováveis situações de ins-tabilidade através da análise dos ortofotomapas, realizou-se trabalho de campo para con"rmar ou anular os registos obtidos. Através da foto-interpretação é difícil identi"car a tipologia dos movimentos de vertente, pelo que o trabalho de campo foi uma melhor solução para realizar esta tarefa.No campo registaram-se também todos os movimentos de vertente encontrados que não tinham sido detectados de forma indirecta. A metodologia de trabalho de campo foi adaptada em função da dimensão das áreas de estudo e das principais situações de instabilidade de vertentes identi"-cadas.Em Arcos de Valdevez utilizou-se a carta topográ"ca à es-cala 1: 25 000 com a referência dos pontos de instabilidade para veri"car no campo, um PDA com GPS (precisão de 10 m) para georreferenciar novos movimentos e PDA com projecto de ArcMap com planimetria e altimetria à escala 1: 10 000 para desenhar/corrigir os limites dos movimentos de vertente.

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Figura 5 – Carta Geológica do concelho de Santa Marta de Penaguião (1:50 000) Fonte: Adaptado a partir da Carta Geológica de Portugal, folhas 10C e 10 D, escala 1: 50 000, 1967 e 1987, IGM; da Carta Geológica de Portugal, Folha 2, escala 1: 200 000, 2000 e de Coke (2000).

Pereira, S. et al.

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O facto de Santa Marta de Penaguião ser um concelho mais pequeno permitiu a utilização dos ortofotomapas à escala 1:5 000 com a referência dos pontos de instabilidade para veri!car no campo, curvas de nível com uma equidistância de 10 metros e rede hidrográ!ca à escala 1:5 000, onde foi possível desenhar os limites dos movimentos de vertente. Além disso, como em Arcos de Valdevez, utilizou-se ainda um PDA com GPS (precisão de 10 m) para georreferenciar novos movimentos e PDA com projecto de ArcMap com planimetria e altimetria para desenhar/corrigir os limites dos movimentos de vertente. Nesta área registaram-se, sobretudo, processos de instabilidade ligados aos terraços agrícolas com muro de suporte e áreas de terraços com ta-ludes em terra, não identi!cados nos ortofotomapas. Em ambas as áreas a georreferenciação realizada com GPS foi meramente indicativa, devido ao erro de precisão asso-ciado ao aparelho. Os pontos levantados com GPS foram posteriormente ajustados sobre os ortofotomapas.A terceira fase do trabalho esteve relacionada com o pre-enchimento da base de dados de movimentos de vertente. Cada registo de campo começou por ser codi!cado e foi preenchida a informação relativa à localização, tipologia (segundo a WP-WLI, 1993), estado de actividade, data de ocorrência e fonte, numa base de dados em Access com li-gação ao so"ware ArcGis 9.2. Neste ponto foram também desenhados os limites dos movimentos de vertente que es-tão ligados à base de dados. Criou-se ainda um arquivo fo-tográ!co dos registos de movimentos de vertente inseridos na base de dados, que ajudam a completar as classi!cações em gabinete.

4. Resultados

A observação dos ortofotomapas permitiu identi!car 168 situações de instabilidade em Arcos de Valdevez e 46 em Santa Marta de Penaguião. Todas estas situações de ins-tabilidade assinaladas com um ponto foram veri!cadas no levantamento de campo. Destas, 34 % dos pontos de instabilidade identi!cados pelos ortofotomapas em Santa Marta de Penaguião e 17,8% em Arcos de Valdevez foram eliminados. No campo foram identi!cadas mais situações

de instabilidade de vertentes do que com os ortofotomapas. Em Arcos de Valdevez foram levantados 389 novos movi-mentos e em Santa Marta de Penaguião 721 (Fig. 6). Apesar deste último concelho possuir mais registos de mo-vimentos de vertente, estes têm uma dimensão média me-nor (535 m2) do que em Arcos de Valdevez (9667m2), como se exempli!ca nas Figuras 7 e 8. O concelho de Arcos de Valdevez tem uma baixa densidade de movimentos de ver-tente (0,9/km2), enquanto Santa Marta de Penaguião tem uma densidade de 10,5 movimentos/km2. Na prática signi-!ca que há mais movimentos de vertente em Santa Marta de Penaguião e estes são em média de menor dimensão do que em Arcos de Valdevez.Relativamente às tipologias de movimentos de vertente en-contradas nas áreas de estudo, estas são bastante diferen-tes (Fig. 9). Os deslizamentos super!ciais correspondem a 80% dos registos de instabilidade em Santa Marta de Pe-naguião, enquanto em Arcos de Valdevez a variedade de movimentos de vertente é maior: a maior parte dos registos corresponde a desabamentos de terras (35%), seguido pelos deslizamentos super!ciais (23%), desabamentos de rocha (14%) e #uxos de detritos (10%).

5. Conclusões

Este inventário e classi!cação sistemática de movimentos de vertente ao nível municipal está incorporado numa base de dados em SIG, constituindo uma proposta de base de

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Figura 6 – Percentagem de movimentos de vertente identi!cados em orto-fotomapas e trabalho de campo.

Figura 7 – Extracto do inventário de movimentos de vertente em Arcos de Valdevez

Figura 8 – Extracto do inventário de movimentos de vertente em Santa Marta de Penaguião

Movimentos de vertente à escala municipal: identi!cação, classi!cação e representação cartográ!ca

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dados municipal a manter e actualizar para se explorar a relação entre movimentos de vertente e o conjunto de fac-tores que os condicionam e desencadeiam.Para a realização do inventário de movimentos de vertente foram utilizadas duas metodologias de aquisição dos da-dos: uma indirecta, através da interpretação dos ortofoto-mapas e outra directa, baseada no trabalho de campo.No início do trabalho utilizou-se a interpretação dos orto-fotomapas, porque permite uma visão realista do terreno com as mesmas propriedades métricas e de escala de um mapa, aliada a uma boa escala de trabalho para a análise municipal (1: 5 000). Além disso, os ortofotomapas pos-suem uma resolução aceitável para a identi!cação de movi-mentos de vertente (50 cm), sobretudo de maior dimensão. Os ortofotomapas apresentam ainda custos de trabalho re-duzidos, porque foram cedidos pelas respectivas câmaras municipais.No entanto, apresentam algumas desvantagens que devem ser consideradas. Uma delas é a existência de áreas de som-bra e a di!culdade de visualização nas áreas com vegetação densa e "oresta. Por outro lado, apenas permitem identi!-car movimentos de vertente de maiores dimensões e ocorri-dos recentemente, porque os vestígios de instabilidade são rapidamente apagados. Em Arcos de Valdevez é frequente as áreas afectadas serem rapidamente cobertas por vegeta-ção herbácea e matos. Em Santa Marta de Penaguião, além disto, nas áreas de vinha, os muros de suporte dos terraços são rapidamente reconstruídos ou são terraplanados e re-convertidos em áreas de vinha com taludes em terra sem estruturas de suporte. Apesar disso, a existência de muros de terraços agrícolas destruídos é o melhor testemunho da instabilidade de vertentes nesta área.Nos movimentos de vertente mais antigos aumenta a di!-culdade em identi!car os seus limites, uma vez que estão cobertos com vegetação, ou as estruturas afectadas foram reconstruídas, nomeadamente as estradas e os muros dos terraços agrícolas. Neste contexto, os inventários de mo-vimentos de vertente devem ser realizados logo após um evento de instabilidade de vertentes para se reunir o máxi-mo de informação possível.A interpretação de vestígios de instabilidade de vertentes através de ortofotomapas exige um bom conhecimento do terreno e, por outro lado, não permite uma visão 3 D do re-levo. Adicionalmente, este método de trabalho não permite a identi!cação das datas de ocorrência dos movimentos de

vertente para a análise das combinações críticas de precipi-tação, o que requer a realização de inquéritos às populações ou a pesquisa em periódicos locais.O trabalho de campo apresenta uma vantagem importante que é o contacto directo com o objecto de estudo, do qual decorrem a melhor informação sobre as datas de ocorrên-cias dos movimentos de vertente, a delimitação mais cor-recta dos movimentos de vertente e o ajustamento dos cri-térios para a interpretação dos ortofotomapas.O trabalho de campo é a melhor forma de con!rmar ou anular os registos de instabilidade obtidos de forma indi-recta e a identi!cação de movimentos de vertente cuja área afectada foi reconstruída ou reconvertida (muros de terra-ços reconstruídos e lanços de estrada repavimentados, com fendas ou ondulações no pavimento).Contudo, o trabalho de campo representa sempre um acrés-cimo de custos nas deslocações e alojamento e aumento de tempo na obtenção dos registos, principalmente no caso de Arcos de Valdevez. Por vezes, é difícil entrar em proprie-dades privadas ou áreas de difícil acesso. Em Santa Marta de Penaguião, o trabalho de campo não permitiu observar movimentos de vertente de menor dimensão desenvolvi-dos em áreas de terraços agrícolas sem muro de suporte e construídos com taludes de terra, devido à lavra frequente, que apaga os vestígios existentes. Em síntese, há grandes vantagens em utilizar as duas metodologias descritas no inventário de movimentos de vertente, atendendo ao seu carácter complementar.

Referências bibliográ!cas

Agência Portuguesa de Ambiente, 2000. Corine Land Cover 2000. Minis-tério do Ordenamento do Território e Desenvolvimento Regional.

Coke, C., 2000. Evolução Geodinâmica do ramo sul da Serra do Marão: um caso de deformação progressiva em orógenos transpressivos .Disser-tação apresentada à Universidade de Trás-os-Montes para a obtenção do grau de doutor em Geologia, Vila Real.

Cruden, D. M., & Varnes, D. J., 1996. Landslide types and processes. In A. K. Turner, & R. L. Schuster (Edits.), Landslides: investigation and mi-tigation (Vols. Special Report 247, Transportation Research Board, pp. 36-75). Washington D.C.: National Research Council.

Daveau, S., 1977. Répartition et rythme des précipitations au Portugal. Memórias do C.E.G .

Guzzetti, F., 2005. Landslide hazard and risk assessment. Bona: Disserta-ção de Doutoramento.

WORKING PARTY ON WORLD LANDSLIDE INVENTORY, U., 1993. Bulletin of the International Association of Engineering Geology. pp. 53-57.

Pereira, S. et al.

Figura 9 – Percentagem de movimentos de vertente por tipologia.