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REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA - LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2013

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REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA - LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO 2013

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

ANNA EMILIA CORDELLI ALVES

REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA -

LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR

MESTRADO EM DIREITO

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, como exigência parcial paraobtenção do titulo de Mestre em Direito Tributário sob a orientação do ProfessorDoutor Paulo de Barros Carvalho.

São Paulo

2013

BANCA EXAMINADORA

______________________________

______________________________

______________________________

ANNA EMILIA CORDELLI ALVES

REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA -

LIMITESCONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR

RESUMO

O presente trabalho visa construir o conteúdo da norma constitucional que rege a prestação direta e indireta de serviço público especifico e divisível, sob o ponto de vista do Direito Tributário e dos direitos e garantias do usuário. Tal norma será construída a partir da conjugação da regra constitucional do artigo 145, inciso II, inserida no Sistema Constitucional Tributário, com aquela do artigo 175, posta na Ordem Econômica. Entende-se que o valor pago pelo usuário deverá ter sempre natureza tributária, posto que para aConstituiçãoo serviço público, independentemente de quem venha a prestá-lo,tem natureza deres extra commercio (é uma utilidade e não um produto). Por tal motivo, o texto constitucional cria, em seu artigo 145, inciso II instrumento tributário especifico para remunerar a prestação de serviço, sem distinguir a prestação direta pelo Estado, da prestação indireta pelo particular, concessionáriode serviço publico. Ademais, o artigo 175 da Constituição não cria instrumento diverso da taxa para remunerar a prestação indireta do serviço publico. A política tarifária - que por determinação constitucional é estabelecida por lei infraconstitucional – diz respeito ao contrato de concessão entre o Poder Concedente e o concessionário. Trata-se de relação jurídica que não envolve o usuário. Propõe-se entender a política tarifária como a conjugação do valor pago pelo usuário para fazer face ao custo do serviço, e que tem natureza tributária, com receitas outras tais como subsídios, receitas alternativas, receitas dos impostos, de modo a garantir a justa remuneração do concessionário (lucros e investimentos).No plano pragmático é possível conceber entre o usuário e o concessionário, a instauração de uma relação tributaria parafiscal , mediante a delegação, pelo Poder Concedente, ao prestador de serviço, da capacidade ativa para ser sujeito ativo do referido tributo. Finalmente, a interpretação construída, além de garantir que o usuário remunere exclusivamente o custo do serviço, como lhe garante o artigo 145, inciso II da CF, poderá resultar para o concessionário: (a) na possibilidade de exclusão do valor percebido a titulo de taxa da base de cálculo dos impostos que venham a incidir sobre sua receita operacional, (b) na constitucionalidade da remuneração do serviço publico de utilização potencial.

PALAVRASCHAVES: TAXA, POLITICA TARIFÁRIA, CONCESSIONÁRIO, SERVIÇO PÚBLICO, TARIFA.

ANNA EMILIA CORDELLI ALVES

REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA –

LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR

ABSTRACT

The present paper intends to construe the content of the constitutional rule that governs the direct and indirect provision of specific and divisible utility services from the point of view of the Tax Law and end users’ rights and guarantees. Such rule will be construed under the constitutional provision section 145(II) of the Constitutional Tax System combined with section 175 in the Economic Order. The purpose herein is to show that the amounts paid by end users always have a taxable nature, seeing that for the Constitution the utility service is a res extra commercio (it is a utility and not a product), regardless of its provider, which implies the absence of profit in such provision. For that reason, in its section 145(II) the constitutional text provides a specific tax instrument to remunerate the provision of such services without distinguishing whether it is provided directly by the State or indirectly by a private party, a public utility company. Furthermore, section 175 of the Federal Constitution does not provide any other instrument to remunerate indirect utility services provision. The rate policy – which under constitutional provision is established by non-constitutional rule – is related to the services agreement between the Administration and the services provider. This is a legal relationship where the end user is not involved at all. The proposal herein is to understand the rate policy as the combination between the rate paid by the user to face service costs, and which has a taxable nature, and other revenues, such as subsidies, alternative revenues and tax revenues to warrant a fair remuneration to the services provider (profits and investments). Pragmatically, the existence of a parafiscal tax relationship between the end user and the services provider may be conceived upon the Administration’s delegation of its taxable capacity to the services provider that is the actual collector of such tax. Finally, this construction, in addition to warranting that the end user will remunerate only the cost of the services, as guaranteed by section 145(II) of the Federal Constitution, will grant to the services provider: (a) the possibility of excluding the amount collected as rate from the tax base of the taxes incident on its operational income; (b) the lawful remuneration of potentially usable utilities.

KEY WORDS: RATE, RATE POLICY, UTILITY SERVICES PROVIDER,

UTILITY SERVICES, TAX

- 1 -

REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO – TAXA E TARIFA -

LIMITES CONSTITUCIONAIS IMPOSTOS AO LEGISLADOR

(...) ou a Constituição é norma e, pois preceito obrigatório, ou

não é nada, não existe, não tem eficácia. O que não pode o

jurista é atribuir-lhe a singela função de lembrete ou

recomendação. A Constituição, lei máxima, sagrada e superior,

ordena, manda, determina, impõe. A tarefa do intérprete é

exatamente, desvendar o que a norma esta impondo, em cada

caso. (...) (GERALDO ATALIBA- “HIPOTESE DE INCIDENCIA

TRIBUTARIA”

- 2 -

SUMÁRIO

1- INTRODUÇÃO...................................................................................................................6

2- METODOLOGIA DO TRABALHO.....................................................................................9

3- SISTEMA CONSTITUCIONAL....................................................................................... 17

3.1. Evolução Historia de Sistema ...............................................................................17

3.2. O Direito positivo como Sistema.............................................................................. 19

3.3. Ordenamento e Sistema..........................................................................................21

3.4. A Constituição como Norma Máxima do Ordenamento Jurídico.............................22

3.5. Das Normas de Estrutura e Normas de Conduta...................................................25

4- INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS..............................................29

4.1. Interpretação como construção de conteúdo.................................................... 29

4.2. Dispositivo Legal e Norma Jurídica .......................................................................30

4.3. Processo Dialético da Compreensão do Texto...................................................31

4.4. Dos Princípios e Valores Constitucionais- Importância na Interpretação das Normas

Constitucionais............................................................................................................... 34 4.5. Interpretação conforme a Constituição .................................................................35

4.6. A Interpretação não e neutra ..................................................................................36

4.7. Princípios específicos para a interpretação da Norma Constitucional 38

4.7.1. Principio da unidade da Constituição................................................................... 38

4.7.2. Principio da Efetividade....................................................................................... 38

5- PROPOSTA DE CONSTRUCAO DE SENTIDO DA NORMA CONSTITUCIONAL QUE

REGE A PRESTACAO DE SERVICO.............................................................................40

5.1. Dos Planos Sintático, Semântico e Pragmático.................................................. 40

6- A CONSTITUIÇÃO E A ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS........................................43

6.1 Competências Materiais e Legislativas................................................................43

6.2. Regras de Competência como Regras de Estrutura..............................................46

- 3 -

6.3.Competência Legislativa Tributária e Capacidade para ser Sujeito Ativo da Relação

Juridico-Tributário.......................................................................................................48

7- DA NOCAO DE TRIBUTO...............................................................................................50

7.1. Espécies Tributárias- Generalidades....................................................................50

7.2. Taxa e Serviço Público...........................................................................................52

8- O CONCEITO DE SERVICO PUBLICO. SUA EVOLUCAO........................................... 55

8.1. Breve Histórico do Direito Europeu.......................................................................55

8.2. Serviço Publico no Direito Brasileiro- Breve Histórico............................................61

8.3. Disciplina da Prestação do Serviço Público na Constituição de 88...................... 63

9- CARACTERIZACAO DE DETERMINADA ATIVIDADE COMO SERVICO

PUBLICO.........................................................................................................................66

9.1. A Constituição Brasileira acolhe como Serviço Público atividades de titularidade do

Poder Publico............................................................................................................66

9.2. Serviço Público Próprio e Impróprio.....................................................................67

9.3. O Serviço Público e os Valores Fundamentais.................................................... 68

9.4. Os Direitos Fundamentais como Valores objetivos e fins da ação do Poder

Público.............................................................................................................................70

9.5. Classificação dos Direitos Fundamentais............................................................. 72

9.6. Dos Direitos Fundamentais Sociais......................................................................72

9.7 Da Proteção ao Mínimo Existencial........................................................................74

10- A NOCAO DE SERVICO PUBLICO NA CONSTITUICAO DE 1988............................... 75

10.1. Da Flexibilização do conceito..............................................................................75

10.2. Das Concepções Doutrinarias de Serviço Publico...............................................78

10.3. Uma Proposta de Construção do Conteúdo de “Serviço Público”......................... 81

10.3.1. A Constituição Federal estabeleceu clara distinção entre a Atividade Econômica

e a Prestação de Serviço Público.............................................................................83 10.3.2. Dos Serviços atribuídos a União.................................................................... 86

- 4 -

10.3.3. Dos Serviços atribuídos aos Estados............................................................... 87

10.3.4. Dos Serviços atribuídos aos Municípios ...........................................................87

10.3.5 Busca do Significado Pretérito de “Serviço Público”, Concessão e

Permissão................................................................................................................... 87 10.3.6. Do significado de “Serviço Publico” na Regra Matriz da Taxa de Serviço (Artigo

145, II da CF).......................................................................................................... 90

11- REGIME JURIDICO DA REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO ESPECIFICO E

DIVISIVEL........................................................................................................................94 11.1. Das Taxas..............................................................................................................94

11.1.1. Origem do Tributo..............................................................................................94

11.1.2. Perfil Constitucional da Regra Matriz de Incidência...................................... .96

11.1.2.1 Aspecto Material- Núcleo da Hipótese de Incidência.........................99

11.1.2.2 Serviço Público Específico e Divisível.............................................. 100

11.1.2.3. O Serviço Publico e a Composição do Fato Jurídico Tributário.................103

11.1.2.4. Utilização Efetiva ou Potencial....................................................... 104

11.1.2.5. Caráter Contraprestacional................................................................109

11.1.2.6. Conceito Jurídico...............................................................................113

11.1.2.7. Base de Cálculo................................................................................. 113

11.1.2.7.1. A Taxa não pode ter Base de Cálculo de Imposto...................... 114

12- TAXA E PREÇO PUBLICO.......................................................................................... 117

12.1. Preço, Tarifa e a Imunidade Recíproca.................................................................121

12.2. Conteúdo de Preço Publico para o presente Trabalho....................................... 130

13- TAXA E TARIFA............................................................................................................134

13.1. Regime Constitucional.......................................................................................134

13.2. Princípios da Ordem Econômica e Financeira................................................ 135

13.3 Normas Aplicáveis a Prestação Indireta de Serviço Publico............................ 137

13.4. Concessão de Serviço Público- Regime Jurídico da Prestação........................ 139

13.5. Histórico Constitucional da Tarifa..................................................................... 141

- 5 -

13.6.“Tarifa” – Natureza Jurídica Tributária ou Não Tributária- Discricionariedade do

Legislador?............................................................................................................ 143 13.7. Crítica das Condicionantes impostas à Discricionariedade do Legislador para a

fixação do valor devido pela Prestação Indireta de Serviço Público......................... 148

14- TARIFA, TAXA E POLÍTICA TARIFÁRIA - NOVO SENTIDO

HERMENÊUTICO.................................................................................................... 153

14.1. As receitas devidas ao Concessionário e que compõem a “cesta tarifaria” possuem

distintos regimes jurídicos........................................................................................156

14.2. O Legislador infraconstitucional não tem liberdade de optar pela Taxa ou pela

Tarifa............................................................................................................................... 15914.3. Análise do regime tarifário sob a ótica dos direitos e garantias do usuário-

contribuinte..........................................................................................................................161 14.4. Requisitos para a construção de um Novo Sentido Hermenêutico....................... 165

14.5. Adoção de “Novo Referencial”..............................................................................178

14.6. Serviço Público - Direito Constitucional do Usuário Contribuinte ........................ 183

14.7. Do Direito Constitucional do Concessionário........................................................ 185

14.8. Do Plano Pragmático da Construção de Sentido Proposta.................................. 189

15- TEMAS CONEXOS...................................................................................................192

15.1. Taxa e Capacidade Contributiva.................................................................... 192

15.2. Taxa e Principio da Solidariedade.................................................................. 194

16- CONCLUSÕES.............................................................................................................198

- 6 -

1- INTRODUÇÃO

Reza a Magna Carta, em seu artigo 145, inciso II, que a prestação de serviço

público específico e divisível será remunerada por tributo vinculado da espécie taxa

de serviço.

Afirma-se, também, que o serviço público específico e divisível, passível de

tributação, somente será remunerado por taxa quando a prestação ocorrer

diretamente pela pessoa de direito público interno competente – União, Estados e

Municípios. Isso porque, a mesma Constituição que cria a figura da taxa para

remunerar a prestação de serviço público especifica e divisível, cuida - no artigo 175

do Capítulo da Ordem Econômica - da política tarifária, para a hipótese da prestação

indireta dos referidos serviços, por pessoas diversas da figura do ente público.

Boa parte dos estudiosos do Direito Administrativo afirma que na hipótese de

serviços públicos concedidos não é possível adotar-se a “taxa” como remuneração,

uma vez que o regime jurídico tributário não se coaduna com o instituto da

concessão.

Muito embora alguns estudiosos do direito tributário tenham se debruçado

sobre o tema, os trabalhos mais expressivos sobre a remuneração dos serviços

públicos concedidos encontram-se na seara do Direito Administrativo.

Busca-se com o presente trabalho propor uma definição da natureza jurídica

da remuneração paga pelo usuário quando da prestação indireta de serviço públicos,

à luz do sistema constitucional tributário.

Assim, propõe-se analisar o conceito originário e respectiva evolução da

expressão “serviço público”, até a atualidade, bem como as eventuais figuras

remuneratórias – taxas, preços públicos, tarifas, etc.

- 7 -

Não basta, porém, compreender o conceito de serviço público, visto que nem

todo serviço público apresenta as características de especificidade e divisibilidade,

pressupostos que devem necessariamente estar presentes para que ocorra o fato

imponível da taxa de serviço.

Impõe-se também uma análise das diversas formas de prestação de serviço

público, de suas características e peculiaridades constitucionais, com especial

atenção para o estudo da assim chamada “política tarifária”, constante do artigo 175

da Carta Magna.

De posse de tais conceitos e considerando que por sua própria

natureza, taxa e tarifa são institutos jurídicos diversos; considerando ainda que cabe

ao Poder Público, por si ou por terceiros, a prestação de serviço público ininterrupto

e de boa qualidade, buscar-se-á responder às seguintes indagações:

1- Como justificar, em face do sistema constitucional tributário pátrio, deva o

contribuinte pagar valor muito superior pela prestação de serviço público

especifico e divisível por terceiros (tarifa), do que aquele pago (taxa)

quando o mesmo serviço seja prestado diretamente pela pessoa de direito

público interno?

2- Tem o contribuinte o direito constitucionalmente garantido de pagar apenas

o valor da taxa (custo do serviço) exigida quando da prestação indireta do

serviço público especifico e divisível?

Importante salientar que o tema objeto do presente trabalho implica em uma

tomada de posição contrária àquela agasalhada pela Ciência do Direito

Administrativo e, bem assim pela Jurisprudência pátria sobre a matéria. De fato, está

consolidado o entendimento no sentido de que a taxa deve remunerar

exclusivamente os serviços públicos prestados diretamente pelo Estado.

- 8 -

A posição a ser adotada neste trabalho, porém, não é isolada. Decorre de

estudos e leitura de autores, especialmente de estudiosos do Direito Tributário, que

demonstram certo desconforto com a definitividade do referido entendimento.

Esse desconforto aparece nítido, por exemplo, em HUGO DE BRITO

MACHADO, quando afirma que em um país como o Brasil, no qual a esmagadora

maioria do povo vive em estado de pobreza ou miserabilidade, é óbvio que o serviço

público para cumprir sua função jurídica natural terá de ser remunerado por valores

baixos, muitas vezes subsidiados. Lembra o autor que o Estado, por exemplo, ao

licitar a concessão de um serviço público, coloca entre os itens da “cesta tarifária” o

denominado valor da outorga (quantia a ser paga pela vencedora da licitação ao

poder concedente). Ao pagar tal valor, afirma o autor, a empresa concessionária o

inclui como “custo” de sua atividade e o considera na fixação da tarifa cobrada do

usuário. Porém o valor da outorga não traz qualquer beneficio para o usuário, não

configura contraprestação por utilidade que deva ser ofertada pelo Estado. Ademais,

ressalta ainda corretamente, que, na outra ponta, os serviços prestados pela

concessionária sofrem tributação por via de impostos, tendo em vista não serem

beneficiados pela imunidade. Questões como essa, demonstram que a tarifa ao

contrário da taxa, cuja base de cálculo é o custo do serviço incorpora valores muito

além do custo que, indevidamente são exigidos do usuário (inclusive com o repasse

para a “tarifa” de carga tributária do prestador particular)

Desse modo, as questões formuladas nesta Introdução, serão enfrentadas à

luz do sistema constitucional tributário, adotando-se um sistema de referência

diverso daquele agasalhado por significativa doutrina e jurisprudência

Finalmente, e para que restem claros os limites deste estudo, estaremos nos

referindo àqueles serviços públicos específicos e divisíveis, assim qualificados

constitucionalmente.

- 9 -

2- METODOLOGIA DO TRABALHO

“Todo o conhecimento é redutor de dificuldades” ensina PAULO DE BARROS

CARVALHO. Porém, não existe conhecimento sem sistema de referência: esta é a

condição sem a qual aquele não subsiste. É por se colocarem em um tipo de sistema

de referência que os objetos adquirem significado, pois algo só se apresenta

inteligível na medida em que conhecida sua posição em relação a outros elementos,

tornando-se clara sua postura relativamente a um ou mais sistemas de referência1·.

A palavra método é derivada do grego méthodos que significa caminho para

se chegar a um fim. 2

O método é o meio escolhido pelo sujeito que busca conhecer para aproximar-

se do objeto por ele delimitado. LOURIVAL VILANOVA desenvolveu e aplicou, no

Brasil, o método denominado constructivismo lógico-semântico.

“Constructivismo” é vocábulo empregado para denominar a teoria que defende

a idéia de que há sempre intervenção do sujeito na formação do objeto. As normas

não são dadas, de antemão, no ordenamento, mas dependem de uma atividade

construtiva, em que se atribui sentido ao texto de lei. A norma jurídica, unidade

irredutível de manifestação do deôntico é no dizer do Professor VILANOVA, “uma

estrutura lógico-sintática de significação”. É a significação construída na mente do

intérprete, resultado da leitura dos textos do direito positivo, apresentando a forma de

um juízo hipotético. Adotado esse método, o cientista do direito não se limita a

contemplar o texto da lei, mas efetivamente constrói os sentidos normativos.3

1 DEL PADRE TOMÉ, FABIANA- “Vilém Flusser e o Constructivismo Lógico-semântico” in “Vilem Flusser e

Juristas- Comemoração dos 25 anos do Grupo de Estudos de PAULO DE BARROS CARVALHO”, coordenação

FLORENSE HARET E JERSON CARNEIRO, NOESES, 2009, p. 321

2 AUTORA TOMAZINI, p. 45

3 Autora e obra citada, p.323 e 324

- 10 -

Nessa proposta metodológica o esforço do sujeito é acentuado nos planos

lógico e semântico, mediante o emprego de técnica analítica para decompor o objeto

de estudo em uma série de elementos que facilitem a compreensão do fenômeno

que se observa.

No constructivismo lógico-semântico o objeto de análise é a linguagem. O

método em questão tem por procedimento reduzir os complexos lingüísticos a

elementos básicos, para facilitar a compreensão de seu significado. Trata-se de

trabalho analítico com influência culturalista4, em razão de ser o direito um objeto

cultural. Assim, o referido método analisa a linguagem jurídica e, a cada instante,

recupera a circunstância do homem, contextualizando-o (aspecto culturalista) 5

Ademais, o constructivismo lógico semântico considera que a positivação do direito

se opera mediante a presença indispensável da linguagem, num contexto de

crenças, idéias e convicções, decorrentes dos valores dos sujeitos que integram a

sociedade6.

Na linha do constructivismo lógico-semântico há interdependência entre o

sujeito e objeto: o sujeito só é sujeito perante um objeto e o objeto só é objeto em

face de um sujeito. E tal relação ocorre em um contexto especifico, sendo o

conhecimento determinado pela cultura. O conhecimento não aparece como relação

entre sujeito e objeto, mas como relação entre linguagens, entre significações,

inserindo-se na concepção da filosofia de linguagem (giro lingüístico) 7. Sendo

produzido pelo homem, o conhecimento apresenta-se condicionado ao contexto em

que opera, dependendo do meio social, do tempo histórico e até mesmo da vivência

4 “No que diz respeito ao culturalismo, este tem em MIGUEL REALE seu maior representante brasileiro. Essa

corrente filosófica consiste em uma concepção do Direito integrada pelo historicismo e pelos princípios

fundamentais da Axiologia, considerando a teoria dos valores em função dos graus de evolução social. É

exatamente o toque de cultura que, na lição de PAULO DE BARROS CARVALHO, evita que se pretenda entrever

o mundo pelo prisma reducionista do mero racionalismo descritivo- DEL PADRE TOMÉ, FABIANA, obra citada p.

326

5 Autora e obra citada, p.325 a 327

6 Autora e obra citada, p. 327

7 Autora e obra citada, p. 329

- 11 -

do sujeito cognoscente. Ademais, entre o conhecimento e comunicação há um

vinculo incindível. Só existe conhecimento, propriamente dito, quando este se torna

objetivo e comunicável. Com isso tem-se a superação da dualidade sujeito

cognoscente/realidade conhecida: o que se percebe é a realidade vista pelo sujeito,

sendo dependente de condições subjetivas e intersubjetivas8

O Neopositivismo9 enfatiza a linguagem como instrumento e como meio de

controle do saber científicos10. Aquela corrente de pensamento percebeu a

necessidade de se construir modelos artificiais de linguagem para a comunicação

cientifica, visto que tal comunicação enseja uma rigorosa e sistemática visão do

mundo. 11.

8 Autora e obra citada, p.331

9 “NEOPOSITIVISMO LÓGICO ou, simplesmente, POSITIVISMO LÓGICO - além de FILOSOFIA ANALÍTICA,

EMPRIRISMO CONTEMPORÂNEO ou EMPIRISMO LÓGICO - são os nomes pelos quais dá a conhecer uma

corrente do pensamento humano que adquiriu corpo e expressividade em Viena, na segunda década do século

XX, quando filósofos e cientistas se encontravam, sistematicamente, para discutir problemas relativos à natureza

do conhecimento científicos. Tratavam, portanto, de Filosofia das Ciências, mais preocupados, porém, com uma

Epistemologia Geral, na medida em que cada um dos participantes lá estava movido pelos interesses específicos

do seu campo de indagações. O grupo era heterogêneo, reunindo filósofos, físicos, sociólogos, matemáticos,

psicólogos, lógicos, juristas (Kelsen esteve presente em alguns encontros), etc.. Profundamente interessados nos

fundamentos das respectivas Ciências, mantiveram intenso intercâmbio de idéias, num regime de cooperação

intelectual poucas vezes registrado, circunstância que possibilitou uma série de conclusões tidas como válidas

para os diversos setores do conhecimento. É daí que se pode falar de uma Epistemologia Geral, isto é, de uma

teoria critica voltada para o estudo e a análise dos conceitos básicos, dos princípios e dos objetivos do

conhecimento científico em geral, bem como dos resultados de sua efetiva aplicação. A forte preocupação com

os princípios básicos do saber científicos ainda não é suficiente para caracterizar a índole desse movimento

filosófico. De fato, tal tendência epistemológica revela uma redução do campo filosófico, uma vez que a Filosofia

da Ciência não se esgota com as especulações a propósito do quadro de possibilidades e das avaliações

atinentes a Epistemologia. Vai mais além. Os neopositivistas lógicos reduziram também a Epistemologia à

Semiótica, compreendida esta como teoria geral dos signos, abrangendo todo e qualquer sistema de

comunicação, desde os mais singelos e primitivos até os sistemas lingüísticos dos idiomas naturais e das

linguagens formalizadas das Ciências. (PBC- Linguagem e método p. 21)

10 Os neopositivistas lógicos afirmam que “compor um discurso científicos é verter em linguagem rigorosa os

dados do mundo, de tal sorte que ali onde não houver precisão lingüística não poderá haver Ciência”)

11

CARVALHO, PAULO DE BARROS- “ Linguagem e Método`- p. 27 e 28

- 12 -

La science n´est pas autre chose qu’ une langue bien fait. Citando Taine,

WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO afirma que essa condição é plenamente

assumida pela filosofia contemporânea que, reconhecendo a maior autoridade das

ciências na aquisição segura de conhecimentos, volta-se para a pesquisa dos

fundamentos daqueles de natureza lingüística, pois é comum a todas o fato de se

constituírem como linguagem, entendida esta no sentido de conjunto sistemático de

signos. Ensina GUERRA FILHO que para cumprir essa tarefa surge no século XX

uma nova disciplina, a semiótica, a partir do trabalho de lógicos e filósofos como

Charles Sanders, Peirce, Frege, Bertrand Russell e principalmente L.Wittgenstein,

bem como sob o influxo de movimentos que se respaldam no pensamento deste

último, como o positivismo lógico do Circulo de Viena ou a filosofia analítica do Grupo

de Oxford.12

A importância atribuída à linguagem para a busca do conhecimento implica na

necessária utilização dos recursos semióticos, os quais permitem analisar a

linguagem sob as seguintes dimensões: (a) sintática, em que os signos lingüísticos

são examinados nas suas relações mútuas, isto é, signos com signos; (b) semântica:

que se ocupa da relação do signo com o objeto que ele representa; e c) pragmática:

em que os signos são vistos na relação que mantém com os utentes da linguagem.

PAULO DE BARROS CARVALHO13 ressalta que os neopositivistas, na

procura da depuração discursiva, outorgam uma importância muito grande à sintaxe

e à semântica, em detrimento do ângulo pragmático. Nesse sentido propõe que se

tome a língua14 como um sistema de signos15 (em vigor numa determinada

12

Teoria da Ciência Jurídica, 2ª edição, 2009, Ed. Saraiva. p. 117

13 In “Linguagem e Método” – p. 28

14 A palavra “língua” é tomada pelo jurista como sinônimo de idioma. Para o autor, “Linguagem” é palavra mais

abrangente, significando a capacidade do ser humano para comunicar-se por intermédio de signos cujo conjunto

sistematizado é a “lingua””- in “ Linguagem e Método” (p.32)

15 PAULO DE BARROS CARVALHO assim define “signo”: é uma unidade de um sistema que permite a

comunicação inter-humana. É ente que tem status lógico de relação. Nele um suporte físico se associa a um

significado e uma significação. O suporte físico da linguagem idiomática é a palavra falada ou a palavra escrita.

- 13 -

comunidade social), que cumpre o papel de instrumento de comunicação entre os

seus membros. O jurista adota a Semiologia para o estudo daquele sistema. Assim

fazendo, ao analisar o sistema idiomático, percebe haver múltiplas possibilidades de

utilização das palavras, individualmente consideradas, assim como numerosos usos

para as construções frásicas que a gramática de cada língua permite compor, sem

que as regras sintáticas16 venham a ter caráter decisivo para o esclarecimento da

específica função em que a linguagem está sendo empregada 17.

Nesse sentido, esclarece que a correspondência entre forma e função da

linguagem não acontece como relação necessária. Para PAULO DE BARROS

CARVALHO as estruturas gramaticais oferecem apenas precários indícios a respeito

da função. Assim, propõe ao intérprete “sair da significação de base” em busca da

amplitude do discurso, onde encontrará a significação contextual, determinada por

uma série de fatores, entre eles e, principalmente, pelos propósitos do emissor da

mensagem.

Com esta proposta o Professor dá ênfase ao plano pragmático da linguagem

que se caracteriza como aquele ângulo da Semiótica que analisa a relação dos

signos com seus usuários, isto é, considera o ser humano enquanto produtor da

mensagem que visa, com a emissão da mensagem, obter determinados efeitos.

Refere-se a algo do mundo exterior ou interior, da existência concreta ou imaginária, atual ou passada, que é seu

significado; e suscita em nossa mente uma noção, idéia ou conceito que chamamos de “significação” – in “

“Linguagem e Método” p. 33

16 Obra e Autor citado – p. 36- “Peirce e outro americano – Charles Morris, distinguem três planos na investigação

dos sistemas sígnicos: o sintático em que se estudam as relações dos signos entre si, isto é, signo com signo.

(...) Exemplo da dimensão semiótica da sintaxe é a gramática de um idioma, conquanto a pesquisa gramatical vá

além, ocupando-se da morfologia e da fonologia.

17 Obra e Autor citado- p. 39 “(...): toda e qualquer manifestação lingüística, desde as mais simples às mais

complicadas, raramente encerram uma única função, aparecendo como espécies quimicamente puras, no dizer

de Copi. Ainda que haja uma função dominante, outras a ela se agregam no enredo comunicacional, tornando

difícil a tarefa de classificá-las.” Para contornar essa dificuldade concernente ao fato de que toda comunicação

efetiva exige certa combinação de funções PAULO DE BARROS propõe uma classificação das linguagens, de

acordo com as funções que cumprem no papel comunicacional.

- 14 -

Adotando um critério que parte das funções da linguagem no processo

comunicacional e da importância dos vários modos adotados pelo homem para

manipular os signos do seu idioma, leva em conta, o Professor, o animus18 que move

o emissor da mensagem (critério pragmático), sem desprezar as particularidades

sintáticas que as linguagens ostentam (critério sintático ou lógico) (p.39).192021 22

18

“Em comentários ligeiros, os recursos a serem utilizados pelo cientista variam segundo a região ôntica do

objeto a ser descrito. Há um tipo de veemência recomendado para o domínio dos entes físicos e naturais; outro

para o dos ideais e ainda outro para o dos culturais, levando-se em conta, nesse setor, a multiplicidade imensa de

manifestações objetais. Tudo para advertir, de maneira incisiva, que não é qualquer torneio retórico que convém

ao discurso da Ciência do Direito ou mesmo daquel‟outros produzidos com objetivo de convencer a autoridade

competente ou o juiz de direito nos respectivos autos

19 BARROS CARVALHO, Paulo de- “Linguagem e Método” – p. 40, 41 e 42 - Assim, dentre outras, identifica a

Linguagem Prescritiva de Condutas, a Linguagem Descritiva e a Linguagem Lógica A linguagem prescritiva

presta-se à expedição de ordens, de comandos, de prescrições dirigidas ao comportamento das pessoas. Todas

as organizações normativas operam com essa linguagem para incidir no proceder humano, canalizando as

condutas no sentido de implantar valores. As ordens não são verdadeiras nem falsas, mas sim válidas ou

inválidas ou não-válidas (valores lógicos). Esses valores lógicos, ensina PBC, não se confundem com os

modalizadores das condutas intersubjetivas. São três os modais da linguagem do direito: (OP) Obrigatório; (VP)

Proibido e (Pp) Permitidos . O chamado comportamento Facultativo (Fp) não é um, quarto modal, precisamente

porque se resolve sempre numa permissão bilateral: permitido cumprir a conduta, mas permitido também omiti-la

(Pp . P-p) A sintaxe dessa linguagem é estudada pela Lógica Deôntica, de que faz parte a Lógica Deôntico-

Jurídica, cujo objeto é a organização sintática da linguagem do direito positivo. A linguagem descritiva apresenta-

se como um feixe de proposições, afirmadas ou negadas, que remetem o leitor ou o ouvinte aos referentes

situacionais ou textuais. É linguagem própria para a transmissão de conhecimentos (vulgar e científico). Seus

enunciados se submetem aos valores de verdade e falsidade, razão pela qual essa sintaxe é estudada pela

Lógica Clássica (tb. Apofântica ou Alética). A relação entre o enunciado factual e o acontecimento por ele

informado só é possível se dispusermos de metalinguagem que afirme ou negue a correspondência entre

enunciado e fato.

20 Obra e Autor citados p. 68/69 - A linguagem descritiva do direito positivo caracteriza-se como uma

metalinguagem, cujo objeto de estudo é a linguagem prescritiva do direito positivo. A metalinguagem é uma

manifestação de linguagem que fala sobre outra linguagem. Igualmente a Lógica atua como uma

sobrelinguagem quer da linguagem prescritiva, como da linguagem descritiva do Direito

21A lógica, afirma PAULO DE BARROS CARVALHO é apenas um ponto de vista sobre o conhecimento. Ela

existe apenas onde houver linguagem. O raciocínio lógico deixa de lado a significação das palavras adotando

signo convencionalmente estabelecido que não aponta para um objeto específico, mas para o objeto em geral.

Assim, se a linguagem em seu conteúdo ao se referir aos homens refere-se a Pedro, Antonio ou Luis, a

linguagem lógica vai adotar “S”, como significado de “homem em geral” podendo tal signo substituir tanto “Pedro”

como “Antonio” ou “Luis”. Por outro lado, o predicado “mortal” poderá ser substituído pelo signo “P” (p. 70 a 74).

- 15 -

Portanto, a função do cientista do direito reside na sistematização dos

enunciados jurídicos, mediante a utilização de um método, de modo a definir as

conseqüências e efeitos das normas jurídicas e valores sobre os fatos concretos.

Nesse sentido, o presente trabalho adota o Construtivismo por entender que a

interpretação do direito decorre de uma posição pessoal do estudioso/intérprete,

perante os fatos recortados pelo Direito, não sendo possível deixar de lado as

circunstâncias históricas quer do legislador, quer do intérprete, sua formação e

princípios. Ademais o conhecimento do direito além de estar atrelado ao momento e

circunstância do estudioso/intérprete, decorre da relação pragmática entre a

linguagem do legislador e a sua percepção concreta pelos seus destinatários.

O presente estudo deverá valer-se dos instrumentos da Semiótica para buscar

construir interpretação jurídica das normas atinentes à matéria em estudo,

procurando “sair da significação de base” da expressão “política tarifária” utilizada

pelo constituinte, e, como propõe PAULO DE BARROS CARVALHO, ir em busca da

amplitude do discurso, para encontrar a sua significação contextual. Como restará

demonstrado, a significação de “política tarifária” a ser proposta será aquela em que

prevaleça a função semântica do vocábulo, ao passo que doutrina e jurisprudência,

em especial a doutrina do direito administrativo, consagram para a expressão uma

significação construída e proposta a partir da função pragmática da expressão.

Assim, na hipótese da frase “Pedro é mortal”, ao formalizarmos referido conteúdo haverá no dizer de PAULO DE

BARROS CARVALHO um “descontiniuum que representa verdadeiro salto para o território das entidades

lógicas”. Ensina o mestre que ao substituirmos o conteúdo “Pedro é mortal” por “S é P”, em que “S” refere-se ao

objeto e “P” ao predicado, será possível aplicar a mesma proposição “S é P” em domínio estranho, sendo cabível

preenche-la com as significações de qualquer linguagem-objeto. “LINGUAGEM E MÉTODO” –P. 68/69

22 PBC- “Linguagem e Método” – p. 82- Já o Direito Positivo é expresso em linguagem prescritiva. O legislador

seleciona fatos e regula condutas que recorta no campo social. Os fatos jurídicos previstos nos antecedentes e

conseqüentes das normas apresentam-se, no dizer de PBC, na forma de fenômeno físico, relações de causa e

efeito, mais o sentido jurídico que os permeia.

- 16 -

É fundamental para o presente trabalho a análise dos diversos signos

envolvidos na construção de sentido que se busca: a tarifa, a taxa e o preço público.

A construção e delimitação do conteúdo desses vocábulos poderão contribuir para

aprimorar as necessárias distinções e similitudes entre os mesmos, de modo a

contribuir para afastar interpretações doutrinárias e jurisprudenciais ainda hoje

contraditórias.

De fato, essas contradições e inseguranças aparecem claras quando

procedemos à leitura de votos proferidos nos Tribunais, quando buscam definir a

natureza jurídica de valores cobrados quer diretamente pelos entes de direito público

interno, quer pela execução indireta de serviços públicos, ou mesmo pela

disponibilização e utilização, pelos particulares, de bens públicos e serviços

comerciais e industriais (prestados pela União, Estados e Municípios, e respectivos

entes das administrações indiretas).

Importante tal distinção do ponto de vista científico e pragmático, considerando que a

taxa tem regime jurídico tributário estabelecido pelo legislador constitucional de modo

rigoroso e limitado por inúmeros princípios constitucionais e direitos e garantias dos

contribuintes. Por outro lado, ao lado dos serviços públicos, os serviços industriais e

comerciais que se encontram sob regime de direito privado também podem ser

prestados pelo Poder Público diretamente, ou pelas pessoas jurídicas que integram a

Administração Direta (empresas públicas, sociedades de economia mista,

autarquias, etc.)

- 17 -

3- DO SISTEMA CONSTITUCIONAL.

O que é sistema?

Para tratar da evolução histórica de Sistema, invocam-se as lições de WILLIS

SANTIAGO, consubstanciadas em seu "Teoria da Ciência Jurídica".23

3.1. Evolução Histórica De “Sistema”

O termo aparece já no século XVIII com o Movimento do Direito Racional

Jusnaturalista. Sistema, à época, coincidia com a idéia geral que se tem de um todo

funcional composto por partes relacionadas entre si e articuladas de acordo com um

principio comum. A teoria jurídica é entendida como uma construção sistemática da

razão e, em nome da própria razão, um instrumento de crítica da realidade a partir de

normas e padrões éticos contidos nos princípios reconhecidos pela razão.

O século XIX traz à baila a chamada Escola Histórica, a qual emprega pela

primeira vez a expressão Ciência do Direito. Nesse momento, instaura-se o confronto

que vai servir de orientação às mais diversas teoria jurídicas aparecidas desde

então. Trata-se da oposição entre a concepção sistemática, de caráter formal-

dedutivo e representada pelo jusnaturalismo racionalista e aquela que acentua a

inserção histórica e social do Direito, que determina a busca do direito onde ele

ocorre concretamente, isto é, na experiência jurídica dos povos. Savigny,

representante máximo dessa Escola, pugna contra a sistematização do Direito em

códigos escritos. Dentre os que enfatizam o aspecto da concreção histórico-social

temos a jurisprudência dos interesses e a concepção pragmática do direito norte-

americano, cuja oposição radical ao sistematismo é expressa na celebre frase do

Juiz Holmes: “ The life of the law has not been logic it has been experience”.

23

Saraiva, 2ª edição, 2009, p.38 a 76

- 18 -

A chamada Escola Pandectistica, defendeu a aplicação do Direito utilizando

elementos exclusivamente jurídicos, com a separação de outros quaisquer de ordem

política, econômica, ética, etc., prenunciando a idéia central do positivismo científico,

a qual remonta à diferenciação operada por Kant entre as ordens moral e jurídica,

donde resulta o formalismo como principio retor da pratica cientifica.

Com o Formalismo a ordem jurídica passa a ser vista como um sistema

fechado e pleno, com autonomia e independência da realidade social. Não há

lacunas no ordenamento jurídico, por ser sempre possível a subsunção lógica a

princípios ou conceitos devidamente construídos; a atividade judicial de aplicação do

direito é automática, em razão da referida subsunção silogística; o ensino jurídico

torna-se um treino de manejo de conceitos desvinculados da realidade pratica.

O Formalismo além de distribuir as diversas matérias do conhecimento em

compartimentos estanques, inaugura uma cisão radical entre o sujeito cognoscente e

o objeto cognoscível, postulando o valor científico de conhecimentos objetivos,

validos universalmente, cuja veracidade se opõe a qualquer sujeito.

O positivismo normativista de Kelsen vai lançar mão de um princípio

transcendental, suprapositivo para identificar as normas jurídicas positivas que

consiste na Norma Fundamental. A superação do modelo de ciência jurídica

normativista começa quando a necessária interpretação das normas jurídicas não se

mostra mais satisfatória apenas com base em outras normas. Abandona-se o

enfoque meramente formal, enfatizando a necessidade de buscar inserção social

daquelas questões, os interesses que estavam por trás delas, os valores que elas

faziam entrar em choque

O isolamento e a especialização técnica da elaboração jurídica típica do

positivismo terminam por proteger o status quo dos embates ideológicos e sociais.

Os conceitos centrais da ciência jurídica normativista – autonomia privado, direito

- 19 -

subjetivo, propriedade individual, relação jurídica, liberdade contratual -, vieram ao

encontro dos interesses da classe empresarial emergente.

A concepção positivista, porem, foi duramente criticada por todos - socialistas,

correntes autoritárias e representantes do próprio liberalismo -, o que influenciou a

virada de Jhering do Pandectismo para o que veio a se chamar a Jurisprudência dos

Interesses (inicio do século XX). Trata-se de paradigma científico que propõe um tipo

de explicação finalística (teleológica) para o Direito, levando-se em conta

principalmente a categoria extranormativa dos interesses em conflito a serem

juridicamente harmonizados, mas evitando-se, contudo, o recurso a elementos

suprapositivos. Jhering introduz o método teleológico de interpretação, pelo qual se

há de buscar, para além da intelecção gramatical, filológica, histórica e sistemática, a

finalidade social, os interesses individuais, coletivos e públicos, que são beneficiados

ou prejudicados com determinada interpretação, em busca do estabelecimento de

um equilíbrio entre esses diversos interesses, para que sejam atendidos na justa

proporção, requerida pela idéia de igualdade.

É essa a idéia de proporcionalidade, de sopesamento entre bens jurídicos

conflitantes, que será projetada no centro da metódica interpretativa, na

Jurisprudência dos Interesses e, mais ainda, naquela forma como ela hoje se

apresenta: a Jurisprudência das Valorações. O coroamento dessa evolução e o

advento do Estado Social, estabelecido constitucionalmente.

3.2. O Direito Positivo como “Sistema”

O Direito Positivo pode ser entendido como um Sistema?

Sistema Jurídico é expressão ambígua que, em alguns contextos, pode

provocar equívoco. Com esse nome encontramos designados tanto o Sistema da

Ciência do Direito quanto o do Direito Positivo (ordenamento)..

- 20 -

Há dúvidas no que concerne à amplitude significativa da locução, pois não

faltam os que negam a possibilidade de o Direito Positivo apresentar-se como

sistema, configurando aquele caos de sensações a ser ordenado pelas categorias do

pensamento, a que aludiu Kant. A Ciência do Direito, organizando descritivamente o

material colhido do direito positivo, atingiria o nível de sistema24

Assim por exemplo, para MARIA HELENA DINIZ, o direito não é um sistema,

mas uma realidade que pode ser analisada sistematicamente pela ciência jurídica,

para facilitar seu conhecimento e sua aplicação25.

Diversa, porém, a posição de PAULO DE BARROS CARVALHO, para quem o

direito posto, enquanto conjunto de enunciados prescritivos que se projetam sobre a

região material das condutas interpessoais, há de ter um mínimo de racionalidade

para ser compreendido pelos sujeitos destinatários, circunstância que lhe garante,

desde logo, a condição de sistema26

Ensina aquele mestre que onde houver um conjunto de elementos

relacionados entre si e aglutinados perante uma referência determinada, ter-se-á a

noção fundamental de sistema27. Partindo da significação de base procura examinar

na palavra Sistema quais as possibilidades de uso que o idioma oferece para

expressar a conjunção de elementos governados por uma idéia comum.

Sobre a condição de Sistema do Direito Positivo, ensina Paulo de Barros

Carvalho que o material bruto dos comandos legislados, mesmo antes de receber o

tratamento hermenêutico do cientista dogmático, já se afirma como expressão

24

CARVALHO, Paulo de Barros- “Derivação e Positivação no Direito Tributário”- Vol. II, Ed. NOESES, 2013, P.

186/187

25 Ob citada, p.21

26 Obra e Autor citado, p.187

27 Curso de Direito Tributário,2012,24ª edição, Ed. Saraiva, p. 171

- 21 -

lingüística de um acto de fala, inserido no contexto comunicacional que se instaura

entre enunciador e enunciatário. De seu turno, o trabalho que a doutrina elabora

sobre o direito positivo, em nível de sobrelinguagem, pode ser objeto de sucessivas

construções hermenêuticas, porque a compreensão é inesgotável. Entende, pois que

Sistema é o discurso da Ciência do Direito, mas Sistema também é o domínio finito,

mas indeterminável do Direito Positivo.

A linguagem do constituinte não é técnica, mas reflete os anseios da

sociedade relativamente à organização pretendida para determinado Estado. Cabe,

pois, ao estudioso do direito, verter a linguagem do constituinte para um sentido

técnico.

Portanto, analisado sistematicamente, o direito constitucional pode ser

entendido como um plexo de normas jurídicas que visam, de um lado, estabelecer a

organização e funcionamento do Estado, bem como o exercício do poder pelos

órgãos estatais e, de outro, as limitações desse exercício mediante a fixação dos

direitos e garantias individuais e sociais.

3.3 Ordenamento E Sistema

Seriam sinônimos? Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de Direito

Tributário28 emprega livremente ordenamento como sinônimo de ordem positiva,

direito posto e direito positivo.

Não obstante, vários autores distinguem as expressões. Assim, conforme

assinala aquele jus filósofo, segundo esse entendimento os enunciados prescritivos

assim que postos em circulação como conjunto de decisões emanadas das fontes de

produção do direito, formariam matéria bruta a ser ordenada pelo cientista, à custa

de ingentes esforços de interpretação e organização das unidades normativas em

28

p.178 a 180

- 22 -

escalões hierárquicos, até atingir o nível apurado de sistema, entidade que

apareceria como resultado desse intenso labor estruturante, sem contradições,

isento de ambigüidades e pronto para ser compreendido pelo destinatário. Segundo

esse padrão, o Direito posto não alcançaria o status de “Sistema”, reservando-se o

termo para designar a contribuição do cientista, a atividade do jurista que,

pacientemente, compõe as partes e outorga ao conjunto o sentido superior de um

todo organizado. Ordenamento e Direito Positivo, de um lado, Sistema e Ciência do

Direito, de outro, seriam binômios paralelos, em que os dois últimos termos implicam

os primeiros.

3.4. A Constituição Como Norma Máxima Do Ordenamento Jurídico.

A norma constitucional pode ser entendida como norma jurídica

A norma constitucional nem sempre será enquadrada no esquema teórico

proposto por Kelsen, que identifica a norma jurídica com um juízo ou proposição

hipotética, em que se prevê um fato e uma conseqüência dele decorrente29.

Nas lições de MIGUEL REALE a referida estrutura lógica somente

corresponde a algumas categorias de normas, como aquelas que disciplinam os

comportamentos sociais, não alcançando as que dispõem sobre a organização do

Estado ou que fixam atribuições de ordem pública ou privada: Nesses casos não se

tem uma prescrição condicional ou hipotética, mas sim categoria que independe de

qualquer condição para sua incidência. Exemplo: Artigo 18 parágrafo 1º da

Constituição Brasileira : “Brasília é a Capital Federal”.30

29

GARCIA, Emerson - Conflito entre Normas Constitucionais- Esboço de uma Teoria Geral – 2008, Ed. Lumen

Juris, p. 157

30 Lições Preliminares de Direito, 27ª ed., 3ª tiragem, Sao Paulo, Saraiva, 2003 p. 93 e 94

- 23 -

A Constituição pode ser concebida como um sistema de normas jurídicas,

acomodando tanto prescrições hipotéticas, como prescrições categóricas.31

O texto da Constituição é o espaço, por excelência, das linhas gerais que

informam a organização do Estado. A ordem jurídica apresenta normas dispostas

numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se

opera tanto no aspecto material quanto no formal ou processual, o que lhe imprime

possibilidade dinâmica, regulando, ele próprio, sua criação e seus modos de

transformação. Examinando o sistema de baixo para cima, cada unidade normativa

encontra-se fundada, material e formalmente, em normas superiores. Invertendo-se o

prisma de observação, verifica-se que das regras superiores derivam, material e

formalmente, regras de menor hierarquia. A Carta Magna exerce esse papel

fundamental na dinâmica do sistema, pois nela estão traçadas as características

dominantes das várias instituições que a legislação comum posteriormente

desenvolverá32

A Constituição, como fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico,

estabelece o modo como as normas jurídicas serão produzidas, e, por vezes, os

parâmetros do conteúdo das mesmas.

Contém, portanto, normas básicas que determinam “como” e “por quem” vão

ser elaboradas as demais normas que lhe são inferiores. A norma constitucional

apresenta, assim, preceitos sobre a produção de outras normas33.

No dizer de LOURIVAL VILANOVA34, o sistema de proposições normativas

contém como parte integrante de si mesmo, as regras (proposições) de formação e

de transformação de suas proposições.

31

GARCIA, Emerson, obra citada, p. 158

32 CARVALHO, Paulo de Barros

33 DINIZ, Maria Helena, ob. Cit. P. 14) “Derivação e Positivação no Direito Tributário”, Vol. II, 2013, p. 188

34 “As Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo”- NOESES, 2005, p.167 e 168

- 24 -

Para aquele Professor, as normas que estatuem como criar outras normas,

isto é, as normas-de-normas, ou proposições-de-proposições, não são regras

sintáticas fora do sistema. Estão no interior dele. Não são metassistemáticas, apesar

de constituírem um nível de metalinguagem (uma linguagem que diz como fazer para

criar novas estruturas de linguagem). A unidade e a unicidade caracterizam o

sistema do Direito Positivo.

Para o Professor VILANOVA, as proposições normativas integrantes do

sistema jurídico têm o mais variado conteúdo. São formas que se saturam com

referências a fatos do mundo. A unidade do sistema jurídico é formal. Não provém da

homogeneidade de uma região de objetos. O que interliga proposições normativas

dos mais variados conteúdos é o fundamento de validade que cada uma tem no

todo. Na norma fundamental reside o fundamento limite de validade.

O conceito de ordenamento jurídico é tratado por ROQUE CARRAZZA, que o

concebe como um conjunto de normas dispostas hierarquicamente, que se ordenam

segundo uma relação sintática, pelas qual as normas inferiores recebem respaldo de

validade daquelas que as encimam, até o patamar máximo que é o constitucional35.

Sobre a Constituição, o Professor ROQUE CARRAZZA lembra que ela ocupa

o nível supremo da ordem jurídica, acima do qual não se reconhece outro patamar

de juridicidade positiva. É ela que enumera os princípios fundamentais, organizativos

e finalísticos da comunidade estatal, definindo as relações do poder político, dos

governantes e governados e - respeitados os direitos e garantias individuais e sociais

e o principio da livre iniciativa – até das pessoas físicas e jurídicas 36.

Além disso, afirma o jurista, a Constituição, longe de ser, na estrutura

hierárquica do ordenamento, simplesmente uma lex superior, também é a matriz de

35 “Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ª Ediçai, 2011, p. 35

36 Obra citada, p. 36

- 25 -

todas as manifestações normativas do Estado, já que regula o processo de criação

de normas jurídicas e traça os princípios, as diretivas e os limites para o conteúdo

das leis futuras.37

3.5. DAS NORMAS DE ESTRUTURA E NORMAS DE CONDUTA

Para Paulo de Barros Carvalho, a lei constitucional abriga em grande parte,

regras de estrutura, quer dizer, normas que prescrevem como outras normas devem

ser produzidas, modificadas ou extintas.

São verdadeiras sobrenormas, porque falam não diretamente da conduta que suscita

vínculos tributários, mas do conteúdo ou da forma que as regras hão de conter.

Na Lei das Leis estão consignadas as permissões para os legislativos da União,

Estados e dos Municípios instituírem seus tributos, como também é lá que estão

fixados os limites positivos e negativos da atividade legiferante daquelas pessoas.

Igualmente, é o texto constitucional portador de grandes princípios que servem como

diretrizes supremas a orientar o exercício das competências impositivas,

consagrando os postulados do Estado e, em contrapartida, preservam e garantem os

direitos individuais dos cidadãos

Ensina ainda o jus filósofo que toda e qualquer norma jurídica, simplesmente

por integrar o sistema, tem que ver com disciplina das condutas entre os sujeitos da

interação social. Porém em uma análise mais fina das estruturas normativas, o

Professor identifica unidades (normas) que tem como objetivo final ferir de modo

decisivo os comportamentos interpessoais, modalizando-os deonticamente como

obrigatórios (O), proibidos (V) e permitidos(P), com o que exaurem seus propósitos

regulatorios. Tais regras, quando satisfeito o direito subjetivo do titular por elas

indicado, são terminativas de cadeias de normas. Outras, paralelamente, dispõem

37

Obra e autor citado, p.40

- 26 -

também sobre condutas, tendo em vista, contudo a produção de novas estruturas

deôntico-jurídicas.

São normas que aparecem como condição sintática para a elaboração de

outras regras, a despeito de veicularem comandos disciplinadores que se vertem

igualmente sobre os comportamentos intersubjetivos. Este tipo de norma tem caráter

mediato, requerendo outra prescrição intercalar, de modo que a derradeira

orientação dos comportamentos intersubjetivos ficará a cargo de unidades (normas)

que serão produzidas sequencialmente.

Para melhor comunicar seu raciocínio o Professor PAULO DE BARROS

trabalha com dois exemplos: (a) Regra de Conduta: Antecedente: prestar serviço de

peritagem no Município de São Paulo, dando-se como prestado o serviço no instante

da entrega do correspondente laudo pericial. Consequente: o prestador devera pagar

à Fazenda Municipal o valor correspondente a 5% do valor cobrado pelo trabalho; (b)

Regra de Estrutura: Antecedente: dado o fato da existência do órgão legislativo

municipal. Consequente: deve ser a competência para que esse órgão edite a

normas sobre o ISSQN38

Ensina PAULO DE BARROS CARVALHO que uma vez cristalizada a limitação

ao poder legiferante, pelo seu legítimo agente (o constituinte), a matéria dá-se por

pronta e acabada, devendo o legislador infraconstitucional regulá-la nos exatos

termos constitucionalmente prescritos.

TACIO LACERDA GAMA, ao analisar a competência como norma que regula

a criação de outras normas, assevera que o ordenamento regula ações humanas

que se dividem em sociais em geral e ações de criar outras normas, entendendo que

o “criar normas” é uma conduta regulada pelo próprio sistema de direito positivo39.

38

Autor Citado, Fundamentos Juridicos da Incidencia Tributaria- 8ª ed.,2010, Ed. Saraiva, p. 62 e 63

39 In “Competência Tributária- Fundamentos para uma Teoria da Nulidade, Ed. Noeses,2009,p.24

- 27 -

Para o autor, as normas de competência regulam a conduta de criar outras

normas e estabelecem efetiva sanção pelo descumprimento de seus preceitos: a

invalidade da norma criada.

Buscando traduzir a linguagem do direito positivo para o plano das fórmulas

lógicas, TACIO GAMA parte da estrutura básica prevista para toda e qualquer norma

jurídica, segundo a qual (F→Rj) v (-Rj→Rj’), ou seja, dado um fato deve ser a

instauração de uma relação jurídica e, não cumprida a relação jurídica deve ser uma

nova relação de cunho sancionatório coercitivo; a partir daí, afirma o autor, deve o

intérprete promover, a partir do conceito de competência jurídica, sucessivos

enriquecimentos semânticos, saturando de sentido as variáveis da fórmula

anteriormente enunciada.40

No mesmo trabalho TACIO GAMA lembra que HART coloca como condição

de possibilidade de um sistema jurídico o preenchimento dos seguintes requisitos: de

um lado, normas de conduta que regulam o comportamento dos agentes sociais e,

de outro, regras que indicam como reconhecer normas jurídicas, como produzi-las

validamente e como determinar sua expulsão do sistema. As primeiras – normas de

conduta – HART chamou de normas primárias. As segundas – que disciplinam a

relação dos cidadãos com as normas - chamou de normas secundárias.

Adotando essa classificação TACIO GAMA entende que as normas de

competência são justamente normas secundárias, pois disciplinam quem, como e

onde se podem produzir novas normas jurídicas válidas. São normas que tratam de

outras normas, daí por que não prescreveriam direitos e deveres a quem quer que

seja. Seu papel consistiria em qualificar sujeitos, atribuindo-lhes a faculdade de editar

novas normas, estas sim, prescrevendo condutas41.

40

“Competência Tributaria” –p. 62

41 Obra e autor citados, p. 28 e 29

- 28 -

Para CRISTIANO CARVALHO42, o sistema jurídico é formado por elementos e

uma estrutura, e caracteriza-se por suas qualidades auto-reguladoras e auto-

produtora. Nesse sentido propõe denominar normas de produção normativa ou

metanormas as normas que regulam a criação de outras normas no sistema. Por

entender que o direito fala de si mesmo, o autor justifica as denominações propostas

com o entendimento de que as normas de produção normativa operam com a função

de linguagem metalingüística: são normas que falam de outras normas, o que lhes

confere o status de metanormas do sistema jurídico43.

O mesmo autor aponta os critérios ditados pela Constituição e pelo sistema,

para a produção de normas: 1) órgão competente para produzir o diploma

normativo que é a mensagem cujo sentido será a norma inserida no ordenamento; 2)

procedimento previsto em normas constitucionais ou infraconstitucionais para a

produção do diploma normativo; 3) matéria a ser normatizada44.

42

In “Teoria do Sistema Juridico” Ed Quartier Latin, 2005, p. 196

43 Obra e autor citados, p. 196

44 Obra e autor citados, p.197

- 29 -

4-DA INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

4.1. Interpretação como Construção de Conteúdo

Preliminarmente, no dizer de MARTIRES COELHO, e também segundo as

lições do Professor PAULO DE BARROS CARVALHO deve ser destacado o caráter

lingüístico de qualquer interpretação, a exigir que os interlocutores falem a mesma

linguagem, como condição de possibilidade de sua mútua compreensão. Daí

decorre, em rigor e imediatamente, a perda de sentido da velha disputa entre

aqueles que atribuem à função interpretativa a finalidade de descobrir, por detrás das

normas jurídicas, uma suposta vontade do legislador, e os que, também

voluntaristas, impõem ao intérprete o dever de se curvar às palavras ou à vontade da

lei, como condição de legitimidade de todo labor hermenêutico. O objeto da

interpretação, segundo Emilio Betti, invocado por MARTIRES COELHO, não é a

vontade como tal, mas a forma em que está explicitada: o feito ou falado.45

PAULO DE BARROS CARVALHO propõe entender o vocábulo “interpretação”

na sua acepção mais ampla, abrangendo o que ficou conhecido como hermenêutica

filosófica46, ou seja, a atividade intelectual que se desenvolve à luz de princípios

hermenêuticos, com a finalidade de construir o conteúdo, o sentido e o alcance das

regras jurídicas.

O Direito Brasileiro se assenta em textos normativos editados pelo

constituinte, pelo Legislativo e pela Administração, dos quais se extrai um conjunto

normativo de estrutura piramidal, em cujo ápice encontra-se um conjunto de normas

dotadas de rigidez e supremacia, cuja superioridade normativa é efetivada por um

denso controle judicial. Diante dessa coadunação de fatores – sistema da Civil Law,

monopólio judicial da jurisdição, sistema misto de controle de constitucionalidade -, a

4545

MARTIRES COELHO, Inocencio, Curso de Direito Constitucional, , 4ª edição, 2009, ed. Saraiva, p. 97

46 Adota o pensamento de Heidegger e de Gadamer. Para este último, interpretar é criar, produzir, elaborar

sentido, diferentemente do que proclamaou a Hermenêutica tradicional, em que os conteudos de significação dos

textos legais eram “procurados”, “buscados” e “encontrados” mediante as chamadas técnicas interpretativas.

- 30 -

doutrina da Constituição rígida encontra no direito positivo brasileiro arrimo

máximo47.

4.2. Dispositivo Legal e Norma Jurídica.

Para Paulo de Barros Carvalho, toda interpretação que venha a desconsiderar

o sistema de normas constitucionais, não será confiável.

De fato, para aplicar a norma ao fato concreto, não basta a leitura de um único

dispositivo constitucional, isto porque o dispositivo não se confunde com a norma

jurídica. A norma caracteriza-se por um conjunto de prescrições (dois ou mais

dispositivos), não necessariamente alocados em um mesmo texto legal. A norma

jurídica poderá ser encontrada em mais de um texto, porque é composta pelo

conjunto de prescrições positivas que se referem a um mesmo instituto legal.

No entender de EMERSON GARCIA, o texto é uma mera fração da norma que

congrega, além de aspectos lingüísticos, aqueles decorrentes das especificidades

históricas e culturais inerentes ao seu âmbito de incidência. Assim, para o autor, a

norma jurídica é o resultado de um processo construtivo, direcionado pela realidade

e conduzido pelo intérprete a partir de seu texto.48 Uma norma jurídica resulta da

conjunção de significados normativos que podem defluir de diversas leis ou artigos

de leis, editados em épocas diferentes por diferentes corpos legislativos.

Para o autor, o texto normativo não sofre a ação do tempo e não recebe

influxos do meio social, permanecendo intocado enquanto formalmente em vigor. A

norma, ao revés, recebe uma influência decisiva desses fatores, sendo possível que

do mesmo texto emanem normas diametralmente opostas, estando sua identificação

47

MARTINS, Ricardo Marcondes, in “Regulação Administrativa à luz da Constituição Federal,MALHEIROS 2011,

p. 39 e 40

48 Conflito entre Normas Constitucionais- Esboço de uma Teoria Geral

- 31 -

suscetível a inúmeros fatores exógenos, influenciando o processo de interpretação

do texto a luz da realidade que deve regular.

4.3. Processo Dialético Da Compreensão Do Texto

Ensina ainda EMERSON GARCIA que enquanto as disposições normativas

estão no interior do ato normativo (efeito ou produto das fontes do direito), as normas

estão no exterior, assumindo um significado próprio: não é por outra razão que

costumam divergir, máxime com o fluir do tempo, do sentido anteriormente atribuído

às respectivas disposições que a originaram.

Dai se falar num processo de mutação constitucional permanente ou em

metamorfoses normativas sem 49alteração textual. Ainda que o iter de concretização

da norma se principie em um texto específico, múltiplos outros influenciam no

delineamento de seu contorno final, isto sem olvidar o relevante papel

desempenhado pelos princípios jurídicos que reforçam a correção da solução

alvitrada no texto, atenuam a sua aspereza ou exasperam a sua leniência, permitindo

a harmônica convivência de distintos bens e valores, característica inerente às

sociedades democráticas e pluralistas. Daí se dizer que interpretação e aplicação da

norma formam um processo unitário.50

Citando Martin Kriele, INOCÊNCIO MÁRTIRES COELHO escreve que não se

pode interpretar nenhum texto jurídico a não ser colocando-o em relação com

problemas jurídicos concretos (reais ou imaginários), com soluções que se procuram

para os casos correntes, porque é somente na sua aplicação aos fatos da vida e na

concretização, que assim necessariamente se processa, que se revela

49

p. 161

50 p.162

- 32 -

completamente o conteúdo significativo de uma norma e ela cumpre a sua função de

regulamentar situações concretas51.

Afirma ainda o jurista que a cada concretização os modelos normativos se

ampliam e se enriquecem, constituindo-se o processo dialético da compreensão

como atividade infinita, seja porque uma interpretação, que até então parecia

adequada, mais adiante pode vir a mostrar-se incorreta, seja porque de acordo com

a época em que vive o interprete e com base no que então ele sabe não se excluem

outras interpretações que, precisamente para aquela época e para o que nela se

sabe, serão as melhores e mais adequadas, sem que essas novas formas de

compreensão signifiquem a condenação, como erradas, de quantas se produziram

anteriormente52.

Ao cuidar da interpretação judicial, MÁRTIRES COELHO assevera que nesse

terreno as exigências sociais são imediatamente absorvidas e racionalizadas pelo

aplicador do direito, sob a forma de mutações normativas ou novas leituras dos

mesmos enunciados normativos, leituras tão inovadoras que chegam a criar modelos

jurídicos inteiramente novos, o que, tudo somado, só faz confirmar a encarecida

distinção entre texto e norma53

A norma não se confunde com as proposições jurídicas que a Ciência do

Direito54 produz ao descrevê-la, sob a forma, quase sempre, de juízos hipotéticos55.

51

Autor Citado- Curso de Direito Constitucional- GILMAR FERREIRA MENDES, INOCENCIO MARTIRES

COELHO e PAULO GUSTAVO GONET BRANCO- 4ª edição, 2009. Editoras Saraiva e Instituto Brasiliense de

Direito Públicos p. 78

52 obra e autor citados, p. 78 e 79

53 autor e obra citados, p.79

5454 TERCIO FERRAZ JR- A CIENCIA DO DIREITO- P. 18 E SEGUINTES- . o autor traça um panorama da

Historia da Ciência do Direito de modo a mostrar como essa ciência, em diferentes épocas, se justificou

teoricamente. A expressão Ciência do Direito é relativamente recente, tendo sido inventada no século passado

pela Escola Histórica Alemã, que se empenhou em dar à investigação do Direito um caráter científico. Entre os

romanos essa preocupação não existia, visto que a teorização romana sobre o Direito ligavam-se à práxis

jurídica. O jurista colocava o problema e buscava argumentos. Tratava dos conflitos e suas soluções. Na ciência

- 33 -

As leis são enunciados literais buscando um fim. As proposições normativas

são descrições das normas jurídicas que defluem do universo legislado, produzidas

por um sujeito (jurista ou juiz). 56

Encontrada a norma jurídica, ainda assim não cabe falar em sistema jurídico,

que se caracteriza pela coexistência de normas jurídicas que guardam coordenação

entre si e que são informadas por princípios comuns que lhes dão unidade.

jurídica dos romanos está presente, de modo agudo, a problemática da chamada ciência prática, do saber que

não apenas contempla e descreve, mas também age e prescreve. A chamada ciência européia do Direito nasce

propriamente em Bolonha, no século XI, com o aparecimento de uma resenha critica dos Digestos justinianeus

transformados em texto escolar do jus civile europeu. Tomando como base esses textos, os juristas da época

passaram a dar-lhes tratamento metódico, e desenvolveram uma técnica especial de abordagem de textos pré-

fabricados e aceitos por sua autoridade e, caracterizada pela exegese ou explicação do sentido, pela

concordância, pela distinção. Neste confronto entre o texto estabelecido e o seu tratamento explicativo é que

nasce a Ciência do Direito com seu caráter eminentemente dogmático. Na leitura e aplicação dos textos

dogmáticos os juristas se empenhavam em uma harmonização entre os textos (exegética) de modo a enfrentar a

falta de acordo relativamente comum dos textos. Assim as suas contrariedades davam lugar a dúvidas e à sua

discussão cientifica que exigia uma solução, usualmente chamada de elaboração de concordância, cujo método

mais simples era a subordinação (hierárquica) de autoridades, ou, quando as autoridades tinham a mesma

dignidade, a distinção de peculiaridades, que acabavam por fazer que cada texto se mantivesse num circulo

limitado de validade. Trata-se da ciência jurídica dos glosadores que dominou a Ciência do Direito sem oposição

até o século XVI, quando começou a ser criticada quanto à falta de sistematicidade. A ligação entre ciência e

pensamento sistemático pode ser datada do século XVII. A Ciência do Direito, nos quadros do jusnaturalismo,

quebra o elo entre jurisprudencia e procedimento dogmático fundado na autoridade dos textos romanos, mas não

rompe com o caráter dogmático que tentou aperfeiçoar, ao dar-lhe a qualidade de sistema, que se constrói a

partir de premissas cuja validade repousa na sua generalidade racional. A teoria jurídica passa a ser um

construído sistemático da razão e, em nome da própria razão, um instrumento de crítica da realidade. O século

XIX representa ao mesmo tempo a destruição e o triunfo do sistema legado pelo jusnaturalismo, que baseava

toda sua força na crença ilimitada da razão humana. Em Savigni o sistema perde, em parte, ou pelo menos na

aparência, o caráter absoluto da racionalidade lógico-dedutiva que envolve, com sentido de totalidade perfeita, o

jurídico. A Escola Histórica, sobretudo por intermédio de Savigni, estabelece uma íntima ligação entre Direito e

Historia, entre Ciência do Direito e sua pesquisa histórica, como forma de estabelecer o que no passado ainda

seria utilizável no presente.

55 SACHA CALMON NAVARRO COELHO, in Curso de Direito Tributário Brasileiro, 9ª. edição, 2006,Ed. Forense,

p. 27 56

Idem, ibidem, p. 27

- 34 -

4.4. Dos Princípios e Valores Constitucionais - Importância na Interpretação

das Normas Constitucionais

Desse modo, transpondo a noção de sistema jurídico para análise da

Constituição Federal, podemos afirmar que o sistema constitucional consiste no

conjunto de normas constitucionais, que são harmonizadas mediante a aplicação de

princípios constitucionais.

Em sua concepção clássica, de alicerce jus naturalista, os princípios seriam

proposições supremas, de natureza universal e necessária, extraídos da natureza

humana, sendo informados por elementos da razão, da consciência e pela interação

do homem com o ambiente.

Já para os positivistas, que encontram na Teoria Pura de KELSEN a sua

pedra fundamental, os princípios, em essência, são proposições básicas, verdadeiros

alicerces do sistema jurídico, sendo utilizados para limitar e direcionar a sua

aplicação: seriam instrumentos de interpretação e de integração. Podem ser

explícitos ou implícitos, conforme estejam expressamente previstos no direito positivo

ou sejam dele extraídos com a utilização de um processo hermenêutico, permitindo

sejam densificados e aplicados pelo intérprete. Hodiernamente, tem-se a total

maturação do entendimento de que os princípios deixaram de ser meros

complementos das regras, passando a ser vistos como formas de expressão da

própria norma, que e subdividida em norma e principio57

Os princípios conferem unidade e coerência ao sistema, desempenhando um

relevante papel no processo de interpretação constitucional. Pode-se afirmar que o

método sistemático de interpretação é necessariamente influenciado pelos princípios,

que conectam espécies normativas aparentemente dissociadas entre si,

harmonizando-as e integrando-as. Os princípios, em face de sua maior generalidade,

57

GARCIA, Emerson- Conflito entre Normas Constituiconais- esboço de uma Teoria Geral- 2008, Ed Lumen

Juris, p. 177 e 178

- 35 -

permitem a identificação dos pontos de contato existentes entre as demais normas e

contribuem para a sua compatibilização, desempenhando um relevante papel na

eliminação de antinomias aparentes58

4.5. Da Interpretação Conforme a Constituição

Da supremacia da Constituição decorre uma valiosa ferramenta para a

hermenêutica jurídica: a regra da interpretação conforme a Constituição, da qual se

extraem vários desdobramentos. Primeiro deles: todo o direito infraconstitucional

deve ser compreendido à luz da Constituição; há uma preeminência normativa da

Constituição, impositiva da exigência da leitura e releitura da ordem

infraconstitucional tendo por base o texto da Lei Maior.

Essa preeminência impõe o dever de interpretar todas as normas

infraconstitucionais sob o prisma da “axiologia constitucional”, de modo a apurar o

significado indicativo da máxima realização dos valores positivados na Lei

Fundamental, considerada a exata medida em que foram positivados pelo

constituinte59.

RICARDO MARCONDES MARTINS, ao tratar do tema da interpretação

conforme a Constituição invoca Paulo Ricardo Schier para mencionar um terceiro

efeito, ainda mais importante, do referido método: a filtragem constitucional. Vale

dizer, toda ordem infraconstitucional deve ser lida a partir de uma Constituição

fundada em princípios jurídicos, tomados como normas jurídicas autônomas. Pela

filtragem constitucional as normas infraconstitucionais não são apenas

compreendidas à luz da Constituição, são consideradas desdobramentos do texto

constitucional; ou melhor, concretizações dos valores nele positivados.

58

Obra e Autor citados, p. 192

59 MARTINS, Ricardo Marcondes, - “Regulação Administrativa......- p. 41

- 36 -

Pela filtragem o Direito foi praticamente reconstruído: hoje é impossível

estudar qualquer ramo dogmático sem detida análise do texto constitucional. Se uma

norma jurídica pode ser interpretada de duas ou mais maneiras, uma compatível com

a Constituição e outra incompatível, impõe-se ao intérprete a escolha da primeira.

Mais ainda: se forem possíveis duas ou mais interpretações, todas compatíveis com

a Constituição, mas uma delas configurar-se a melhor, porque mais adequada à

axiologia constitucional que as demais, ela é impositiva ao interprete. Nesse último

caso há o que a doutrina chama de interpretação orientada para a Constituição.

O intérprete, porém, não pode substituir-se ao agente normativo. Dai a

importância dos limites impostos à aplicação da regra da interpretação conforme: a

interpretação não pode contrariar o sentido inequívoco que se extrai da fórmula

normativa objetivada no texto60. Ocorre que o dever de fidelidade ao texto não

significa que o resultado da interpretação seja algo meramente matemático ou lógico

dedutivo. O interprete não faz uma álgebra de significados (...) 61

O primeiro intérprete da linguagem contida nas normas constitucionais

detentoras de poder de criação e propagação da realidade é o legislador, seja ele

constitucional ou infraconstitucional, que, como já afirmado, nem sempre é um

técnico62.

4.6. A Interpretação não é Neutra

Sobre o tema, afirma MARCO AURÉLIO GRECO63 que as normas, seja por

consagrarem valores, seja porque o intérprete deles também é portador, implicam,

igualmente, valorações que interferem na operação de fragmentação e recomposição

do discurso normativo, ou seja, o primeiro ponto a considerar é que a interpretação

60

MARTINS, Ricardo Marcondes, p. 43,44

61 GRECO, Marco Aurelio, obra citada, p. 496

62 GONÇALVES JR, Jerson Carneiro- Vilém Flusser, p. 351

63 in “Planejamento Tributário” , 3ª Edição, Dialética, p. 492

- 37 -

interfere diretamente no resultado do processo de aplicação do direito positivo,

inclusive no campo judicial (...)

Em razão do papel desempenhado pela Constituição no Estado de Direito,

que não assume uma perspectiva neutral, não será incorreto afirmar que de suas

disposições se extrai uma certa ordem de valores, necessariamente presentes nas

opções políticas fundamentais do constituinte64

Portanto, interpretação é, em última análise, a expressão de como o

intérprete, através do texto, vê e constrói seu próprio mundo65, seu ambiente num

determinado contexto66. De qualquer modo, o intérprete, para desenvolver o seu

mister, deve escolher uma concepção filosófica para a compreensão do direito posto.

64

GARCIA, Emerson, obra citada, p. 194

65 A ideologia corresponde a uma valoração de valores; implica dar diferentes graus de relevância para certo

conjunto de valores. Isto tem influência na medida em que o objeto da interpretação não é o mundo do texto, nem

o mundo atrás do texto, mas o mundo na frente do texto. Esta visão coloca o intérprete não mais numa posição

de mero descritor da realidade, mas de alguém que, no processo de compreensão e construção do seu mundo,

vai agregar aquele grau de relevância que considera adequado para os valores que estejam consagrados

naquele determinado ordenamento. e. a partir disto, encontrar a resposta adequada à situação a resolver. OBRA

CITADA, P. 505

66 GRECO, Marco Aurelio- in “Planejamento tributário” p. 501/502. Trata-se de entendimento do Filósofo Paul

Ricoeur ao e analisa a “interpretação” no nível pragmático da Semiótica. Sobre o tema “interpretação e

ideologias” Greco cita entendimento de Paul Ricoeur que ao examinar a atividade do interprete procura mostrar

qual mundo ele “interpreta”. Uma primeira visão afirma que na relação entre intérprete e texto interpreta-se o

mundo do texto, ou seja, o texto seria compreendido enquanto tal; segundo essa visão, o intérprete deveria

expressar o que o texto diz. . Esta postura recebe criticas porque não é bem assim, pois o texto sozinho não diz

nada; basta pensar na datilografia de uma determinada poesia (...) O texto isolado nada diz. Daí surge uma

segunda visão segundo a qual não se interpreta o mundo do texto. Ao se interpretar um texto, o que estaria

sendo efetivamente interpretado seria o mundo atrás do texto, ou seja, o texto estaria representando certa

realidade que o intérprete deveria buscar, para conhecer o efetivo alcance do texto. Interpretar seria explicitar e

conhecer que o texto quer significar como existente atrás dele, uma determinada realidade que envolve certa

situação, objeto, relação e assim por diante. Do ângulo da semiótica estariamos no nível semantico. Afirma Greco

que essa visão também não é satisfatória, porque nada garante que aquela seja a realidade do mundo que está

por trás do texto; como pode o interprete saber qual a realidade subjacente, sem saber a intenção do autor? Além

disso, o texto pode até sintaticamente conter erros em si (sintáticos) ou contradições semânticas. Nada garante

que aquilo seja um mero erro e, portanto, uma frase sem sentido ou, ao revés, seja uma tentativa de explicar um

mundo ou realidade que está além do texto. Mais uma vez invocando Paul Ricouer, relata que o filósofo conclui

- 38 -

4.7. Princípios Específicos para a Interpretação da Norma Constitucional

As características peculiares de um texto constitucional impõem a utilização

de princípios específicos para a interpretação de suas normas, entre os quais serão

destacados: (a) o principio da unidade da Constituição e (b) o principio da

efetividade.

4.7.1. Principio da Unidade da Constituição

O primeiro desses princípios impõe ao intérprete a obrigação de analisar as

normas constitucionais dentro do contexto em que se inserem, de maneira a evitar a

existência de contradições. O intérprete deve considerar a Constituição em sua

globalidade e procurar harmonizar os espaços de tensões reais ou imaginárias que

existam entre normas constitucionais e delimitar a força vinculante e o alcance de

cada uma delas.

4.7.2. Principio da Efetividade

Já o segundo daqueles princípios – o da efetividade – atribui a uma norma

constitucional, em razão da posição por ela ocupada no ordenamento jurídico, o

sentido que maior eficácia lhe ofereça. Também designado por principio da eficiência

ou da interpretação efetiva, determina que a uma norma constitucional deve ser

atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É principio operativo em relação a

todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à

tese da atualidade das normas programáticas é hoje, sobretudo invocado no âmbito

que, na relação intéprete e texto, o que se interpreta efetivamente e o que se descreve não é o “mundo do texto”

nem um mundo “atrás do texto”, mas o mundo “diante do texto”.

- 39 -

dos direitos fundamentais, isto é e, no caso de duvida deve-se preferir a

interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais67

67

SPITZCOVISK, Celso- Princípios do Direito Administrativo Economico- in Curso de Direito Administrativo

Economico, Vol. I, org. JOSE EDUARDO MARTINS CARDOZO, JOAO EDUARDO LOPEZ QUEIROZ E MARCIA

WALQUIRIA BATISTA DOS SANTOS, 2006, Malheiros Editora, p. 39 a 41

- 40 -

5-PROPOSTA DE CONSTRUÇÃO DE SENTIDO DA NORMA CONSTITUCIONAL

QUE REGE A PRESTACÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS

5.1. Dos Planos Sintático, Semântico e Pragmático

Como afirmado anteriormente, o método escolhido para o presente trabalho

decorre das concepções do constructivismo lógico semântico, que, no dizer de

PAULO DE BARROS CARVALHO toma o direito como um grande fato

comunicacional.

Ensina o mestre que na acepção mais geral “comunicação” designa qualquer

processo de intercâmbio de uma mensagem entre um emissor e um destinatário,

mensagem que para ser eficaz requer um contexto apreensível pelo destinatário,

um código total ou parcialmente comum ao remetente e destinatário e, finalmente

um contato, isto é um canal físico e uma conexão psicológica entre o remetente e o

destinatário que os capacite a entrar e permanecer em comunicação 68.

Com esse pano de fundo, PAULO DE BARROS CARVALHO situa o direito

como um fato comunicacional, entendendo o consequente normativo como categoria

fundamental do conhecimento jurídico e que se forma por uma proposição relacional,

enlaçando dois ou mais sujeitos de direito em torno de uma conduta regulada como

proibida, permitida ou obrigatória.

No seu entender, para terem sentido e serem devidamente compreendidos

pelo destinatário, os comandos jurídicos devem revestir um quantum de estrutura

formal.

Em simbolismo lógico ter-se-ia: D[F→ (S’RS’’)], assim interpretado pelo jus-

filósofo: “deve-ser que, dado o fato F, então se instale a relação jurídica R, entre os

68

Direito Tributário, Linguagem e Método, p. 166

- 41 -

sujeitos S’ e S‟‟. Para o Professor apenas com esse esquema formal haverá a

possibilidade de sentido deôntico completo, pois sua composição sintática é

constante: um juízo condicional, em que se associa uma conseqüência à realização

de um acontecimento fáctico previsto no antecedente, fazendo-o por meio

implicacional. 69

Em tema da interpretação do direito e da linguagem como seu integrante

constitutivo, o direito positivo se apresenta ao intérprete como objeto cultural por

excelência, plasmado numa linguagem que porta, necessariamente, conteúdos

axiológicos. Ao tomar o direito positivo como camada lingüística vazada em termos

prescritivos e dirigida ao comportamento social nas relações intersubjetivas, PAULO

DE BARROS propõe que a sua interpretação ocorra com base nos métodos

empregados em sistema de linguagem70, com a investigação de seus três planos

fundamentais: a sintaxe, a semântica e a pragmática.

O plano sintático é formado pelo relacionamento que os símbolos lingüísticos

mantêm entre si, sem qualquer alusão ao mundo exterior do sistema. O plano

semântico diz respeito às ligações dos símbolos com os objetos significados, as

quais, tratando-se de linguagem jurídica, são os modos de referência à realidade:

qualificar fatos para alterar normativamente a conduta. E o plano pragmático é tecido

pelas formas segundo as quais os utentes da linguagem a empregam na

comunidade do discurso e na comunidade social para motivar comportamentos.

Todas as normas contidas no texto constitucional possuem uma utilidade no

ordenamento. Além disso, o dinamismo dos fatos econômicos, culturais e sociais

conduz mudanças na realidade normativa do ordenamento jurídico constitucional. A

ligação entre o dinamismo (língua e linguagem) e estabilidade das relações jurídicas

encontra-se no cerne da Constituição, através do fenômeno da mutação

constitucional, que apresenta alteração informal do texto constitucional pela

69

PBC Linguagem e método, p.167 e 168

70 Obra e autor citados, p. 198 e 199

- 42 -

interpretação jurisprudencial, ocorrendo de maneira espontânea no sistema, sem

qualquer previsibilidade legal. A linguagem da norma constitucional não é uma

decisão pronta e acabada, pois a norma se completa no momento de sua

interpretação, adequando-se, através desta, à realidade71.

Aplicando-se tais lições ao tema objeto do presente trabalho, tem-se que ao

se buscar construir a norma constitucional que deverá reger a prestação de serviços

públicos é necessário associar a regra constante do artigo 145, II da CF, com aquela

posta no artigo 175 também da Magna Carta, além de outros dispositivos

constitucionais direta ou indiretamente atrelados ao tema.

Assim, no plano sintático buscar-se-á relacionar os textos constitucionais para

construir a(s) norma jurídica(s) que disciplinará (ão) os vários aspectos jurídicos da

prestação dos serviços públicos, diretamente pelo Estado ou indiretamente mediante

contrato de concessão de serviços público.

No plano semântico, ao ligar referidas regras ao objeto analisado, isto é, à

prestação de serviço público em sentido amplo – direta e indireta -, restará

demonstrado que tal atividade - seja prestada diretamente pelo Estado ou

indiretamente por particulares - será remunerada pelo tributo taxa. E mais, que a

tarifa - locução não utilizada pelo artigo 175 do texto constitucional – e a taxa,

referida no artigo 145, inciso II, longe de se caracterizarem como conceitos com

sentidos lingüísticos que se excluem mutuamente (tal como entende parte da

dogmática do direito administrativo), possuem sentidos que se completam, posto que

a taxa de serviço paga pelo usuário, é item (parte) que integra a composição da

política tarifaria.

Antes, porém, é necessário tratar de tema de grande importância para o

presente trabalho: a atribuição de competências administrativas (materiais) e

tributárias aos entes de direito publico interno.

71

Autor e obra citada, p. 350 a 362

- 43 -

6- A CONSTITUIÇÃO E A ATRIBUIÇÃO DE COMPETÊNCIAS

6.1. Competências Materiais e Legislativas

Como nos ensina PAULO DE BARROS CARVALHO, o modo minucioso

segundo o qual o constituinte brasileiro estabeleceu o campo das possibilidades

impositivas, obriga o estudioso a ingressar no exame acurado da ordem

constitucional como pressuposto indeclinável do entendimento das instituições

tributárias. 72

O ordenamento jurídico brasileiro introduzido pela Constituição de 1988

configura um sistema marcado pela rigidez no que se refere à repartição de

competências, entendidas como poderes-deveres estatais. Assim, as diferentes

ordens de poder político – federal, estadual, distrital e municipal – recebem da

Constituição atribuições e prerrogativas próprias, decorrentes da divisão feita pelo

constituinte, e que não está à mercê do legislador infraconstitucional de qualquer

uma das mencionadas esferas, ainda que revestido sob o manto do Poder

Constituinte Derivado ou Decorrente. 73

Ao lado das competências materiais, temos as competências legislativas, dentre as

quais nos interessa de perto, a competência tributária.

Referida competência se insere no subsistema constitucional tributário, cujas

características básicas são a Rigidez e a Exaustividade. Rígido porque o legislador

constitucional atribuiu nominalmente à União, Estados e Municípios, a competência

para criar os tributos não vinculados – impostos-.

A rigidez determina que o legislador infraconstitucional esteja sujeito à

expressa e completa ordenação constitucional, a qual não lhe deixa liberdade jurídica

72

Direito Tributário Linguagem e Método, p. 158

73BERTI - obra citada, pág. 88

- 44 -

de ação que ultrapasse os limites da simples descrição legislativa do quanto

esculpido no texto constitucional. 74

Sobre tais limites, ROQUE CARRAZZA realça ser induvidoso que o legislador,

ao exercitar a competência tributária, encontra limites jurídicos, caracterizando-se, o

primeiro desses limites na observância das normas constitucionais. Para o autor, o

respeito devido a tais normas é absoluto e sua violação importa irremissível

inconstitucionalidade da lei tributária. 75

Em matéria de impostos, o legislador constituinte nomeou cada um deles,

traçando-lhes a matriz constitucional com a definição de seus traços característicos.

Desse modo, os impostos outorgados, por exemplo, à competência da União,

somente por ela podem ser criados e exigidos, não cabendo a delegação da

competência legislativa a outro ente, para sua criação.

Já a atribuição de competência para criar tributos vinculados – taxas e

contribuições – afigura-se menos rígida do que aquela referente à criação dos

impostos.

As primeiras – taxas - podem ser criadas e exigidas pela União, Estados e

Municípios, bastando para tanto que, no exercício de competência administrativa

própria, igualmente recebida da Constituição Federal, tenham prestado - ou posto à

disposição do administrado - serviço público específico e divisível, ou praticado ato

de poder de polícia.

A outra característica do sistema tributário constitucional - exaustividade -

decorre da própria rigidez do sistema, o qual, a par de estabelecer, rigorosamente,

cada uma das competências privativas dos entes de direito público interno, o fez de

modo exaustivo, vale dizer, não só com a denominação, mas também com a

74

ATALIBA, Geraldo - Sistema Constitucional Tributário Brasileiro,RT, 1968,p. 30-31

75 CARRAZZA, Roque - Curso de Direito Constitucional Tributário 19ª. edição, Malheiros, 2004, pág. 441

- 45 -

descrição da regra matriz de cada um dos impostos, em especial com o

delineamento do critério material de cada um deles.

Tratando-se de atribuição de competência, estão envolvidas não apenas as

autorizações, mas também limitações, não podendo a pessoa competente

ultrapassar as fronteiras de sua atuação demarcada as no texto supremo. Temos no

Brasil, portanto, minuciosa discriminação de competências, em que e relacionado, de

forma pormenorizada, o campo tributável atribuído a cada pessoa política,

As taxas e as contribuições de melhoria são atribuídas às pessoas políticas,

titulares do poder de tributar, de forma genérica e comum, e estão atreladas ao

exercício das competências administrativas para prestar serviços e exercer atos de

poder de policia. Os impostos têm atribuição privativa e discriminada a cada um dos

entres de direito publico interno. Como corolário lógico tem-se que os impostos são

nomeados e discriminados na Constituição um a um. São atribuídos privativamente,

portanto, a cada uma das pessoas políticas, enquanto as taxas e as contribuições de

melhoria são indiscriminadas, inominadas e atribuídas em comum às pessoas

políticas.

Os impostos têm nome e são numerus clausus, em princípio. As taxas e

as contribuições de melhoria são em número aberto, numerus apertus, e são

inumeráveis. 76

Ao se abordar o tema da exaustividade das normas constitucionais que

outorgam competências tributárias, em geral, vincula-se tal característica

especialmente aos tributos não vinculados – os impostos –.

Não obstante, é possível afirmar que tal característica também informa

as regras constitucionais de competência para criar os tributos vinculados – taxas e

76

SACHA CALMON NAVARRO COELHO, in Curso de Direito Tributário Brasileiro, 9ª. edição , Forense, 2006, p.

72 e 73

- 46 -

contribuições – inclusive as contribuições sociais, profissionais, de intervenção no

domínio econômico e aquelas para a seguridade social, na medida em que, com

relação às taxas, os gêneros das atividades estatais que podem render ensejo à

instituição e cobrança do referido tributo - prestação de serviço público e atos de

poder de policia -, estão expressamente definidas no texto constitucional e, bem

assim as hipóteses de incidência das contribuições.

6.2. Regras de Competência como Regras de Estrutura

Adota-se, no presente trabalho, o entendimento de que as normas de

competência são normas de estrutura. Ao se falar em competência está-se referindo

quer às normas constitucionais que cuidam da competência legislativa, inclusive da

competência tributária, quer aquelas que veiculam as competências materiais.

Para o presente trabalho, importa considerar a existência, na Constituição

Federal, de normas de estrutura que outorgam competência legislativa tributária aos

entes de direito públicos interno. E mais, em matéria de tributos vinculados da

espécie taxas, apresentam relevância as chamadas competências materiais

daqueles mesmos entes, por estarem atreladas à competência legislativa para a

criação do referido tributo.

Assim, o artigo 145, inciso II da Constituição Federal, é norma de estrutura

que outorga competência legislativa à União, Estados e Municípios, para criar e

exigir taxas como instrumento constitucional de remuneração da prestação de

serviço público específico e indivisível ou para remunerar a prática dos atos de poder

de policia diretamente dirigidos a determinado administrado.

Por outro lado, o artigo 175 da mesma Magna Carta, pode ser entendido

também como regra de estrutura que outorga competência material (poder-dever) à

União, Estados e Municípios para prestar serviços públicos direta ou indiretamente

- 47 -

aos administrados. Nesta segunda hipótese, como será tratado mais adiante, o

legislador constitucional prevê a edição de uma norma de norma e define a natureza

da matéria sobre a qual deverá o legislador infraconstitucional legislar (concessão e

permissão de serviço publico), bem como o conteúdo da referida lei (direito dos

usuários, regime contratual do concessionário prestador do serviço, modicidade da

tarifa, etc.)

Assim, levando-se em conta a classificação das normas jurídicas em regras

de conduta e regras de estrutura77, podemos afirmar que as regras constitucionais

que outorgam competências aos entes de direito público interno, pertencem à

categoria das regras de estrutura. De fato, como visto anteriormente, o conteúdo das

regras de estrutura consiste de outras regras que vão regrar o procedimento ou o

conteúdo das regras de comportamento, ou ainda os limites dentro dos quais estas

podem ser veiculadas. Constituem-se em verdadeiras “regras sobre regras” ou

normas de “sobredireito”, posto que estruturam a própria atuação do legislador78

Nesse sentido, ainda com relação à rigidez e à exaustividade, as regras

constitucionais tributárias de estrutura, acabam servindo como parâmetros de

atuação do legislador infraconstitucional, impondo-lhes um campo relativamente

restrito, o qual, se ultrapassado, acarretará vício formal de invalidade

(inconstitucionalidade) do produto legislado, das leis editadas. 79

No Brasil, República Federativa, o legislador constituinte de 1988 partilhou o

poder tributário entre os entes de direito público interno, não estando autorizada a

alteração da referida repartição pelo legislador infraconstitucional, e mesmo pelo

77

BURTI, obra citada pág. 94: “ Quando se está diante de uma regra voltada diretamente para a normatização

quanto ao comportamento dos indivíduos, tem-se uma regra de conduta; de outro lado, quando a regra não se

dirige diretamente para o comportamento dos indivíduos, tem-se a chamada regra de estrutura”.

78 Autor e obra citada, pág. 95

79 Autor e obra citada, pág. 97

- 48 -

poder constituinte derivado, sob pena de rompimento do equilíbrio na Federação e

lesão ao princípio federativo. 80

6.3. Competência Legislativa Tributária e Capacidade para ser Sujeito Ativo da

Relação Jurídico-Tributária

A competência legislativa é indelegável. Como sua atribuição pelo constituinte

é rígida e exaustiva, o não exercício por qualquer dos entes de direito público interno,

não autoriza o exercício por qualquer outra pessoa de direito públicos.

A competência legislativa tributária consiste na aptidão para editar norma

jurídica que crie ou aumente tributo.

É pelo exercício dessa competência que os entes de direito público interno

introduzem no direito positivo as normas-matrizes de incidência tributária.

Como ensina ROBSON MAIA LINS ao analisar a RMIT (regra matriz de

incidência tributaria) constata que ela apresenta na composição de seu antecedente

os seguintes critérios: (i) material; (ii) espacial; (iii) temporal. O critério material

consiste no cerne do fato jurídico tributário, sendo composto sempre de um verbo

acompanhado do complemento. O critério espacial e critério temporal interligam,

respectivamente, o lugar e o tempo nos quais o fato jurídico pode ocorrer. Já no

consequente da RNIT estão o critério subjetivo e critério quantitativo. Aquele aponta

para os sujeitos ativo e passivo da relação jurídico tributária; este, para os critérios

de apuração do quantum pertinente ao tributo. São seus componentes a alíquota e a

base de calculo81

80

Autor e obra citada, pág. 108

81 Controle de constitucionalidade da Norma Tributaria- Decadencia e Prescricao- 2005- Quartier latin

- 49 -

O ente que recebe da Constituição a competência tributária, recebe também a

chamada capacidade tributária ativa, vale dizer, a aptidão para figurar no pólo ativo

da relação jurídico-tributária. Assim, a competência tributária pressupõe a

capacidade tributária ativa.

Essa capacidade tributária, porém, ao contrário da competência legislativa,

pode ser delegada. Trata-se da aptidão para arrecadar tributos e pode ser delegada

pela pessoa de direito público interno a outro ente público ou mesmo privado.

Quando tal delegação for acompanhada da possibilidade de aplicação da

receita auferida na manutenção das próprias finalidades do ente que recebe a

delegação, estar-se-á diante do fenônemo da PARAFISCALIDADE.

De se ressaltar que a delegação da capacidade tributária a pessoa de direito

privado somente poderá ocorrer quando a delegatária exerça funções publicas ou de

interesse público. Exemplo clássico de parafiscalidade: as contribuições arrecadadas

e utilizadas pelos entes representativos de categorias profissionais (OAB, CREA.

CRM, etc.) previstas constitucionalmente

- 50 -

7-DA NOÇÃO DE TRIBUTO

7.1. Espécies Tributárias - Generalidades

Antes de tratar das Taxas, como uma das espécies tributárias, cumpre

analisar o gênero a que pertencem: o Tributo.

Na estória da evolução da tributação, o tributo acompanhou a própria evolução

da civilização, afirma LUIS EDUARDO SCHOUERI. De instrumento de opressão e

preço de liberdade dos antigos até instrumento da liberdade coletiva do Estado

Fiscal, houve por certo uma evolução nas relações entre o soberano e seus súditos.

O que no passado se achava legítimo, como decorrência das conquistas da guerra,

hoje seria intolerável. Nos dias atuais, não mereceria a denominação de tributo tal

instrumento de opressão. O surgimento do Estado de Direito definitivamente exigiu

que o poder de tributar se conformasse aos ditames constitucionais, dando origem

ao Direito Tributário. 82

A cobrança dos tributos nasce como exigência estatal de recursos financeiros

para fazer frente aos fins do Estado.

Enquanto o Direito Financeiro reúne as normas jurídicas atinentes à obtenção,

gestão e despesa publicas, pode-se afirmar o Direito Tributário como um subramo do

Direito Financeiro. Este último reúne as normas jurídicas especificamente voltadas a

regular o primeiro daqueles ramos: a obtenção de recursos tributários.

Importante lembrar que a receita tributária deve ser entendida como receita

pública de caráter derivado, ao lado das chamadas receitas originárias. Estas últimas

decorrem da exploração, pelo Estado, de seus bens e serviços não públicos. Nesse

82

Autor citado, In “ Direito Tributário”,, 2011, Ed. Saraiva, p.119

- 51 -

papel, o Estado comparece na relação jurídica com os particulares, sem seu caráter

soberano, atuando como se fosse um mero agente econômico.

Assim, por exemplo, ao locar bens de sua propriedade, ou quando presta um serviço

de interesse público que poderia ser prestado por qualquer particular. Nessas

hipóteses os valores recebidos não terão caráter tributário, mas natureza jurídica de

meros preços públicos.

Diferentemente as receitas tributárias são cobradas no âmbito de uma relação

não mais horizontal entre o Estado e o particular, mas sim uma relação vertical, na

qual o Estado assume posição de soberania, sendo irrelevante a expressão da

vontade das partes na formação da relação jurídico - tributaria. Portanto, os tributos

são sempre receitas derivadas, assim como os valores percebidos pelo Estado em

decorrência da imposição de penalidades (multas em geral).

O artigo 3º do Código Tributário Nacional define tributo como: “prestação

pecuniária compulsória, prevista em lei, em moeda ou cujo valor nela se possa

exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, e cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada”.

Quis o legislador estabelecer em lei o conceito de tributo. Assim, preocupado

com o caráter compulsório da figura legal, foi redundante ao afirmar tratar-se de

prestação compulsória e prevista em lei, quando esta última expressão já contém em

si a compulsoriedade, visto tratar-se de qualidade intrínseca à norma jurídica.

Ademais, ao proibir que o tributo seja utilizado como instrumento de sanção de ato

ilícito, traçou o legislador do Código Tributário Nacional um claro limite entre o tributo

e as penalidades.

De se ressaltar que nos termos da Constituição Federal, tributo é gênero

sendo suas espécies os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria. Muito

embora existam divergências com relação a esta classificação tripartite, não é o

caso, para o presente trabalho, de maiores indagações sobre o assunto,

- 52 -

Importa, para o momento, adotar a proposta de GERALDO ATALIBA que ao

classificar os tributos adota critério jurídico consistente na análise do aspecto

material da hipótese de incidência tributária. Assim, quando o aspecto ou critério

material, como quer PAULO DE BARROS CARVALHO, consistir numa atuação do

Estado em relação ao particular, estar-se-á diante dos chamados tributos vinculados:

taxas e contribuições. Na hipótese do aspecto ou critério material consistir numa

atividade do particular, ter-se-á a figura dos impostos, como tributos não vinculados.

7.2. Taxa e Serviço Público

O artigo 145 inciso II da Magna Carta atribui à União, aos Estados aos

Municípios e DF, a competência para instituir o tributo vinculado Taxa.

(a) Em razão do exercício do poder de policia

(b) Pela utilização efetiva ou potencial de serviços públicos específicos e

divisíveis, prestados ao contribuinte ou postos a sua disposição.

Assim, o pressuposto constitucional para a incidência da taxa de serviço é a

efetiva prestação de serviço público específico e divisível, ou a mera colocação do

referido serviço à disposição do particular.

Em razão do tema escolhido para a presente dissertação, será deixada de

lado a análise da matriz constitucional da taxa de polícia, voltando-se a atenção,

exclusivamente, para o estudo da chamada “taxa de serviço”.

O estudo dessa figura tributária pressupõe construir o conteúdo da expressão

serviço publico tal como posta no sistema constitucional tributário, a fim de que se

possa concluir, com segurança, a respeito da incidência ou não do tributo em cada

caso concreto, inclusive na hipótese de prestação indireta de serviço publico. A

- 53 -

prestação de serviço público específico e divisível é o único pressuposto

constitucional para a exigência do tributo

Como aludido anteriormente o tema serviço público foi e tem sido objeto de

estudo por inúmeros juristas, professores e estudiosos do Direito Administrativo.

Porém, como o instituto é invocado e usado no sistema constitucional tributário,

como realidade fática apanhada pelo legislador para a composição da regra matriz

de incidência da taxa (artigo 145, II), é preciso verificar qual o entendimento que a

doutrina do direito tributário atribui ao instituto enquanto objeto de hipótese de

incidência tributaria.

Essa tarefa foi muito bem realizada por MARCO AURÉLIO GRECO e

HAMILTON DIAS DE SOUZA83,*

Buscando apreender em profundidade o conceito de serviço público, para fins

de incidência tributária, aqueles autores constataram que a idéia de serviço envolve

a idéia de atividade realizada por alguém (prestador), no interesse de outrem

(tomador do serviço).

Além disso, afirmam que o serviço se constitui em um fazer algo, seja porque

o tomador, podendo realizar a atividade não o faz, seja porque o tomador não tem

habilidade para tanto. Em ambas as hipóteses, destaca-se a idéia de fruição de uma

utilidade em razão da atividade de alguém, que é prestador de serviço.

Quanto ao qualificativo público, segundo os autores, várias podem ser as

acepções em que ele vem utilizado.

Assim, asseveram, embora a dogmática em geral afirme estar buscando

critérios de definição de serviço público, na realidade as discussões centram-se no

qualificativo público, não havendo grandes debates quanto ao complemento serviço.

83

"A Natureza Jurídica das custas judiciais”, Editora Resenha Tributária,p. 37 e seguintes

- 54 -

De fato, os estudiosos do assunto, a pretexto de buscarem a essência da

figura, discutem, na realidade, porque uma atividade de prestação de utilidade deve

ser considerada serviço público, encontrando cada qual a razão determinante, seja

na pessoa que a presta, seja na essencialidade da atividade - por envolver

interesses de toda coletividade -, seja nas normas essenciais que a disciplinam.

- 55 -

8-O CONCEITO DE SERVIÇO PÚBLICO. SUA EVOLUÇÃO

8.1. Breve Histórico do Direito Europeu

O conceito de serviço público nasceu com as teorias do Estado de Direito e do

Estado Providência no inicio do século XX, como um de seus pilares.

Tal idéia foi promovida pela Escola Francesa de Serviço Público, conduzida

por Leon Duguit, para quem o Estado era uma corporação de serviços públicos

organizados e controlados pelos governantes, sendo o serviço público toda atividade

cuja realização deve ser regulada, assegurada ou controlada pelos governantes. 84

Na sua concepção clássica, o serviço público representa a responsabilidade

do poder público pelo bem-estar coletivo. É a idéia de que a iniciativa privada e o

mercado não podem responder a essas necessidades coletivas em termos

satisfatórios, quer porque não garantem sequer a existência dos serviços, quer

porque não o asseguram em termos de igualdade e acessibilidade a todos os

cidadãos.

Trata-se, portanto, de uma obrigação publica, uma prestação administrativa

fora do mercado (exclusivo público, tarifas administrativas, obrigação de

fornecimento a todos; centralidade dos utentes, que são a “razão de ser” dos

serviços públicos) 85

84

No in íc io do século XX, Dugui t buscava subst i tu i r as bases t rad ic ionais do Di re i to

Públ ico, que g i rava em torno do pr inc ip io da soberania, para, em seu lugar, co locar o

concei to de serviço públ icos, com a conseqüência de que toda atuação admin is t ra t iva

passava a ser cons iderada “serv iço públ ico ”

85 MOREIRA, Vi ta l - “Os Serviços Públ icos Tradic ionais sob o impacto da União Européia ” in

Revis ta de Di re i to Públ i cos da Economia - RDPE, B. Hor izonte, Ed. Fórum, 2003,p.228

- 56 -

Os serviços públicos foram a expressão mais manifesta do Estado

intervencionista e do Estado Social do século XX, em contraposição ao Estado liberal

do século XIX, essencialmente voltado às tarefas da defesa e da manutenção da

segurança e da ordem pública.86 87.

A Constituição Francesa de 1946 assumia essa concepção, concretizando um

amplo setor público. A propriedade publica tornava-se, assim, a regra em matéria de

prestação de serviço público. Formaram-se grandes monopólios público-nacionais88·.

Exceto a Espanha, os demais países europeus com regimes administrativos de

inspiração francesa receberam aquela influência, mas delimitaram o significado de

serviço público dentro de suas fronteiras89.

A partir do século passado, sobretudo após a Segunda Grande Guerra, o

Estado passou a exercer tantas atividades econômicas stricto sensu, que passaram

a constituir uma modalidade especifica de atividade estatal, quebrando a unidade

que até então existia na Escola Clássica francesa, que igualava os serviços públicos

a todas as atividades estatais, ou pelo menos a todas as atividades da Administração

Pública90.

Assim, para explorar essas atividades econômicas stricto sensu, como

também serviços públicos que necessitavam de uma estrutura industrial complexa e

em rede, o Estado passou a adotar mecanismos de direito privado (sociedades de

economia mista e empresas públicas) com a exclusão das referidas atividades o

86

Enquanto o Estado L ibera l era quase exc lus ivamente um Estado Legis la t ivo e

admin is t ra t i vo , o Estado de serviços públ i cos é também um Estado propr ie tá r io ,

empresár io , prestador. Enquanto o Estado l ibera l se abst inha de in ter fer i r na vida

econômica e soc ia l , que eram cons ideradas do foro pr i vado, e su je i tas às le is do mercado,

o Estado de serv iços públ icos assume expressamente a responsabi l idade na organização e

no fornec imento de bens e serviços aos par t iculares, mui tas vezes à margem da in ic ia t iva

pr ivada , do mercado e da concorrênc ia

87 Idem, ib idem, p.231

88 Idem, p. 111

89 Idem, p. 112

90 ARAGAO, Alexandre Santos - “Di re i to Admin is t ra t ivo e seus novos parad igmas - O serviço

públ ico e as suas cr ises” , Belo Hor izon te , Ed. Fórum, 2008, p . 424.

- 57 -

máximo possível do regime jurídico de Direito Públicos, quebrando, definitivamente,

o critério formal pelo qual serviço público seria apenas a atividade regida pelo direito

público91.

Com o advento da União Européia, os franceses passaram a defender a

inscrição de sua noção de serviço público na Constituição da União Européia,

encontrando, porém, fortes oposições dos demais países membros92. 93

O Estado francês passou a ter um duplo desafio: submeter suas empresas

publicas às regras da concorrência, acabando em certos casos com monopólios de

que dispunha, e garantir o cumprimento das missões de serviço públicos94

A partir da segunda metade do século XX vários setores que prestavam

exclusiva ou essencialmente serviços de interesse econômico geral foram

gradualmente abertos à concorrência (ex: telecomunicações, serviços postais,

transportes, energia, eletricidade e gás), promovendo a União Européia uma

liberalização controlada, uma abertura progressiva do mercado, com medidas de

proteção do interesse geral, em particular mediante o conceito de serviço universal,

com o fim de garantir o acesso de todos, - independentemente da situação

econômica, social ou geográfica -, a um serviço de qualidade comprovada e preço

acessível, impedindo a exclusão do acesso a serviços essenciais, de grupos sociais

ou regiões vulneráveis95.

91

Idem, ib idem, p. 425

92 Helga, p .113

93 Ocorreu aqui lo que a lguém já des ignou como “o choque f ronta l do d i r ei to f rancês dos

serviços públ icos com o Di re i to Comuni tár io “ (Simonian -Gineste, 1997)

93A noção f rancesa de serviço públ ico se f lexib i l i zou cons ideravelmente em face do

reconhecimento de que o ambiente econômico e f inancei ro mundia l v inha se tornando mais

compet i t ivo e, por tanto ser ia vão e até contrár io aos in teresses dos operadores f ranceses,

manterem-se numa postura protec ion is ta.

94 Idem, p. 114 e 115

95 Helga, p .118

- 58 -

A dificuldade em estabelecer um critério geral para o serviço público da União

Européia estava no fato de que aquela abrigava países de tradições jurídicas não

coincidentes (civil law e common law).9697.

Foi preciso que as instituições comunitárias se dedicassem a um estudo para

elaborar uma noção em cada um dos países membros de modo a forjar um conceito

que, em lugar de ser imposto pela União Européia, fosse aceito por todos eles e que

compreendesse as duas distintas tradições.

Chegou-se, assim, às noções de serviço de interesse geral98; serviço de

interesse econômico geral99·; serviço universal; e serviço público simplesmente, as

96

De fa to, a lguns haviam soluc ionado as necess idades de serviços de sua co let iv idade,

a t ravés da publ icat io – dec laração fo rmal como serviço públ ico de t i tu lar idade estata l e

gestão d i re ta ou ind i re ta por concess ionár ios – e outros que se t inham decantado pela v ia

da s imples regulação de at iv idades desenvolvidas por par t icu lares

97 Helga, p . 119

98 O termo “serv iços de in teresse gera l ” também não f igura nos Tratados, re fer indo -se o

TFUE a “serv iços de in teresse econômico gera l ” , expressão da qual der i vam estes serviços

de in teresse gera l . Sob esta denominação são reconhecidos, ho je, os serviços públ icos de

t rad ição cont inenta l européia. São todas aquelas at iv idades prestadas aos admin is t rados,

d i re tamente ou por de legação a terce i ros a que os poderes públ icos impõem obr igações de

serviço públ ico, por entender que estão dotados de in teresse gera l , operem no mercado ou

fora de le, comerc ia is ou não. Nesta categor ia estão presentes as at iv idades de serv iços

não econômicos (escola obr igatór ia , proteção soc ia l ) ; as funções soberanas e bás icas do

Estado (segurança e jus t iça) ; e os serv iços de in teresse econômico gera l (energ ia e lé t r ica

e te lecomunicações) . HELGA P. 120

99 Os “serv iços de in teresse econômico gera l ” par tem de uma idé ia espec i f icamente

comuni tár ia , que embora não def in ida nem nos Tratados nem no Di re i to der ivado , aparece

refer ida no TFUE . Refere-se a at iv idades de serv iço comerc ia l que operam no mercado, às

quais , por mot ivo de in teresse gera l , também são impostas pelos Estados membros

obr igações de serv iço públ ico . São os serviços prestados pelas grandes indústr ias de rede

(energ ia e lé t r ica, comunicação, posta is e t ransportes) . Estes serviços devem func ionar em

conformidade com pr incíp ios e condições econômicas e f inancei ras, pr inc ipa lmente, que

lhes poss ib i l i te cumpr i r suas f ina l idades ( missão de in te resse públ ico ) . São serviços que se

produzem no âmbi to do s is tema econômico, não no sent ido de que se jam ou não prestados

com in tu i to de lucro, mas no sent ido de que o poder públ ico tenha encomendado sua

gestão, tornando obr igação legal sua p restação. O Di re i to comuni tár io não os def ine “a

pr ior i ” , nem se pos ic iona quanto à forma de sua gestão, de ixando a cada Estado Membro a

- 59 -

quais, se nem sempre estão expressas nos Tratados, fazem parte do dia-a-dia das

atividades e das instituições na União Européia100.

Porém, o termo serviço público está ausente nos Tratados da União Européia.

O novo Tratado de Funcionamento da União Européia (TFUE), não define serviço

público e, salvo uma única vez, a ele não se refere explicitamente. 101102

Já a expressão serviço universal refere-se à noção desenvolvida pelas

instituições da UE, no marco dos processos de liberação, para garantir o acesso de

todos, em todas as partes, a determinadas prestações essenciais103. O conceito de

serviço universal exprime um conjunto de princípios e de obrigações que

determinados serviços deverão cumprir de modo a serem acessíveis a todos os

cidadãos a preços razoáveis.

A noção de serviços de interesse econômico é, talvez, a noção de maior

transcendência no âmbito europeu, uma vez que o artigo 36 da Carta de Direitos

Fundamentais da UE dispõe que a União reconhece e respeita o acesso a tais

f i xação de quais serviços vão ser cons iderados de in te resse econômico gera l . O TFUE

es tabelece apenas um marco normat ivo, de modo que as empresas gestoras de ta is

serviços deverão estar submet idas às normas de l ivre concorrênc ia, com uma única

exceção: a dos monopól ios natura is , que, por sua essênc ia tem de estar subtraídos da l ivre

concorrênc ia.

100 Idem p. 119

101 Esc lareça-se que com o Tratado de L isboa (2007, com ent rada em v igor em 2009 ) foram

modi f icados o Tratado da União Européia - TUE e o Tratado const i tu t i vo da Comunidade

Européia – TCE , ganhando, este ú l t imo, a denominação de Tra tado de Func ionamento da

União Européia – TFUE .

102 Na dout r ina por tuguesa o concei to de servico públ icos e bastante controverso. Part indo

do concei to proposto por PEDRO GONCALVES, poderemos af i rmar que serviço públ ico e

uma tarefa admin is t ra t i va de prestação is to e, o serviço públ ico e uma at iv idade de que

admin is t ração e t i tu lar e por cu jo exerc ic io e responsavel ( responsabi l idade de execução.

GOUVEIA, Rodr igo- in Os serviços de in teresse gera l em Portugal - Co imbra Edi tora, 2001,

p . 20

103 A Comissão Européia def ine -os como o conjunto mín imo de serviços de uma

determinada qual idade aos quais tem aces so todos os usuár ios e consumidores, em função

das condições nac ionais especí f icas, a um preço acessíve l .

- 60 -

serviços com o fim de promover a coesão social e territorial da União 104. Tais

serviços são uma subespécie do conceito mais amplo de serviços de interesse geral.

Os serviços de interesse geral são os que satisfazem necessidades básicas

dos cidadãos, quer sejam de natureza econômica, social ou cultural. Sendo assim,

os serviços de interesse econômico geral são aqueles que satisfazem necessidades

básicas de natureza econômica dos cidadãos.105 Ao lado dos serviços de interesse

econômico geral, também como subespécies do gênero serviços de interesse geral,

têm-se os serviços de interesse social geral (como a segurança social, a proteção no

desemprego, os serviços prestados por instituições de solidariedade social, etc.) e os

serviços de interesse cultural geral (como o ensino, a ciência, o desporto, etc.) 106.

Todos os serviços de interesse geral devem ter alguma exigência de serviço

universal, como uma forma de obstar os efeitos indesejáveis da atuação das regras

de mercado. RODRIGO GOUVEIA lembra que cada vez mais os cidadãos

consagram uma grande parte do seu orçamento aos serviços de interesse geral, uma

vez que tais serviços são essenciais à vida, à saúde, e à participação social. Assim,

afirma a garantia de acesso de todos os cidadãos a esses serviços, a preços

razoáveis, e um imperativo para a manutenção e melhoramento do nível de coesão

econômica e social na União Européia.

Ressalta o autor que a recente privatização dos serviços de interesse geral

levanta a preocupação de que o mercado possa não assegurar, por si só, as

exigências que se impõem no âmbito dos serviços de interesse geral. GOUVEIA

assevera que certos serviços poderão não ser fornecidos a preços acessíveis,

segundo as regras de mercado, por exemplo, a consumidores que vivam em regiões

onde as condições de aprovisionamento sejam demasiado onerosas. Noutro prisma,

as regras de mercado poderão conduzir a situações em que um determinado serviço

104

Helga, p . 121

105 GOUVEIA, Rodrigo- Os Serviços de Interesse Geral em Portugal-2001-Coimbra Editora, p. 22

106 obra e autor citados, p. 22

- 61 -

de interesse geral não é, pura e simplesmente, fornecido devido a sua falta de

rentabilidade107

A importância deste conceito consiste em que os serviços econômicos de

interesse geral representam o serviço público liberalizado. Na Comunidade européia

a distinção entre a natureza econômica ou não de determinados serviços de

interesse geral tem relevância, sobretudo porque aos primeiros não serão aplicadas,

plenamente, as regras do mercado interno e da concorrência108

A partir das liberalizações e da introdução da concorrência, serviços de

natureza comercial que eram tratados como públicos passaram a não revestir mais o

caráter de serviço público tradicional, e sua prestação ficou submetida ao regime de

livre concorrência, com a imposição, ao prestador, de obrigações de serviço público,

com o fim de garantir a todos os cidadãos um mínimo comum de serviços em

condição de igualdade e a um preço acessível. Garante-se, assim, a consecução de

certos objetivos de interesse públicos, pois, guiados só por seu interesse comercial,

os operadores provavelmente não os prestariam do modo exigido pela regulação 109.

8.2. Serviço Público no Direito Brasileiro - Breve Histórico

O Estado brasileiro, ao longo do tempo, organizou o desempenho de seus

serviços públicos sob diversas modalidades.

Originariamente só se conhecia a prestação direta pelo Estado, vale dizer,

pelos órgãos que compõem o seu próprio aparato administrativo.

107

obra e autor citados, p. 25 e 26

108 obra e autor citados, p. 23

109 Idem p. 122

- 62 -

Nos anos 20 do século XX inicia-se um processo de descentralização do

Estado, com a criação das Autarquias, que ganhou força após a Revolução de 30,

exercendo tanto funções administrativas como de natureza industrial ou comercial.

Também no mesmo período encontramos a concessão a favor de pessoas privadas

(nacionais e estrangeiras), com o intuito de desenvolver a indústria e a economia

como um todo.

A concessão se generaliza no período do Estado Social quando o Estado

passou a assumir novos encargos no campo social e econômico, que exigiam

grandes investimentos financeiros e em pessoal técnico especializado.

Daí a necessidade de se buscar novas formas de gestão do serviço público e

da atividade privada exercida pela Administração, tendo em mira a especialização, a

obtenção de melhores resultados, maior flexibilidade de formas inclusive mais

adaptáveis ao novo tipo de atividade assumida pelo Estado.

Após a segunda grande guerra, houve um declínio do instituto da concessão,

principalmente pelo fato de que o Estado estava participando dos prejuízos

decorrentes da outorga de concessão, e começavam a surgir as pessoas jurídicas de

direito privado – sociedades de economia mista e empresas públicas - concebidas

inicialmente para dar maior flexibilidade e eficácia à máquina administrativa,

operando nos moldes das empresas privadas. Com este modelo, o Estado mantinha

o controle sobre o concessionário, inclusive na fixação de preços; de outra parte,

como acionista majoritário da empresa, assumia os riscos do empreendimento.

Na quadra final do século passado, as alterações ocorridas em decorrência da

chamada reforma do Estado, levaram a um desmonte do Estado prestador, produtor,

interventor e protecionista, e a um redimensionamento de sua atuação como agente

regulador da atividade econômica.

- 63 -

Inicia-se, então, um movimento inverso e várias empresas estatais ou áreas

absorvidas pelo Estado foram transferidas para o setor privado, com o retorno da

concessão para a empresa privada. O instituto ressurge com a mesma justificativa

que direcionou sua elaboração no século XIX: realização de serviços sem ônus

financeiros para a Administração, mas num outro contexto.

Neste momento de retomada da concessão ela ressurge para servir a um

projeto de exploração concorrencial dos serviços anteriormente monopolizados, por

empresas particulares na fase de sua implantação, e depois por empresas estatais

na fase de seu maior desenvolvimento.

É introduzida a gradativa competição entre prestadores, sob a tese de que

mercados em concorrência são mais eficientes que mercados monopolistas. Nesse

modelo, a concessão não se presta para comprometer o Estado com a rentabilidade

do empreendimento, como ocorria no passado, mas sim como instrumento para o

tratamento igualitário dos prestadores pelo próprio Estado.

Outro aspecto relevante no novo modelo reside no maior cuidado com os

usuários, que devem exercer um papel de maior participação e cooperação na

fiscalização e controle sobre a concessionária 110.

8.3. Disciplina da Prestação do Serviço Público da Constituição de 1988

O artigo 175 da Magna Carta disciplina a prestação de serviço público

outorgando ao Estado (em seu sentido lato) a competência para tanto. Permite que

tal exploração ocorra diretamente pelo Estado (ou por suas empresas) ou,

indiretamente, por empresas privadas que atuem no âmbito da Ordem Econômica, e

recebam do Poder Publico a concessão do referido serviço, mediante competente

procedimento licitatório. Tal significa como restará mais claro adiante, que o regime

110

GROTTI, Dinorá Adelaide Musetti- “A experiencia brasileira nas concessoes de serviço públicos”, p. 1 a 10

- 64 -

jurídico de direito publico não se altera, ainda que o serviço público não seja

prestado diretamente pelo Estado

Retomando-se as espécies de normas constitucionais já analisadas no âmbito

deste trabalho, verifica-se que o referido dispositivo constitucional veicula norma de

competência material, que determina às pessoas de direito público interno – União,

Estados e Municípios – a adoção das necessárias ações para que sejam prestados

os serviços públicos.

Prevê ainda que essa prestação pode ocorrer diretamente pelas pessoas de

direito público interno ou indiretamente, por terceiros, nos termos de lei própria,

mediante contrato de concessão de serviços público.

Desse modo, a regra constitucional que ora se analisa, veicula norma de

estrutura que determina ao legislador infraconstitucional como deve ser construído o

regime jurídico da prestação indireta de serviço público. De fato, na hipótese da

prestação indireta de serviço público, o que hodiernamente se configura como regra

do sistema -, determina a Constituição que deverá ser editada lei que regulamente: o

regime jurídico das empresas concessionário-permissionárias; o caráter especial de

seu contrato e de sua prorrogação, bem como suas condições de caducidade,

fiscalização e rescisão da concessão /permissão; os direitos dos usuários; a política

tarifária e a obrigação de manter serviço adequado.

Trata-se, pois de norma constitucional com dupla função: (a) norma

constitucional de estrutura de outorga de competência material consistente no poder-

dever de prestar serviços públicos, e (b) norma sobre norma, ao estabelecer como

deve ser elaborada a (s) lei (s) de regência da matéria, bem como o (s) seu (s)

conteúdo (s) mínimo (s) obrigatório (s) (matéria (s) legislativa(s)).

Assim, foram editadas as leis 8987/95 e 9074/95, posteriormente alteradas.

Editaram-se também, diplomas legislativos disciplinando setores específicos e

- 65 -

determinados como a Lei 9427/96 e respectivas alterações sobre energia elétrica; Lei

9295/96 e 9472/97 (alterada pela lei 9986/2000) sobre telecomunicações, criando

assim regimes jurídicos diversos para essas áreas.

Com fundamento na regra constitucional analisada, a política legislativa

subjacente à edição da Lei Geral de Concessões estabeleceu os seguintes

princípios: (a) eliminação da exclusividade estatal na prestação dos serviços

públicos, buscando atenuar as características monopolísticas do serviço, passando a

exclusividade ao restrito campo da impossibilidade material ou econômica de

desempenho do serviço público em regime de competição; (b) política tarifária

embasada no valor da proposta vencedora, conforme critérios contratuais, e não

mais a garantia de remuneração fixa, tudo com vistas a incentivar a eficiência da

concessionária; (c) regime de controle e fiscalização do serviço, com a participação

do usuário, com vistas à elevação dos padrões de eficiência.

Mais recentemente, e em face, principalmente, da escassez de recursos

orçamentários para projetos de alto custo, e o déficit de projetos estruturantes em

áreas como transportes, saneamento e saúde, foi editada a Lei 11.079/2004111 que

institui normas gerais para licitação e contratação de parceria público-privada, no

âmbito da Administração Publica, estendendo-se sua aplicação aos fundos

especiais, às autarquias, às fundações publicas, às empresas públicas, às

sociedades de economia mista e às demais entidades controladas direta ou

indiretamente pela União, Estados e Municípios112.

111

Relata ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL que ate o final de dezembro de 2004, existia no Direito

brasileiro um único tipo de concessão de service public regido pelas Leis 8987 e 9074, ambas de 1995, e

subsidiariamente pela Lei 8666/93. A partir da edição da Lei 11079/2004, passaram a existir dois: a assim

chamada “ concessão Simon”, ou seja, a ja existente, e a “concessão patrocinada”, criada pela nova lei como um

dos tipos de parceria publico privada (PPP)- in “ II- A Concessão de Serviço Publico e as Parcerias Publica-

Privadas (PPPs), in “Concessão de Serviços Públicos”- Novas Tendências. 2012, Ed. Quartier Latin, p.38

112 Idem, ibidem, p.11 e 12

- 66 -

9 - CARACTERIZAÇÃO DE DETERMINADA ATIVIDADE COMO SERVIÇO

PÚBLICO

9.1. A Constituição Brasileira acolhe Serviço Publico como Atividade de

Titularidade do Poder Publico

DINORÁ GROTTI afirma que cada povo diz o que é serviço público em seu

sistema jurídico.

Para ela, a qualificação de uma dada atividade como serviço público remete

ao plano da concepção sobre o Estado e seu papel. É o plano da escolha política,

que pode estar fixada na Constituição do país, na lei, na jurisprudência e nos

costumes vigentes em um dado momento. Entende não haver um serviço público por

natureza ou por essência. Só o serão as atividades que estiverem definidas na

Constituição Federal – ou na própria lei ordinária, desde que editada em consonância

com as diretrizes ali estabelecidas – decorrendo, portanto, de uma decisão

política113.

Para a Administrativista, a Constituição Brasileira acolhe a categoria de

serviço público como atividade de titularidade do Poder Público, que não se

desnatura quando sua execução é delegada a particulares, pois a Magna Carta

estabelece um vinculo orgânico com a Administração, ao dispor, no caput do artigo

175, que incumbe ao Poder Público o prestação de serviços públicos, diretamente ou

sob o regime de concessão ou permissão.

Admite também que a Constituição não trata todos os serviços de maneira

uniforme, havendo submissão em graus variáveis, a um regime de direito público e,

em algumas situações ao direito privado114.

113

Idem ibidem, p-. 88

114 Idem, ibidem, p. 89

- 67 -

9.2. Serviço Público Próprio e Impróprio

Propõe, com vistas a preservar o conceito de serviço público de

generalizações excessivas, a sua distinção do chamado serviço público impróprio ou

virtual.

Lembra que foi Arnaldo De Valles, quem, na Itália, chamou de serviços

públicos em sentido próprio os que são públicos também sob o aspecto subjetivo

(porque este é o elemento que determina o caráter público do instituto) e de serviços

públicos em sentido impróprio, os que, pelo aspecto subjetivo, são atividades

privadas e atingem o nome, não a qualidade de públicos pela tradição e pelo uso

comum, em vista de sua função, mas que, como atividades particulares, estão

subordinadas a especial regime publicístico, porque, pelo direito público podem ser

regidas muitas das relações entre seus sujeitos e as pessoas jurídicas publicas e os

particulares, destinatários dos serviços 115.

Esclarece que enquanto no denominado serviço público próprio o titular é o

Estado, no serviço público impróprio ou virtual o titular é o particular116. Cita como

exemplos de atividades assim consideradas as de táxis, farmácia, ensino privado,

etc. Quer-nos parecer que outro exemplo pode ser encontrado na atividade de

transporte coletivo por fretamento, que, apesar de estar sujeita aos ditames do direito

privado, reúne as características do serviço público impróprio117.

115

Musetti, Dinorá- obra citada, p. 116/117

116 As notas definidoras sobre as quais se construiu o conceito de serviço público impróprio e virtual são:

a) Atividades fundamentalmente privadas; b) Não assumidas nem executadas pelo Estado, seja direta ou

indiretamente;c) Mas apenas por ele autorizadas, regulamentadas e fiscalizadas; d) Dirigidas ao públicos para

satisfazerem necessidades ou exigências de interesse geral ou públicos. Entende a Administrativista que todas

as atividades consideradas pela doutrina como serviços públicos impróprios, objetivos ou virtuais, não são

verdadeiros serviços públicos, porquanto em nenhuma delas há publicatio da atividade, assim entendida a

reserva de titularidade a favor do Estado, nem se exige, a rigor, concessão, mas apenas uma autorização. IDEM,

IBIDEM, P. 119

117 Idem, ibidem, p. 121

- 68 -

DINORÁ alerta para o fato de que ao se tentar estender o conceito de serviço

público às atividades consideradas pela doutrina serviços públicos impróprio, corre-

se o risco de que o mesmo venha a “perder seu sentido descritivo de atividade

prestacional da Administração”, e, portanto, de torná-lo completamente inservível.

De fato, os serviços públicos impróprios não são serviços públicos; são

realizados sob contrato de direito privado e apenas por apresentarem interesse

público, estão sujeitos à rigorosa fiscalização e autorização do Poder Público. São

serviços privados exercidos sob controle oficial e somente podem ser executados

mediante prévia autorização emitida pelo Poder Publico.

Portanto, para os fins do presente trabalho, serão considerados apenas os

serviços públicos próprios

9.3. O Serviço Público e os Valores Fundamentais

A Constituição afetou o serviço público à realização de valores fundamentais e

relevantes da sociedade. Essa ligação entre o serviço público e conveniências

essenciais ou básicas da sociedade impõem-se como limite à sua configuração

legislativa, autorizando-se a inferência de que, se nem toda atividade dedicada à

realização de valores relevantes e fundamentais prezados pela sociedade deva ser

qualificada ou definida como serviço público, certo é que todo serviço público há de

traduzir essa vocação. Trata-se de um limite negativo.118

Mas no que consistem os direitos fundamentais?

INGO WOLFGANG SARLET salienta que a noção de que os direitos

fundamentais cumprem papéis diversificados na ordem constitucional pode ser

atribuído ao publicista alemão Georg Jellinek, tendo sido formulada no final do século

118

GUIMARÃES, Fernando Vernalha, “Concessão de Sserviço Públicos” Ed. Saraiva, 2012, p. 99 a 101

- 69 -

XIX, portanto ainda fortemente impregnada de elementos do Estado Liberal, mas que

mesmo assim foi precursora da evolução posterior.

Para Jellinek, alude SARLET, “o individuo, como vinculado a determinado Estado,

encontra sua posição relativamente a este cunhada por quatro espécies de situações

jurídicas (status), seja como sujeito de deveres, seja como titular de direitos”. No

âmbito do status passivo, o indivíduo estaria subordinado aos poderes estatais,

sendo, neste contexto, meramente detentor de deveres, de modo que o Estado

possui a competência de vincular juridicamente o cidadão por meio de mandamentos

e proibições. O status negativus consiste numa esfera individual de liberdade imune

ao jus imperii do Estado, que, na verdade é poder juridicamente limitado. O terceiro

status é o assim chamado status positivus (ou status civitatis), no qual ao individuo é

assegurada juridicamente a possibilidade de utilizar-se das instituições estatais e de

exigir do Estado determinadas ações positivas. Por fim, encontra-se o chamado

status activus, no qual o cidadão passa a ser considerado titular de competências

que lhe garantem a possibilidade de participar ativamente da formação da vontade

estatal, como por exemplo, pelo direito de voto119

WOLFGANG SARLET, ao desenvolver substancioso trabalho sobre a Teoria

Geral dos Direitos Fundamentais conceitua os direitos fundamentais como posições

jurídicas reconhecidas e protegidas na perspectiva do direito constitucional interno

dos Estados.120

A Constituição Federal, no artigo 5º, § 2º admite expressamente a existência

de outros direitos fundamentais que não os integrantes do catálogo (Titulo II da CF),

com ou sem assento na Constituição. No sentido juridico-constitucional, determinado

direito é fundamental não apenas pela relevância do bem jurídico tutelado

considerado em si mesmo (por mais importante que seja), mas especialmente pela

119

Autor citado- Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, in Curso de Direito Constitucional- 2ª parte- O Sistema

Constitucional Brasileiro- 1ª Edição, 2ª Tiragem, 2012, Ed. Revista dos Tribunais, p. 266 a 300.

120 Obra e Autor citados, p.266

- 70 -

relevância daquele bem jurídico na perspectiva das opções do constituinte,

acompanhada da atribuição da hierarquia normativa correspondente e do regime

juridico-constitucional assegurado pelo Constituinte as normas de direitos

fundamentais.121

9.4. Os Direitos Fundamentais como Valores Objetivos e Fins da Ação do Poder

Público

SARLET invoca ainda as lições de Robert Alexy que edifica sua concepção de

direitos fundamentais (que chamou de sistema das posições jurídicas fundamentais)

com base na seguinte tríade de posições fundamentais, que, em principio, pode

integrar um direito fundamental na condição de direito subjetivo: (a) direitos a

qualquer coisa (que englobariam os direitos a ações negativas e positivas do Estado

e ou particulares e, portanto, os clássicos direitos de defesa e os direitos a

prestações; (b) liberdades (no sentido de negação de exigências e proibições) e (c)

os poderes (competências ou autorizações). No âmbito da teoria constitucional dos

direitos fundamentais, também no Brasil tem sido recepcionada a noção de que a

função dos direitos fundamentais não se limita a serem direitos subjetivos, já que

também representam decisões valorativas de natureza juridico-objetiva da

Constituição, que se projetam em todo o ordenamento jurídico. Em outras palavras,

os direitos fundamentais passaram a apresentar-se, no âmbito da ordem

constitucional, como um conjunto de valores objetivos básicos e fins diretivos da

ação positiva dos poderes públicos, e não apenas garantias negativas (e positivas)

dos interesses individuais122

Ensina MARÇAL JUSTEN FILHO que o direito fundamental é instituído pela

Constituição, mas não se confunde com o texto escrito (disposição) constitucional.

121

Obra e Autor citados, p.268

122 Autor citado - Teoria Geral dos Direitos Fundamentais, in Curso de Direito Constitucional, Segunda parte- O

Sistema Constitucional , p 294 a 296 - INGO WOLFGANG SARLET, LUIZ GUILHERME MARINONI E DANIEL

MITIDIERO- 2ª tiragem- maio de 2012, ed. Revista dos Tribunais

- 71 -

Ele é produzido por uma pluralidade de dispositivos constitucionais, mas, muitas

vezes, requer uma norma de direito fundamental derivada, para sua aplicação

concreta123.

Isso não quer dizer que os direitos fundamentais não tenham pronta eficácia.

Esclarece JUSTEN FILHO que prevalece uma orientação no sentido de que os

direitos fundamentais são diretamente eficazes e atribuem direitos subjetivos aos

particulares, especialmente em face do artigo 5º, parágrafo 1º do texto constitucional.

O mesmo artigo, em seu inciso LXXI, determina que “conceder-se-á mandado de

injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos

direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à

soberania e à cidadania” 124.

Desse modo, de acordo com a tese esposada, conclui JUSTEN FILHO, que a

configuração de determinada atividade como serviço público, faz-se essencialmente

a partir do critério de referibilidade direta e imediata aos direitos fundamentais.

Algumas utilidades apresentam intensa pertinência a tanto, motivo pelo qual foram

referidas constitucionalmente. Isso não significa, afirma que a Constituição teria

transformado em serviço público toda e qualquer atuação relacionada a tais

atividades. Sempre se impõe como indispensável a vinculação com os direitos

fundamentais. Por outro lado entende aquele Professor que não se pode reputar que

todos os possíveis serviços teriam sido referidos exaustivamente na dimensão

constitucional.

Concluindo, assevera que excluídos dois campos – aquilo que é

obrigatoriamente serviço público e aquilo que não pode ser serviço público – existe

possibilidade de o legislador infraconstitucional determinar outras atividades como

tais respeitados os princípios constitucionais. 125

123

Obra e autor citados, p. 143

124 Idem, ibidem, p. 155

125 Obra e autor citados, p. 155

- 72 -

Portanto, para JUSTEN FILHO, será serviço público aquela atividade direta e

imediatamente referida aos direitos fundamentais.

9.5. Classificação dos Direitos Fundamentais

MARÇAL classifica os direitos fundamentais sob o prisma da natureza da

prestação em: (a) direitos de defesa: são basicamente os direitos individualistas,

relacionados à idéia de liberdade; (b) direitos à prestação: têm por objeto um fazer

por parte do Estado, envolvendo uma prestação material ou imaterial a ser

executada perante um ou mais sujeitos privados; (c) direitos à proteção: prestações

do Estado em face de terceiros para assegurar a defesa do particular. Significa que o

Estado tem que proteger cada cidadão126.

Os direitos fundamentais conduzem à consagração de normas de

organização, delimitadoras de poderes e competências, de modo a assegurar que o

desenvolvimento das atividades estatais será feito de modo compatível com a

preservação de tais direitos127.

9.6. Dos Direitos Fundamentais Sociais

Para os fins do presente trabalho, importa analisar os chamados direitos

fundamentais sociais, ou de terceira geração. São direitos que se afirmaram ao longo

do século XX, pretendendo que o exercício da liberdade seja universal. Segundo

essa concepção, a pessoa é dotada de necessidades. Muitas delas podem ser

126

Idem, ibidem, p. 152 e 153

127 Aa satisfação dos direitos fundamentais encontra limite na reserva do possível, isto é ao que cada individuo

razoavelmente pode exigir da sociedade, quer do ponto de vista orçamentário, quer do ponto de vista jurídico,

levando-se em conta as exigências decorrentes dos demais direitos, bens e interesses constitucionais protegidos-

IDEM, IBIDEM, P. 155

- 73 -

satisfeitas individual e privadamente ou por meio de mecanismos econômicos não

estatais. Mas nem todas podem ser satisfeitas sem a intervenção do Estado. E nem

todas as pessoas dispõem de condições idênticas para promover a auto-satisfação

de suas necessidades essenciais. Há um dever difuso de solidariedade que “se

concretiza em um dever cujo destinatário é o Estado, dimensão politicamente

organizada da sociedade, e que é correlativo aos deveres de prestação. Os direitos

fundamentais sociais envolvem, portanto, a prestação de serviços públicos por parte

do Estado, incluindo educação, saúde e outras necessidades coletivas. Mas também

compreendem a segurança individual e coletiva e outras garantias que não se

enquadram propriamente no conceito de serviço públicos128.

Portanto, a disciplina constitucional relativa à prestação direta ou indireta de

serviço público, deve ser interpretada e aplicada - inclusive as normas

infraconstitucionais sobre a matéria - de modo conforme com a força e irradiação dos

direitos fundamentais, a fim de protegê-los e evitar o risco de uma indevida redução

do seus significados e conteúdos materiais

Assim, quando a prestação de serviço público ocorra não pelo Estado, mas

por particular, concessionário de serviço público especifico e divisível, está o Estado

obrigado a exercer deveres de proteção dos administrados usuários do serviço,

inclusive zelar pela proteção dos direitos fundamentais do individuo contra agressões

por parte dos referidos prestadores particulares. Esse dever e reconhecido pela

doutrina como uma das funções dos direitos fundamentais

Deve-se salientar que também os direitos sociais, como direitos fundamentais,

estão submetidos a medidas restritivas, muito embora estejam protegidos pela

proibição de medidas de retrocesso social.

Esta proibição guarda relação com o principio da segurança jurídica e busca

impedir a afetação dos níveis de proteção já concretizados das normas de direitos

128

Idem ,ibidem p. 151 e 152

- 74 -

sociais, sobretudo no que concerne às garantias mínimas de existência digna. Assim,

o conjunto de prestações básicas, especialmente aquelas que densificam o principio

da dignidade da pessoa humana e correspondem ao mínimo existencial, não poderá

ser suprimido nem reduzido, mesmo se ressalvados os direitos adquiridos, já que a

violação de medidas de concretização do núcleo essencial da dignidade humana e

injustificável do ponto de vista da ordem jurídica e social.129

9.7. Da Proteção ao Mínimo Existencial

No que diz respeito com a recepção do mínimo existencial no âmbito da

jurisprudência brasileira, SARLET afirma que o Supremo Tribunal Federal reconhece

proteção ao mínimo existencial tanto na perspectiva de um direito de defesa, quanto

no que toca a sua vocação prestacional.

O Autor refere como exemplo da primeira função (invocação do mínimo

existencial como direito de defesa), o direito à não afetação (não intervenção)

consubstanciado em decisões da Corte Suprema relativas a proibição de confisco.130

129

SARLET, Ingo Wolfgang, obra citada, p. 567 e 568

130 Assim, como exemplo, invoca o Recurso Extraordinário 397744, relator Ministro Joaquim Barbosa,

fundamentando a proibição constitucional do confisco em matéria tributária, dentre outros, no exercício do direito

a uma existência digna, através de atividade profissional que satisfaça necessidades vitais como saúde,

educação e habitação (j.15.10.2009).

- 75 -

10. A NOÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO NA CONSTITUIÇÃO DE 88

10.1. Da Flexibilização do Conceito.

A partir da Constituição Federal de 1988, houve uma flexibilização do

conteúdo de serviço publico, por parte da dogmática do direito administrativo.

Difundiu-se entre nós, uma noção de atividade econômica, como gênero, de

que serviço público e atividade econômica em sentido estrito são espécies. Isso

significa dizer que tanto o serviço público quanto a atividade econômica em sentido

estrito seriam formas de gerar bens e serviços: a primeira adstrita ao âmbito do setor

público e o segundo no âmbito do setor privado.

Ao tratar dos serviços públicos no direito brasileiro, MARÇAL JUSTEN FILHO

salienta que a Constituição, ao discriminar competências dos diversos entes

federados, refere-se a certas atividades como serviços públicos. O artigo 21 contém

diversas previsões acerca de serviços públicos (incisos X, XI e XII), o que conduziu

parte substancial da doutrina a reconhecer tais atividades como serviços públicos por

inerência. O próprio autor, inicialmente, partilhava tal entendimento. Para MARÇAL,

no entanto, as atividades referidas nos diversos incisos do artigo 21 da Magna Carta

poderão ou não ser qualificadas como serviços públicos, de acordo com a

circunstância131.

Para o autor existirá serviço público apenas quando as atividades referidas na

Constituição envolverem a prestação de utilidades destinadas a satisfazer direta e

imediatamente os direitos fundamentais. Na hipótese de oferecimento de utilidades

131

In “Serviço Públicos no Direito Brasileiro”- Revista de Direito Público da Economia RDPE- Editora Fórum, ano

2, n.7, p. 1-255, jul/set/2004, p. 151

- 76 -

desvinculadas da satisfação de tais direitos, existirá uma atividade econômica em

sentido estrito (ou um serviço de interesse coletivo). 132

O artigo 21, incisos X a XII cuida dos serviços públicos concebidos pela

doutrina como serviços públicos por inerência.

Sobre tais hipóteses constitucionais FERNANDO GUIMARÃES assinala,

contrariamente à posição de JUSTEN FILHO, que delas pode-se inferir uma

presunção constitucional acerca da qualificação daqueles serviços como públicos,

que pelo seu caráter relativo é passível de afastamento pela constatação de que tais

atividades não atendem a um núcleo de materialidade inerente à noção

constitucional de serviço público. Para o autor, o exame do enquadramento daquelas

atividades como sendo serviço público ou atividade econômica dependerá da análise

dos casos concretos, o que envolve o exercício de uma interpretação dinâmica do

texto constitucional.

132

MARÇAL fundamenta tal interpretação em quatro argumentos: a subordinação a requisitos previstos na lei

ordinária; a previsão constitucional de “autorização”; a discriminação de competências federativas e a autonomia

legislativa infraconstitucional para a criação do serviço público. Relativamente à subordinação, ressalta o

administrativista o consenso acerca da interpretação do elenco do artigo 21 da Constituição Federal, no sentido

de que só haverá serviço público diante da presença de alguns requisitos legais específicos e determinados. Tal

interpretação é reforçada, segundo o autor, pelo fato de que os incisos X, XI e XII do artigo 21 do texto

constitucional se referir à competência da União para outorgar concessão, permissão ou autorização para o

desempenho daquelas atividades. Lembra que a autorização é incompatível com a idéia de serviço públicos,

prestando-se a expressão apenas para o exercício de certas atividades econômicas em sentido estrito, sujeito

seu desempenho à fiscalização mais ampla e rigorosa do Estado. Quanto à discriminação de competências

federativas JUSTEN FILHO assevera que as disposições constitucionais que operam essas atribuições,

especialmente o artigo 21, não se destinam a diferenciar serviço públicos e atividade econômica em sentido

estrito, tendo em vista que a disciplina da atividade econômica (em sentido amplo) está consagrada em outro

Título constitucional. Finalmente, entende o autor competir à lei ordinária determinar a “publicização” de certa

atividade e as hipóteses em que configurará serviço público, muito embora reconheça tratar-se de autonomia

limitada constitucionalmente, tendo em vista que o artigo 21, incisos X a XII da Carta Magna impõe que tais

atividades serão qualificadas como serviço público quando estiver presente o pressuposto necessário: a

satisfação imediata de direitos fundamentais. OBRA E AUTOR CITADOS, P. 151, 152, 153 e 154

- 77 -

Sobremodo discutível a relativização do texto constitucional vislumbrada por

GUIMARÃES. Seu ponto de vista sobre os serviços postos constitucionalmente vai

muito além da proposta de boa parte da doutrina no sentido de que além dos

serviços postos constitucionalmente apenas o legislador poderia publicizar

determinada atividade. Segundo sua concepção a publicização não estaria sequer

afeta à lei, mas poderia ser decidida pela mera análise interpretativa dos casos

concretos.

A flexibilização constitucional proposta é fundamentada pelo autor em razões

extrajurídicas e pragmáticas. E não poderia ser outro o fundamento já que tal

flexibilização, entende-se, não está autorizada pela Magna Carta.

De fato, GUIMARAES assinala uma substancial alteração no contexto fático

relativamente à materialidade das prestações consideradas no artigo 21 do texto

constitucional, desde a gestação da CF/88. Afirma que o intenso desenvolvimento

tecnológico produziu novas modalidades de prestação (consideradas em sua

materialidade) no âmbito daquelas utilidades presumidamente essenciais.

Exemplifica com a telefonia móvel que, surgida e disseminada com ampla

capilaridade nesse período, passou a integrar o grupo das atividades de

telecomunicações, ampliando materialmente o seu espectro de configurações.

Para o Autor, essa alteração no contexto fático, importa consequências no

tratamento jurídico correspondente, implicando a alteração do regime jurídico de

certas prestações inseridas nos incisos X a XII do artigo 21 da CF/88133

Sem embargo do respeito que merece o autor, não parece correto o

entendimento esposado.

Nesse sentido, oportuno trazer à baila o ensinamento de CELSO ANTONIO

BANDEIRA DE MELLO sobre a feição constitucional do serviço público no Brasil:

133133

Obra e autor citado, p. 103 e 104

- 78 -

“Assentar uma noção jurídica não sobre elementos de direito, mas sobre dados da

realidade fática seria chocante equivoco. Isso porque “serviço público”, como noção

jurídica, só pode ser um dado regime, nada importando que se altere o substrato

sobre o qual se aplica, pois este, obviamente é mutável tanto quanto a realidade

social “134

Os fatos não têm o condão de alterar o direito. Ainda mais quando o texto

constitucional é de suma clareza quando trata das competências materiais para a

realização de serviços públicos.

Ocorre que a ampliação indevida que levou à chamada crise do serviço

público, foi pressionada pela necessidade de efetiva alteração da ordem jurídica, de

modo a permitir, em curto espaço de tempo, as alterações necessárias à privatização

do serviço publico. Razões econômicas e financeiras efetivamente pressionavam por

tal alteração. Nesse sentido, vários estudos doutrinários nacionais valeram-se da

noção européia de serviço de interesse geral econômico, não adotada por nosso

constituinte, para construir uma nova e “revigorada” noção de serviço publico pós

crise.

A situação relatada pode ser invocada como exemplo da presença inafastável

dos valores (ideologias) na construção da interpretação do direito.

10.2. Das Concepções Doutrinárias de Serviço Publico

Discorrendo sobre os dispositivos constitucionais relacionados com a temática

dos serviços públicos135, ALEXANDRE ARAGÃO, conclui que a Republica Federativa

134

In “Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil” in “Direito do Estado. Novos rumos” Coord. PAULO

MODESTO e OSCAR MENDONÇA. São Paulo, Max Limonad, 2001, p. 13/35

135 Aragão exclui do conceito de serviços públicos as atividades legislativas consistentes na edição de normas

gerais e abstratas e jurisdicionais, consistentes na composição definitiva de conflitos, voltando sua pesquisas

para as atividades exclusivamente administrativas

- 79 -

do Brasil é, por excelência, um Estado prestacional, com uma série de obrigações

com sua população. A questão, segundo o autor, é saber se todas essas obrigações

jurídicas devem ter a sua execução material considerada como prestação de serviço

público, ou se apenas uma parte delas deve sê-lo136.

Para ARAGÃO, a Constituição Federal de 1988 apesar de possuir várias

regras específicas sobre os serviços públicos, não chega a ser precisa na utilização

da nomenclatura, ora se referindo a serviços públicos em sentido apenas econômico,

como atividades da titularidade do Estado que podem dar lucro (ex: artigo 145, II, e

175), ora como sinônimo de Administração Publica (ex: art. 37), ora para tratar do

serviço de saúde prestado pelo Estado (ex: art. 198).

Outras vezes, afirma o autor, se refere apenas a serviços (ex: art. 21) e a

serviços de relevância pública (ex: artigos 121 e 197).

Assim, para ARAGÃO, a Constituição, poderia, em tese, ter contemplado as

seguintes concepções doutrinarias de serviços públicos, de acordo com a sua maior

ou menor abrangência:

(a) Concepção amplíssima de serviço público, que advém da escola clássica

do serviço público de Léon Duguit, equivalendo o serviço público a toda atividade

exercida pelo Estado ou, quando menos, a um sinônimo da própria Administração

Pública (critério orgânico ou subjetivo), sejam elas interna ou externas, inerentes ou

não à soberania, econômicas/potencialmente lucrativas ou não, prestacionais, de

policia administrativa ou de fomento.

(b) Concepção ampla de serviço público, pela qual o serviço público

corresponderia às atividades prestacionais em geral do Estado, isto é, às funções

que exerce para proporcionar diretamente aos indivíduos comodidades e utilidades,

136

“O conceito de serviços público no Direito Constitucional Brasileiro” in REDAE- Revista Eletrônica de Direito

Administrativo Econômico, no. 17, fev/março/abril, 2009. , p. 19

- 80 -

independentemente de poderem deles ser cobradas individualmente ou não, ou de

serem de titularidade do Estado. Abrangeriam os chamados serviços públicos

econômicos (remuneráveis por taxa ou tarifa), os serviços sociais (que podem ser

prestados livremente – sem delegação pela iniciativa privada) e os serviços uti

universi (inespecíficos e indivisíveis, sem beneficiários identificáveis com exatidão).

Ficariam de fora do conceito a policia administrativa que restringe a esfera de

liberdade dos indivíduos e o fomento, que visa apenas incentivar a sociedade e o

mercado, a, eles próprios, atuarem no sentido da realização do interesse público;

(c) Concepção restrita de serviço público - que abrangeria apenas as

atividades prestacionais que tivessem um liame imediato com os indivíduos, podendo

seus beneficiários ser identificados e a sua fruição quantificada. Desta concepção

ficariam excluídos os serviços uti universi, insuscetíveis de serem remunerados pelos

seus beneficiários diretos. O conceito conteria os serviços públicos econômicos e

sociais, que constituiriam a sua classificação básica.

(d) Concepção restritíssima de serviço público: decorrente dos artigos 145, II e

175 da CF, que prevêem a remuneração especifica dos serviços públicos por taxa ou

tarifa, respectivamente. Essa concepção contemplaria apenas os serviços que

pudessem ser financiados dessa forma (serviços públicos específicos e divisíveis,

em que é possível a identificação de quem usufruiu o serviço e em que proporção),

devendo ainda, nos termos do artigo 175, ser de titularidade exclusiva do Estado,

exploráveis pela iniciativa privada apenas mediante concessão ou permissão 137.

Para o tema do presente trabalho, o foco será posta na concepção

restritíssima proposta por ARAGÃO, isto é, naqueles serviços específicos e

divisíveis, em que é possível saber quem usufruiu do serviço e em que quantidade.

Essa, aliás, é a proposta metodológica adotada por CESAR GUIMARÃES

PEREIRA. O autor parte do pressuposto de que o serviço público referido na

137

ARAGAO , Alexandre Santos, ob. Citada, p.20 a 24

- 81 -

Constituição Federal, ou seja, o serviço público em sentido próprio e jurídico é o

chamado serviço uti singuli. Para a caracterização de um serviço público, exigir-se-ia

a possibilidade de fruição singular do serviço. Os serviços uti universi, tidos como

serviços públicos em sentido amplo, são atividades públicas positivas da

Administração, indissociáveis de outras como a realização de obras publicas.

Para CESAR PEREIRA os serviços uti universi têm regime e função mais

próximos das obras públicas ou de outras atividades públicas não referidas

diretamente a particulares do que dos serviços públicos propriamente ditos (os uti

singuli). Nos serviços uti singuli haveria, segundo o autor, uma relação jurídica

concreta que vincula o prestador ao usuário. Nos serviços uti universi não há

usuários, mas beneficiários difusos. Há um dever de agir do Poder Público não

contraposto a um direito especifico dos beneficiários. Exemplifica o autor com o

serviço uti universi de instalação de iluminação de uma praça, serviço esse que não

é atividade distinta da própria construção da praça. Chama tais atividades de puras,

cuja finalidade se exaure na própria atividade138

Pode-se afirmar que o conceito de serviço “uti singuli” é o conceito adotado

pelo artigo 145, inciso II da Constituição Federal, ao erigir a regra matriz da taxa de

serviço.

10.3. Uma Proposta de Construção do Conteúdo de “Serviço Público”

Preliminarmente, cumpre consignar que deixaremos de lado a discussão do

Direito Administrativo acerca do universo jurídico que cuida da delimitação e elenco

dos serviços públicos.

138

Autor citado – A Posição dos Usuários e a Estipulação da Remuneração por Serviços Público- in Serviços

Público e Direito Tributário- Coord. HELENO TAVEIRA TORRES, 2005, Quartier Latin, p. 300

- 82 -

Vimos que alguns autores, como MARÇAL, entendem que os serviços

públicos não estão exaustivamente previstos no texto constitucional, mas podem ser

assim definidos (como público) pelo legislador infraconstitucional139.

Igualmente, será posta de lado, no presente trabalho, tanto a noção do serviço

público não privativo - que é aquele prestado quer pelo Poder Publico quer pelos

particulares, como a saúde, a educação, etc. – bem como aquele serviço atinente à

atividade de intervenção estatal na economia, prestado pelo Estado, em geral por

suas empresas publicas e/ou sociedades de econômica mista, no campo da

atividade econômica e, portanto, sob regime de direito privado (ex: empresas estatais

dedicadas ao incremento do turismo, processamento de dados, etc.)

Tais denominações foram propostas por EROS GRAU que distingue o gênero

– atividade econômica – apresentando como suas espécies a atividade econômica

stricto sensu e o serviço público140. Para o autor, nem toda atividade exercida pelo

139

Argumento de peso para sustentar aquele entendimento residiria no fato de a Emenda Constitucional n. 8 de

1995 ter introduzido nos incisos XI e XII do artigo 21 da Constituição Federal o instituto da “autorização”. Assim,

ao adotar vocábulo – “autorização”- que se refere ao ato estatal de controle do exercício de atividade econômica

do particular, teria o legislador constituinte derivado retirado do campo dos serviços públicos as atividades ali

previstas. De outra parte, juristas como CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, minimizam a alteração

constitucional justificando tal despreocupação no fato de que o artigo 175 da CF cuida da normalidade da

prestação de serviços público ao prever apenas os institutos da “concessão” e “permissão”, e, mesmo porque,

assevera BANDEIRA DE MELLO, o serviço de telecomunicação previsto no inciso XI do artigo 21 refere-se aos

serviços de radioamador e ao serviço de interligação de empresas por cabos de fibra ótica, os quais,

rigorosamente não podem ser considerados serviços públicos. Do mesmo modo, para o jurista, o vocábulo

“autorização” utilizado no inciso XII do artigo 21 apesar de abranger casos em que está em pauta um serviço

público, serviu para resolver emergenc ia lmente dada s i tuação concreta, a té a adoção dos

necessár ios procedimentos de outorga de permissão ou concessão

140 A classificação proposta, pelo Professor Eros Grau parece, data vênia, não atender aos ditames da Teoria

das Classes. Sobre essa teoria, ensina PAULO DE BARROS CARVALHO (in “Direito Tributário, Linguagem e

Método, p. 116 e segs.) que classificar é distribuir em classes, é dividir os termos segundo a ordem da extensão

ou, para dizer de modo mais preciso, é separar os objetos em classes de acordo com as semelhanças que entre

eles existam, mantendo-os em posições fixas e exatamente determinadas em relação às demais classe. Ensina

Paulo de Barros Carvalho que os diversos grupos de uma classificação recebem o nome de espécies e de

gêneros, sendo que espécies designam os grupos contidos em um grupo mais extenso, enquanto gênero é o

grupo mais extenso que contém as espécies. A presença de atributos ou caracteres que distinguem determinada

espécie de todas as demais espécies de um mesmo gênero denomina-se “diferença”, ao passo que “diferença

- 83 -

Estado representará necessariamente um serviço público, visto que entende possível

a intervenção do Estado no campo econômico stricto sensu.

EROS GRAU propõe a seguinte definição de serviço público: “(...) é o

tipo de atividade econômica cujo desenvolvimento compete preferencialmente ao

setor público. Não “exclusivamente” – note-se – visto que o setor privado presta

serviços públicos em regime de concessão ou permissão. Desde aí poder-se-á

também afirmar que o serviço público está para o setor público assim como a

atividade econômica está para o setor privado” 141.

10.3.1. A Constituição Federal estabeleceu clara distinção entre a Atividade

Econômica e a Prestação de Serviço Público

Respeitado o brilho do Professor e Ministro EROS GRAU, não parece correto

afirmar que o serviço público seja uma espécie do gênero atividade econômica.

Apenas em tese, afigura-se possível tal entendimento, se considerarmos o

direito alienígena, em especial o direito europeu. Porém, do ponto de vista do direito

positivo brasileiro, especialmente tendo em conta a disciplina constitucional da

matéria, não parece correto dito entendimento. 142

especifica” é o nome que se dá ao conjunto das qualidades que se acrescentam ao gênero para a determinação

da espécie, de tal modo que é licito enunciar: “a espécie é igual ao gênero mais a diferença especifica (E =G +

De). Assim, aplicando-se a fórmula enunciada, “serviço público” somente seria espécie de “atividade econômica”

se fosse possível afirmar: “o serviço público é igual a atividade econômica acrescido de uma diferença especifica

em relação à atividade econômica”. Como já afirmado, no âmbito do presente trabalho tal não é possível, visto

que adotado o instituto como “res extra commercium”, conteúdo que se opõe frontalmente ao conceito de

“atividade econômica” . 141

GRAU, Eros Roberto, Constituição e serviço público. In____ (Org.) GUERRA FILHO, Willis Santiago, Direito

Constitucional; estudos em homenagem a Paulo Bonavides, p. 250. São Paulo: Malheiros, 2002

142 Difundiu-se na doutrina uma flexibilização da divisão entre atividade econômica e serviço público. Passou-se a

defender que, como o artigo 175 está inserido no Capitulo I, intitulado “Dos princípios gerais da atividade

econômica”, do Titulo VII da CF de 1988, intitulado “Da ordem econômica e financeira”, então os serviços

públicos qualificar-se-iam também como “atividade econômica”- daí a classificação: atividade econômica em

- 84 -

De fato, a Constituição Federal tratou fartamente da matéria, estabelecendo

claras distinções entre a atividade econômica e a prestação do serviço público. A

atividade econômica é área preferencialmente atribuída aos particulares e apenas

excepcionalmente pode o Estado exercê-la.

Da mesma forma a prestação de serviços públicos é matéria afeta

constitucionalmente ao Poder Público (ressalvados aqueles serviços atribuídos tanto

ao poder públicos como ao particular - ensino, saúde, etc.), podendo ser prestado

por particulares mediante contrato de concessão ou permissão.

Assim, de acordo com a disciplina constitucional brasileira o exercício

excepcional pelo Estado de determinada atividade econômica, se rege por regime

jurídico de direito privado, enquanto a prestação de serviços público (inclusive pela

iniciativa privada) encontra-se sob o regime de direito público.

sentido amplo, abrangente da atividade econômica em sentido estrito e dos serviços públicos. Sem desprestigiar

os defensores desse entendimento, discorda-se. Se essa tese fosse correta, os serviços públicos seriam regidos

pelo rol de princípios do artigo 170. É inviável essa submissão, por várias razões. Primeiro: inexiste

compatibilidade conceitual entre o principio da livre concorrência e os serviços públicos; estes são, por definição,

de titularidade estatal, estão fora do mercado; e ainda que se cogite de instituir um regime de concorrência entre

os concessionários, tal idéia jamais terá o condão de elevar a livre concorrência a principio do serviço público;

livre concorrência pressupõe liberdade de atuação, é conceito inerente ao mercado, incompatível com atividades

submetidas a integral controle e necessariamente alheias ao mercado. Segundo: o principio da propriedade

privada é conceitualmente incompatível com os serviços públicos, os bens afetos a estes são públicos, por

definição. Terceiro: o principio da defesa do consumidor é incompatível com os serviços públicos, pois o

destinatário do serviço é usuário, e não consumidor- conceitos substancialmente distintos; a situação jurídica do

usuário pressupõe muito m ais direitos que a situação jurídica do consumidor. Basta dizer que o Estado tem o

dever constitucional de prestar o serviço e o fornecedor tem o direito de explorar atividade econômica. A busca do

pleno emprego, apesar de não ser, do ponto de vista lógico, incompatível, é um principio dissociado do conceito

de serviço público: ainda que a prestação de serviços gere empregos, ela não se assenta nesse princípio, trata-

se de efeito colateral, Perceba-se: como o rol de princípios da ordem econômica nada tem a ver com os serviços

públicos, associá-los à ordem econômica não faz sentido. RICARDO MARCONDES MARTINS, in “Regulação

Administrativa... p. 197 e 198

- 85 -

Uma conceituação adequada de serviço público envolve delimitar, entre

atividades diversas, as características comuns que possam ser diferenciadas de

outras atividades (econômicas ou não).

A eleição de critérios pela doutrina varia em um amplo espectro: de conceitos

estritamente formais (considerando o regime jurídico dessas atividades) a conceitos

materiais (buscando características próprias da atividade em si que a diferenciem

independentemente do tratamento jurídico) passando pela utilização de conceitos

mistos143.

Classicamente tem-se o critério orgânico que dá ênfase à presença do ente

público na prestação do serviço, para classificá-lo como público; o critério material,

que se refere ao serviço público como atividade de interesse coletivo destinada a

todos e o critério formal que atrela a natureza pública do serviço à submissão de sua

prestação ao direito público.

Mantendo a diretriz proposta para o desenvolvimento do presente trabalho, no

sentido de extrair referido critério a partir da análise das competências postas pelo

texto constitucional, tem-se o seguinte quadro geral, no qual se distinguem: 1-

serviços públicos (aqueles elencados pelos artigos 21 e 25 da CF); 2- atividades de

interesse público (como saúde e educação) que podem ser exercidas tanto sob o

regime público, como sob regime privado; 3- atividades de intervenção do Estado na

economia, ou seja, de exercício de atividades econômicas stricto sensu pelo Estado;

e 4 - exercício de atividade econômica pela iniciativa privada144.

143

CEZNE, Andréa Narriman- “ O Conceito de serviço públicos e as transformações do Estado contemporâneo”-

Revista de Informação Legislativa , n.167,jul/set 2005- pág. 318

144 CEZNE, Andréa Narriman- “ O Concei to de serviço públ icos e as t ransformações do

Estado contemporâneo” - Revis ta de In formação Legis la t iva , n .167, ju l /se t 2005- pág. 319

- 86 -

10.3.2. Dos Serviços atribuídos à União

O artigo 21 estabelece as chamadas competências materiais outorgadas à

União Federal.

Determina o texto constitucional que a União deverá: X - manter o serviço

postal aéreo nacional; XI - explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão

ou permissão os serviços de telecomunicações, devendo o legislador federal editar

lei que estabeleça regras de organização dos serviços, crie um órgão regulador e

discipline outros aspectos institucionais; XII – explorar diretamente ou mediante

autorização, concessão ou permissão (a) os serviços de radiodifusão sonora e de

sons e imagens; (b) os serviços e instalações de energia elétrica e o aproveitamento

energético dos cursos de água, em articulação com os Estados onde se encontrem

os potenciais energéticos; (c) a navegação aérea, aeroespacial e a infra-estrutura

portuária; (d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos

brasileiros e fronteiras nacionais, e os limites de Estado e de Território; (e) os

serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros; (f) os

portos marítimos, fluviais e lacustres; XV – organizar e manter os serviços oficiais de

estatísticas, geografia, geologia e cartografia de âmbito nacional; XXII – executar os

serviços de polícia marítima, aeroportuária e de fronteiras; XXIII – explorar os

serviços e instalações nucleares de qualquer natureza e exercer o monopólio estatal

sobre a pesquisa, a lavra, o enriquecimento e reprocessamento, a industrialização e

o comercio de minérios nucleares e seus derivados (a utilização de radioisótopos

para a pesquisa e usos medicinais, agrícolas, industriais e atividades análogas é

autorizada sob o regime de concessão ou permissão).

- 87 -

10.3.3 Dos Serviços atribuídos aos Estados

A competência material dos Estados vem prevista no artigo 25, parágrafo 2º:

explorar diretamente, ou mediante concessão os serviços locais de gás canalizado,

na forma da lei.

10.3.4. Dos Serviços atribuídos aos Municípios

Nos termos do artigo 30, inciso V da Constituição Federal, compete aos

Municípios organizar e prestar diretamente ou sob regime de concessão ou

permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo,

que tem caráter essencial

Os Municípios também recebem a incumbência constitucional de manter, com a

cooperação técnica e financeira da União e do Estado, programas de educação

infantil de ensino fundamental, e serviços de atendimento à saúde da população

(artigo 30, incisos VI e VII).

10.3.5. Busca do Significado Pretérito de “Serviço Publico”, “Concessão” E

“Permissão”.

RICARDO MARCONDES MARTINS, ao tratar da atividade econômica e do

serviço público na Constituição de 1988, e, partindo da literalidade dos artigos 173 e

175 lembra que em pelo menos 18 vezes o constituinte originário utilizou a

expressão serviço público145.

Sobre o significado de “serviço público”, “concessão” e “permissão” lembra o

mesmo autor que não se está diante de palavras próprias da linguagem natural. Tais

145

Autor citado, in “Regulação administrativa à luz da Constituição Federal” p. 192 e 193

- 88 -

expressões, explica, tornaram-se correntes na linguagem natural em decorrência da

difusão do significado técnico. São palavras próprias da técnica jurídica, do

vocabulário jurídico.

Propõe, invocando o postulado do significado pretérito, a busca do significado

das referidas palavras na linguagem dos juristas à época da promulgação da

Constituição, por entender que o significado técnico dos termos jurídicos é dado

primeiro pela legislação vigente quando da promulgação da Constituição. Se da

legislação não se extraem contornos precisos, o significado técnico de termos

jurídicos é dado pela doutrina e pela jurisprudência. Nesse sentido, recorda que a

doutrina brasileira amplamente majoritária em outubro de 1988 considerava os

serviços públicos atividades de titularidade do Estado, submetidas ao regime de

direito público, estranhas ao mercado146.

Afirma que o constituinte brasileiro estabeleceu uma divisão fundamental ao

distinguir os dois campos de atuação, em dois blocos, um próprio do particular e

outro próprio do Estado – a atividade econômica e o serviço público. O Estado, como

regra geral, não deve explorar a atividade econômica diretamente, ressalvadas

circunstâncias excepcionais. Em matéria de atividade econômica o Estado é terceiro,

isto é regulador. Ele só pode explorar diretamente a atividade econômica em dois

casos: quando necessário aos imperativos da segurança nacional ou a relevante

interesse coletivo. Tal intervenção direta para fins regulatórios é sempre subsidiária e

só é possível na falta, na insuficiência da atuação privada.

Ademais, lembra o autor que de acordo com o texto constitucional, quando o

Estado explora a atividade econômica ele o faz em concorrência com os particulares:

não os exclui do mercado, atua junto com eles. Daí uma regra fundamental, inserta

no inciso II do parágrafo 1º do artigo 173: o sistema jurídico protege a atuação

privada e, assim, veda a incidência de normas de direito público quando essa

incidência desequilibrar a competição. A exploração da atividade econômica pelo

146

Regulação Administrativa...p. 196

- 89 -

Estado o sujeita às regras de direito privado necessárias à manutenção da livre

concorrência, no mercado, entre o Estado e os particulares.

Insiste MARCONDES MARTINS: o campo econômico é dos particulares: é

vedado ao Estado apropriar-se desse campo147.

Interessante a afirmação do mesmo autor, no sentido de que se da

Constituição brasileira constasse apenas o artigo 173 seria possível pressupor a

inexistência dos serviços públicos, isto é, que todas as atividades seriam dos

particulares, de modo que a prestação estatal direta só seria permitida

subsidiariamente, como meio de regulação148.

Vale dizer que para MARCONDES MARTINS, se não existisse na

Constituição Federal o comando do artigo 175, poder-se-ia entender o serviço

público como inserido no conceito de atividade econômica.

Consta, todavia, no referido dispositivo do texto constitucional que “incumbe

ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou

permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos”.

A partir dessa regra constitucional conclui o autor: Primeiro: a prestação dos

serviços públicos não incumbe aos particulares, mas ao Poder Público; Segundo: ele

não os presta subsidiariamente; a regra não é a prestação pelos particulares, trata-se

de um campo de titularidade estatal, em que incide uma presunção absoluta de

publicização. Decorrência lógica: essas atividades referem-se a um campo diferente

do referido no artigo 173149

147

Autor e obra citado, p. 194

148 Obra citada, p. 194

149 Obra citada, p.194

- 90 -

10.3.6. Do Significado de “Serviço Público” na Regra Matriz da Taxa de Serviço

(Artigo 145, II da CF/88)

Nos estudos desenvolvidos por MARCO AURÉLIO GRECO e HAMILTON

DIAS DE SOUZA150, anteriormente invocados, aqueles autores buscaram no texto

constitucional critério que permitisse separar, do conjunto de atividades que

produzem “utilidades”, aquelas que têm caráter público.

A este propósito, aliás, asseveram que a Constituição Federal é clara ao

traçar uma linha divisória dentre as atividades concretamente realizáveis pelas

entidades existentes no País, separando dois campos de atuação. Um primeiro

campo é expressamente reservado às empresas privadas, por força do artigo 173,

"caput", da Constituição Federal, que reza:

"Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta

Constituição, a exploração direta de atividade econômica

pelo Estado só será permitida quando necessária aos

imperativos da segurança nacional ou a relevante

interesse coletivo, conforme definido em lei”.

Ora, afirmam GRECO E SOUZA, se o legislador constituinte atribui

preferência aos particulares na organização e exploração das atividades

econômicas, está considerando tais atividades como o campo precípuo da ação das

empresas privadas. Isto, aliás, é perfeitamente coerente com a sistemática

constitucional que, ao enunciar os princípios basilares da ordem econômica e social

incluiu em primeiro lugar, a liberdade de iniciativa.

150

"A Natureza Jurídica das custas judiciais”, Editora Resenha Tributária,p. 37 e seguintes

- 91 -

Daí concluem que, para o legislador Constituinte, as atividades de geração de

riqueza em que o seu móvel principal é a obtenção de lucro e acumulação de capital,

ficam entregues, principalmente, às empresas privadas. Nestas, portanto, o

fornecimento de uma utilidade não é o objetivo final da atividade, mas um meio, um

instrumento de que se socorrem os operadores privados para conseguir o resultado

econômico almejado.

Asseveram que se este é o campo precípuo das empresas privadas, então

aqui não encontramos o serviço público.

Por outro lado, chamam a atenção para o fato de que todo o Título III da

Constituição Federal não se preocupa fundamentalmente com a atividade das

empresas privadas, mas objetiva definir as competências e atribuições do Poder

Público, indicando seus órgãos e seu campo de atuação.

Ora, se o constituinte, numa parte do texto, indica o campo de atuação dos

particulares (atividades econômicas) e em outra, a esfera de atuação dos Poderes

Públicos, nesta segunda é que, segundo MARCO AURÉLIO GRECO E HAMILTON

DIAS DE SOUZA, encontra-se o serviço público.

A partir daí, extraem uma conclusão intermediária qual seja a de que, por

força do texto Constitucional, “serviço público será um tipo de atividade

originariamente pública que se apresenta como conteúdo de uma prestação e da

qual advém uma utilidade ao destinatário, e que se inspira nas atribuições

explicitadas no Título III da CF”.

Com essa conclusão, afirmam que a prestação de serviço público não se

vocaciona à produção de riqueza, nem à geração de lucro, mas ao fornecimento de

utilidade aos indivíduos, sendo que a remuneração que daí advém é puramente

eventual e não essencial para a figura.

- 92 -

Essa circunstância de o constituinte haver separado os campos básicos de

atuação do Poder Público e dos particulares acarreta uma outra peculiaridade para o

serviço público. De fato, se este tipo de prestação foi excluído do campo de atividade

econômica, se ele está fora do mercado, então estamos perante aquelas entidades

que a doutrina conhece como res extra commmercium. Vale dizer, esta atividade

está fora das forças que condicionam e influenciam o mercado, exatamente porque a

razão dessa qualificação está na constância do fornecimento de uma utilidade à

coletividade, e não à produção de riqueza.

Ora, afirmam, se o serviço público é uma res extra commercium, sua

prestação está fora da livre disposição da vontade das partes, não lhe sendo

aplicáveis os institutos jurídicos formulados para aplicação típica em relações

informadas pela disponibilidade quanto aos interesses em jogo.

Esta a razão pela qual, segundo os autores, a Constituição Federal se

preocupa em explicitar a figura jurídica mediante a qual será possível gerar recursos

pecuniários necessários ao atendimento do serviço: a taxa.

Diante de todos esses argumentos, concluem afirmando que, de acordo com o

ordenamento constitucional vigente, é serviço público toda prestação que não se

insira no campo da atividade econômica, atribuída originariamente ao Poder Público

e da qual o destinatário extrai uma utilidade.

Em suma, entendem os autores que o serviço público está, no texto

constitucional, onde a atividade econômica não está.

Este é o entendimento adotado no âmbito do presente trabalho, isto é, toma-

se como serviço público aquela atividade constitucional privativamente atribuída ao

Estado (sentido lato), e que, em alguns casos, por autorização constitucional, pode

ser realizada pelo particular, mediante regime de autorização, permissão e

concessão.

- 93 -

Essa também, a matriz constitucional da taxa de serviço.

Pode-se, nesse sentido, afirmar que ainda quando o serviço publico seja

prestado por particular, concessionário de serviço publico, tal prestação estará

sujeita às normas de direito público, não perdendo o serviço publico sua

característica de res extra commercio que configura uma utilidade a ser fornecida

adequadamente e sem interrupção

- 94 -

11. REGIME JURIDICO DA REMUNERAÇÃO DO SERVIÇO PÚBLICO

ESPECIFICO E DIVISIVEL

11.1. Das Taxas

11.1.1 Origem do Tributo

Como nos ensina BERNARDO RIBEIRO DE MORAES151, a taxa aparece de

forma embrionária como remuneração que certos funcionários costumavam auferir

das pessoas favorecidas com determinadas prestações de serviços, embora a

respectiva importância não tivesse por destino o erário público. O Rei, em lugar de

pagar seus agentes, preferia conferir-lhes o direito de auferirem receitas à medida

que iam prestando serviços, exigindo dos indivíduos interessados a devida

compensação. Pouco a pouco, os Estados civilizados foram abandonando esse

sistema.

Em 1776 Adam Smith152 encontrou uma diferença entre certos tributos que

recaiam sobre todos os indivíduos e outros, que somente atingiam os usuários ou

beneficiários da atividade pública, afirmando a injustiça de toda sociedade contribuir

para as despesas, das quais só pequena parte recolhe os frutos. Isto foi o germe

para o aparecimento de estudos científicos sobre a taxa153

Em 1832, com Kurt H.Rau (“Princípios de Ciência das Finanças”) surge uma

teoria científica de taxa, concebendo-a como uma contraprestação que se paga ao

Estado, por um serviço especial deste, ligada a um interesse público. Forma-se,

segundo Aliomar Baleeiro, a noção clássica da taxa como um processo de repartição

151

Doutrina e Prática das TAXAS- 2ª. edição- 2007- Ed. Quartier Latin, p.18 e segs

152 In “A Inquiry into the Nature and causes of the Walth of Nations”

153 Bernardo Ribeiro de Moraes, ob. Citada, p.21

- 95 -

duma despesa pública, para fim especial, exclusivamente entre aqueles que se

beneficiaram dela ou deram motivo a que ela se fizesse154.

O Brasil, como outros países, demorou a acolher um conceito legal de taxa.

Com a Constituição Federal de 1934, admitiu-se uma divisão bipartida dos tributos,

não deixando clara, porém, a real configuração constitucional do tributo.

De se notar que, até a EC 18 de 1/12/1965, a amplitude do conceito legal de

taxa, levou a abusos legislativos.

Lembra BERNARDO RIBEIRO DE MORAES155, que inúmeras taxas, com

destinação específica do produto da arrecadação, eram exigidas de terceiros, sem

relação alguma com a pessoa que realmente estava ligada à atuação estatal.

Exemplifica o autor com a Taxa de Educação e Saúde da União, instituída em 1932 e

revogada apenas em 1990, e que incidia sobre todos e quaisquer documentos

sujeitos ao selo federal (à exceção de correspondência postal e cheque), destinando-

se o produto de sua arrecadação aos serviços de saneamento e profilaxia rural, além

de atender as despesas federais com o ensino.

Relata-nos ainda o autor que em 1964, diante da inflação sem precedentes

que se manifestou no país, o governo preocupou-se em realizar uma reforma

tributária, a fim de que os tributos pudessem servir melhor como instrumentos

eficientes para a ação econômica. Ademais, afirma, era até então a taxa talvez o

maior instrumento de violação das regras da discriminação constitucional, melhor

dizendo, de toda estrutura do regime tributário. Esse fato determinou que a

Comissão Oficial, então encarregada de elaborar a emenda constitucional da reforma

tributária, tivesse como preocupação, no dizer de Rubens Gomes de Souza, “trancar

essa porta à fraude”, com a inclusão, no anteprojeto, de definições das diversas

154

Aliomar Baleeiro, Uma introdução à Ciência das Finanças, apud Bernardo R.Moraes, ob. Cit. Pág. 21

155 Ob. Citada. P. 30

- 96 -

espécies tributárias, a fim de dar maior segurança e rigidez ao novo sistema

tributário. 156

Assim, a EC 18/65 aperfeiçoou o conceito de taxa, deixando claro que a

distinção entre a taxa e o imposto reside no fato gerador da respectiva obrigação. No

imposto, a situação de fato prevista em lei para dar origem à obrigação tributária será

sempre uma situação independente de qualquer atividade estatal específica dirigida

ao contribuinte. Na taxa, a aludida situação de fato será sempre ligada a certa

atividade estatal, dirigida ao contribuinte157.

11.1.2 PERFIL CONSTITUCIONAL - REGRA MATRIZ DE INCIDENCIA

O perfil constitucional das taxas (regra matriz de incidência) está descrito no

artigo 145, II da Constituição Federal:

"Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os

Municípios poderão instituir os seguintes tributos:

I -...

II - taxas, em razão do exercício do poder de polícia ou

pela utilização, efetiva ou potencial, de serviços públicos

específicos e divisíveis, prestados ao contribuinte ou

postos a sua disposição;

Como afirma GERALDO ATALIBA, não há necessidade de a Constituição

discriminar competências para a exigência de taxas (como há, pelo contrário, no que

respeita a impostos) porque a hipótese de incidência da taxa é sempre uma atuação

estatal (atividade de polícia ou prestação de serviço público especifico e divisível). A

pessoa pública competente para desempenhar a atuação, e só ela, é competente

156

Autor e obra citados, p. 30 e 31

157 Autor e ob. Cit. P. 32 e 33

- 97 -

para legislar sobre sua atividade e colocar essa atuação no núcleo da hipótese de

incidência de taxa sua158

Sobre essa questão, assim se manifesta ROQUE CARRAZZA: "Obviamente

os serviços públicos, as diligências ensejadoras dos atos de polícia e as obras

públicas, devem estar dentro da faixa de atribuições (da competência administrativa)

da pessoa política que instituir os tributos vinculados (taxas e contribuição de

melhoria). Lembramos, de passagem, que as competências administrativas foram

repartidas, pela Suprema Carta, entre a União, os Estados, os Municípios e o Distrito

Federal. O artigo 21 da Constituição aponta as competências administrativas da

União; o artigo 25, as dos Estados; os artigos 29 e 30 as dos Municípios; e o art. 32,

as do Distrito Federal. Só quando a pessoa política tem competência administrativa

para realizar a atuação estatal e efetivamente a realiza, é que poderá fazer nascer o

tributo vinculado. Evidentemente, para atuar, a pessoa política depende de uma lei,

que a tanto a autorize”.

E conclui aquele jurista: “Portanto, a criação legislativa da taxa ou da

contribuição de melhoria pressupõe a existência da competência administrativa, da

pessoa política tributante. Dito de outro modo, a competência para instituir tributos

vinculados está ligada ao exercício da competência administrativa que a entidade

tributante recebeu da Constituição para prestar o serviço público, para praticar o ato

de polícia ou para realizar a obra pública” 159

As taxas como os impostos e as contribuições, estão sujeitas aos princípios

constitucionais que informam a tributação, tais como o princípio da estrita legalidade,

da anterioridade, da igualdade e outros.

158

ATALIBA, Geraldo- “Hipótese de Incidência Tributária”- p. 154, 6ª Edição, 9ª tiragem, MALHEIROS, 2008, p.

155

159“Curso de Direito Constitucional Tributário”, 12ª edição, 1999, Malheiros Editores, São Paulo, págs. 411/412).

- 98 -

O caráter de prestação pecuniária, exigida compulsoriamente pelo Estado,

como emanação de seu Poder Tributário, em virtude de lei, é que oferece à taxa a

essência de tributo.

O contribuinte paga a taxa em decorrência de uma obrigação legal, de uma

imposição do Poder Público. A taxa não fica ao sabor da vontade do particular uma

vez que sendo todo tributo uma imposição compulsória, a própria idéia de um tributo

facultativo é contraditória, além do que, todo serviço ou atividade do Estado não é

instituído em benefício dos particulares, individualmente, mas em benefício do

interesse da coletividade.

Ensina GERALDO ATALIBA que a taxa pode ser identificada pela análise de

sua base imponível adotada pela lei. Assim o legislador cria uma taxa quando adota

como base de cálculo do referido tributo atividade estatal consistente numa

prestação de serviço público ou num ato de poder de polícia. Aquele Mestre

inesquecível conceitua a taxa como o tributo vinculado cuja hipótese de incidência

consiste numa atuação estatal direta e imediatamente referida ao obrigado. Não

basta que a consistência da hipótese de incidência seja uma atuação estatal. É

preciso que esta seja, de qualquer modo, referida ao obrigado (sujeito passivo), para

que dele possa ser exigida. Se pudesse ser exigida de outra pessoa desapareceria,

segundo ATALIBA, qualquer utilidade na distinção entre taxa e imposto160

Assim, o fato gerador da taxa "não é um fato do contribuinte, mas um fato do

Estado. O Estado exerce determinada atividade e, por isso, cobra a taxa da pessoa a

quem aproveita aquela atividade161”.

160

Obra e Autor citados, p. 156

161 LUCIANO AMARO, in "Direito Tributário Brasileiro", 4ª Edição, 1999, Editora Saraiva, São Paulo pag. 31).

- 99 -

11.1.2.1. Aspecto Material - Núcleo da Hipótese de Incidência

Definido o conceito de serviço público que será adotado no desenvolvimento

do presente trabalho, vale dizer aquele “especifico e divisível prestado direta ou

indiretamente (ou posto à disposição do) ao usuário” sob o regime de direito publico,

passa-se à análise do núcleo da hipótese de incidência constitucional da taxa.

Caracteriza-se como aspecto ou critério material da taxa a prestação de

serviço público específico e divisível ao contribuinte ou mesmo a simples colocação

desse serviço à disposição do contribuinte, quando ocorre uma utilização potencial.

Verifica-se, pois, que a taxa pode ser cobrada não só quando o contribuinte

efetivamente se vale do serviço prestado, mas também quando ele tem esse serviço

público apenas à sua disposição.

O serviço público, isto é a atividade cujo exercício direto ou indireto é

conferido pelo ordenamento jurídico ao Poder Público, pode ser de dois tipos: um

primeiro tipo corresponde àquelas atividades que, pelo menos em tese - por

admitirem uma exploração econômica -, poderiam ficar a cargo das empresas

privadas, e que são deferidas ao Poder Público por razões ligadas à sua relevância

para a comunidade, ou em razão da essencialidade da utilidade material fornecida.

Essas atividades não são exploradas preferencialmente pelos particulares,

não porque não pudessem sê-lo, mas porque o ordenamento, em função de

circunstâncias da época histórica vivida, atribuiu seu exercício ao Poder Público.

Tanto é assim que, num determinado momento da vida do país tais atividades

podem estar em mãos dos particulares, sem, com isto, ocorrer qualquer alteração

fundamental à estrutura (é o que ocorre com os serviços de água, esgotos,

transportes aéreos, etc.).

- 100 -

Ao lado destas atividades, porém, há outro grupo de atribuições que estão em

mãos do Poder Público, não por razões episódicas ou decorrentes de uma evolução

cultural, mas porque dizem respeito à própria essência do Estado e mais, à

concepção de Estado de Direito. Neste campo estão as atribuições essenciais do

Estado, ou aquelas que dão a nota característica dessa Instituição.

Esclarecem GRECO e DIAS DE SOUZA que, qualquer que seja o tipo de

atividade estatal, seja ela inerente à própria estrutura do Estado, seja ela exercida

pelo Estado em substituição ao particular, em razão da importância do serviço, pode

constituir-se em pressuposto de cobrança de taxa de serviço.

Para tanto, não se deve esquecer que é preciso que o serviço público

prestado ou colocado à disposição do contribuinte seja específico e divisível.

11.1.2.2. Serviço Público Específico e Divisível

O que quer dizer serviço público específico?

No dizer de BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, serviço público específico,

também denominado individual ou particular é aquele que proporciona vantagem ao

indivíduo ou grupos de indivíduos, embora haja sempre um interesse público em

jogo. Neste tipo de serviço encontra-se um usuário do serviço, sendo possível a

determinação da relação entre quem fornece (Estado) e quem consome (indivíduo ou

grupo de indivíduos).

Este tipo de serviço se opõe ao chamado serviço público geral ou universal.

Este é o serviço consumido por todos os cidadãos, indistintamente, não havendo

possibilidade de se determinar o grau de interesse que cada um possa ter,

individualmente, na existência do serviço. Ex: serviço de defesa nacional,

preservação da integridade do território, serviço de segurança pública, etc.

- 101 -

Para PAULO DE BARROS CARVALHO, é exatamente a referência direta ao

particular que constitui a especificidade: “um serviço público é especifico quando há

individualização no oferecimento da utilidade e na forma como é prestada”162.

O que quer dizer serviço público divisível?

Ensina BERNARDO RIBEIRO DE MORAES que é o serviço suscetível de

dividir-se em prestações individualmente utilizadas. Permite, assim, uma divisão de

seu custo, determinando em que medida cada um dos usuários aproveita a atividade

estatal.

Tendo em vista que a hipótese de incidência da taxa de serviço consiste na

prestação de uma atividade estatal dirigida ao obrigado, a menção à exigência da

configuração de serviço público divisível é de suma importância. Somente nesse tipo

de serviço - suscetível de utilização separadamente -, é que se pode constatar uma

atividade estatal referida ao contribuinte. Somente os serviços públicos divisíveis é

que podem ser partilhados em unidades de uso ou consumo, particularizando-se

com relação a certa pessoa.

São serviços que podem ser destacados em unidades autônomas de

intervenção, de utilidade ou de necessidades públicas, fazendo-se um liame entre

quem fornece (o Estado) e quem usufrui (individuo ou grupo de indivíduos) o serviço.

Um serviço público que não possa ser individualizado, v.g., o de defesa nacional ou

de segurança pública, tecnicamente não pode ser custeado por taxa 163.

Sobre a divisibilidade leciona PAULO DE BARROS que significa possibilidade

de mensurar o serviço efetivamente prestado ou posto à disposição de cada

contribuinte. É elemento correlato à especificidade, pois se o serviço mostra-se

162

“Direito Tributário Linguagem e Método”, p. 699

163 Bernardo Ribeiro de Moraes, ob. Cit. P.180

- 102 -

individualizado, importará admitir que permitirá o cálculo de seu custo relativamente

a cada usuário, tornando possível a exigência da taxa164.

Se o serviço público tem como finalidade o fornecimento de utilidades aos

indivíduos, daí decorre sua natureza universal. Não obstante essa universalidade,

alguns serviços são específicos e divisíveis e outros não.

Exemplificando: o serviço de iluminação é gênero, do qual são espécies:o

serviço de iluminação pública e o serviço de iluminação domiciliar. Os dois tipos de

serviço têm natureza universal, porem o primeiro deles – iluminação publica – tem

caráter geral, não específico e não divisível.

De fato, não é possível identificar (especificar) quem usufrui do serviço de

iluminação pública, visto que tanto os moradores de determinada via pública quanto

o turista que por ela trafega, ainda que por uma única vez, serão beneficiados pelo

referido serviço público. Dai a impossibilidade de tal serviço ser custeado por taxa de

serviço. Trata-se de atividade que deve ser suportada pela receita geral dos

impostos.165

Já o serviço de iluminação domiciliar, que também tem caráter geral,

caracteriza-se como especifico e divisível, em razão de ser possível identificar seus

usuários (especificidade) e, em conseqüência, dividir entre eles, proporcionalmente

ao uso, o custo do serviço (divisibilidade).

Aliás, cumpre sobre a matéria trazer decisão proferida pelo Supremo Tribunal

Federal, relativamente à Taxa de Iluminação Publica criada pelo Município de

Andradina, a Ementa da decisão proferida no RE n. 385955, Relator Ministro Carlos

164

Obra citada, p.699/700

165 Nesse sentido parece inconstitucional a criação da COSIP (contribuição municipal para a iluminação

publica)

- 103 -

Velloso que está assim esta redigida: I- Ilegitimidade da taxa, dado que o serviço de

iluminação publica é um serviço destinado a coletividade toda, prestado uti universi e

não uti singuli. II Precedentes do STF. III Agravo não provido.166

11.1.2.3. O Serviço Público e a Composição do Fato Jurídico Tributário

O serviço público, como todo e qualquer conceito jurídico, pode ser recortado

pela hipótese normativa e não ingressar, em toda sua totalidade semântica, na

composição do fato jurídico que ensejará a relação jurídica prescrita no consequente

normativo, como também pode a hipótese normativa selecionar apenas uma espécie

entre o gênero referido mediante o conceito. É o que acontece com a hipótese

tributária da taxa pela prestação de serviço público167.

Nesse sentido o artigo 145, inciso II da Constituição Federal que estabelece

como pressuposto da taxa não a simples prestação de serviço publico, mas a

prestação de serviço público que seja específico e divisível.

Na mesma direção caminhou a legislação infraconstitucional. O artigo 79 do

CTN, muito embora seja anterior ao texto da Constituição de 1988, mostra-se

compatível com os ditames do inciso II do artigo 145 do texto maior.

“Artigo 79. Os serviços públicos a que se refere o artigo

77 consideram-se:

I - (...)

II - específicos, quando possam ser destacados em

unidades autônomas de intervenção, de utilidade ou de

necessidade publica;

166

jurisprudencia citada por RICARDO SANTOS MASSET LACOMBE in Comentarios ao Codigo Tributário

Nacional- 2ª edição, 2008, MP Editora, p. 771

167 ROCHA FRANÇA, Vladimir- “Aspectos constitucionais da hipotese tributariada taxa pela prestação de serviço

públicos”, in Revista de Informação Legislativa, jan/março de 2001, n. 149, p. 197

- 104 -

III - divisíveis, quando suscetíveis de utilização,

separadamente, por parte de cada um dos usuários

(grifos nossos)

Em suma, o que se deve entender por serviço publico específico é a relação

de causalidade entre a utilidade prestada pela Administração e o particular que dela

se beneficia, ou seja, se essa relação de causalidade pode ser determinada de forma

especifica ou genérica.

Por sua vez, a divisibilidade do serviço público, conforme prescrito pelo

Código deve ser entendida como a qualidade de utilização, separadamente, por

parte de cada um dos seus usuários. Mas não só. O que realmente se objetiva com a

divisibilidade é medir a intensidade da utilização, do beneficio auferido pelo particular

decorrente do serviço público usufruído.

RUBENS GOMES DE SOUZA, co-autor do anteprojeto do Código Tributário

Nacional, sustenta que serviço divisível é aquele que por sua natureza própria

permite que se identifique a fração utilizada individualmente pelo contribuinte e que,

por consequência, permite calcular o montante do tributo devido em cada caso em

função dessa fração individualmente utilizada168

11.1.2.4. Utilização Efetiva ou Potencial

O legislador constituinte, bem como o legislador do CTN (artigo 77 e 79)

determinaram que as taxas podem ser cobradas pela utilização efetiva ou potencial

dos serviços públicos. Desse modo, o serviço que esteja apenas à disposição do

usuário pode render ensejo à cobrança da taxa de serviço.

- 105 -

Ensina ROQUE CARRAZZA que “a disponibilidade que autoriza a tributação

por via de taxa de serviço há de ser direta e imediata e não difusa. Alem disso,

afirma: para que este tributo seja exigível, é mister que a utilização (não a prestação)

do serviço seja compulsória, isto é, obrigatória por imperativo legal”.

Assim, afirma: “se o serviço estiver à disposição de todos, mas não

diretamente do contribuinte, ou ainda que à disposição direta deste, sua fruição for

facultativa, a taxa só poderá ser exigido – sempre com apoio em lei – de quem

efetivamente vier a utilizá-lo”.

Explica melhor CARRAZZA: “A prestação do serviço público, por ser

determinada por lei, é sempre obrigatória para o Estado. Ele deve prestá-lo quando a

lei a isto o compele. Já a utilização do serviço público pelo administrado pode, nos

termos da lei, ser compulsória ou facultativa. A compulsoriedade da fruição do

serviço público nasce da lei. Esta, no entanto, não tem total liberdade para impor,

aos administrados, o dever de utilizar todo e qualquer serviço público. Antes, tal

obrigatoriedade deve respaldar-se num valor ou interesse público prestigiado pela

Constituição”. Assim, exemplifica o jurista, a lei pode e deve obrigar os administrados

a fruírem, dentre outros, do serviço público de vacinação, de coleta de esgotos, de

coleta domiciliar de lixo, de fornecimento domiciliar de água potável, porque nestes

casos está em jogo a saúde pública, um dos valores que a Constituição Brasileira

prestigiou.

Em contrapartida, ensina aquele jurista da PUCSP, “a lei não pode obrigar os

administrados a fruírem dos serviços públicos de telefone, de gás, de conservação

de estradas de rodagem, etc. É que embora esses serviços devam ser prestados

pelo Estado (dai serem públicos), não realizam valores constitucionalmente

consagrados. São serviços públicos de fruição facultativa, posto que ninguém pode

ser compelido a ter telefone em sua residência, a servir-se do gás canalizado que o

Poder Público coloca a sua disposição, a viajar, e assim por diante” 169

169

Autor citado- Curso de Direito Constitucional Tributário- 27ª edição, 2011- Ed. Malheiros, p. 573 e 574

- 106 -

A respeito do tratamento legislativo da matéria, entende RODRIGO LACOMBE

que, num primeiro momento pode parecer injusta a cobrança de taxa pelo simples

fato de um serviço estar à disposição, mas, em verdade, a injustiça é aparente, isso

porque, segundo o autor, há serviços públicos cuja lei de regência presume sua

utilização- chamados de serviços compulsórios.

Os serviços assim considerados, afirma o autor, em regra estão relacionados

com um interesse público maior que justifica a imposição de sua utilização – ex:

serviço de coleta de esgoto. Esclarece que para que a taxa por serviço potencial

possa ser cobrada e preciso, como determinado no artigo 79, inciso I, “b” do CTN

que os serviços específicos e divisíveis sejam de utilização compulsória e sejam

postos à disposição dos administrados mediante atividade administrativa em efetivo

funcionamento.170

De fato, referido dispositivo do Código Tributário Nacional, além de conceituar

serviço especifico (inciso II) e serviço divisível (inciso III), em seu inciso I assevera

que o serviço passível de gerar a incidência tributária considera-se utilizado

efetivamente pelo contribuinte quando por ele usufruído a qualquer titulo (a) e

utilizado potencialmente quando sendo de utilização compulsória seja posto à sua

disposição mediante atividade administrativa em efetivo funcionamento.

Ao analisar a regra jurídica em questão, CESAR GUIMARAES PEREIRA,

assevera que causa perplexidade inicial o entendimento da doutrina no sentido de

condicionar a instituição de taxa por serviço fruível (o serviço posto à disposição) à

compulsoriedade do serviço. Tal significa, segundo o autor, a admissão implícita da

possibilidade de ausência de fruição efetiva em serviço de fruição obrigatória. Porém,

afirma, o mesmo entendimento assume algum sentido na medida em que reconhece

a impossibilidade de cobrança pela mera disponibilidade do serviço nos casos em

que sua utilização e facultativa. Afinal, conclui, se o usuário pode escolher utilizar ou

170

autor e obra citados, p. 773 e 774

- 107 -

não o serviço não é cabível pretender realizar cobrança pela mera colocação do

serviço à sua disposição. Só há sentido em se realizar a cobrança pela mera

disponibilidade do serviço se o usuário for obrigado a utilizá-lo.171

Em geral a lei institui a compulsoriedade de determinado serviço, em razão da

sua essencialidade, de seu interesse público. Assim, por exemplo, o fornecimento de

água potável, o serviço de esgoto, varrição de rua, coleta de lixo, são declarados

compulsórios por motivo de saúde pública (salubridade).

Desse modo, ainda que o administrado não utilize a água fornecida por

possuir, por exemplo, um poço artesiano em seu imóvel suficiente para atender suas

necessidades, ainda assim referido administrado poderá ser definido legalmente

como sujeito passivo da taxa por serviço público potencial, na medida em que para

prestar referido serviço o Estado dispõe de todo um aparato, inclusive com ligação

do imóvel referido à rede de água pública, de modo que o administrado poderá

jamais utilizar o serviço de água, mas se decidir pela utilização poderá fazê-lo.

Assim, poderá o Poder Público cobrar uma taxa mínima pela mera potencialidade do

uso do serviço.

Claro está que, nessa hipótese, a base de cálculo do tributo será diversa para

este usuário potencial e para os efetivos usuários. De fato, na hipótese de taxa por

utilização potencial, a base de cálculo deverá levar em conta apenas a

disponibilidade da infra-estrutura, não cabendo falar no valor atinente à divisibilidade

do custo da prestação (fornecimento de água).

Sobre a matéria, CESAR GUIMARAES PEREIRA, invoca estudo realizado por

Luiz Alberto Pereira Filho que defende a tese de que não é a compulsoriedade, mas

a possibilidade de identificação a priori do usuário que determinaria a possibilidade

de cobrança da taxa por serviço fruível: Será inconstitucional, portanto, a taxa pela

171

A Posição dos Usuarios e a Estipulação da Remuneração do Serviço Públicos- in Serviços Público e Direito

Tributário- Coord. HELENO TAVEIRA TORRES, 2005, Quartier Latin,p.343 e 344

- 108 -

colocação do serviço à disposição do contribuinte, se o sujeito passivo não puder ser

identificado pelo sujeito ativo, sem que, para isto, haja uma colaboração do primeiro.

Sobre o referido trabalho CESAR PEREIRA assevera que embora na maior

parte dos casos de possibilidade de identificação a priori do usuário (e da quantidade

de serviço imputável a ele) se esteja diante de serviços de fruição obrigatória, pode-

se cogitar também de situações envolvendo serviços facultativos. As chamadas

tarifas mínimas relativas a serviços facultativos como os de telecomunicações tem

esse sentido. A partir da adesão ao serviço, a tarifa é cobrada pela disponibilidade do

serviço, ainda que não materialmente utilizado pelo usuário172173

172

obra citada, p. 344 e 345

173 SOBRE OS SERVIÇOS COMPULSÓRIOS E SERVIÇOS FACULTATIVOS - A jurisprudência dominante no

STJ considera que o valor exigido como contraprestação pelo serviço de água e esgoto possui natureza jurídica

de taxa sempre que seja de utilização compulsória, independentemente de ser prestado diretamente pelo Poder

Publico ou por concessionário173

Esse entendimento leva em conta a distinção elaborada pela doutrina entre os

serviços compulsórios e os serviços facultativos. As decisões proferidas invocam lições de Hugo de Brito

Machado, no sentido que a remuneração de um serviço publico como taxa ou como preço publico depende da

compulsoriedade ou facultatividade do referido serviço. Segundo esse entendimento, a compulsoriedade impõe a

cobrança por taxa e a facultatividade a cobrança por preço publico.

Mas o que seriam serviços compulsórios e serviços facultativos?

Nas decisões proferidas constam exemplos invocados por Hugo de Brito Machado, no seguinte sentido: “(...)

imaginemos a necessidade que se tem de energia elétrica. Se o ordenamento jurídico nos permite atender a essa

necessidade com a instalação de um grupo gerador em nossa residência (...)então a remuneração que o Estado

nos cobra pelo fornecimento de energia é um preço publico, pois não somos juridicamente obrigados a utilizar o

serviço publico para a satisfação de nossa necessidade. (...) A remuneração que pagamos pelo serviço de

fornecimento de energia elétrica, portanto, não é compulsória.

Outro exemplo invocado pelo autor e acolhido pelo STJ refere-se ao serviço de água e esgoto.

Mas será que o critério adotado para definir a aplicação ou não do regime tributário, tem fundamento na

Constituição Federal?

A matéria também foi decidida pelo STF. Em Recurso Extraordinário nº 89876-RJ, relator o Ministro Moreira

Alves, os Ministros daquela Corte Suprema, em decisão plenária e por maioria de votos, analisou e decidiu sobre

o regime jurídico da “tarifa básica de limpeza urbana” , chamada “taxa de lixo”, criada pelo Prefeito do Rio de

Janeiro em 1975 (Decreto 196). A materialidade da referida cobrança era a remoção de lixo no Município e a

limpeza dos logradouros públicos, com a cobrança de contrapartida pelos munícipes. O Ministro Moreira Alves,

em seu voto, analisando o sistema constitucional tributário brasileiro, afirmou que sendo a taxa uma das

modalidades de tributo, está ela sujeita às restrições constitucionais do poder de tributar, que são garantias

estabelecidas em favor do contribuinte, restrições essas que não existem em matéria de preços públicos. Como o

- 109 -

11.1.2.5. Caráter Contraprestacional

BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, ao analisar as teorias sobre a natureza

das taxas ressalta que elas “ora sublinham a existência de um benefício ou

vantagem para o contribuinte, dando a elas um caráter contraprestacional, ora as

vêem como reembolso do custo da atuação estatal, ora as caracterizam meramente

como tributo ligado à atuação específica do Estado, abstraídas eventuais vantagens

que possam ser fruídas pelo contribuinte”.

Mais adiante afirma o autor que o “que está assente é que, se as atividades

gerais do Estado devem ser financiadas com os impostos, arrecadados de toda a

Poder Publico não pode fugir a essas restrições de seu poder de tributar, é evidente que, nos casos em que é

devida taxa, não pode ele – sob pena de fraude às limitações constitucionais- esquivar-se destas, impondo, ao

invés de taxa, preço publico.

No referido voto, assinala o Relator, Ministro Moreira Alves que a discussão sobre o tema é quase infinita.

Relembra que um dos critérios de distinção entre as figuras foi consignado na Sumula 545, porém, em seu

entender, de modo deficiente. Tal deficiência, aliás, relata Moreira Alves, foi reconhecida pelo próprio Ministro

Luiz Gallotti, que invocou o referido critério de distinção no primeiro dos acórdãos em que se fundamenta a

Súmula (ERE 54.194), assinalando que é possível haver exigência sem tal obrigatoriedade, referindo-se à

hipótese do serviço publico estar colocado apenas à disposição do usuário.

De acordo com a referida Súmula, como redigida, a distinção entre preços públicos e taxas estaria no fato de que

as taxas são compulsórias e têm sua cobrança condicionada à previa autorização orçamentária, em relação à lei

que as instituiu.

O Ministro Moreira Alves, no referido voto, propõe buscar o critério de distinção no exame da natureza da relação

jurídica entre o Poder Publico e o particular. Afirma que, partindo de tal critério, a contrapartida será preço publico

se o serviço prestado (no caso remoção de lixo domiciliar) for serviço comercial ou industrial e será taxa se for

serviço próprio do Estado, que decorra das atribuições do Poder Publico, que tem o dever de prestar aquelas

serviços que visam, num primeiro plano, a coletividade e somente em segundo plano, o interesse individual.

Trata-se, no entender do Relator do voto se o serviço é obrigatório para o Poder Publico, ou se se trata de serviço

facultativo para o ente publico.

Transplantando tal entendimento para o serviço de remoção de lixo, Moreira Alves afirma que o referido serviço é

função essencial do Poder Publico, isto é, é serviço que tem que ser prestado obrigatoriamente pelo ente publico,

sem poder dele dispensar o particular que produz lixo no meio urbano, porque tal atividade visa atender em plano

preferencial ao interesse da coletividade consubstanciado na preservação de condições de saúde e higiene, e,

somente em plano secundário, ao interesse do particular em ver-se livre do lixo que produziu. Assim também, no

entender do Ministro Relator, os serviços de varredura, lavagem e capinação dos logradouros públicos.

- 110 -

coletividade, há outras atividades estatais que, dada sua divisibilidade e referibilidade

a um indivíduo ou a um grupo de indivíduos determinável, podem (e, numa

perspectiva de justiça fiscal), devem ser financiadas por tributos pagos pelos

indivíduos a que essas atividades estatais se dirigem (...). Por isso, Alberto Xavier

anotou que, não obstante as divergências doutrinárias a respeito dos critérios para

distinguir as categorias do imposto e da taxa, em regra se admite como ponto

comum de partida o critério tradicionalmente formulado na ciência das finanças, para

o qual o imposto é o modo de financiamento próprio dos serviços públicos indivisíveis

e a taxa dos serviços divisíveis”174

Para RIBEIRO DE MORAES, “nossa Constituição claramente adota esse

critério, ao atrelar as taxas ao exercício do poder de polícia e à execução de serviço

público divisível, permitindo extremá-las dos impostos, não vinculados a nenhuma

atuação estatal divisível”. Para o autor, essa característica da taxa (vinculação a uma

atuação estatal divisível e referível ao contribuinte) “serve para evitar que ela se

confunda com o imposto, mas não se presta para separar dessa figura as demais

exações tributárias, o que demandará outros critérios distintivos. Nem é útil, por outro

lado (a referida característica da taxa), para distingui-la do preço público (...)"

A respeito da chamada teoria da taxa como benefício auferido pelo obrigado,

BERNARDO RIBEIRO DE MORAES nos relata que entre os juristas pátrios muitos

autores também entendem ser característico da taxa a especialização do serviço em

proveito direto do contribuinte, conforme é o caso de Bilac Pinto e de Theotonio

Monteiro de Barros Filho. Para o primeiro, ”o beneficio especial objetivo, mensurável,

é condição essencial para que o tributo seja conceituado como taxa“, sendo certo

que o indivíduo que paga a taxa, “recebe vantagem determinada”. Para o último

autor citado, “taxa é a quantia paga ao Estado pelo particular, sempre que tenha

provocado despesa especial, e que, graças ao consumo facultativo ou compulsório

de um serviço público, haja auferido individualmente vantagem mensurável” 175.

174

Ob. e autor citados, pág. 31/32 175

Bernardo Ribeiro de Moraes, ob cit. P. 44 e 45

- 111 -

Porém, tal teoria não é aceita pelo autor, ao afirmar que “o elemento “benefício

especial” ou “vantagem privada”, como característico da taxa, não tem qualquer

relevância jurídica, sendo resultado da influência das doutrinas econômicas

predominantes na época”.

Lembra BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, que existem taxas,

principalmente aquelas fundadas no poder de polícia, que nenhuma vantagem

privada proporciona ao contribuinte, citando como exemplo a taxa de licença de

funcionamento. Afirma ainda que a vantagem é incompatível com a idéia de receita

tributária

Por seu turno, HUGO DE BRITO MACHADO também não acata a teoria ao

analisar o argumento de que a taxa é um tributo contraprestacional, vale dizer, o seu

pagamento corresponde a uma contraprestação do contribuinte ao Estado, pelo

serviço que lhe presta, ou pela vantagem que lhe proporciona. Ao autor “não parece

existir uma correlação necessária entre o valor da taxa cobrada e o valor do serviço

prestado, ou posto à disposição do contribuinte, ou ainda da vantagem que o Estado

lhe proporcione” 176

BRITO MACHADO entende que “a instituição e cobrança de uma taxa não

tem como pressuposto essencial um proveito, ou vantagem, para o contribuinte,

individualmente e prefere excluir do conceito de taxa a idéia de contraprestação, não

obstante o maior respeito pelas opiniões divergentes “177

Já GERALDO ATALIBA não se preocupa em analisar a existência ou não de

eventual vantagem para o administrado que recebe o serviço ou o tem

176

(in "Curso de Direito Tributário" pag. 256, 17ª edição, 2000, Editora Malheiros, São Paulo) 177

ob. e autor citados, pag. 256

- 112 -

potencialmente, mas realça a importância da referibilidade direta que deve existir

entre a atuação estatal e aquele que a recebe.

Ensina ATALIBA que “não se pode esquecer que a Constituição ao prefigurar

a taxa - como entidade distinta dos impostos - reconheceu-lhe função econômico-

financeira diversa da daqueles. Não quer isto dizer, absolutamente, que se pretendeu

transpor para o plano jurídico, noções pré-legislativas, mas sim, reconhecer que os

institutos jurídicos são instrumentais, e devem servir às finalidades para as quais

foram criados”.

Para o saudoso Mestre, “a referibilidade entre a atuação - posta como aspecto

material da hipótese de incidência da taxa - e o obrigado, é essencial à configuração

da taxa. Não pode a lei exigir taxa de conservação de rua de um proprietário não

lindeiro à via pública que recebeu o serviço,ou taxa por serviço de correio que ele

não utilizou; nem taxa por fiscalização que não houve. É essencial na definição da

taxa a referibilidade (direta) da atuação ao obrigado. Só quem utiliza o serviço

(público, específico e divisível) ou recebe o ato "de polícia" pode ser sujeito passivo

de taxa “ 178 .

Sobre o caráter contraprestacional da taxa, MARCO AURELIO GRECO entende que

“quando a administração publica, por força da lei, se vê na contingência de executar

determinada prestação - característica esta conjugada com outras próprias do regime

administrativo - ela o faz independentemente de qualquer “eventual” e “futuro”

pagamento a cargo dos usuários”. Como conseqüência desse entendimento,

GRECO afirma que “a posterior imputação de uma obrigação a cargo do usuário do

serviço, não se constituirá em contraprestação ou contrapartida “de nada”, pois a

atuação se dá por força da lei que assim o determinou, e não com base num acordo

de vontades” 179.

178

in " Hipótese........., pag. 138s).

179 Autor citado, “Norma Jurídica Tributária”, p. 75, EDUC, 1974

- 113 -

11.1.2.6. Conceito Jurídico

Desse modo, a taxa - juridicamente considerada - é espécie do gênero tributo,

constituindo-se, como obrigação legal compulsória, cobrada mediante atividade

administrativa plenamente vinculada.

No dizer de BECKER, uma vez concretizada a situação de fato estabelecida

na lei, há a incidência da regra jurídica de tributação, irradiando-se a relação jurídica

tributária. O Estado, como sujeito ativo, passa a ter direito à prestação, pretensão em

obtê-la. O contribuinte, como sujeito passivo, passa a ter o correlativo dever, ou

obrigação de prestar pecúnia. O objeto da prestação é o tributo180.

E é o próprio BECKER quem chega ao ponto fulcral da discussão: o critério

objetivo e jurídico que permitirá distinguir os múltiplos gêneros jurídicos e espécies

jurídicas do tributo “é a respectiva base de cálculo”

11.1.2.7. Base de Cálculo

Se como visto anteriormente, a base imponível ou base de cálculo, é a medida

do aspecto material da hipótese de incidência tributária, a base imponível da taxa

deverá, necessariamente, ser uma medida qualquer da própria atividade do estado.

No dizer de GERALDO ATALIBA: “Efetivamente, se a hipótese de incidência

da taxa é só uma atuação estatal, referida a alguém, sua base imponível é uma

dimensão qualquer da própria atividade do estado: custo, valor ou outra grandeza

qualquer da própria atividade181”

180

Alfredo Augusto Becker, Teoria geral do Direito Tributário, São Paulo, Saraiva, 1ª. ed. P. 336

181 ob. e autor citados pag. 133

- 114 -

Para o Mestre, entre a base de cálculo e o fato gerador dos tributos existe

uma relação de inerência quase carnal, uma relação de pertinência, de harmonia. Do

contrário, estaria instalada a confusão e o arbítrio com a prevalência do nomen júris,

isto é, da simples denominação formal, sobre a ontologia jurídica e conceitual dos

tributos, base científica do Direito Tributário182.

Desse modo, se a taxa é um instrumento de custeio das atividades estatais

dirigidas ao contribuinte, deve existir uma relação entre o produto da taxa e o custo

da respectiva atividade estatal. Tal relação deve ser perquirida, buscando-se uma

razoável equivalência, descabendo a destinação da sua arrecadação para fins

alheios à atividade estatal que lhe deu origem183.

11.1.2.7.1. A Taxa não pode ter Base de Cálculo de Imposto

O parágrafo 2º do artigo 145 da Constituição Federal estabelece a proibição

do legislador adotar como base de cálculo da taxa aquela própria dos impostos.

Ontologicamente não é mesmo possível que tal ocorra, salvo se o legislador der o

nome de taxa a tributo diverso, e se assim for, estar-se-á diante de tributo

inconstitucional.

De fato, se a materialidade dos fatos geradores de impostos e taxas é, sempre

e necessariamente, distinta (uma vez que o imposto tem como pressuposto de

incidência uma atividade do particular, enquanto que na taxa tal pressuposto repousa

em uma atividade estatal), e se a base de cálculo é a medida do seu fato gerador,

então a base de cálculo da taxa jamais poderá ser a medida de uma atividade do

particular!

182

SACHA CALMON, in Curso de Direito Tributário Brasileiro”, FORENSE, 9ª. edição, 2006, p.97 183

Bernardo Ribeiro de Moraes, ob. Cit. P.235

- 115 -

No dizer de SACHA CALMON, o dispositivo em comento (parágrafo 2º do

artigo 145 da CF) ao conferir à base de cálculo esta missão de controle, busca

impedir que as pessoas políticas venham a criar fatos geradores de taxas com bases

de cálculo de imposto, burlando, assim, o sistema, provocando invasões de

competências em áreas já reservadas às outras, com evidente sobrecarga tributária

em favor dos contribuintes184.

Essa situação, na prática, é muito mais comum do que possa parecer. Cite-se

como exemplo, órgãos estatais que atuam em nome do Estado (DER, EMTU, etc)

executando atos materiais de poder de policia, tais como cadastramento,

fiscalização, emissão de autorizações para o exercício de determinadas atividades

privadas, etc. cuja remuneração (taxa) adota como base de calculo não a medida

razoável da atuação estatal, mas um valor calculado com base no patrimônio das

empresas (ex: quantidade de veículos (ônibus) utilizada para realização de

transporte intermunicipal)

Ao tratar do valor das taxas RAMON VALDES COSTA afirma que a forma

típica para estabelecer o quantum da obrigação de pagar o tributo seria relacionar

referido valor com as características da atividade desenvolvida, isto é, regulá-la em

função da importância do serviço prestado, tendo em conta a quantidade e

complexidade das prestações efetuadas pelo Estado e outras circunstâncias

similares. Aceita o autor uruguaio, com base na doutrina e jurisprudência, que além

das vantagens obtidas pelo contribuinte seja considerada sua capacidade

contributiva, desde que aliada à regra da razoável equivalência entre a atividade

estatal e o valor a ser cobrado.185

184

SACHA CALMON, IN Curso de Direito Tributário Brasileiro, Forense, 9ª. edição, 2006, p. 97

185 “ La forma típica sería la de relacionarla com los caracteres de la actividad desarrollada, es decir, regularla em

función de la importância del servicio prestado apreciada a través de la cantidad e complejidad de las

prestaciones efectuadas y otras circunstancias similares. Em la doctrina y em jurisprudência se há admitido

también la consideración de las ventajas obtenidas por el contribuyente así como su capacidad contributiva,

critérios éstos que no merecen reservas mientras se contemple la regla de la razonable equivalência”- in obra

citada p. 318

- 116 -

Por evidência, nem sempre é possível estabelecer-se real equivalência entre

o custo da atividade estatal e o valor da taxa. Para RUBENS GOMES DE SOUZA

deve haver “uma relação aproximada entre o montante do tributo e o custo de

serviço ou da atividade para o Estado186. Aliás, a fixação do valor da taxa configura-

se como opção política e financeira do legislador. Vale dizer, ao editar a lei, esta

pode prever que a atividade estatal será remunerada parcial ou integralmente, o que

significa que nem sempre o importe total da taxa corresponde ao efetivo custo da

atividade estatal desenvolvida.

De qualquer modo, como afirma SAMPAIO DÓRIA “corolário inelutável da

taxa é o de que o quantum exigido dos usuários dos serviços não ultrapasse o custo

global destes, sob pena de transmudar em imposto a quota excedente apurada e,

assim, descaracterizada, subordinar-se todas as restrições constitucionais próprias

daquele” 187.

186

In Compendio de legislação tributaria, apud Bernardo Ribeiro de Moraes, nota de rodapé 287, p. 245

187 In Princípios Constitucionais tributários e a cláusula “due processo f law” apud Bernardo Ribeiro de Moraes,

nota de rodapé 305, p.257

- 117 -

12. TAXA E PREÇO PÚBLICO

Como afirmado no inicio, é proposta do presente trabalho a utilização dos

instrumentos da semiótica para construir interpretação jurídica das normas

aplicáveis.

Ensina AURORA TOMAZINI DE CARVALHO188 que tanto o Direito Positivo

quanto a Ciência do Direito, sendo constituídos por linguagem, consubstanciam-se

num conjunto estruturado de signos. O direito positivo, enquanto corpo de linguagem

tem como suporte físico os enunciados prescritivos que o compõem materialmente

(artigos, incisos e parágrafos de uma lei). Tais enunciados reportam-se a conduta

humana - isto e, as relações intersubjetivas - que é seu significado, e suscitam na

mente daqueles que os interpretam a construção das normas jurídicas, que se

constituem na sua significação. Diferentemente, a Ciência do Direito, enquanto

sobrelinguagem voltada ao direito positivo com finalidades cognitivas tem como

suporte físico os enunciados descritivos que a compõem materialmente. A Autora

invoca como exemplo de suporte físico da linguagem da ciência do Direito, as linhas

e parágrafos de um livro de doutrina.

Também MISABEL DERZI assevera que a Lingüística e a Filosofia da

Linguagem ensinam que os signos gráficos são entidades físicas as quais

associamos significações. Essas significações possibilitam mentar o objeto, a norma

e são extraídos não apenas do texto legal em sua estrutura interna, mas também do

contexto maior em que se insere a proposição jurídica, inclusiva as circunstancias

históricas e sociológicas em que o texto foi produzido e no qual ele e colhido pelo

interprete189

Lembrando os três planos de investigação dos sistemas sígnicos ensinados

por PAULO DE BARROS CARVALHO, AURORA TOMAZINI salienta que o exame

188

Curso de Teoria Geral do Direito, 2ª edição, 2010, NOESES, p.162 a 165

189 Modificação da Jurisprudencia no Direito Tributariio – 2009,p.77

- 118 -

do direito positivo no seu plano sintático permite o estudo das relações dos signos

entre si, ou seja, o vinculo que se estabelecem entre eles quando estruturados num

discurso. Já o estudo do direito positivo no plano semântico permite examinar as

relações dos signos com a realidade que eles exprimem (suportes físicos e

significados) e, finalmente, no plano pragmático, a atenção do estudioso se volta

para as relações dos signos com seus utentes de linguagem, isto e, ao modo como

emissores e destinatários lidam com o signo no contexto comunicacional.

Assim, para distinguir taxa da categoria próxima preço público propõe-se que

tal investigação seja realizada, inicialmente, no plano sintático do direito positivo,

relacionando-se os símbolos (signos) lingüísticos entre si.

No dizer de PAULO DE BARROS CARVALHO, trata-se de relacionar os

signos sem qualquer alusão ao mundo exterior do sistema.

Nesse sentido é mister anotar que o signo “preço público”, não integra o

sistema constitucional brasileiro, sendo tratado apenas pela legislação

infraconstitucional. Apenas o conceito de taxa integra aquele sistema

O ponto comum entre os dois signos reside no fato de que tanto a taxa como o

preço público são prestações pecuniárias pagas pelo particular ao Estado ou quem

lhe faça as vezes. De resto, são conceitos absolutamente distintos.

Ensina AMERICO MASSET LACOMBE que ao conceituar taxa, o sistema

constitucional conceitua preço por exclusão. Se o preço não remunera serviço

público, pois o Estado exige taxa em razão do serviço público, ele só poderá

remunerar a atividade estatal não considerada serviço público, mas mera intervenção

no domínio econômico190

190

in Taxa e Preço Públicos- Caderno de Pesquisas Tributaria n. 10- Ed. RT- Coord. IVES GANDRA DA SILVA

MARTINS- 1985- p. 17

- 119 -

De se ressaltar que o conceito de preço é essencialmente do direito privado.

Dai porque a dogmática jurídica e algumas normas infraconstitucionais adotam a

denominação preço público para distinguir a contraprestação nos contratos de direito

privado (preço) daquela devida ao Estado ou a quem lhe faça as vezes, em

decorrência de uma atividade civil ou comercial sob regime de direito privado (preço

publico).

Trabalho anteriormente mencionado, de autoria dos Professores MARCO

AURÉLIO GRECO e HAMILTON DIAS DE SOUZA, analisa detidamente a distinção

entre as duas figuras.

Entre nós, dentro de um contexto histórico, costuma-se afirmar que o critério

distintivo está na facultatividade existente nos preços e na coercitividade das taxas.

Tal distinção, afirmam os Autores, tem sido apoiada por autores de nomeada,

sendo objeto da Súmula 545 do STF: "Preços públicos e taxas não se confundem,

porque estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança

condicionada à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu"

Ao que tudo indica, tal orientação inspirou-se na tese de GIANNINI, quando

leciona que, sob o aspecto teórico a distinção reside no papel que desempenha a

vontade na formação da relação jurídica, de sorte que, se aquela é fonte da referida

relação, o ingresso decorrente será preço; se, todavia, a fonte for a lei, sendo

irrelevante o papel da vontade humana, estaremos em face de taxa.

Não parece satisfatório o argumento que teria dado origem à referida Sumula,

afirmam os autores citados, lembrando que a Constituição de 1946 admitia a

existência de duas categorias distintas de receitas publicas: uma de caráter derivado

- 120 -

(as taxas) e outras de cunho originário (outras rendas) 191·. A falta de uma previsão

constitucional expressa no sentido de explicitar quando se estaria perante uma taxa

e quando haveria outra renda (um preço público) levou a doutrina e a jurisprudência

a elaborar critérios distintivos para fins de enquadramento concreto das exações

existentes. Assim surgiu o critério da compulsoriedade ou da facultatividade da

prestação paga pelo particular. Desse modo, o preço público seria devido se e

quando o usuário pudesse espontaneamente escolher entre usar determinado

serviço público ou não, enquanto a taxa deveria ser obrigatoriamente paga pelo

particular independentemente da sua manifestação de vontade concordante. Esta

situação, porém, foi substancialmente alterada com o advento da EC nº18 de 1965

que, modificando o sistema constitucional tributário eliminou a categoria das “outras

rendas”. A partir daí as Constituições, inclusive a de 1988, deixou de tratar de preço

e fundiu numa única figura (serviços prestados e postos a disposição) conectando a

esta apenas à figura da taxa. Assim, o critério do regime do pagamento, que fora

adequado para superar uma dificuldade exegética gerada pela Constituição de 1946,

tornou-se inadequado depois da alteração de 1965, posto que o Texto Magno hoje

utiliza um conceito distinto de 1946, referindo-se, exclusivamente as taxas.192

A origem ex lege da obrigação de pagar taxa quer significar que dita obrigação

não tem origem, como sucede com os contratos, na vontade do obrigado, mas na

vontade da lei. Sobre o conteúdo de tal afirmação, entende LAPATZA193 que é a lei,

e só a lei que determina o nascimento da obrigação de pagar taxa, sua configuração,

conteúdo e modos de extinção, sem que a vontade do obrigado seja de alguma

forma relevante . No seu entender a vontade do obrigado dirige-se à realização do

fato imponível, e não para dar nascimento a uma obrigação tributária que tem sua

191

Art igo 30. Compete a Uniao, Estados, ao Dis t r i to Federa l e aos Munic íp ios cobrar ( . . . ) I I -

taxa; I I I - quaisquer ou tras rendas que possam prov i r do exerc ic io de suas at r ibu ições e da

ut i l i zação de seus bens e serv iços

192 DIAS DE SOUZA, Hamilton e GRECO, Marco Aurelio- Taxa e Preço Públicos- Caderno de Pesquisas

Tributarias n. 10- 1985- Ed.RT- p. 114 a 116

193 LAPATZA, José Juan Ferreiro- “Tasas e Precios” – Cadernos de Direito Tributário in Revista de Direito

Tributário, n. 55, p. 13 e seguintes

- 121 -

única fonte na lei. Para o autor espanhol a vontade do obrigado pode ser relevante

para determinar se o fato imponível realizou-se ou não, porém não é relevante para

determinar o nascimento, validade e conteúdo da obrigação.

Deixa claro LAPATZA que a Constituição Espanhola não trata das espécies

tributárias, restando tal tarefa outorgada ao legislador infraconstitucional194. No

entanto, entende que o artigo 31.3 da Constituição espanhola, segundo o qual todas

as prestações patrimoniais de caráter públicos somente podem ser criadas por lei,

está-se referindo a obrigações ex lege e não a obrigações contratuais de caráter

públicos.195196

12.1. Preço, Tarifa e a Imunidade Recíproca

Muito embora “preço público” não seja expressão utilizada pelo legislador

constitucional, preço é expressão utilizada no artigo 150, inciso VI da CF, ao cuidar

da imunidade tributaria.

A regra de imunidade tem a função de contribuir para o recorte da realidade e

desenho da competência tributaria dos entes de direito publico. Isto porque, o

194

O autor espanhol deixa claro que a Constituição espanhola não estabelece regimes jurídicos diversos para as

taxas e os preços público, estando assim os limites entre os dois institutos a cargo da opção legislativa e,

portanto, política

195 Autor citado, p.14

196 Nesse sentido, cabe uma referencia à Lei Geral Tributária Espanhola que, em seu artigo 2º afirma que os

tributos, qualquer que seja sua denominação se classificam em taxas, contribuições especiais e impostos.

Segundo aquela lei espanhola, as taxas são os tributos cujo fato imponível consiste na utilização privativa ou

aproveitamento especial do domínio público, a prestação de serviços ou a realização de atividade em regime de

direito público que se refiram, afetem ou beneficiem de modo particular o obrigado tributário, quando os serviços

ou atividades não sejam de solicitação ou gozo voluntários e não sejam prestados ou realizados pelo setor

privado. 196

Portanto, para a lei espanhola a taxa e a figura que remunera a utilização privativa de bem públicos e

serviços público obrigatórios, deixando clara a referida lei que quando tais serviços forem realizados pela

iniciativa privada, não haverá cobrança de taxa.

- 122 -

legislador ordinário ao utilizar sua competência para criar impostos, deve respeito

aos objetos e pessoas retirados, pelo legislador constituinte, do alcance da

tributação.

O suporte físico da regra de imunidade que integra o Sistema Constitucional

Tributário, ao regular a imunidade recíproca utiliza as expressões preço e tarifas.

Trata-se de proibição constitucional imposta aos legisladores federal, estadual

e municipal de, reciprocamente, instituírem impostos sobre o patrimônio, bens e

serviços uns dos outros.

Vale dizer, a prestação de serviço público pelos entes de direito publico

interno não pode ser adotada como materialidade da regra matriz dos respectivos

impostos.

Para estabelecer o alcance da regra de imunidade, a regra constitucional do

parágrafo 2º do artigo 150 estende a vedação de tributar reciprocamente o

patrimônio, rendas e serviços as autarquias e fundações instituídas e mantidas pelo

Poder Publico. De outra parte o parágrafo 3º exclui a aplicação da imunidade ao

patrimônio, rendas e serviços relacionados com a exploração de atividades

econômicas regidas pelo direito privado ou quando haja contraprestação ou

pagamento de preços ou tarifas pelo usuário.

Nesse ponto, o texto constitucional usa os signos preço e tarifa.

A pergunta que se coloca é a seguinte: E quando se tratar de prestação de

serviço público por entes integrantes da administração publica indireta ou mesmo por

empresa privada?

Se, como vimos, é pacifico na dogmática do direito administrativo que o

serviço público não perde esse caráter ainda quando prestado por entes particulares

na esfera do domínio econômico, como sustentar interpretação no sentido de que

tais serviços, ainda que públicos venham a ser alcançados pela tributação recíproca

- 123 -

Ao se examinar o suporte físico da regra constitucional de imunidade,

constata-se que: (a) as sociedades de economia mista, suas subsidiarias e as

empresas públicas que explorem atividade econômica de produção ou

comercialização de bens ou de prestação de serviço deverão se sujeitar ao regime

jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações

civis, comerciais, trabalhistas e tributários. (b) A Constituição Federal afasta a

incidência da regra imunizante e não permite que tais entes descentralizados gozem

de privilégios fiscais não extensivos ao setor privado (artigo 173, parágrafo 2º, da CF)

e (c) Estão excluídas do alcance da norma de imunidade recíproca aquelas

atividades que sejam remuneradas por preços ou tarifas.

Buscando conceber uma resposta para a dúvida suscitada, é preciso,

preliminarmente, salientar que boa parte da doutrina sobre o assunto, ao buscar fixar

o conteúdo de preço público trata como sinônimos preço público e tarifa. Senão

vejamos.

LUIS EDUARDO SCHOUERI toma as expressões como sinônimos e afirma

que a distinção entre preço público (receita originaria) e tributo (receita derivada) não

é pacifica. Lembra o autor que um dos elementos apontados pela doutrina para a

distinção é que os preços públicos, por não se vincularem a liberdades fundamentais,

remuneram serviços não essenciais do Estado. Assevera também que outra

distinção útil reside no fato da presença ou não do mercado. Assim, preço público

seria a receita que o Estado aufere no mercado enquanto agente econômico ao

passo que o tributo independe do mercado. Aponta como exemplo de preço público o

aluguel que se paga a um centro municipal de exposições, para a realização de uma

feira197.

Percebe-se, pela leitura da obra, que o referido autor acaba por não adotar

posição sobre a distinção entre aquelas receitas publicas, concluindo não ser opção

do legislador criar uma taxa ou um preço público, por mais tênues que sejam os

limites entre as duas figuras

197

Autor citado, obra citada, p.120 a 123

- 124 -

Elenca também alguns exemplos de receitas originarias com natureza de

preço público, como a compensação financeira por exploração de recursos minerais.

Lembra SCHOUERI que essa compensação financeira se relaciona com a

exploração, pelo Estado, de seu próprio patrimônio e está prevista no artigo 20 § 1º

do texto constitucional que assegura “aos Estados, ao Distrito Federal e aos

Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no

resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de

geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território,

plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação

financeira por essa exploração” 198.

Analisa o autor as diversas posições doutrinárias que buscam definir a

natureza jurídica da mencionada “compensação financeira”.

Uma primeira posição entende tratar-se de um tributo, tendo em vista que a

Lei 7990/89 que disciplina a matéria utilizou de expressões próprias do Direito

Tributário, como “fato gerador” e “lançamento”.

Uma segunda posição, sustentada dentre outros por REGINA HELENA

COSTA, entende que a referida receita possui natureza indenizatória. Para esta

corrente os Estados, Distrito Federal, Municípios e órgãos da administração direta da

União são partes estranhas ao contrato de concessão, mas têm garantido o

ressarcimento em decorrência da exploração mineral ocorrida em seu território, em

razão do prejuízo sofrido por aqueles entes com a exploração mineral em seu

território. Nesta hipótese, tratar-se-ia de uma receita derivada alheia ao Direito

Tributário, posto que decorrente de imposição de penalidade.

198 A Lei 7.990/1989 disciplina a matéria

- 125 -

Esta segunda posição é, no dizer de SCHOUERI, veementemente criticada

por ALBERTO XAVIER pelas seguintes razões:

a) não possui a referida receita natureza indenizatória, pois a Constituição não quis

relacioná-la com um dano sofrido por uma entidade publica;

b) os recursos naturais são bens da União, de modo que não seria justificável uma

atribuição de direitos a indenização a outros entes federativos que não são titulares

de tais recursos, por uma suposta perda de recursos naturais verificada em seus

respectivos territórios;

c) não é possível falar-se em prejuízo da União em função da perda de recursos

minerais, já que a razão da atribuição da propriedade federal sobre tais recursos

consiste justamente em modo de garantir que sua exploração seja feita de forma

racional e ordenada pelos particulares

Lembra SCHOUERI que o Supremo Tribunal Federal já se manifestou acerca

da natureza jurídica da CFEM (Contribuição Financeira sobre a Exploração de

Minerais), como preço público, no julgamento do REx nº 228.800-5/DF, afastando a

natureza tributaria da receita, primeiro porque o instituto em questão não está

previsto no capitulo da Constituição Federal dedicado ao sistema tributário, mas no

§1º do artigo 20 do texto constitucional, que trata justamente dos bens da União, o

que evidenciaria a natureza patrimonial da receita auferida com sua arrecadação. O

relator, Ministro Sepúlveda Pertence, afirmou também em seu voto que a CFEM tem

como causa a exploração de recursos minerais, bens integrantes do patrimônio da

União, enquanto os impostos são espécie de tributo não vinculado a qualquer

contraprestação estatal.199

Retornando a questão posta no inicio deste Capitulo - no sentido de fixar o

conteúdo dos signos preço e tarifa utilizados na regra constitucional de imunidade

recíproca -, pode-se concluir que a maior parte da doutrina, com franco acolhimento

199

SHOUERI, in Direito Tributário, p. 124 e 125

- 126 -

pela jurisprudência, adota a expressão preço como sinônimo de tarifa. Nesse

sentido, é possível afirmar que um dos sentidos possíveis para aqueles signos, seria

a adoção de preço e tarifa como locuções sinônimas. Militaria a favor dessa

interpretação o fato do suporte físico do parágrafo 3º do artigo 150 do texto

constitucional ter utilizado da expressão preços ou tarifas.

De qualquer modo, parece que uma leitura atenta do texto analisado pode suscitar

no interprete os seguintes juízos:

(a) A regra de imunidade recíproca ao referir-se a serviços prestados pelos entes

de direito publico interno não distingue entre serviço publico e serviço não

publico; Pode-se assim afirmar que: (i) a regra não alcança o serviço publico,

pois toda vez que quis se referir a serviço público o texto constitucional utilizou

o complemento “publico”, (II) a regra constitucional ao utilizar a locução

serviço não distinguiu entre serviço publico e serviço não publico, autorizando

assim, uma interpretação mais ampla do signo serviço.

Do ponto de vista ontológico e axiológico parece não ser adequada a primeira

proposta interpretativa (i), tendo em vista que a regra de imunidade decorre do fato

de que o legislador constituinte buscou proteger do alcance da tributação por via de

impostos, determinadas pessoas e coisas – entes de direito publico, partidos

políticos, templos, entidades educacionais e assistenciais, livros, etc. – considerados

importantes (axiologicamente falando) para a sociedade. Dentro dessa perspectiva

parece não ter sentido a primeira leitura interpretativa proposta, visto que estariam

excluídos da proteção constitucional, os serviços públicos que buscam atender, no

mais das vezes, direitos fundamentais das pessoas.

(b) a regra de imunidade alcança os serviços públicos (também rendas e

patrimônio) quando prestados por entes da administração indireta, sob regime

de direito publico- Esta interpretação decorre da conclusão posta no item

anterior

- 127 -

(c) a regra de imunidade não alcança serviços (patrimônio e rendas)

relacionados com exploração de atividades econômicas regidas pelas normas

de direito privado ou em que haja contraprestação ou pagamento de preços

ou tarifas pelo usuário - Aqui transparece com clareza a distinção entre

atividade econômica (mercado) e prestação de serviço publico, abordada no

âmbito do presente trabalho.

Essa conclusão decorre da própria Constituição Federal que em seu artigo

173 caput e parágrafo 1º, ao cuidar da exploração de atividades econômicas pelo

Estado, determinou ao legislador infraconstitucional a criação de um estatuto jurídico

da empresa publica, sociedade de economia mista e suas subsidiarias que explorem

atividade econômica, estabelecendo as clausulas obrigatórias do referido regime

legal.

Como visto anteriormente, esses entes integrantes da administração indireta

alem de prestarem serviço publico em nome do ente central – União, Estados,

Municípios e Distrito Federal - por vezes são criados para atuarem como verdadeiros

particulares, no âmbito do domínio econômico. Nessa hipótese, por determinação

constitucional, as empresas públicas e sociedades de economia mista devem estar

sujeitas ao regime próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e

obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários (artigo 173, parágrafo 1º, II),

não podendo gozar de privilégios fiscais não extensivos as do setor privado (artigo

173, parágrafo 2º).

Desse modo, e como conclusão necessária, inaplicável, também, na hipótese,

a regra constitucional imunizante aos entes da administração indireta.

Sobre as características da imunidade recíproca a Ministra do STJ REGINA

HELENA COSTA200 assevera que a imunidade em exame tem natureza subjetiva

(porque estabelecida em função das pessoas políticas) e ontológica (porque e

consequência necessária do principio da isonomia). Afirma ainda que a imunidade

200

Curso de Direito Tributario, 2009, Ed. Saraiva, p. 84

- 128 -

mútua das pessoas políticas e clausula pétrea, pois decorre do principio federativo e

da autonomia municipal. Fundamenta também a imunidade recíproca na ausência de

capacidade contributiva das pessoas políticas, posto que os recursos públicos

destinam-se a prestação dos serviços públicos que lhes incumbem.

A interpretação corrente desta clausula do parágrafo 3º do artigo 150, VI

adotada não só pela doutrina, como pela jurisprudência e bem sintetizada por

PAULO DE BARROS CARVALHO: A imunidade recíproca não se aplica aos serviços

públicos concedidos.201

Essa interpretação advém da explicitação constitucional transcrita na parte

final do item “c” supra. Aquele mestre, ao assim afirmar, não distingue entre as

empresas concessionárias integrantes da administração indireta e as empresas

concessionárias privadas. Essa falta de especificação, porém, provavelmente

decorre do fato de que a imunidade recíproca, por sua própria natureza, refere-se

apenas aos entes de direito publico interno e suas longa manus – os entes da

administração indireta prestadores de serviços públicos -.

Outro entendimento nos expõe SACHA CALMON202: “a finalidade do principio

imunitório é precisamente não permitir que a coisa pública venha a ser molestada

pela tributação: o patrimônio (uma universitas rerum), as rendas e os serviços

públicos”. Afirma também que “as pessoas políticas que convivem na Federação não

possuem capacidade contributiva e são dotadas de competência para tributar, não

porem umas as outras. Tais entes estão voltados ao bem comum”.

Com base nesse ponto de vista pretende o autor que “a delimitação das

atividades que condicionam a imunidade de impostos, e daquela outra sujeita ao

mesmo tratamento fiscal das atividades privadas, depende de se conceituar o que

sejam serviços públicos”. Esse, aliás, o pressuposto adotado no presente trabalho.

201

in Curso de Direito Tributario, 23ª edição, 2011, p. 241, Ed. Saraiva

202 in Curso de Direito Tributario, 9ª edição, 2006, p.297 e 298

- 129 -

SACHA CALMON parte de um exemplo prático- a incidência do ISS municipal

sobre os serviços INFRAERO -, para afirmar que referido imposto somente incide

sobre serviço prestado a terceiro mediante venda, que não e o caso da referida

empresa, visto que os serviços de administração de aeroportos têm a natureza de

serviços genéricos, gerais e universais, proporcionando vantagens a coletividade

como um todo. O autor distingue a atividade desenvolvida pela INFRAERO daquelas

atividades econômicas prestadas individualmente, no âmbito dos aeroportos, tais

como restaurantes, banca de jornal, pelas companhias aéreas, etc.

Nessa matéria, não se pode deixar de mencionar as lições de ROQUE

CARRAZZA, ao analisar a cláusula constitucional que assim afirma: “A imunidade

também não beneficia as pessoas políticas enquanto exercem atividades

econômicas, mediante contraprestação ou recebimento de preços ou tarifas”. O autor

inverte o raciocínio e afirma que se pode afirmar que as pessoas políticas são

imunes quando exercem atividades econômicas sem contrapartida ou pagamento de

preços ou tarifas pelo beneficiário. CARRAZZA estende a mesma ordem de

raciocínio para as empresas estatais (publicas e sociedades de econômica mista),

enquanto delegatárias de serviços públicos, ao afirmar que a elas também se aplica

o principio da imunidade recíproca. Para o autor, aqueles entes da administração

indireta, quando prestadores de serviço público, são tão imunes aos impostos quanto

as próprias pessoas políticas, porque são a longa manus do Estado, pessoas

administrativas que agem em nome do Estado para a consecução do bem comum.

Assevera, finalmente, que tal entendimento recebeu endosso do STF, em 2004, em

acórdão da lavra do Min. Carlos Velloso (RE 407.099-5-RS) 203

Em resumo, parece coerente construir interpretação no sentido de que o

dispositivo constitucional analisado: (i) não utiliza a expressão “preço publico”; (ii)

utiliza “preço” como sinônimo de tarifa; (iii) coloca sob o manto constitucional da

imunidade o serviço publico independentemente de quem o exerça – seja o Poder

Publico ou as empresas publicas e sociedades de economia mista concessionárias

203

Curso de Direito Constitucional Tributario- 27aedição- 2011- Ed. Malheiros, p. 791 e seguintes.

- 130 -

de serviço publico - .(iv) exclui da incidência da regra de imunidade as empresas

publicas e sociedades de economia mista quando exercem atividade econômica

Assim, como o artigo 173 da Constituição Federal, busca equiparar os entes

da administração indireta às empresas particulares, de forma a não prejudicar a livre

iniciativa, parece correto inferir com base na mesma norma, agora conjugada com a

interpretação do artigo 150, inciso VI e parágrafos, que o contrario, isto é, a

prestação de serviço público pelas empresas de direito privado, sob o regime de

direito publico, também deve ser equiparada, por isonomia, à atuação das empresas

publicas e sociedades de economia mista que prestam serviços públicos.

A adoção do referido entendimento teria o importante papel de resguardar a

prestação de serviço de uma perversa tributação por via de impostos, que, sem

sombra de dúvida, encarece sobremaneira o custo do serviço publico, que por

evidente, é repassado ao usuário, ferindo de morte seus direitos, especialmente

aquele referente ao direito de uma tarifa módica.

12.2. Conteúdo de Preço Público para o presente Trabalho

Quer parecer que o exemplo mencionado anteriormente trazido por

SCHOUERI é oportuno para distinguir preço público não só da taxa, como também

da tarifa.

De fato, como restará explicitado mais adiante, o presente trabalho não adota

a posição proposta por SCHOUERI, no sentido de tratar preço público como

sinônimo de tarifa. Em primeiro lugar porque tarifa é utilizada no artigo 150 ao cuidar

da imunidade recíproca, enquanto política tarifária é expressão utilizada pela CF no

seu artigo 175, ao cuidar da prestação indireta, por particulares, de serviços públicos.

A locução preço público, como já afirmado, não e figura constitucional, nem é

tributo, mas consta em geral das Constituições Estaduais e Leis Orgânicas

Municipais. A denominação preço público constante dos referidos diplomas legais,

- 131 -

refere-se no mais das vezes à remuneração devida pelo particular quando se utiliza

de um bem público ou usufrui de um serviço não público, isto e, de um serviço

prestado pelo Estado no exercício de uma atividade econômica.

Assim, por exemplo, tem natureza de preço público o valor pago mensalmente

pelo particular ao Estado pela utilização de um prédio público; o valor pago pela

locação de “box” em mercado municipal; o valor devido pela permissão de uso de

área pública para realização de atividade particular; o valor cobrado pelas empresas

públicas ou sociedades de economia mista na prestação de serviço sob regime de

direito privado, etc.

O exemplo trazido à baila pelo Professor SCHOUERI – natureza jurídica da

Compensação Financeira de Exploração de Minerais – CFEM – reveste a natureza

jurídica de verdadeiro preço público remuneratório de bens de propriedade da União.

O dispositivo constitucional em questão indica a compensação financeira como uma

alternativa à participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de

recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos

minerais nos territórios dos Estados e Municípios e órgãos da administração direta

da União.

Trata-se, pois, de receita originária decorrente da exploração de bens da

União, receitas essas que são transferidas, por determinação constitucional, aqueles

entes de direito públicos interno, em cujos territórios se dão a referida exploração.

Portanto, o preço público ao contrário da taxa, não possui natureza tributária,

e, portanto não é regido pelo regime jurídico aplicável aos tributos. Dai porque o

Poder Público muitas vezes e indevidamente, de modo a escapar ao principio da

legalidade, da anterioridade, do não confisco, etc., busca remunerar os atos de poder

de policia e as prestações de serviço público mediante a criação de um preço.

Para chegar à distinção entre taxa e preço público, MARCO AURÉLIO

GRECO e HAMILTON DIAS DE SOUZA, retornam à distinção entre as funções

reservadas à iniciativa privada, onde o Estado poderá interferir apenas em caráter

- 132 -

supletivo e aquelas que só podem ser desenvolvidas diretamente ou por concessão

pelo Poder Público. As primeiras são atividades econômicas executadas por

empresas comerciais e industriais, sujeitas ao regime jurídico de direito privado,

ainda quando exploradas pelo Estado diretamente. Às segundas aplica-se o regime

jurídico de Direito Público.

Assim, quando o Estado exerce supletivamente atividades econômicas em

regime de direito privado, não está autorizado a cobrar taxa. Aqui, entenda-se

“Estado” como a administração direta e/ou administração indireta.

Por outro lado, está constitucionalmente autorizado a exigir aquele tributo

vinculado quando exercer, diretamente, atividade de prestação de serviço público

especifico e divisível. Se o Estado desempenha uma atividade reservada à iniciativa

privada, despe-se da condição de Poder Público, passando a atuar como se

particular fosse, sob regime de direito privado. Nesta hipótese, sua atividade será

remunerada não mais por taxa, mas por preço público.

Na primeira hipótese está-se diante de uma relação jurídica de direito público,

para cujo nascimento a vontade das partes não tem a menor relevância. Nessa

relação, o poder público assume uma posição vertical em relação ao sujeito passivo

(contribuinte), fazendo atuar sua soberania. Já na segunda hipótese está-se diante

de uma relação jurídica de direito privado, assumindo o Estado uma posição

horizontal em relação ao sujeito passivo. Para a formação do vinculo exige-se a

convergência das duas vontades204

Finalmente, mas ainda com relação à distinção entre taxa e preço público, não

se pode deixar de mencionar, que a denominação preço público, tem natureza

jurídico-financeira de receita originária, isto é, aquela receita que é auferida a partir

do uso, pelo particular, de bens públicos e de serviços prestados pelo Poder Público,

204

Exemplo clássico reside no contrato de locação firmado entre o Estado, proprietário de determinado imóvel, e

o particular, locatário do imóvel. Para que o ajuste seja firmado requer-se a concorrência da vontade das partes,

em uma relação jurídica horizontal. O Estado despe-se de sua soberania, atuando como verdadeiro particular.

- 133 -

sob regime de direito privado. Assim também no direito espanhol, segundo

LAPATZA: “La Ley establece la exigência de precios públicos por la utilizacion

privativa o especial del domínio público o por la prestacion de servicios de solicitud

voluntária o que puedan prestarse em concurrencia com el sector privado”205

Construído o sentido de preço público e taxa, para o presente trabalho, pode-

se afirmar em síntese, sobre a relação sintática entre os dois signos: que taxa é

conceito constitucional, enquanto preço é conceito legal.

Sobre a relação semântica entre os dois signos, isto é sobre o significado dos

dois institutos, pode-se afirmar que:

(a) taxa é uma receita derivada, de natureza tributária, enquanto preço é

receita originária, portanto não e tributo;

(b) preço público além de remunerar a utilização de bens públicos é também

forma de remuneração de serviços prestados no âmbito da atividade econômica pela

administração indireta.

(c) A taxa remunera a prestação de serviço publico especifico e divisível, quer

se trate de prestação direta , pelo Estado, ser se trate de prestação indireta por

particular concessionário de serviço público é

As conclusões anteriores, porém, não são confirmadas no plano pragmático

quando a atenção se volta para aos utentes da linguagem jurídica, De fato, o modo

pelo qual os intérpretes utilizam das referidas palavras, não coincide com o plano

semântico construído no presente trabalho, como restara mais claro adiante.

205

LAPATZA, obra citada, p. 23

- 134 -

13. TAXA E TARIFA

13.1. Regime Constitucional

Descrita, pois, a matriz constitucional da taxa de serviço, modalidade de

tributo vinculado que nos interessa analisar nos limites deste trabalho, e mais,

verificados os pontos de aproximação e de distanciamento entre o referido tributo, os

impostos e o preço público, devemos agora enfrentar a relação entre a taxa e a

tarifa.

Preliminarmente, é preciso que se diga que a Constituição Federal não utiliza

a expressão tarifa, mas sim política tarifária.

BERNARDO RIBEIRO DE MORAES, ao tratar da distinção entre taxa e preço

público, refere-se a este último como expressão sinônima de tarifa, porém reservada

à remuneração exigida por empresa concessionária. Esclarece que tarifa significa

tábua, catálogo ou pauta. É uma lista ou relação em que fixam quotas. Assevera o

autor que a tarifa acha-se ligada, sempre, a um serviço público concedido,

destinando-se a remunerar o prestador, enquanto preço é vocábulo ligado ao

resultado de uma venda econômica. 206

A concordância ou não com tal entendimento, requer a leitura atenta de alguns

dispositivos constitucionais.

O artigo 175 da Constituição Federal está localizado no Capítulo I – Dos

Princípios Gerais da Atividade Econômica – do Título VII, que cuida da Ordem

Econômica e Financeira.

206

Bernardo Ribeiro de Moraes, ob.cit. p.126 e 127

- 135 -

A expressão política tarifária é utilizada no inciso III do parágrafo único do

artigo 175.

Nesse sentido, e sempre com a preocupação de buscar uma interpretação

sistemática do texto constitucional, analisemos, previamente, as normas constantes

do referido Título VII, para que possamos, mediante a aplicação dos necessários

princípios constitucionais e instrumentos da semiótica, construir a interpretação da

expressão posta constitucionalmente.

13.2. Princípios Informadores da Ordem Econômica e Financeira

Para DINORÁ GROTTI, a diferença entre atividade econômica (artigo 173) e

serviço público (artigo 175) somente se justifica porque a Constituição previu que a

primeira estaria sujeita ao regime próprio da iniciativa privada, inclusive quanto às

obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributárias ,como deixa claro o parágrafo

1º, II, e parágrafo 2º do artigo 173 da Carta, de modo a evitar a concorrência desleal

em relação aos competidores privados207.

A Constituição Federal, a partir do seu artigo 170 estabelece as balizas

normativas e princípios informadores da Ordem Econômica e Financeira do nosso

Estado Federal Brasileiro. Assim, a ordem econômica tem seu fundamento na

valorização do trabalho humano e na livre iniciativa. Sua finalidade: assegurar a

todos existência digna, de acordo com a justiça social.

Ademais, as normas jurídicas que tratam da Ordem Econômica, são

informadas pelos seguintes princípios constitucionais: (a) soberania nacional; (b)

propriedade privada; (c) função social da propriedade; (d) livre concorrência; (e)

defesa do consumidor; (f) defesa do meio ambiente; redução das desigualdades

regionais e sociais; (g) busca do pleno emprego e (h) tratamento favorecido para as

207

Idem,ibidem, p.139

- 136 -

empresas brasileiras de pequeno porte e as que tenham sua sede e administração

no País208.

Mais adiante, o artigo 173209 estabelece como regra constitucional, que a

exploração direta da atividade econômica pelo Estado, somente poderá ocorrer

excepcionalmente, e apenas na hipótese dessa exploração mostrar-se necessária

aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, na forma da

lei. Tal significa que a regra constitucional é a da exploração da atividade econômica

pela iniciativa privada.

Quando configurada a excepcional hipótese de exercício de atividade

econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, o

Estado o faz, em geral, por intermédio de empresa pública ou sociedade de

economia mista.

Tais empresas integrantes da administração indireta têm seus estatutos

jurídicos fixados em lei. Essa lei deve estabelecer a função social da empresa; a

forma de fiscalização (pelo Estado e pela sociedade) das atividades desenvolvidas e

a sua sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, quanto aos direitos

e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários.

Portanto, tal como já afirmado neste trabalho, ainda que integrantes da

Administração Pública Indireta, tais empresas quando venham a exercer atividade

econômica, deverão ter o mesmo tratamento jurídico dispensado às empresas

privadas, inclusive no que diz respeito à tributação de suas atividades.

208

No dizer da Professora, a Constituição Federal de 1988, já em seu artigo 1º, fez a opção por um especifico

modelo econômico, ao inscrever, no inciso IV, a livre iniciativa como um dos fundamentos do Estado brasileiro.

209 Seu conteúdo, assevera, tem longa tradição em nossas Cartas Políticas; suas raízes têm origem nos artigos

116 da CF de 1934; 146 da CF de 1946; 157, parágrafo 8º da CF de 1967; e 163 da EC n. 1/69, sendo que todas

as Constituições mencionadas empregaram a expressão “atividade econômica” no seu sentido estrito, o que

confirma a interpretação nessa mesma acepção para o artigo 173 da atual Constituição-

- 137 -

13.3. Normas Aplicáveis à Prestação Indireta de Serviço Público

A concessão de serviço público vem prevista no artigo 175 da Constituição

Federal, que impõe, ao Poder Público, a obrigação de prestar serviços públicos, seja

diretamente, ou indiretamente, sob regime de concessão ou permissão.

Em seu parágrafo único, o referido dispositivo constitucional estabelece as

normas aplicáveis às concessões, reservando à lei o papel de: (a) definir o regime

das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos; (b) dispor

sobre o caráter especial do contrato, as condições de caducidade, fiscalização e

rescisão da concessão ou permissão; (c) os direitos dos usuários; (d) a política

tarifária e (e) a obrigação de manter serviço adequado.

No campo infraconstitucional, a concessão de serviço público é regulada pelas

Leis Federais 8.987, de 13 de fevereiro de 1995, e 9.074, de 7 de julho de 1995,

sujeitando-se às determinações da primeira delas toda a legislação sobre a matéria

editada pelos entes federados, no âmbito das respectivas esferas de competência.210

O conceito legal de concessão está posto nos inciso II e III, do art. 2º, da lei

8.987, que distingue entre a concessão de serviço público propriamente dito e a

concessão de serviço público precedida da execução de obra pública.211.

210

Na primeira das modalidades - concessão de serviço público - o Estado delega sua prestação, mediante

licitação, na modalidade concorrência, à pessoa jurídica que demonstre capacidade para o seu desempenho, por

sua conta e risco e por prazo determinado. Já a concessão de serviço público, precedida da execução de obra

pública, também dependerá de concorrência, diferenciando-se esta modalidade da primeira pelo fato de que o

concessionário de serviço público, apesar de assumir a concessão por sua conta e risco, deve ter a garantia do

poder concedente de que terá seu investimento remunerado e amortizado mediante a exploração do serviço ou

da obra por prazo determinado

211 No âmbito do Estado de São Paulo, a matéria é regida pela Lei Estadual 7.835, de 8 de maio de 1992, que

praticamente repete os conceitos da Lei federal.

- 138 -

Segundo HELY LOPES MEIRELLES a “Concessão é a delegação contratual

da execução do serviço, na forma autorizada e regulamentada pelo Executivo”.212

No conceito da Prof.ª MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, concessão de

serviço público é “o contrato administrativo pelo qual a Administração Pública delega

a outrem a execução de um serviço público, para que o execute em seu próprio

nome, por sua conta e risco, assegurando-lhe a remuneração mediante tarifa paga

pelo usuário ou outra forma de remuneração decorrente da exploração do serviço”.

213

Para MARÇAL JUSTEN FILHO, a concessão é modalidade de

transferência da prestação do serviço público 214.

A delegação do serviço será sempre feita a pessoa jurídica ou consórcio

de empresas com capacidade para o seu desempenho.

O concessionário executa os serviços concedidos em seu nome, por sua

conta e risco, sendo remunerado por tarifa, na forma regulamentar.

A concessão é formalizada mediante contrato administrativo, precedido de

licitação, na modalidade de concorrência, conforme exigido tanto pela Constituição

Federal, como pelas Leis Federais 8.666/93 e Lei 8.987/95.

Na concessão, o poder concedente não transfere a propriedade dos bens

ao concessionário, nem se despoja de qualquer direito ou prerrogativa pública. O

serviço continua sendo público.

212

Direito Administrativo Brasileiro, Malheiros Editores, 24ª Edição, 1999, p. 341

213 Parcerias na Administração Pública, Editora Atlas, 2ª edição, 1997, p. 51.

214 Direito Administrativo e Constitucional - Algumas considerações acerca da Concessão de Serviço Público -

Estudos em homenagem ao Professor Geraldo Ataliba 2, Celso Antonio Bandeira de Mello (organizador),

Malheiros Editores, 1997, p. 470 e segs.

- 139 -

Na relação com o Poder Público, o concessionário fica adstritos à

observância do regulamento e do contrato, que podem estabelecer direitos e

deveres, inclusive para os usuários.

A execução do serviço é delegada nos limites e condições legais e

contratuais, sempre sujeita a regulamentação e fiscalização do poder concedente.

A concessão fica submetida a duas categorias de normas: as de natureza

regulamentar, que disciplinam o modo e a forma de prestação do serviço e são

denominadas leis do serviço; e as de ordem contratual que fixam as condições de

remuneração do concessionário, e são as chamadas cláusulas econômicas ou

financeiras.

As cláusulas regulamentares são alteráveis unilateralmente pelo poder

concedente. As cláusulas contratuais são fixas e só podem ser alteradas por acordo

entre as partes.

À Concessionária são outorgadas prerrogativas próprias do poder público,

algumas delas previstas na Lei Federal 8.987/95, como por exemplo, a de promover

desapropriações e constituir servidões autorizadas pelo poder concedente, podendo

receber outras prerrogativas previstas na norma regulamentadora do serviço

concedido.

13.4. Concessão de Serviço Público - Regime Jurídico da Prestação

Os serviços públicos, a par de sua dimensão econômica – visto serem

também relativos a bens escassos - obedecem a parâmetros diferentes a respeito da

oportunidade e conveniência de serem prestados em determinadas condições, sob

prerrogativas e sujeições especiais. Sua prestação supõe excluir uma atividade das

regras de mercado.

- 140 -

Dessa forma, os serviços públicos podem ter diferentes modos de prestação,

atendendo às necessidades coletivas, à garantia dos usuários, funcionando,

inclusive, como uma técnica de proteção aos direitos humanos, consoante a maneira

conjuntural de abordar a realidade social em determinado momento histórico.

Para DINORÁ GROTTI se os serviços públicos ficarem diretamente afetados

pelas forças do mercado, condicionados inteiramente pelo valor da troca, segundo a

lógica do capital e do mercado, é obvio que deixarão de ser públicos para passarem

a ser atividades econômicas, segundo o ordenamento jurídico pátrio, sujeitos às

circunstâncias e contingências que elas reclamam.

A Professora 215 ao tratar dos serviços públicos assim definidos pelo próprio

legislador constitucional, afirma a impossibilidade da lei, pura e simplesmente,

eliminar a incidência do regime de direito público sobre uma atividade reservada pela

Constituição à atuação do Estado216, ressalvando a possibilidade de questionar se a

opção legislativa, ao adotar o regime de direito privado, violou ou não o núcleo

mínimo que a Constituição delineou para a atuação estatal.

Para RICARDO MARCONDES MARTINS, o constituinte originário tipificou

como serviço público as atividades que necessariamente tinham que ser assim

tipificadas. Afirma o autor, especificamente com relação aos serviços de

215

O serviço público e a Constituição Brasileira de 1988, p.259/253 216

Porém esse pos ic ionamento não tem o r igor que à pr imei ra v is ta possa parecer. De fa to,

ressalva a Professora que mesmo aqueles serviços reservados const i tuc ionalmente à

atuação do Estado, podem ser decompostos em inúmeras at iv idades, a lgumas das quais

está o leg is lador au tor i zado a a l tera r o reg ime jur íd ico de públ ico para pr i vado. Ass im

reconhece que o leg is lador ord inár io - em decorrênc ia de mudança em fatores soc ia is ou

econômicos - , pode estabelecer qual segmento deve ser assumido pelo Estado. Exempl i f ica

o seu rac iocín io com o setor de te lecomunicações, lembrando que em épocas passadas a

at iv idade de fornec imento de apare lhos te le fôn icos in tegrava o serviço de te le fon ia f i xa,

in tegrando, inc lus ive o monopól io estata l .

- 141 -

telecomunicações, ser inquestionável a necessidade dos mesmos serem prestados

pelo Estado. Nesse sentido, assevera que a despublicização desses serviços pelo

poder reformador e sua transformação em atividades privadas sob regime especial é

inconstitucional217l

13.5. Histórico Constitucional da Tarifa

Na Constituição de 1967 o artigo 167 exigia, expressamente, a fixação de

tarifas que permitissem ao concessionário a justa remuneração do capital, o

melhoramento e a expansão dos serviços e assegurassem o equilíbrio econômico-

financeiro do contrato. Portanto, a tarifa cobrada pela exploração do serviço era a

fonte de remuneração da concessionária pela exploração do serviço.

Assim, a natureza da tarifa não era meramente contraprestacional do serviço

público prestado, mas devia fazer face quer ao custo propriamente do serviço

público, como também permitir a remuneração do capital da empresa

concessionária, bem como o melhoramento e expansão dos serviços concedidos, de

modo a assegurar o equilíbrio econômico financeiro do contrato.

A atual Constituição, no artigo 175, parágrafo único, inciso III, deixou ao

legislador infraconstitucional a definição e a determinação dos princípios orientadores

da política tarifária e a escolha entre as possíveis opções no tocante à regulação de

preços. Não se refere à figura da tarifa, determinando ao legislador que disponha

sobre algo bem mais amplo: a política tarifária.

217

. Refere-se o Autor ao instituto da “autorização” inserido pela Emenda 8. No seu entender, a enigmática

expressão “autorização de serviço públicos” introduzida no artigo 21 do texto originário da Magna carta (inciso

XII), não configura autorização para prestar serviço destinado ao público mas para explorar atividade econômica

destinada ao próprio executor

- 142 -

Pelo atual texto constitucional deve a lei privilegiar o princípio da modicidade

da tarifa adotando outros critérios, além do preço do serviço, para, se for o caso,

garantir a justa remuneração do concessionário por outras fontes de receita.

Assim, afirma DINORÁ GROTTI, enquanto pela Constituição anterior o

equilíbrio econômico era assegurado pela tarifa paga pelo usuário, pelo texto atual

nada impede que a lei adote critério diverso, possibilitando, por exemplo, a fixação

de tarifas mais acessíveis ao usuário (preço político) compensando-se o

concessionário por outra forma, de modo a manter hígido o equilíbrio econômico e

financeiro firmado no contrato.

Lembra ainda a Professora da PUC/SP que a lei geral de concessões, ao

conceituar a concessão de serviço público, não faz referência à remuneração paga

pelo usuário (artigo 2º, inciso II) abrindo assim, em seu entender, a possibilidade

para o Poder Público concedente substituir a tarifa por outro meio de remuneração

em favor do concessionário, muito embora suscite duvida quanto ao fato dessas

formas alternativas de remuneração do concessionário descaracterizarem a

concessão218.

218

Relata DINORÁ que as opin iões se d iv idem, af i rma. Para CELSO ANTONIO

BANDEIRA DE MELLO, MARÇAL JUSTEN FILHO, E MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, a

remuneração do concess ionár io decorrente da própr ia explo ração do serviço, a inda que

não proveniente d i re tamente de pagamento efe tuado pelo usuár io , é o traço que d is t ingue

a concessão do mero contrato admin is t ra t i vo de prestação de serviços, remunerado pela

ent idade contratante. Ao contrár io , lembra que BENEDICTO PORTO NETO entende que a

Admin is t ração Públ ica pode t ransfer i r a pres tação de serviço públ ico a terce i ro , sob o

mesmo regime jur íd ico da concessão, sem que sua remuneração guarde re lação com o

resul tado da exploração do serviço. FLORIANO DE AZEVEDO MARQUES também sustenta,

como sal ientado por DINORÁ, que dentre as fontes a l ternat i vas pode estar o pagamento,

pe lo Estado, de um valo r ( inc lus ive com natureza tar i fár ia ) def in ido em le i , no edi ta l ou no

contrato por un idade de serviço ut i l i zado. Exempl i f ica com a determinação do Tr ibunal de

Contas de União para a outorga à in ic ia t i va pr ivada dos serviços de te lecomunicação

(ut i l ização de redes d ig i ta is ) a serem universa l izados com recursos do FUST - Fundo de

Universa l ização dos Serviços de Telecomunicações. Is to é, o Tr ibuna l de Contas União

dec id iu no sent ido da p lena poss ib i l ida de (e mesmo obr igator iedade) de que os refer idos

serviços se jam obje to de concessão outorgada à in ic ia t iva pr i vada, com remuneração não

- 143 -

A opinião de importantes juristas sobre a natureza da remuneração devida ao

concessionário privado demonstra que a denominada tarifa, a partir da Constituição

de 1988 não deve ser vista como sinônimo da remuneração do concessionário, visto

que tal conceito é mais amplo do que o conceito de tarifa.

De fato, a remuneração do concessionário pode ser composta,além do valor

pago pelo usuário, por inúmeras outras verbas (prestações), podendo mesmo o

valor da tarifa ser excluído da composição do valor final a que faz jus,

contratualmente, o concessionário.

13.6.“Tarifa”- Natureza Jurídica Tributária ou não-Tributária -

Discricionariedade do Legislador?

Os estudiosos do direito administrativo têm tratado da discricionariedade do

legislador dentro do tema mais abrangente referente ao contrato de concessão de

serviço público.

Sobre a faculdade que - no entender de parte da doutrina do Direito

Administrativo -, a Constituição teria dado ao legislador de optar entre o regime

tributário (das taxas) e o regime administrativo (das tarifas ou preço públicos) para

remunerar o concessionário, deve-se ressaltar o entendimento do professor de

direito administrativo da PUCSP - JACINTHO ARRUDA CÂMARA, constante de

trabalho fruto de tese de Doutoramento publicado sob o título “Tarifa nas

concessões”. 219

pelos usuár ios do serviço (população carente ) e s im pelos recursos públ icos depos i tados

no FUST .

219 “Tarifa nas Concessões”- Malheiros Editores, 2009

- 144 -

No referido trabalho CÂMARA trata da chamada crise do serviço público, a

qual, no seu entendimento, é imputada às mudanças na organização estatal.

Lembra que na Europa, em países de cultura jurídica romano-germânica, a

visão tradicional de serviço público está sendo confrontada por uma acentuada

alteração legislativa, que vem sendo implantada de modo a proporcionar uma

abertura maior destes setores à iniciativa privada, com a introdução de instrumentos

até então notabilizados pela sua vinculação à atividade econômica. Cita como

exemplo o regime de competição na prestação desses serviços220. Entende, porém o

autor, que a propagada crise do conceito de serviço público, na verdade, mostra-se

como sintoma de outro fenômeno, qual seja a mudança no regime jurídico de

exploração dos serviços públicos.

Com o intuito de delimitar o exame do tema, CÂMARA adota a expressão

serviço público como “atividade sobre a qual incide um regime jurídico de direito

público”. Aliás, esse pressuposto também é adotado pelo presente trabalho. Porém,

ao contrário do quanto se pretende aqui sustentar, entende aquele Autor que a

prestação de serviços públicos pode ensejar a cobrança de contraprestação por

parte do usuário sob dois regimes: um de índole tributária, relativo à instituição de

taxas; outro com natureza de direito administrativo, o modelo tarifário ou dos preços

públicos 221

Acrescenta que a Constituição ao lado do regime tarifário, também prevê a

adoção de um regime mais rígido de natureza tributária, deixando claro que os dois

regimes apresentam distinções relevantes entre si, caracterizando-se o regime

tributário como aquele que oferece maiores garantias aos particulares, enquanto que

a flexibilidade informa o regime tarifário.222

220

Obra e autor citados, p. 15

221 Obra e autor citados, p. 33

222 Lembra que a cobrança de taxa está v inculada ao pr inc ip io da legal idade e

anter ior idade, enquanto as tar i fas podem ser cr iadas por a tos admin is t ra t ivos vinculados a

cr i tér ios legais e, ademais , conf iguram valores que podem ser exig idos imediatamente

- 145 -

O mesmo autor busca o critério para adoção de um ou outro regime, na

evolução jurisprudencial a respeito da matéria, ressaltando que depois de muita

discussão judicial, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula 545 de 3 de

dezembro de 1969: “Preços de serviços públicos e taxas não se confundem, porque

estas, diferentemente daqueles, são compulsórias e têm sua cobrança condicionada

à prévia autorização orçamentária, em relação à lei que as instituiu”.

A partir dessa Súmula, segundo o autor, o entendimento do Supremo Tribunal

Federal sobre a matéria, evoluiu no sentido de entender que o critério distintivo entre

preço e taxa residiria no fato de que o primeiro decorre de relação contratual,

enquanto a exigência de taxa estaria ligada à obrigatoriedade do serviço223

Câmara identifica, porém, um grande desconforto de parte da doutrina e da

própria jurisprudência em reconhecer a existência de um forte traço de

discricionariedade na competência legislativa para determinar o regime jurídico a ser

aplicado à forma de contraprestação a ser cobrada dos usuários do serviço público.

Acaba por concluir que não há propriamente um critério que seja inerente à

natureza do serviço público e, como tal venha a impor este ou aquele regime de

cobrança, existindo, apenas a definição de condicionantes que passa por uma opção

legislativa. 224

Enfim, o autor valida a discricionariedade do legislador desde que obedecidas

as condicionantes inerentes a um ou outro regime.

São as seguintes as condicionantes impostas ao legislador, apontadas por

CÂMARA

223

Obra citada, p. 38 e 39

224 Obra citada, p. 43 e 44

- 146 -

(A) A ADOÇÃO DA TAXA TORNARIA INVIÁVEL A UTILIZAÇÃO DA

CONCESSÃO

Essa posição encontra respaldo no entendimento sobre a matéria esposado

por MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO, para quem, a partir do momento em que o

serviço é objeto de concessão, o regime haveria de ser o tarifário, mesmo na

hipótese de obrigatoriedade da fruição do serviço.

Assevera que se a Constituição permite a prestação de serviço público por

meio de concessão ou permissão, também está permitindo a cobrança de tarifa. Para

aquela Professora, impor a instituição de taxa (sujeita ao principio da legalidade) aos

serviços públicos concedidos torna inviável a utilização da concessão, já que a taxa é

inadequada como meio de assegurar ao concessionário o seu direito ao equilíbrio

econômico financeiro. Para ela, afirmar que determinado serviço só pode ser

remunerado por taxa é o mesmo que afirmar que esse serviço não pode ser objeto

de concessão ou permissão. 225 O fundamento básico do entendimento da

Professora MARIA SYLVIA reside no argumento de que o tributo em questão não se

presta a assegurar o equilíbrio econômico financeiro do contrato, inviabilizando,

portanto, a prestação privada indireta de serviço público.

(B) A NATUREZA TRIBUTARIA DA TAXA INVIABILIZARIA O DIREITO DO

CONCESSIONARIO

Na mesma linha do raciocínio da Professora MARIA SYLVIA DI PIETRO,

JACINTHO CÂMARA entende que o legislador deve levar em conta, na escolha de

um dos dois regimes – tributário ou administrativo - a natureza jurídica de quem

assume o dever de prestar o serviço. Assim, afirma, havendo delegação, aplicar-se-á

225

“PARCERIAS NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: Concessão, Permissão, Franquia, Terceirização e outras

Formas, 4ª. edição p. 335

- 147 -

necessariamente o regime jurídico tarifário, visto que a natureza tributária e

impositiva das taxas seria incompatível com a sua cobrança por particulares.

Para aquele Autor, a natureza tributária da receita não poderia ter outra

destinação que não o orçamento da entidade tributante. Não fosse assim, afirma,

estaria praticamente inviável a delegação de serviços a particulares. 226

(C) SE O SERVIÇO PRESTADO FOR DE FRUIÇÃO OBRIGATORIA A

REMUNERAÇAO DEVERÁ OBEDECER AO REGIME TRIBUTARIO

A posição do usuário caracteriza-se como outro elemento a que o autor dá

relevância. Segundo seu entendimento, se a legislação impuser um regime de

fruição obrigatória dos serviços por parte dos usuários, a forma de remuneração a

ser fixada há de ser necessariamente a tributária. A mera disponibilidade do serviço,

ainda que não utilizado, implica, segundo o autor, na possibilidade de exigência da

taxa do potencial usuário (critério da obrigatoriedade).

Por evidente que essa taxa deverá remunerar não a utilização do serviço, mas

a sua mera colocação à disposição do administrado, isso é, a potencial utilização do

mesmo. É por essa razão que CÂMARA afirma que a opção do legislador pela

obrigatoriedade do serviço, implica na necessidade de adoção do regime tributário,

afastando o regime tarifário. De fato, a cobrança pelo chamado “serviço potencial” é

pressuposto constitucional exclusivo da taxa, não se aplicando às hipóteses de

cobrança de tarifa.

226

“Tarifa nas Concessões” p. 45

- 148 -

13.7. Critica às Condicionantes impostas à Discricionariedade do Legislador

para a fixação do Valor Devido pela Prestação Indireta do Serviço Publico

As condicionantes indicadas pelo Professor de Direito Administrativo estão

atreladas à natureza jurídica do valor pago pelo usuário ao prestador do serviço, as

quais, porém, nem sempre estão presentes, uma vez que, modernamente, a

remuneração do concessionário não decorre necessariamente de pagamento a

cargo dos usuários do serviço.227

Ademais, trata-se de construção de conteúdo que parte da análise jurídica sob

a perspectiva do contrato público e do direito do concessionário à justa remuneração,

e, que, em ultima analise busca dar efetividade ao instituto da Concessão de serviço,

sem atentar para os direitos do usuário do serviço em sua condição de contribuinte.

O entendimento dogmático exposto prioriza o direito subjetivo do

concessionário, sem esclarecer se a opção foi adotada apos a necessária

confrontação e ponderação dos valores em jogo: direito subjetivo do usuário X direito

subjetivo do concessionário

Também, a afirmação de que a receita tributária decorrente de taxa somente

poderia ser destinada ao erário, ressalvado o brilho do trabalho analisado, deixa de

considerar a possibilidade jurídica de se atribuir à taxa, o regime da parafiscalidade

fiscal.

227

Aliás, o próprio autor entende que não há necessidade absoluta de que a tarifa seja paga diretamente pelo

usuário para caracterizar um legitimo regime de concessão, uma vez que a legislação admite receitas alternativas

que podem compor o total das receitas das concessionárias, e em dados serviços chega a eliminar a

necessidade de cobrança de tarifas de usuários, exemplificando com o caso da radiodifusão. Lembra que há

tarifas cobradas pelo poder concedente ,e repassadas às concessionárias, bem como tarifas pagas por outras

prestadoras de serviço, na hipótese de segmentação de serviços. Ressalta finalmente que o pagamento à

concessionária feito exclusivamente com recursos decorrentes de orçamento estatal não pode ser considerado

tarifa, apesar de, atualmente, ser expressamente admitido na legislação brasileira na figura da concessão

administrativa. OBRA E AUTOR CITADOS P. 57 E 58

- 149 -

De fato, ao contrário da competência legislativa da pessoa de direito público

interno, que é indelegável, a atividade de arrecadar o tributo, a que também se

denomina capacidade tributária ativa,, pode ser delegada a outra pessoa que

arrecadando o tributo aplica a receita assim obtida na manutenção de suas próprias

finalidades. A título de exemplo, tal ocorre com as contribuições para órgãos de

classe (OAB, CREA, CRM, etc.) e com as contribuições para a Seguridade Social,

que são criadas pela União que detém competência legislativa, porém são

arrecadadas e utilizadas por terceiros na manutenção das suas finalidades

institucionais.

Atente-se para o fato de que CÂMARA denomina tarifa, indistintamente, tanto

o valor pago pelo usuário como o valor percebido pelo concessionário a titulo de

receitas alternativas.

Quer parecer, porém, como já acenado anteriormente, que o equacionamento

da questão importa em afastar a mesma denominação para valores pagos sob

diferentes títulos jurídicos. 228

De fato não é possível dar o nome de tarifa tanto ao valor pago pelo usuário

como contraprestação do serviço especifico e divisível prestado pelo concessionário,

quanto às demais receitas estabelecidas em lei e no contrato para remuneração final

do concessionário.

A expressão tarifa é adotada pela legislação infraconstitucional. Porém a

Constituição de 1988, conforme anteriormente afirmado no presente trabalho, ao

contrário da anterior, não utiliza o vocábulo tarifa, mas sim a expressão política

tarifária.

228

Gera l do Ata l iba ens ina que não se pode acei tar a confusão terminológ ica cons is tente

em des ignar duas rea l idades d is t in tas pe lo mesmo nome. Para e le não é possíve l

desenvolver t rabalho c ient í í f ico sem o emprego de um vocabulár io técnico r igoroso,

objet ivo e unívoco. In “ Hipótese de Inc idênc ia Tr ibutár ia ” 6ª ed ição, 9ª t i ragem, p.54, i tem

18.4- Malhei ros, 2008

- 150 -

Tal não significa que haja uma contradição entre a lei das concessões e a

Constituição. Isso porque, o conteúdo da referida legislação infraconstitucional de

regência segue a direção apontada pelo texto constitucional, na medida em que

dispõe sobre a política tarifária garantida na Constituição, ao prever que a

remuneração do concessionário possa ser composta por diversos itens (receitas

alternativas) além do valor a cargo do usuário.

O legislador assim o faz para atender ao principio constitucional da

modicidade229 do valor devido pelo usuário. Para tanto, ao lado do valor a cargo do

usuário, prevê o estabelecimento de outras receitas que podem tanto decorrer da

exploração, pelo concessionário, de bens e serviços complementares, como do

próprio poder concedente230, este sim responsável contratualmente pela

229

DA MODICIDADE DAS TARIFAS COMO DIREITO DO USUARIO - Uma das principais diretrizes em matéria

de política tarifária foi fixada no momento em que a Lei 8987/95 definiu o conceito de serviço adequado, um dos

direitos básicos conferidos aos usuários de serviços públicos (art. 7º, I). Serviço público adequado, para a lei, é

aquele que satisfaz, dentre outros requisitos, ao de modicidade das tarifas (art. 6º, par. 1º.)229

Esse princípio,

pode ser invocado como fundamento da validade de medidas administrativas em matéria tarifária e constitui uma

barreira à instituição de valores que onerem em demasia o usuário de serviço públicos.Segundo JACINTHO

CÂMARA, para garantir ao usuário esse direito, a lei, de modo indireto, ao invés de inibir a atuação

administrativa, acaba funcionando como fundamento legal para jus t i f icar a implementação de

determinados ins t rumentos de pol í t ica ta r i fár ia229

. A in tenção desse reg ime ser ia a de

equi l ibrar o va lo r cobrado de todos os usuár ios , de modo a que todos t ivessem acesso ao

serviço a va lo res módicos ou razoáveis .229

A inda sobre a tar i fa , a Le i 8987/95 previu a

poss ib i l idade de f ixação de tar i fas d i ferenc iadas “ em função das caracter ís t icas técnicas e

dos custos especí f icos provenientes do atendimento aos d is t in tos segmento s de usuár ios ”

(ar t igo 13) . Sobre essa poss ib i l idade, DINORA GROTTI af i rma não exis t i r impedimento

legal a que se f i xem, por exemplo, tar i fas de energ ia e lé t r ica d i ferenc iadas para

res idênc ias, estabelec imentos prestadores de serviços, estabelec imentos com erc ia is e

industr ia is . Também não há impedimento à f i xação de tar i fas progress ivas, em função do

maior consumo. 229

230 DOS SUBSÍDIOS - Nos casos em que a explo ração se faça por “ tar i fa ” , nada impede que

o poder concedente subs id ie parc ia lmente o concess ionár io , ou preveja fontes a l ternat i vas

de recei ta , complementares ou acessór ias, o que é expressamente admi t ido pela le i

federa l , tendo em vis ta , como já d i to , favorecer a modic idade da ta r i fa paga pelo usuár io

pe la f ru ição do serviço públ ico. Neste caso, o co ncess ionár io se remunera bas icamente

pela percepção da “ tar i fa ” , mas não exc lus ivamente por e la .

- 151 -

remuneração final do concessionário e pelo equilíbrio econômico e financeiro do

ajuste231.

Nesse sentido, entende-se que o legislador não pode optar indiferentemente

pela adoção de um ou outro regime (tributário ou privado), devendo, ao fixar a

contraprestação do usuário, adotar o regime tributário, ainda quando o serviço

público e divisível seja prestado por particular.

Assim, é possível estabelecer algumas balizas para a discricionariedade

legislativa:

(a) Pode o legislador decidir se o serviço público- especifico e divisível - será

ou não remunerado pelo usuário. Isto é, a Constituição não impõe como

requisito necessário da concessão a remuneração dos serviços pelo usuário.

(b) Se optar pela remuneração, esta deverá revestir natureza jurídica de tributo

(taxa de serviço) nos moldes do artigo 145, inciso II, que, como se viu,

deverá remunerar apenas o custo do serviço;

(c) Como o valor da taxa, por remunerar exclusivamente o custo do serviço, nos

serviços de maior porte, em geral não garante a remuneração total do

231 DAS RECEITAS ALTERNATIVAS A QUE FAZ JUS O CONCESSIONARIO - Como

leg is lação in f raconst i tuc ional , a Le i Federa l nº 8 .987/95, ao estabelecer normas gera is em

matér ia de concessões e permissões de serviços públ icos, d ispõe no seu ar t . 11 sobre a

poss ib i l idade de previsão de outras fontes provenientes de recei tas a l ternat ivas,

complementares, acessór ias ou de pro je tos assoc iados , com ou sem exc lus iv idade, v isando

favorecer a modic idade da tar i fa . Ta is fontes de recei ta deverão estar previs tas no edi ta l

de l ic i tação (ar t . 18, inc iso VI) e devem compor o equi l íbr io econômico - f inancei ro do

contrato (ar t . 11, parágrafo ún ico) .231

Na concepção t rad ic ional da concessão d e serviço

públ ico, a remuneração do concess ionár io , em gera l e bas icamente, se faz pe la percepção

da “ tar i fa ” cobrada dos usuár ios. En tretanto , em a lguns casos, a exploração poderá ser

fe i ta por outros meios. É o que sucede nas concessões de rád io e te levi são, em que o

concess ionár io se remunera pela d ivu lgação de mensagens publ ic i tár ias cobradas dos

anunciantes. Não se t ra ta de “ tar i fa ” e quem paga não é necessar iamente o usuár io , mas a

exploração do própr io serviço concedido.

- 152 -

concessionário, a remuneração do prestador privado (concessionário) deverá

ser complementada por outras receitas tributárias (decorrentes da receita

dos impostos) ou não, previstas na própria legislação de regência.

(d) A obrigatoriedade do serviço público não integra a matriz constitucional da

taxa

- 153 -

14. “TARIFA”, “TAXA” E “POLITICA TARIFÁRIA”- NOVO SENTIDO

HERMENÊUTICO

Mesmo correndo o risco da redundância, cumpre reafirmar que a Constituição

Federal não estabelece o conteúdo da expressão política tarifaria. O legislador

constitucional de 1988 refere-se a política tarifária e não mais simplesmente à

fixação de tarifa, como previsto na Constituição de 1967.

A Constituição atribui a tarefa à lei infraconstitucional (reserva de lei formal)

que consagra a expressão tarifa como sinônimo do valor pago pelo usuário ao

concessionário componente da remuneração total do concessionário.232

Mas ao assim dispor deixa claro que a remuneração a que faz jus o

concessionário, em decorrência do contrato de concessão, não se confunde com a

tarifa.

De fato, a remuneração do concessionário é mais ampla do que a tarifa a

cargo do usuário. É composta por itens que integram uma cesta tarifaria: um valor

básico decorrente de tarifa módica garantida constitucionalmente ao usuário (pela

qual pagará apenas o custo do valor do serviço), acrescido da previsão de receitas

outras – tributarias ou não tributarias - que visem complementar a remuneração do

concessionário, na busca do atendimento do seu direito constitucional ao lucro

(empresa capitalista).

A política tarifária, por determinação constitucional, está sob reserva de lei

formal, e pode consistir na previsão: (a) de uma remuneração do custo do serviço a

ser paga pelo usuário à concessionária, (b) de outras fontes acessórias de receitas

232

A título de exemplo, tem-se o conceito legal de “tarifa” expresso no artigo 11, da lei Estadual (SP) n.7.835/92,

como componente da remuneração a ser complementada por outras fontes acessórias de receita, fixadas no

edital, de modo a garantir, de um lado, a modicidade da “tarifa”, e de outro, o efetivo equilíbrio entre a exigência

de prestação e de manutenção de serviço adequado e a justa remuneração da empresa concessionária.

- 154 -

(desde que constantes do edital e do contrato) a favor da concessionária e (c) de

vantagens ou subsídios públicos.

Como mencionado anteriormente MARIA SYLVIA ZANELLA DE PIETRO

identificou no artigo 175 duas idéias antitéticas, na medida em que, de um lado o

dispositivo constitucional garante a modicidade da tarifa em favor do usuário e, de

outro resguarda as garantias constitucionais de lucro e remuneração do capital do

concessionário com a manutenção do equilíbrio econômico financeiro do contrato.

Em ultima analise, a Jurista identifica, assim, a oposição entre dois valores

igualmente protegidos pelo legislador constitucional, tal como anteriormente já

asseverado no presente trabalho

Porém, quer parecer que essas idéias não se contradizem, vez que a

própria Constituição Federal e as leis de regência ao disciplinar a matéria buscam

equilibrar e atender os dois interesses: do usuário e do concessionário.

Nesse sentido, cite-se como exemplo os contratos de concessão do sistema

rodoviário, celebrados no âmbito do Estado de São Paulo, que prevêem, em cláusula

própria, as fontes acessórias de receita, dentre as quais se inclui a renda proveniente

da exploração de publicidade, benefício também expressamente previsto nos

respectivos editais de licitação. Nessa hipótese a remuneração básica do

concessionário corresponde ao valor (que deveria ser módico!) devido pelo usuário

pela utilização do serviço (que no caso é o pedágio); as demais fontes alternativas de

receita terão sempre o caráter acessório, e serão adotadas como complemento de

remuneração do concessionário, de modo a permitir a modicidade do preço do

serviço público, e a manutenção do equilíbrio econômico e financeiro do contrato de

concessão.233

233

O artigo 11 da Lei estadual 7.835/92 estabelece os critérios que o poder concedente deverá levar em conta

para efetuar a revisão, a saber: a) A variação do custo do serviço, apurado com base em planilha aprovada pelo

Executivo, as quais deverão conter os parâmetros, coeficientes técnicos, e a metodologia de cálculo, usualmente

aceitos, em função do tipo de serviço delegado (art. 12, § 1º); b) A receita oriunda de fontes acessórias.

- 155 -

Constata-se, assim, que em decorrência do principio da modicidade da tarifa o

valor pago pelo usuário, que deve remunerar o custo do serviço, é apenas um dos

componentes da política tarifária a que se refere a Constituição.

Aliás, a modicidade, como princípio informador das concessões de serviço

público, espelha a garantia constitucional de que o usuário pague apenas e tão

somente o custo do serviço recebido, tal como ocorre na hipótese de incidência da

taxa.

Nesse sentido e para atender a interesse público relevante, o artigo 14 da lei

estadual (SP) n.7.835/92 permite ao poder concedente até mesmo estabilizar ou

reduzir o valor das tarifas, desde que continue a garantir à empresa concessionária,

o equilíbrio econômico e financeiro do contrato.

Tome-se como exemplo atual, a notícia sobre proposta de projeto de lei

municipal para permitir a veiculação de publicidade no vidro traseiro dos ônibus que

realizam o transporte coletivo publico na cidade de São Paulo, de modo a propiciar

uma receita alternativa à remuneração do concessionário, como forma de diminuir a

tarifa paga pelos usuários, como aliás vem sendo requerido publicamente ate mesmo

por movimentos populares (Movimento “Passe Livre”)

Portanto, no caso extremo de redução do valor de tarifa, caberá às fontes

complementares garantir ao concessionário o retorno do capital investido, o

incremento de investimentos, melhoria da prestação de serviços, em última análise, a

garantia do lucro inicialmente previsto no contrato de concessão.

- 156 -

14.1. As Receitas Devidas ao Concessionário e que compõem a “Cesta

Tarifaria” possuem distintos Regimes Jurídicos

Entende ANTONIO CARLOS CINTRA DO AMARAL que a Constituição de

1988 deixou de contemplar a justa remuneração do capital.

Para o autor, seu artigo 175 limitou-se a dizer no parágrafo único, inciso III,

que “A lei disporá sobre (...) III- política tarifaria”. Afirma que embora a nova

constituição não tenha assegurado a justa remuneração do capital, ao aprovar a

política tarifaria a lei poderia ter adotado o regime de tarifa pelo custo, que vigorava

anteriormente. O legislador, porém, optou pela tarifa pelo preço (preço definido na

licitação) quando ao aprovar , em 1995, a lei das concessões, explicitou que a

concessionária deveria prestar o serviço concedido por sua conta e risco (artigo 2º,

inciso III). Assim, atualmente se os custos forem superiores aos projetados, a

concessionária perde. Se mantidos estáveis ou reduzidos, a concessionária ganha. É

o risco do negocio

Afirma ainda o autor que a política tarifaria estabelecida pela legislação

repousa na equação econômica do contrato de concessão e que abrange, de um

lado, a receita tarifária e as receitas alternativas complementares, acessórias ou de

projetos associados, com vista à modicidade da tarifa (artigo 11 da lei 8987), e de

outro, os custos, o ônus da concessão (no caso de licitação de maior oferta), a

amortização dos investimentos efetuados pela concessionária e o lucro.

Assim, para CINTRA DO AMARAL, a Equação Econômico-Financeira do

Contrato pode ser assim formalizada:

EEFC = (custos + lucro + amortização de

investimentos) – (tarifas + receitas alternativas +

receitas acessórias).

- 157 -

Propõe o presente trabalho, que a chamada EEFC (Equação Econômico-

Financeira do Contrato) corresponda à política tarifária posta na Constituição

Federal, isto é, a Cesta Tarifaria aqui mencionada.

O conteúdo da expressão política tarifária, utilizada no artigo 175 da Magna

Carta, é integrado tanto pelo valor devido pelo usuário - pago ao concessionário pelo

custo da prestação do serviço público -, como pela remuneração do capital e o lucro

do prestador, que, via de regra, acabam por ser garantidos por outras receitas

tributárias ou não tributárias, subsídios estatais ou pela constituição de Fundos

específicos. Aliás, tal interpretação do texto constitucional é adotada pelos textos

infra-legais que regulam as concessões de serviço público.

Melhor explicando o concessionário ao prestar serviço público especifico e

divisível, perfaz a hipótese de incidência da taxa de serviço, tal como posta na regra

matriz constitucional (artigo 145, inciso II), fazendo jus à percepção do tributo criado

especialmente para cobrir os custos decorrentes de tal prestação. Portanto, o assim

entendido valor módico pago pelo usuário ao concessionário deve ter natureza

jurídica tributária de taxa e deve corresponder, tanto quanto possível, ao efetivo

custo do serviço. Ainda que denominado tarifa, no âmbito do Direito Administrativo, o

valor devido pelo usuário é um tributo e é apenas um dos itens da cesta tarifária.234

234

Assevera ADILSON DE ABREU DALLARI que pode ocorrer que a tarifa seja fixada pelo Poder Públicos em

valor maior do que o estritamente necessário para a remuneração do serviço, de molde a assegurar ao

concedente uma vantagem economica correspodente a um pagamento pela outorga ou ao reembolso de

despesas com o acompanhamento, fiscalização e controle da concessão. (...) A tarifa se refere a um conjunto de

obras e serviços a ser executado durante um largo período de tempo. Assim, a tarifa é também remuneração por

um serviço, mas esse serviço deve ser entendido em sua integralidade, compreendendo a dimensão temporal (o

prazo da concessão), as metas, ou percentuais de atendimento contratualmente determinado e, em face disso,

oss valores deverão ser pago pela massa dos beneficiários, presentes e futuros. O fundamento último da

concessão é a solidariedade. IN “SERVIÇOS PÚBLICO E DIREITO TRIBUTÁRIO, COORD. HELENO TORRES,

Ed. Quartier Latin, 2005, p.214 a 237

- 158 -

Desse modo, à luz da norma constitucional ora construída, entende-se

não estar autorizada a proposição jurídica que afirme “a taxa é tributo que remunera

a prestação de serviço público especifico e divisível quando prestado diretamente”,

enquanto que “a tarifa é forma de remuneração do serviço público quando prestado

por concessionário”.

O fato de o serviço ser prestado por terceiro - concessionário de serviço

público -, não transmuda a realidade jurídico-constitucional. Vale dizer, o serviço

continua sendo público e, quando especifico e divisível, a remuneração exigida do

usuário, não importa o “nomen iuris” que se lhe dê, deverá revestir natureza jurídico-

tributária, como determinado constitucionalmente. Assim propõe-se a seguinte

formalização para a Equação Econômica e Financeira do Contrato:

Por evidente que esta afirmação deve ser tomada dentro dos limites

estabelecidos para o presente trabalho. O serviço aqui referido é aquele definido

constitucionalmente como “público”, e que apresente as características de

especificidade e divisibilidade.

Como visto ao longo do presente trabalho, a dogmática administrativa

caminhou no sentido de que a adoção da taxa ou da tarifa para remunerar o serviço

público prestado indiretamente por concessionários de serviço público, depende de

critério discricionário do legislador, entendimento esse que teria sido construído pela

própria evolução da jurisprudência pátria sobre o tema.

EEFC = POLITICA TARIFARIA = CESTA TARIFARIA: [(custos + lucro +

amortização de investimentos) – (taxas + receitas

alternativas + receitas acessórias)].

- 159 -

Reconhecendo a qualidade e profundidade dos trabalhos analisados,

pretende-se, porém, dar destaque a alguns pontos, com ênfase, agora, nas

disposições constitucionais, em especial aquelas que regem o sistema constitucional

tributário.

14.2. O Legislador não tem Liberdade de optar pela Taxa ou pela Tarifa

Sobre a faculdade a Constituição teria dado ao legislador de optar entre o

regime tributário (das taxas) e o regime administrativo (das tarifas ou preço público)

para remunerar o concessionário de serviço público especifico e divisível, deve-se

ressaltar o entendimento adotado por Geraldo Ataliba235:

(...) ou a Constituição é norma e, pois preceito obrigatório, ou

não é nada, não existe, não tem eficácia. O que não pode o

jurista é atribuir-lhe a singela função de lembrete ou

recomendação. A Constituição, lei máxima, sagrada e superior,

ordena, manda, determina, impõe. A tarefa do intérprete é

exatamente, desvendar o que a norma esta impondo, em cada

caso. (...)

Entende o Mestre que a única liberdade dada ao legislador consiste em decidir

se a prestação de determinado serviço público, especifico e divisível, será ou não

remunerada. Se decidir pela remuneração, não poderá optar senão pela taxa, ou

seja, sua prestação só pode ser retribuída mediante taxa 236

Ensina ainda ATALIBA que o que qualifica uma receita publica como taxa ou

preço é o regime jurídico tributário ou não que se lhe aplica. Se se disser que de taxa

se trata, aplicam-se os princípios de estrita legalidade, proibição de delegação,

235

Hipótese de Incidência Tributaria, 6ª ed. 9ª. tiragem, p. 160

236 Obra e autor citados, p. 160

- 160 -

anterioridade, igualdade, generalidade, irretroatividade, etc. Do contrário, todas

essas restrições – que tolhem a discrição legislativa – podem ser superadas,

contornadas, em prejuízo da segurança jurídica.

Ora, assevera o Mestre sempre presente em nosso espírito, parece absurda a

afirmação – entre nós, tradicional e dominante – de que o legislador é livre para

escolher o regime a que se submeterá a remuneração do serviço público. Lembra

ATALIBA que a nossa legislação, imbuída desse equivocado espírito, optou

francamente pela tarifa, de tal sorte que, hoje, mais de 90% das receitas

remuneratórias publicas têm a designação de tarifa. E, afirma o que é pior, recebem

da literatura e da jurisprudência tratamento de tarifa (preço) 237.

Para GERALDO ATALIBA tal proceder é incompatível com a sistemática

constitucional e incoerente com o estrito regime jurídico objetivo que a Constituição

põe para todas as atividades públicas e o relacionamento, principalmente financeiro,

com os administrados. Para ele soa óbvio que a lei não previu o dever de a

Administração prestar serviços para ter, com isso, receita, mas sim, porque os

considerou relevantes para a comunidade. Nesse sentido adota em sua obra

“Hipótese de Incidência” conclusão grafada em letras maiúsculas: SE SE TRATAR

DE ATIVIDADE PÚBLICA (ART.175) O CORRESPECTIVO SERÁ A TAXA (ART.

145, II); SE SE TRATAR DE EXPLORAÇÃO DE ATIVIDADE ECONÔMICA

(ART.173) A REMUNERAÇÃO FAR-SE-Á POR PREÇO238.

Afirma a Ministra do Superior Tribunal de Justiça REGINA HELENA COSTA

que na prática atual o que se vê são inúmeros serviços públicos prestados sob

regime de concessão ou permissão, remunerados mediante tarifa ou preço público,

por ser assim atraente à iniciativa privada, já que, submetida tal remuneração ao

regime tributário, sabidamente mais restritivo diante da obrigatoriedade da

237

obra e autor citados, p.168 a 170, 6ª edição, 11ª tiragem, 2010

238 Autor e obra citados, p. 170, 6ª edição, 11ª tiragem, 2010

- 161 -

observância de princípios como os da legalidade e anterioridade, as empresas,

provavelmente, não se interessariam pela assunção de sua execução.

A Professora REGINA HELENA toca no ponto fulcral ao asseverar que a

remuneração do serviço público por tarifa ou preço público, decorre de razão

extrajurídica, isto é, do fato de ser atrativa aos prestadores privados.

Sustenta, porém, que a delegação da execução de serviços públicos a

particulares não é suficiente para afastar a aplicação do regime remuneratório

próprio do direito público, traduzido na exigência de taxa. Isso porque o regime

jurídico aplicável à atividade continua sendo o de direito administrativo e, consistindo

o serviço público atividade estatal, a remuneração pela sua prestação somente pode

estar regrada pelo mesmo regime jurídico imposto àquela.

14.3. Análise do Regime Tarifário sob a ótica dos Direitos e Garantias do

Usuário - Contribuinte

Opiniões de importantes estudiosos do direito administrativo sobre a natureza

jurídica da remuneração dos serviços públicos prestados, indiretamente, por

empresas concessionárias de direito privado, deixam clara a distinção posta pela

legislação infraconstitucional quando cuida da “política tarifaria”, entre o valor pago

pelo usuário pelo serviço prestado e o valor contratual a que faz jus o

concessionário, de modo a ver garantido o equilíbrio econômico e financeiro do

ajuste.

Estão em jogo direitos subjetivos que parecem se opor: o direito do usuário a

um serviço contínuo e de boa qualidade, por um preço justo (módico), e o direito do

concessionário a uma remuneração que seja capaz de cobrir os custos da prestação,

bem como garantir os investimentos em melhorias na prestação e o lucro decorrente

da atividade.

- 162 -

A afirmação da doutrina do direito administrativo, no sentido de que, “a

obrigatória adoção da taxa como figura remuneratória dos serviços públicos,

acabaria por inviabilizar a adoção do instituto da concessão de serviço público” parte

de pressuposto decorrente da análise unilateral da questão: a do direito

administrativo.

Tal construção dogmática parece levar em conta, porem, dentre outros,

pressupostos alheios ao direito, com foco na realidade social, política e econômica

que há tempos vem determinando a adoção da prestação indireta dos serviços

públicos essenciais pelo particular que, na condição de concessionário de serviço

público tem como objeto imediato a obtenção do lucro. 239

A prestação do serviço público é para o concessionário um meio para a

obtenção de um fim.240 Nesse ponto exato localiza-se a preocupação do direito

administrativo em afastar, do cenário da concessão, a figura tributária da taxa como

forma de remuneração do concessionário, quer pela rigidez do sistema

constitucional, quer pela alegada inadequação do tributo como instrumento

remuneratório, inviabilizador, sob aquele entendimento dogmático, da manutenção

do necessário equilíbrio econômico e financeiro do contrato de concessão.

239

Quer parecer que tal interpretação tem fundamento na interpretação constitucional decorrente da evolução das

concepções politicas e sociais, exigindo a contínua atualização do conteúdo normativo da Constituição . Para,

EMERSON GARCIA (“Conflito entre normas constitucionais. Esboço de uma Teoria Geral” p. 63, 2008, Ed.

Lumen Juris), observado o balizamento fixado pelo texto constitucional, é ampla a liberdade do intérprete na sua

constante releitura, permitindo que, sem acréscimos, modificações ou supressões formais seja a Constituição

continuamente atualizada .

240 Para o concessionário, afirma Bandeira de Mello (“Curso de Direito Administrativo”, Malheiros., 2009, 26ª ed.,

págs. 706-707), a prestação do serviço é um meio através do qual obtém o fim que almeja: o lucro.

Reversamente, para o Estado, o lucro que propicia ao concessionário é meio por cuja via busca sua finalidade,

que é a boa prestação do serviço240

. Também Hely Lopes Meirelles afirma que o contrato administrativo, por

parte da Administração destina-se ao atendimento das necessidades publicas, mas, por parte do particular

contratante objetiva um lucro, através da remuneração consubstanciada nas cláusulas econômicas e financeiros.

(“Licitação e Contrato Administrativo”, Ed. Rev. Trib., 3ª edição, 1971, p.205 )

- 163 -

É verdade que o sistema jurídico assimila os fatores do meio ambiente, porém

tais influências externas são selecionadas no interior do sistema jurídico, com a

criação de conceitos próprios. Trata-se da Teoria da Autopoiese que, no dizer do

Professor PAULO DE BARROS CARVALHO traz contribuição significativa à

compreensão sistemática do direito positivo, chamando a atenção para sua

autonomia operacional e mostrando que o único modo de apreender-lhe as

mensagens prescritivas é interpretando-o juridicamente, isto é, a partir de suas

estruturas, categorias, processos e formas.

Para o jus filósofo da PUC/SP e das Arcadas, não há como aceitar uma

interpretação econômica do direito, ou uma interpretação histórica do direito, que, no

seu entender são mecanismos espúrios que ainda contaminam nossa cultura

jurídica241

Como uno que é o direito deve ser analisado sob todos os seus aspectos, e,

nesse sentido, deve ser enfocada a questão posta neste trabalho também sob o

ângulo do usuário contribuinte, mais precisamente sob o enfoque de seus direitos e

garantias em face do Estado Fiscal, como ensina Ataliba e se propõe neste estudo.

Retomando a noção de sistema jurídico, posta no inicio do presente trabalho,

é oportuna a lição de PAULO DE BARROS CARVALHO no sentido que as normas

jurídicas formam um sistema, na medida em que se relacionam de várias maneiras,

segundo um princípio unificador.

241

Autor citado, “Curso de Direito Tributário”, p.184.

Sobre a teoria da autopoiese, ver p. 180-181: “Decisivo impulso para uma nítida percepção da identidade do

objeto jurídico e de sua autonomia autorreferencial adveio com a teoria da autopoiese, hoje em franco debate nos

melhores salões intelectuais e acadêmicos da Europa. Foi concebida no domínio das ciências biológicas, no

começo da década de 70, com os trabalhos pioneiros de Maturana e Varela, sendo transposta para o campo

social pela obra maiúscula de Niklas Luhmann. A partir de 1984, a visão autopoiética desenvolvida no contexto

dos sistemas sociais chegou ao território do jurídico”

- 164 -

Trata-se, segundo o Professor, do direito posto que apareça no mundo

integrado numa camada de linguagem prescritiva, cujas normas estão dispostas

numa estrutura hierarquizada, regida pela fundamentação ou derivação, que se

opera tanto no aspecto material, quanto no formal ou processual, o que lhe imprime

possibilidade dinâmica, regulando ele próprio, usa criação e transformações.242

Afirmando a condição de sistema ao direito positivo, o que, segundo aquele

mestre, lhe outorga um mínimo de racionalidade inerente às entidades lógicas,

assevera que o material bruto dos comandos legislados, mesmo antes de receber o

tratamento hermenêutico do cientista dogmático, já se afirma como expressão

lingüística de um “acto de fala” inserido no contexto comunicacional que se instaura

entre enunciador e enunciatário.

Para BARROS CARVALHO, tal entendimento é confirmado pelo fato de que o

trabalho sistematizado que a doutrina elabora, em nível de sobrelinguagem, pode

perfeitamente, ser objeto de sucessivas construções hermenêuticas, porque a

compreensão é inesgotável243.

De fato, ensina o mestre, onde houver conhecimento haverá um sujeito, o

objeto e a possibilidade de o sujeito captar ao seu modo, a realidade desse objeto.

Aliás, foi esse tipo de reflexão, segundo ele que conduziu o pensamento a uma

desconstrução da verdade objetiva, firmando o pressuposto da indeterminabilidade

da “verdade última”.

Foi segundo BARROS CARVALHO, o movimento do “giro-linguistico” que

superou os métodos científicos tradicionais, deixando de valorizar exclusivamente o

valor da “verdade” para dirigir o interesse daquele que busca conhecer também para

242

“Curso de Direito Tributário”, 23ª ed., 2011, p.175 – Editora Saraiva

243 Obra e autor citados, p. 175

- 165 -

o “sujeito”, para o “objeto” e para o próprio “conhecimento”, elegendo como condição

preliminar para a apreensão do objeto o próprio conhecimento da linguagem244

Para o Professor da PUC/SP, onde houver um texto, haverá sempre a

possibilidade de interpretá-lo, de reorganizá-lo, de repensá-lo, dando origem a novos

textos de nível lingüístico superior.

Nesse sentido, como proposto no presente trabalho, a busca da construção de

outro sentido, diverso daquele perfilhado pela dogmática administrativista e acolhido

pela jurisprudência pátria, tem como objetivo melhor harmonizar as disposições

constitucionais que cuidam da taxa de serviço - criada pela Carta Magna para

remunerar o serviço especifico e divisível, independentemente de sua prestação ser

direta ou indireta -, com as disposições constitucionais que estabelecem o perfil

jurídico do contrato de concessão.

Essa construção de sentido deve, tanto quanto possível, atender,

simultaneamente, ao interesse público na prestação adequada do serviço, ao

interesse do usuário que guarda referibilidade direta com a prestação do serviço

especifico e divisível e ao legitimo interesse do concessionário de obtenção de

lucro com essa prestação.

14.4. Requisitos para a Construção de um Novo Sentido Hermenêutico

Ao buscar construir um novo sentido para as referidas normas constitucionais,

a partir do próprio texto constitucional, afigura-se importante observar os requisitos

que, no dizer de LOURIVAL VILANOVA, se apresentam como condição da

cientificidade do sistema da Ciência do Direito: (a) critérios que permitam decidir se

uma dada proposição pertence ou não ao sistema; (b) coerência interna, isto é,

244

Dir. Tributário, Linguagem e Método, p.159 a 161

- 166 -

compatibilidade entre os elementos proposicionais integrantes do sistema e (c)

completude - o sistema contém uma proposição ou a contraditória.

Quer o festejado jus filósofo significar que uma ciência jurídica que não

disponha de critério que permita decidir se uma proposição pertence ou não ao seu

sistema, fica à mercê de proposições provenientes de diversas origens: no seu

campo acodem em atropelo, proposições de conteúdo físico, biológico, psicológico,

sociológico ou axiológico (filosófico) 245.

Ora, ao se analisar as previsões constantes do artigo 145, II e artigo 175 da

Constituição Federal, constata-se que ambas se caracterizam como proposições

normativas, restando assim atendido o primeiro requisito proposto por LOURIVAL

VILANOVA, no sentido de que ambas pertencem ao sistema constitucional.

Quanto à coerência e completude interna do sistema, ensina o filósofo que a

ciência jurídica tem-na como requisito essencial.

Assevera que para se testar a possibilidade lógica de um pretendido sistema

de ciência positiva do Direito é possível que para qualquer interpretação que se

confira às variáveis “p” e “não-p”, elas não podem pertencer a um só sistema, por

sua recíproca impossibilidade ou mútua excludência. Se há contradição entre os

enunciados ou proposições, ambos não podem ser verdadeiros246.

Na tentativa de aplicar aqueles critérios ao presente estudo parte-se da

análise dos seguintes enunciados:

A) As pessoas jurídicas de direito interno poderão instituir o tributo taxa

(competência tributaria) para remunerar a utilização efetiva ou potencial de

serviço público especifico e divisível (artigo 145, II CF)

245

Autor citado- “ Estruturas Lógicas e o Sistema do Direito Positivo”,p.173-174-2005- Editora NOESES

246 Autor citado, p.174-175

- 167 -

B) Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de

concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de

serviços públicos (artigo 175, caput) (competência material)

C) Na hipótese da prestação indireta, a competência legislativa devera regular

(artigo 175, par. único)

O regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviço

público,

O caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação

As condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou

permissão

Os direitos dos usuários

A política tarifaria

A obrigação de manter serviço adequado

De se reafirmar que as duas normas constitucionais sob analise, têm caráter

de normas de estrutura.

De fato, a Constituição Federal em seu artigo 145 - primeiro dispositivo do

Capítulo I da Constituição que cuida do Sistema Constitucional Tributário inciso II -

outorga competência tributária aos entes de direito publico interno para criarem taxa

de serviço como instrumento de remuneração da prestação de serviços públicos

específicos e divisíveis.

O mesmo dispositivo constitucional já estabelece a regra-matriz do tributo,

elegendo como critério ou aspecto material a “efetiva prestação ou potencial

utilização de serviço público especifico e divisível”, sem distinguir o modo dessa

prestação – se direta ou indireta.

- 168 -

A regra contida no artigo 175 caput e no seu parágrafo único configura

verdadeiro complemento daquela prevista no inciso II do artigo 145.

Trata-se de regra igualmente atinente à prestação de serviço público, cuja

finalidade é a outorga expressa de competência material (poder-dever) às pessoas

de direito público interno para a prestação de serviços público. Aqui, a regra

constitucional se refere à prestação de todo e qualquer serviço e não apenas de

serviços públicos específicos e divisíveis.

O dispositivo constitucional que ora se analisa, atribui expressamente ao

Poder Público, a incumbência de prestar serviço público. Diz mais, que o Poder

Público pode optar por prestar diretamente tais serviços ou pela prestação indireta,

isto é, a prestação de serviço público sob o regime de concessão ou permissão,

sempre através de licitação.

Em uma apreensão preliminar do quanto contido no suporte físico (literalidade)

daquelas duas normas constitucionais é possível dizer sobre seus conteúdos;

a) Que o legislador constitucional recortou do universo social um suporte

fático que pode assim ser vertido em linguagem natural: prestação de

serviço público;

b) Que no artigo 145, II, o antecedente da regra matriz constitucional do

tributo taxa adota o seguinte critério material: a prestação - efetiva ou

utilização potencial de serviço público especifico e divisível. Se utilizada a

fórmula proposta por Geraldo Ataliba (verbo + complemento(s)) o critério

ou aspecto material poderá ser assim sintetizado: prestar + serviço público

+ especifico e divisível”.

Adotando-se a fórmula lógica deôntica da regra matriz tributaria ter-se-á:

- 169 -

NORMA PRIMÁRIA - D1 (H→M)

Se ocorrer a hipótese deve ser o mandamento.

Desformalizando:

o (Hipótese de Incidência), “dada a prestação efetiva ou

utilização potencial de serviço público especifico e divisível”

o (Mandamento) “deve ser o pagamento, pelo usuário, de

remuneração com natureza jurídica de tributo/taxa”

A norma primária, se descumprida, ensejará a incidência da norma secundária

sancionatória:

NORMA SECUNDÁRIA --D2(H→M)

Cuja Hipótese consistirá no descumprimento do Mandamento da

norma primária.

Adotando-se a fórmula lógica deôntica que desformalizada:

(Hipótese): “se não cumprido o mandamento da norma

primaria” (pague)

(Mandamento): “deve ser a sanção” (pagamento do

valor tributário corrigido, acrescido de juros de mora e

multa)

c) O “caput” do artigo 175 veicula regra de competência material ao atribuir à

União, Estados e Municípios o poder-dever de prestar os serviços públicos.

Do mesmo dispositivo parece possível extrair, como reverso da norma de

competência material, uma regra de responsabilidade estatal, que dará

ensejo a uma relação jurídica com inversão dos pólos. O pólo ativo (credor

da obrigação) será integrado pelo usuário e o pólo passivo pelo ente

Público responsável pela prestação do serviço público.

- 170 -

Ter-se-á então como hipótese de incidência:

Desformalizando:

(H) = o direito constitucional do usuário (U) de receber o serviço público

E como Mandamento :

(M)= o dever constitucional outorgado aos entes de direito públicos interno

(PP) de prestar o serviço público aos usuários. Nessa hipótese a mesma

fórmula deôntica D(H →M) será preenchida com outras variáveis, com

inversão dos sujeitos.

d) Ainda o “caput” do artigo 175 veicula norma de estrutura determinando

que o legislador infraconstitucional discipline a prestação indireta dos

serviços públicos, impondo em seu parágrafo único o conteúdo da referida

lei, a saber: regime jurídico das concessionárias e permissionárias; caráter

especial do contrato; condições de caducidade; fiscalização e rescisão da

concessão; direito dos usuários; política tarifária e a obrigação de manter

serviços adequados. Trata-se, pois de norma constitucional sobre

normas.

Adotando-se fórmulas lógicas, a construção do conteúdo dos dispositivos

constitucionais invocados, tal como proposto pela doutrina e jurisprudência

dominante, poderia ser assim formalizada:

DEVER DIREITO

PP Usuário

ServicoPublico

- 171 -

a) “P →T1”

Lendo-se em “P” a “prestação de serviço público especifico e divisível” e

em “T1” a remuneração dessa prestação por taxa (artigo 145, II)

b) “P→T2”

Lendo-se em “P” a “prestação de serviço público especifico e divisível e

em “T2” a “remuneração dessa prestação por tarifa” (artigo 175, caput e

parágrafo único)

De se ressaltar que a identidade de “P” para a construção de sentido proposta

neste trabalho, para os dois dispositivos constitucionais, decorre da consideração de

que a remuneração será devida pelo usuário quando se tratar de serviço público

específico e divisível trate-se ou não de prestação direta pelo Poder Público.

A desformalização acima aponta para uma aparente “contradição” (antinomia)

247. De fato, não é possível afirmar-se que ocorrido “P” deverá ser “T1” e que

ocorrido “P” deve ser “T2”. Como afirmado por LOURIVAL VILANOVA trata-se de

fórmulas que se excluem mutuamente.

No entanto, no âmbito do presente trabalho pretende-se demonstrar que a

contradição é apenas aparente, e que aqueles dispositivos legais pertencem e

convivem harmonicamente no mesmo sistema jurídico constitucional.

247

Para MARIA HELENA DINIZ, antinomia é a presença de duas normas conflitantes, sem que se possa saber

qual delas deverá ser aplicada ao caso singular. (...) ambas devem ser vigentes e pertencentes a um mesmo

ordenamento juridico; ambas devem emanar de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo,

prescrevendo ordens ao memso sujeito; ambas devem ter operadores opostos (uma permite, outra obriga) e seus

conteúdos (atos e omissões) devem ser a negação interna um do outro. A Autora, explica que a antinomia pode

se referir ao ÂMBITO de aplicação das normas surgindo assim uma ANTINOMIA DE DIREITO INTERNO, que

ocorre entre normas dentro de um ramo do direito, ou entre normas de diferentes ramos juridicos- in “Conflitos de

Normas”- 9ª edição, 2009. Ed. Saraiva, p. 19 a 28

- 172 -

É possível mesmo afirmar que as regras constitucionais analisadas se

complementam e que a partir da análise conjunta de seus comandos pode-se

construir uma única norma jurídica constitucional disciplinadora da prestação dos

serviços públicos específicos e divisíveis.

Ensina BECKER que a fenomenologia do fato gerador não é especificidade do

Direito Tributário, pois toda e qualquer regra jurídica, independente de sua natureza

tem a mesma estrutura lógica: hipótese de incidência (suporte fático) e a regra

(preceito, regra de conduta), cuja incidência sobre a hipótese de incidência fica

condicionada à realização desta hipótese de incidência248.

Para aquele mestre a diferença entre duas regras jurídicas, e suas

especificidades, reside no conteúdo das respectivas hipóteses de incidência e o da

regra. Ensina que para que duas regras sejam distintas, isto é sejam duas e não uma

só, não é necessário que tanto a regra como a hipótese de incidência tenham

conteúdo diferente. Para que haja dualidade de regras jurídicas é suficiente que a

regra ou a hipótese de incidência tenha conteúdo diferente. Isto quer dizer que, para

BECKER, nada impede que o mesmo fato ou complexo de fatos forme o conteúdo

das hipóteses de incidência de duas ou mais regras jurídicas e sofra,

simultaneamente, a incidência daquelas múltiplas regras jurídicas249.

Da mesma forma, segundo aquele jurista, é perfeitamente possível a

existência de duas ou mais regras jurídicas com idêntico mandamento (a mesma

conseqüência jurídica), porém com hipótese de incidência de conteúdo distinto250.

Nesse sentido alerta BECKER que se deve distinguir, dentro de uma única fórmula

248

Obra citada, p. 289

249 Cita como exemplo a incidência concomitante de uma regra de direito comercial e uma regra tributaria: a

sociedade distribui lucros aos sócios; o fato da distribuição de lucro realiza a hipótese de incidência de regras de

direito comercial (satisfação do direito do sócio perante a sociedade) e a hipótese de incidencia tributária que dá

nascimento à obrigação do sócio pagar IR sobre os valores percebidos

250 Exemplifica : uma lei de imposto de renda determina que o salaries de empregado e a parte da gratificação de

direito que exceder determinado limite, pagarão o mesmo imposto de renda à razão de 5%

- 173 -

literal legislativa, o numero de regras jurídicas ali contidas e o conteúdo das

respectivas estruturas lógicas251.

Ora, no presente trabalho parte-se da análise de dispositivos constitucionais

que se encontram, geograficamente, em posições absolutamente distintas: um deles,

o artigo 145, II, no capitulo do sistema tributário e o outro- artigo 175 no capitulo da

ordem econômica.

O valor pago pelo usuário do serviço público específico e divisível será sempre

um tributo, independentemente do fato de tal prestação ser direta (pelo Estado) ou

indireta (por concessionário).

A norma constitucional identificada a partir das regras estabelecidas no artigo

145 e artigo 175 da Constituição Federal, como já analisado, não estabelece um

instrumento diverso da taxa para remunerar o serviço público prestado indiretamente,

mas apenas obriga o legislador a estabelecer em lei, uma política tarifária, isto é,

uma política de remuneração do concessionário que vier a prestar, em seu lugar, os

serviços públicos de sua (Poder Público) competência.

O aspecto ou critério material da hipótese de incidência constante do “caput”

do artigo 175 impõe um dever ao Estado, e pode ser assim resumido: prestar +

serviço público. Esse seu núcleo. O aspecto ou critério pessoal apresenta como

sujeito ativo os poderes públicos ou o concessionário/permissionário de serviço

publico e como sujeito passivo o usuário do serviço publico efetivamente prestado ou

de utilização potencial. A base de cálculo há de ser o valor do serviço prestado ou

colocado à disposição

Atente-se para o fato de que o núcleo da hipótese de incidência da norma

analisada é o mesmo núcleo da hipótese de incidência do inciso II do artigo 145 que

disciplina a taxa de serviço.

251

Obra citada, p. 291 e 292

- 174 -

A lei prevista no parágrafo único e incisos do artigo 175 da Constituição

Federal estabelece o regime constitucional da concessão de serviços públicos,

dispondo assim sobre os três atores envolvidos. Assim exclui do Poder Publico o

regime legal do contrato, na medida em que determina que tal disciplina está sob

reserva de lei formal. A lei sobre a matéria deverá, obrigatoriamente, dispor sobre os

direitos dos usuários, uma vez que estes têm o direito constitucional oponível

diretamente ao Poder Público, de receber não apenas um serviço público, mas de

receber um “adequado” serviço público. Com isso pretendeu o legislador

constitucional fortalecer a obrigação imposta pelo Constituinte ao Poder Público de

prestar o serviço e, em não querendo ou não podendo fazê-lo, transferir a terceiro tal

incumbência, desde que garanta, nos termos da lei, o direito do usuário a um serviço

adequado.

Muito embora estejamos sublinhando neste trabalho o direito do usuário, não

se pode deixar de ressaltar que, na outra ponta, o Poder Público responde perante o

concessionário que deverá prestar o serviço ao usuário do serviço público. O

concessionário, ao prestar o serviço, ao contrário do Poder Público, busca o lucro.

De fato, a localização espacial do dispositivo constitucional – artigo 175 – tem

em mira garantir os direitos dos agentes econômicos, ao prestar serviços públicos.

Assim, sob os fundamentos expostos propõe-se a seguinte construção

dogmática da norma constitucional que rege a prestação dos serviços públicos:

Os poderes públicos- federal, estaduais, municipais e distritais - têm a

incumbência constitucional (poder-dever) de prestar serviços públicos aos

seus administrados. Podem se desincumbir de tal competência prestando

diretamente tais serviços, ou indiretamente, quer através de suas

autarquias, fundações, empresas publicas, sociedades de economia mista,

quer através de empresas particulares concessionárias ou permissionárias

de serviço público obedecido o processo licitatório. Se e quando o Estado

- 175 -

(lato sensu) vier a prestar aos administrados, direta ou indiretamente,

serviço público específico e divisível, poderá exigir dos usuários, como

instrumento de remuneração de sua atividade, tal como previsto no artigo

145, II, o tributo vinculado denominado taxa, seja pela efetiva prestação

do serviço, seja pela colocação do serviço à disposição dos administrados

(utilização potencial). Se optar pela prestação indireta dos serviços

públicos de sua responsabilidade, deverá estabelecer em lei as condições

do contrato de concessão ou permissão, as garantias de remuneração do

concessionário de modo a respeitar o equilíbrio econômico e financeiro

do contrato (política tarifária); os direitos dos usuários, o regime jurídico

e contratual, com as condições de caducidade, fiscalização e rescisão.

Diante dessa proposta de construção de sentido, pode uma dúvida assaltar o

espírito do intérprete: Porque o legislador constitucional teria alocado as regras

atinentes à prestação de serviço publico no Titulo VII da Magna Carta, ao cuidar da

Ordem Econômica e Financeira – Não seria incoerente incluir o tratamento

constitucional das atribuições estatais no capitulo que rege a atividade econômica?

Parece que não. Assim como o exercício da atividade econômica pelo Estado

(administração indireta), não desnatura o caráter privado dessa atuação (tanto assim

que os entes da Administração Indireta não podem ter tratamento fiscal distinto

daquele dispensado às empresas privadas), igualmente a prestação de serviço

público por agente econômico, não desnatura a natureza publica da atividade e nem

autoriza a cobrança, do usuário, de valor distinto da taxa de serviço.252

252

A Ordem Econômica, na Const i tu ição Federa l , es tá ass im d isc ip l inada: ( a) O

art igo 170 es tabelece os princíp ios informadores da a t iv idade econômica ; (b) A

exploração di reta da a t iv idade e conômica pe lo Estado é estabelec ida, como exceção,

pe lo art igo 173 , condic ionando essa atuação à cr iação, por le i , de es tatuto jur id ico das

empresas publ icas, soc iedades de economia mis ta e subs id iár ias que venham a explorar

- 176 -

Por outro lado, a obrigatoriedade ou não do serviço público não autoriza a

adoção ou abandono do regime tributário da taxa, tendo em vista que o elemento

condicionante, para adotar expressão utilizada por JACINTHO CÂMARA, encontra-

se, segundo a visão adotada neste trabalho, na especificidade e divisibilidade do

serviço público prestado, e não na sua obrigatoriedade.

De fato, a obrigatoriedade ou não do serviço público não é adotada

constitucionalmente como critério distintivo entre os dois institutos. “A fruição

potencial, tal como previsto no artigo 145, inciso II do Texto Constitucional, consiste

na obrigatoriedade da “prestação do serviço” e não na obrigatoriedade da sua

utilização”

O fato gerador da taxa ocorre não somente quando o serviço público

específico e divisível é utilizado, mas também quando se encontre à disposição do

at iv idade economica de produção ou comerc ia l i zação de bens ou de prestação de serv iços

(parágrafo 1º ) (c )

A mesma le i (art . 173 inc iso I ) deverá : ( i ) Disc ip l inar as formas de f iscal ização ,

pe lo Estado e pela soc iedade, da atividade economica desenvolv ida pelas empresas

integrantes da adminis tração indireta ; ( i i ) Regular os procedimentos l ic i ta tór ios para a

contratação, por aqueles entes da admin is t ração ind i re ta, de obras, se rviços, compras e

a l ienações ; ( i i i ) Const i tu i r e d isc ip l inar o func ionamento dos Conselhos de Admin is t ração e

F isca l , garant indo a par t ic ipação de ac ion is tas minor i tár ios , os mandatos, a aval iação de

desempenho e a responsabi l idade dos admin is t radores. ( iv) Prever a igualdade de

tratamento entre as empresas part iculares e os entes da adminis tração indi reta que

exerçam ativ idade economica, vedando-lhes o gozo de priv i légios f iscais não

extensivos ao setor privado . (§ 2 º do ar t igo 173)

No art igo 174 , o const i tu in te destaca o papel do Estado, como agente normativo e

regulador da at iv idade economica , cabendo- lhe a f isca l ização, o incent ivo e

p lanejamento (obr iga tor io para o setor públ ico e ind icat ivo para o setor p r ivado).

O ar t igo 175 deixa c lara a t i tular idade estatal do serv iço públ ico , e a possibi l idade de

sua execução indi reta pela in iciat iva privada, no âmbito da a t iv idade econômica,

exatamente por se t ra ta r de desempenho de função publ ica - prestação de serv iço públ ico

– por empresas pr i vadas que desempenham at i v idade econômica.

- 177 -

usuário (fruição potencial). Exemplificando, quando o Estado presta o serviço

especifico e divisível e obrigatório de fornecimento de água, tal serviço poderá não

vir a ser utilizado por alguém que possua um poço artesiano. Não obstante, o fato do

Poder Público disponibilizar-lhe o serviço, com a colocação de infra-estrutura e

ligação domiciliar que lhe permite, quando e se assim o entender, utilizar do serviço,

também se caracteriza, posto que eleito constitucionalmente como hipótese de

incidência da taxa de serviço, distinguindo-se uma hipótese da outra, apenas pela

diversidade da base de cálculo a ser adotada.

Vale dizer, no caso do efetivo usuário, a base de cálculo deverá medir a

atuação estatal consistente no fornecimento de água e consumo efetivo, enquanto

para o usuário potencial, a base de cálculo deverá dimensionar aspecto material

mais restrito, consistente apenas na possibilidade (potencialidade) de seu acesso

imediato a um serviço posto na porta de sua casa, inexistindo, neste caso, consumo

atual. Cites-se como exemplo, os boletos de cobrança recebidos, por exemplo, em

imóveis não utilizados, referentes a uma “tarifa mínima” devida de água, de luz, etc.

Desse modo, ainda que tal serviço venha a ser objeto de concessão de

serviço público, o mesmo critério deverá ser levado em conta na remuneração do

concessionário, não havendo justifica para se entender diversamente.

Portanto, sob esse prisma parece legitima a cobrança da assim chamada

assinatura telefônica, visto que o legislador constitucional ao eleger como uma das

hipóteses de incidência - da taxa de prestação de serviços públicos, específicos e

divisíveis -, a mera disponibilidade do serviço telefônico (uso potencial), pretendeu

remunerar o prestador do serviço (Estado ou terceiro públicos ou privado), pela

disponibilização da infra-estrutura necessária à referida prestação e potencial

utilização

- 178 -

14.5. Adoção de “Novo Referencial”

Como afirmado por PAULO DE BARROS CARVALHO o trabalho

sistematizado que a doutrina elabora, em nível de sobrelinguagem, pode

perfeitamente, ser objeto de sucessivas construções hermenêuticas, porque a

compreensão253 é inesgotável254

De fato, a dogmática jurídica, expressão usada neste trabalho com o sentido

de Ciência do Direito, configura-se como uma linguagem (sobrelinguagem) que fala a

respeito de outra linguagem (Direito Positivo).

Ao se tentar construir uma nova proposta hermenêutica, de antemão já se

sabe das dificuldades da tarefa, ainda mais quando se trata de construção que

diverge do entendimento majoritário, quer da doutrina, quer da jurisprudência255.

Deve-se lembrar também que, conforme nos ensina AURORA TOMAZINI DE

CARVALHO, não há que falar em verdades absolutas próprias de um objeto, porque

o mesmo dado experimental comporta inúmeras interpretações256. Para a autora, a

253

BARROS CARVALHO, Paulo de - “Di re i to Tr ibutár io - l inguagem e método” - 2ª ed ição,

Edi tora Noeses, p .17 - “ ( . . ) Já os cu l tura is (ob jetos) são rea is , têm exis tênc ia espaço -

tempora l suscept íve is , por tanto, à exper iênc ia, a lém de serem va l iosos, pos i t iva ou

negat ivamente . O acesso cognosc i t ivo se dá pela compreensão e o método própr io é o

empír ico-d ia lé t ico, já que o saber, nesse campo, pressupõe incessantes idas e v indas da

base mater ia l ao p lano dos va lores e, deste ú l t imo, à concreção da ent idade f ís ica que

examinamos 254

Obra e autor c i tados, p . 175.

255 Porém, entende -se que no âmbi to de um t rabalho c ient í f ico como o p resente, é possíve l

e mesmo desejável ta l busca, sempre com o cu idado da manter a coerênc ia no curso da

missão.

256 Sobre s is tema de refe renc ia: AURORA TOMASINI - “Curso de Teor ia Gera l do Di re i to , p .

22: “Não há conhecimento sem s i s tema de referenc ia, po is o ato de conhecer se estabelece

por meio de re lações assoc iat ivas, condic ionadas pelo hor i zonte cu l tura l do su je i to

cognoscente e determinadas pelas coordenadas de tempo e espaço em que são

processadas. Chamamos de s is tema de referênc ias as condições que in formam o

conhecimento sobre a lgo” . p .23 - ( . . . ) “Para i lus t rar ta l a f i rmação Paulo de Barros Carvalho

invoca Gof f redo Tel les Junior quando lembra do c láss ico exemplo, imaginado por Einste in ,

- 179 -

verdade é uma característica da linguagem, determinada de acordo com o modelo

adotado, pelas condições de espaço-tempo e, também, pela vivência sociocultural de

uma língua. É, portanto, sempre relativa257

Assim, o presente trabalho desenvolve proposta de interpretação que

contrariamente aquela formulada pela doutrina do direito administrativo acolhida pela

jurisprudência pátria, entende não apenas possível, mas obrigatória a adoção da

de um t rem mui to compr ido e caminhando numa veloc idade constante, em movimento

ret i l íneo e uni forme que t ivesse uma lâmpada bem no centro e duas por tas, uma d iante i ra e

outra t rasei ra e que se abr i r iam, automat icamente, ass im que os ra ios de luz emi t idos pela

lâmpadas as at ing isse. Einste in de monstrou que um via jante desse t rem ver ia as por tas se

abr i rem s imul taneamente, nove segundos depois de ver a lâmpada acender -se. Por outro

lado, um lavrador, parado na p la taforma, fo ra do t rem, a inda que observasse a lâmpada se

acender no mesmo instante que o via jante, ve r ia a por ta t rasei ra abr i r -se c inco segundos

após e a por ta d iante i ra somente quarenta e c inco segundos depois . Apesar do evento

observado pelos dois ser exa tamente o mesmo, para o v ia jante a aber tura das por tas fo i

s imul tânea, enquanto q ue para o lavrador a abertura fo i sucess iva. Qual desses fa tos é o

verdadei ro? A abertura das por tas fo i s imul tânea ou sucess iva? Depende, uma vez que o

s is tema de referenc ia do via jan te é d iverso do s is tema de refe renc ia do lavrador. Conforme

o referenc ia l a resposta é d i feren te” . p .24 ( . . . ) “Ass im, af i rma Paulo de Barros Carvalho ,

quando se af i rma a lgo como verdadei ro, faz -se mis ter que ind iquemos o modelo dentro do

qual a propos ição se a lo ja , v is to que será d i ferente a resposta dada, em função das

premissas que desencadeiam o rac iocín io”( . . . ) “Em razão d isso, não há que fa lar em

verdades absolutas, p rópr ias de um objeto, porque o mesmo dado exper imenta l comporta

inúmeras in terpre tações.” p . 25 ( . . . ) “ tudo pode ser a l terado em razão da mudança de

re ferenc ial ” .

257 Entende a Autora que cada pessoa d ispõe de uma forma part icu la r de conhec imento em

conformidade com um s is tema de referênc ias adotado e condic ionado por seus hor izontes

cu l tura is e que tudo pode ser a l terado em razão da mudança de referenc ia l . Ta l

entendimento se espelha na concepção f i losóf ica denominada giro l ingüíst ico , cu jo te rmo

in ic ia l é marcado pela obra de Ludwig W i t tgenste in (Tra tactus lóg ico -phi losophicus) ,

segundo a qual a l inguagem deixa de ser apenas ins t rumento de comunicação de um

conhecimento já rea l i zado e passa a ser condição de poss ib i l idade para const i tu ição do

própr io conhec imento enquanto ta l . Antes do g i ro l ingüís t ico o conhec imento era concebido

como a reprodução in te lectua l do rea l , sendo a verdade resul tado da correspondência ent re

ta l reprodução e o ob jeto re fer ido. Uma propos ição era cons iderada verdadei ra quando

demonstrava a essênc ia de a lgo, já que a l inguagem não passava de um ref lexo , uma cópia

do mundo.

- 180 -

taxa de serviço na hipótese da prestação de serviço ser realizada por particular,

concessionário de serviço público.

Trata-se de proposta interpretativa que decorre, no dizer de AURORA

TOMAZINI, da “mudança de referencial”.

De fato, a análise do tema, à luz da Ciência do Direito Administrativo, foi e é

levada a efeito com foco nas prescrições jurídicas atinentes ao instituto da

“concessão de serviço público”. Nesse sentido, tanto a doutrina como a

jurisprudência, ao se debruçarem sobre as normas do direito positivo que cuidam do

contrato de concessão, concluíram que a taxa, com sua natureza tributária, não seria

instrumento adequado de remuneração do concessionário, em razão de inúmeros

fatores, já mencionados, tais como: o regime constitucional tributário sobremodo

rigoroso, o fato da taxa estar sujeita ao principio da estrita legalidade o que dificulta

ou mesmo inviabiliza a relação jurídica contratual entre o poder concedente e o

concessionário; o fato dos recursos auferidos com o recolhimento da taxa

ingressarem nos cofres públicos; o fato de tais recursos tributários serem

insuficientes para garantir o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, etc.

Desse modo, o ponto de referência dos estudos de direito administrativo é

diverso daquele que orienta o intérprete que se propõe a analisar a questão do ponto

de vista do direito tributário, isto é, da relação jurídica - tributaria entre o Estado e o

contribuinte.

Não se pretende, como de resto nem seria tarefa fácil para aquele que estuda

o Direito Tributário, discutir a natureza do contrato de concessão e as demais

indagações jurídico-administrativas daí decorrentes, missão muito bem

desempenhada por inúmeros autores e juristas, alguns dos quais aqui foram

invocados.

- 181 -

Adota-se, isto sim, como ponto de referência, o sistema constitucional

tributário, em especial os direitos e garantias do contribuinte-usuário de serviço

público especifico e divisível.

O direito tributário como direito de sobreposição, vai buscar em outros ramos

do direito os diversos institutos jurídicos para, a partir deles, construir o seu próprio

conjunto de enunciados prescritivos258.

Daí a necessidade de se analisar, ainda que sem a profundidade e o brilho

dos Administrativistas, alguns de seus institutos, como é o caso do contrato de

concessão de serviço público e as questões jurídicas daí advindas, na sua interseção

com as normas tributarias que regem o tributo vinculado taxa.

Como já acenado anteriormente, o Poder tributário das pessoas de direito

público interno é limitado constitucionalmente pelas imunidades e princípios

tributários, que, em última analise revelam os direitos e garantias constitucionais dos

contribuintes.

O sistema constitucional apresenta todos os possíveis instrumentos tributários

postos à disposição do Estado, para a obtenção de suas receitas, discriminando os

impostos e traçando os fatos geradores das taxas.

Nesse sentido, como anteriormente explicitado, a Constituição criou figura

tributária própria - a taxa -, para remunerar a prestação de serviço público especifico

258

Para Paulo de Barros Carvalho, os enunc iados se apresentam com o f rases so l tas, como

estruturas atômicas, p lenas de sent ido, uma vez que a expressão sem sent ido não pode

aspi rar à d ign idade de enunc iado. Ent retanto, sem encerrar uma unidade completa de

s ign i f icação deônt ica, na medida em que permanecem na expectat i va de juntar -se a outras

un idades da mesma índole. Terão que conjugar -se a out ros enunc iados, consoante

espec i f ica est rutura lóg ico -molecular , para formar normas jur íd icas, es tas s im, expressões

completas de s ign i f icação deônt ico - jur íd ica . ( . . . ) as normas são as s ign i f icações

construídas a par t i r dos suportes f ís icos dos enunc iados prescr i t i vos. As normas são da

ordem das s ign i f icações - in “Di re i to Tr ibutá r io L inguagem e Método”, p . 182

- 182 -

e divisível. Quando o Estado presta serviço público não específico e não divisível,

não pode exigir taxa, devendo o custo de tal prestação ser ressarcido pela receita

geral decorrente da arrecadação dos impostos.

Ao tratar da distinção entre o usuário do serviço publico e o consumidor,

CÉSAR GUIMARÃES, deixa claro que a posição do usuário frente ao prestador de

serviço não é caracterizada pela fragilidade própria do consumidor privado, mas pela

participação na própria configuração e produção do serviço. Essa a razão, segundo o

autor, que a Constituição exige um regramento próprio para o usuário de serviços

públicos, distinto do aplicável ao consumidor.

Para o autor, a principal distinção, da qual derivam as demais, é a de que o

usuário é credor em face do Estado, tendo o direito ao oferecimento de certas

utilidades em seu favor, ou, no mínimo, de uma prestação de contas sobre a

impossibilidade de seu oferecimento. Isto é o que configura o direito à criação e à

organização do serviço públicos259.

Conclui o administrativista, que a diferença de tratamento constitucional

ressalta a impossibilidade de se pretender identificar as duas figuras. O consumidor é

um agente da economia de mercado (artigo 170, V); o usuário é o destinatário de

uma prestação que, por definição, está fora do mercado (artigo 175). O consumidor

tem uma posição jurídica caracterizada pela titularidade de direitos subjetivos; o

259

Relata que as a lusões const i tuc ionais a usuár io são completamente d is t in tas. Ass im,

a lém do ar t igo 150, parágrafo 3º, que insere o usuár io na re lação de prestação

caracter izada como serv iço públ ico, o ar t igo 175, I I t ra ta dos “d i re i tos dos usuár ios” como

devendo ser ob jeto da le i que regula r ia a concessão e a permissão de se rviços públ icos.

Lembra a inda que esse concei to está presente a inda no ar t igo 37, parágrafo 3º que dois

sent idos a usuár io – o benef ic iár io dos serviços públ icos( inc iso I ) e o admin is t rado em

gera l ( inc isos I I e I I I ) . Apenas o pr imei ro de les é corre la to ao de consumidor. O a r t igo 27

da EC 19 /1998 a lude à edição de uma le i de de fesa do usuár io de serviços públ icos (ar t igo

37, parágra fo 3º e ar t igo 175, I I da Const i tu ição) t ransmi t indo a idé ia de que se t ra ta r ia de

d ip loma inconfundíve l com o refer ido no ar t ig o 48 do ADCT. Autor e obra c i tados, p . 356

- 183 -

usuário ocupa uma posição jurídica instrumental para a realização dos valores que

inspiram a definição de certos serviços como públicos, pelo que titulariza direitos

subjetivos funcionalizados. O usuário tem direitos em relação à criação e

organização do serviço, completamente incompatíveis com a posição jurídica de um

consumidor260.

14.6. Serviço Público - Direito Constitucional do Usuário Contribuinte

Ao tratar da distinção entre o usuário do serviço publico e o consumidor,

CÉSAR GUIMARÃES, deixa claro que a posição do usuário frente ao prestador de

serviço não é caracterizada pela fragilidade própria do consumidor privado, mas pela

participação na própria configuração e produção do serviço. Essa a razão,

segundo o autor, que a Constituição exige um regramento próprio para o usuário de

serviços públicos, distinto do aplicável ao consumidor.

Para o autor, a principal distinção, da qual derivam as demais, é a de que o

usuário é credor em face do Estado, tendo o direito ao oferecimento de certas

utilidades em seu favor, ou, no mínimo, de uma prestação de contas sobre a

impossibilidade de seu oferecimento. Isto é o que configura o direito à criação e à

organização do serviço públicos261.

260

Obra e autor citados, p. 358

261 Relata que as a lusões const i tuc ionais a usuár io são completamente d is t in tas. Ass im,

a lém do ar t igo 150, parágrafo 3º, que insere o usuár io na re lação de prestação

caracter izada como serv iço públ ico, o ar t igo 175, I I t ra ta dos “d i re i tos dos usuár ios” como

devendo ser ob jeto da le i que regula r ia a concessão e a permissão de serviços públ icos.

Lembra a inda que esse concei to está presente a inda no ar t igo 37, parágrafo 3º que dois

sent idos a usuár io – o benef ic iár io dos serviços públ icos( inc iso I ) e o admin is t rado em

gera l ( inc isos I I e I I I ) . Apenas o pr imei ro de les é corre la to ao de consumidor. O a r t igo 27

da EC 19 /1998 a lude à edição de uma le i de de fesa do usuár io de serviços públ icos (ar t igo

37, parágra fo 3º e ar t igo 175, I I da Const i tu ição) t ransmi t indo a idé ia de que se t ra ta r ia de

d ip loma inconfundíve l com o refer ido no ar t igo 48 do ADCT. Autor e obra c i tados, p . 356

- 184 -

Conclui o administrativista, que a diferença de tratamento constitucional

ressalta a impossibilidade de se pretender identificar as duas figuras. O consumidor é

um agente da economia de mercado (artigo 170, V); o usuário é o destinatário de

uma prestação que, por definição, está fora do mercado (artigo 175). O consumidor

tem uma posição jurídica caracterizada pela titularidade de direitos subjetivos; o

usuário ocupa uma posição jurídica instrumental para a realização dos valores que

inspiram a definição de certos serviços como públicos, pelo que titulariza direitos

subjetivos funcionalizados. O usuário tem direitos em relação à criação e

organização do serviço, completamente incompatíveis com a posição jurídica de um

consumidor262.

O usuário-contribuinte tem o direito constitucional de receber e fruir dos

serviços públicos específicos e divisíveis, sem que para isso esteja obrigado a pagar

qualquer outro valor além daquele referente ao custo do serviço, representado pela

exigência constitucional da “taxa de serviço”.

Por outro lado, o fato do mesmo texto constitucional, fazer referência à política

tarifária a ser prevista em lei, como aplicável às concessionárias de serviço público,

não altera o direito constitucional do contribuinte - usuário de pagar, exclusivamente,

taxa de serviço pelo custo do serviço público especifico e divisível recebido ou posto

à sua disposição.

Mesmo porque, ao criar a taxa para a remuneração de serviço público

específico e divisível, a Constituição Federal não restringiu tal cobrança à hipótese

de tal prestação ocorrer direta ou indiretamente.

Como ensina ROQUE CARRAZZA, a política tarifaria a que alude o artigo 175,

parágrafo único, III deve ser realizada não pelo utente do serviço publico, mas pela

pessoa política que o concedeu ou permitiu. Esclarece o autor, que o destinatário

262

Obra e autor citados, p. 358

- 185 -

imediato desta norma constitucional não é o fruidor do serviço público concedido ou

permitido, mas o Poder Público concedente ou permitente.263

A Constituição Federal outorga a competência material para a execução dos

serviços do Estado. Se este não pode ou não quer prestá-lo, ao outorgar tal dever

por lei e licitação, ao particular, não se altera a relação jurídica daí decorrente. Vale

dizer, O Estado continua responsável perante o usuário e assume, em outra relação

jurídica, direitos e obrigações em face do concessionário. A decisão de não prestar

diretamente o serviço, não tem o condão de criar, para o usuário, ônus superior

aquele decorrente da obrigação tributaria de pagar a taxa de serviço. No dizer de

CINTRA DO AMARAL, a concessionária exerce função publica. Ela tem não apenas

o poder, mas também o dever de prestar adequadamente o serviço a ela concedido

Acrescenta o autor: dizer que a concessionária age “em nome próprio” só teria

sentido se houvesse a transferência da titularidade do serviço, eximindo-se o poder

concedente da responsabilidade por sua prestação. Ou seja, se a concessionária

exercesse função privada. (...) A concessionária age “em nome do poder

concedente”, mas por sua “conta e risco”. Portanto, o Poder Publico transfere a

obrigação de prestar o serviço, mas continua responsável, solidariamente, pelo

cumprimento da obrigação transferida264

14.7. Do Direito Constitucional do Concessionário

O legislador constitucional reconhece, prestigia e garante o direito do

prestador privado ao impor à lei infraconstitucional que estabeleça regras contratuais

rigorosas que disciplinem os direitos e deveres recíprocos do Poder Público e do

concessionário, de modo a que reste respeitado, de um lado, o lucro do particular -

263

Curso de Direito Constitucional Tributário, 27ª Edição, 2011, ed. Malheiros, p. 580

264 Autor Citado, - VII- A Concessionária de Serviço Publico age em Nome Próprio?- in “ Concessão de Servicos

Públicos- Novas Tendências, 2012, Ed. Quartier Latin, p.101 e seguintes

- 186 -

mediante a adoção de uma devida política tarifária -, e de outro, o Poder-dever do

Estado de zelar pela prestação, aos usuários de um serviço público de qualidade.

O contrato de concessão é ajustado entre o Poder Concedente e o

concessionário, após o necessário processo licitatório. Nesse contrato, devem ser

estabelecidos os direitos e deveres tanto do Poder Publico como do concessionário

prestador do serviço publico, em especial, o dever de este último prestar o serviço

publico de modo adequado e contínuo como reflexo do dever estatal - perante o

usuário - da prestação nos mesmos moldes265

Por outro lado, de acordo com o entendimento do presente trabalho, o

prestador, ao exercer essa sua atividade em nome do Estado, realiza o fato gerador

da taxa de serviço, tal como previsto no artigo 145, II, da CF, fazendo jus ao

recebimento do referido tributo, para ressarcir exclusivamente os custos do

serviço266.

No entanto, com a complexidade moderna que envolve a prestação de

inúmeros serviços, o valor da taxa, via de regra não consegue cobrir o valor da

remuneração efetiva dos investimentos e retorno garantidos contratualmente ao

prestador, sendo necessário que o Poder Público, como parte no contratante,

providencie outras receitas a serem auferidas ou repassadas ao prestador

Tem-se, portanto, no contrato de concessão apenas dois atores:

a) O Poder Público concedente, a quem o constituinte atribui a titularidade e o

dever, perante os usuários de prestar o serviço público por si ou por terceiro;

b) O Concessionário ou permissionário que tem o dever de prestar aos

usuários, em nome do Estado, serviço publico adequado e continuo, bem

265

Entende-se que não obstante o concessionário, ao prestar o serviço de titularidade do Estado, deva observar

os direitos do usuário, este último não integra a relação jurídica decorrente do contrato de concessão.

266 Nessa afirmação está pressuposta a delegação, pelo Poder Concedente, ao Concessionário, da sua

capacidade ativa tributaria.

- 187 -

como o direito de receber não só pelo custo do serviço, o retorno pelos

investimentos, e o seu lucro.

Portanto, muito embora o usuário detenha direito oponível ao Poder Público de

receber, dele ou do Concessionário,um serviço público adequado e continuo,

desembolsando para isso valor tributário que remunere exclusivamente o custo da

atividade, ele, usuário, não integra a relação contratual decorrente da concessão.

A questão que aqui se coloca refere-se à natureza jurídica da relação entre o

usuário e o concessionário.

Para aquela doutrina que sustenta a obrigação imposta ao usuário de pagar ao

concessionário uma tarifa, portanto, um valor não tributário, a relação entre o usuário

e o concessionário teria natureza jurídica de contrato de direito privado, ainda que se

caracterize como um contrato de adesão.

Parece, porém que a afirmação de que entre o usuário e o concessionário não

se estabelece uma relação tributária, mas sim contratual, não é unânime.

No dizer de MARÇAL JUSTEN FILHO, o serviço público é prestado porque

assim o impõe a lei, que fixa condições gerais atinentes à prestação e fruição. Essas

condições são detalhadas por atos administrativos e podem ser alteradas a qualquer

tempo. A fruição do serviço público, para o administrativista, não envolve um vínculo

contratual entre o usuário e o prestador do serviço, mas uma situação jurídica de

natureza unilateral. O usuário do serviço manifesta sua vontade no sentido de fruir os

benefícios e de subordinar-se ao regime jurídico pertinente ao serviço público.

Porém, não há acordo de vontades, mas uma manifestação de vontade individual

que é condição para a fruição do serviço.

- 188 -

Assim, exemplifica o autor, ao contrário do que imaginava o Direito Privado do

século XIX, não existe “contrato de prestação de serviço de transporte” na hipótese

de serviço público.267

De fato ensina JUSTEN FILHO, a característica básica de uma relação

contratual reside no acordo de vontades; no estabelecimento do objeto da prestação

e do preço do serviço. Ora, na hipótese, o preço (tarifa) não é estabelecido pelo

concessionário, mas sim pelo poder concedente. A tarifa é um instrumento de

remuneração em que o controle externo é um elemento pressuposto, inerente à sua

própria constituição. Diferentemente dos contratos comuns, em que as partes

definem o conteúdo de suas obrigações recíprocas, nas relações jurídicas

envolvendo a prestação de serviços públicos em regime de concessão, a

remuneração é definida por terceiro: o titular do serviço. Desse modo, a

contraprestação pelo usuário não corresponde a um dado livre de uma relação

comercial celebrada entre prestador de serviço e usuário. 268

No mesmo sentido, afirma JACINTHO CÂMARA que a tarifa, antes de ser a

remuneração paga pelo usuário ao prestador do serviço, representa o valor que o

Poder Público aprova para que ocorra esta remuneração. 269

Portanto, quando se fala em controle das tarifas, está-se referindo a “controle

sobre atos administrativos ou atos produzidos com a aprovação do poder público”,

inclusive sobre o controle judicial sobre tais atos270.

267

JUSTEN FILHO, Marçal- “Serviço Públicos no Direito Brasileiro”, in Revista de Direito Público da Economia-

RDPE- ano 2, n. 7, p. 1- 255- jul/set 2004 Ed. FORUM, p.159 e 160

268 JACINTHO CÂMARA, ob. Cit. p. 150

269 Obra e autor citados, p. 150

270 É bem verdade que o ato administrativo em questão tem natureza discricionária, o que implica afirmar que o

mérito de tal ato não é passível de controle judicial, ao contrário do ato administrativo tributário, que por ser

absolutamente vinculado, está sujeito ao controle formal e material, com maiores garantias para o contribuinte, no

que diz respeito ao principio do contraditório.

- 189 -

Assim, como admitido pela própria doutrina do direito administrativo a

contraprestação paga pelo usuário ao concessionário não se caracteriza como um

dado livre, como ocorre na relação comercial entre prestador e usuário. Tal

entendimento leva à conclusão de que não está correto afirmar que o valor pago pelo

usuário não possui característica de preço.

14.8. Do Plano Pragmático da Construção de Sentido proposta

Muito embora as consequências fáticas da adoção da proposta ora formulada

escapem à análise exclusivamente jurídica da matéria, não se pode deixar de

abordar o aspecto pragmático dessa interpretação.

Pela importância dos direitos subjetivos tutelados constitucionalmente, quer do

usuário, quer do concessionário prestador, deve-se ter em conta a pertinência da

preocupação da doutrina no sentido de que o rigor do regime jurídico tributário

poderá inviabilizar os direitos protegidos

Deve-se ter em mente, igualmente, que o artigo 145, inciso II da CF/88 ao

estabelecer a regra matriz da taxa de serviço, além de outorgar competência

tributária ao Poder Público, estabeleceu, em contrapartida, para o usuário, um dever

tributário voltado ao ressarcimento da prestação do serviço público.

Sob outra ótica, o mesmo dispositivo constitucional garante ao usuário o

direito subjetivo (decorrente de direito fundamental de 3ª geração) de exigir ações do

Poder Público, voltadas à prestação direta dos serviços públicos ou à delegação de

tal dever a terceiro, mediante licitação e contrato de concessão/permissão.

Nesta última hipótese ter-se-á uma relação jurídica entre o Poder Público

concedente e o prestador concessionário, da qual se irradiam direitos e deveres

recíprocos. Assim, o prestador de serviço público terá o direito oponível ao Poder

- 190 -

concedente de ver remunerado não só seus custos como também seu lucro, como

detentor que é de direito subjetivo decorrente de seu direito fundamental

individualista, igualmente garantido constitucionalmente.

Incumbe, pois ao Poder Público concedente garantir os direitos do usuário de:

(a) receber o serviço público e (b) só pagar pelo seu custo mediante o recolhimento

de uma taxa que será calculada sobre o montante equivalente ao custo do serviço

(artigo 175 e artigo 145, II ).

De outra parte e, paralelamente, incumbe ao Poder Público garantir a

remuneração e o lucro do concessionário, garantidos constitucionalmente e, tal

garantia deverá ser custeada não só pelo valor pago pelo usuário, mas por outros

meios, já amplamente analisados no presente trabalho (artigo 175).

Assim, aquilo que aqui se denomina cesta tarifária será composta pelo tributo

a cargo do usuário (taxa) cuja receita deverá cobrir parcela do custo total do serviço

(divisibilidade do custo do serviço) + outras receitas adicionais auferidas pelo

prestador, receita decorrente de impostos, subsídios, etc. previstas em lei, no edital e

no contrato de concessão, e que vinculam juridicamente, exclusivamente prestador e

Poder Concedente, e não o usuário.

Nos termos da construção de sentido da norma constitucional, que deflui das

regras previstas nos artigos 145, II e artigo 175 da Magna Carta, como proposto no

presente trabalho, tem-se que uma das conseqüências ainda no campo tributário

será a própria definição da composição da base de cálculo dos impostos devidos

pela concessionário-permissionária. De fato, é possível incluir na base de calculo dos

impostos os valores recebidos a titulo de taxas de serviço? 271; Podem tais valores

271

A tributação por via de impostos busca onerar comportamentos de pessoas físicas ou jurídicas, que denotem

capacidade contributiva. Assim, o fato alcançado pelo imposto deverá ter conteúdo econômico. Sabe-se que a

base de cálculo deve dimensionar o aspecto material da hipótese de incidência. Na hipótese figurada neste

trabalho, a receita auferida pela concessionária de serviço publico, a ser alcançada pelos impostos incidentes na

espécie, deve ser calculada com a exclusão da taxa de serviço, uma vez que se trata de receita publica que não

perde esse caráter, apesar da concessionária caracterizar-se, nesta proposta, como sujeito ativo de tributo

- 191 -

ser considerados como receita operacional (para efeito de ISS, por exemplo), ou

mesmo como receita tributável pelo IR (renda nova)? Trata-se, porém de estudo que

escapa ao conteúdo proposto para o presente trabalho,

vinculado parafiscal. De se ressaltar que a taxa é figura constitucional criada para remunerar uma res extra

commercio o que pode indicar a exclusão do referido valor, da base tributaria dos impostos.

- 192 -

15- TEMAS CONEXOS

Dois temas, ao longo dos estudos realizados e da elaboração da presente

dissertação, chamaram nossa atenção, por estarem conexos com os conceitos aqui

analisados Trata-se da relação entre a “Taxa” e os princípios da capacidade

contributiva e da solidariedade.

Nesse sentido, algumas poucas e sucintas referências sobre a matéria:

15.1. Taxa E Capacidade Contributiva

O Principio da Capacidade Contributiva realiza o principio da igualdade na

esfera da tributação. No dizer de ROQUE CARRAZZA, o principio da capacidade

contributiva hospeda-se nas dobras do principio da igualdade e ajuda a realizar, no

campo tributário, os ideais republicanos272

Nosso sistema constitucional tributário, afirma WALTER ALEXANDRE

BUSSAMARA, ao confirmar esse principio como realizador da igualdade fiscal, assim

o fez não indistintamente em relação a todos os tributos, estendendo-o apenas aos

impostos, no sentido de que apenas nesses tributos a isonomia tributaria se faria

presente com a aplicação do principio da capacidade contributiva. Nas taxas o

principio da capacidade contributiva não teria aplicação não apenas por constar em

nossa Carta que tal princípio se aplica apenas aos impostos, mas, antes de tudo,

porque o que se mede na hipótese do tributo vinculado é uma participação, de

alguma forma, do Estado, a ser, ainda que aproximadamente, ressarcida273

272

Curso de Direito Constitucional Tributário, 19 ed. p. 77

273 “ Taxas – Limites Constitucionais” 2003, ed. Malheiros, p.147

- 193 -

Para GERALDO ATALIBA o principio da igualdade se reflete na taxa pelo

especifico principio da retribuição ou remuneração274

CESAR GUIMARAES PEREIRA, assevera que o principio fundamental é o da

igualdade entre os usuários, que apresenta inúmeros desdobramentos. Sob certo

angulo, afirma o autor, aproxima-se da noção de capacidade contributiva, com suas

duas faces: (a) a que impede o atingimento de situações que não revelem

capacidade de pagamento e (b) a que impõe a adoção de mecanismos que atinjam

efetivamente essa capacidade, promovendo a igualdade material

275SACHA CALMON entende que nos impostos, mais do que nas taxas e

contribuições de melhoria, esta o campo de eleição da capacidade contributiva.

Afirma que mesmo os impostos “de mercado”, “indiretos”, não se prestam a realizar o

principio com perfeição. „Para o autor, é nos impostos patrimoniais e nos impostos

sobre a renda, principalmente nestes, que a efetividade do principio „é plena pela

adoção das tabelas progressivas e das deduções pessoais. Para SACHA nas taxas e

contribuições de melhoria, o principio realiza-se negativamente, pela incapacidade

contributiva, fato que tecnicamente gera remissões e reduções subjetivas do

montante a pagar imputado ao sujeito passivo sem capacidade econômica real. O

autor exemplifica com a isenção da taxa judiciária para os comprovadamente

pobres.276

Portanto, por razões diversas, a doutrina tributária confirma a literalidade do

dispositivo constitucional afastando a aplicação do principio de capacidade

contributiva das taxas.

No entanto, o principio da igualdade, que contem em si o principio da

capacidade contributiva, parece autorizar a adoção de base de calculo e ou alíquotas

274

“Sistema Tributário na Constituição de 1988” RDT 51/140

275 “A Posição dos Usuários e a Estipulação da Remuneração por Serviços Públicos” in “Serviços Públicos e

Direito Tributário” ,Coord. HELENO TAVEIRA TORRES,2005, Ed Quartier Latin, p.320

276 “Curso de Direito Tributário Brasileiro” 9a edição, 2006, Editora Forense,

- 194 -

diversas para a taxa quando o serviço público for prestado a pessoas de baixo poder

aquisitivo, de modo a permitir que as mesmas possam usufruir da utilidade oferecida.

Aliás, como aludido no presente trabalho, o Poder Publico ao prestar o serviço

ou delegar a concessionário a obrigatoriedade dessa prestação, não esta obrigado a

cobrar do usuário pelo fornecimento da utilidade. De fato, a remuneração do serviço

poderá ocorrer a partir de outras fontes, sem onerar o usuário.

A própria Constituição Federal, no que diz respeito, por exemplo, aos serviços

públicos de saúde e educação, previu a gratuidade dos mesmos. Tais serviços são

custeados com um percentual constitucional obrigatório decorrente da receita geral

dos impostos.

A característica da taxa como tributo retributivo ou remuneratório, parece

afastar a capacidade contributiva, visto que não se trata de dimensionar a

capacidade econômica do usuário, mas sim, a atividade de prestar serviço publico

especifico e divisível. Ainda que o legislador possa levar em conta as condições

econômicas das diversas classes de usuários, tal decorre não do principio da

capacidade contributiva, mas do principio da igualdade e da utilização extrafiscal das

taxas (utilização dos tributos não com finalidade arrecadatória, mas com finalidades

sociais, econômicas, etc.)

15.2. Taxa E Principio Da Solidariedade

O Principio da solidariedade esta previsto no artigo 3º da Constituição Federal.

O referido dispositivo estabelece, dentre os objetivos fundamentais da Republica

Federativa do Brasil, a construção de uma sociedade livre, justa e solidaria.

No dizer de JOSE AFONSO DA SILVA, este artigo correlaciona-se com as

promessas do preâmbulo da Constituição, pois construir uma sociedade livre, justa e

- 195 -

solidaria, corresponde a formar uma sociedade dotada dos valores supremos dos

direitos sociais e individuais, tais como a liberdade, segurança, o bem-estar, o

desenvolvimento, a igualdade e a justiça. Ensina aquele Jurista que o que a

Constituição quer, com esse objetivo fundamental, é que a Republica Federativa do

Brasil construa uma ordem de homens livres, em que a justiça retributiva seja um

fator de dignificação da pessoa e em que o sentimento de responsabilidade e apoio

recíprocos solidifique a idéia de comunidade fundada no bem comum277

CESAR GUIMARAES PEREIRA, ao tratar do principio da legalidade assevera

que referido principio impede que se imponha tarifa a quem não é usuário e cria, em

principio, obstáculo a que o usuário seja chamado a remunerar o serviço em

montante superior aquela parcela do custo que lhe é imputável278. A base de calculo

da taxa deve refletir, tanto quando possível, o uso individual do serviço pelo usuário.

Não obstante, assinala CESAR PEREIRA parte da doutrina do direito

administrativo, ao tratar da relação entre a tarifa e o principio da igualdade, sustenta

a solidariedade entre gerações de usuários. Por exemplo: em uma concessão

rodoviária, as tarifas pagas hoje compõem uma equação que permitira ao prestador

realizar obras de arte daqui a 10 anos. Segundo parcela da doutrina isso implicaria

em ofensa ao principio da isonomia, alem de outros aspectos da disciplina da

prestação de serviços públicos, pois os usuários estariam financiando

antecipadamente tais obras, isto é, pagariam tarifas, mas não se beneficiariam das

obras custeadas por tais tarifas.

Sobre essa possibilidade CESAR PEREIRA entende que a circunstância de a

tarifa refletir o valor de obras futuras não ofende a isonomia. Ao contrario, afirma que

se deve reconhecer a existência de uma solidariedade entre gerações de usuários, a

fim de realizar a modicidade tarifaria como bem coletivo.

277

“ Comentario Contextual a Constituicao” 2005, Editora Malheiros, p.45 a 47

278 Obra e Autor citados, p.320 e 321

- 196 -

Para o autor, “não se trata de redistribuir renda (como no caso das tarifas

sociais ou extrafiscais), mas de identificar o usuário e sua fruição a partir de

parâmetros solidarísticos. O usuário apresenta, neste caso, um aspecto atual e um

aspecto teórico, de usuário médio, vinculado a realização dessa solidariedade entre

gerações”279

As chamadas tarifas sociais e extrafiscais têm a finalidade de indução de

comportamento (extrafiscalidade) ou de compensação pela adoção de tarifas sociais

(tarifas redistributivas). Alguns autores, como MARCAL JUSTEN FILHO entendem

que as mesmas podem será adotadas desde que haja autorização legislativa. Outros

autores, como o próprio CESAR GUIMARAES PEREIRA, reputam que as tarifas

sociais não devem ser compensadas por subsídios internos, mas por subsídios

públicos oriundos de receitas gerais.

Porem, ainda quando admitidas, salientam os juristas que a transferência do

custo da tarifa social para a tarifa paga pelos demais usuários produz efeitos

imprevisíveis e desvinculados da titularidade da riqueza.

Lembra MARCAL JUSTEN FILHO que ainda que se admita o principio de que

a solidariedade social obriga a transferência de recursos para atendimento aos

carentes, tem de reconhecer-se que essa solidariedade social se exercerá na medida

da capacidade contributiva, a qual não é corretamente avaliada quando se incorpora

nas tarifas pagas pelos demais usuários o custo da tarifa social280

Os pontos de vista acima relatados parecem ser de difícil assimilação, quando

observados e estudados sob o ponto de vista do sistema constitucional tributário.

De fato, por ser a taxa, no dizer de GERALDO ATALIBA, tributo que se

caracteriza pela referibilidade direta e imediata entre o cidadão e uma atividade

279

Obra e Autor citados, p. 323

280 Obra e autor citados, p.324 e 325 e NOTA 33

- 197 -

estatal – no caso em exame, a prestação de serviço publico -, não se entende

possível, em razão do seu regime constitucional, que aquele tributo vinculado seja

capaz de realizar a chamada solidariedade fiscal.

Importante estudo do Jurista português JOSE CASALTA NABAIS demonstra

que em matéria tributaria a solidariedade depende daquilo que o autor chama de

Estado fiscal. Trata-se de um Estado que financeiramente é suportado

fundamentalmente por impostos, isto é por tributos que chama de unilaterais, e não

por tributos bilaterais ou taxas (Estado tributário).

Afirma o autor que “a simples existência de um estado fiscal convoca desde logo

uma idéia de justiça, que se não contem nos estritos quadros de uma justiça

comutativa, como seria a concretizada num estado financeiramente suportado por

tributos bilaterais ou taxas, figura tributaria cuja medida se pauta pela idéia de

equivalência entre a prestação em que ela se traduz e a contraprestação especifica

publica que é a sua causa as taxas (...)”

Quer NABAIS significar que a idéia de solidariedade fiscal está vinculada aos

tributos não vinculados- impostos – e não as taxas.

De fato, a própria idéia de equivalência, e, bem assim, da referibilidade direta

entre a atividade (prestação de serviço) e o cidadão usuário, que caracterizam a

taxa, parece não autorizar a utilização do referido tributo com a finalidade de atender

ao principio constitucional da solidariedade. Esse é o entendimento adotado no

presente trabalho.

- 198 -

16. CONCLUSÃO

Como visto anteriormente, a tarifa - entendida como a remuneração devida

pelo usuário ao concessionário de serviço publico – corresponde à remuneração do

custo do serviço público específico e divisível, prestado por pessoa diversa do

Estado.

Esse raciocínio, de certo modo simples e objetivo, tem sua origem na

interpretação do artigo 145, II, da CF/88 que cria uma figura tributária própria para

custear uma atividade extra commercio – a prestação de serviços públicos

específicos e divisíveis

Relembre-se, mais uma vez que o presente trabalho tem como limites a

prestação de serviços considerados públicos pelo próprio texto constitucional, e

caracterizados pela especificidade e divisibilidade.

A prestação, por particular, de um serviço público, não transmuda a sua

natureza jurídica publica. Se tal afirmação está correta, como compatibilizá-la com o

objetivo último do concessionário – o intuito de lucro?

O concessionário tem como direito fundamental - oponível ao Estado

concedente -, a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Porém

essa garantia constitucional não está atrelada ao reajuste do valor da tarifa. Não

possui o concessionário uma garantia de que o valor da tarifa será reajustado ou

revisado. Isto ocorre, porque o valor da tarifa, apesar de ser parte integrante

significativa desse equilíbrio, não representa fator determinante da equação. Sendo

assim, desde que o Poder concedente consiga manter as condições contratuais

originais (agregando receitas alternativas, conferindo subsídio ao serviço, reduzindo

determinadas exigências, por exemplo), é possível que o valor da tarifa seja

- 199 -

preservado ao longo do tempo, ou que venha mesmo a ser reduzido.281 Em algumas

hipóteses, por exemplo, como nas Parcerias Público-Privadas – PPP´s - inexiste, no

contrato, a figura da tarifa como valor devido pelo usuário.

Em última análise é esse o conteúdo proposto pelo presente trabalho para a

locução política tarifária. A taxa de serviço paga pelo usuário ao concessionário é

item que integra a política tarifária

Quer parecer que as aparentes contradições apontadas no tema em questão,

decorrem, sob nosso ponto de vista, da incorreta compreensão jurídica do fenômeno,

ao menos em matéria constitucional tributária. De fato, as dificuldades encontradas

pelo direito administrativo, surgem da negação do caráter tributário do valor pago

pelo usuário.

Porem, o fato do valor pago pelo usuário ter natureza de tributo vinculado que

remunera o custo do serviço, não implica na negação da característica fundamental

do contrato de concessão.

De fato, a garantia do equilíbrio econômico financeiro do contrato a que faz jus

o particular prestador do serviço, como visto, pode ocorrer, e em geral ocorre

independentemente do valor pago pelo usuário.

Ademais, o equilíbrio econômico financeiro do contrato, não é somente um

direito do concessionário, mas também do poder concedente. Assim, podem ocorrer

situações fáticas em que a busca desse equilíbrio implique na diminuição dos valores

recebidos pelo concessionário. Cite-se, como exemplo, o ganho de produtividade do

concessionário em decorrência de modernização no “modus operandi”, com

diminuição de custos e despesas.

Desse modo, o usuário, que não é parte no contrato de concessão, não deve

ser afetado negativamente pelas medidas tendentes a garantir o equilíbrio

281

Jacintho Câmara, ob. Cit. p.206

- 200 -

econômico e financeiro, uma vez que lhe é imposto constitucionalmente, apenas e

tão somente o dever de custear a atividade (estatal ou particular) de prestação de

serviços públicos específicos ou divisíveis mediante o pagamento de uma taxa de

serviço.

As garantias decorrentes do contrato de concessão devem ser prestadas

pelas partes vinculadas contratualmente. Portanto a natureza jurídica tributária da

prestação devida pelo usuário ao concessionário, não tem o condão de comprometer

garantias contratuais que não envolvem o usuário, mas apenas o Poder Concedente

e o concessionário.

À eventual alegação de que o particular prestador de serviço não pode ser

sujeito ativo em relação jurídico tributária, responde-se com facilidade.

O instituto da parafiscalidade explica o exercício da capacidade tributária ativa

por pessoa diversa do ente público, visto que a função de arrecadar tributos pode ser

validamente delegada, uma vez que apenas a competência tributaria legislativa, esta

sim, é indelegável. Desse modo, a par de arrecadar o tributo, o concessionário, ao

utilizá-lo em suas próprias finalidades - prestação de serviços públicos - perfaz o

figurino exato da “parafiscalidade”.

Ademais, se o Poder Público não tem condições de prestar o serviço, e, nesse

sentido, delega tal incumbência ao particular, não pode a decisão política onerar o

usuário contribuinte mais do que se o serviço fosse prestado diretamente pelo

Estado.

De fato, se o serviço é posto constitucionalmente como público, tal significa

que se trata de atividade tida pelo legislador maior como fundamental para a

sociedade.

- 201 -

Daí porque atribuída ao Estado como munus público de caráter extra

commercium.

Portanto, ainda que autorizado constitucionalmente, ao optar pela prestação

indireta do referido serviço, o Estado deve garantir aos utentes a fruição do serviço

nas mesmas condições em que seria prestado diretamente pela máquina estatal:

assim, ao lado da adequação do serviço, continuidade e qualidade, está o direito

constitucional do usuário de que a remuneração se dará com a utilização da figura

tributária própria - a taxa de serviço-.

Assim, para a implementação da proposta de interpretação do presente

trabalho, o objeto da relação jurídica entre usuário e concessionário deverá ser uma

obrigação ex-lege, nascida com a ocorrência do fato gerador da taxa de serviço

especifico e divisível, na qual, será sujeito ativo tributário o Concessionário de

serviço publico e sujeito passivo o usuário, devendo a base de cálculo ser o valor,

tão aproximado quanto possível do custo individualizado do serviço.

Para que o concessionário possa ocupar a posição de sujeito ativo da relação

tributaria, poderá o poder publico responsável por prestar determinado serviço,

transferir ao concessionário a capacidade tributaria ativa, isto é, a função de

arrecadar o tributo cumulada com o direito de utilizar o produto da arrecadação como

contraprestação pelo custo do serviço. Neste caso, estar-se-á diante de uma relação

jurídico tributária na qual o sujeito passivo – usuário do serviço – tem a obrigação de

pagar ao sujeito ativo – empresa concessionária de serviço público- um tributo

vinculado parafiscal (taxa de serviço), cuja base de cálculo será o custo do

serviço282.

282

A re fer ida proposta não deixa de levar em conta as d i f icu ldades decorrentes da

apl icação do reg ime t r ibutár io . Deve -se ter presente, porém que ta is d i f icu ldades são

postas pelo Texto Const i tuc ional , exatamente para garant i r a e fet i v idade dos d i re i tos

fundamenta is dos c idadãos -usuár ios. Ademais , ta is d i f icu ldades podem ser superadas ou

min imizadas com a adoção de outras so luções, igualmente const i tuc ionais . De fa to, o

Poder Públ ico concedente poderá, por exemplo, arrecadar d i re tamente a taxa e dest iná - la

- 202 -

Nesta hipótese, ficará fora dessa relação jurídica entre o usuário e o

concessionário a garantia de lucro e dos investimentos e do equilíbrio econômico

financeiro do contrato de concessão. Tais garantias estarão abarcadas por outra

relação jurídica: a relação jurídico-administrativa entre o Poder Concedente e a

Empresa concessionária.

Observe-se que tanto a relação jurídica entre usuário - concessionário, como a

relação jurídica entre concessionário-Poder Público, serão regidas pelo Direito

Público.

Tal interpretação, ao levar em conta os ditames do artigo 145, inciso II da

Constituição Federal, parece favorecer uma melhor compreensão da linguagem

constitucional utilizada no parágrafo único do artigo 175, ao se referir a política

tarifária e não a tarifa e, salvo melhor juízo, pode ser extraída da própria legislação

infraconstitucional de regência dos contratos de concessões de serviço públicos

Sobre a liberdade do legislador para escolher o regime de remuneração dos

serviços público, afirma GERALDO ATALIBA que esse entendimento, generalizado

pela literatura, pela jurisprudência e pelos legisladores, parte do pressuposto de que

o inciso II do artigo 145 da Constituição encerra não norma jurídica superior e

imperativa, mas simples sugestão ao legislador.

Tal interpretação culmina por afirmar aquele Mestre, implica em que o

legislador pode ou não seguir a diretriz do dispositivo. Discordando de tal

a um Fundo vo l tado à cobertura f inancei ra dos respect ivos serviços públ icos. Não se

confunde o esta proposta, com o FUST – Fundo cr iado para dar suporte f inancei ro aos

serviços de Telecomunicações, que é formado por contr ibu ições dos própr ios

concess ionár ios de serv iço, e não pelos va lores pagos pelos usuár ios. Esta so lução tem a

vantagem de manter a responsabi l idade pela arrecadação do t r ibuto, f isca l ização, cobrança

amigável e cobrança jud ic ia l , em mãos do própr io poder publ ico concedente que, em sua

est rutura organizac iona l já possui os quadros necessár ios à f isca l i zação t r ibuta r ia e

cobrança ext ra jud ic ia l ou mesmo jud ic ia l .

- 203 -

entendimento, afirma que “ou a Constituição é norma, pois, preceito obrigatório, ou

não é nada; não existe; não tem eficácia. O que não pode o jurista é atribuir-lhe a

singela função de lembrete ou recomendação. A Constituição, lei máxima, sagrada e

superior, ordena, manda ,determina, impõe”.

Desse modo, ATALIBA, conclui que a única liberdade que a Constituição dá

ao legislador é para decidir se a prestação de dado serviço públicos divisível e

especifico será remunerada ou não. Com efeito, afirma poder o legislador decidir que

os serviços sejam prestados sem remuneração. Se, entretanto, resolver que haverá

remuneração, não pode senão optar pela taxa.283

Nessa linha de entendimento, GERALDO ATALIBA assim interpreta o texto

constitucional constante do artigo 145, II: “Aí esta dito, que no contexto de um

sistema republicano (artigo 1º) – em que todo poder emana do povo (parágrafo único

do artigo 1º) dominado pelo principio da legalidade (artigo 5º, II) especialmente em

matéria tributária (artigo 150, I)- que os administrados que devam desembolsar

recursos financeiros em favor do estado (em razão de serviços públicos prestados ou

postos à sua disposição, terão a proteção do regime tributário (...) 284

Entende-se por regime tributário, ensina ATALIBA, o conjunto de princípios e

normas constitucionais que regulam o exercício da tributação. Esse regime, traçado

amplamente nos artigos 145 a 156 – essencialmente informado pela legalidade,

igualdade, vedação de delegações, irretroatividade e segurança jurídica -, é

283

Ao afirmar que ainda que o serviço público seja prestado indiretamente por concessionário particular a

remuneração a cargo do usuário/contribuinte será necessariamente uma “taxa” ensina Ataliba que o legislador,

nessa hipótese, não pode abandonar o regime tributário para estabelecer regime de preços, típico do direito

privado, informado pela autonomia da vontade, de que decorrem a liberdade de contratar e a liberdade contratual,

inconviventes com o regime administrativo informador de toda atividade publica, seja de polícia, seja de prestação

de serviços público. Preço só cabe quando há disponibilidade da coisa. Ora, A Administração não tem nenhuma

disponibilidade sobre as coisas publicas (...) A atividade que a Constituição qualifica como serviço públicos é

originariamente publica(...) e não se confunde com a produção de riqueza, com exploração econômica, que não

incumbe ao Estado e que a Constituição reservou à iniciativa privada (art. 73), “ Hipótese.... p.160/161 284

ATALIBA, Geraldo, “Hipótese... p. 160

- 204 -

obrigatório para o legislador e erige direitos público subjetivos para todos os

contribuintes285

De fato, é razoável supor que se o legislador constitucional tivesse em mente

adotar uma remuneração diversa (da taxa), na hipótese da prestação de serviço

públicos especifico e divisível ser prestada por pessoa diversa do Poder Públicos,

teria previsto que aqueles serviços, quando prestados por concessionárias

/permissionárias seriam remunerados por “tarifa”.

Ao contrário, o legislador constituinte não tratou da forma de remuneração dos

serviços públicos prestados por terceiros; nada dispôs a respeito; e não adotou a

tarifa- valor devido pelo usuário - como remuneração distinta da taxa. O artigo 145,

ao estabelecer a regra matriz tributária da taxa o fez como instrumento a ser adotado

pelo legislador infraconstitucional das três esferas de poder, para remunerar a

prestação de serviços públicos e divisíveis.

E, mais importante, ao fazê-lo não estabeleceu qualquer restrição à utilização

do instrumento tributário taxa como tributo remuneratório do custo do serviço público

prestado ou posto a disposição do usuário, a não ser o fato de que somente poderão

ser remunerados por taxa os serviços públicos específicos e divisíveis.

Nesse sentido, não parece possível distinguir onde o constituinte não

distinguiu. Parece não estar autorizada a interpretação doutrinária e jurisprudencial

que se consolidou a partir da Sumula 545, no sentido de que os serviços públicos

prestados diretamente pelo Estado são remunerados por taxa – adotando-se assim o

regime tributário - e aqueles prestados por pessoa diversa (concessionários /

permissionários) serão remunerados por tarifa - afastando-se o regime tributário.

Nenhum dos dispositivos analisados permite afastar a taxa como figura

remuneratória dos serviços públicos específicos e divisíveis quando os mesmos

venham a ser prestados por terceiros concessionários ou permissionários.

285

Autor e obra citados, p. 160

- 205 -

Do ponto de vista do plano pragmático do discurso, como afirma PAULO DE

BARROS CARVALHO, deve-se concluir que o regime jurídico tributário foi plasmado

pelo Constituinte, de modo a efetivamente garantir os direitos e garantias do usuário-

contribuinte. Nesse sentido, argumentos no sentido de que tal regime, por seu rigor,

travaria ou dificultaria o cumprimento dos contratos de concessão, acabam por negar

o alto desígnio constitucional mediante a contraposição de razões extrajurídicas que

podem e devem ser equacionadas e resolvidas pelos próprios intérpretes e

aplicadores do direito. A dificuldade de operacionalização não tem o condão de

afastar as garantias constitucionais.

Ainda no plano pragmático, propõe-se o repensar, por suas conseqüências

nefastas, do entendimento doutrinário e jurisprudencial que afasta a regra da

imunidade tributária quando o ente prestador do serviço for um particular e não ente

estatal.

De fato, se o serviço público é tratado pelo texto constitucional como direito

fundamental.

O fato do mesmo ser prestado por particular implica em ônus tributário para o

prestador, que, em última análise, será suportado pelo usuário, fazendo-se letra

morta o seu direito constitucional a uma tarifa módica.

Apenas a titulo de observação paralela e por todo o exposto, entende-se, no

âmbito do presente trabalho, que o valor pago pelo usuário, por sua natureza

tributária, não deve entrar na composição da base de cálculo dos impostos devidos

pelo concessionário, em virtude da própria natureza constitucional de tal parcela

como remuneratória de res extra commercio.

- 206 -

O direito ao lucro da empresa capitalista , concessionária do serviço publico,

também garantido constitucionalmente, deve ser prestigiado pelo Poder Concedente,

porém não às custas do usuário do serviço público286.

Finalmente, as rápidas mudanças no cenário social e econômico não devem

atropelar o Direito e as construções doutrinárias e jurisprudenciais.

CELSO CAMPILONGO, ao discorrer sobre a dinâmica das transformações da

noção de serviço público afirma: “não se trata, de forma alguma, de dizer que o

direito não segue o ritmo das mudanças de ambiente que o circunda. Antes o

contrário: a capacidade reflexiva da teoria jurídica é que não forjou nem robusteceu

ferramentas aptas a descrever, juridicamente, os novos fenômenos”287

286 O consumidor paulistano paga 25% de alíquota do ICMS em suas contas de telefone, segundo o Sindicato

Nacional das Empresas de Telefonia e de Serviço Móvel Celular e Pessoal. No Estado, em uma conta de telefone, por exemplo, em que o consumidor gaste R$ 100 com o serviço, ele terá de pagar mais R$ 33,00 de ICMS, como é utilizada uma formula de cálculo por dentro, onde o imposto fica ainda maior do que alíquota, e somando a outros tributos federais, essa conta chega a R$ 143. Ou seja, só os impostos representam quase metade do que o consumidor paulistano gasta com o serviço. Site da UOL- in UOL ECONOMIA- EM 16/05/2012 - 17h50

287

“Serviço Públicos e regulação sistemica”in “Serviços Público e Direito Tributário”- Coord. HELENO TORRES-

Quartier latin, 2005, p.48

- 207 -

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARO, Luciano - "Direito Tributário Brasileiro", 4ª Edição, 1999, Editora Saraiva ARAGAO, Alexandre Santos- “Direito Administrativo e seus novos Paradigmas - O serviço público e as suas crises”, Belo Horizonte, 2008, Ed. Fórum. ATALIBA, Geraldo- “Hipótese de Incidência Tributária”- p. 154, 6ª Edição, 9ª tiragem, MALHEIROS, 2008 __________Sistema Constitucional Tributário Brasileiro, RT, 1968 BALEEIRO, Aliomar - “Uma introdução à Ciência das Finanças”, 17ª edição - Editora Forense BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio – “Serviço Público e sua feição constitucional no Brasil” in “Direito do Estado - Novos rumos” Coord. PAULO MODESTO e OSCAR

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