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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP Mercedes Cristina Rodrigues Vera A culpa na separação e no divórcio MESTRADO EM DIREITO SÃO PAULO 2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Mercedes Cristina Rodrigues Vera

A culpa na separação e no divórcio

MESTRADO EM DIREITO

SÃO PAULO

2008

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Mercedes Cristina Rodrigues Vera

A culpa na separação e no divórcio

Dissertação apresentada à BancaExaminadora da Pontifícia UniversidadeCatólica de São Paulo, como exigênciaparcial para obtenção do título deMestre em Direito das RelaçõesSociais, sob a orientação da ProfessoraDoutora Maria Helena Diniz.

SÃO PAULO

2008

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BANCA EXAMINADORA

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A Patrícia e Rodrigo, meus filhos, pelo

carinho e apoio permanente.

À memória de minha mãe, minha eterna

incentivadora.

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AGRADECIMENTOS

De modo todo especial, à querida Professora Maria Helena Diniz, minha

orientadora, que muito me apoiou, e cujo acompanhamento tornou este trabalho

possível.

Aos amigos, colegas pelo carinho estímulo e colaboração permanentes.

Aos meus alunos do Curso de Formação de Oficiais (CFO) da Polícia

Militar do Estado de São Paulo, que com suas intervenções e questionamentos,

despertaram o interesse pela pesquisa ora concluída.

Aos meus estagiários, pela colaboração nunca negada, e a todos que

direta ou indiretamente contribuíram para a conclusão deste trabalho.

Mas, acima de tudo, agradeço a Deus por ter-me dado a oportunidade

nesta vida de chegar onde cheguei.

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V

RESUMO

VERA, Mercedes Cristina Rodrigues. A culpa na separação e no divórcio. 2008.xii, 223 p. Dissertação (Mestrado em Direito) − Pontifícia Universidade Católica deSão Paulo, São Paulo, 2008.

Pela atual legislação, a sociedade e o vínculo conjugal podem serdissolvidos de modo consensual ou litigioso. Desde 04.01.2007, o casal quepretende se separar ou se divorciar consensualmente dispõe de mais uma formapara atingir seu intento, a modalidade extrajudicial, desde que preenchidos certosrequisitos.

Na busca das raízes da culpa na separação e no divórcio, realiza umaintrospecção no direito romano e no direito canônico, chegando ao direitomoderno, que marcou o fim da Idade Média e sofreu, no âmbito do direito defamília, severa influência da reforma protestante, que culminou com asecularização do direito, separando em definitivo o Estado da Igreja.

A pesquisa sobre a evolução da culpa na dissolução do matrimônio noordenamento pátrio inicia-se na vigência das primeiras regulamentações, quandoo casamento era considerado uma instituição de caráter indissolúvel, passando àpossibilidade de ruptura do vínculo do casamento através do divórcio.

Ante a promulgação da Constituição Federal em 1988, analisa a culpafrente ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana e seus reflexosnas dissoluções matrimoniais, bem como o fortalecimento do conceito de rupturada vida em comum, frente ao enfraquecimento da idéia de culpa, a motivar asseparações judiciais.

Nesse contexto, apresenta o debate doutrinário sobre a conveniência dese manter a culpa no ordenamento jurídico nacional, questionamento que cresceem importância, na medida que se analisam as conseqüências decorrentes daeliminação da culpa do direito de família e a possibilidade de se pleitear areparação de danos eventualmente sofridos pela violação dos deveres docasamento, entendida essa como ato ilícito necessário à configuração daresponsabilidade civil, tanto por danos morais, como materiais.

Conclui ao final que a forte presença da culpa a motivar as ações deseparação torna inviável, ao menos no momento atual, a sua total eliminação dopanorama jurídico nacional.

Palavras-chaves: Direito de família; Culpa; Separação; Divórcio.

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VI

ABSTRACT

VERA, Mercedes Cristina Rodrigues.The guilt in the legal separation and thedivorce. 2008. xii, 223 p. Dissertation (Master Degree in Law) − PontifíciaUniversidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2008.

According to current legislation, partnerships and conjugal relations maybe amicable or litigious dissolved. Since 04 Jan 2007 and after some requirementsfilled out, a couple that intends a divorce or an amicable separation has theextrajudicial formality as another option for reaching their aim.

During the search for the roots of divorce and separation guilt, anintrospection in canon and roman laws was realized. Modern law was reached asMiddle Age ended. The family law received a severe influence from the protestantreform and as consequence, the secularization of law and a definitive separationof State and Church took place.

In the research of guilt evolution in matrimony dissolution and under thepaternal system, the first regulations were initiated, when the matrimony was stillconsidered an indissolvable institution, and after, the divorce maked the relationrupture possible

Before the promulgation of the Federal Constitution in 1988 an analysis ofguilt was realized, facing the fundamental principle of human dignity and its reflexin matrimony dissolutions as well as the strengthening of the idea of conjugal liferupture and the weakness of guilt idea for judicial separations motivation.

In this context, a doctrinal debate takes place considering the convenienceof the guilt maintenance in the national juridical system. This questioning grows inimportance as the consequences of guilt elimination in family law are analyzed,and the possibility to litigate the reparation of damages eventually suffered fromthe violation of matrimony duties, and understood as a necessary illicit act in theconfiguration of civil responsibility for moral and material damages.

We may conclude by saying that the guilt strong presence in theseparation acts motivation is unfeasible, at least in this present moment, for itstotal elimination from the national juridical scenario.

Keywords: Family law; Guilt; Separation; Divorce.

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De tudo, ao meu amor serei atento

Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto

que mesmo em face do maior encanto

Dele se encante mais meu pensamento.

Quero vivê-lo em cada vão momento

E em seu louvor hei de espalhar meu canto

E rir meu riso e derramar meu pranto

Ao seu pesar ou seu contentamento.

E assim, quando mais tarde me procure

Quem sabe a morte, angústia de quem vive

Quem sabe a solidão, fim de quem ama

Eu possa me dizer do amor (que tive):

Que não seja imortal, posto que é chama

Mas que seja infinito enquanto dure.

Vinicius de Morais, Soneto da fidelidade.

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SUMÁRIO

PREFÁCIO............................................................................................................ XI

CAPÍTULO I − PANORAMA ATUAL DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA..........1

1.1 Entendimento atual da doutrina sobre a separação litigiosa no

Código Civil de 2002 .........................................................................................1

1.2 Legislação vigente quanto à dissolução da sociedade e do vínculo conjugal ...3

1.2.1 Espécie consensual .......................................................................................4

1.2.1.1 Separação judicial por mútuo consentimento..............................................4

1.2.1.2 Divórcio judicial consensual – indireto e direto............................................4

1.2.1.3 Separação e divórcio extrajudiciais .............................................................5

1.2.2 Espécie litigiosa .............................................................................................6

1.2.2.1 Separação judicial com culpa ou sanção ....................................................7

1.2.2.2 Separação judicial sem culpa......................................................................8

1.2.2.3 Divórcio litigioso ........................................................................................12

1.3 Projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional alusivos à

separação judicial culposa ..............................................................................14

CAPÍTULO II −ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA CULPA NO

DIREITO DE FAMÍLIA...................................................................16

2.1 Direito romano.................................................................................................17

2.1.1 A família romana ..........................................................................................17

2.1.2 O casamento no direito romano ...................................................................20

2.1.3 A natureza jurídica do matrimônio romano...................................................22

2.1.4 A dissolução do matrimônio no direito romano ............................................23

2.1.5 A desagregação da família romana .............................................................25

2.1.6 A culpa no direito romano ............................................................................28

2.2 Direito canônico ..............................................................................................29

2.2.1 O surgimento do direito canônico.................................................................30

2.2.2 A dissolução da sociedade conjugal no direito canônico .............................34

2.2.3 A idéia de culpa no direito canônico.............................................................37

2.3 A secularização do direito de família e o direito moderno...............................43

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IX

CAPÍTULO III − EVOLUÇÃO DA CULPA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO .......46

3.1 Influência do direito canônico..........................................................................46

3.2 A entrada da culpa no direito civil brasileiro ....................................................47

3.2.1 A culpa no Código Civil de 1916 ..................................................................48

3.2.2. A culpa na Lei do Divórcio...........................................................................53

CAPÍTULO IV − A CULPA ANTE O PRINCÍPIO DO RESPEITO À

DIGNIDADE HUMANA................................................................60

4.1 A constitucionalização do direito civil ..............................................................60

4.2 Novos rumos do direito de família diante do princípio da dignidade humana .62

4.3 O direito de família na novel codificação civil e a Constituição

Federal de 1988 ..............................................................................................65

4.4 A perquirição da culpa e o princípio da dignidade humana.............................68

CAPITULO V − FORTALECIMENTO DA IDÉIA DE RUPTURA E

ENFRAQUECIMENTO DA IDÉIA DE CULPA NO

ORDENAMENTO JURÍDICO PÁTRIO.........................................73

5.1 Do desquite litigioso à separação judicial litigiosa com culpa ou sem culpa ...74

5.2 Divórcio direto e por conversão.......................................................................81

5.3 Crescimento do fundamento da falência em detrimento da culpa...................84

5.4 Fontes alienígenas da inovação legislativa .....................................................85

5.5 As alterações do novel Código Civil quanto às causas de dissolução da

sociedade e do vínculo conjugal .....................................................................96

5.6 O enfraquecimento dos efeitos da culpa na separação judicial litigiosa .......108

5.6.1 Fixação da guarda dos filhos menores.......................................................109

5.6.2 Uso do nome pelo outro cônjuge ...............................................................111

5.6.3 Obrigação alimentar ...................................................................................114

CAPÍTULO VI − QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A SEPARAÇÃO

JUDICIAL LITIGIOSA...............................................................120

6.1 A culpa na dissolução da sociedade conjugal...............................................120

6.2 Aspectos doutrinários da questão da culpabilidade na separação

judicial litigiosa ..............................................................................................122

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X

6.2.1 Corrente contrária à manutenção da separação culposa...........................122

6.2.2 Doutrina favorável à permanência da separação culposa..........................128

6.3 Responsabilidade civil por danos morais na separação litigiosa...................132

6.3.1 Teoria contrária à indenização por ato culposo..........................................134

6.3.2 Corrente defensora da reparação de danos morais nas

relações de família ......................................................................................139

6.3.2.1 Corrente amplamente favorável à tese da reparabilidade em todos os

tipos de separação e divórcio..................................................................139

6.3.2.2 Corrente mais restritiva, que reconhece a incidência do direito à

reparabilidade somente nas separações culposas .................................153

6.3.3 Indenização por danos morais na ruptura do casamento no

direito comparado ......................................................................................161

6.3.3.1 Direito francês .........................................................................................161

6.3.3.2 Direito português.....................................................................................165

6.3.3.3 Direito peruano........................................................................................173

CONCLUSÃO .....................................................................................................175

REFERÊNCIAS...................................................................................................181

ANEXOS

ANEXO I − PROJETO DE LEI N. 276/2007........................................................195

ANEXO II − PROJETO DE LEI N. 504/2007.......................................................205

ANEXO III − PROJETO DE LEI N. 507/2007......................................................207

ANEXO IV − PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N. 33/2007 ...........211

ANEXO V − PROJETO DE LEI N. 2.285/2007....................................................213

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PREFÁCIO

Este trabalho estuda a culpa no âmbito do direito de família, desde a sua

origem, até os dias atuais. Nessa evolução, sua importância cresceu, tendo

passado a ser instrumento utilizado para manter a unidade da família formada

pelo casamento indissolúvel, que se apresentava como a instituição responsável

pela estrutura e estabilidade do Estado.

Por meio de um retrospecto histórico-jurídico-social, é possível identificar

três fases distintas, a saber, o surgimento com o direito canônico, o ápice na era

medieval, até o início do direito moderno, e o declínio, que se iniciou com o

chamado direito pós-moderno, quando houve o rompimento em definitivo com o

dogma da indissolubilidade do casamento e a maioria dos países civilizados

passou a reconhecer a possibilidade do rompimento do vínculo do casamento.

A culpa, nessa evolução, surge em um primeiro momento como única

causa a justificar o pedido unilateral de dissolução da sociedade conjugal.

Contudo, em decorrência das transformações pelas quais passou a sociedade,

teve seu papel enfraquecido, ocorrendo paralelamente o fortalecimento da idéia

de ruptura da vida em comum.

Para que se atingisse esse grau de compreensão, foi necessária uma

mudança radical na forma de encarar a família, que de instituição que dava

suporte ao Estado, passou a ser vista como meio de realização dos membros que

a compõem.

Contudo, paralelamente ao enfraquecimento da culpa e fortalecimento da

idéia de ruptura da vida em comum, cresceu a responsabilidade pelos atos

praticados pelos cônjuges que venham, de alguma forma, a violar direitos

personalíssimos do outro.

Para atingir tal intento, fizemos uso do método dedutivo, buscando na

doutrina e na jurisprudência os elementos que refletiram tal evolução.

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XII

O trabalho se limitou ao estudo da culpa dentro dos institutos da

separação e do divórcio, e seus reflexos nas relações conjugais e no âmbito da

responsabilidade civil.

Embora, pela redação do artigo 1.830 do Código Civil, a culpa na

separação tenha passado a produzir efeitos também no direito sucessório, tal

assunto não foi objeto de análise neste trabalho, por adentrar área do direito que

foge à amplitude que se pretendeu dar a ele.

Esperamos contribuir de alguma forma para um melhor conhecimento do

tema tratado, objetivando auxiliar os profissionais que lidam com o direito de

família e colaborar na administração dos conflitos familiares, na busca de uma

sociedade mais harmoniosa e solidária, preservando o que há de mais sagrado

em cada um de nós: a dignidade da pessoa humana.

São Paulo, março de 2008

Mercedes Cristina Rodrigues Vera

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CAPÍTULO I

PANORAMA ATUAL DA CULPA NO DIREITO DE FAMÍLIA

1.1 Entendimento atual da doutrina sobre a separação litigiosa no

Código Civil de 2002

A promulgação da Carta Magna de 1988 provocou profunda mudança no

direito de família pátrio, obrigando os operadores do direito a uma releitura de

todo ordenamento jurídico, a fim de adequá-lo aos princípios fundamentais

esculpidos no artigo 1º da Constituição Federal, em especial o da dignidade da

pessoa humana.

Entretanto, verifica-se que os dogmas defendidos pelo direito canônico,

no tocante à identificação do culpado pela dissolução da sociedade conjugal,

ainda continuam presentes no âmbito do direito de família.

O Código Civil de 2002, ao cuidar do término do casamento e da extinção

do vínculo matrimonial, manteve na sistemática adotada pela Lei n. 6.515/77, da

dualidade de institutos, separação judicial e divórcio, bem como as modalidades

de separação culposa e sem culpa.

Na culposa, a lei exige dos cônjuges a discussão das razões do término

da sociedade conjugal, atribuindo ao outro a responsabilidade pelo fim do

casamento.

Já na sem culpa, a separação poderá ser decretada diante do consenso

dos cônjuges, quanto à ruptura do casamento e respectivas condições; ou ainda,

diante da comprovação de elementos objetivos fixados em lei, pela ruptura da

vida em comum por mais de um ano, ou por doença mental grave, manifestada

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após o casamento com duração superior a dois anos, desde que reconhecida

como de cura improvável, o que torna insuportável a vida em comum.1

Trouxe o Código Civil de 2002 inovações no sentido de praticamente

tornar inócuas as sanções impostas ao cônjuge considerado culpado pela

separação, como é o caso da fixação dos alimentos (art. 1.702 e parágrafo único

do art. 1.704), da dissociação da fixação da guarda dos filhos menores, da culpa

pelo rompimento do casamento (art. 1.584), além das novas regras sobre a

utilização do nome por ambos os cônjuges (art. 1.578).

Entende parte da doutrina que poderia o legislador ter sido mais audaz e

incisivo nas inovações legislativas, em especial quanto à dissolução da sociedade

conjugal formada pelo casamento, acolhendo entendimento sedimentado tanto na

doutrina, quanto na jurisprudência.

Segundo a maioria dos doutrinadores brasileiros o legislador de 2002

perdeu ótima oportunidade, não só de se adequar o Código às recentes

orientações doutrinárias, mas principalmente de harmonizá-lo, especificamente

quanto ao casamento, aos princípios constitucionais que tutelam a dignidade e a

intimidade da pessoa humana.2

Yussef Cahali assim expressa:

“Diante de uma Lei do Divórcio que se reconheceu desde logofalha, esperava-se que com o novo Código Civil suas deficiênciasviessem a ser superadas. Este novo Código Civil, porém,infelizmente desmerece a ciência jurídica nacional, representandoum fator de agravamento das contradições e ambigüidades dadisciplina legal do instituto, expondo-se aos múltiplos projetos emedidas provisórias tendentes à sua revisão.”3

Silvio Venosa, ao comentar os artigo 1.572 e 1.573 do novo Código Civil,

que regulamentou a separação-sanção, desabafa: “O Código Civil de 2002

1 Marcelo Truzzi Otero. A separação judicial no Código Civil, Revista Brasileira de Direito de

Família, Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano 7, n. 34, p. 31, fev./mar. 2006.2 Marcelo Truzzi Otero. A separação judicial no Código Civil, cit., p. 32.3 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed. rev. ampl. atual. de acordo com o Código Civil

de 2002, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 42.

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3

representou, nesse aspecto, um injustificável e odioso retrocesso. Parece que o

legislador do país não se contenta em dar passos à frente, pois lhe apraz também

voltar ao passado.“4

Silvio Rodrigues também pondera no mesmo sentido, ao dispor: “Deixou o

legislador de 2002 de acolher como regra a expectativa da doutrina brasileira

contemporânea em dissociar a separação da sua motivação (culpa ou causa

específica).”5

Caio Mário da Silva Pereira assim se posiciona sobre o Código Civil de

2002:

“Desta feita, o legislador demonstrou nítido esforço em adaptar-seàs novas conquistas. Sua coragem não foi suficiente paraimpulsioná-lo aos avanços dos sistemas jurídicos maisadiantados; optou pelo esforço de buscar um questionávelequilíbrio em meio às controvérsias já enfrentadas pela Doutrina epela Jurisprudência no dia-a-dia dos Tribunais. Mirando ao longeas modificações que se faziam necessárias, preferiu recuar numaatitude marcada pela dificuldade de confrontar-se com o novo.”6

1.2 Legislação vigente quanto à dissolução da sociedade e do

vínculo conjugal

Para a análise da culpabilidade na dissolução da sociedade e do vínculo

conjugal, e diante da atual legislação que rege da matéria, a seguir

consideraremos duas espécies, consensual e litigiosa, e para cada uma

arrolaremos as características próprias, tanto para a separação quanto para o

divórcio.

4 Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: direito de família, 5. ed., São Paulo: Atlas, 2005, v. 6, p. 209.5 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, 28. ed. rev. e atual. por Francisco José Cahali, de

acordo com o novo Código Civil (Lei n.10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2004, v. 6, p.208.

6 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: direito de família, Rio de Janeiro:Forense, 2007, v. 5, p. 3.

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4

1.2.1 Espécie consensual

Tanto a separação quanto o divórcio podem ser feitos pela via

consensual.

1.2.1.1 Separação judicial por mútuo consentimento

Separação por mútuo consentimento, ou separação judicial amigável, é

aquela que se processa por acordo dos cônjuges, que decidem pôr termo à

sociedade conjugal, convencionando as cláusulas e condições que regerão a

nova situação.

Não se exige para essa espécie de separação que os cônjuges declarem

o motivo que os levou à decisão, bastando que manifestem o desejo de se

separarem, para alcançarem seu intento.7

O único requisito exigido, além do mútuo consentimento, é estarem

casados há mais de um ano.8

1.2.1.2 Divórcio judicial consensual – indireto e direto

Assim como na separação judicial amigável, o divórcio, quer na

modalidade indireta ou na direta, também pode ser requerido por ambos os

cônjuges, que de comum acordo decidem romper o vínculo do casamento,

convencionando as cláusulas e condições que regerão a nova situação.

Na hipótese do divórcio direto, poderão os cônjuges facultativamente

formular pedido judicial, mediante requerimento conjunto, de acordo com o

7 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 212.8 “Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos cônjuges se forem

casados por mais de 1 (um) ano e o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamentehomologada a convenção.”

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procedimento estabelecido nos artigos 1.120 a 1.124 do Código de Processo

Civil, sendo exigido, além do mútuo consentimento, que o casal esteja separado

de fato há mais de dois anos. Nesse caso, haverá necessidade de produção de

prova do decurso do lapso temporal, que normalmente é feito mediante prova

testemunhal.9

O divórcio indireto, que foi antecedido de separação judicial – amígável ou

não − será consensual se o pedido de conversão da separação em divórcio for

formulado em conjunto, ou por qualquer um dos cônjuges, com o consentimento

do outro.

1.2.1.3 Separação e divórcio extrajudiciais

Desde a promulgação da Lei n. 11.441, de 04.01.2007, que introduziu em

nosso ordenamento jurídico a dissolução extrajudicial da sociedade conjugal –

separação ou divórcio10 − se tornou inexata a assertiva de que a dissolução da

sociedade ou do vínculo conjugal reclama a intervenção judicial que, no dizer de

Sílvio Rodrigues, “representa um processo necessário, sem o qual a sociedade

conjugal não se desfaz”.11

Essa Lei veio a alterar o Código de Processo Civil, acrescentando-lhe o

artigo 1.124-A, que permite a separação consensual e o divórcio consensual por

escritura pública, desde que o casal não tenha filhos menores ou incapazes.12

9 “Artigo 1.580 - (...) § 2º - O divórcio poderá ser requerido, por um ou por ambos os cônjuges, no

caso de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.”10 Yussef Said Cahali. Separação e divórcio consensual mediante escritura pública, Revista dos

Tribunais, São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 96, v. 858, p. 20-29, abr. 2002.11 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 208.12 “Artigo 1.124-A - A separação consensual e o divórcio consensual, não havendo filhos menores

ou incapazes do casal e observados os requisitos legais quanto aos prazos, poderão serrealizados por escritura pública, da qual constarão as disposições relativas à descrição e àpartilha dos bens comuns e à pensão alimentícia e, ainda, ao acordo quanto à retomada pelocônjuge de seu nome de solteiro ou à manutenção do nome adotado quando se deu ocasamento. § 1º - A escritura não depende de homologação judicial e constitui título hábil para oregistro civil e o registro de imóveis. § 2º - O tabelião somente lavrará a escritura se oscontratantes estiverem assistidos por advogado comum ou advogados de cada um deles, cujaqualificação e assinatura constarão do ato notorial.”

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Apesar de o legislador não ter feito referência expressa sobre a

possibilidade de se realizar a conversão da separação em divórcio, entende

Yussef Cahali que “o legislador concebeu o divórcio consensual extrajudicial,

compreendendo as duas modalidades de dissolução do vínculo matrimonial:

divórcio conversão e divórcio direto”.13

Nesse mesmo sentido entende Cristiano Chaves de Farias, esclarecendo

que, embora não exista previsão legal expressa, “escaparia à razoabilidade

impedir a realização de divórcio-conversão por escritura pública”.14

Dessa forma, tendo tal lei entrado em vigor na data de sua publicação,

desde janeiro de 2007 há mais uma espécie de separação e de divórcio

consensuais, a extrajudicial, que passa a coexistir com a tradicional separação

consensual prevista no artigo 1.574 do Código Civil e o divórcio indireto e direto

consensual previsto no artigo 1.580, caput e parágrafo 2º.15

1.2.2 Espécie litigiosa

Separação judicial litigiosa, ou não consensual, é aquela que resulta de

sentença que julga procedente ação ordinária promovida por um cônjuge contra o

outro, tendo por fundamento hipóteses previstas em lei.16

Esta espécie de separação judicial se subdivide em duas outras, com

culpa de um dos cônjuges, ou sem culpa, desde que observadas as causas

previstas em lei.17

13 Yussef Said Cahali. Separação e divórcio consensual mediante escritura pública, cit., p. 27.14 Cristiano Chaves de Farias. O novo procedimento para a separação e o divórcio consensuais e

a sistemática da Lei n. 11.441/2007: o bem vencendo o mal. Revista Magister de Direito Civil eProcessual Civil, Porto Alegre, Magister, v. 3, n. 17, p. 20, mar./abr. 2007.

15 “Artigo 1.580 - Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado aseparação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos,qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. (...) § 2º - O divórcio poderá serrequerido, por um ou por ambos os cônjuges, no caso de comprovada separação de fato pormais de 2 (dois) anos.”

16 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 222.17 Tendo em vista o objeto deste trabalho, optamos por classificar as espécies de separação em

culposa e sem culpa.

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1.2.2.1 Separação judicial com culpa ou sanção

A separação judicial litigiosa será culposa quando um dos cônjuges

promove ação imputando ao outro qualquer ato que importe em grave violação

dos deveres do casamento e torne insuportável a vida em comum (arts. 1.572,

caput e 1.573, incs. I a VI).18

Nesta espécie de separação, a causa, o motivo, é a culpa. Nessas

condições, a prova dos autos deverá demonstrar a responsabilidade pelo fim do

casamento e as conseqüências daí decorrentes.

O novo Código Civil tratou da separação com culpa e sem culpa no artigo

1.572 e, ao mesmo tempo, no artigo 1.573, I a VI, resgatou o sistema primitivo do

legislador de 1916, ao apontar causas específicas para fundamentar a ação e

ainda introduzir uma causa genérica permissiva da dissolução, no parágrafo único

do artigo 1.573.19

Tem-se assim, como fundamento legal para a separação judicial litigiosa

com culpa, os artigos 1.572, caput e 1.573, I a VI, que importam em grave

violação dos deveres do casamento estabelecidos no artigo 1.566.20

De acordo com o atual Código Civil, poucas são as conseqüências

decorrentes da responsabilidade de um dos cônjuges pelo rompimento do

casamento. Hoje, a responsabilidade pela separação é irrelevante para a fixação

da guarda dos filhos21, existe previsão legal para fixação de alimentos, ainda que

18 “Artigo 1.572 - Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação judicial, imputando

ao outro qualquer ato que importe grave violação dos deveres do casamento e torne insuportávela vida em comum. Artigo 1.573 - Podem caracterizar a impossibilidade da comunhão de vida aocorrência de algum dos seguintes motivos: I - adultério; II - tentativa de morte; III - sevícia ouinjúria grave; IV - abandono voluntário do lar conjugal, durante um ano contínuo; V - condenaçãopor crime infamante; VI - conduta desonrosa.”

19 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 223.20 “Artigo 1.566 - São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; II - vida em comum,

no domicílio conjugal; III - mútua assistência; IV – sustento, guarda e educação dos filhos; V -respeito e consideração mútuos.”

21 “Artigo 1.584 - Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partesacordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições paraexercê-la.”

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para sobrevivência, para o cônjuge faltoso22, e, de acordo com as excludentes

legais, o cônjuge considerado culpado poderá manter o nome de casado.23

1.2.2.2 Separação judicial sem culpa

Introduziu a Lei n. 6.515/77 dois novos casos de separação, um fundado

na ruptura da vida em comum, e outro por motivo de doença de um dos cônjuges,

de tal magnitude que torne impossível a continuação da vida em comum, sendo

conveniente, em ambos os casos, pôr termo à sociedade conjugal.

A inspiração do legislador foi buscada na legislação francesa que, na Lei

75/617, de 11.7.1975, regulamentou o divórcio.

a) Separação por ruptura da vida em comum: nos termos do disposto

no artigo 1.572, parágrafo 1º24 (antigo art. 5º, § 1º da Lei n. 6.515/77), a

separação por pedido unilateral de um dos cônjuges poderá ser deferida, desde

que o interessado prove que tal ruptura se dá há mais de um ano e que se tornou

impossível a reconstituição da união.

Nesta espécie de separação, o deferimento do pedido representa a

permissão para atribuir juridicidade a uma situação de fato já cristalizada no

tempo25. Não se questiona sobre a responsabilidade pela ruptura da vida em

comum e não há averiguação de culpa. Não adianta o cônjuge demandado alegar

22 “Artigo 1.704 - Se um dos cônjuges separados judicialmente vier a necessitar de alimentos será

o outro obrigado a prestá-los mediante pensão a ser fixada pelo juiz, caso não tenha sidodeclarado culpado na ação de separação judicial. Parágrafo único - Se o cônjuge declaradoculpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em condições de prestá-los, nemaptidão para o trabalho, o outro cônjuge será obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valorindispensável à sobrevivência.”

23 “Artigo 1.578 - O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito deusar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se aalteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinçãoentre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano gravereconhecido na decisão judicial.”

24 “Artigo 1.572 - (...) § 1º - A separação judicial pode também ser pedida se um dos cônjugesprovar ruptura da vida em comum há mais de 1 (um) ano e a impossibilidade de suareconstituição.

25 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 228.

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que o requerente foi o causador da separação, que houve abandono do lar. O

elemento objetivo justificador da sentença que decreta a separação é a mera

existência de separação fática prolongada.26

Na separação por ruptura da vida em comum, não tem lugar a discussão

da culpa, não há sanção alguma ao vencido, mantendo-se o direito ao uso do

nome de casado, bem como aos alimentos27, desde que preenchidos os

requisitos pertinentes à espécie.

b) Separação judicial por doença mental de um dos cônjuges, ou

separação remédio: manteve o legislador de 2002 a previsão contida na Lei do

Divórcio, autorizando a separação judicial, quando um dos cônjuges estiver

acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne

impossível a continuação da vida em comum, e a enfermidade tenha sido

reconhecida de cura improvável, conforme dispõe o artigo 1.572, parágrafo 2º.28

Há nesta hipótese também um caso de ruptura de vida em comum,

mudando apenas o fundamento da dissolução, que é a superveniência de

moléstia mental de cura improvável.29

Inexiste culpa de qualquer dos cônjuges, não sendo cogitáveis sanções

quanto ao nome e à pensão alimentícia. Entretanto, a lei traz uma repercussão

específica para a separação judicial sob esse fundamento, a fim de conceder

benefício ao cônjuge enfermo.

26 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 229.27 “Artigo 1.694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os

alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social,inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º - Os alimentos devem ser fixadosna proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada.”

28 Maria Helena Diniz. Direito civil brasileiro: direito de família, São Paulo: Saraiva, 2002, v. 5, p.259. “Artigo 1.572 - (...) § 2º - O cônjuge pode ainda pedir a separação judicial quando o outroestiver acometido de doença mental grave, manifestada após o casamento, que torne impossívela continuação da vida em comum, desde que, após uma duração de 2 (dois) anos, aenfremidade tenha sido reconhecida de cura improvável.”

29 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 229.

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O artigo 1.572, parágrafo 3º30 reflete a intenção do legislador em garantir

ao cônjuge enfermo uma maior segurança financeira, mas nas entrelinhas acaba

por penalizar o cônjuge requerente por fugir do dever de caridade e de mútua

assistência em relação ao outro.

Cria assim um sistema de proteção ao enfermo, dando-lhe, além da

meação conforme o regime de bens fixado no casamento, tudo o que remanescer

dos bens que trouxe para o casamento.

Contudo, tal sanção só ocorrerá na hipótese do casamento ter adotado o

regime da comunhão universal de bens, que é o regime que envolve todo o

patrimônio do casal, inclusive os bens adquiridos antes do casamento. Tais bens

serão separados do patrimônio comum e reservados ao cônjuge enfermo, sendo

o restante partilhado, metade por metade entre os separandos.31

c) Separação judicial por causa genérica – a impossibilidade da vida

em comum: inovou o legislador de 2002 no artigo 1.573, embora tenha apontado

em seus seis incisos causas específicas para fundamentar a ação de separação

judicial culposa nos moldes da redação original do Código Civil de 1916, como

dito acima, ao introduzir previsão genérica em seu parágrafo único.

A causa genérica introduzida pelo legislador não preestabelece uma

situação fática específica a ser verificada, limitando-se a lei a indicar um conceito

vago permissivo da ação. Em qualquer desses casos, a culpa ou

responsabilidade pela origem do fato que ensejou a ruptura da vida conjugal é

irrelevante.32

Dessa forma, o motivo autorizador do pedido de separação não é

necessariamente o comportamento faltoso do outro cônjuge, mas as

30 “Artigo 1.572 - (...) § 3º - No caso do parágrafo 2º, reverterão ao cônjuge enfermo, que não

houver pedido a separação judicial, os remanescentes dos bens que levou para o casamento, ese o regime dos bens adotado o permitir, a meação dos adquiridos na constância da sociedadeconjugal.”

31 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 231.32 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 211.

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contingências existentes na vida conjugal que, pelas circunstâncias, ensejam a

impossibilidade de convivência conjugal.33

No entender de Francisco José Cahali, atualizador da obra de Silvio

Rodrigues sobre direito de família, o parágrafo único do artigo 1.573 do Código

Civil criou uma nova causa de separação sem culpa do requerido, mais

abrangente do que as causas específicas elencadas nos parágrafos 1º e 2º do

artigo 1.572, pois permite ao julgador considerar os elementos trazidos pelo

interessado como razões de insuportabilidade da vida em comum.34

Foi criada assim nova espécie de separação sem culpa, mas com causa

que é apresentada em termos vagos, gerais e abrangentes. Tal inovação no

campo da dissolução da sociedade conjugal, segundo Francisco José Cahali,

restou inspirada na doutrina contemporânea, caminhando para acolher em nosso

sistema o princípio da ruptura da affectio maritalis como causa suficiente à

separação judicial.35

A jurisprudência tem dado mostras de compartilhamento desse

entendimento, posto que freqüentes as decisões que acolheram seu comando,

inclusive, antes mesmo da entrada em vigor do novo Código Civil, em 2003, como

se constata nas seguintes ementas:

“SEPARAÇÃO JUDICIAL – Culpa. Se a sentença reconheceu nãohaver prova de culpa por parte de nenhum dos cônjuges, nãopode concluir, contraditoriamente, em decretar a separaçãojudicial por culpa recíproca. Deve ser provido o apelo do cônjugeque não se conformou em lhe ser atribuída uma culpa que nãoficou demonstrada, mesmo porque resultam seqüelas nocivas nosplanos moral e econômico. A exegese liberal que busca nãomanter os cônjuges unidos, quando não há mais condições paratal, não pode ir ao ponto de imputar culpa quando não há provadesta culpa, como é óbvio; pode é trabalhar com a noção deinsuportabilidade da vida em comum e a partir daí buscar ainevitabilidade da separação judicial. De qualquer forma, não há, arigor, motivo para tal preocupação, na medida em que o direitobrasileiro atual tranqüilamente prevê soluções para desfazimentoda sociedade conjugal e do casamento de casais que não mais se

33 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 232.34 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 232.35 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 233.

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acertam, independentemente da idéia de culpa. Voto vencido.”(TJRS – AC n. 595.096.702, 8ª C.C., rel. Des. Antonio CarlosStangler Pereira, j. 09.11.1995, RBDF n. 1, abr./mai./jun. 1999).

“SEPARAÇÃO JUDICIAL – Culpa – Colação de bens doados –Bens reservados – Assistência privada.1. Estando ausente prova da culpa pela ruptura do casamento,seja do cônjuge-varão seja do virago, mas tendo ambos, na açãoe reconvenção postulado a separação judicial, impõe-se seja eladecretada, mesmo sem culpa, pois o casamento já faliu.2.(...) Recursos principal e adesivo desprovidos.” (TJRS – AC n.598.564.821, 7ª C.Cív., rel. Des. Sérgio Fernando deVasconcellos Chaves, DOERS, de 01.04.1999, RBDF n. 4,jan./fev./mar./2000).

1.2.2.3 Divórcio litigioso

Divórcio é a dissolução de um casamento válido, que autoriza as pessoas

a contraírem novas núpcias, e pode ser realizado pela modalidade indireta ou

direta.

a) Divórcio indireto: em decorrência do sistema duplo adotado pela

legislação pátria, o divórcio será decretado num segundo momento, sempre

antecedido pela separação, que pode ser judicial ou de fato.

Sendo o divórcio antecedido pela separação judicial, que pode ser

consensual ou litigiosa, tem-se o chamado divórcio indireto, posto que será

concedido mediante conversão da separação judicial em divórcio, nos termos do

artigo 1.580, caput e parágrafo1º.36

O divórcio indireto será litigioso quando houver discordância ou recusa do

outro cônjuge em consentir com a conversão. Assim, o cônjuge interessado deve

formular pedido para que seja a separação judicial convertida em divórcio, posto

36 “Artigo 1.580 - Decorrido 1 (um) ano do trânsito em julgado da sentença que houver decretado a

separação judicial, ou da decisão concessiva da medida cautelar de separação de corpos,qualquer das partes poderá requerer sua conversão em divórcio. § 1º - A conversão em divórcioda separação judicial dos cônjuges será decretada por sentença, da qual não constará referênciaà causa que a determinou.”

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que cumprido o prazo de um ano estabelecido em lei, pondo fim ao matrimônio e

seus efeitos.37

Em qualquer das modalidades de divórcio indireto, litigioso, consensual

ou extrajudicial38, não poderá a sentença que o decreta fazer qualquer referência

à causa que determinou a conversão (art. 1.580, § 2º).

b) Divórcio direto: distingue-se o divórcio direto do indireto, pois o direto

resulta de uma separação de fato, que autoriza a conversão direta dessa

separação em divórcio, desde que comprovada a ruptura da vida em comum por

mais de dois anos.

A separação de fato, sem qualquer intervenção judicial, passa a ter

relevância jurídica, produzindo o efeito de ser pré-requisito do divórcio.39

Da mesma forma que a modalidade anterior, o divórcio direto pode adotar

tanto a forma litigiosa quanto a consensual, e até mesmo a extrajudicial.40

Não havendo consenso entre as partes, um dos cônjuges pode promover

ação de divórcio direta mediante comprovação da separação de fato superior a

dois anos, devendo, contudo, apresentar na petição inicial todos os elementos

necessários à definição sobre a guarda dos filhos menores, quando houver, e

sobre os alimentos, caso já não tenham sido objeto de apreciação judicial anterior

através de ação própria, pois em existindo, basta apresentar a decisão então

proferida, para que seja possível a decisão que decrete o divórcio, rompendo o

vínculo do casamento.

Observe-se que, a partir da promulgação do novo Código Civil, a partilha

de bens não mais é exigida para a decretação do divórcio por força do disposto

no artigo 1.581.41

37 Maria Helena Diniz. Direito civil brasileiro: direito de família, cit., v. 5, p. 276.38 Lei n. 11.441, de 04.01.2007.39 Maria Helena Diniz. Direito civil brasileiro: direito de família, cit., v. 5, p. 280.40 Lei n. 11.441, de 04.01.2007.41 “Artigo 1.581 - O divórcio pode ser concedido sem que haja prévia partilha de bens.”

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Contudo, o reflexo de tal liberalidade do legislador será sentido no

momento em que qualquer dos cônjuges pretenda convolar novas núpcias, já que

a ausência de partilha surge como causa suspensiva de casamento, nos termos

do artigo1.523, III.42

Importante notar que em qualquer das modalidades de divórcio, seja ele

direito ou indireto, consensual ou litigioso, não se exige a averiguação da

culpabilidade de qualquer das partes.

1.3 Projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional alusivos à

separação judicial culposa

O deputado Léo Alcântara (PSDB/CE) reapresentou ao Congresso

Nacional, em 1º.03.2007, o projeto de lei que recebeu o número PL n. 276/2007,

da lavra do falecido deputado Ricardo Fiúza, que tramitara durante a legislatura

que se findou em 31.01.2007, tendo por objetivo a alteração do Código Civil,

instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. A única diferença entre a

presente proposição e a anterior é a retirada da proposta de alteração do artigo

1.361, por entender o parlamentar que a matéria já foi satisfatoriamente

regulamentada.

O deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA) apresentou perante o

Congresso Nacional, em 20.03.2007, mais cinco projetos de lei, que receberam

os números 504/2007, 505/2007, 506/2007, 507/2007 e 508/2007, que também

objetivam a alteração de dispositivos do Código Civil, mas, especificamente,

referentes a institutos do direito de família e das sucessões. O mesmo

parlamentar, em 25.10.2007, apresentou outro projeto de lei que dispõe sobre a

criação do Estatuto das Famílias, que recebeu o número 2.285/2007.43

42 “Artigo 1.523 - Não devem casar: III - o divorciado, enquanto não houver sido homologada ou

decidida a partilha dos bens do casal;”43 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva

histórico-jurídica, Belo Horizonte: Del Rey, 2007, p. 157 e ss.

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O Estatuto das Famílias oferce uma nova concepção para a dissolução da

sociedade e do vínculo conjugal. Conforme consta da justificativa apresentada ao

Congresso Nacional, privilegia o divórcio como o meio mais adequado para

assegurar a paz daqueles que não mais desejam continuar casados.

Propõe o Estatuto a mínima interferência do Estado na intimidade do

casal, vedando qualquer investigação sobre as causas da separação. Embora

mantida a dualidade de procedimentos, separação e divórcio, procura assegurar

na guarda dos filhos do casal o melhor interesse dos menores, a fixação ou

dispensa dos alimentos entre os cônjuges, a obrigação alimentar do não-guardião

aos filhos comuns, bem como a manutenção ou mudança do nome de família.

Regulamenta ainda de forma mais detida a separação e o divórcio mediante

escritura pública, facilitando o procedimento.

Os cinco primeiros projetos de lei são o resultado de sugestões

apresentadas pelos integrantes do Instituto Brasileiro de Direito de Família

(IBDFAM), que já haviam sido aprovadas em assembléia realizada em 2003. À

época, as sugestões deram origem a outros projetos de lei, de autoria do

deputado Antonio Carlos Biscaia, porém, não tendo sido aprovados na legislatura

para a qual fora ele eleito, foram, em conseqüência, arquivados, em 31.01.2007.

Para este trabalho, abordaremos apenas os dispositivos dos aludidos

projetos de lei que digam respeito aos efeitos decorrentes da separação e do

divórcio.

Registramos ainda a apresentação ao Congresso Nacional, pelo

deputado Sérgio Barradas Carneiro, em 10.04.2007, por sugestão do IBDFAM, a

Proposta de Emenda à Constituição n. 33/2007, que tem por finalidade a

eliminação do sistema duplo de institutos, abolindo do cenário nacional a

separação judicial, tanto consensual, quanto litigiosa.

Remetemos o leitor aos anexos para conhecimento dos projetos de lei e

da proposta de emenda à Constituição, esclarecendo que, no decorrer do

trabalho, essas sugestões de alteração de lei serão oportunamente comentadas.

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CAPÍTULO II

ANTECEDENTES HISTÓRICOS DA CULPA NO DIREITO DE

FAMÍLIA

O Brasil foi colonizado por Portugal, que enviou missionários católicos

para catequizar o povo autóctone, e que acabaram por disseminar em nossa

pátria os ditames canônicos referentes à disciplina do casamento.44

Portugal foi um dos países que mais demorou a acolher as inovações

trazidas pelo iluminismo, movimento que pregava a luta da razão contra o

autoritarismo e visava abolir velhas tradições jurídicas e o império do direito

natural45. Esse atraso na renovação do direito português refletiu diretamente no

Brasil, que permaneceu sob a regência das Ordenações Filipinas, constituídas por

uma compilação jurídica que traduzia influências do direito romano, do canônico e

do germânico, até a promulgação da Constituição Imperial, em 1824.

Em matéria de casamento, o direito pátrio anterior à proclamação da

República adotou a doutrina canônica e desconheceu o divórcio no sentido amplo

da palavra. Até mesmo a separação de corpos teve seu campo de incidência

reduzido, uma vez que não se reconhecia como causas determinantes da

separação a heresia e a apostasia, aceitas pelo direito canônico, por se

considerar serem causas que haviam caído em desuso.46

Contudo, não foi sempre assim. O papel da culpa na separação, com o

passar dos tempos, foi se modificando, tendo sido atenuado na atualidade, ao

menos no que tange à tendência observada na política legislativa contemporânea,

embora seu espectro continue presente na cultura do direito de família.47

44 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, in Maria Helena Diniz (Coord.), Atualidades jurídicas 4, São Paulo: Saraiva, 2003, p. 30.45 Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, Jus

Navigandi, Teresina, ano 9, n. 655, p. 3, 23 abr. 2005. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6617>. Acesso em: 18 set. 2007.

46 Clóvis Beviláqua. Direito de família, 9. ed. atual. pelo Desembargador Isaias Beviláqua, Rio deJaneiro: Freitas Bastos, 1959, p. 283.

47 Ver a respeito: Gustavo Tepedino. O papel da culpa na separação e no divórcio, in Temas dedireito civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 369.

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É muito comum no âmbito do direito de família, em decorrência da forte

influência exercida pela Igreja Católica na sua regulamentação, encontrar a noção

de culpa, que deriva do pecado original, praticado no Jardim do Éden.

Pode-se dizer que a culpa é uma criação da cultura judaico-cristã,

diretamente ligada à noção de expiação de pecados, inspirada na idéia do pecado

original cometido por Adão e Eva no Paraíso, ao desrespeitarem as ordens

divinas, cedendo à tentação da serpente, para se igualar a Deus (Gên 3,1).

Passou-se assim a valorizar a idéia de penalizar a pessoa culpada,

criando-se o binômio “culpa-sanção”.48

O direito, desfrutando de seu poder normativo, exerce um papel

sancionador, valorizando a discussão da culpa, transformando-a em instituto

universal, que passa a permear todos os ramos do direito: penal, constitucional,

administrativo, comercial e civil.

2.1 Direito romano

2.1.1 A família romana

Família é um vocábulo que em Roma, além de outros sentidos, significava

primeiro um conjunto de pessoas colocadas sob o poder de um chefe – o pater

familias − e, segundo, o patrimônio do pater familias.49

A família romana era de base patriarcal e tudo girava em torno de um

pater familias, ao qual, sucessivamente, se subordinavam os descendentes alieni

juris, até a morte do chefe.

48 Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, in Eliene Ferreira

Bastos; Asiel Henrique de Sousa (Coords.), Família e jurisdição, Belo Horizonte: Del Rey, 2006,p. 270.

49 Veja-se a respeito: José Cretella Júnior. Curso de direito romano: o direito romano e o direitocivil brasileiro, 6. ed. rev. e aum., Rio de Janeiro: Forense, 1978, p. 107.

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O pater familias tem o dominium in domo, a potestas. É o dominus, o

senhor, a quem está confiada a domus, ou grupo doméstico.

A família romana era constituída de forma muito distinta da que

conhecemos na atualidade. José Carlos Moreira Alves50 identifica no direito

romano cinco agrupamentos de pessoas vinculadas pelo parentesco ou pelo

casamento, a saber:

a) gens – cujos membros, que se denominavam gentiles, julgavam

descender de um antepassado comum, lendário e imemoriável, do qual recebiam

o nome gentílico (e era esse nome, e não necessariamente o parentesco

consangüíneo, que os unia). Esta forma de agrupamento desapareceu durante o

Principado e, com ela, as derradeiras características de organismo político que a

família dela herdara;

b) familia comuni iure – na definição trazida por Chamoun51, abraçava um

conjunto de pessoas reunidas em vários grupos, chefiados, cada um deles, por

um pater familias, mas que se encerrariam numa só família se o pater familias

comum estivesse vivo. Este agrupamento desapareceu com a extinção da

agnatio. Agnados eram todos os que se acham sob a patria potestas de um

mesmo chefe – pater familias. Cognados eram todos os indivíduos ligados pelo

sangue. É o laço de sangue que havia entre as pessoas que descendiam uma

das outras (filho, pai, avô, bisavô) ou de um descendente comum (irmãos que

descendem dos mesmos pais);

c) conjunto de cognados em sentido restrito − eram aqueles que, não

sendo agnados uns dos outros, estavam ligados apenas pelo parentesco

consangüíneo.

d) familia proprio iure − era o complexo de pessoas que se encontravam

sob a potestas de um pater familias.

50 José Carlos Moreira Alves. Direito romano, 2. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1972, v. 2, p. 253.51 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, 5. ed., Rio de Janeiro: Forense, 1968, p. 151.

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e) família natural − agrupamento constituído apenas dos cônjuges e de

seus filhos, independentemente de o marido e pai ser, ou não, pater familias da

mulher e dos descendentes imediatos.

A domus tinha um tríplice aspecto: grupo religioso (pater é o sacerdote),

econômico (pater é o dirigente) e jurídico-político (pater é o magistrado).52

A familia proprio iure era constituída por um complexo de pessoas que

viviam sob a patria potestas de um chefe – o pater familias53 – que era aquele que

não tinha, na linha masculina, ascendente vivo a que estivesse subordinado54. A

patria potestas não se extinguia com o casamento dos filhos que, tivessem a

idade que tivessem, fossem casados ou não, continuavam a pertencer à família

do chefe.55

Dessa forma, os que viviam sob o poder de um pater familias eram alieni

juris, isto é, dependentes desse pater familias56, enquanto os que eram

independentes eram os sui juris, isto é, não se encontravam submetidos a

nenhum dos poderes domésticos, exerciam por si mesmos os seus direitos,

representavam a unidade da família, ainda que mantivessem laços de sangue

com algum outro pater familias.57

A familia proprio iure não tinha por objetivo final a procriação, educação

dos filhos e nem mesmo o auxílio e cooperação entre os cônjuges, esclarece

Chamoun. A família romana era uma comunidade política em miniatura, que se

assemelhava ao Estado, tanto que para entrar numa família, o estranho tinha que

preencher rigorosas formalidades, como as da conventio in manu e da adoptio.

O paterfamilias era o chefe, o juiz e o sacerdote daquele grupo, exercia

um poder quase absoluto sobre os filhos, mulher, clientes e escravos, além de ser

52 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 110.53 José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., v. 2, p. 254.54 José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., v. 2, p. 256.55 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit.,p. 110.56 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, 16. ed. rev., São Paulo: Saraiva, 2005, p. 10.57 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 113.

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o senhor absoluto do patrimônio angariado pela família e do território onde

estavam instalados.

Até a época clássica, o Estado não interferia senão esporadicamente na

família e a sua jurisdição era paralela à jurisdição doméstica.

A unidade política da família correspondia à unidade econômica e

religiosa. Cada família tinha seus próprios deuses, que eram seus antepassados

mortos, em honra dos quais se devotava o culto perpétuo.

Contudo, durante o período clássico, a família começou a perder essa

unidade política, econômica e religiosa. A autoridade do pater familias sofreu

graves atenuações. Cresceu em importância o parentesco natural ou de sangue.

O eixo da economia deixou de ser a família e passou a ser o indivíduo. A religião

doméstica desapareceu absorvida pela religião do Estado. Deixou assim a família

romana de constituir uma comunidade que coexistia paralelamente ao Estado.58

2.1.2 O casamento no direito romano

Segundo Ana Lucia Pedroni, “é em Roma que o casamento começa a

interessar historicamente, uma vez que se encontrava organizado em torno do

patriarca. Há uma estreita relação entre a organização do casamento e a forma

de família reinante na época”. A autora traz a comento conclusão a que chegou

Eduardo de Oliveira Leite: “A noção clara ao patriarcalismo, da certeza genética,

fica assegurada pelo casamento legítimo, pela união da mulher a um homem só e

pela sanção a qualquer tentativa de adultério.”59

O casamento romano criou a família natural. Conforme ensinamentos de

Álvaro Villaça, no direito romano não havia disciplina orgânica acerca do

casamento. Mas o matrimônio romano era a base da sociedade doméstica.

58 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 152.59 Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial

ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, Florianópolis:OAB/SC, 2005, p. 21.

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O matrimônio romano continua Álvaro Villaça, diferentemente do que

entendemos hoje, era uma relação social, assumida e reconhecida pelo direito. O

matrimônio romano era assentado na longa duração do desejo e do propósito de

ser marido e mulher, da consistência e da continuidade da vida em comum.

O Corpus Iuri Civilis traz duas definições de casamento: a primeira,

atribuída a Modestino, se encontra no Digesto XXIII, 2, 1, e reza que “as núpcias

são a união do homem e da mulher, o consórcio de toda a vida, a comunicação

do direito divino e humano”. A outra, encontra-se localizada nas Institutas, I, 9, 1,

é de provável autoria de Ulpiano e diz que “núpcias, ou matrimônio, é a união do

homem e da mulher, a qual encerra comunhão indivisível de vida”.60

Justas núpcias ou matrimônio, no dizer de Cretella Junior, é o casamento

legítimo, contraído de acordo com o direito civil. Os romanos, que por excelência

praticavam a monogamia, admitiam o instituto da manus, isto é, o poder do

marido sobre a mulher. Com base nessa potestas, conheceram duas espécies de

casamentos: o casamento cum manu e o sine manu. Ambas eram formas

legítimas de casamento entre os romanos.

Casamento cum manu é aquele em que a mulher cai sob o poder do

marido ou do pater familias do marido, caso ele seja alieni juris.61

Casamento sine manu é aquele em que a mulher não cai sob o poder do

marido, continuando sob a manus do pater da família de que provém. Se a mulher

era sui juris, assim continua sendo, já se era alieni juris, não cai sob a nova

manus. 62

60 Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, São Paulo: José Bushatsky,

1976, p. 18.61 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 121.62 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 122.

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2.1.3 A natureza jurídica do matrimônio romano

Nos dizeres de José Carlos Moreira Alves63, havia muita controvérsia

entre os romanistas sobre a natureza jurídica do casamento romano.

A polêmica se iniciou com os glosadores que, se abstendo de definir o

casamento, o caracterizavam, a princípio, como contrato sem fundo patrimonial

(contractus personarum).

Já os últimos glosadores, sob a influência dos canonistas, passaram a

considerá-lo um actus legitimus (ato jurídico).

Os pós-glosadores retomaram a tese de que o casamento romano era um

contractus personarum.

Posteriormente, os representantes franceses da escola culta o

classificaram como species societatis (espécie de sociedade).

Os jurisconsultos dos séculos XVII e XVIII, em sua quase totalidade,

consideravam o casamento romano um contrato, fixando-se, geralmente, no de

sociedade.

Pietro Bonfante, inspirado por Manenti, elaborou, ainda no final do século

XIX, tese revolucionária sobre a natureza jurídica do casamento romano, que até

os dias atuais é seguida pela maioria dos romanistas.

De acordo com a teoria formulada por Bonfante, trazida por Álvaro

Villaça64, o matrimônio romano era uma situação de fato que se iniciava, sem

quaisquer formalidades, com o simples acordo de vontade do homem e da mulher

e que perdurava somente enquanto persistia a intenção dos cônjuges em

permanecerem casados, ocorrendo sua dissolução, imediatamente, no momento

em que um deles, ou ambos, deixasse de tê-la.

63 Ver a respeito: José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., v. 2, p. 289 e ss.64 Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 22-23.

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Nesse mesmo sentido, nos traz Arnoldo Wald65 a idéia romana de

casamento, que muito difere da dominante em nossos dias. Para os romanos, a

affectio era um elemento necessário para o casamento. A affectio deveria estar

presente não só no momento da celebração do casamento, mas também, e

principalmente, enquanto perdurasse esse casamento.

O consentimento das partes por ocasião da celebração do casamento não

poderia ser apenas inicial, teria sim que ser continuado, pois, para os romanos, a

afeição é que dava sustentação ao casamento. O desaparecimento desse

sentimento que um dia uniu o casal, por si só já era causa para a dissolução do

casamento.

Tem-se assim que, no direito romano, o matrimônio se iniciava com o

acordo de vontades do homem e da mulher de se casarem, e perdurava apenas

enquanto esse acordo persistisse. Identificam-se assim dois elementos

constitutivos do casamento romano: o elemento subjetivo − a affectio maritallis,

que se resumia na intenção contínua dos cônjuges permanecerem casados, e o

elemento objetivo – a convivência e a vida em comum.

2.1.4 A dissolução do matrimônio no direito romano

Nos tempos primitivos, ao que parece, o divórcio foi raro, em virtude da

severidade de costumes. O marido não repudiava a mulher, a não ser nos poucos

casos admitidos pelos costumes. O primeiro divórcio que se tem conhecimento

em Roma teve por fundamento a esterilidade da mulher.66

Amaral Gurgel conta relato de Valério Máximo: “Desde a fundação da

cidade de Roma até o ano de 520, não se registrara nenhum divórcio. Foi Spurius

Curvilius, o primeiro que repudiou sua mulher, por motivo de esterilidade. O caso

65 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 12.66 Veja-se a respeito: José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 321.

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escandalizou Roma, cujas famílias respeitavam a fé conjugal, instituída na cidade

que o piedoso Camillo dizia ser a morada dos deuses.”67

No mesmo sentido discorre Ebert Chamoun, ao esclarecer que “os

divórcios eram muito pouco freqüentes no direito antigo. O repúdio da mulher pelo

marido era autorizado apenas quando a mulher fosse adúltera, bebesse vinho ou

abortasse”.

Continua ainda Chamoun, informando que o casamento romano se

dissolvia com o desaparecimento da intenção dos cônjuges de serem marido e

mulher. O divórcio, segundo o autor, decorria da natureza consensual do

matrimônio e exigia igualmente o firme propósito de separação definitiva.68

Os costumes romanos permitiam o divórcio pelo consentimento mútuo, ou

pela vontade de um só (repúdio), sendo ambas as modalidades independentes de

qualquer intervenção da autoridade pública estatal.69

Álvaro Villaça70, reportando-se à teoria de Pietro Bonfante, identifica três

formas distintas de dissolução do matrimônio romano, a saber:

a) pela morte de um dos cônjuges;

b) pela cessação da capacidade;

c) pela cessação da affectio maritalis, sendo que ela poderia ocorrer por

iniciativa de um dos cônjuges, quando ocorreria o repudium, ou, quando

advinha da vontade de ambos, acontecia o divortium.

Divortium significava dissolução do casamento provocada pela vontade

de um dos cônjuges ou de ambos; já repudium significava manifestação unilateral

da vontade de dissolver o matrimônio.71

67 J. do Amaral Gurgel. Desquite: theoria e prática, São Paulo: Acadêmica, 1936, p. 5.68 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163.69 Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial

ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, cit., p. 25.70 Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 25.71 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163.

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2.1.5 A desagregação da família romana

Ana Lucia Pedroni, com supedâneo em José Eduardo de Oliveira Leite72,

esclarece que, até o século III, poucos foram os casos de divórcio na sociedade

romana, contudo, a partir desse período, o divórcio pelo consentimento dos dois

cônjuges ou pela vontade de um só tornou-se moeda corrente das relações

familiares. Assistia-se a partir de então a uma epidemia de separações conjugais.

Em fins da República e início do Alto Império, por volta do ano 27 a.C., o

divórcio passou a preocupar o governo, pela freqüência demasiada com que se

observava, a ponto de correr na boca romana a frase: há mulheres que contam as

datas, não pelos nomes dos cônsules, mas pelos dos maridos. A crise de

natalidade atingiu o máximo no Império; os costumes relaxaram-se, a família

desagregou-se.73

Augusto, procurando reprimir o mal, promulgou leis com o intuito de

moralizar os costumes, não só para reprimir o adultério, como para pôr um freio à

grande liberdade dos divórcios. Surgiu assim a Lex Iulia Adulteris, que ordenou,

por volta de 18 ou 16 a.C., que o repúdio se fizesse por um libelo, na presença de

sete cidadãos romanos púberes, e a Lex Iulia de Maritandis Ordinibus de 18 a.C.,

proibiu a liberta divorciar-se do patrono contra a vontade dele.74

Esclarece Cretella Junior que sem qualquer limitação legal ao divórcio,

em fins da República e início do Império, ameaçava Roma uma série crise de

natalidade. Contudo, durante o direito clássico, não se chegou a estabelecer um

elenco de causas autorizadoras e punitivas do divórcio.

A primeira intervenção direta do Estado na dissolução do casamento foi

feita por Dioclesiano, por volta de 285 d.C., através de uma constituição imperial

72 Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial

ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, cit., p. 25.73 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 132.74 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163.

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(código 5.44), que preceituava: “No caso de indignidade de um dos cônjuges,

decidirá o magistrado a quem caberá a guarda dos filhos.”75

Contudo, o combate ao divórcio só teve início no Império cristão.

No ano de 331, durante o governo de Constantino, a mulher podia se

divorciar se o marido fosse homicida, envenenador ou violador de sepulcros.

Contudo, se o repudiasse sem causa, devia restituir-lhe o dote e todos os

presentes e ser deportada. Já o marido podia repudiar a mulher que fosse

adúltera, envenenadora e alcoviteira. E se repudiasse sem motivo, devia restituir-

lhe o dote e não contrair novas núpcias, podendo a mulher, nesse caso, invadir a

casa dele e apoderar-se do dote da outra mulher.76

Em 439, Teodosio II aboliu essa legislação, limitando-se a cominar

sanções contra o cônjuge culpado do divórcio, mas, dez anos mais tarde, voltou a

proibir o divórcio “sem justa causa”, apresentando uma longa lista de causas

justas; as sanções aos divórcios injustos foram atenuadas.77

Já Justiniano reafirmou a necessidade de formalidade no repúdio e

ajuntou novas causas justas de divórcio à lei teodosiana. Em 535, o direito

justinianeu distinguia quatro espécies de divórcio:78

a) divortium ex iusta causa: era o divórcio realizado por um dos cônjuges,

em virtude de o repudiado ter cometido atos que legitimamente

justificassem o repúdio, como, por exemplo, manter concubina no lar

conjugal, ou de forma ostensiva na mesma cidade onde estivesse

domiciliada sua esposa; quanto à mulher, quando praticasse adultério ou

contrariasse a vontade do cônjuge;

b) divortium bona gratia: decorria da vontade de ambos, ou, era pedido

por apenas um dos cônjuges, quando justificado por causa legítima, como

esterilidade, impotência incurável ou voto de castidade;

75 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 133.76 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 164.77 José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322.78 José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322.

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c) divortium sine iusta causa: era o repúdio de um dos cônjuges pelo

outro, sem qualquer das causas legítimas que o justificasse;

c) divortium communi consensu: era o divórcio realizado de comum

acordo por ambos os cônjuges, sem que ocorresse qualquer das “justas

causas”.

Segundo as novelas CXVII, CXXVII e CXXXIV, quando um dos cônjuges

se divorciava do outro sem justa causa, ou quando dava justa causa para que o

outro o repudiasse, o cônjuge responsável era punido com penas pecuniárias, a

saber: a mulher perdia o dote e o homem perdia as doações nupciais, além de

penas corporais e prisão perpétua em convento, tanto para os homens, como

para as mulheres.79

Mais tarde, Justiniano diminuiu o número de causas legítimas e agravou

as penas para o marido. Contudo, essa legislação inspirada pelo cristianismo era

sobremaneira inadequada à longa tradição divorcista romana. Quatro anos após

haver proibido, foi o divórcio, por mútuo consentimento, restabelecido por Justino

II, que ratificou as demais disposições justinianéias.80

O divórcio permaneceu enfrentando a reação do direito da Igreja, que

fizera do matrimônio um sacramento, tornando-o, portanto, indissolúvel, e

formulara a doutrina de separatio a thoro et mensa, do qual proveio o nosso

desquite.81

Verifica-se assim que foram os imperadores cristãos, sob a influência da

doutrina da Igreja sobre a indissolubilidade do casamento, que começaram a

combater o divórcio, sem, entretanto, chegarem a proibi-lo.

Observa Cretella Junior que a atitude dos imperadores cristãos diante do

divórcio era oscilante, porque, se por um lado, de acordo com as normas do

cristianismo, defendiam a indissolubilidade do vínculo matrimonial, por outro lado,

79 José Carlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322.80 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 165.81 Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 165.

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não ousavam oficialmente abolir o instituto, mas apenas restringi-lo, tanto assim

que uma constituição de Alexandre Severo, do ano de 224, decreta a nulidade de

um pacto proibitório referente ao divórcio entre esposos como sendo contrário ao

direito consuetudinário.82

2.1.6 A culpa no direito romano

Durante o período antigo do direito romano, pode-se identificar ao menos

três causas autorizadoras do repúdio da mulher pelo homem: o adultério, a

esterilidade e o aborto. Uma decorrente do dever de fidelidade, com o objetivo de

garantir a paternidade dos filhos havidos dessa união, e as outras duas

decorrentes do dever de procriação.

Constata-se dessa forma o surgimento de um novo dever − o da

procriação − que embora tenha chegado até a era moderna, não resistiu às

concepções da atualidade.

Esse dever decorre da função que a mulher passou a exercer no âmbito

doméstico, após a instituição do patriarcalismo. A violação desse dever, que

normalmente independia de qualquer conduta da mulher, autorizava o homem

repudiá-la, de acordo com os costumes da época, que era o único regramento a

que se submetia o casamento.83

A esterilidade e a incapacidade para ultimar uma gravidez eram

considerados atos ilícitos, entendidos como um fato violador de uma obrigação ou

de um dever preexistente, que autorizava o homem a repudiar sua mulher, por

culpa dela, caso ela incidisse em uma dessas duas situações.

82 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 13483 Ver a respeito: Erbert Chamoun. Instituições de direito romano, cit., p. 163; Caren Becker de

Sousa. A culpa na separação e no divórcio, Belo Horizonte: Mandamentos, 2006, p. 54-55; JoséCarlos Moreira Alves. Direito romano, cit., p. 322; Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação:inadimplemento, cit., p. 30.

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Ocorre que, com o passar dos séculos, a sociedade romana passou por

profundas mudanças em decorrência das transformações introduzidas nos

costumes romanos. Durante o período pós-clássico, que vai do século III até a

morte de Justiniano, em 565, a civilização romana viveu o período de decadência,

provocado pela desagregação da família, em decorrência do relaxamento dos

costumes.84

Lúcia Stella Ramos do Lago relata que “nos primeiros tempos, os severos

costumes e a rígida moral dos romanos foram os freios mais veementes ao

divórcio, sendo certo que este começou a existir com a decadência desse

comportamento”.85

Deixando de ser observadas as regras morais, a sociedade romana ficou

sem freio, passando a praticar socialmente os mais variados atos de libertinagem

e de promiscuidade, o que acabou por provocar uma grave crise de natalidade.86

Deixaram de existir limites para o divórcio, fosse ele consensual,

divorcium, fosse unilateral, repudium.

2.2 Direito canônico

O direito canônico surgiu quando a sociedade romana encontrava-se em

franca decadência moral, provocada pela desagregação da família, diante dos

abusos cometidos na utilização do divórcio.87

84 Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da separação judicial

ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direito brasileiro, cit., p. 25-26.85 Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, São Paulo:

Saraiva, 1989, p. 68.86 Ver a respeito: Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 11-12; e J. do Amaral Gurgel.

Desquite: theoria e prática, p. 5-6.87 Ver a respeito: Ana Lúcia Pedroni. Dissolução do vínculo matrimonial: (des)necessidade da

separação judicial ou de fato como requisito prévio para obtenção do divórcio no direitobrasileiro, cit., p. 26-29; Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 12-17; Álvaro VillaçaAzevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 30 e ss.

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A Igreja Católica, por vários séculos, instituiu a noção de culpa no

casamento, em razão da prática do pecado original por Adão e Eva, o que

provocou sua expulsão do Paraíso, absorvendo assim a mácula do pecado. Para

a Igreja, o casamento é eterno, sagrado e indissolúvel, não se tolerando, em

consequência, a separação do casal. Pelo direito canônico, o divórcio era

admitido apenas em raríssimos casos identificados com ilícitos penais. Em

decorrência desse direito eclesiástico, surgiu o princípio da culpa, como forma de

manter o casamento, que só poderia ser desfeito mediante a comprovação de um

culpado que, em razão disso, deveria ser punido.88

A reação da Igreja contra a dissolubilidade do vínculo do casamento,

largamente tolerado e consentido nos primeiros séculos do cristianismo, tomou

como ponto de partida a parábola de Cristo “não separe o homem o que Deus

uniu”.89

2.2.1 O surgimento do direito canônico

Para moralizar e garantir a incolumidade da família cristã, era necessário

remediar os abusos cometidos na utilização do divórcio pelas civilizações

primitivas, vedando-se drasticamente o desfazimento da sociedade conjugal.

Ana Caroline Santos Ceolin traz passagem em que Antunes Varela

ressalta o fim moralizante que teve a indissolubilidade do casamento, e que

permitiu a contenção dos abusos praticados anteriormente através do divórcio:

“Foi deliberadamente com o ânimo de combater os graves abusosa que o divórcio conduzira, numa sociedade em francadecadência moral, que o cristianismo reabilitou o casamento,considerando-o instituição de raiz sobrenatural e conferindo-lhe,além do atributo da unidade (já reconhecido pelo direito romano,que condenava a poligamia), a propriedade essencial daperpetuidade.”90

88 Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de família, disponível em:

<www.pailegal.net/chicus.asp?rvTextoId=1116918532>, acesso em: 25 jun. 2006.89 Yussef Said Cahali. Separação e divórcio consensual mediante escritura pública, cit., p. 31.90 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 30.

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Segundo Aramy da Luz:

“Ao tempo em que o cristianismo ganhou forças e se impôs,quando a fé logrou iluminar os primeiros imperadores, Romaafundava na promiscuidade, mergulhada em costumes devassos.As famílias se dissolviam, não havia estabilidade alguma noslaços matrimoniais. A sociedade andava em busca do prazer, semconsciência do caos que a envolvia. A opulência e a luxúriadizimavam os lares. O divórcio era praticado com excessivaliberdade, não sendo necessária sequer a intervenção da justiça.Resolvia-se ao arbítrio de cada um. Os romanos eram juízes de sipróprios, podendo casar-se e divorciar-se quando bementendessem, tomando resoluções unilaterais, tanto os maridosquanto as mulheres.”91

O enfraquecimento da autoridade moral, política e intelectual da

civilização romana cedeu espaço para o cristianismo que, pretendendo tornar-se

religião universal, se apresentou, num primeiro momento, com princípios morais

próprios, reforçando a idéia de um direito natural divino e, num segundo

momento, constituiu uma possibilidade de justificação do poder e do sistema

jurídico.92

O cristianismo surgiu durante o Baixo Império, quando os romanos

usavam e abusavam do divórcio, surgindo como meio de conter esses abusos.

Nessa época, o casamento dos cidadãos romanos transformara-se em

libertinagem, pelos divórcios anuais.93

Esclarece Arnoldo Wald que “coube ao direito canônico destacar a

importância das relações sexuais no casamento”94. Firmou-se a doutrina da Igreja

no sentido de que o simples consenso atual e presente concretiza o casamento,

mas quando não seguido por relações sexuais entre os nubentes, pode ser

dissolvido em casos excepcionais, previstos pelo direito eclesiástico.

Nos primeiros tempos, informa Lúcia Ramos do Lago, a Igreja tinha

normas próprias sobre o casamento, proibitivas e imperativas, diversas das leis

91 Aramy Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei de

regulamentação, São Paulo: Saraiva, 1978, p. 15.92 Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de família, cit., p. 2.93 J. do Amaral Gurgel. Desquite: theoria e prática, cit., p. 6.94 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 14.

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civis e baseadas em textos evangélicos e nas epístolas de São Paulo, sem que

essa união, por ela realizada, pudesse valer ante o sistema legal do Estado.

Mesmo com a influência exercida sobre os imperadores cristãos, à Igreja

não competia ainda legislar sobre o casamento e sobre as relações dele

decorrentes. Limitava-se a disciplinar a conduta de seus fiéis, procurando impor

aos cristãos suas regras.95

Em 476, Roma foi conquistada, terminando o Império Romano do

Ocidente. Em 565, desmembrou-se o Império Romano em Ocidente e Oriente96, e

com ele desapareceu uma ordem secular estável97. Foi a partir desse momento

que começou a crescer o poder da Igreja, com a conversão dos bárbaros ao

cristianismo.98

Terminadas as guerras, no Império Romano do Ocidente, a única

instituição organizada que sobreviveu foi o papado. A Igreja surgiu como a

detentora do mais poderoso dos monopólios: o conhecimento. Por um lado, os

religiosos cristãos eram os únicos europeus letrados no início da Idade Média; por

outro, o povo estava ávido de um amparo superior que desse significado e

organizasse novamente a sociedade, e a revelação divina surgia como a única

expressão capaz de ditar uma ordem eterna e válida para todos.99

A introdução do catolicismo aduzido à queda do Império Romano do

Ocidente, segundo César Fiúza, impôs uma nova transformação radical no

paradigma familiar ocidental. As invasões bárbaras provocaram um certo

retrocesso civilizatório, na medida que destruíram o poder político centralizado

então existente, que organizava e civilizava.

95 Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 73.96 José Cretella Júnior. Curso de direito romano, cit., p. 65-6697 Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de família, cit., p. 2.98 Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 74.99 José Francisco Botelho. Vaticano: uma biografia não autorizada, Super Interessante, São Paulo,

Editora Abril, n. 239, p. 63, maio 2007.

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A Igreja, através da catequização desses bárbaros que ansiavam por

civilização, e por ser ela própria o único meio para se alcançar essa meta, já que

era detentora do saber e das tradições greco-romanas, representava o elo de

comunicação e eventualmente de garantia contra o Império do Oriente.

O catolicismo impregnou a Europa com os costumes, leis e língua dos

romanos, mas não de modo absolutamente puro, já que permeado pela rígida

moral judaica.100

Na monarquia merovíngia e carolíngia, os reis, por seus legisladores,

esclarece Lúcia Ramos do Lago, legislavam sobre casamento, adotando, no mais

das vezes, regras eclesiásticas, conferindo-lhes sanção civil e penal, como,

dentre outras, a proibição de casamento entre parentes, disposições contra o

adultério e o incesto, mas a competência para decretar as penas e nulidades do

casamento continuava com os juízes seculares.

Aos poucos, a Igreja foi conquistando sua jurisdição, tornando-se auxiliar

do poder real, a ponto de existirem duas justiças, uma do Estado e outra da

Igreja, independentes, mas cumulativas.

Esse dualismo, entretanto, desapareceu com o tempo e cedeu lugar à

unidade, a jurisdição sobre o casamento passando a ser exercida pela Igreja, em

desfavor do Estado. Tal fato teria ocorrido, segundo a mesma autora, em meados

do século X. Iniciou-se assim a época clássica do direito canônico, especialmente

em matéria de matrimônio, como verdadeiro sistema jurídico.

Contudo, no século XVI, a Igreja começou a ter enfraquecida essa

posição de supremacia, perdendo seu poder legislativo e seu direito de

jurisdição.101

100 César Augusto de Castro Fiúza. Mudança de paradigmas: do tradicional ao contemporâneo, in

Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), A família na travessia do milênio: anais do II CongressoBrasileiro de Direito de Família, Belo Horizonte: IBDFAM; OAB-MG; Del Rey, 2000, p. 33.

101 Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 74.

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2.2.2 A dissolução da sociedade conjugal no direito canônico

Conta Arnoldo Wald que numa primeira fase, no próprio seio da Igreja, a

indissolubilidade do casamento não foi aceita de modo pacífico. O Evangelho de

São Mateus admite o divórcio no caso de adultério da mulher, enquanto os textos

de São Marcos e São Lucas negam a possibilidade de dissolver o vínculo,

qualquer que seja o motivo alegado.

Diante da divergência dos textos, a doutrina canônica se firmou no

sentido de interpretar o divórcio referido por São Mateus como a separação de

corpos, sem direito a contrair novas núpcias. Após longa hesitação, somente no

século XI é que a indissolubilidade foi acolhida por todos.

Durante a Idade Média, as relações familiares eram regidas

exclusivamente pelo direito canônico, visto que, do século X ao século XV, o

casamento religioso era o único conhecido.102

Contudo, embora o direito canônico fosse adverso ao rompimento do

vínculo do casamento, pois o considerava indissolúvel e sagrado, já que a união

era abençoada por Deus, permitia em algumas hipóteses a dissolução da

sociedade conjugal, de vez que não representavam qualquer ameaça à solidez e

à indissolubilidade atribuídas ao casamento, porquanto não importava na ruptura

do vínculo conjugal.103

Para que essa doutrina tivesse sustentação, foram difundidos os

conceitos de culpa, céu e inferno, passando os cristãos a se preocuparem em

manter uma vida sem ceder aos “pecados da carne”.104

102 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 12.103 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 30.104 Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 57.

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O direito canônico, esclarece Aramy da Luz, conheceu três formas de

separação dos cônjuges, com ou sem ruptura do vínculo, a declaração de

nulidade, a separação e o divórcio.105

A declaração de nulidade não afeta o vínculo que não chegou a ser

formado. O não-preenchimento dos requisitos indispensáveis à validade do

casamento não permite que produza efeitos. É nulo o casamento ad initio. A

declaração de nulidade não o desconstitui, apenas dá a certeza jurídica de que

nunca existiu.

A separação de leito, mesa e habitação (divortium quoad thorum et

habitationem) não abre ao homem nova perspectiva de casamento e é o principal

modo de dissolução da sociedade conjugal proposto pelo direito canônico. Podia

se dar por duas modalidades:

a) separação perpétua: decorrente da prática de adultério por um dos

cônjuges, nos termos do cânone 1.129, parágrafo 1º;

b) separação temporal: que contém numerus clausus autorizadores da

separação temporária, estabelecida no cânone 1.131.

O cânone 1.131 assim dispõe:

“§ 1º - Se um dos cônjuges dá seu nome a uma seita acatólica; seeduca acatolicamente seus filhos; se leva uma vida de vitupério eignomínia; se se constitui em causa de grande perigo para a almae para o corpo do outro; se, com suas sevícias, transforma a vidacomum em algo demasiado difícil, estas e outras causassemelhantes são todas elas causas legítimas para que o outrocônjuge possa separar-se com autorização do Ordinário local, eaté por autoridade própria, quando julgue estar correndo perigocom o tardar.§ 2º - Em todos estes casos, ao cessar o motivo da separação,deve restaurar-se a comunhão de vida; porém se a separação foidecretada pelo Ordinário para um tempo determinado ouindeterminado, o cônjuge inocente não está obrigado a ele, a nãoser que medeie um decreto do Ordinário ou que haja passado otempo.”

105 Aramy Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei de

regulamentação, cit., p. 22.

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Orlando Gomes ao analisar esse cânone, esposa entendimento diverso,

concluindo não ser taxativa a enumeração, expressando-se nos seguintes termos:

“Pode-se dizer, assim, que não há numerus clausus, porquanto se acha incluída

uma causa analógica”106, referindo-se à expressão “estas e outras causas

semelhantes” contida na parte final do cânone.

O divórcio vincular (divortium quoad vinculum) é o divórcio pleno,

regulado pelos cânones 1.118 a 1.127, sob a rubrica “da dissolução do

vínculo”.107

A regra geral no direito canônico é a indissolubilidade do vínculo

estabelecido. Assim, o divórcio vincular é permitido em caráter excepcional. O

vínculo do matrimônio pode ser dissolvido em virtude de profissão religiosa ou por

dispensa concedida pela Sé Apostólica com justa causa, por pedido de ambas as

partes ou de uma delas, ainda que a outra ao pedido se oponha.

Por profissão religiosa, entenda-se a ordenação do devoto à vida

religiosa, mediante formulação de votos públicos de obediência, castidade e

pobreza; por justa causa, há de se compreender os motivos mais graves que

tornem a vida em comum extremamente difícil.

Aramy da Luz, para elucidar tal situação, cita exemplo trazido por Alonso

Lobo:

“A dissociação de ânimos entre os cônjuges, sem esperança dereconciliação, o temor provável de um grande escândalo,discórdia e altercação dos consangüíneos, a impotência provávelcom perigo de incontinência, o divórcio civil obtido pela outraparte, a prova semiplena de algum impedimento dirimente, umaenfermidade contagiosa que tenha sobrevindo, o perigo que àalma pode resultar da coabitação, etc.”108

106 Orlando Gomes. Direito de família. Rio de Janeiro: Forense, 1983, p. 64.107 Aramy Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei de

regulamentação, cit., p. 25.108 Arturo Alonso Lobo, Comentarios al Código de Derecho Canónico, t. II, p. 692, apud Aramy

Dornelles da Luz. Divórcio no Brasil: ensaio de sistematização e comentários à lei deregulamentação, cit., p. 26.

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Tem-se assim que o direito canônico desenvolveu toda uma sistemática

organizacional para a separação daqueles que contraíssem matrimônio sob suas

regras.

Conforme entendimento de Arnoldo Wald109, é efeito da separação do

direito canônico a extinção do dever de coabitação, subsistindo, todavia, entre os

separandos, os deveres de fornecer alimentos e de fidelidade recíproca.

2.2.3 A idéia de culpa no direito canônico

Paralelamente à separação de leito, mesa e habitação, adotava o direito

canônico, em situações muito especiais, a possibilidade da separação conjugal

com a dissolução do vínculo do casamento. O rompimento do vínculo poderia ser

reconhecido quando fosse identificado um impedimento que causasse a invalidez

do casamento.

Mas, somente nas situações autorizadoras da separação de leito, mesa e

habitação é que se pode identificar a ocorrência da culpa. Assim, ocorrendo

causas de gravidade que impediam a convivência pacífica dos cônjuges, tornava

possível a separação, que poderia ser voluntária ou por autorização da Igreja,

perpétua ou temporária.

Dessa forma, com o intuito de identificar como a idéia de culpa foi tratada

pelo direito canônico, analisaremos a modalidade de dissolução da sociedade

conjugal pela “separação de leito, mesa e habitação”, pautando-nos para tanto

nos ensinamentos trazidos por Álvaro Villaça.110

De acordo com o direito canônico a comunhão de vida conjugal poderia

ser dissolvida, mantendo-se o vínculo matrimonial, mediante separação entre os

cônjuges, por um período de tempo variável.

109 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 15.110 Veja-se a respeito: Álvaro Villaça Azevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 34 ss.

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Os motivos autorizadores da separação eram variados, o primeiro deles

sendo o adultério, que permitia a separação perpétua (cânone 1.129), desde que:

a) fosse formal e culpável: isto é, quem o praticava devia ter

conhecimento da ilicitude do ato praticado;

b) consumado: deveria ter ocorrido a união carnal, não bastando outros

atos;

c) moralmente certo: as “presunções há de ser tais, que produzam

certeza moral, já que a prova do adultério raramente pode ser direta. Não

são suficientes as meras suspeitas de adultério. Exige-se certeza moral

do fato qualificado”;111

d) não pode ter sido motivado pelo cônjuge inocente, isto é, o cônjuge

inocente não podia se negar a cumprir o débito conjugal, ou expulsar o

outro de casa, demonstrando inequivocamente sua recusa em manter a

coabitação, sem que existisse causa para tanto.

A separação temporária tinha suas causas elencadas no cânone 1.153:

Grave perigo para a alma: se dava quando um dos cônjuges incitava ou

influenciava o outro, expressa ou tacitamente, a se desviar das práticas e

obrigações religiosas. Tratava-se do perigo contra a fé e a moral conjugal.

Grave perigo para o corpo: moléstia contagiosa que um dos cônjuges

podia transmitir ao outro durante o matrimônio, como as doenças venéreas,

demência furiosa ou outra enfermidade de alto risco para o outro e que tivesse

sido culposamente provocada.

Intolerância da vida em comum: se dava quando um dos cônjuges tornava

a vida em comum demasiado dura, tornando intolerável a vida conjugal, devido a:

a) sevícias: compreendia todos os tipos de injúrias graves, incluindo o

tratamento duro, cruel e desumano de um dos cônjuges para com o outro.

111 Álvaro de Azevedo Villaça. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 37.

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As sevícias podiam ser físicas ou morais. Exigia-se culpa ou dolo por

parte do cônjuge infrator;

b) vida criminosa e ignominiosa: requeria que o cônjuge culpado se

conduzisse de modo reprovável. Exigia-se a gravidade (a conduta de vida

devia ser moralmente grave); publicidade (a falta só se caracterizava

quando o delito chega ao conhecimento público); habitualidade (não

bastava um ato isolado, exigia-se uma conduta de vida moralmente

grave);

c) recusa do débito conjugal: segundo o cânone 1.135, os cônjuges têm

os mesmos direitos e deveres no consórcio da vida conjugal, dentre eles,

o débito conjugal.

d) embriaguez;

e) ódio: colocava-se dentre os motivos que tornam intolerável a vida em

comum, por ser o oposto à affetio maritalis, mas devia ser implacável,

sem qualquer esperança de reconciliação.

Dentre os direitos-deveres estabelecidos aos cônjuges pelo direito

canônico, havia, no cânone 1.128, o dever de coabitação. O descumprimento

desse dever podia acarretar a dissolução do vínculo matrimonial ou a separação

de leito, mesa e habitação.

Contudo, mesmo no direito canônico, não se pode generalizar a

incidência da culpa na separação. Fazendo-se um paralelo entre a separação

perpétua e a temporária, verifica-se na modalidade perpétua que só no adultério a

culpa era elemento indispensável ao divórcio. Já na modalidade temporária, não

se pode dizer o mesmo.

A. Bernardez Canton afirma que: “Como principio general se afirma que

en el ordenamiento canónico el requisito de la culpa es irrelevante para el

establecimiento de la separación entre cónyuges” 112. Já que existiam causas

autorizadoras da separação sem a ocorrência por completo de culpa, como nos

112 Alberto Bernardez Canton. Las causas canónicas de separación conyugal, Madrid: Tecnos,

1961, apud Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit.,p. 100.

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casos de enfermidade contagiosa, alienação mental e de outras, embora a culpa

as informasse, a separação seria concedida por outro fator.

Conclui Lucia Ramos do Lago que “a finalidade dessa separação

temporal é livrar os esposos do dever de convívio, que se tornou intolerável,

podendo essa mesma intolerância resultar de situações objetivas,

independentemente da idéia de que se tenham ocasionado por culpa de um

cônjuge”.113

A separação por culpa de um dos cônjuges podia ser identificada quando

o ato praticado pelo cônjuge culpado importasse em desvio moral caracterizador

de pecado, como é o caso da prática de sodomia, que consiste na prática de atos

sexuais contra a natureza, que no casamento de âmbito canônico, era causa de

separação temporal dos cônjuges, pontifica Lucia Ramos do Lago.

Nem mesmo os casos da prática de sevícias, quer físicas, quer morais,

consistindo as primeiras em maus tratos e as segundas em injúrias ou ofensas,

que ferissem a dignidade e os sentimentos do outro cônjuge, dependeriam

necessariamente da comprovação da culpa para que fosse autorizada a

separação do casal.

Na mesma situação se coloca o abandono malicioso, entendido como a

deserção do lar, que traz completo descontrole à célula familial. O acolhimento da

separação por esse motivo não dependia da necessária atribuição de culpa ao

cônjuge que havia descumprido com sua obrigação.

Assim, no direito canônico, a culpa na separação estava intimamente

associada à idéia de pecado, mas não significava que estivesse presente em

todas as hipóteses autorizadoras da separação conjugal, mas apenas naquelas

que importassem em promiscuidade e costumes devassos, e como não poderia

deixar de ser, em caso de adultério, o maior dos pecados contra o casamento.

113 Lúcia Stella Ramos do Lago. Separação de fato entre cônjuges: efeitos pessoais, cit., p. 100-

105.

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Lorenzo Miguélez Domínguez, ao tratar da separação no direito canônico,

conclui que “a separação conjugal não tem caráter de pena, nem se inflige para

castigar o cônjuge culpado, mas sim para evitar o próprio mal daquele que a

pede; por conseguinte, se há um perigo que se possa evitar por outro meio, não

se deve pronunciar a separação”.114

Tem-se assim que a culpa não é um elemento cultural, natural do homem,

mas um elemento repressor, imposto à sociedade de uma determinada época,

tendo por objetivo único a reorganização dessa sociedade moralmente

decadente.

Essa forma de organização familiar esculpida pelo direito canônico

vigorou por toda a Idade Média, do século X ao XV. Já no século XVI, a Igreja

começou a perder essa posição de supremacia, perdendo seu poder legislativo e

seu direito de jurisdição.

A partir do século XVIII, a sociedade ocidental começou a se transformar,

teve início o renascimento e o poder da Igreja Católica começou a ser

questionado por Lutero, que desencadeou o movimento reformador, fundando a

igreja protestante que, ao questionar a força divina que move a religião católica,

acabou por romper o dogma da sacralidade do casamento.

Registre-se que o direito canônico na atualidade é regido pelo Código

Canônico promulgado pela autoridade do Papa João Paulo II, em Roma, em

25.01.1983115, no qual se mantém:

a) A possibilidade de dissolução do vínculo do matrimônio conforme

disposições contidas nos cânones 1.141 a 1.150.

114 Lorenzo Miguélez Domínguez; Sabino Alonso Morán, O. P.; Marcelino Cabreron de Anta,

C.M.F. Código de derecho canónico y legislationes complementarias, p. 437, apud Álvaro VillaçaAzevedo. Dever de coabitação: inadimplemento, cit., p. 44.

115 CÓDIGO de Direito Canônico: Codex Iuris Canonici. Promulgado por João Paulo II, Papa;tradução da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil; notas, comentários e índice analítico doPe. Jesús Hortal, 12. ed., rev., ampl. com a legislação complementar da CNBB, São Paulo:Loyola, 2005. (Disponível em: <www.vatican.va/archive/cdc/index_po.htm/>. Acesso em: 06 jan.2008).

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O matrimônio contraído e consumado entre católicos não pode ser

dissolvido senão pela morte de um dos cônjuges. (cân. 1.141).

Já o matrimônio não consumado, firmado entre católicos ou entre pessoa

batizada e outra não batizada, poderá ser dissolvido por justa causa pelo Pontífice

Romano (cân. 1.142).

Pode ainda o matrimônio contraído entre pessoas não batizadas ser

dissolvido pelo privilégio paulino, em favor da fé da parte que recebeu o batismo

(cân. 1.143, § 1).

b) A possibilidade da separação com a manutenção do vínculo, conforme

disposições contidas nos cânones 1.151 a 1.155.

De acordo com o atual direito canônico, o casal pode se separar desde

que haja uma causa legítima (cân. 1.151).

O cânone 1.152, parágrafo 1º reconhece o direito de o cônjuge inocente

romper a convivência conjugal, quando o outro cometer adultério, a menos que

tenha consentido com essa prática, ou tenha dado causa a ela, ou, ainda, tenha

também cometido adultério.

Mantém também no cânone 1.153, parágrafo 1º, a possibilidade de um

dos cônjuges se separar por um motivo legítimo, como no caso do outro colocar

em grave perigo espiritual ou corporal seu cônjuge ou a prole, ou de outro modo

torne demasiado dura a vida em comum.

Verifica-se que o direito canônico atual diminuiu a intensidade da sanção

imposta ao cônjuge que infringe as obrigações decorrentes do matrimônio,

conquanto mantenha a indissolubilidade do vínculo do casamento consumado e

contraído entre católicos.

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2.3 A secularização do direito de família e o direito moderno

Como visto, o declínio do direito canônico se iniciou no fim da Idade

Média, especialmente após a Reforma. Para os protestantes, a competência em

matéria de direito de família deveria pertencer ao Estado, não se justificando a

atribuição de caráter sagrado ao casamento, que era por eles encarado como um

simples ato da vida civil, um contrato natural, cujo vínculo poderia ser dissolvido

por vontade dos cônjuges.

Os países sob influência da reforma protestante tiveram de elaborar uma

legislação própria para o direito de família e exerceram, grande influência sobre

os países católicos, a ponto das minorias não católicas levarem o Estado a

admitir, ao lado do casamento religioso, o casamento civil, instituído na França,

em 1767.

Gradativamente, o poder civil passou a legislar moderadamente sobre

direito de família, tanto nos países católicos, quanto nos protestantes.116

A reforma protestante, ao negar o caráter sagrado do casamento, como

defendido pela Igreja Católica, abriu caminho para a discussão sobre a

possibilidade do divórcio romper o vínculo do casamento, ainda que fundado em

violações culposas dos deveres matrimoniais por parte de um dos cônjuges.117

Com o Renascimento, fortaleceu-se a autoridade do rei, e assim o Estado

passou a reivindicar a competência para julgar as questões que envolvessem o

direito de família.

O Renascimento, movimento de renovação artística, literária e científica

ocorrido nos séculos XV e XVI, permitiu o surgimento de uma nova concepção

epistemológica, que representou a laicização e provocou uma transformação na

mentalidade dominante, alterando de modo definitivo a concepção do direito e do

116 Veja-se a respeito do tema: Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 15-18.117 Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 58.

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Estado, da qual decorreram quatro revoluções que, de forma significativa,

influenciaram o direito de família, a saber: a) revolução econômica, por meio do

capitalismo mercantil, do comércio; b) revolução política, representada pelo fim do

Estado teocrático, substituído pelo Estado de Direito; c) revolução do

conhecimento, representada pelo rompimento com o pensamento religioso; d)

revolução cultural, com inclusão da família, do indivíduo e da criança como base

da sociedade.

Com essa nova concepção, o Estado laico não mais deveria intervir na

vida moral dos cidadãos, e nem mesmo promovê-la, mas apenas tutelar a

segurança dos cidadãos, para que os limites da individualidade de cada um

fossem respeitados.

A adoção do princípio da secularização decorrente da separação

definitiva entre o Estado e a Igreja provocou grande mudança na concepção da

moral, que deixou de representar uma norma divina, para transformar-se em

conduta puramente humana.

A liberdade de consciência decorrente dessa secularização abriu a

possibilidade do casamento ser desfeito da mesma forma como fora constituído,

pela livre manifestação da vontade dos cônjuges, sem que esse ato

representasse violação da moral do outro consorte, o que serviria de fundamento

para a culpa.118

Porém, as possibilidades de separação eram restritas e sempre atreladas

à questão da expiação da culpa, já que o culpado deveria arcar com os ônus de

sua atitude condenável, o que decorria da grande influência exercida pela Igreja

sobre o direito matrimonial durante tantos séculos.119

118 Veja-se a respeito do tema: Belmiro Pedro Welter. A secularização da culpa no direito de

família, cit., p. 2.119 Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 59.

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Em 1898, o Código Napoleônico, elaborado sob a influência da ideologia

jusnaturalista, constituiu-se num marco histórico quanto aos temas da

responsabilidade civil e da culpa na era moderna, passando a exercer poderosa

influência sobre a legislação das demais nações ocidentais.

O Código de Civil de 1916 é fruto dessa ideologia desenvolvida no século

XIX, que acabou por ser reproduzida em parte no Código Civil de 2002.

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CAPÍTULO III

EVOLUÇÃO DA CULPA NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO

3.1 Influência do direito canônico

Segundo Arnoldo Wald, “na sua técnica, o direito leigo de família

conservou, todavia, os conceitos básicos elaborados pela doutrina canônica, que

ainda hoje encontramos no próprio direito brasileiro”.120

O direito brasileiro é filho do direito português, portanto a história de sua

evolução está intimamente ligada à história de seu progenitor.

Durante todo o período de colonização, o direito brasileiro se resumia ao

que era ditado pelas Ordenações do Reino de Portugal, o que significa que o

direito aqui vigente era apenas uma extensão dos direitos dos nossos

colonizadores. Essa situação fez com que o direito português exercesse profunda

influência na evolução do nosso o ordenamento jurídico.121

Portugal, pelo Alvará de 12.09.1564, ordenou fossem observadas as

disposições do Concílio de Trento em todos os domínios da monarquia

portuguesa. Em 1595, foi determinada a compilação das Ordenações Filipinas,

sendo que a Lei de 11.01.1603 mandou fosse tal compilação observada tanto em

Portugal quanto no Brasil, tendo vigorado em nossa pátria por mais de 300 anos,

tempo superior ao de vigência na própria pátria mãe, já que em Portugal as

Ordenações Filipinas foram revogadas em 1867, com a promulgação do Código

Civil português.

A legislação filipina manteve a indissolubilidade do vínculo matrimonial,

fazendo distinção entre o casamento meramente consensual e o consumado, em

120 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 17.121 Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, cit. p.

2.

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47

que houvera relações sexuais. Quanto ao primeiro, admitia em casos especiais a

sua anulação, desde que não tivesse sido seguido de relações sexuais entre os

nubentes.

3.2 A entrada da culpa no direito civil brasileiro

Entre nós, a Lei de 20.10.1823 manteve em vigor a legislação portuguesa,

consubstanciada nas ordenações, leis, regimentos, alvarás, decretos, resoluções,

enquanto não se organizasse um novo código e não fossem tais disposições

especialmente revogadas ou alteradas.

O Decreto de 03.11.1827 declarou vigorar em todas as dioceses do Brasil

o Concílio de Trento e a Constituição do Arcebispado da Bahia. A Consolidação

das Leis Civis de Teixeira de Freitas se refere ao Concílio de Trento em matéria

matrimonial, deixando claro em seu artigo 158 que as questões de divórcio,

nulidade de casamento e separação continuavam sob a competência exclusiva do

juízo eclesiástico.

Segundo Clovis Bevilaqua:

“Foi esta, por longo tempo, a forma de matrimônio exclusivamenterecebida pelo direito pátrio. Enquanto a quase totalidade dosbrasileiros era católica, ao menos por tradição, nenhum graveinconveniente havia em mostrar-se o Estado desconhecedor oudescurado de seus direitos nessa matéria. A imigração, porém, eo derramamento de novas crenças veio impor a necessidade deser decretada uma forma de casamento mais ampla e maiscompatível com os reclamos da civilização.”122

Foi somente na segunda metade do século XIX que surgiu no Brasil uma

legislação especial referente ao casamento dos acatólicos. A Lei n. 1.144, de

11.09.1861, deu efeitos civis aos casamentos religiosos realizados pelos não

católicos, desde que estivessem devidamente registrados.

122 Clóvis Beviláqua. Direito de família, cit., p. 55.

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48

A regulamentação do casamento civil foi um dos frutos das exigências

decorrentes das idéias liberais que reivindicavam a separação do Estado e da

Igreja.

Foi com a proclamação da República que houve a definitiva

desvinculação entre a Igreja e o Estado. Já na primeira Constituição Republicana,

era reconhecido apenas o casamento civil, cuja celebração era gratuita (art. 72, §

4º).

A regulamentação do casamento civil foi feita pelo Decreto n. 181, de

24.01.1890, que decreto permitia a separação de corpos com justa causa, ou por

mútuo consentimento, e foi o embrião do que hoje se chama separação judicial123,

mantendo, contudo, a indissolubilidade do vínculo matrimonial, e, no mais,

utilizando a técnica canônica dos impedimentos.

3.2.1 A culpa no Código Civil de 1916

O Código Civil de 1916 demorou quase um século para ser elaborado,

aprovado e promulgado. Nessas condições foi confeccionado em um tempo e

para esse tempo, mas acabou por regulamentar um momento histórico, político,

econômico e social completamente distinto, fundado em princípios quase opostos

aos de sua feitura.124

Elaborado sob a inspiração do Estado liberal burguês do século XIX, não

correspondia às aspirações do emergente Estado social instalado no Brasil já no

início do século XX.125

123 Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêutica

constitucional, Florianópolis: Conceito Editorial, 2007, p. 32.124 Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, cit., p.

7.125 FIÚZA, César Augusto de Castro. Direito civil: curso completo, 10. ed., Belo Horizonte: Del Rey,

2007, p. 30.

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O Código Civil foi estruturado em um trinômio fundamental que se resume

aos elementos propriedade, autonomia da vontade e família, fazendo

transparecer a ideologia liberal representativa dos interesses da classe burguesa

mercantil.

Mesmo o direito de família, considerado como o mais pessoal dos

direitos, foi marcado pelo predomínio do patrimônio, que se assentava num

arcabouço patriarcalista e hierarquizado.126

A família conforme a configuração que lhe emprestava o Código Civil

constituía uma comunidade, formada a partir do casamento e unida pelos laços

de sangue. A fórmula adotada, delineada pelo direito canônico, que compreendia

o processo preliminar de habilitação para o casamento, o sistema dos

impedimentos matrimoniais, bem como de nulidades e anulabilidades,

considerando indissolúvel o vínculo matrimonial, atendia perfeitamente ao intento

da classe dominante da época.

Previa o Código Civil algumas causas autorizadoras do pedido de

desquite − nome então utilizado para designar a atual separação judicial – que

estavam previstas no artigo 317, a saber, o adultério, a tentativa de morte, as

sevícias e injúria grave, o abandono voluntário do domicílio conjugal por mais de

dois anos consecutivos e o mútuo consentimento dos cônjuges que estivessem

casados por mais de dois anos.

Mas a dissolução do casamento era tratada pelo Código Civil como um

fato causador de dano social, uma vez que fundamentava sua ideologia na

mentalidade predominante no século XIX, quando a família era uma instituição

fundada no casamento e a ele diretamente vinculada. O casamento era valorado

como um bem em si mesmo, necessário à consolidação das relações sociais e,

portanto, totalmente desvinculado da realização pessoal de seus membros. O

importante era a preservação da instituição, pouco importando a felicidade e o

bem-estar de seus integrantes.

126 Renata de Lima Rodrigues. As tendências do direito civil brasileiro na pós-modernidade, cit., p.

9.

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50

Nessa concepção, a dissolução do casamento, nos dizeres de Gustavo

Tepedino127, representava o “esfacelamento da própria família”, e por isso

socialmente reprovado.

Tudo o que viesse a representar uma ameaça ao casamento era

totalmente rechaçado pela lei, sempre objetivando a preservação da unidade

formal do casamento, que fora elevado a um valor superior ao interesse individual

do homem ou da mulher que, por qualquer motivo, pretendessem se separar.

Por essa razão, na fórmula adotada pelo Código Civil de 1916, o vínculo

do casamento era preservado tanto no desquite consensual, quanto no litigioso. A

sociedade conjugal poderia ser desfeita, mas não o casamento.

Para manutenção desse sistema, a mulher, com o matrimônio, perdia não

só o seu patrimônio, como também sua capacidade e individualidade, pois se

tornava relativamente capaz e tinha que adotar o nome de família do marido. Não

podia trabalhar, dependendo, para tanto, do consentimento do marido.128

Numa sociedade cuja estrutura da família girava em torno do homem, que

detinha o pátrio poder, a mulher desquitada, ainda que fosse o cônjuge inocente,

era a parte mais penalizada pela dissolução da sociedade conjugal, sujeita a todo

tipo de reprovação social.

Observa-se que o Código Civil de 1916 não distinguia o responsável pelo

adultério, se o homem ou a mulher, como causa para o desquite, no entanto,

conforme a redação original do Código Civil, os efeitos do reconhecimento da

culpa no desquite litigioso atingiam mais duramente a mulher, tanto social, quanto

juridicamente. Se fosse considerada culpada, ela perderia o nome do marido e o

direito aos alimentos.

127 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 382.128 Maria Berenice Dias. Era uma vez..., in Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Afeto, ética, família

e o novo Código Civil: anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família Belo Horizonte:IBDFAM; Del Rey, 2004, p. 16.

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Deve-se lembrar que, sob o sistema do Código Civil de 1916, ao se casar,

a mulher assumia obrigatoriamente os apelidos do marido, nos termos do artigo

240. Quanto aos filhos menores, ficariam eles sob a guarda do cônjuge

considerado inocente, conforme o artigo 326. Entretanto, se ambos fossem

considerados culpados, a mãe teria o direito de conservar em sua companhia as

filhas, enquanto menores, e os filhos até a idade de seis anos, sendo estes

últimos, a partir dessa idade, entregues ao pai.129

Em relação aos cônjuges, o desquite litigioso produzia como efeitos:

guarda dos filhos menores pelo cônjuge inocente; pagamento de pensão

alimentícia para manutenção dos mesmos, pelo cônjuge que não ficasse com a

guarda; e pagamento de pensão à cônjuge mulher, quando inocente e pobre130,

nos termos do artigo 320 do Código Civil de 1916.

Somente a partir de 1930 é que começaram a surgir leis que

asseguravam a proteção da família, sendo de importante realce para o direito de

família a Lei n. 4.121, de 27.08.1962, que emancipava a mulher casada,

reconhecendo-lhe, na família, direitos iguais aos do marido.

A legislação brasileira de então, assim como as da grande maioria dos

países, admitia o desquite consensual e o desquite litigioso, mas este último só

por motivos determinados em lei e associados à idéia de culpa.

Os fatos não imputáveis à culpa de um dos cônjuges não podiam nesse

sistema ser invocados como causas de divórcio, ainda que tornassem a vida em

comum difícil.

Contudo, a enumeração trazida pelo artigo 317, considerada taxativa,

desde logo permitiu constatar a impossibilidade de se prever, de forma fechada,

todas as hipóteses que deveriam autorizar a separação conjugal. A forma

129 Adélia Moreira Pessoa. A objetivação da ruptura na separação judicial, Revista Brasileira de

Direito de Família, Porto Alegre: Síntese; IBDFAM, ano 5, n. 22, p. 49, fev./mar. 2004.130 J. do Amaral Gurgel. Desquite: theoria e prática, p. 262.

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encontrada foi atribuir elasticidade à noção de injúria grave, entendida como

verdadeiro conceito jurídico indeterminado.131

Comenta Caren Becker que “de qualquer forma, nessa época, a

dissolução da sociedade conjugal apenas era admitida em casos excepcionais, já

que o conceito de família estava ligado à idéia de manutenção dos interesses da

instituição, ainda que com sacrifício de um ou de alguns de seus membros”.132

O casamento, segundo Silvio Rodrigues133, sempre foi considerado como

parte central da família, tendo merecido espaço de realce nas Constituições

brasileiras do passado, como por exemplo, na Constituição de 1934 que, no artigo

144, dizia que a família, constituída pelo casamento de vínculo indissolúvel,

estava sob a proteção do Estado, norma repetida nas Constituições de 1946,

1967 e 1969.

Em decorrência da moralidade do direito canônico presente na sociedade

brasileira à época, a noção de culpa estava amplamente permeada de

preconceito social.

Sob o regime do Código Civil de 1916, antes da Lei do Divórcio, não

havendo outra forma de desquite unilateral, senão a litigiosa, com a imputação de

culpa ao outro cônjuge, muitas vezes eram forjadas circunstâncias, a fim de se

configurar a hipótese de adultério, o que terminava por gerar enorme

constrangimento aos próprios cônjuges e aos filhos.

A indissolubilidade do casamento impunha àqueles que ousavam se

separar a marca infamante da culpa e, segundo Gustavo Tepedino, “do ponto de

vista cultural, o cônjuge desquitado, sobretudo o cônjuge-mulher, era visto com

forte preconceito, como pessoa posta à margem das relações familiares”.134

131 Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 61.132 Caren Becker de Sousa. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 62.133 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 10.134 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 369.

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3.2.2. A culpa na Lei do Divórcio

A Emenda Constitucional n. 9, de 28.06.1977, dando nova redação ao

parágrafo 1º do artigo 175 da Constituição Federal de 1967, pôs termo à

indissolubilidade do vínculo matrimonial, vindo a alterar profundamente o sistema

estabelecido pelo Código Civil, em matéria de família. Seguiu-se a Lei n. 6.515,

de 26.12.1977, a Lei do Divórcio, que complementando a Emenda Constitucional

n. 9, regulou os casos de dissolução da sociedade conjugal e do casamento, seus

efeitos e respectivo processo. Sem dúvida, representou um marco no campo do

direito de família no século XX.

O direito brasileiro acompanhou as tendências legislativas dos demais

países ocidentais, em especial aqueles marcados pelo catolicismo, revogando o

princípio da indissolubilidade do vínculo do casamento, por meio de emenda

constitucional.135

O legislador brasileiro não se diferenciou muito do percurso histórico

verificado em outros ordenamentos da família romano-germânica, onde se tem

observado a atenuação dos efeitos da culpa na separação conjugal, embora sua

presença seja renitente.

Na França, com a entrada em vigor da Lei n. 75/617, de 11.07.1975 em

01.01.1976, foi introduzida mais uma reforma ao divórcio que, seguindo os

impulsos do movimento legislativo, radicalmente transformou, após 1964, o direito

civil francês da família.

Mesmo antes de 1975, o divórcio já existia na França, restabelecido que

fora em 1884 pela Lei Naquet, após ele ter sido abolido em 1816, por ocasião da

Restauração. O velho direito francês não conhecia a separação de corpos, e foi a

Lei revolucionária de 20.09.1792 que o introduziu França, tendo sido ele

posteriormente admitido pelo Código de 1804.136

135 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 33.136 Gérard Cornu. Droit civil: la famille, 2. éd., Paris: Montchrestien, 1991, p. 386.

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Segundo Alain Bénabent137, o direito francês, assim renovado na matéria

pela lei de 1975, se harmonizou com a maior parte dos direitos estrangeiros, que

também haviam efetuado tais reformas. O impulso do divórcio é, com efeito, um

fenômeno constantemente observado nas sociedades ocidentais. Somente a

Espanha ignorava, à época o divórcio, e só conhecia o regime de separação de

corpos. A Itália já admitira o divórcio após um referendo popular, em 1974.

Quanto aos países anglo-saxões, aos países nórdicos e a Alemanha, adiantaram-

se à França na admissão das reformas.

Na experiência italiana, a culpa perdeu terreno com a reforma de 1975

(modificada pela Lei n. 74, de 1987), que introduziu o divórcio.138

Conforme Luigi Bellantoni e Franco Pontorieri, na nova fórmula, é

facultado aos cônjuges pedir a separação quando verificados fatos tais que

tornem intolerável a convivência ou provoquem grave prejuízo à educação da

prole. Tais fatos, por expressa disposição da lei, podem ser também

independentes da vontade de um dos cônjuges.139

No Brasil, a despeito do intenso confronto ideológico travado entre

divorcistas e antidivorcistas, a Lei n. 6.515/77, rompendo barreiras impostas pela

noção teleológica do casamento, regulamentou o divórcio, permitindo, além da

ruptura da sociedade, a ruptura do vínculo conjugal. Foram, em conseqüência,

revogados os dispositivos do Código Civil de 1916 referentes à dissolução da

sociedade conjugal. Entretanto, tal regulamentação, no dizer de Gustavo

Tepedino, foi “assaz limitativa do divórcio”.140

A razão dessa limitação foi a forte presença de resquícios da tradição

católica, que sempre se opôs à dissolução do vínculo do casamento, e se

manifestou na Lei do Divórcio através da inserção em seu texto normativo do

137 Alain Bénabent. Droit civil: la famille, 3. éd., Paris: Litec, 1988, p. 173.138 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 380.139 Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, Napoli: Jovene, 1976, p. 74.140 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 370.

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elemento culpa, a ser imputado a um ou a ambos os cônjuges, impregnando-o da

noção de pecado.141

A Lei n. 6.515/77 veio a permitir o divórcio a vínculo em duas hipóteses,

uma de caráter permanente, e outra transitória, a saber: a) a separação judicial,

desde que observadas as condições legais, poderia ser convertida em divórcio; b)

divórcio direto, obtido após separação de fato por mais de cinco anos, desde que

iniciados antes da data da promulgação da lei, em 28.12.1977.

Manteve assim a lei do divórcio o instituto do desquite, batizando-o como

separação judicial, que passou a coexistir com o divórcio. A manutenção dessas

duas formas de dissolução da sociedade conjugal, uma reversível e temporária, e

outra definitiva, não é criação pátria, pois conheceram essa dupla forma de

extinção da sociedade conjugal Argentina, Alemanha Ocidental, Bélgica, França,

Holanda, Itália, Portugal e Uruguai.142

Os dois institutos, separação judicial e divórcio, ainda subsistem nos dias

atuais no direito brasileiro, enquanto o primeiro representa mera separação de

corpos e de bens, com a manutenção do vínculo conjugal − o que impede um

novo casamento dos separandos – e o segundo dissolve o vínculo matrimonial,

permitindo que os divorciados se casem novamente.143

O artigo 5º da Lei n. 6.515/77 substituiu o artigo 317 e incisos I a IV do

Código Civil de 1916, dispondo que a separação judicial poderia ser pedida por

um só dos cônjuges, quando imputasse ao outro conduta desonrosa ou qualquer

ato que importasse em grave violação dos deveres do casamento e tornasse

insuportável a vida em comum.

141 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 33.142 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed. rev. e ampl., São Paulo: Revista dos Tribunais,

1991, v. 1, p. 62.143 A Proposta de Emenda à Constituição n. 33/2007, apresentada pelo deputado Sérgio Barradas

Carneiro, visa alterar o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, para supressão doinstituto da separação judicial, eliminando assim essa dualidade de procedimentos para se obtero rompimento do vínculo do casamento.

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Yussef Cahali144, na oportunidade, destacou as modificações produzidas

pela Lei do Divórcio, a saber: as causas legais de separação deixaram de ser

específicas, uma vez que não fora repetida a enumeração taxativa do revogado

artigo 317 do Código Civil de 1916, tendo a lei dado preferência à indicação da

causa pela sua generalidade, ao dispor em seu texto “conduta desonrosa ou

qualquer ato que importe em grave violação dos deveres do casamento”.

Contudo, esse entendimento não era unânime, uma vez que a

enumeração trazida pelo artigo 5º da Lei do Divórcio era tida por alguns

doutrinadores como taxativa, a exemplo de Washington de Barros, que assim

dispunha: “Tal enumeração é taxativa. Não é possível ampliá-la além das balisas

legais, sob pena de tornar-se ainda mais precária e sem vida a instituição

matrimonial. Fora da previsão legal, só por intermédio da separação consensual,

poder-se-á dissolver a sociedade conjugal.”145

Enquanto no Código Civil de 1916 o desquite unilateral só poderia ser

pedido diante da ocorrência de uma de quatro hipóteses − adultério, tentativa de

morte, sevícias e injúria grave e o abandono voluntário do domicílio conjugal por

mais de dois anos consecutivos −, pela Lei n. 6.515/77, a separação litigiosa com

fundamento no caput do artigo 5º exigia fosse provada a conduta culposa do

cônjuge requerido, para ao final obter-se, além da dissolução da sociedade

conjugal, a cominação das sanções previstas na Lei ao cônjuge considerado

culpado.

Por outras palavras, para que o cônjuge que promovesse a ação de

separação litigiosa atingisse seu intento, isto é, a dissolução do casamento,

deveria comprovar claramente a conduta desonrosa do cônjuge demandado e

que a conduta fora de magnitude tal que tornara insuportável a continuidade da

convivência conjugal.

144 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, cit., v. 1, p. 65.145 Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, 24. ed., São Paulo:

Saraiva, 1986, v. 2, p. 201.

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E, o que era pior, caso a prova feita contra o cônjuge demandado não

fosse suficiente a formar o convencimento do juiz, não seria decretada a

separação judicial e, em conseqüência, não seria convertida em divórcio, a menos

que os cônjuges concordassem na conversão da separação judicial litigiosa em

consensual, como demonstram estas decisões:

“SEPARAÇÃO JUDICIAL LITIGIOSA – Violação dos deveres domatrimônio ou conduta desonrosa imputado ao cônjuge – Nãocomprovação – Ausência de provas que dêem suporte fático àseparação culposa – Recurso não provido.” (TJSP – AC n.61.972-4/Poá − 7ª Câm. Dir. Priv. – Rel. Leite Cintra – j.26.11.1997 – v.u.).

“SEPARAÇÃO JUDICIAL – Culpa. Inicial fundada na alegação deabandono do lar conjugal pelo varão. Sentença que, embora eafastando a existência de abandono do lar conjugal, acolhe ademanda, para decretar a separação fundada em causa diversadaquela pedida na inicial. Sentença extra petita. Sentençaanulada.” (TJSP – AC n. 93.117-4 – 8ª Câm. Dir. Priv. – Rel. Des.César Lacerda – j. 10.03.1999 − RBDF n. 5, abr./mai./jun. 2000).

“SEPARAÇÃO LITIGIOSA – Pedido fundado na alegação deinjúria grave. Fatos constitutivos não provados. Procedência daação com base em fracasso do casamento. Inadmissibilidade.Ofensa aos princípios da legalidade e da adstrição judicial àpretensão. Ação julgada improcedente. Provimento ao recursopara esse fim. Não pode o juízo, à míngua de prova da injúriagrave em que se fundou o pedido de separação, decretá-la semculpa de nenhum dos cônjuges, com base no suposto fracasso docasamento.” (TJSP – AC n. 134.345-4 – 2ª Câm. Dir. Priv. – Rel.Des. Cezar Peluso – j. 09.05.2000 − RBDF n. 6, jul./ago./set.2000).

Verifica-se, de forma cristalina, que a sistemática desenvolvida pela Lei n.

6.515/77 de impor o questionamento da culpa a um dos cônjuges, quando não

houvesse acordo na separação, traduzia o temor do legislador pátrio quanto à

possibilidade do rompimento do vínculo do casamento vir a desencadear uma

avalanche de pedidos de separação, que poderia colocar em risco a instituição

“família”.

A intenção do legislador ao fazer referência à “conduta desonrosa” e à

“violação dos deveres do casamento”, elegendo como pressuposto da separação

litigiosa a existência da culpa, foi, segundo Ana Caroline Santos Ceolin,

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“reconduzir, ainda que sutilmente, as discussões acerca da dissolução do

matrimônio para o campo da moral e da religião”.146

A exacerbação da culpa na Lei n. 6.515/77 encontra fundamento no fato

de tal diploma legal ser responsável pela ruptura de uma longa tradição baseada

em valores morais e religiosos fortemente arraigados à cultura brasileira, herdada

de seus colonizadores, como comentado anteriormente (item 3.1 supra).

Extremamente tímidos foram assim os avanços perpetrados, pois pela

redação original da Lei n. 6.515/77, os cônjuges não desfrutavam da liberdade de

opção entre a separação judicial e o divórcio.

A Emenda Constitucional n. 9/77 dispunha:

“§ 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casosexpressos em lei, desde que haja prévia separação judicial pormais de três anos."

Nessas condições, como regra, o pedido de ruptura do vínculo

matrimonial necessariamente deveria ser precedido da separação judicial,

aduzido ao decurso do tempo, conforme fórmula fixada no artigo 25 da Lei n.

6.515/77:

“Artigo 25 - A conversão em divórcio da separação judicial doscônjuges, existente há mais de três anos, contada da data dadecisão ou da que concedeu a medida cautelar correspondente(art. 8º), será decretada por sentença, da qual não constaráreferência à causa que a determinou.”

Mesmo a ação direta de divórcio assumiu inicialmente um caráter

excepcional, como se depreende do teor do artigo 2º da Emenda Constitucional n.

9/77:

“Artigo 2º - A separação, de que trata o parágrafo 1º do artigo 175da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada emJuízo, e pelo prazo de 5 (cinco) anos, se for anterior à data destaemenda.”

146 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 35.

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59

Esse caráter foi reproduzido de modo mais sancionador no artigo 40 da

Lei n. 6.515/77, já que além da prova do decurso do tempo, exigia-se a

demonstração da causa da separação de fato:

“Artigo 40 - No caso de separação de fato, com início anterior a 28de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos,poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provaro decurso do tempo da separação e a sua causa.§ 1º - O divórcio, com base neste artigo, só poderá ser fundadonas mesmas causas previstas nos artigos 4º e 5º e seusparágrafos.”

A legislação pátria fundamentou as causas autorizadoras da separação e

do divórcio não consensual em três espécies: sanção, falência e remédio,

inspirada que foi na reforma francesa de 1975, que prevê como causa para o

divórcio o descumprimento dos deveres conjugais, sendo certo que, embora esse

diploma legal tenha atenuado os efeitos da culpa, ela ainda se mostra renitente.147

Dessa forma, com o advento da Lei n. 6.515/77, houve um avanço, ao

ser, pela primeira vez, admitida a separação sem culpa, fundada em causas que

não a violação do deveres do casamento, além da instituição do divórcio, que

permitia um novo casamento aos divorciados.

Alguns dos radicalismos da Lei n. 6.515/77 foram objeto de alteração

legislativa, como foi o caso da Lei n. 7.841 de 17.10.1989, que alterou o caput do

artigo 40, que passou a ter a seguinte redação:

“Artigo 40 - No caso de separação de fato, e desde quecompletados 2 (dois) anos consecutivos, poderá ser promovidaação de divórcio, na qual deverá ser comprovado decurso dotempo da separação.”

Deixou assim a ação direta de divórcio de ter um caráter excepcional,

passando a um procedimento comum, passível de ser utilizado por um universo

de pessoas ilimitado.

147 Ver a respeito:Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 376.

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CAPÍTULO IV

A CULPA ANTE O PRINCÍPIO DO RESPEITO À DIGNIDADE

HUMANA

4.1 A constitucionalização do direito civil

O século das luzes, no qual predominava o “mundo da segurança”,

fundado na ética da autonomia e na liberdade, foi substituído por um “mundo de

inseguranças e incertezas”, fundado na ética da responsabilidade e da

solidariedade, do que resultou a substituição da tutela da liberdade da autonomia

do indivíduo pela noção de proteção à dignidade da pessoa humana. Esse é o

marco definidor da passagem, do direito moderno, para o que vem sendo

chamado de direito pós-moderno.148

O conteúdo do princípio da dignidade da pessoa humana, tal como

concebido na maioria das Constituições do pós-guerra, foi constituído e

consolidado a partir da última metade do século XX.

Seus conteúdos foram construídos e consolidados em reação ao período

caracterizado pela degradação ética e moral do ser humano, em decorrência dos

fatos ocorridos durante as duas guerras mundiais, que demonstraram quão

frágeis eram as instituições, a ponto de terem permitido ocorrências que, segundo

Mário Luiz Delgado, constituíram “verdadeiro retorno à barbárie. Nunca se

cometeram de forma tão fria e sistemática tantas violações aos direitos humanos

como nesse período”.149

A Constituição brasileira de 1988, assim como a maioria das

Constituições do pós-guerra, colocou a dignidade da pessoa humana como

148 Maria Celina Bondin de Moraes. Constituição e direito civil: tendências, Revista dos Tribunais,

São Paulo, Revista dos Tribunais, ano 89, v. 779, p. 57, set. 2000.149 Mário Luiz Delgado. Direitos da personalidade nas relações de família, in Rodrigo da Cunha

Pereira (Coord.), Família e dignidade humana: anais do V Congresso Brasileiro de Direito deFamília, São Paulo: IOB Thompson, 2006, p. 702.

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fundamento do Estado Democrático de Direito. A pessoa e sua dignidade

passaram a ser consideradas como razão de ser do direito, além de seu

fundamento último.150

Tal postura adotada pelo constituinte de 1988 mostrou-se inovadora, se

comparada à adotada nas Constituições federais anteriores, que se

caracterizavam principalmente pela importância atribuída ao Estado, relegando a

pessoa humana a um plano secundário. Dessa forma, o ser humano se

apresentava como um instrumento de realização do poder estatal.151

Cumpre destacar a importância atribuída ao princípio da dignidade da

pessoa humana pelo constituinte de 1988, posto que o inseriu entre os princípios

fundamentais, e não como direito e garantia individual (arts. 5º e 17). Com isso,

deixou claro que “a dignidade é princípio (valor) fundamental da República,

fundante do Estado, servindo como norma a impulsionar e iluminar toda a ordem

constitucional e, por conseqüência, todo o ordenamento jurídico”.152

O princípio da dignidade da pessoa humana, segundo Leonardo Barreto

Moreira Alves, é um verdadeiro princípio constitucional estruturante153, pois “é o

nascedouro, a fonte geradora de todo o sistema jurídico brasileiro. É o princípio

originário de onde os demais princípios e regras promanam”.154

Continua o autor, afirmando que têm os demais princípios esculpidos na

Carta Magna como objetivo comum a proteção da pessoa humana. Tomando-se

essa noção como básica, entende-se que nenhum instituto jurídico tem um fim em

si mesmo, mas deve servir à satisfação das necessidades do ser humano.

150 Mário Luiz Delgado. Direitos da personalidade nas relações de família, cit., p. 703.151 Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêutica

constitucional, cit., p. 92.152 Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêutica

constitucional, cit., p. 94.153 Conforme definição de Leonardo Barreto Moreira Alves: “Princípios estruturantes são aqueles

que demonstram qual o tipo de modelo político foi escolhido pelo Estado.” (O fim da culpa naseparação judicial: uma perspectiva histórico-jurídica, cit., p. 63).

154 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectivahistórico-jurídica, cit., p. 71.

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A promoção da dignidade da pessoa humana passou a ser, na atualidade,

um verdadeiro dever social ao qual todos devem, sempre e em qualquer situação,

absoluto respeito.

4.2 Novos rumos do direito de família diante do princípio da

dignidade humana

A dignidade da pessoa humana, elevada à condição de fundamento da

República, tem por objetivo não só assegurar um tratamento humano e não

degradante, e nem tampouco conduzir exclusivamente ao respeito à integridade

física do ser humano, mas visa a garantir o respeito e a proteção da dignidade

humana.

Dado seu caráter normativo, os princípios constitucionais, como o da

dignidade da pessoa humana, contêm valores ético-jurídicos fornecidos pela

democracia, o que provocou completa transformação do direito civil que, por sua

vez, deixou de encontrar fundamento axiológico nos valores individualistas que

permearam o Código Civil de 1916.155

Como reflexo dessa nova ideologia, a Constituição de 1988 dedicou

especial atenção à família, bastando o exame dos artigos 226 a 230 para se

constatar que o centro de tutela constitucional se deslocou do casamento para as

relações familiares dele decorrentes, deixando para trás a milenar proteção da

família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais,

éticos, religiosos e econômicos. Deu lugar a uma nova tutela, agora

essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, oferecendo

especial atenção ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.156

Uma vez quebrada a estabilidade do mundo do liberalismo pelos

movimentos sociais, pela crescente industrialização e pelos efeitos do após duas

155 Maria Celina Bondin de Moraes. Constituição e direito civil: tendências, cit., p. 57.156 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit.,p. 349.

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grandes guerras, passou a ser inevitável a intervenção estatal na economia e nas

relações privadas, com a chamada socialização do direito civil, que perdeu seu

caráter individualista, passando à proteção do indivíduo integrado na

sociedade.157

O modelo da família patriarcal concebido pelo Código Civil de 1916, que

demonstrava marcante preocupação com as relações patrimoniais, e tinha como

princípio basilar a autonomia da vontade158, entrou em crise, culminando com sua

derrocada no plano jurídico pelos valores introduzidos na Constituição Federal de

1988.159

A proteção do Estado à família, esculpida no artigo 226, caput, reflete

postulado preconizado na Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU

de 1948, que estabelece: “16.3 - A família é o núcleo natural e fundamental da

sociedade e tem direito à proteção da sociedade e do Estado.”

O direito italiano também assimilou essa nova forma de conceber a

família, como bem se verifica da colocação trazida por Pietro Perlingieri, ao tratar

da função serviente da família, que deve ser realizada de forma aberta e

integrada na sociedade civil, na qual haverá de prevalecer o respeito à igualdade,

dignidade, moral e justiça dos seus membros, inspirado no princípio da

democracia.160

A partir dessa concepção, a família, esclarece Netto Lôbo, passa a ser

concebida como espaço de realização da dignidade das pessoas humanas. Eis a

nova função da família.

157 Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, cit., p. 10.158 Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, cit., p. 10.159 Veja-se a respeito: Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, Revista

Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese; IBDFAM, v. 6, n. 24, p.136-156, jun./jul.2004.

160 Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, Tradução deMaria Cristina De Cicco, Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 245.

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Sempre se atribuiu à família, ao longo da história, funções variadas,

dentre as quais se destacam a religiosa, a política, a econômica e a procracional.

As funções religiosa e política guardam apenas interesse histórico, posto

que não mais existem sequer traços na família da atualidade.

Quanto à função econômica, seu sentido também se perdeu, já que não

se identifica mais com uma unidade produtiva, sendo desnecessária uma família

numerosa, com muitos filhos, característica das famílias do início do século XX.

No mesmo sentido seguiu a função procracional, que recebia especial

atenção da tradição religiosa. A procriação deixou de ser essencial para a

constituição de uma família.

A atual função da família está fundada na afetividade e “assim, enquanto

houver affectio haverá família unida por laços de liberdade e responsabilidade e

desde que consolidada na simetria, na colaboração e na comunhão de vida não

hierarquizada”.161

Como resultado da nova ordem constitucional, identifica-se o fenômeno

jurídico-social denominado por Netto Lobo como “repersonalização das relações

de família”, entendido como o processo que avança revalorizando a dignidade

humana e tendo na pessoa o centro de tutela jurídica, antes obscurecida pela

primazia dos interesses patrimoniais que determinou o conteúdo das grandes

codificações do período do individualismo liberal.162

Essa repersonalização, segundo seu criador, “é a afirmação da finalidade

mais relevante da família: a realização da dignidade de seus membros como

pessoas humanas concretas, em suma, do humanismo que só se constrói na

solidariedade, com o outro”.163

161 Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, cit., p. 134.162 Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, cit., p. 155.163 Paulo Luiz Netto Lôbo. A repersonalização das relações de família, cit., p. 156.

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Diante do regime adotado pela vigente Constituição Federal, para Carlos

Alberto Bittar, “é no seio da família que se amolda a personalidade da pessoa, em

ambiente de moralidade, de respeitabilidade recíproca, de afeição e de

segurança, permitindo a seus integrantes o desenvolvimento normal de suas

potencialidades”.164

Sob esse aspecto, a família deixa de ter valor intrínseco, enquanto

instituição capaz de merecer tutela jurídica pelo simples fato de existir. Ela passa

a ser valorada de modo instrumental, tutelada na medida que se constitua em

núcleo intermediário de desenvolvimento da personalidade dos filhos e de

promoção da dignidade dos seus integrantes.165

Dessa forma, é no direito de família, em toda a sua extensão, que a tutela

da dignidade da pessoa humana haverá de ser aplicada, seja na fundação e

desenvolvimento das relações familiares, seja na sua dissolução, pois é na família

que se centra a pessoa.166

4.3 O direito de família na novel codificação civil e a Constituição

Federal de 1988

O novo Código Civil, seguindo os postulados da Constituição de 1988,

deu ênfase a conceitos com os quais o Código Civil de 1916 não havia se

preocupado. Deu primazia aos valores da pessoa humana sobre o normativismo

técnico-jurídico, prestigiando a boa-fé, a equidade, a justa causa e outros critérios

que ampliam a atuação do julgador, permitindo-lhe realizar, no caso concreto, a

solução mais justa e equitativa.167

164 Carlos Alberto Bittar. Curso de direito civil: contratos em espécie, direitos reais, direito de

família, direito das sucessões, Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1994, v. 2, p. 1.029.165 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 350.166 Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana, in

Domingos Franciulli Netto; Gilmar Ferreira Mendes; Ives Gandra da Silva Martins Filho (Coords.),O novo Código Civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, São Paulo: LTr, 2003,p. 1.103.

167 Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana,cit., p. 1.107.

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O legislador de 2002 procurou adequar nosso ordenamento jurídico aos

princípios trazidos pela Constituição Federal de 1988, inscrevendo, na esteira dos

fundamentos constitucionais, princípios de tutela que haverão de preservar a

dignidade dos membros das sociedades conjugais, bem como coibir a violação de

seus valores.168

Ao dispor, no artigo 1.511, que “o casamento estabelece comunhão plena

de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”, está a

observar o princípio fundamental da igualdade entre os cônjuges como

fundamento inafastável para cumprimento da preservação da dignidade humana.

Esse fundamento ainda pode ser sentido em outros dispositivos inseridos

no livro destinado ao direito de família, como o artigo 1.517, que mantém a

igualdade da idade núbil tanto para o homem como para a mulher; o artigo 1.565,

que estabelece a igualdade nos encargos da família: no parágrafo 1º, a igualdade

na adoção do nome de família do outro cônjuge; no parágrafo 2º, a igualdade na

responsabilidade pelo planejamento familiar; o artigo 1.566, a igualdade nos

deveres entre os cônjuges; o artigo 1.567, a igualdade na direção da sociedade

conjugal; o artigo 1.568, a igualdade no concurso material para a manutenção da

sociedade conjugal; o artigo 1.569, a igualdade na decisão do domicílio do casal;

o artigo 1.583, a igualdade na decisão sobre a guarda dos filhos; o artigo 1.631, a

igualdade no desempenho do poder familiar durante a constância do casamento

ou da união estável.

O princípio da liberdade, inerente à condição humana, protegido pela

Constituição Federal através de cláusula pétrea, também foi observado no Código

de 2002, em especial no direito de família, na medida que preserva no casamento

a livre manifestação da vontade do homem e da mulher para contrair o

matrimônio (art. 1.514), assim como garante a dissolução da sociedade e do

vínculo conjugal também por mútuo consentimento, nos artigos 1.574 e 1.580,

parágrafo 2º.169

168 Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana,

cit., p. 1.103.169 Carlos Aurélio Mota de Souza. O casamento: o direito de família, à luz da dignidade humana,

cit., p. 1.109.

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O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana se traduz na

nova formulação do direito de família, ao reconhecer e legitimar a dignidade

natural das pessoas dentro dos distintos núcleos ou entidades familiares. O

princípio da dignidade humana aflora em várias regras sobre a família que

reproduzem os preceitos constitucionais contidos no Capítulo VII da Constituição

Federal, destinado à família, à criança, ao adolescente e ao idoso (arts. 226 a 230).

Dentro da família, as pessoas são tuteladas pelo direito, pois ela se

constitui num organismo destinado à promoção e à garantia da dignidade e do

pleno desenvolvimento de seus membros. A família merece toda a proteção do

Estado, pois é “lugar de tutela da vida e da pessoa humana”.170

Quando se fala sobre o princípio da mínima intervenção do Estado em

assuntos de família, está-se tomando por rumo o conteúdo fixado nos parágrafos

7º e 8º do artigo 226171 da Constituição Federal, que vêm traduzidos

respectivamente nos artigos 1.565, parágrafo 2º, e 1.513172 do novo Código Civil.

Contudo, convém delimitar a dimensão dessa intervenção mínima do

Estado. O Estado Democrático Social, instituído pelo constituinte de 1988, prima

pela liberdade individual de seus integrantes, que se estende, conseqüentemente,

à família. O Estado social intervém na família sem retirar seu caráter

essencialmente privado. Desempenha um papel instrumental na busca de garantir

a realização pessoal dos indivíduos, sendo praticamente inexistente seu poder de

interferência no seio da família.173

170 Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, in Eliana Riberti Nazareth; Maria

Antonieta Pisano Motta (Coords.), Direito de família e ciências humanas, São Paulo: EditoraJurídica Brasileira, 1998, p. 49, (Cadernos de Estudos n. 2).

171 “Artigo 226 - (...) § 7º - Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e dapaternidade responsável, o planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo aoEstado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedadaqualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas. § 8º - O Estadoassegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criandomecanismos para coibir a violência no âmbito familiar.”

172 “Artigo 1.565 - (...) § 2º - O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo aoEstado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedadoqualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas. Artigo 1.513 - É defeso aqualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pelafamília.”

173 José Sebastião de Oliveira. Fundamentos constitucionais do direito de família, São Paulo:Revista dos Tribunais, 2002, p. 285.

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Ante o princípio da mínima intervenção estatal, consagrado tanto na

Constituição Federal de 1988, como no novo Código Civil, Leonardo Barreto

considera indevida e descabida a atuação do Estado interventor, na medida que

prejudica a situação pessoal de cada um dos familiares, como é o caso da

identificação do culpado pela separação judicial.174

Rodrigo da Cunha Pereira esclarece que o Estado abandonou sua figura

de protetor-repressor, para assumir postura de Estado protetor-provedor-

assistencialista, cuja tônica não é uma total ingerência, mas por vezes atua como

substituto na lacuna deixada pela família, como, por exemplo, propiciando

educação e saúde aos filhos.175

4.4 A perquirição da culpa e o princípio da dignidade humana

Parte dos doutrinadores familiaristas entende que a perquirição da culpa

pelo Poder Judiciário resulta em invasão dos limites indevassáveis da intimidade,

atingindo muitas vezes a dignidade da pessoa, que tem proteção constitucional.176

Ante a proteção constitucional da intimidade, continua Claudete Canezin,

não se mostra coerente autorizar o Judiciário, com base em norma

infraconstitucional como o Código Civil, a invadir a intimidade do casal para aferir

suas condutas com a finalidade de encontrar um culpado pelo fim do casamento.

Entende que a proteção constitucional à intimidade inibe a busca de um culpado,

autorizando ao Judiciário tão-somente o reconhecimento da separação com

fundamento no desamor. A adoção do respeito à intimidade do casal, por via

reflexa, protege também os filhos desse casal, que normalmente sofrem as

174 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva

histórico-jurídica, cit., p. 109.175 Rodrigo da Cunha Pereira. Princípios fundamentais norteadores do direito de família, Belo

Horizonte: Del Rey, 2006, p. 157.176 Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, in Flávio Tartuce; Ricardo Castilho

(Coords.), Direito civil, direito patrimonial e direito existencial: estudos em homenagem àprofessora Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. São Paulo: Método, 2006, p. 744.

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conseqüências do embate judicial provocado pela busca de um responsável pelo

fim do casamento.177

A ingerência do Estado na vida dos cônjuges, obrigando-os a revelarem

suas intimidades para que o juiz imponha a pecha de culpado ao réu, diz Maria

Berenice Dias178, é de ser qualificada como inconstitucional, por violação do

direito à privacidade e à intimidade, que constitui afronta ao princípio de respeito à

dignidade da pessoa humana, maior cânone das garantias individuais.

A responsabilização de um dos cônjuges servirá apenas para desgastar

ainda mais o relacionamento entre as partes, principalmente quando se sabe que

o que vem aos autos do processo são apenas vestígios de um amor já terminado,

com alegações distorcidas da realidade, que têm como único objetivo atribuir à

conduta do outro a razão do insucesso conjugal.179

Nesse sentido também se manifesta Mauricio Luis Mizrahi, ao analisar os

efeitos nefastos produzidos no âmbito familiar pela propositura de ações de

separação litigiosas culposas, concluindo que, de um lado, o juízo de reprovação

envenena as relações entre os cônjuges, ao se transformar o processo em um

instrumento para denegrir mutuamente os litigantes, no qual a controvérsia entre

eles é estimulada, instigados que são a uma hostilidade recíproca; na busca da

própria inocência e da culpabilidade do outro, convertem o processo numa

batalha com vieses destrutivos. Por outro lado, essa interação processual nociva

dos esposos envolve os filhos, que ficam seriamente afetados pelo alto nível de

conflito parental e pela divulgação em juízo das causas do divórcio,

generalizando-se os traumas e angústias prolongados, com perdas de auto-

estima e confiança.180

177 Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, cit., p. 746.178 Maria Berenice Dias. Da separação e do divórcio, in Maria Berenice Dias; Rodrigo da Cunha

Pereira (Coords.), Direito de família e o novo Código Civil, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 72.179 Francisco Tiago Duarte Stockinger. Família constitucional, separação litigiosa e culpa, in Sérgio

Gilberto Porto; Daniel Ustárroz (Coords.), Tendências constitucionais no direito de família:estudos em homenagem ao Prof. José Carlos Teixeira Giorgis, Porto Alegre: Livraria doAdvogado, 2003, p. 122.

180 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, Buenos Aires: Astrea, 1998, p. 200.

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Para Francisco Tiago, é totalmente descabido ao Estado decidir sobre a

conveniência ou inconveniência de um pedido de separação, como se fosse

possível, através do processo, conhecer o íntimo das pessoas para poder

escolher o melhor caminho para o bem do casal, mesmo que seja em sentido

contrário ao interesse de um dos consortes.181

A Constituição Federal, ao promover a democratização da família e a sua

funcionalização para realização da personalidade de seus integrantes, admitindo

diversas espécies de entidades familiares, rompeu com a lógica suprapessoal da

instituição matrimonial.182

Nesse sentido, todas as normas que privilegiam a manutenção do vínculo

do casamento em detrimento de seus integrantes perderam sua base de validade.

Tal raciocínio se aplica tanto às normas que dizem respeito à relação matrimonial,

como àquelas relativas à dissolução do casamento, em especial as que autorizam

imposição de sanção em decorrência da ruptura do vínculo matrimonial.183

Como afirma Christiana Caribé, a separação judicial culposa agride os

princípios da isonomia e da autonomia da vontade, posto que, na maioria dos

casos, pune-se apenas aquele que cometeu a última falta. E nem sempre aquele

considerado culpado foi o maior responsável pelo fracasso do casamento, mas

apenas cometeu o erro final. Nessas condições, a investigação da culpa conjugal,

pontifica a autora, consubstancia-se numa afronta ao princípio constitucional da

dignidade da pessoa humana.184

Como salientado por Mauricio Luis Mizrahi, a inconveniência do regime de

imputação em matéria de divórcio decorre em primeiro lugar do resultado do juízo

181 Francisco Tiago Duarte Stockinger. Família constitucional, separação litigiosa e culpa, cit., p.

123.182 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 385.183 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 386.184 Christiana Brito Caribé. A culpa conjugal frente ao princípio da dignidade da pessoa humana:

uma afronta à Constituição?, in Renan Lotufo (Coord.), Direito civil constitucional: caderno 3, SãoPaulo: Malheiros, 2002, p. 279.

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de reprovação em que se pretende indagar culpas, que poderá afetar um dos

princípios básicos da organização jurídica: da justiça e equidade.185

Tal razão, explica o autor argentino, se funda no fato de que, durante o

trâmite do processo, é muito improvável a identificação, com um grau de razoável

certeza, do real responsável pelo fracasso conjugal, se é que ele existe,

considerando-se que estarão sendo questionadas condutas e contingências

próprias da intimidade matrimonial, que acontecem no âmbito da união conjugal,

no qual, pela comunhão de vida, se mesclam os comportamentos, cujas

respectivas origens são de difícil identificação.

Diante disso, para se obter uma sentença justa, seria necessária uma

profunda intromissão na vida íntima dos cônjuges, além de que as conclusões do

julgador estariam impregnadas de uma dose de subjetivismo pernicioso, capaz de

provocar uma virtual neutralização dos princípios da isenta crítica judicial.186

Contudo, entendemos que o questionamento da culpa pelo fim do

casamento, no atual contexto em que o respeito à dignidade da pessoa humana

foi erigido a preceito fundamental, há de passar por um filtro muito potente. Sendo

a culpa questionada e devidamente comprovada, não poderá ser ignorada, pois

ao cônjuge agredido assiste o direito de obter a prestação jurisdicional

correspondente à imposição das sanções previstas para tais casos.

A identificação de conduta de um dos cônjuges que venha a atingir a

personalidade do outro e que justifique a propositura da ação de separação

culposa também há de ser abrangida pela garantia e respeito à dignidade da

pessoa humana.

185 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 196.186 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 196.

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A nosso sentir, quando pensamos no princípio da dignidade humana face

à culpabilidade na dissolução da sociedade conjugal, estamos a ver dois lados de

uma mesma moeda. Se, por um lado, a perquirição da culpa provoca invasão de

intimidade do casal, eventualmente atingindo a dignidade da pessoa, de outro, ela

é uma forma de garantir ao cônjuge inocente a preservação de sua personalidade

e da sua dignidade como pessoa humana, não sendo assim possível excluir

qualquer um deles, pois integram um só corpo.

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CAPITULO V

FORTALECIMENTO DA IDÉIA DE RUPTURA E

ENFRAQUECIMENTO DA IDÉIA DE CULPA NO ORDENAMENTO

JURÍDICO PÁTRIO

Como visto no Capítulo II, a culpa, tal qual a conhecemos hoje, tem sua

origem associada ao princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal, enquanto

preceito absoluto, que coincide com o surgimento do cristianismo e das leis

canônicas que romperam com a orientação esposada pelo direito romano, que

adotava o divórcio em decorrência do fim da affectio maritalis.187

O Brasil, herdeiro das tradições, cultura e legislação de seu colonizador,

reproduziu de forma plena os ditames canônicos referentes à disciplina do

casamento, acolhendo o princípio da indissolubilidade do vínculo conjugal.

Foi criado assim o princípio da culpa como forma de se manter edificado o

casamento, que só seria desfeito com a estigmatização de um culpado e com a

expiação de seus pecados, por meio de uma punição exemplar.188

À exceção do rompimento consensual do casamento, a culpa surge como

única causa autorizadora da dissolução da sociedade conjugal, que permite que a

separação se efetive, sem contudo interferir no vínculo estabelecido entre os

cônjuges por ocasião do casamento, posto que era considerado sagrado e,

portanto, indissolúvel.

187 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 29.188 Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 273.

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5.1 Do desquite litigioso à separação judicial litigiosa com culpa

ou sem culpa

Com o advento do Código Civil de 1916, foram estabelecidas apenas

duas formas de dissolução da sociedade conjugal, o desquite amigável previsto

no artigo 315, III e no artigo 318189, e o desquite litigioso previsto no artigo 317190,

este fundado em causas culposas expressamente fixadas no texto legal.

No direito anterior, ainda na fase do antigo desquite, conta Cigagna

Junior191 que o legislador enumerava expressamente as causas para o desquite

litigioso. Para pôr fim à sociedade conjugal, à luz daquele dispositivo legal, dever-

se-ia que provar um daqueles fatos expressamente enumerados na lei. Nenhum

outro.

Estava assim, segundo Cristiano Chaves de Farias192, “afirmada a culpa

como elemento propulsor da dissolução do matrimônio”. Erigia o legislador de

então as condutas culposas, como se fosse possível um prontuário de

comportamentos atentatórios da estabilidade matrimonial.

O casamento válido só se dissolvia, nos termos do Código Civil original,

pela morte de um dos cônjuges.193

O formato do casamento indissolúvel se manteve até a promulgação da

Emenda Constitucional n. 9, de 28.07.1977, que introduziu o divórcio a vínculo em

nosso ordenamento pátrio, e que, através da Lei n. 6.515/77, acresceu às já

189 “Artigo 315 - A sociedade conjugal termina: I - Pela morte de um dos cônjuges. II - Pela

nulidade ou anulação do casamento. III - Pelo desquite, amigável ou judicial. Artigo 318 - Dar-se-á também o desquite por mútuo consentimento dos cônjuges, se forem casados por mais de doisanos, manifestado perante o juiz e devidamente homologado.” (Revogados pela Lei n. 6.515, de26.12.1977).

190 “Artigo 317 - A ação de desquite só se pode fundar em algum dos seguintes motivos: I -Adultério. II - Tentativa de morte. III - Sevícia, ou injúria grave. IV - Abandono voluntário do larconjugal, por dois anos contínuos.”

191 Dilermano Cigagna Júnior. Culpa: separação judicial, Revista do Advogado, São Paulo,Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), v. 29, p. 5, ago. 1989.

192 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiempara a culpa na dissolução das relações afetivas, Revista Brasileira de Direito de Família, PortoAlegre: Síntese; IBDFAM, ano 5, n.18, p. 64, jun./jul. 2003.

193 Artigo 315 (revogado pela Lei n. 6515/77).

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existentes espécies de dissolução da sociedade conjugal – desquite amigável e

desquite litigioso –, além da mudança do nome de desquite para separação

judicial194, a espécie de separação judicial sem culpa, em decorrência da

prolongada ruptura da vida em comum, além do próprio divórcio.

A Lei n. 6.515/77, seguindo o modelo francês, preferiu estabelecer que:

“Artigo 5º - A separação judicial poderá ser pedida por um só doscônjuges quando imputar ao outro conduta desonrosa ou qualquerato que importe em grave violação dos deveres do casamento etorne insuportável a vida em comum”.

Enquanto o texto francês assim dispõe:

“Art. 242 - Le divorce peut être demandé par un époux pour desfaits imputables à l’autre lorsque ces faits constituent une violationgrave ou renouvelée des devoirs et obligations du mariage etrendent intorelérable le maintien de la vie commune.”195

Porém, certo é que a Lei do Divórcio deixou evidenciado que a causa a

ser considerada seria a que tornara insuportável a vida conjugal, apreciando-se

essa insuportabilidade à luz das provas, e até mesmo do imediatismo dela196. A

exigência da demonstração da insuportabilidade da vida em comum também está

presente no direito francês, como se depreende da decisão proferida: “Mais ils

doivent rechercher s’ils remplissent la doublé condition imposée par l’art. 242

c.civ., qui exige que ces faits constituent une violation grave ou renouvelée des

devoirs et obligations du mariage et rendent intolérable la vie commune. Civ.2e,

20 avr. 1989: Bull. Civ. II, n. 91.”197

Inovou assim a Lei do Divórcio, se comparada com o sistema tradicional

do revogado artigo 317 do Código de 1916, em matéria de causas que

autorizavam o término da sociedade conjugal, ante a admissão da separação sem

194 Artigo 39 da Lei n. 6.515/77.195 “Artigo 242 - O divórcio pode ser pedido por um dos cônjuges por faltas imputáveis ao outro

porque esses fatos constituem uma violação grave ou renovada dos deveres e obrigações docasamento e tornaram intolerável a manutenção da vida em comum.” (nossa tradução).

196 Dilermano Cigagna Júnior. Culpa: separação judicial, cit., p. 6-7.197 “Mas devem investigar se eles preencheram a dupla condição imposta pelo artigo 242 do

Código Civil, que exige que esses fatos constituam uma grave ou reiterada violação dos deverese obrigações do casamento e tornem intolerável a vida em comum.” (Code Civil. Paris: Dalloz,2002, p. 263). (nossa tradução).

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culpa, fundada em outras causas, além de reconhecer o direito ao próprio

divórcio. Passou-se assim ao sistema taxativo de causas culposas, com a

admissão da dissolução sem culpa.198

A reforma trazida pela Emenda Constitucional n. 9/77, regulamentada

pela Lei n. 6.515/77, refletiu o fenômeno da liberalização do divórcio que, segundo

Mauricio Luiz Mizrahi, “es una consecuencia directa de la penetración en el seno

de la familia conyugal de los valores de individualismo, y marca el fin de la

sociedad disciplinaria”.199

Para o autor argentino, essa mutação contemporânea das leis que tratam

do divórcio talvez se explique por dois fenômenos que não têm raízes jurídicas: a

“democratização da família nuclear” e “o processo de interpretação de todas as

ciências sociais”. No que tange à democratização da família nuclear, esclarece

que não sobrou espaço para que alguns princípios dogmáticos e estereotipados,

que por décadas foram invocados pela doutrina tradicional, continuassem

operando na família, como as idéias medievais de simbiose de um cônjuge com o

outro, de renúncia à personalidade do consorte, de aquisição, e outros do mesmo

tipo. Hoje, os cônjuges se encontram em posições mais simétricas, com maiores

possibilidades de gratificações recíprocas. A tendência é a interação dos projetos

de vida de cada esposo, juntamente com os decorrentes do casamento.

O matrimônio, continua Mauricio Luis Mizrahi, não deve ser entendido

mais como uma instituição a que necessariamente há de se consentir (em

particular, a mulher), como requisito inevitável para a própria subsistência. A pós-

modernidade diluiu os condicionamentos religiosos e os questionamentos

pseudomorais. O vínculo matrimonial é hoje mais uma eleição que uma aceitação

a ordens sociais ou familiares, de modo a não mais representar, na atualidade,

uma escala inevitável na vida do sujeito.200

198 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem

para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 64.199 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 158.200 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p.159-160.

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Quanto ao processo de interpretação de todas as ciências sociais,

esclarece ainda que, na atualidade, se mostra indispensável um “abrir os

horizontes” às demais ciências, pois certamente não existe hoje um objetivo de

extrapolar categorias, mas antes, se trata de utilizar os recursos que os avanços

do pensamento põem à disposição de todas as pessoas, entendendo-se que “a

soberba do saber específico conduz a reduções empobrecedoras”.201

Também de inspiração francesa, a doutrina nacional organizando as

novas formas de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal trazidas pelo

legislador pátrio de 1977 batizou-as, de acordo com seu caráter, como:

Sanção: a terminação da sociedade conjugal só será admitida a pedido

de um dos cônjuges com fundamento na prática pelo outro de infrações graves

aos deveres do casamento. Nesse sentido, tanto a separação quanto o divórcio

constituem uma sanção indireta cominada em razão de um comportamento

conjugal de tal gravidade que acaba por tornar insuportável a vida em comum, É o

que Yussef Cahali chama de “sistema de causas voluntárias ou culposas”.202

Segundo Mauricio Luis Mizrahi, para que se configure o divórcio-sanção,

é preciso que de um lado um cônjuge impute ao outro a prática de fatos que a lei

enumera no âmbito das condutas objetivas antijurídicas; mas, por outro lado, é

indispensável que intervenha também uma atribuição subjetiva de

responsabilidade, isto é, que tais condutas sejam atribuídas a um dos cônjuges a

título de dolo ou culpa.203

Tal espécie, de acordo com a Lei n. 6.515/77 em seu texto original, era

aplicada tanto no caso da separação litigiosa prevista no artigo 5º, caput, como no

caso do divórcio excepcional (direto), regulamentado no artigo 40, parágrafo 1º:

“Artigo 40 - No caso de separação de fato, com início anterior a 28de junho de 1977, e desde que completados 5 (cinco) anos,poderá ser promovida ação de divórcio, na qual se deverão provaro decurso do tempo da separação e a sua causa.

201 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 161.202 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, cit., v. 1, p. 55.203 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 193.

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§ 1º - O divórcio, com base neste artigo, só poderá ser fundadonas mesmas causas previstas nos artigos 4º e 5º e seusparágrafos.” (grifamos).

Dessa forma, o legislador da lei divorcista foi além do quanto contido na

Emenda Constitucional n. 9/77, que não fazia qualquer referência à necessidade

de se perquirir sobre os motivos que teriam levado o casal a viver separado por

tão longo tempo. Basta, para tanto, conferir o teor da Emenda:

“Artigo 1º - O parágrafo 1º do artigo 175 da Constituição Federalpassa a vigorar com a seguinte redação:Artigo 175 - (...)§ 1º - O casamento somente poderá ser dissolvido, nos casosexpressos em lei, desde que haja prévia separação judicial pormais de três anos.Artigo 2º - A separação, de que trata o parágrafo 1º do artigo 175da Constituição, poderá ser de fato, devidamente comprovada emJuízo, e pelo prazo de cinco anos, se for anterior à data destaEmenda.”

Nesse mesmo sentido se posiciona Yussef Cahali, ao comentar que a Lei

n. 6.515/77 inovou na linguagem da Emenda Constitucional n. 9/77, em que esse

tipo de divórcio deveria se enquadrar na categoria divórcio-remédio, na qual não

deveria incidir qualquer indagação da culpa de um dos cônjuges pelo tempo da

separação de fato.204

Remédio: modalidade que reconhece como causa de separação ou de

divórcio todo fato, objetivamente considerado, ou situação de que resulte a

impossibilidade de manutenção de uma união conjugal, a que Yussef Cahali

chama de “causas involuntárias”, sendo certo que na sua determinação não se

perquire a respeito do elemento culpa de qualquer dos cônjuges.205

Dessa forma, de um lado, manteve o legislador de 1977 a separação

decretada por culpa como sanção às infrações aos deveres conjugais. Por outro

lado, aumentou as causas de separação, podendo ela ser pedida sem o

pressuposto da culpa, influenciado que foi pelo direito estrangeiro, em especial o

francês, seguido pelo italiano e, de modo mais remoto, o alemão, ampliando

204 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v. 2, p. 957.205 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v.,1, p. 55.

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assim “os casos de dissolução da sociedade conjugal como remédio para certas

situações familiares, sem indagar se houve responsável ou culpado pelas

mesmas”.206

Nessa medida, iniciou o legislador brasileiro, ainda que timidamente, sua

caminhada no sentido da eliminação da culpa pela dissolução da sociedade

conjugal, inserindo, nos idos de 1977, o princípio da ruptura da vida em comum

como fundamento para a separação, quando, deliberadamente, afastou-se do

esquema da separação exclusivamente fundada na culpa, ou seja, da separação

por fato imputável a um dos cônjuges. Admitia o parágrafo 1º do artigo 5º da Lei n.

6.515/77 a separação judicial baseada numa circunstância puramente objetiva: a

ruptura da vida em comum.207

O traço verdadeiramente revolucionário da inovação, afirma Antunes

Varela, residiu no fato de a separação poder ser requerida pelo cônjuge culpado

da falência do casamento contra o cônjuge inocente.

Contudo, tal faculdade, a exemplo do direito francês, ainda impunha

sanções ao cônjuge requerente: se mulher, voltaria a usar o nome de solteira (art.

17, § 1º208); caso a separação requerida sob esse fundamento fosse convertida

em divórcio, o cônjuge que teve a iniciativa do pedido continuaria obrigado a

prestar assistência ao outro (art. 26209).

Quanto ao nome da mulher, a regulamentação nacional pouco divergiu da

francesa, que dispõe:

“Art. 264 - A la suite du divorce, chacun des époux reprend l’usagede son nom. Toutefois, dans les cas prévus aux articles 237 et238, la femme a le droit de conserver l’usage du nom du marilorsque le divorce a été demandé par celui-ci.

206 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v. 1, p. 349.207 João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, Rio de Janeiro: Forense,

1980. p. 82.208 “Artigo 17 - Vencida na ação de separação judicial (art. 5º, caput), voltará a mulher a usar o

nome de solteira. § 1º - Aplica-se, ainda, o disposto neste artigo, quando é da mulher a iniciativada separação judicial com fundamento nos parágrafos 1º e 2º do artigo 5º.”

209 “Artigo 26 - No caso de divórcio resultante da separação prevista nos parágrafos 1º e 2º doartigo 5º, o cônjuge que teve a iniciativa da separação continuará com o dever de assistência aooutro.” (art. 231, III do CC).

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Dans les autres cas, la femme pourra conserver l’usage du nomdu mari soit avec l’accord de celui-ci, soit avec l’autorisation dujuge, si elle justifie qu’un intérêt particulier s’y attaché pour elle-même ou pour les enfants.”210

Quanto ao dever se assistência, estabelece a lei francesa:

“Art. 281 - Quand le divorce est pronouncé pour rupture de la viecommune, l’époux qui a pris l’initiative du divorce resteentièrement tenu au devoir de secours.Dans le cas de l’article 238, le devoir de secours couvre tout ce quiest nécessaire au traitement medical du conjoint malade.”211

Nesse contexto, o cônjuge que requeria a separação invocando a ruptura

da vida em comum, praticamente reconhecia tácita ou implicitamente a sua culpa

na dissolução do casamento, como decorre da letra da lei, nos termos do artigo

19: “O cônjuge responsável pela separação judicial prestará ao outro, se dela

necessitar, a pensão que o juiz fixar.”

É como se a invocação da ruptura da vida em comum, para obter a

separação, envolvesse uma espécie de responsabilidade objetiva do

requerente.212

Na situação do artigo 5º, parágrafo 2º, quando o cônjuge requerente

fundamentava seu pedido em doença mental grave, o parágrafo 3º do mesmo

artigo mandava reverter a favor do cônjuge que não tivesse requerido a

separação, além do remanescente dos bens que tivesse levado para o

casamento, a meação dos adquiridos na vigência da sociedade conjugal, com

210 “Artigo 264 - Em conseqüência do divórcio, cada um dos cônjuges retomarão o uso de seus

nomes. Entretanto, nos casos previstos nos artigos 237 e 238, a mulher tem o direito deconservar o nome do marido, pois o divórcio foi proposto por aquele. Nos outros casos, a mulherpoderá conservar o nome do marido seja por acordo entre eles, seja por autorização judicial, sejustificar que um interesse particular se agregou a ela ou aos filhos.” (nossa tradução).

211 “Artigo 281 - Quando o divórcio é decretado por ruptura da vida em comum, o esposo quetomou a iniciativa do divórcio fica totalmente vinculado ao dever de assistência. No caso doartigo 238, o dever de assistência cobre tudo aquilo que é necessário ao tratamento médico docônjuge doente.” (nossa tradução).

212 João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 84.

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todo o aspecto de uma sanção de caráter patrimonial contra o requerente da

separação.213

De igual modo dispõe o artigo 239 do Código Civil francês:

“Art. 239 - L’époux qui demande le divorce pour rupture de la viecommune en supporte toutes les charges. Dans sa demande il doitpréciser les moyens par les-quels il exécutera ses obligations àl’égard de son conjoint et des enfants.”214

5.2 Divórcio direto e por conversão

Segundo Yussef Cahali215, a introdução do divórcio em nosso país, diante

das dificuldades enfrentadas, resultou de uma “solução de compromisso”, sob o

aspecto político-legislativo: a resistência dos antidivorcistas só foi superada ante a

autorização do divórcio em situações bem restritas.

Se por um lado teve o mérito de romper a tradição secular do direito

canônico de modo menos doloroso, por outro, a reforma, da maneira como foi

concretizada, mostrou-se claudicante sob o ponto de vista técnico, gerando

situações marcadas pela ambigüidade, que exigiram reparações futuras.

Previu assim o artigo 25 da Lei n. 6.515/77 o divórcio-conversão, pelo

qual os cônjuges separados judicialmente por mais de três anos poderiam

requerer a conversão da separação em divórcio.

O lapso de três anos inicialmente exigido destinava-se a conceder um

prazo para que os separandos se certificassem de que de fato não queriam se

reconciliar na forma estabelecida pelo artigo 46.

213 Observe-se que tal dispositivo e conseqüente sanção foram mantidos no artigo 1.572,

parágrafos 2º e 3º, do Código Civil de 2002, tendo apenas sido reduzido o prazo, de cinco paradois anos.

214 “Artigo 239 - O cônjuge que pede o divórcio por ruptura da vida em comum suportará todas asdespesas. Em seu pedido, ele deve precisar os meios pelos quais executará as obrigações emrelação a seu cônjuge e as crianças.” (nossa tradução).

215 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 6. ed., cit., v. 2, p. 1.036.

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O divórcio por conversão também teve por inspiração o direito francês,

mas a estrutura adotada, desde a implantação desse divórcio entre nós, é de

cunho objetivo, pela qual, uma vez preenchido o requisito “tempo”, será a

separação convertida em divórcio.

Era o que se depreendia do texto original do artigo 25 da Lei n. 6.515/77:

“Artigo 25 - A conversão em divórcio da separação judicial,existente há mais de três anos, contada da data da decisão ou daque concedeu a medida cautelar correspondente (art. 8º), serádecretada por sentença, da qual não constará referência à causaque a determinou.”

Entretanto, o direito francês ainda não adota esta solução, o que pode

conduzir a situações indesejáveis, como será demonstrado mais adiante.

A separação de corpos do direito francês se aproxima da nossa

separação judicial, conforme definição trazida por Georges Ripert e Jean

Boulanger: A separação de corpos é o estado de dois esposos que ficaram

dispensados pela justiça da obrigação de viverem juntos. Ela difere do divórcio,

pois não rompe o casamento, apenas relaxa os liames. Os dois esposos

permanecem casados, mas vivem separados. Todas as obrigações nascidas do

matrimônio subsistem, exceto as que dizem respeito à vida em comum.216

A separação de corpos, que pode ou não anteceder o divórcio, é

regulamentada no direito francês entre os artigos 296 e 309, produzindo reflexos

na conversão ao divórcio distintos dos estabelecidos em nosso ordenamento para

a separação judicial, seja ela litigiosa ou consensual.

Segundo esclarece Alain Bénabent, o direito francês criou uma armadilha,

na qual, eventualmente, a separação de corpos não poderá ser convertida em

divórcio, se pedido por apenas um dos cônjuges.217

216 Georges Ripert; Jean Boulanger. Traité de droit civil d’après de traité de Planiol: introduction

generale, les personnes, Paris: Librairie Gnérale de Droit e de Jurisprudence, 1956, v. 1, p. 602.217 Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 297.

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Dispõe o artigo 307 que:

“Art. 307 - Dans tous les cas de separation de corps, peut êtreconvertie en divorce par demande conjointe.Quand la separation de corps a été prononcée sur demandeconjointe, elle ne peut être convertie en divorce que par unenouvelle demande conjointe.”218

Dessa forma, na hipótese da separação de corpos ter sido pedida por

demanda conjunta, o legislador previu que a conversão só poderá ser pedida da

mesma forma, isto é, por demanda conjunta. Disso resulta tornar-se esse tipo de

separação de corpos uma situação extremamente perigosa, pois permite a um

dos cônjuges manter o outro no estado de celibato forçado, caso não concorde

com a conversão pretendida. Não resta ao outro cônjuge outra alternativa, a não

ser esperar por seis anos, e se socorrer do divórcio por ruptura da vida em

comum, do qual se conhecem as desvantagens para o cônjuge demandante.219

O divórcio-remédio (ou falência), de caráter excepcional, já que aplicável

apenas a situações preexistentes à promulgação da Emenda Constitucional n.

9/77, conforme dispunha originalmente o artigo 40, também misturava divórcio-

remédio com divórcio-sanção.

Estabelecia ainda a Lei n. 6.515/77 originalmente que o divórcio somente

poderia ser formulado uma única vez, o que gerou grande celeuma, pois a pessoa

solteira que viesse a se casar com outra divorciada estaria impedida de requerer

o divórcio, já que para seu cônjuge, um segundo pedido estaria vedado, por força

do disposto no artigo 38.

218 “Artigo 307 - Todos os casos de separação de corpos podem ser convertidos em divórcio por

demanda conjunta. Quando a separação de corpos foi decretada por demanda conjunta, sópoderá ser convertida em divórcio por meio de uma nova demanda conjunta.” (nossa tradução).

219 Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 298.

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5.3 Crescimento do fundamento da falência em detrimento da

culpa

O passo seguinte rumo ao fortalecimento do princípio da ruptura foi dado

após o decurso de mais de dez anos, quando a Constituição Federal de 1988,

imbuída de novos princípios fundamentais, que mudaram a concepção de todo o

direito de família, ampliou os limites de admissibilidade do divórcio, estabelecendo

no parágrafo 6º do artigo 226 que “o casamento civil pode ser dissolvido pelo

divórcio, após prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos

em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos”.

A fim de adequar a legislação divorcista ao disposto na norma

constitucional, foi promulgada, em 18.10.1989, a Lei n. 7.841, que revogou o

artigo 38 e o parágrafo 1º do artigo 40, além de alterar a redação do inciso I do

parágrafo único do artigo 36, reduzindo o prazo para conversão da separação em

divórcio de três para um ano, e o artigo 40 que, além de ter o prazo reduzido de

cinco para dois anos, eliminou a exigência de início da separação de fato com

data anterior à promulgação da emenda divorcista, tirando seu caráter de

excepcionalidade, criando efetivamente o divórcio direto e, sobretudo, eliminando

a exigência da motivação. O divórcio passou assim a ter como único fundamento

a ruptura da vida em comum.

Mais um passo foi dado com a Lei n. 8.408, de 13.02.1992, que

primeiramente corrigiu omissão da Lei n. 7.841/89, que deixara de atender ao

disposto na Carta Magna, concernente ao prazo exigido entre a separação judicial

e a conversão em divórcio, reduzindo-o de três para um ano.

Dessa forma, a redação do artigo 25 só foi alterada por força da Lei n.

8.408/92 que, além de reduzir o prazo entre a separação judicial e a conversão

em divórcio, proibiu que houvesse, na sentença que decretasse a conversão,

qualquer referência à causa que motivara o pedido de separação.

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A Lei de 1992 reduziu ainda o prazo para o pedido da separação-falência,

previsto no artigo 5º, parágrafo 1º da Lei n. 6.515/77, de cinco para um ano, bem

como diminuiu a intensidade do sancionamento imposto ao cônjuge-mulher, no

que tange ao uso do nome de casada, por ocasião do divórcio, acrescentando

parágrafo único ao artigo 25:

“Artigo 25 - (...)Parágrafo único - A sentença de conversão determinará que amulher volte a usar o nome que tinha antes de contrairmatrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se aalteração prevista neste artigo acarretar:I - evidente prejuízo para a sua identificação;II - manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhoshavidos na união dissolvida;III - dano grave reconhecido em decisão judicial.”

Foram esses reflexos da releitura do direito de família, sob a luz da

Constituição Federal de 1988.

O passo seguinte foi dado com a promulgação da Lei n. 10.406, de

10.01.2002, o novo Código Civil que, a despeito das críticas recebidas por ter

mantido a separação sanção (culposa), bem como o sistema duplo para a ruptura

do vínculo matrimonial, há de se reconhecer que empreendeu novo avanço, no

sentido de ampliar e facilitar a dissolução da sociedade e do vínculo conjugal em

decorrência da ruptura da vida em comum, a separação-falência.

5.4 Fontes alienígenas da inovação legislativa

A introdução da ruptura da vida em comum como causa autônoma da

separação, sem necessidade de perquirição da culpa de qualquer dos cônjuges,

teve sua fonte nas reformas das leis francesa, alemã e italiana.

A Lei francesa de 11.07.1975 criou um sistema pluralista, com quatro

tipos de situações capazes de conduzir à extinção do vínculo matrimonial: o

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divórcio pode ser decretado por culpa, ruptura da vida em comum, consentimento

mútuo ou confissão individual. O sistema se funda na distinção dos quatro

casos:220

“Art. 229 - Le divorce peut être prononcé en cas:- soit de consentement mutuel;- soit de rupture de la vie commune;- soit de faute.”221

O modelo mais antigo repousa sobre a prova de uma falta conjugal, que

perpetua na legislação francesa a concepção do divórcio-sanção:222

“Art. 242 - Le divorce peut être demandé par un époux pour desfaits imputables à l’autre lorsque ces faits constituent une violationgrave ou renouvelée des devoirs et obligations du mariage etrendent intolérable le maintein de la vie commune.”223

Outra modalidade de divórcio repousa sobre o consentimento mútuo dos

cônjuges. É o que a lei chama de demanda conjunta dos cônjuges, como uma

espécie de divórcio por mútuo consentimento, mas que, em realidade, não

constitui a única aplicação: A vontade dos esposos aí é a causa geratriz suficiente

ao divórcio. Um outro tipo de divórcio que a lei apresenta como a segunda

espécie de divórcio por consentimento mútuo é de outra natureza, é o divórcio por

dupla confissão ou por confissão individual, que é o divórcio pedido por um dos

cônjuges e aceito pelo outro.224

Engloba assim a alínea 1 do artigo 292 duas espécies distintas de

divórcio, a por mútuo consentimento propriamente dita, prevista no artigo 230, e o

divórcio pedido por um dos cônjuges e aceito pelo outro, previsto nos artigos 233

e 234:

220 Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 386.221 “Artigo 229 - O divórcio pode ser decretado em caso: - seja por consentimento mútuo; - seja por

ruptura da vida em comum; - seja por culpa.” (nossa tradução).222 Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 387.223 “Artigo 242 - O divórcio pode ser pedido por um dos esposos por fatos imputáveis ao outro

desde que esses fatos constituam uma violação grave ou renovada dos deveres e obrigações docasamento e tornem intolerável a manutenção da vida em comum.” (nossa tradução).

224 Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 387.

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“Art. 230 - Lorsque les époux demandent ensemble le divorce, ilsn’ont pas à en faire connaître la cause; ils doivent seulementsoumettre à l’approbation du juge un projet de convention qui enrègle les consequences.La demande peut être présentée, soit par les avocats respectifsdes parties, soit par un avocet choisi d’un commun accord.Le divorce par consentemment mutuel ne peut être demandé aucours des six premiers mois de mariage.225

(...)Art. 233 - L’un des époux peut demander le divorce en faisant étatd’un ensemble de faits, procédant de l’un et de l’autre, qui rendentintolerable le maintien de la vie commune.226

Art. 234 - Si l’autre époux reconnaît les faits devant le juge, celui-cipronounce le divorce sans avoir à statuer sur la répartition de torts.Le divorce ainsi prononcé produit les effets d’un divorce aux tortspartagés.”227

O divórcio por ruptura da vida em comum repousa num caso objetivo.

Contudo, esse quarto caso contém dois tipos, pois a ruptura da vida em comum

pode ser uma separação de fato prolongada (art. 237) ou uma separação em

decorrência de doença das faculdades mentais de um dos cônjuges (art. 238, 1ª

parte). Cada espécie constitui isoladamente uma causa distinta e suficiente de

divórcio. Mas a causa geradora (genérica) é, nos dois subcasos, objetiva: o

fracasso do casamento. Esse divórcio aparece assim como uma consagração da

concepção do divórcio-falência ou do divórcio-remédio, causa de divórcio que não

recepciona nenhum elemento de culpabilidade.228

“Art. 237 - Un époux peut demander le divorce, en raison d’unerupture prolongée de la vie commune, lorsque les époux viventséparés de faits depuis six ans.229

Art. 238 - Il en est de même lorsque les facultés mentales duconjoint se trouvent, depuis six ans, si gravement altérées

225 “Artigo 230 - Desde que os cônjuges demandem em conjunto o divórcio, eles não precisam

fazer conhecida a causa; eles devem somente submeter à aprovação do juiz um projeto deconvenção que regulamente as conseqüências. A demanda pode ser apresentada, seja poradvogados das respectivas partes, seja por um advogado escolhido de comum acordo. Odivórcio por consentimento mútuo não pode ser demandado no curso dos seis primeiros mesesde casamento.” (nossa tradução).

226 “Artigo 233 - Um dos cônjuges pode demandar o divórcio apresentando um conjunto de fatos,procedentes de um e de outro, que tornam intolerável a manutenção da vida comum”. Como severá adiante, essa disposição pode ter servido de inspiração ao legislador, ao introduzir a novaforma de separação sem culpa, prevista no parágrafo único do artigo 1.573 do Código Civil de2002. (nossa tradução).

227 “Artigo 234 - Se o outro cônjuge reconhecer os fatos diante do juiz, este decretará o divórciosem estabelecer sobre a repartição de culpas. O divórcio assim decretado produz os efeitos deum divórcio por culpas repartidas.” (nossa tradução).

228 Gérard Cornu. Droit civil: la famille, cit., p. 388.229 “Artigo 237 - Um cônjuge pode pedir o divórcio, em razão de uma ruptura prolongada da vida

em comum, desde que vivam separados de fato há seis anos.” (nossa tradução).

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qu’aucune communauté de vie ne subsiste plus entre les époux etne pourra, selon les prévisions les plus raisonnables, sereconstituer dans l’avenir.”230

É nítida a influência exercida pela reforma do direito francês sobre a

legislação pátria. Tendo o legislador nacional adotado a dupla forma de

dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, consubstanciada na modalidade

culposa e na falência, espelhou-se no modelo francês para regulamentar tanto as

várias situações autorizadoras da separação culposa, quanto as previstas para as

situações em que o casamento já estava terminado pela falência do

relacionamento, situação essa aquilatada pelo critério objetivo do decurso do

tempo.

Já o antigo direito alemão, assim como o direito romano, conheceu o

divórcio por contrato ou declaração unilateral, sem qualquer intervenção judicial

ou sacerdotal.231

Desde o século X, a Igreja obteve jurisdição em matéria de divórcio, e

com isso impôs o princípio da indissolubilidade do matrimônio.

A primeira brecha contra a indissolubilidade do matrimônio foi aberta pela

reforma, que negava a natureza sacramental do casamento, admitindo a

dissolução do vínculo em caso de adultério.

Contudo, somente pela lei civil de 06.02.1875 foi suprimida a jurisdição da

Igreja nas questões matrimoniais.

O BGB (Burgerliches Gesetzbuch – Código Civil), promulgado em

18.08.1896, ordenou de maneira uniforme o direito material de divórcio.

Reconheceu como motivo de divórcio quatro causas de violação culpável das

230 “Artigo 238 - O mesmo ocorre se um dos cônjuges sofrer das faculdades mentais há mais de

seis anos, de forma tão grave que empeça a continuidade da vida em comum, e que de acordocom previsões razoáveis, não terá cura no futuro.” (nossa tradução).

231 Ver a respeito: Heinrich Lehmann. Derecho de familia, traducción de la 2. ed. alemana, comorientaciones sobre la legislación española por Jose Maria Navas, Madrid: Revista de DerechoPrivado, 1953, v. 4, p. 234 e ss.

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obrigações conjugais: adultério, atentado contra a vida, abandono malicioso e

perturbação culposa do matrimônio, em conseqüência de grave infração dos

deveres matrimoniais ou em virtude de conduta desonrosa e imoral.

Nota-se que, na origem, todos os países europeus passaram pela mesma

evolução no que tange às relações matrimoniais, partindo de um ponto comum,

qual seja, a influência do direito canônico, que impôs o princípio da sacralidade do

casamento, o que o tornava indissolúvel, dogma quebrado pela reforma

protestante, que passou a negar esse princípio e, portanto, a defender a

possibilidade de dissolução do vínculo conjugal.

Já reconhecia o direito alemão como exceção ao princípio de

culpabilidade, dando causa ao divórcio, a enfermidade mental incurável de um

dos cônjuges.

Também na Alemanha se procurou uma solução de compromisso para o

divórcio, concluindo que só se admitiria a dissolução do matrimônio quando ele

não pudesse cumprir a missão lhe incumbia de atuar como célula da ordem social

e estatal.

Perdia assim o matrimônio o seu valor como fundamento da família,

quando a comunhão de vida dos cônjuges fosse insuportavelmente perturbada.

Transformava-se, nesse caso, em uma célula enferma do organismo social, que

perturbava a comunidade ou, ao menos, lhe retirava o valor.

Nessas condições, a Lei Matrimonial de 06.07.1938 reconheceu, com

maior amplitude que o BGB, a dissolução excepcional do matrimônio, introduzindo

considerável aumento de causas de separação.

Segundo Yussef Cahali, tal como o BGB, tal lei partia de causas

perturbadoras do matrimônio por infrações graves, acrescentando, além da

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enfermidade mental, a perturbação objetiva do casamento por outros motivos, o

que serviu para justificar certos abusos da doutrina nacional-socialista à época.232

A objetivação conduziu, sob a influência da doutrina nacional-socialista da

missão demográfica do matrimônio, a uma jurisprudência relativamente inclinada

ao divórcio. Elevou-se ao primeiro plano considerar qual das duas uniões era

demograficamente mais valiosa: o matrimônio perturbado ou a nova união que se

formava. A decisão era, em muitos casos, favorável à segunda.233

Após a Segunda Guerra Mundial, a Lei Matrimonial de 20.02.1946,

continua Yussef Cahali, conservou a maior parte dos preceitos da Lei de 1938,

eliminando, contudo, as causas de divórcio fundadas na missão nacionalista do

matrimônio reconhecida pela lei anterior234. Foram ainda estabelecidas

dificuldades para o divórcio por perturbação objetiva da sociedade conjugal, ao

não considerar unicamente se caberia esperar o restabelecimento da comunidade

conjugal, e se a manutenção ou a dissolução do matrimônio estavam moralmente

justificados, mas principalmente ao levar em conta o bem-estar dos filhos

menores do casamento.235

Mais recentemente, em decorrência das novas contingências

socioeconômicas da família alemã, as regras do direito de família do BGB

passaram por nova reforma, empreendida pela Lei Matrimonial de 14.06.1976,

que entrou em vigor em 1º de julho do ano seguinte que, firmando a orientação

que já vinha sendo esboçada na Lei Matrimonial de 1938, promoveu uma

mudança decisiva no centro de gravidade da dissolução do casamento.236

A reforma do direito do casamento e da família de 14.06.1976 foi votada

pelo parlamento alemão após longos anos de trabalho e discussão. O projeto de

232 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed., cit., p. 34.233 Heinrich Lehmann. Derecho de familia, v. 4, cit., p. 238.234 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed., cit., p. 34.235 Heinrich Lehmann. Derecho de familia, v. 4, cit., p. 239.236 João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 85.

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lei era anterior ao francês, antecedendo portanto a Lei de 11.07.1975, e

influenciou em parte a reforma francesa.237

Contrariamente ao direito francês de 1975, que manteve diversas causas

para o divórcio (culpa, consentimento mútuo e separação de fato), a reforma

alemã inovou consideravelmente, passando a reconhecer apenas uma única

causa de divórcio, cujas conseqüências, notadamente patrimoniais, foram

amplamente modernizadas.

Atualmente, o direito alemão conhece apenas uma única causa para o

divórcio, a falência da união, prevista no parágrafo 1.565 do BGB. Essa falência é

presumida pela lei no parágrafo 1.566, alíneas 1 e 2, com a finalidade de facilitar

a sua constatação:

“§ 1.565 (Principio de desavenencia conyugal; duración mínima dela separación).1. Podrá obtenerse el divorcio en caso de ruptura del matrimonio.La ruptura del matrimonio tiene lugar ante la inexistência de vidaconyugal común y la presumible imposibilidad de reconciliación delos cónyuges.2. En caso de que los cónyuges vivan separados desde hacemenos de un año solo podrá obtenerse el divorcio cuando porrazones relativas a la persona del outro cónyuge la prolongacióndel matrimonio supusiese una carga inexigible para el cónyugesolicitante.§ 1.566 (Presunción de desavenencia).1. Se presumirá irrefutablemente la ruptura del matrimonio cuandolos cónyuges vivan separados desde hace un año y ambossoliciten el divorcio o el cónyuge demandado lo consienta.2. Se presumirá irrefutablemente la ruptura del matrimonio cuandolos cónyuges vivan separados desde hace tres años.”238

Segundo Frédérique Ferrand239, o texto adota duas presunções distintas,

ambas de natureza absoluta: uma separação de fato por um ano, com demanda

conjunta de divórcio pelos cônjuges, faz presumir a falência do casamento. Trata-

se assim de um divórcio por pedido conjunto, ou demandado por um e aceito pelo

outro, desde que atendidos certos requisitos: separação de fato de mais de um

237 Veja-se a respeito: Frédérique Ferrand. Droit privé allemand, Paris: Dalloz, 1997, p. 491 e ss.238 Emilio Eiranova Encinas. Código Civil Alemán comentado = BGB Burgerliches Gesetzbuch,

Madrid; Barcelona: Marcial Pons, 1998, p. 441.239 Frédérique Ferrand. Droit privé allemand, cit., p. 494.

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ano; concordância do outro cônjuge ou pedido conjunto; proposta comum dos

cônjuges quanto à guarda e direito de visitas dos filhos menores comuns; acordo

dos cônjuges sobre o domicilio familiar e a partilha dos bens.

Se os cônjuges não chegarem a um consenso sobre a regulamentação

das conseqüências do divórcio, o pedido não deixará de ser aceito, mas só

poderá ser concedido com fundamento no parágrafo 1.565 alínea 1 in fine do

BGB (falência do casamento porque a comunhão de vida entre os cônjuges não

existe mais e não se espera que seja restabelecida).

Diante do parágrafo 1.566, alínea 2 do BGB, sem outro requisito a ser

cumprido, a falência do casamento é irrefutavelmente presumida, desde que a

duração da separação de fato tenha atingido três anos.240

Para Mauricio Luis Mizrahi, a reforma vigente na Alemanha desde 1977

constitui uma mostra da consagração do divórcio-remédio, justificado sob um

sistema fechado, contudo não exclui uma considerável amplitude na valorização

judicial, típica dos sistemas abertos. Observa que não se impede definitivamente

a determinação de um presumido “responsável” pela ruptura, ainda que tal fato

não dê origem a conseqüências específicas, como é o caso previsto no parágrafo

1.565 2, deixando claro que a “culpa” não foi totalmente alijada do direito de

família alemão.241

Assim demonstrado, o direito alemão serviu de paradigma ao legislador

pátrio, na situação do reconhecimento da falência do casamento, sem atribuir

causa específica para o fato, desde que constatada a separação de fato do casal,

por determinado lapso temporal.

A lei italiana de 19.05.1975 (Lei n. 898, modificada pela Lei n. 74, de

1987), que introduziu o divórcio, desfigurou o capítulo do Código Civil italiano

sobre o direito de família e acabou por deslocar, a exemplo das legislações acima

citadas, a pedra angular, sobre a qual se assentava o sistema da separação

240 Frédérique Ferrand. Droit privé allemand, cit., p. 495.241 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 211-214.

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judicial, para circunstâncias puramente objetivas (art. 151 do CC, na sua nova

redação):242

“Art. 151 - (Separazione giudiziale).La separazione può essere chiesta quando si verificano, ancheindipendentemente dalla volontá di uno o di entrambi i coniugi, fattitali da rendere intollerabile la procecuzione della convivenza o darecare grave pregiudizio allá educazione della prole.Il giudice, pronunziando la separazione, dichiara, ove ne ricorranole circostanze, a quale dei coniugi sai addebitabile la separazione,in considerazione del suo comportamento contratio ai doveri chederivano dal matrimonio.”243

Antes da entrada em vigor da Lei n. 151, de 19.05.1975, a Corte

Constitucional, pela Sentença n. 127, de 16.12.1968, declarou a ilegitimidade

constitucional do segundo inciso do texto original do artigo 151, segundo o qual

“não é permitida a ação de separação por adultério do marido senão quando

concorram circunstâncias tais que o fato constitua uma injúria grave à mulher”244,

de modo que o artigo 151, na antiga formulação, estava reduzido apenas ao

primeiro inciso:

“Art. 151 (Norma Abrogata) - Cause di separazione personale.La separazione puó essere chiesta per causa di adultério, divolontario abbandono, excessi, sevizie, minace o ingiurie gravi.”245

O elenco dessas causas de separação – todas caracterizadas pelo

elemento culpa − era considerado como tendo caráter taxativo, estando excluído

o reconhecimento da legitimidade da separação pessoal pelo outro, ainda que por

justa causa, não expressamente contemplada pela lei.246

242 João de Matos Antunes Varela. Dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 85.243 “Artigo 151 - Separação judicial A separação pode ser pedida quando se verificar, ainda que

independentemente da vontade de um ou de ambos os cônjuges, fatos tais que torneminsuportável a continuação da vida em comum ou que acarretem grave prejuízo à educação daprole. O juiz ao decretar a separação, declarará, quando não concorram as circunstâncias e nemseja pedido, a qual dos cônjuges será imputada a separação, em consideração de seucomportamento contrário aos deveres que decorrem do casamento.” (Pietro Perlingieri. CodiceCivile annotato com la dottrina e la giurisprudenza: libro primo, Delle persone e della famiglia artt.L. 455, Napoli: Zanichelli, 1991, v. 1, p. 552). (nossa tradução).

244 Veja-se a respeito: Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 73e ss.

245 “Artigo 151 (Norma revogada) - Causas de separação pessoal. A separação pode ser pedidapor adultério, por abandono voluntário, excesso, sevícia, ameaça ou injúria graves.” (LuigiBellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 73). (nossa tradução).

246 Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 73.

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O confronto entre a velha e a nova norma, esclarecem Luigi Bellantoni e

Franco Pontorieri, torna patente que não se exige hoje um ato taxativamente

determinado e imputável a um sujeito capaz, isto é, que leve à culpa desse último.

É suficiente, ao invés de um fato que torne intolerável a continuidade da

convivência, que o mesmo venha a incidir sobre a educação da prole, causando-

lhe grave prejuízo.247

Para Pietro Perlingieri, o que a nova norma releva não é sempre a

intolerabilidade da convivência. Poderia verificar-se uma hipótese em que a

convivência fosse tolerável para os cônjuges, mas de grave prejuízo à educação

dos filhos. É por isso que o legislador introduziu a fórmula disjuntiva ou no texto

legal.248

Há de se destacar que não se deve valorizar somente o aspecto objetivo

dos comportamentos contrários aos deveres que decorrem do matrimônio, mas

também os comportamentos e fatos que, mesmo não violando qualquer dos

deveres decorrentes do casamento, possam incidir sobre a convivência, tornando-

a insuportável, ou ainda sobre a educação da prole que, em decorrência desses

atos ou comportamentos, viesse a ficar gravemente prejudicada.249

Embora aparentemente tenha o legislador italiano abolido o sistema da

culpa, o admitiu, ao mesmo tempo que, a requerimento de qualquer dos cônjuges,

o juiz declare qual deles é o culpado da separação, por violação dos deveres

provenientes do casamento.250

Segundo Luigi Bellantoni e Franco Pontorieri, o segundo inciso do artigo

sob exame prevê que o juiz, ao decretar a separação, declarará, salvo não

concorrendo as circunstâncias, e que não seja pedido, a qual dos cônjuges será

imputada a separação, considerando o comportamento contrário aos deveres que

derivam do matrimônio.

247 Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 74.248 Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 261.249 Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 74.250 Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 45.

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É inquestionável que por tal via introduziu o legislador italiano o conceito

de imputabilidade da separação, com termo novo, mas que não pode significar

senão imputabilidade pela separação, que pressupõe a voluntariedade do

comportamento contrário aos deveres decorrentes do matrimônio.

O juiz não poderá declarar a qual dos cônjuges será imputada a

separação em todos os casos em que esteja diante de comportamentos ou fatos

que incidam na manutenção da convivência, que a tenha tornando intolerável, ou

que são tais a trazer grave prejuízo à educação da prole, ainda que objetivamente

considerados, se os comportamentos ou fatos ocorreram independentemente da

vontade do cônjuge.251

Para Pietro Perlingieri, o termo imputabilidade utilizado no texto legal é

noção objetiva e não se esgota somente em uma grave ofensa ao outro cônjuge.

Quando há a inadimplência de um dever que caracteriza a relação conjugal, uma

inadimplência constante, contínua, ocorrem os pressupostos da imputação,

independentemente de existir ou não uma ofensa.252

Atualmente, segundo afirmações concordantes, a separação judicial não

encontra mais o seu fundamento na culpa de um dos cônjuges, mas na

intolerabilidade da continuidade da vida em comum, e não necessariamente

depende do comportamento de um dos cônjuges. O reflexo imediato da mudança

imposta é a legitimidade atribuída a qualquer dos cônjuges para instaurar o

procedimento de separação.253

Em comentário à violação dos deveres matrimoniais e da culpabilidade,

incidente no segundo inciso do artigo 151, esclarece Pietro Perlingieri que é

freqüente a tentativa de reduzir o alcance inovador desse princípio, reportando-se

à nova disciplina nos esquemas individualistas da doutrina e da jurisprudência

anterior à reforma.254

251 Luigi Bellantoni; Franco Pontorieri. La riforma del diritto di famiglia, cit., p. 75-76.252 Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 262.253 Pietro Perlingieri. Codice Civile annotato com la dottrina e la giurisprudenza, cit., p. 553.254 Pietro Perlingieri. Codice Civile annotato com la dottrina e la giurisprudenza, cit., p. 553.

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No mesmo sentido se coloca Enrico Quadri, ao tratar da crise da família,

em face da separação e do divórcio na Itália, ao dispor que os reflexos do

abandono da disciplina de cunho sancionatório da separação, seguido pela

reforma de 1975, são realçados na Decisão n. 364, proferida pela Corte de

Cassação em 17.01.1983, na qual se evidencia como o juízo de imputabilidade da

crise não se destina mais, como no passado, a condicionar a pronúncia da

separação, diante da constatação da intolerabilidade da convivência, qualquer

que tenha sido o cônjuge autor da demanda, uma vez que mesmo o responsável

pela crise estará legitimado a promovê-la. O novo modelo de separação recoloca

a eventual responsabilidade e a declaração de culpa (nos termos do art. 151, inc.

2º), cuja conseqüência é de outro tipo, em nada violando a Constituição italiana,

uma vez que concebido à luz da relevância atribuída ao perfil comunitário e

funcional da experiência familiar.255

Do exposto, verifica-se que o direito italiano de certo modo influenciou o

legislador pátrio, mas, seguramente, a maior contribuição italiana no cenário

nacional se seu no âmbito doutrinário, constituindo-se em paradigma na questão

da constitucionalização do direito de família, tendo à frente as idéias de Pietro

Perlingieri e Enrico Quadri.

5.5 As alterações do novel Código Civil quanto às causas de

dissolução da sociedade e do vínculo conjugal

O novo Código Civil (Lei n. 10.406, de 10.01.2002), embora tenha tido sua

origem em anteprojeto elaborado em 1969, foi encaminhado ao Congresso

Nacional em 1975, ficou por longo tempo arquivado, sofreu várias emendas e,

após ter sido adaptado à Constituição Federal de 1988, foi finalmente aprovado

pela Câmara dos Deputados em 15.08.2001, sancionado pelo Presidente da

República em 10.01.2002, e entrou em vigor em 11.01.2003.256

255 Enrico Quadri. Questioni attuali di diritto privato, Napoli: Jovene, 1998. p. 54.256 Washington de Barros Monteiro. Curso de direito civil: direito de família, cit., p. 13.

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Tendo o Código de 2002 surgido após a Carta de 1988, acabou por

repetir muitas inovações que já haviam sido trazidas pelo texto constitucional.

Muitas das conquistas promovidas pela Constituição de 1988, referentes à

personalização da família, foram inseridas no atual Código.257

O novo Código mostrou sensível e necessária evolução em relação ao

Código revogado, representando o coroamento de uma série de reformas pelas

quais passou a instituição familiar, no curso do século XX.258

A família delineada pelo Código de 2002 está muito próxima da

consagrada na Constituição de 1988. Poucas foram as alterações, e muitas foram

as repetições.259

O constituinte de 1988 muito se valeu do exemplo trazido pelo direito

italiano, em conseqüência do que alargou o conceito de família, passando a

proteger de forma igualitária todos os seus membros, partícipes da união ou seus

descendentes260. Reconheceu ainda o estágio de evolução do direito de família

no qual as relações familiares já estavam impregnadas de autenticidade,

sinceridade, amor, compreensão, diálogo, paridade e realidade, que se traduziram

nas modernas tendências sintetizadas por Sérgio Gischkow Pereira em três

grandes características do direito de família atual: revalorização do aspecto

afetivo; busca de autenticidade nas relações; e preservação do interesse de

crianças e adolescentes.261

Uma das maiores características da família atual, segundo José

Sebastião de Oliveira262, é a afetividade, traduzida no respeito de cada um por si

257 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva

histórico-jurídica, cit., p. 95.258 Euclides de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Do direito de família, in Maria

Berenice Dias; Rodrigo da Cunha Pereira (Coords.), Direito de família e o novo Código Civil, 4.ed. rev. atual., Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 3.

259 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectivahistórico-jurídica, cit. p. 96.

260 Euclides de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Do direito de família, cit., p. 3.261 Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, Porto Alegre: Livraria do Advogado,

2004, p. 48.262 José Sebastião de Oliveira. Fundamentos constitucionais do direito de família, cit., p. 233.

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e por todos os membros, a fim de que seja a família respeitada em sua dignidade

e honorabilidade perante o corpo social.

Surgiu assim uma nova família que, na atual concepção, é entendida

como espaço de realização pessoal e afetiva. O casamento, enquanto

instrumento de constituição de uma das entidades familiares reconhecidas

constitucionalmente, passou a ser concebido pelo direito como mecanismo sócio-

político que se presta a tutelar a família: “As pessoas são tuteladas pelo direito,

dentro da família, porque esta é em verdade o organismo destinado a promover e

garantir a dignidade da pessoa humana e o pleno desenvolvimento de todas as

suas virtualidades, ou seja, lugar de tutela da vida e da pessoa humana.”263

Semelhante entendimento é trazido por Pietro Perlingieri, quando trata do

interesse familiar: “A família não é titular de um interesse separado e autônomo,

superior àquele do pleno e livre desenvolvimento de cada pessoa”. Conforme

dispõe o autor, a função serviente da família deve ser realizada de modo aberto,

integrado na sociedade civil, com obrigatória colaboração de outras formas

sociais, que por sua vez são merecedoras de tutela, se a regulamentação interna

for inspirada no respeito da igual dignidade, na igualdade moral e jurídica dos

componentes e na democracia.264

Afirma Renan Lotufo que “sem amor não há família”,demonstrando a

grande evolução que a Constituição Federal nos trouxe. Nessas condições, faz-

nos entender o casamento como uma das formas de concretização do amor.

Logo, a forma de dissolução desse casamento, através da separação e do

divórcio, tem que ser sempre pensada de maneira a preservar a dignidade de

cada um dos integrantes do núcleo familiar.

263 Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 49.264 Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 245.

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Assim, se e quando a família falhar no seu novo papel, pondo em risco a

dignidade de seus membros, o interesse normativo na conservação do vínculo

matrimonial e na coesão da família não pode mais prevalecer.265

De igual modo se posiciona Pietro Perlingieri, ao afirmar que se faz

necessário, mais do que outra coisa, aceitar a idéia de que, quando falta o afeto e

a comunhão espiritual, a família “não existe”.266

Surge, em conseqüência, tanto a separação quanto o divórcio como

remédios para livrar a pessoa da degradação a que seria submetida, em razão da

deterioração do casamento, caso continuasse em estado de sofrimento, no seio

da família.267

O Código de 2002, embora tenha mantido o sistema de separação por

culpa nos artigos 1.572 caput e 1.573, I a VI, seguiu a trajetória, no sentido de

fortalecer o princípio da ruptura, nos artigos 1.572, parágrafos 1º e 2º e 1.580,

parágrafos 1º e 2º, facilitando a obtenção do divórcio, o que constitui o

reconhecimento de que a união entre duas pessoas só tem sentido e veracidade

enquanto impregnada de amor e respeito, pois “manter uniões forçadas é

incentivar e cultivar a destruição mental e moral do ser humano”.268

Manteve o legislador de 2002, no artigo 1.572, o princípio da culpa na

separação judicial, prevendo as hipóteses em que se dará a separação judicial

com fundamento na culpa do outro cônjuge, tendo adotado conteúdo semelhante

ao da lei divorcista, mas não igual, tendo deslocado a conduta desonrosa para o

inciso VI do artigo 1.573, passando a ser uma das hipóteses que podem

ocasionar a “impossibilidade da comunhão de vida”.

265 Renan Lotufo. Separação e divórcio no ordenamento jurídico brasileiro e comparado, in

Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Repensando o direito de família: anais do I Congressobrasileiro de direito de família, Belo Horizonte: IBDFAM; OAB-MG; Del Rey, 1999, p. 209.

266 Pietro Perlingieri. Perfis do direito civil: introdução ao direito civil constitucional, cit., p. 264.267 Antonio Cezar Peluso. A culpa na separação e no divórcio, cit., p. 49.268 Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 55.

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Com a alteração no caput do artigo 1.572, foi adotada formulação

genérica da lei divorcista, que se mostra mais adequada, por permitir maior

liberdade ao intérprete para preencher, no caso concreto, as hipóteses previstas

em lei de modo genérico.269

Quanto ao artigo 1.573 e incisos270, estranhamente o legislador de 2002

retomou a técnica da enunciação do antigo artigo 317 do Código Civil de 1916,

mas que na nova versão assumiu uma formulação meramente exemplificativa, já

que seguida do parágrafo único, que introduz no sistema uma hipótese de

extremada abertura271, ante a possibilidade da separação ser decretada com

fundamento exclusivo na “impossibilidade de continuação da vida em comum”.

Como salienta Maria Helena Diniz:

“A norma, após arrolar casuisticamente as hipóteses que tornamimpossível a comunhão de vida, justificadoras do pedido deseparação judicial litigiosa, vem seguindo a esteira das modernaslegislações européias, no seu parágrafo único, a admitir que o juizpode considerar outros fatos que tornem evidente aimpossibilidade da vida em comum (p. ex., crueldade mental,desamor, incompatibilidade de gênios etc.). Apelando, assim, paraa discricionariedade judicial, para que o órgão judicante,empregando critérios axiológicos, consagrados na ordem jurídica(LICC, art.5º), interprete a norma em relação com a situação fáticaque deve solucionar, tendo em vista o momento atual e aspeculiaridades do caso sub judice, averiguando se, na verdade, aconduta de um dos cônjuges torna insuportável a convivênciaconjugal.”272

Cita a autora o Enunciado n. 254 do Conselho da Justiça Federal,

aprovado na III Jornada de Direito Civil, que assim dispõe:

269 Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro,

Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano 3, n. 12, p. 150,jan./mar. 2003.

270 O PL 276/2007 propõe uma alteração no inciso IV do artigo 1573, a fim de que seja eliminada aexigência temporal de (1) um ano contínuo de abandono voluntário do lar conjugal.

271 Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,p. 151.

272 Maria Helena Diniz. Código civil anotado, 11. ed. rev., aum. e atual. de acordo com o novoCódigo Civil (Lei n.10.406, de 10-1-2002), São Paulo: Saraiva, 2005, p.1.279.

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“Formulado o pedido de separação judicial com fundamento naculpa (art. 1572 e/ou art. 1.573 e incs.), o juiz poderá decretar aseparação do casal diante da constatação da insubsistência dacomunhão plena de vida (art. 1.511) – que caracteriza hipótese e‘outros fatos que tornem evidente a impossibilidade da vida emcomum’ – sem atribuir culpa a nenhum dos cônjuges.” (grifamos).

Nesse sentido vem se posicionando a jurisprudência, em atendimento ao

preceito constitucional de mínima intervenção do Estado, para preservação da

dignidade da pessoa humana, decidindo as demandas de separação judicial

baseadas em causas culposas, com fundamento em causa genérica autorizada

pelo artigo 1573, parágrafo único do Código Civil de 2002, conforme se

depreende dos seguintes julgados:

“SEPARAÇÃO – Ação e reconvenção. Improcedência de ambosos pedidos. Possibilidade de decretação da separação.Evidenciada a insuportabilidade da vida em comum, emanifestado por ambos os cônjuges, pela ação e reconvenção, opropósito de se separarem, o mais conveniente é reconhecer essefato e decretar a separação, sem imputação da causa a qualquerdas partes. Recurso conhecido e provido em parte.” (STJ – RESPn. 467.184/SP, 4ªT., rel. Min. Ruy Rosado de Aguiar; j.05.12.2002, v.u., BAASP, 2.341/2.857-j, de 17.11.2003).

“SEPARAÇÃO JUDICIAL – Pedido de separação fundado naculpa. Não-demonstração. Insustentabilidade da vida em comum.Caracterização. Decretação da separação. Julgamento diverso dopedido. Inocorrência. Ainda que se requeira a separação judicialcom imputação de culpa e essa não reste provada nos autos, ojuiz pode decretá-la caso verifique, nas provas coligidas aosautos, a insuportabilidade da vida em comum, situação em que adecretação da separação não implica julgamento diverso dopedido.” (STJ – RESP n. 466.329/RS, 3ª T., rel. Min. NancyAndrighi, DJU, de 11.10.2004, RBDF, n. 28, fev./mar. 2005).

“SEPARAÇÃO JUDICIAL – Casamento. Violação. Culpa.Deterioração factual. Alimentos. Valor. Manutenção.Alimentandos. Necessidade. Alimentante. Capacidadecontributiva. Em separação judicial, é reconhecida aresponsabilidade de ambos os cônjuges pela ‘deterioração factual’do casamento, quando não há prova que só um deles é oresponsável pelo fracasso da relação, tornando insuportável avida em comum. Tratando-se a intimidade de direito constitucionalbásico, é proibido, ainda que no sigilo da justiça, o ingressoapurado nas relações em que se edifica para, num verdadeiroprocedimento sadomasoquista, apurar-se o culpado. O valor dasprestações alimentícias é mantido quando necessário comocontribuição para o sustento da ex-esposa e da prole e adequadoà capacidade contributiva do alimentante. Nega-se provimento aos

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recursos.” (TJMG − AC n. 1.0024.01.094655-6/001/BH, 4ª Câm.Civ., rel. p/ Ac. Almeida Melo, DJMG, de 21.12.2004, RBDF, n. 30jun./jul. 2005).

“DIREITO CIVIL − Família. Ação de separação judicial. Pedidosinicial e reconvencional fundados na culpa. Não comprovação.Insuportabilidade da vida em comum. Decretação da separaçãosem atribuição de causa. Possibilidade. Verificada ainsuportabilidade da vida conjugal, em pedidos de separação comrecíproca atribuição de culpa, por meio de ação e reconvenção, ediante da ausência de comprovação dos motivos apresentadosconforme posto no acórdão impugnado, convém seja decretada aseparação do casal, sem imputação de causa a nenhuma daspartes. Ressalte-se que, após a sentença de improcedência dospedidos de separação com culpa, as partes formularam petiçãoconjunta pleiteando a dissolução do vínculo conjugal, comfundamento no artigo 1.573 do Código Civil de 2002, e mesmoassim não alcançaram o desiderato em 2º grau de jurisdição.Dessa forma, havendo o firme propósito de dissolução do vínculomatrimonial, nada obsta que o decreto de separação-sanção sejamodificado para o de separação-remédio. Recurso especialconhecido e provido.” (STJ − RESP n. 783.137/SP, 3ªT., rel Min.Nancy Andrighi, j. 25.09.2006, v.u.).

Quanto às causas objetivas na separação judicial, repete o Código o teor

do artigo 5º, parágrafo 1º da Lei n. 6.515/77, mantendo a possibilidade de fundar

o pedido de separação judicial na circunstância objetiva da separação fática do

casal por período superior a um ano, sem qualquer questionamento sobre a

causa que teria motivado a separação.

Restou ainda mantida a hipótese conhecida como separação-remédio,

fundada em doença mental do outro cônjuge, no parágrafo 2º do artigo 1.572,

tendo, entretanto, encurtado o prazo, que era de cinco anos, para apenas dois,

mantendo os demais requisitos para a caracterização da hipótese273. Contudo, na

atualidade pouco ou nenhum sentido prático existe em se pleitear tal espécie de

separação, por um lado pelas exigências de se sujeitar à averiguação do motivo e

preenchimento de vários requisitos, e, de outro, diante da possibilidade de se

pleitear em juízo o divórcio direto, o que acabou por esvaziar de sentido tal

separação.274

273 Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,

p. 152.274 Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 277.

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Quanto à sanção imposta ao cônjuge requerente da separação-remédio,

prevista no parágrafo 3º do artigo 5º da Lei n. 6.515/77, foi ela mantida, contudo

com pequena alteração, no parágrafo 3º do artigo 1.572. A sanção pela lei

divorcista incidia tanto na hipótese de separação-ruptura, quanto na de

separação-remédio. Já pela nova regra, a penalização passa a incidir apenas na

hipótese de pedido fundado na doença mental do outro cônjuge.275

O novo Código, evoluindo inclusive em relação ao direito alienígena, não

reproduziu a denominada cláusula de dureza prevista no artigo 6º da Lei n.

6.515/77, que possibilitava ao juiz negar a separação, nas hipóteses de

separação-falência e separação-remédio, quando verificasse que poderia a

separação constituir causa de agravamento das condições pessoais ou da

doença do outro cônjuge, ou ainda determinar, em qualquer caso, conseqüências

morais de excepcional gravidade para os filhos menores.

Apesar do processo de liberalização do divórcio, em várias legislações

européias ainda é possível encontrar-se a cláusula de dureza, também conhecida

como de salvaguarda ou de rigor, que se mostra como importante limitação do

regime de divórcio-remédio.276

Avançou o Código de 2002 em relação à legislação francesa, que ainda

mantém os rigores da cláusula de dureza nos artigos 238 e 240. Segundo Alain

Bénabent, a prática dos primeiros anos demonstrou que a disposição da cláusula

de dureza foi utilizada pelos tribunais que, por princípio, eram hostis à modalidade

de divórcio por ruptura da vida em comum. Mas, na atualidade, se constata que

aquilo que era uma exceção passou a ser utilizado com muito mais freqüência,

em todos os casos que não deveriam ser considerados como uma verdadeira

exceção277. Esses artigos têm o seguinte teor:

275 Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,

p. 153.276 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 168.277 Alian Bénabent. Droit civil. La famille, cit., p. 239.

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“Art. 238 - Il en est de même lorsque les facultés mentales duconjoint se trouvent, depuis six ans, si gravement altérésqu’aucune communauté de vie ne subsiste plus entre les époux etne pourra, selon les prévisions les plus raisonnables, sereconstituer dans l’avenir.Le juge peut rejeter d’office cette demande, sous réserve desdispositions de l’article 240, si le divorce risque d’avoir desconséquences trop grave sur la maladie du conjoint.278

(...)Art. 240 - Si l’autre époux étabit que le divorce aurait, soit pour lui,compte tenu notamment de son âge et de la durée du mariage,soit pour les enfants, des conséquences matérielles ou moralesd’une exceptionnelle dureté, le juge rejette la demande. Il peutmême la rejeter d’office dans le cas prévu à l’article 238.”279

Avançou também o legislador nacional, mesmo diante do direito alemão,

que se caracteriza pela objetividade na concessão do divórcio, realçando a

respeito Mauricio Luis Mizrahi que, nos termos do disposto no parágrafo 1.568,

estará sempre ao alcance do juiz exercer sua atribuição de evitar a extinção do

vínculo matrimonial pela aplicação da cláusula de dureza, embora reconheça que,

na prática, os juízes têm aplicado o preceito apenas em casos muito

excepcionais.280

“§ 1.568 (Cláusulas de rigor).1. No habrá lugar al divorcio, si bien existe ruptura matrimonial,siempre y cuando la subsistencia del matrimonio resulteexcepcionalmente necesaria por razones de especial interes paralos hijos menores de edad nacidos gravias al mismo, o cuando eldivorcio supondría, a causa de las circunstancias extraordinarias,una carga tan grave para el cónyuge opuesto al mismo que hagaque la subsistencia del matrimonio resulte excepcionalmenteimprescindible, incluso teniendo em cuenta los intereses del outrocónyuge solicitante.2. (Derogado).”281

278 “Artigo 238 - O mesmo ocorre se um dos cônjuges sofrer das faculdades mentais há mais de 6

anos, de forma tão grave que impeça a continuidade da vida em comum, e que de acordo comprevisões razoáveis, não terá cura no futuro. O juiz poderá recusar o pedido, se o divórcio puderprovocar consequências muito graves à doença do cônjuge.” (nossa tradução).

279 “Artigo 240 - Se o outro cônjuge estabelecer que o divórcio trará, seja para ele, tendo em contanotadamente sua idade e a duração do casamento, seja para as crianças, conseqüênciasmateriais ou morais de excepcional dureza, o juiz rejeitará a demanda. Ele pode mesmo rejeitara demanda de ofício no caso previsto no artigo 238.” (nossa tradução).

280 Mauricio Luis Mizrahi. Familia, matrimonio y divorcio, cit., p. 213.281 Emilio Eiranova Encinas. Código Civil Alemán comentado = BGB Burgerliches Gesetzbuch, cit.,

p. 441.

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Quanto à separação consensual, no artigo 1.574, inovou o Código de

2002, ao reduzir o prazo mínimo de casamento exigido, que era de dois anos,

para um ano.

Há de se observar que tanto o Projeto de Lei n. 276/2007 como o Projeto

de Lei n. 507/2007 propõem a alteração do texto do artigo 1.574282, para que

deixe de constar a exigência de lapso temporal para o pedido de separação

consensual.

No que tange ao divórcio, tanto o indireto quanto o direto, previstos

respectivamente no artigo 1.580, caput, e no parágrafo 2º do mesmo artigo, não

houve alteração nos prazos já estabelecidos na Lei n. 6.515/77, com as

alterações intruduzidas pelas leis 7.841/89 e 8.408/92, de um ano do trânsito em

julgado da sentença que tivesse decretado a separação judicial para a conversão

da separação em divórcio e de mais de dois anos de separação de fato para o

divórcio direto.

Inovou ainda de forma salutar o legislador de 2002, ao afastar, no caso da

conversão da separação judicial em divórcio, a exigência adicional de que o autor

do pedido estivesse em dia com as obrigações anteriormente assumidas283, assim

como é louvável a proibição de qualquer referência sobre a causa que tenha

determinado a separação judicial na sentença que venha a decretar a sua

conversão em divórcio.

Dessa forma, com as alterações introduzidas, mantendo-se a modalidade

de separação culposa ao lado da modalidade de causas objetivas, deixou claro o

legislador de 2002 seu firme propósito de delegar ao intérprete e ao aplicador

acatar a opção legislativa mais apropriada ao caso concreto.284

282 Sugestões de nova redação: “Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo

consentimento dos cônjuges, manifestado perante o juiz, sendo por ele devidamentehomologada a convenção.” (PL n. 276/2007); “Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial pormútuo consentimento dos cônjuges se o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamentehomologada.” (PL n. 507/2007).

283 Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,p. 155.

284 Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 75.

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O fato da modalidade de separação culposa ter sido mantida no

ordenamento jurídico pátrio não significa que esteja a lei obrigando quem quer

que seja a seguir o caminho tortuoso e difícil da separação-sanção.285

Os caminhos legislativos estão abertos para se evitar o desgaste

provocado por uma separação litigiosa na modalidade sanção, caminhos esses

que, pela evolução legislativa pela qual tem passado o nosso direito, vêm

seguindo o trajeto da crescente facilitação da dissolução da sociedade e do

vínculo conjugal, através de simples comprovação de ruptura da vida em comum

e da impossibilidade de sua reconstituição.

O Projeto de Lei n. 507/2007 propõe a alteração do artigo 1.572, com a

finalidade de eliminar a necessidade de qualquer referência a motivo por ocasião

do pedido de separação, que não seja o término da vida em comum, sugerindo a

seguinte redação: “Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação

judicial, quando cessar a comunhão de vida.”

Entretanto, concordando com Sérgio Gischkow Pereira286, entendemos

que não se pode pura e simplesmente proibir o uso da modalidade de separação-

sanção, pois podem surgir motivos morais consideráveis para tanto.

Ao contrário do que pensa Leonardo Barreto Moreira Alves287, cremos

que não se pode deixar ao desabrigo legal situações que o autor considera como

casos esporádicos e excepcionais, de patologia, em que um dos cônjuges não

tem o menor escrúpulo em humilhar, maltratar, pisotear o outro, ou ainda nos

casos em que um dos consortes sofre de alcoolismo ou é dependente químico, o

que o leva a espancar o outro cônjuge. O fato de considerá-los excepcionais (o

285 Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 75.286 Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 75.287 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva

histórico-jurídica, cit., p. 105.

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que não condiz com a realidade brasileira), que fogem à normalidade, não justifica

a sua exclusão do ordenamento jurídico.288

Deixar essas situações à margem da regulamentação legal é violar a

dignidade da pessoa do cônjuge inocente, que em nada contribuiu para que os

fatos se desenvolvessem nesse sentido.

A Constituição Federal, mais do que estabelecer limites externos à

atividades privadas, conferiu novo conteúdo aos institutos privados.289

Conforme dispõe Cristiano Chaves de Farias, o mais precioso valor da

ordem jurídica brasileira trazido pela Carta de 2002 foi a dignidade da pessoa

humana, que “serve como mola de propulsão da intangibilidade da vida do

homem, dela defluindo o respeito à integridade física e psíquica das pessoas, a

admissão da existência de pressupostos materiais (patrimoniais inclusive)

mínimos para que se possa viver e o respeito pelas condições fundamentais de

liberdade e igualdade”.290

Sem dúvida que o fim do amor não pode e nem deve representar violação

aos deveres matrimoniais, mesmo porque amar não é dever. Não pode a lei

impedir o desfazimento de um ato fundado, em princípio num sentimento, por falta

de previsão legal, posto que o amor não configura dever matrimonial.

Para atender a essa demanda, existem as opções da dissolução por

ruptura da vida em comum, que vem sendo largamente ampliada em nosso

ordenamento jurídico.

288 Haja vista a necessidade de criação de mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar

contra a mulher, concretizada através da Lei n. 11.340, de 07.08.2006, a “Lei Maria da Penha”,bem como o crescimento de entidades destinadas ao combate à violência doméstica e àconscientização das mulheres, como o curso destinado à formação das promotoras legaispopulares, que tem como objetivo fazer com que as mulheres conheçam e saibam comoreivindicar os seus direitos (Diário Oficial Poder Executivo, Seção I, de 31.10.2007, p. 11).

289 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiempara a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 66.

290 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiempara a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 66.

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O novo Código Civil seguiu esse rumo, sendo possível identificar a

intenção primordial da comissão de juristas presidida por Miguel Reale na

construção do novo Código, “conservar o possível; inovar, sempre que

necessário”, aproveitando, da forma mais ampla possível, o arcabouço jurídico

existente, dando-lhe cores e imprimindo traços que coadunam com a realidade

vivenciada pela sociedade brasileira.291

5.6 O enfraquecimento dos efeitos da culpa na separação judicial

litigiosa

Por ocasião da elaboração da Lei do Divórcio, o legislador de 1977

apresentou forte resistência ao rompimento do vínculo conjugal, influenciado que

estava pelo conservadorismo que, durante séculos, marcou o direito matrimonial.

Nesse contexto é que foram inseridas sanções que seriam impostas ao

cônjuge considerado culpado pela separação, com o objetivo de assegurar a

observância dos deveres do casamento e dificultar ao máximo sua dissolução.292

As sanções cominadas ao cônjuge vencido na demanda judicial previstas

na Lei n. 6.515/77 referiam-se à guarda dos filhos menores, ao uso do nome de

casada pela mulher e à prestação de alimentos.

O Código Civil de 2002, inspirado nas inovações trazidas pela Carta

Constitucional de 1988, abrandou o rigor das penalidades anteriormente previstas

na lei divorcista.

291 Euclides de Oliveira; Giselda Maria Fernandes Novaes Hironaka. Do direito de família, cit., p. 2.292 Veja-se a respeito: Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à

luz do novo Código Civil, cit., p. 43 e ss.

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5.6.1 Fixação da guarda dos filhos menores

Previa o artigo 10 da Lei n. 6.515/77 que, na separação litigiosa, os filhos

menores ficariam com o cônjuge que não tivesse dado causa à separação. Tal

sanção vinha recebendo inúmeras críticas da doutrina, posto que despertava

caprichos e intrigas matrimoniais, encerrando uma represália a ser imposta

àquele que fosse considerado responsável pelo fim do casamento, em

decorrência da violação de algum dos deveres do casamento, sem se preocupar

com o que efetivamente importava, o bem-estar dos filhos.293

Em decorrência do disposto no artigo 227 da Constituição Federal de

1988, foi promulgado o Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90),

com o objetivo de preservar ao máximo o interesse das crianças e dos

adolescentes. Diante de tal orientação, tornou-se um contra-senso permitir que a

guarda dos filhos nos casos de separação litigiosa fosse decidida em função da

culpabilidade de um dos pais, sem que fosse observado o melhor interesse das

crianças no contexto.294

Luiz Felipe Brasil Santos295 esclarece que, mesmo sob a égide da lei

divorcista, que vinculava a guarda do menor à culpa do genitor nos casos de

separação com causa culposa, a jurisprudência já vinha efetuando a aplicação da

doutrina do melhor interesse da criança, invocando como fundamento, além do

regramento constitucional, uma interpretação mais literal do artigo 13 da Lei n.

6.515/77296 que, de exceção que era, passou à condição de regra:

293 Veja-se a respeito: Flávio Tartuce; José Fernando Simão. Direito civil: família, cit., v. 5, p. 743;

Dilermano Cigagna Júnior. Culpa: separação judicial, cit., p. 10; Antonio Carlos Mathias Coltro. Adescriminalização do adultério e sua repercussão no direito de família e a culpa na separaçãojudicial, cit., p. 13.

294 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo CódigoCivil, cit., p. 44.

295 Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,p. 156.

296 “Artigo 13 - Se houver motivos graves, poderá o juiz, em qualquer caso, a bem dos filhos,regular por maneira diferente da estabelecida nos artigos anteriores a situação deles com ospais.”

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“SEPARAÇÃO JUDICIAL CONTENCIOSA − Culpa da mulher.Violação dos deveres do casamento. Posse e guarda. Filho menorAlimentos. Nome da mulher. Não havendo fundamento quejustifique a posse e guarda dos filhos menores, esta deve serconcedida à mãe. O fato da mesma ter sido considerada culpadapara a ruptura do matrimônio por si só não justifica talmodificação. Ao fixar os alimentos o juiz deve observar o princípioda proporcionalidade consagrado em nossa legislação civil,admitindo o binômio necessidade e possibilidade, aliado aoselementos e circunstâncias que consolidam tal fixação. Deve asentença, ao considerar o cônjuge mulher culpada, determinar ocumprimento da determinação legal em relação à modificação donome de casada e a mudança do CPF. Provimento parcial dorecurso.” (Apelação Cível n. 1996.001.3165, 6ª Câm. Civ., Des.Luiz Zveiter, j. 08.10.1996, v.u., Ementário: 19/97, n. 46, de06.02.1997).297

“SEPARAÇÃO JUDICIAL CONTENCIOSA − Abandono do lar.Culpa da mulher. Filho menor. Posse e guarda. Disputa entregenitores. Separação judicial. Guarda de filho menor. Preferênciamaterna. Mesmo responsável pela separação por abandonar o larconjugal, inexistem elementos nos autos para impedir que a mãetenha a guarda do filho menor do casal. As amiudadas visitas damãe ao filho menor mantêm inalteradas as relações entre os dois,dispensando a gradual modificação da guarda do menor. Apelonão provido.” (Apelação Cível n. 1998.001.05208/Valença, 15ªCâm. Civ., Des. Maria Collares Felipe, j. 09.09.1998, v.u.).298

“GUARDA DE FILHO MENOR – Prevalência de interesse. Naguarda de filho menor, estando o casal separado de fato,prevalece o interesse do infante. Havendo conflito entre oscônjuges, o juiz decidirá, tendo em vista as circunstâncias de cadacaso e o interesse do menor. Entre o direito da mãe e o do filho,este deve preponderar. Genitora de menor que não mantém eapresenta situação estável para reaver a posse do filho. Menorentregue pela própria genitora ao pai e aos avós paternos, quandoa criança contava pouco mais de um ano. Permanência da guardaassim existente, pelo que para seu exercício não a obsta osimples fato de que deferida ao pai. Provimento do recurso.”(TJRJ – AC n. 8.821/99, 15ª Câm. Cív., rel. Des. José PimentelMarques, j. 01.03.2000, RBDF n. 6, jul./ago./set. 2000).

“MENOR – Alteração de guarda. Medida liminar acautelatória.Interesse e bem-estar do menor. Prevalência. Poder discricionáriodo juiz. A lei confere amplo poder discricionário ao juiz, máximeem sede de direito de família, cabendo-lhe agir ex officio,salvaguardando sempre o primordial interesse do menor, sendoindubitável que poderá ele tomar as providências que reputarnecessárias a este fim. Ergo, proposta a ação de guardaautonomamente, poderá regular de plano a situação do menor

297 Flávio Guimarães Lauria. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da

criança, Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003, p. 199.298 Flávio Guimarães Lauria. A regulamentação de visitas e o princípio do melhor interesse da

criança, cit., p.193.

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tomando as medidas assecuratórias a bem-estar deste. Agravoconhecido e improvido, à unanimidade de votos.” (TJGO – AI n.20.098-0/180 (200000271076), 1ª T., rel. Des. Fenelon TeodoroReis, j. 08.06.2000, RBDF, n. 7, out./nov./dez. 2000).

Contudo, essa situação só obteve a devida resposta legal com o advento

do novo Código Civil que, já não sem tempo, revogou o aludido artigo 10,

dissociando da fixação da guarda dos filhos menores a culpa pelo rompimento do

casamento. Agora, o artigo 1.584, cumprindo o preceito constitucional do melhor

interesse da criança, na linha da pacífica jurisprudência, expressamente

determina que a guarda dos filhos menores seja deferida a quem revelar

melhores condições para exercê-la.

5.6.2 Uso do nome pelo outro cônjuge

O artigo 17 da Lei n. 6.515/77 dispunha que se “vencida na ação de

separação judicial, voltará a mulher a usar o nome de solteira”. Nessas condições,

condicionava o uso do nome de família do marido pela mulher, após a dissolução

da sociedade conjugal, ao fato dela não ser considerada culpada pela separação.

Num primeiro momento, a legislação brasileira, em relação ao uso do

nome de família do marido pela mulher, mostrou-se mais severa que a própria

fonte inspiradora, a legislação francesa, que dispõe:

“Art. 264 - A la suite du divorce, chacun des époux reprend l’usagede son nom.Toutefois, dans les cas prévus aux articles 237 e 238, la femme ale droit de conserver l’usage du nom du mari lorsque le divorce aété demandé par celui-ci.Dans les autres cas, la femme pourra conserver l’usage du nomdu mari soit avec l’accord de celui-ci, soit avec l’autorisation dujuge, si elle justifie qu’un intérêt particulier s’y attache pour elle-memê ou pour des enfants.”299

299 “Artigo 264 - Em conseqüência do divórcio, cada um dos cônjuges retomarão o uso de seus

nomes. Entretanto, nos casos previstos nos artigos 237 e 238, a mulher tem o direito deconservar o nome do marido, pois o divórcio foi proposto por aquele. Nos outros casos, a mulherpoderá conservar o nome do marido seja por acordo entre eles, seja por autorização judicial, sejustificar que um interesse particular se agregou a ela ou aos filhos.” (nossa tradução).

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Posteriormente, com a Lei n. 8.408/92 aproximou-se da legislação

francesa e, além de alterar o caput do artigo 25, acrescentou parágrafo único com

o seguinte teor:

“Parágrafo único - A sentença de conversão determinará que amulher volte a usar o nome que tinha antes de contrairmatrimônio, só conservando o nome de família do ex-marido se aalteração prevista neste artigo acarretar:I - evidente prejuízo para a sua identificação;II - manifesta distinção entre o seu nome de família e dos filhoshavidos da união dissolvida;III - dano grave reconhecido em decisão judicial.”

A regra estabelecida era da perda pela mulher do nome de família de seu

ex-marido, independentemente da aferição de culpa. Ficara estabelecido que a

mulher não teria o direito de continuar usando o nome de casada depois do

divórcio, tivesse agido com culpa ou não, salvo nas hipóteses excepcionadas pela

lei.

Tal alteração legal gerou muita controvérsia, tendo à frente Gustavo

Tepedino, que questionava a constitucionalidade da solução legal, posto que

embora louvável no sentido de se desvincular da idéia de culpa, estaria, por outro

ângulo, violando o direito à identificação pessoal da mulher que, segundo o autor,

“com o casamento, o nome de família integra-se à personalidade da mulher, não

mais podendo ser considerado como nome apenas do marido”300. Vejamos o

seguinte julgado:

“DIVÓRCIO DIRETO – Uso do nome do marido. Direito da mulher.Sendo do embargante a iniciativa da ação de divórcio diretofundado na separação de fato, ainda que vencida na ação,conserva a embargada o direito de continuar usando o nome doex-marido, porque dele utiliza-se há vinte anos, já tendoincorporado a sua identidade o patronímico dele. Embargosinfringentes desacolhidos, por maioria.” (TJRS – EI n.70.000.477.489, 4º G.C.Cív., rel. Des. José Ataídes SiqueiraTrindade, j. 14.04.2000, RBDF, n. 8, jan./fev./mar. 2001).

300 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 375.

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113

O novo Código Civil, ante o princípio da igualdade entre homens e

mulheres consagrado no artigo 226, parágrafo 5º, da Carta Magna, inovou

inicialmente, na medida que agora qualquer dos cônjuges poderá acrescer aos

seus o patronímico do outro (art. 1565, § 1º do CC/2002). Assim, tanto o homem

quanto a mulher podem, quando culpados, sofrer a sanção relativa à perda do

direito ao uso do sobrenome do outro.

A segunda inovação decorre de que as hipóteses de manutenção do

sobrenome do cônjuge, mesmo em caso de culpa reconhecida, que

anteriormente, pela lei divorcista, incidiam por ocasião do divórcio, passam agora

a ser aplicadas ao ensejo da separação judicial com causa culposa (art. 1.578,

inc. I-III, do CC/2002301).302

Finalmente, como terceira inovação em relação ao uso do nome, o

Código de 2002, no parágrafo 2º do artigo 1.578, ao determinar que “caberá a

opção pela conservação do nome de casado” nas demais hipóteses de separação

que não a sanção, revogou o apenamento imposto à mulher pelo artigo 17,

parágrafo 1º da Lei n. 6.515/77, que determinava que, sendo dela a iniciativa do

pedido com fundamento em causa objetiva ou na doença mental do varão,

deveria voltar a usar o nome de solteira.

Com relação a tal dispositivo legal, o Projeto de Lei n. 507/2007 sugere

seja a redação alterada, para que fique constando o seguinte teor: “Artigo 1.578 -

O cônjuge que tiver adotado o sobrenome do outro poderá mantê-lo, após a

separação judicial ou o divórcio.”

301 “Artigo 1.578 - O cônjuge declarado culpado na ação de separação judicial perde o direito de

usar o sobrenome do outro, desde que expressamente requerido pelo cônjuge inocente e se aalteração não acarretar: I - evidente prejuízo para a sua identificação; II - manifesta distinçãoentre o seu nome de família e o dos filhos havidos da união dissolvida; III - dano gravereconhecido na decisão judicial.”

302 Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código Civil brasileiro, cit.,p. 157.

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5.6.3 Obrigação alimentar

A partir do artigo 1.694, trata o novo Código Civil dos alimentos,

abrangendo na regulamentação tanto a obrigação decorrente do parentesco como

a originária do casamento e da união estável.

De acordo com o artigo 1.702 do Código Civil de 2002, a obrigação

alimentar, que pode eventualmente ser estabelecida entre os cônjuges separados

litigiosamente, nasce de um ato ilícito. Seu fundamento consiste na ocorrência de

algum ato que viole os deveres do casamento e que seja imputável a um dos

cônjuges, a quem caberá a obrigação de prestar alimentos ao outro.303

Preceitua o artigo 1.702 que precisa o cônjuge inocente ser também

desprovido de recursos, regra que é desnecessariamente repetida no caput do

artigo 1.704, a saber, sempre que não houver culpa por parte de um dos

cônjuges, a estipulação de alimentos será cabível.304

Inovou o legislador de 2002 ao permitir que ao cônjuge considerado

culpado pela dissolução da sociedade conjugal, sob determinadas condições,

sejam concedido os alimentos.

Nestes termos dispõe o parágrafo único do artigo 1.704: ”Se o cônjuge

declarado culpado vier a necessitar de alimentos, e não tiver parentes em

condições de prestá-los, nem aptidão para o trabalho, o outro cônjuge será

obrigado a assegurá-los, fixando o juiz o valor indispensável à sobrevivência.”

Assim, para que o cônjuge culpado faça jus aos alimentos a serem

prestados compulsoriamente pelo cônjuge inocente, deverão estar presentes

duas condições: não ter aptidão para o trabalho e não ter parentes (ascendentes,

descendentes ou irmãos) em condições de prestá-los.

303 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 51.304 Veja-se a respeito: Luiz Felipe Brasil Santos. A separação judicial e o divórcio no novo Código

Civil brasileiro, cit., p. 157 e ss.

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Contudo, a inovação não pára por aí, pois além do cônjuge preencher as

condições acima indicadas, na hipótese de ter sido declarado culpado pela

separação, os alimentos serão fixados no montante estritamente indispensável à

sobrevivência.

Já para o cônjuge inocente, bastará a prova de necessidade

(compreendendo a falta de aptidão para o trabalho) e a possibilidade do ex-

cônjuge, para estar habilitado a apresentar o pleito, sem necessidade de

demonstrar que possui ou não parentes em condições de prestá-los.

O artigo 1.694 dispõe serem os “alimentos que necessitem para viver de

modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às

necessidades de sua educação”; o valor dos alimentos deverá corresponder ao

que for necessário à preservação do padrão de vida que desfrutava durante o

casamento. Contudo, segundo Luiz Felipe Brasil Santos305, se mostra de todo

inadequada e fora da realidade. A permanecer tal expressão, o credor de

alimentos não poderá ter diminuído seu padrão de vida, quando é sabido que os

cônjuges, ao se separarem, terão despesas próprias de manutenção que não

poderão mais serem divididas, enquanto as rendas permanecem as mesmas, e

assim, na maioria das vezes, é difícil a manutenção do mesmo padrão de vida.

Em razão dessa incompatibilidade, tem curso perante o Congresso

Nacional tanto o Projeto de Lei n. 504/2007, quanto o Projeto de Lei n. 276/2007,

ambos propondo a alteração do artigo 1.694, para que passe a ter a seguinte

redação: “Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros

os alimentos de que necessitem para viver com dignidade.”

Diverge, contudo, o Projeto de Lei n. 2285/2007 (Estatuto das Famílias),

que praticamente mantém a redação atual do artigo, ao estabelecer:

305 Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, Revista Brasileira de Direito de

Família, Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano 4, n. 16, p. 13, jan./mar. 2003.

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“Artigo 115 - Podem os parentes, cônjuges, conviventes ouparceiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitempara viver com dignidade e de modo compatível com a suacondição social.” (grifamos).

Outra inovação em matéria alimentar trazida pelo Código Civil de 2002 foi

a inserção da culpa no parágrafo 2º do mesmo artigo 1.694, in verbis: “Os

alimentos serão apenas os indispensáveis à subsistência, quando a situação de

necessidade resultar de culpa de quem os pleiteia.”

Sobre tal dispositivo legal, assim se manifesta Luiz Felipe Santos: “Essa

estranha regra determina a perquirição de culpa até mesmo em uma ação de

alimentos entre parentes, hipótese absolutamente inédita em nosso ordenamento

jurídico até o presente!”306

A culpa tratada neste parágrafo 2º do artigo 1.694 tem conteúdo distinto

do fixado no artigo 1.704, parágrafo único, no qual a culpa se configura ante a

grave violação dos deveres do casamento. Já no parágrafo ora enfocado, a culpa

decorre do próprio fato do pleiteante ser necessitado; por outras palavras, aquele

que pleiteia alimentos, e o faz por ter se tornado necessitado por sua própria

culpa, receberá tão-somente o necessário à sua sobrevivência.307

Aponta ainda Luiz Felipe Brasil que mais crítica se torna a situação

quando a análise de tal dispositivo legal é feita quando a obrigação alimentar for

devida em decorrência de vínculo matrimonial. Nesse caso, a culpa adquire uma

dupla conotação: mantém-se a culpa decorrente da grave violação dos deveres

matrimoniais e se acresce uma nova perspectiva, a necessidade de investigar se

o cônjuge que pede alimentos contribuiu para a situação de necessidade.308

Diante da estranha e complicada fórmula de fixação de alimentos a quem

deles necessita, o Projeto de Lei n. 504/2007 propõe a eliminação do parágrafo 2º

do artigo 1.694 do atual Código Civil.

306 Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p.14.307 Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p. 15.308 Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p. 15.

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Contrariamente, o Projeto de Lei n. 2285/2007 mantém a íntegra do texto

no parágrafo 3º do artigo 115, apenas o limitando aos alimentos devidos entre

parentes: “Os alimentos devidos aos parentes são apenas os indispensáveis à

subsistência, quando o alimentando der causa à situação de necessidade.”

Já o Projeto de Lei n. 276/2007, acolhendo proposta idealizada pelo

IBDFAM como forma de sedimentação daquilo que já vinha sendo indicado pela

doutrina e pela jurisprudência, sugere a inclusão de mais um parágrafo, com

seguinte teor: “§ 3º - A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe

de ter cessado a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem

rendimentos ou meios próprios de subsistência, necessitando de recursos,

especialmente para sua educação.”

A proposta do Estatuto das Famílias mantém o mesmo sentido

apresentado acima, sugerindo apenas redação diversa, conforme o parágrafo

único do artigo 116.

Importante alteração foi trazida no artigo 1.707, que expressamente

dispõe que o direito a alimentos é irrenunciável. Previa o Código anterior que o

direito a alimentos era irrenunciável, no revogado artigo 404. Mas a jurisprudência

havia firmado entendimento de que somente os alimentos decorrentes do

parentesco tinham essa característica:

“DIVÓRCIO – Alimentos. Renúncia. Renunciando o cônjuge aalimentos, em acordo de divórcio, por dispor de meios paramanter-se, a cláusula é válida e eficaz, não podendo maispretender seja pensionado.” (STJ − RESP n. 17719/BA, 3ªT., rel.Min. Eduardo Ribeiro, j.16.03.1992, v.u.).

“DIVÓRCIO – Alimentos. Renúncia. Recurso especial que investecontra decisão prolatada sob duplo fundamento. E inadmissível orecurso especial, se a decisão recorrida assenta em mais de umfundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles.Aplicação da Súmula n. 283/STF. Eficaz é a renúncia aosalimentos manifestada pelo cônjuge em acordo de separaçãojudicial, mormente quando, como no caso, sobrevenha o divórcio.Precedentes do STJ. Recurso especial não conhecido.” (STJ −RESP n. 8.862/DF, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro, j. 12.05.1992,v.u.)

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Entretanto, o novo Código Civil, abrindo o Subtítulo III destinado aos

alimentos, dispôs pelo artigo 1.694 que os alimentos ali tratados eram os devidos

tanto em razão do parentesco, como do casamento, bem como da união estável,

de forma que a regra da indisponibilidade, pelo novo Código, aplica-se de forma

indiscutível a todo o direito alimentar, independentemente de sua origem.

Retomamos, sob esse aspecto, as críticas tecidas por Luiz Felipe Santos

quanto às inovações trazidas no campo alimentar, que considera lamentáveis,

pois os alimentos têm cunho patrimonial e, ao se falar de prestação alimentar

decorrente de casamento, que de há muito se tornou um vínculo dissolúvel, é

injustificável associá-lo à geração de um direito indisponível.309

Em conseqüência, o Projeto de Lei n. 504/2007 propõe a alteração de tal

dispositivo, para que passe a ter a seguinte redação:

“Artigo 1.707 - O credor pode renunciar o direito a alimentos, salvoquando a obrigação decorrer de relação de parentesco.Parágrafo único - O crédito a alimentos é insuscetível de cessão,compensação ou penhora.”

O Projeto de Lei n. 276/2007 também apresenta proposta de alteração do

artigo 1.707, para que fique constando a seguinte redação:

“Artigo 1.707 - Tratando-se de alimentos devidos por relação deparentesco, pode o credor não exercer, porém lhe é vedadorenunciar ao direito a alimentos.Parágrafo único - O crédito de pensão alimentícia, oriundo derelação de parentesco, de casamento ou de união estável, éinsuscetível de cessão, penhora ou compensação.”310

Já o Projeto de Lei n. 2.285/2007 não faz qualquer referência à

renunciabilidade do direito a alimentos, mas apenas, no artigo 120, que o seu

crédito é insuscetível de cessão, compensação ou penhora.

Uma vez rompido o vínculo do casamento, não subsiste o dever de

assistência estabelecido por ocasião de sua celebração.

309 Luiz Felipe Brasil Santos. Os alimentos no novo Código Civil, cit., p. 25.310 Veja-se a justificativa apresentada para a alteração do artigo 1.707 no Projeto de Lei n.

276/2007.

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A jurisprudência mais recente vem entendendo que apenas os alimentos

decorrentes do parentesco são indisponíveis, e não os devidos em razão do

casamento, conforme se depreende das decisões:

“DIVÓRCIO CONSENSUAL − Alimentos. Renúncia. Não pode oex-cônjuge pretender receber alimentos do outro, quando a tantorenunciara no divórcio devidamente homologado, por dispor demeios próprios para o seu sustento. Recurso conhecido eprovido.” (STJ − RESP n. 226.330/GO, 4ª T., rel. Min. César AsforRocha, j.05.12.2002, v.u.).

“CIVIL − Família. Separação consensual. Conversão. Divórcio.Alimentos. Dispensa mútua. Postulação posterior. Ex-cônjuge.Impossibilidade. 1. Se há dispensa mútua entre os cônjugesquanto à prestação alimentícia e na conversão da separaçãoconsensual em divórcio não se faz nenhuma ressalva quanto aessa parcela, não pode um dos ex-cônjuges, posteriormente,postular alimentos, dado que já definitivamente dissolvidoqualquer vínculo existente entre eles. Precedentes iterativos destaCorte. 2. Recurso especial não conhecido.” (STJ − RESP n.199.427/SP, 4ª T., rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 09.03.2004,v.u.).

“DIREITO CIVIL e PROCESSUAL CIVIL − Família. Recursoespecial. Separação judicial. Acordo homologado. Cláusula derenúncia a alimentos. Posterior ajuizamento de ação de alimentospor ex-cônjuge. Carência de ação. Ilegitimidade ativa. A cláusulade renúncia a alimentos, constante em acordo de separaçãodevidamente homologado, é válida e eficaz, não permitindo ao ex-cônjuge que renunciou, a pretensão de ser pensionado ou voltar apleitear o encargo. Deve ser reconhecida a carência da ação, porilegitimidade ativa do ex-cônjuge para postular em juízo o queanteriormente renunciara expressamente. Recurso especialconhecido e provido.” (STJ − RESP n. 701902/SP, 3ªT., rel. Min.Nancy Andrighi, j.15.09.2005, v.u.).

Procuramos, no presente capítulo, deixar claro que o legislador de 2002,

embora tenha conservado a modalidade culposa de dissolução da sociedade

conjugal, ao enfraquecer os efeitos da culpa pela separação, sinalizou o novo

caminho a ser trilhado pelo casal que procura pôr fim ao casamento, a via

consensual e, na sua impossibilidade, a via objetiva, na qual não se questionam

os motivos que os levaram a buscar a separação, pois a opção pela via litigiosa

culposa constitui, na atualidade, um desgaste emocional para se encontrar um

culpado, cujas conseqüências tornaram-se inócuas.

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CAPÍTULO VI

QUESTÕES POLÊMICAS SOBRE A SEPARAÇÃO JUDICIAL

LITIGIOSA

6.1 A culpa na dissolução da sociedade conjugal

Na atualidade, questiona-se por que perquirir a culpa pelo fracasso do

casamento e quais as suas conseqüências jurídicas, se atualmente, sob a

vigência do novo Código Civil, os efeitos da culpa na separação judicial foram

amplamente mitigados?311

Embora atenuada a incidência da culpa conjugal, muitas pessoas vêem

na separação litigiosa um meio de receber a guarda dos filhos, ou de se livrar da

prestação alimentícia, chegando mesmo a forjar provas contra o outro cônjuge, ou

ainda, por vezes, mesmo que nada tenham a lucrar com a condenação do outro

cônjuge, insistem na demanda “pelo simples fato de receber um atestado de que

foi ‘vítima’, estigmatizando o outro consorte com o peso da culpa”.312

Para Rodrigo da Cunha Pereira, “o Judiciário é o lugar onde as partes

depositam seus restos. O resto do amor e de uma conjugalidade que deixa

sempre a sensação de que alguém foi enganado, traído”.313

Para o casal que vive uma crise conjugal, é muito mais fácil atribuir a

culpa ao outro cônjuge. A responsabilidade é sempre do outro. Entretanto, aquele

que aparece como culpado muitas vezes foi, de alguma forma, induzido ou

empurrado a manter uma relação extraconjugal, por exemplo, em razão da falta

311 Adélia Moreira Pessoa. A objetivação da ruptura na separação judicial, cit., p. 51.312 Christiana Brito Caribé. A culpa conjugal frente ao princípio da dignidade da pessoa humana:

uma afronta à Constituição?, cit., p. 274.313 Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, in Eliana Riberti Nazareth; Adauto

Alonso S. Suannes, Direito de família e ciências humanas, São Paulo: Editora Jurídica Brasileira,2000, p. 138 (Caderno de Estudos n. 3).

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de afeto e carinho, ou por vezes por ter chegado ao fim o sentimento que um dia

o uniu ao outro.314

Segundo Cristiano Chaves de Farias315, existe a mais absoluta falta de

interesse jurídico na discussão da culpa; inexiste qualquer utilidade prática na

declaração judicial da culpa, uma vez que os efeitos decorrentes da condenação

por causa culposa atualmente se submetem a regras próprias, não se vinculando

mais à confirmação judicial de existência da culpa de qualquer dos consortes.316

Com supedâneo em Rolf Madaleno, Cristiano de Farias esclarece que a

atual fase do direito de família se caracteriza pela desdramatização da separação,

pela superação do culto à causa culposa de final de casamento, que só tem se

prestado a aumentar as amarguras, tristezas e humilhações.317

Mas a culpa no direito de família há de ser abordada dentro do aspecto da

sua utilidade para o deslinde do problema; como explicita Claudete Carvalho

Canezin, a culpa somente deverá ser analisada quando trouxer algum benefício

às pessoas envolvidas na demanda.

Contudo, segundo a autora, em uma ação de separação judicial, a

aferição da culpa somente servirá para sacramentar a decisão do casal em

separar-se, uma vez que durante a perquirição sobre quem seja o culpado, virão

à tona todos os momentos de discórdia, de desunião e desamor, todas as

mazelas do casal ocorridas durante os anos de casamento que, de um passado

distante, passam, como num passe de mágica, a pertencer ao presente, o de fato

que inviabiliza uma eventual reconciliação do casal.318

314 Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, cit., p. 138.315 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem

para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 73.316 Sob esse aspecto, acompanhamos Marcelo Truzzi Otero, que discorda de Cristiano Chaves, na

medida que existindo previsão legal para tanto no Código Civil, não se poderá negar a existênciade interesse processual na discussão da culpa (A separação judicial no Código Civil, cit., p. 44).

317 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiempara a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 73.

318 Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, cit., p. 752-753.

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Nessa medida, entende a autora que a aferição de culpa interessa

apenas ao Poder Judiciário, que aplica sanções previstas na lei para aquele que

descumpre os deveres conjugais e, conseqüentemente, dá causa à separação.319

Para vários autores ainda, a ação de separação-sanção muitas vezes é

utilizada com o único intuito de vingança. Esse tipo de processo segue na contra-

mão da valorização da dignidade humana, servindo apenas para degradá-la, já

que movida por sentimentos egoísticos e de péssima índole.320

6.2 Aspectos doutrinários da questão da culpabilidade na

separação judicial litigiosa

Pelas críticas apresentadas em decorrência da manutenção do sistema

de separação culposa no novo Código Civil, fica claro que o debate sobre a sua

permanência no ordenamento jurídico está longe de atingir uma unanimidade. É

possível assim encontrar partidários de renome tanto no sentido de sua exclusão,

como no de sua manutenção, instigando a continuidade do questionamento sobre

suas origens e efeitos.

6.2.1 Corrente contrária à manutenção da separação culposa

Tal entendimento tem como ferrenho defensor Gustavo Tepedino que, ao

tratar do papel da culpa na separação e no divórcio, desenvolve a tese de ter a

Constituição Federal de 1988 alterado radicalmente o quadro normativo da

família, transformando sua estrutura.321

A família, enquanto base da sociedade, terá especial proteção do Estado,

na medida que cumpra o seu papel, que passou a ser instrumental, considerando-

319 Claudete Carvalho Canezin. Da culpa no direito de família, cit., p. 746.320 Flávio Tartuce; José Fernando Simão. Direito civil: família, cit., v. 5, p. 195.321 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 367 e ss.

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se os preceitos constitucionais estabelecidos nos artigos 226 e 227, a saber

garantia da igualdade entre homens e mulheres nas relações conjugais,

planejamento familiar fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e

paternidade responsável, em especial promoção dos direitos inerentes à plena

realização da personalidade dos filhos. É certo que tais preceitos

obrigatoriamente deverão ser interpretados à luz dos princípios fundamentais dos

artigos 1º a 4º da Carta Magna.

Dessa forma, se a unidade da família, a partir da Constituição Federal de

1988, não mais se identifica com a unidade do casamento, não se pode mais

associar a aplicação de sanções que dizem respeito a efeitos jurídicos

existenciais à culpa − tais como alimentos, guarda de filhos menores, nome da

mulher casada − pela ruptura do vínculo conjugal, por falta do necessário suporte

axiológico.

Ana Caroline Santos Ceolin, compartilhando desse entendimento322, para

análise da culpa na dissolução da sociedade conjugal, parte da reviravolta

provocada na família pela nova sistemática jurídica adotada pela Carta Magna de

1988, que erigiu como cânone absoluto o princípio da dignidade da pessoa

humana.

Com o advento da Constituição Federal, deu-se a mudança da valoração

do casamento, que deixou de ter valor em si mesmo. A busca de um culpado

perdeu sua razão de ser, esvaziando o preceito normativo contido no artigo 5º da

Lei n. 6.515/77, reproduzido em parte no artigo 1.572, caput do novo Código Civil.

A incompatibilidade entre o elemento culpa e a nova sistemática jurídica

da família fundada agora no amor, no companheirismo e no respeito mútuo (arts.

1.565, caput e 1.566, V do CC/2002) sobressai aos olhos, quando se vê o

casamento como um mero contrato.

322 Ana Caroline Santos Ceolin, A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 27 e ss.

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Ninguém pode ser considerado culpado por deixar de amar o seu

cônjuge. Imputar a culpa a um dos cônjuges pelo simples fato de seus

sentimentos não serem mais os mesmos do início do casamento é incorrer em

grave equívoco e ignorar todas as mudanças ocorridas no seio familiar, que

elevaram o afeto a seu elemento caracterizador.323

A referência aos deveres do casamento só se mostra oportuna quando o

casamento se aproxima do fim. Bem lembra Renan Lotufo324 a frase de Agostinho

Alvim, de que “o direito de família começa onde termina o amor”.

Entendemos que é exatamente isso que ocorre na vida de um casal. Os

sentimentos que regem suas vidas independem de imposição legal, bem como

não dependem de coerção judicial para serem respeitados.

Quando entre eles reina o amor e o respeito mútuo, torna-se inócua e

impertinente a referência aos deveres conjugais, uma vez que se revelam

inerentes ao afeto que os une.

Quem ama, não é infiel. Quem ama, busca manter vida em comum. Quem

ama, presta mútua assistência. Quem ama, colabora com o sustento, com a

guarda e com a educação dos filhos que advierem dessa união. Quem ama,

respeita e tem consideração para com o outro cônjuge. Não há necessidade de lei

para que tais ditames sejam observados.

A necessidade dos deveres decorrentes do matrimônio estar registrados

no texto legal surge no momento em que os conflitos entre os cônjuges

aparecem, anunciando o fim do casamento.325

323 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 41.324 Renan Lotufo. Separação e divórcio no ordenamento jurídico brasileiro e comparado, cit., p.

209.325 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 42.

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A sistemática mantida no novo Código Civil de apuração da culpa pela

dissolução da sociedade conjugal é insatisfatória, segundo essa corrente de

doutrinadores, pois o fato da lei impingir ao cônjuge que violou algum dos deveres

conjugais a pecha de culpado só faz aumentar as desavenças entre os cônjuges.

Assim, cai por terra a primeira intenção do legislador de, através da culpa, manter

a incolumidade do casamento.

Na prática, o que se constata é que a culpa não se mostra como um meio

eficiente de conter ou diminuir os litígios conjugais. Ao contrário, os processos de

separação revelam um aspecto destrutivo, na medida que, no afã de atribuir culpa

ao outro pela dissolução do casamento, há um acirramento dos ânimos e um

maior desgaste emocional de todos os envolvidos, não só os cônjuges, mas

também os filhos.

Concluindo, Ana Caroline comenta que “centrando-se a família

contemporânea em valores existenciais e sendo o relacionamento dos cônjuges

marcado pela afetividade e respeito mútuo, uma vez extintos esses sentimentos,

a própria relação conjugal se esvai, não cabendo ao Poder Judiciário, tampouco

ao Legislativo retardar ou dificultar esse inevitável desenlace”.326

O princípio da dignidade da pessoa humana no âmbito do direito de

família, segundo Leonardo Barreto Moreira Alves, provocou o abrupto

desabamento de todo o edifício da família criado pelo Código Civil de 1916, o que

acabou por provocar inúmeras conseqüências, dentre as quais destaca a

completa falência do sistema de influência da culpa na separação-sanção, como

elemento impeditivo da separação e sancionador do cônjuge considerado

culpado.327

326 Ana Caroline Santos Ceolin. A culpa na dissolução da sociedade conjugal à luz do novo Código

Civil, cit., p. 43.327 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva

histórico-jurídica, cit., p. 100.

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Rodrigo da Cunha Pereira desabafa: “Investigar sobre a culpa é adentrar

em uma das questões mais inquietantes do ser humano. É pensar na angústia

existencial e na eterna luta entre o bem e o mal que há em cada um de nós.”328

Vislumbra o autor a possibilidade de reconsideração do princípio da culpa

instalado no ordenamento jurídico brasileiro, diante da tímida sinalização dada

pelo legislador de 2002, que apontou para a tendência da substituição do

“malfadado princípio da culpa”, pela instalação do simples princípio da ruptura.329

No mesmo diapasão segue Maria Berenice Dias330, que critica a

manutenção do sistema de culpa pela nova lei, por ter ela nessa medida criado

uma “reserva de mercado” em favor do inocente, que o habilita a buscar a

separação com exclusividade, e assim obter benefícios em proveito próprio, além

de impor punições ao outro.

Além disso, entende a autora que a perquirição da causa da separação

constitui violação do que chama de sagrado direito de respeito à dignidade da

pessoa humana, ao autorizar a ingerência do Estado na vida dos cônjuges,

obrigando-os a revelar a intimidade do outro, para que, de forma estéril e

desnecessária, o juiz, ao final do processo, imponha a pecha de culpado ao

réu.331

No mesmo sentido dispõe Christiana Brito Caribé332, ao entender que a

investigação da culpa é uma intromissão injustificada do Estado na vida íntima

das pessoas, considerando-se o reconhecimento da dignidade humana como

valor supremo, que implica a proibição do Estado de interferir em determinadas

áreas da esfera privada do indivíduo. Para a autora, as conseqüências legais

impostas ao cônjuge considerado culpado pela separação são incompatíveis com

o princípio da dignidade da pessoa humana.

328 Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, cit., p. 139.329 Rodrigo da Cunha Pereira. A culpa no desenlace conjugal, cit., p. 144.330 Maria Berenice Dias. Da separação e do divórcio, cit., p. 71.331 Maria Berenice Dias. Da separação e do divórcio, cit., p. 72.332 Christiana Brito Caribé. A culpa conjugal frente ao princípio da dignidade da pessoa humana:

uma afronta à Constituição?, cit., p. 277.

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Cristiano Chaves de Farias entende ser inconstitucional a discussão da

culpa, sendo descabida qualquer pesquisa sobre a culpa, uma vez que a ruptura

conjugal deriva apenas da vontade de exercitar o direito à dissolução do

casamento: “Perquirir sobre a culpa, após a promulgação da Magna Carta de

1988, tornou-se um exercício indevido e descabido, ainda que tenha ocorrido

violação de deveres matrimoniais por um dos cônjuges, por ferir frontalmente as

garantias constitucionais da pessoa humana.”333

Para Rolf Madaleno, o único caminho aceitável para a obtenção da

separação litigiosa é o das causas objetivas, que “trilha pela total abstração da

culpa na separação judicial”, devendo ser considerada como suficiente motivação

a mera vontade de se separar dos cônjuges, com a demonstração de que se

tornou impossível a convivência.334

Segundo Henry Petry Junior, “a eliminação ou superação da culpa

mostra-se como caminho mais sintonizado com o direito de família

contemporâneo, preservando-se os filhos do casamento”.335

Em razão e como concretização do posicionamento adotado por essa

corrente de doutrinadores, foi apresentado o Projeto de Lei n. 507/2007, que

propõe a alteração e revogação de dispositivos do Código Civil que versam sobre

a culpa e seus efeitos na separação dos cônjuges, em especial o artigo 1.572, par

o qual sugere a seguinte redação: “Artigo 1.572 - Qualquer dos cônjuges poderá

propor a ação de separação judicial, quando cessar a comunhão de vida.”

No mesmo sentido, propõe o Estatuto das Famílias: “Artigo 57 - É

facultado aos cônjuges pôr fim à sociedade conjugal, mediante separação judicial

ou extrajudicial.”

333 Cristiano Chaves de Farias. Redesenhando os contornos da dissolução do casamento (casar e

permanecer casado: eis a questão), in Rodrigo da Cunha Pereira (Coord.), Afeto, ética, família eo novo Código Civil: anais do IV Congresso Brasileiro de Direito de Família. Belo Horizonte:IBDFAM; Del Rey, 2004, p. 116-120.

334 Rolf Madaleno. A infidelidade e o mito causal da separação, Revista Brasileira de Direito deFamília, Porto Alegre: Síntese; IBDFAM, ano 3, n. 11, p. 158, out./dez. 2001.

335 Henry Petry Junior. A separação com causa culposa: uma leitura à luz da hermenêuticaconstitucional, cit., p. 142.

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6.2.2 Doutrina favorável à permanência da separação culposa

Regina Beatriz Tavares da Silva336, forte defensora da manutenção da

separação culposa no nosso ordenamento jurídico, entende que, através das

inovações trazidas pelo Código Civil de 2002 aos alimentos, à guarda dos filhos

menores e ao nome da mulher casada, foi procedida a eliminação das

inadequações da legislação anterior, conservando dentre as causas a de

dissolução da sociedade conjugal a modalidade culposa.

Através da associação da culpa pela ruptura do casamento à prática de

ato ilícito, na medida que a culpa na separação é atribuída a quem violou os

deveres do casamento, inseriu-se a matéria no campo da responsabilidade civil.

Nessas condições, entende a autora ser pertinente a intervenção do Estado na

apuração da culpa pela dissolução da sociedade conjugal, já que a apuração do

ato ilícito é da competência do Estado, que deve prestar a tutela jurisdicional

solicitada pelo lesado.

Entende a autora que a declaração judicial da culpa na ruptura do

casamento pode gerar efeitos relevantes na preservação da dignidade da pessoa

humana, por meio da aplicação dos princípios da responsabilidade civil.

Conclui que se for retirada do texto normativo a sanção imposta àqueles

que violam os deveres do casamento, estar-se-á transformando-os em meras

recomendações que retirariam a devida proteção à dignidade das pessoas nas

relações de casamento.

Participa da mesma corrente Sérgio Gischkow Pereira, não concordando

com a possibilidade de ser excluída da legislação a previsão de separação por

causa culposa.

336 Ver a respeito: Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo

conjugal, in Domingos Franciulli Netto; Gilmar Ferreira; Ives Gandra da Silva Martins Filho(Coords.), O novo Código Civil: estudos em homenagem ao professor Miguel Reale, São Paulo:LTr, 2003, p. 1.295 e ss.

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Discorda esse autor da tese de inconstitucionalidade da manutenção do

questionamento da culpa na dissolução da sociedade conjugal. Entende ser

forçada e duvidosa tal tese, uma vez que o conceito de dignidade humana é

elástico o suficiente para abarcar o direito moral da parte que se sentiu ofendida,

de demonstrar que não foi ela a culpada pela destruição do casamento.

Para Sérgio Gischkow Pereira, dentro de uma concepção tridimensional

do direito (fato-valor-norma, nos termos postos por Miguel Reale), a realidade

social e valorativa do povo demonstra apego à indagação sobre o responsável

pela ruptura do casamento. Discorda assim das críticas tecidas ao novo Código

Civil de que o legislador teria imposto uma solução desvinculada da expectativa

da sociedade.

Francisco José Cahali, atualizador do volume de direito de família da obra

de Silvio Rodrigues, entende que não se pode retirar do inocente o direito de

buscar eventuais repercussões pelo comportamento faltoso do seu consorte.

Sugere fosse permitida a discussão exclusivamente dos efeitos secundários da

culpa, sem, todavia, condicionar o seu reconhecimento ao deferimento da

separação.337

José Sebastião de Oliveira, embora reconheça os fortes argumentos da

corrente que defende o fim da separação por culpa, conclui que, apesar do

sistema atual não ser o ideal, demonstra preocupação com a erradicação

absoluta dos dispositivos referentes à culpa. Segundo ele, é injusto que alguém

que não tenha qualquer responsabilidade pelo fim do relacionamento conjugal

fique obrigado a pagar alimentos ao consorte culpado, assim como o consorte

responsável pelo desenlace continue a usar o nome do outro.338

Para Marcelo Truzzi Otero, é pertinente a manutenção da culpa na

separação, na medida que a sua apuração está relacionada a eventual pretensão

indenizatória. O sucesso da demanda indenizatória está condicionada à apuração

337 Silvio Rodrigues. Direito civil: direito de família, cit., v. 6, p. 226.338 José Sebastião de Oliveira. Fundamentos constitucionais do direito de família, cit., p. 141.

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da violação dos deveres decorrentes do casamento, que podem ser explícitos ou

implícitos, o que somente será possível em sede de separação judicial culposa.339

Ana Cecília Parodi reconhecendo a importância da corrente que defende

a exclusão da culpa na separação do nosso ordenamento jurídico, esclarece ser

muito cedo para se decretar o fim da validade sócio-jurídica do sistema de

culpas.340

Elogia os avanços trazidos pelo Código Civil de 2002, uma vez que

apresenta um rol de causas para a dissolução conjugal meramente

exemplificativo, assim como a facilitação tanto da separação quanto do divórcio,

através do fortalecimento do princípio da ruptura da vida em comum.

Concordando com manifestação de Rodrigo da Cunha Pereira, esclarece

a autora que essas inovações são melhor aproveitadas pelas pessoas mais

resolvidas emocionalmente, que têm a tendência de provocar menos o Poder

Judiciário341, mas aponta a existência de grande parte da sociedade que precisa,

organicamente, da regulamentação estatal sobre as dissoluções litigiosas. E, com

vista à proteção desse segmento da sociedade, é que o sistema de causas

culposas foi mantido no sistema legislativo, mesmo porque o modelo eudemonista

adotado pelo constituinte de 1988 não abandonou inteiramente o sentido de

preservação da unidade familiar.

Pondera a autora que a Constituição Federal se ocupou de descrever as

entidades típicas e de prescrever a sua importância social para o direito positivo,

e o Código Civil, dando cumprimento ao disposto no texto constitucional, trata

detalhadamente da regulamentação das relações familiares, tanto no sentido

horizontal, quanto no vertical.

339 Marcelo Truzzi Otero. A separação judicial no Código Civil, cit., p. 44-45.340 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos,

Campinas: Russell, 2007, p. 239.341 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

241.

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Em conseqüência, se o legislador concentra normas de ordem pública

para delimitar a esfera de atuação dos indivíduos nas relações familiares, não há

como deixar de se entender como válido o sistema de causas dissolutórias.

Indaga a autora: “Afinal, qual a eficácia de uma norma publicista positivada se não

cominar penalidade correlata para o seu descumprimento? Equivale a decretar a

falência de todo o sistema familiarista.”342

Inácio de Carvalho Neto, em contrapartida, critica o sistema adotado pelo

novo Código Civil na fixação da separação litigiosa, por considerá-lo

incongruente, já que mistura o sistema de causas genéricas com causas

taxativas, denominando-o de “sistema de causas mistas”.343

No entender do autor, o melhor sistema de causas para a separação

judicial é o de causas taxativas, que abrange todas as formas de infração aos

deveres do casamento, com graves conseqüências para o cônjuge culpado,

devendo ainda aliar-se a uma ampla possibilidade de separação judicial sem

culpa, sem conseqüências para os cônjuges.

Para Inácio de Carvalho Neto, deve-se sempre permitir a separação não

culposa, tendo em vista que ninguém deve ser obrigado a conviver com quem não

mais ame ou que nunca tenha amado, bem como se deve permitir à vítima de

uma grave violação de um dos deveres do casamento a separação culposa, com

imposição de sanções, tais como obrigação de pagamento de alimentos ao

inocente e, se for o caso, indenização.

Flávio Tartuce e José Fernando Simão compartilham dessa corrente,

manifestando-se desfavoráveis à mitigação da culpa em todos os casos

envolvendo a separação-sanção, em especial naqueles em que os cônjuges têm

atitudes violentas ou que violem a dignidade do outro. Nesses casos, entendem

que a discussão da culpa tem o objetivo de imputar responsabilidade civil ao

342 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

241.343 Inácio de Carvalho Neto. A culpa na separação judicial, Revista Brasileira de Direito de Família,

Porto Alegre, Síntese; IBDFAM, ano7, n. 30, p. 59, jun./jul. 2005.

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outro, inclusive por danos morais, nos termos dos artigos 186, 187 e 917 do

Código Civil de 2002. Realçam que provavelmente somente nesses casos poderá

ser utilizada a culpa como causa de separação.344

6.3 Responsabilidade civil por danos morais na separação

litigiosa

Tradicionalmente se entendia que, no âmbito da família, as relações

jurídicas surgidas não guardariam qualquer vínculo com as normas jurídicas que

regulavam as demais expressões do comportamento humano. Criou-se, em torno

das relações familiares, uma aura de impenetrabilidade, como se não houvesse

pontos de convergência com as demais normas de direito.345

As condutas praticadas dentro dos limites das relações familiares, lesivas

ou não a quaisquer de seus membros, não seriam susceptíveis à incidência das

regras da responsabilidade civil, como se existisse uma espécie de imunização

desses acontecimentos às normas que tutelam, nas outras áreas jurídicas, os

direitos patrimoniais e extrapatrimoniais eventualmente violados.346

Acreditava-se que tais relações, por seu caráter peculiar, seriam regradas

pelos próprios institutos do direito de família.

Nessa medida, a violação dos deveres conjugais, por exemplo, teria como

conseqüência única a possibilidade da dissolução da sociedade conjugal, com

efeitos pessoais e patrimoniais previstos em suas normas especiais, tais como a

regulamentação da guarda dos filhos, das visitas, do uso do nome do outro

cônjuge, cessação do regime de bens, partilha do patrimônio comum e

estabelecimento da obrigação alimentar.347

344 Flávio Tartuce; José Fernando Simão. Direito civil: família, cit., v. 5, p. 196.345 Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, in Maria

Helena Diniz; Roberto Senise Lisboa (Coords.), O direito civil no século XXI, São Paulo: Saraiva,2003. p. 95.

346 Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, São Paulo: Método, 2006. p. 17.347 Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, cit., p. 18.

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Segundo Bernardo Castelo Branco, entendia-se que as relações jurídicas

no âmbito familiar, por sua natureza extrapatrimonial, não admitiam a aplicação

dos princípios prescritos pela responsabilidade civil, cabendo aos institutos

próprios do direito de família a tarefa de substituir a reparação de danos causados

a um de seus membros pelo comportamento antijurídico do outro.

A própria matéria relativa à reparação civil por danos morais teve longa e

árdua evolução, ante as resistências apresentadas quanto à sua conceituação,

que procurava se embasar na incerteza quanto à existência de um direito violado,

na impossibilidade de estabelecer-se equivalência entre o dano moral e o

ressarcimento e na imoralidade da compensação da dor com dinheiro.348

Após a promulgação da Constituição Federal de 1988, os argumentos

contrários à indenizabilidade do dano moral caíram por terra em definitivo. O

artigo 5º, inciso X, da Lei Maior veio a garantir a reparação do dano moral

decorrente de violação a todos os direitos da personalidade: “São invioláveis a

intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito

à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.”349

Tendo ainda a Carta Magna transformado a dignidade da pessoa humana

em princípio fundamental, a idéia de que os institutos de direito de família seriam

suficientes a reparar os danos causados pelo comportamento antijurídico no

âmbito familiar deixou de encontrar respaldo na atualidade, na medida que os

diferentes membros desse núcleo social, independentemente do papel que nele

exercem, gozam de ampla proteção com relação aos direitos dos quais são

titulares, em especial os ligados à personalidade, sendo inadmissível que os

responsáveis por eventual violação permaneçam imunes à respectiva sanção,

mesmo quando a infração se dê nos limites de uma relação jurídica de caráter

especial, como é a relação de direito de família.350

348 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,

São Paulo: Saraiva, 1999, p. 150.349 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,

cit., p. 152.350 Yussef Said Cahali. Dano moral, 3. ed. rev., ampl. e atual. conforme o Código Civil de 2002,

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005, p. 53.

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Por outro lado, a responsabilidade civil também mudou, passando da

atenção exclusiva para o ato ilícito, para a preocupação com o dano injusto ou

injustificado.351

Em razão disso, a admissibilidade da reparação dos danos morais nas

relações de família é fenômeno recente, pois durante séculos não se cogitou

sequer acerca dessa possibilidade.352

Contudo, a questão jurídica sobre o cabimento da responsabilidade civil

entre cônjuges está longe de ser pacificada, pois, ao contrário do que se verifica

em países como França e Portugal, o Brasil não possui norma específica a

respeito da matéria, dando assim margem à formação de diferentes correntes

doutrinárias e jurisprudências conflitantes sobre a matéria.

O ponto central da discussão se resume na possibilidade do cônjuge

responsável pelo fim do casamento poder ou não ser condenado a reparar os

danos materiais e morais causados ao cônjuge inocente.353

6.3.1 Teoria contrária à indenização por ato culposo

Considerada a mais tradicional das correntes, assume postura contrária à

indenização dos danos decorrentes do ato culposo entre os cônjuges,

apresentando como justificativa a ausência de disposição expressa nesse sentido

e o fato do ordenamento jurídico dentro do campo do direito de família já conter

sanções específicas a serem impostas ao cônjuge culpado.

Os partidários desta corrente entendem ser o direito de família um ramo

especializado do direito civil, onde inexiste previsão legislativa de normas

regulando a reparação moral no âmbito do direito de família, como ao contrário

351 Maria Celina Bondin de Moraes. Danos morais em família? Conjugalidade, parentalidade e

responsabilidade civil, Revista Forense, Rio de Janeiro, Forense, v. 102, n. 386, p. 186, jul./ago.2006.

352 Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, cit., p. 55.353 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 220.

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existem dispositivos expressos regulando a indenização no caso das nulidades

matrimoniais e nas hipóteses de ruptura de noivado.354

O segundo argumento apresentado se mostrava mais fortalecido antes da

promulgação do novo Código Civil, pois tanto o Código Civil de 1916, quanto a Lei

do Divórcio previam uma série de sanções a serem impostas ao cônjuge que

violasse os deveres matrimoniais, como a perda do direito à guarda dos filhos

menores, à utilização do nome pela mulher e à percepção de alimentos.

Não tendo o Código Civil de 2002 recepcionado boa parte das sanções

até então impostas na legislação específica, vez que foram mitigadas as

conseqüências decorrentes do decreto da separação culposa, como visto acima,

a tese que não admite a responsabilidade civil entre consortes adotou novo

fundamento para embasá-la, e a moderna tendência de dispensabilidade de

averiguação da culpa pelo fim do enlace matrimonial355 tornou-se a causa

impeditiva de qualquer questionamento sobre responsabilidade civil em

decorrência da separação judicial.

Caetano Lagrasta entende ser possível a indenização por danos morais,

desde que desvinculada do processo de separação, pois admitir a reparação de

danos em decorrência da culpa na separação dentro do litígio separatório significa

imiscuir no direito de família questões que não lhe dizem respeito, a não ser

indiretamente, que não se apresentam mais como razão do fim do casamento,

mas como conseqüência do fim de um sentimento, que considera irreparável.356

Para Maria Celina Bondin, do casamento decorrem várias conseqüências

jurídicas, consubstanciadas nos deveres do casamento. O descumprimento

desses deveres gera, nos termos do artigo 1.572 do Código Civil, apenas a

possibilidade de se propor a separação judicial, nada mais.357

354 Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, in Mario Luiz Delgado; Jones Figueiredo Alves

(Coords.), Novo Código Civil: questões controvertidas, São Paulo: Método, 2006, p. 536.355 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 221.356 Caetano Lagrasta. Dano moral no direito de família, Revista do Advogado, São Paulo,

Associação dos Advogados de São Paulo (AASP), v. 27, n. 91, p. 32, maio 2007.357 Maria Celina Bondin de Moraes. Danos morais em família? Conjugalidade, parentalidade e

responsabilidade civil, cit., p. 193.

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Para a autora, a falta de preceito expresso na legislação brasileira, com

previsão de ressarcimento por danos causados pela separação, impede o pleito

por si só, ainda que reconheça que tal ocorrência cause sofrimentos relevantes.

Entretanto, faz ressalva sobre a possibilidade do dano causado em decorrência

da prática de ato tipificado como ilícito penal ser inquestionavelmente reparável,

pois se cuida de situação que merece proteção e reparação, independentemente

de ter ocorrido entre consortes.

Cristiano Chaves de Farias, comungando com o entendimento esposado

por Maria Celina Bondin, entende não ser cabível o ressarcimento por danos

morais em decorrência de infração dos deveres de casamento, tendo em vista a

ausência de legislação específica que venha a impor sanção pecuniária ao

causador da separação, quer por danos materiais, quer por danos morais sofridos

pelo cônjuge considerado inocente.358

Entende o autor que a possibilidade de indenização por ocasião da

separação litigiosa culposa somente terá lugar caso a conduta do cônjuge

culpado seja tipificada como crime, devendo seu comportamento delituoso ser

ofensivo à integridade moral do cônjuge ofendido, produzindo-lhe dor martirizante

e profundo mal-estar e angústia, sendo certo que a ausência do questionamento e

prova da culpa inibe o questionamento de qualquer reparação civil.359

Cristian Fetter Mold apresenta postura mais radical. Para ele, no âmbito

de direito de família, não se pode falar em culpa ou em responsabilidade civil. A

única responsabilidade que reconhece como imposta no direito de família é “o

direito de ser feliz e o dever de fazer o outro feliz”. O amor é uma estrada de mão

dupla, na qual os cônjuges são responsáveis pelos seus atos e suas escolhas,

logo não cabe a discussão de culpa.360

358 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem

para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 59.359 Cristiano Chaves de Farias. A proclamação da liberdade de permanecer casado ou um réquiem

para a culpa na dissolução das relações afetivas, cit., p. 60.360 Christian Fetter Mold. Novos olhares sobre a separação e o divórcio, Revista CEJ, Brasília,

Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal, v. 10, n. 34, p. 5-10, set. 2006.

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Sérgio Gischkow Pereira reconhece que não se pode aceitar que um

cônjuge agrida o outro física ou moralmente, e tal ato deve ser indenizado por

danos morais, assim como qualquer outra pessoa estaria sujeita a indenizar

outrem por danos morais, se empreendesse tais agressões. O perigo temido pelo

autor é a “monetarização” das relações familiares. Segundo ele, “a prosperar este

exagero, praticamente toda a ação de separação judicial ensejaria pedido

cumulado de perdas e danos morais, em deplorável e perniciosa monetarização

das relações erótico-afetivas!”361

Analisando a atual concepção de família, prescreve que, num momento

em que se proclama o “amor” como sendo o ponto central e alicerce no novo

direito de família, é incoerente admitir-se a mensuração de sentimentos e

impulsos eróticos através do dinheiro.362

Pedro Thomé de Arruda Neto comunga do entendimento de Sérgio

Gischkow Pereira, vendo como perniciosa a “tarifação das relações familiares”363.

Entende que a possibilidade de indenização deve se restringir às hipóteses em

que o ato configurador da infração aos deveres do casamento se caracterize

também como um ilícito penal.

Defende ainda Pedro Thomé a mínima intervenção estatal nas esferas

das liberdades individuais e uma penalização mínima, diante da possibilidade de

se cometer absurdos fáticos de difícil correção.364

Segundo Maria Berenice Dias365, há na atualidade uma acentuada

tendência de ampliar o instituto da responsabilidade civil, deslocando-se o eixo do

elemento do “fato ilícito” para o “dano injusto”. Essa tendência decorre dos

desdobramentos dos direitos da personalidade, que fazem aumentar as hipóteses

de ofensa. Hoje em dia, a busca de indenização por dano moral, diz a autora,

transformou-se na “panacéia para todos os males”.

361 Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 80-81.362 Sérgio Gischkow Pereira. Estudos de direito de família, cit., p. 84.363 Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 282.364 Pedro Thomé de Arruda Neto. A “despenalização” do direito das famílias, cit., p. 282.365 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2005,

p. 113.

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A doutrina, transplantando tal teoria para as relações familiares, passou a

defender a possibilidade de busca de indenização por danos morais em

decorrência do fim dos vínculos afetivos, no momento em que vem sendo cada

vez mais afastada a culpa na dissolução do vínculo matrimonial.

Para Maria Berenice Dias, importante é fazer a distinção entre a prática

de ato ilícito que gera a obrigação de indenizar e a grave infração aos deveres do

casamento que torna insuportável a vida em comum.366

Para a configuração do dever de indenizar, não é suficiente que o

ofendido demonstre sua dor. O direito à reparação somente ocorrerá se presentes

todos os elementos essenciais: dano, ilicitude e nexo causal.

Impor responsabilidade indenizatória em razão do fim do sentimento que

um dia uniu o casal e serviu de fundamento à separação ou ao divórcio importa

violar em primeiro plano o princípio fundamental da liberdade, no caso de casar e

de separar e, em segundo plano, o próprio princípio fundamental da dignidade da

pessoal humana.367

A violação dos deveres de casamento, por si só, não é suficiente a

caracterizar ofensa à honra e à dignidade do consorte, a ponto de gerar obrigação

indenizatória por danos morais. Para configurar a obrigação indenizatória,

imprescindível caracterizar o ato ilícito, quer na forma tentada, quer na

consumada. Tal configuração prescinde da existência de vínculo familiar entre

vítima e agressor. A origem da obrigação decorre da prática do delito penal, e não

do descumprimento de qualquer dos deveres conjugais.368

No mesmo sentido se manifesta Gustavo Tepedino, para quem os

deveres conjugais não parecem ser susceptíveis de recondução ao regime da

responsabilidade contratual, que tem por fim disciplinar os negócios jurídicos

366 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 114.367 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 116.368 Maria Berenice Dias. Manual de direito das famílias, cit., p. 117.

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patrimoniais, nos quais o inadimplemento culposo pode ser facilmente

presumido.369

Tendo o casamento natureza jurídica diversa, em que são estabelecidos

deveres não patrimoniais, dificilmente se admitiria a presunção de

inadimplemento e a aplicação automática de perdas e danos, sem que restasse

comprovada a presença do ilícito.370

6.3.2 Corrente defensora da reparação de danos morais nas

relações de família

O posicionamento majoritário, entretanto, admite o ressarcimento dos

danos decorrentes da separação, em razão da prática de conduta culposa. O

fundamento adotado por esta corrente decorre do princípio da dignidade da

pessoa humana, estabelecido no artigo 1º, III, da Constituição Federal e da

garantia à indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação,

previsto no artigo 5º, X, da Constituição Federal. E, no âmbito civil, encontra

fundamento no artigo 186 do Código Civil de 2002371. Entretanto, identificamos

nesta corrente uma subdivisão, formando duas outras correntes: uma

amplamente permissiva e outra mais restritiva.

6.3.2.1 Corrente amplamente favorável à tese da reparabilidade

em todos os tipos de separação e divórcio

Esta corrente refuta a tese que exclui do direito de família a reparação do

dano moral, afirmando que a responsabilidade civil nas relações de família está

submetida às regras gerais do sistema.372

369 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 379.370 Gustavo Tepedino. Temas de direito civil, cit., p. 379.371 Arnoldo Wald. O novo direito civil de família, cit., p. 222.372 Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 543.

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Segundo Regina Beatriz Tavares da Silva o direito de família, que regula

a relação dos cônjuges, não se encontra num pedestal que não pode ser

alcançado pelos princípios da responsabilidade civil.373

Entender-se de forma diversa, segundo a autora, é transformar os

deveres dos cônjuges em meras recomendações, sem a devida conseqüência por

sua infração, o que provocaria a falta da devida proteção à dignidade das pessoas

nas relações de casamento.

Tendo a lei estabelecido deveres aos cônjuges, obrigando-os a certos

atos e à abstenção de outros, se forem violados, com a ocorrência de danos,

surge o direito do ofendido à reparação, por terem sido preenchidos os

pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, ação ilícita, dano e nexo causal.

Nessas condições, não é a idéia de culpa que fundamenta a tese da

reparabilidade, mas a da reparação civil pela prática de ato ilícito que venha a

acarretar dano a outrem, cujo fundamento legal se encontra no artigo 186 do

Código Civil em vigor.374

Normalmente, quando a extinção da sociedade conjugal decorre da

violação dos deveres do casamento, surge, em tese, a possibilidade de aplicação

dos princípios da responsabilidade civil. Contudo, de acordo com a atual

sistemática de causas de separação adotada pelo Código Civil, a aplicação dos

princípios da responsabilidade civil só encontra fundamento na separação

culposa, uma vez que somente nessa espécie de separação ainda é possível a

apuração de descumprimento do dever conjugal.375

Como para a autora a natureza jurídica do casamento é contratual, os

deveres dos cônjuges nascem do contrato, embora sejam estabelecidos em lei,

373 Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.302.374 Regina Beatriz Tavares da Silva. Responsabilidade civil dos cônjuges, in Rodrigo da Cunha

Pereira (Coord.), A família na travessia do milênio: anais do II Congresso Brasileiro de Direito deFamília, Belo Horizonte: IBDFAM; OAB/MG; Del Rey, 2000, p. 133.

375 Regina Beatriz Tavares da Silva. Responsabilidade civil dos cônjuges, cit., p. 134.

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de forma que, ante a sua violação, serão aplicáveis as regras da responsabilidade

contratual, em sua ruptura.

Entretanto, é somente ante a constatação de ato ilícito, decorrente do

descumprimento de um dever conjugal aduzido à ocorrência de danos morais ou

materiais, que surge a possibilidade de aplicação do princípio reparatório da

ruptura do casamento.376

Para Regina Beatriz Tavares da Silva, a propositura do pleito reparatório

é um direito autônomo que poderá ser formulado cumulativamente à ação de

separação judicial, ou por ação própria conexa à de separação, ou ainda após a

decisão proferida na ação de separação.377

Refuta ainda a autora a tese da ocorrência de bis in idem na fixação de

indenização por danos morais ao cônjuge considerado culpado, que também

tenha sido condenado a pensionar o cônjuge inocente.

Entende que a pensão alimentícia tem caráter alimentar, e está fundada

no dever de assistência material que resulta do casamento, e a indenização tem

caráter reparatório.378

Apresenta Regina Beatriz Tavares da Silva como fundamento do direito à

reparação de danos a obrigatoriedade de preservação da dignidade que se opera

por meio da proteção aos direitos da personalidade, os chamados “direitos

fundametais”. O dever do cônjuge proteger e respeitar os direitos da

personalidade de seu consorte, no novo Código Civil, vem disposto no artigo

1.566, V, que rege sobre o respeito e consideração mútuos e demonstra a

preocupação da nova codificação civil com a tutela da dignidade da pessoa nas

relações familiares.379

376 Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.304.377 Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.305.378 Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.306.379 Regina Beatriz Tavares da Silva. Dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, cit., p. 1.307.

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Sob inspiração do direito estrangeiro, francês, português e argentino,

adota a autora a distinção entre os danos acarretados pelo descumprimento do

dever conjugal e os decorrentes de prejuízos oriundos da ruptura do

casamento.380

Denomina danos imediatos aqueles que decorrem de fatos que

constituíram o rompimento do casamento, sendo violado um dever conjugal.

Esses danos podem ser de natureza material e apresentar natureza moral,

quando atingem a esfera da personalidade do cônjuge lesado, causando-lhe

sofrimento.

Já danos mediatos são identificados quando têm ligação indireta com o

descumprimento do dever conjugal. Normalmente têm caráter patrimonial ou

econômico, pois implicam perdas materiais provocadas pela separação, como,

por exemplo, a mudança para um imóvel menor.

Assim, conclui Regina Beatriz Tavares da Silva, nos rompimentos de

casamento, em várias situações, os direitos da personalidade são desrespeitados,

em evidente afronta ao dever de respeito e consideração, podendo gerar danos

ao consorte. Nessa medida, o cônjuge lesado, em observância ao princípio da

proteção da dignidade da pessoa humana, merece a devida reparação pelos

danos sofridos.

Na mesma linha de pensamento, encontramos Inácio de Carvalho Neto,

que entende ser perfeitamente cabível a indenização dos danos causados pelo

ato culposo do cônjuge considerado culpado na ação de separação litigiosa

culposa.

Comunga do entendimento de Regina Beatriz Tavares da Silva quanto à

possibilidade de ocorrência de danos, tanto decorrentes das causas do

rompimento matrimonial por violação aos deveres do casamento, quanto da

380 Ver a respeito: Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na

separação e no divórcio, cit., p. 153 e ss.

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ruptura do casamento, que têm caráter geral e sempre patrimonial ou

econômico.381

Entende o autor que o perdão concedido expressa ou tacitamente exclui

do cônjuge ofendido a possibilidade de pleitear tanto a separação culposa, quanto

a indenização por danos morais. A um, pois as demandas entre cônjuges, na

constância do casamento, devem ser evitadas, visando a estabilidade familiar. A

dois, pois, dependendo do regime de bens vigente entre os cônjuges, seria

incongruente se falar em obrigação de indenizar o outro, especialmente se o

regime for o da comunhão universal de bens. A três, o perdão configura hipótese

de renúncia, causa essa de não-configuração da responsabilidade.382

Quanto ao cabimento de indenização na espécie de separação sem

culpa, embora reconheça que se o fundamento for a ruptura de vida em comum,

seja dispensada a demonstração da culpa de qualquer dos cônjuges, entende ser

possível antever-se a possibilidade de indenização, pois existe distinção entre

danos derivados do ato culposo e danos derivados do rompimento da relação

conjugal (danos imediatos e danos mediatos), podendo-se considerar a hipótese

de danos derivados do rompimento da relação conjugal como configuradora da

obrigação de indenizar.

Para tanto, deve-se, entretanto, caracterizar esse rompimento como ato

ilícito, de modo a fazer incidir o artigo 186 do Código Civil. Por exemplo, no caso

do pedido de separação em decorrência da ruptura da vida em comum por

doença mental grave, a violação ao dever de assistência pode caracterizar um

ilícito legalmente permitido, que não deixa, contudo, de configurar ato ilícito,

passível de indenização.383

Vislumbra ainda Inácio de Carvalho a possibilidade de pedido

indenizatório na hipótese do artigo 1.572, parágrafo 1º, do Código Civil,

381 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, Curitiba: Juruá, 2004. p.

274.382 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 278.383 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 323.

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reconhecendo contudo, a dificuldade da configuração prática da hipótese. Assim,

nada impede que haja danos derivados de causas culposas que não foram

discutidas no processo de separação não culposa, mas que poderiam ser objeto

de pedido específico de reparação.384

Em sentido contrário se coloca Rolf Madaleno, que entende estar vedada

qualquer perquirição da culpa, tanto no processo litigioso de divórcio, como nas

separações judiciais promovidas com fundamento na ruptura da vida em comum

há mais de um ano consecutivo. Esclarece o autor que, depois desse razoável

interregno temporal, fica vedada a iniciativa conflituosa da separação judicial e

mesmo do divórcio, pois tanto o tempo como a lei eliminaram do processo o

regime causal da separação.385

Contudo, Inácio de Carvalho discorda desse posicionamento, pois

entende que o perdão só será presumido na hipótese do revogado artigo 319 do

Código Civil de 1916. Parte, no caso, do pressuposto de que a vítima, ao tomar

conhecimento do ato culposo, afastou-se do cônjuge culpado. Não se exige,

esclarece o autor, que tenha o cônjuge agredido movido ação de separação

litigiosa para afastar a incidência do perdão tácito. O só fato de ter-se afastado do

cônjuge agressor, ao tomar conhecimento de sua conduta, é suficiente para

rechaçá-lo386. Inácio de Carvalho vislumbra a possibilidade de reparação de

danos mesmo no divórcio direto.387

Mais uma vez, Rolf Madaleno se coloca em oposição a tal entendimento,

ao concluir que não é possível reclamar qualquer dano moral resultante de

separação judicial ou divórcio, sem que seja deduzida em juízo a correspondente

ação de separação judicial litigiosa, na qual fique reconhecida no decreto judicial

a responsabilidade do parceiro culpado pela ruptura da união, sendo, em

conseqüência, condenado pela causa da separação, em pleito cumulativo de

384 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 324.385 Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 65.386 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 326.387 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 327.

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indenização. No divórcio, estaria totalmente afastada tal pretensão, uma vez que

proibida qualquer averiguação de culpa nessa seara.388

Inácio de Carvalho Neto, concluindo, entende que as formas consensuais

de dissolução do casamento não dão margem à indenização entre os cônjuges.389

Segundo Ana Cecília Parodi, todo sujeito de direitos é titular de tutelas

protetivas inerentes à sua integridade física e emocional, além da patrimonial,

tendo direito à reparação dos danos sofridos em qualquer dessas esferas, não se

reconhecendo qualquer excludente de culpabilidade pelo fato do agressor manter

vínculos matrimoniais com o agredido.390

Ocorrendo as lesões no âmbito familiar, a indenização pode ser pleiteada

a qualquer momento, não sendo obrigatório o questionamento no momento da

dissolução conjugal, bastando que seja remetido ao período de eficácia do

casamento. A separação prévia não é condição para a validade do pleito

indenizatório.391

Entende a autora que a mera ruptura do vínculo conjugal, ou o abandono

do lar, ainda que imotivado, considerando-o como exercício da garantia de

liberdade, não enseja a obrigação indenizatória. Para que haja reparabilidade no

direito de família, deverá restar comprovado que o dano ultrapassou as raias do

previsto.392

Ana Cecília Parodi distingue na atualidade três correntes doutrinárias

sobre a viabilidade de aplicação da responsabilidade civil nas relações conjugais.

A primeira é composta pela maioria dos operadores do direito brasileiro, que

consideram amplamente capaz de imputação a obrigação indenizatória,

388 Rolf Madaleno. O dano moral na investigação de paternidade, AJURIS: Revista da Associação

dos Juizes do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, v. 24, n. 71, p. 270-283, 1997.389 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 310.390 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

397.391 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

403.392 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

404.

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independentemente da modalidade de separação ou de divórcio. Na segunda,

estão aqueles que relacionam a previsão indenizatória ao debate das culpas na

ação de separação litigiosa. Essa corrente está começando a ser adotada pelo

Superior Tribunal de Justiça, em que pese não ser o entendimento dominante. A

terceira seria uma corrente dissidente, integrada por aqueles que defendem a

total eliminação da culpa, transformando as separações e os divórcios em meras

ações declaratórias, desprovidas do cunho punitivo.393

Distingue a autora culpa dissolutória394, para a qual basta a demonstração

da violação dos deveres do casamento estabelecidos no artigo 1.566 do Código

Civil, da culpa indenizatória395, identificada quando o ato praticado ultrapassa o

risco assumido, provocando danos por conduta culposa, com negligência ou

imprudência (arts. 186 e 187 do CC/2002), para concluir que tendo tais culpas

natureza diversa, nada impede que um cônjuge que tenha se separado

consensualmente (sem discutir a culpa dissolutória) venha a pleitear reparação de

danos ocorridos durante a convivência conjugal, com base na culpa indenizatória.

Tal pedido terá por fundamento o artigo 187 do atual Código Civil.396

Contudo, assevera a autora397 que as modalidades consensuais podem

ensejar a extinção de qualquer futura obrigação indenizatória, se por termos dos

atos judiciais praticados ou por acordo homologado, venha a se concluir pelo

expresso perdão às ofensas.398

Entende Ana Cecília Parodi que a indenização por dano moral nas

relações conjugais é sempre devida, diante da violação dos deveres matrimoniais,

393 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

416-417.394 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

247.395 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

254.396 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

418.397 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

419-420.398 Contudo esclarece Inácio de Carvalho que poderá se falar em reparação civil também na

separação e no divórcio direto consensuais, se a concordância da suposta vítima desconhecer oato culposo até a dissolução pela via consensual (Responsabilidade civil no direito de família,cit., p. 324, nota n. 1.137).

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já que não se compreende que haja a estipulação de um dever jurídico sem a

conseqüente punição de sua violação, sendo inadmissível que o fato da

ocorrência da infração no âmbito familiar seja utilizado como excludente da

responsabilidade indenizatória extracontratual, mesmo porque não existe vedação

legal expressa para tanto.399

Para Yussef Said Cahali, deveria existir em nosso ordenamento jurídico

um dispositivo legal específico que fixasse uma sanção patrimonial pelos danos

materiais e morais sofridos pelo cônjuge inocente, medida que seria altamente

moralizadora.400

À falta de dispositivo legal expresso, há de se reconhecer a ocorrência de

danos morais reparáveis nos casos em que a dissolução da sociedade conjugal

se verifica em razão da grave infração aos deveres conjugais, quando imputada

ao cônjuge culpado.401

O mesmo ato ilícito que configurou infração grave aos deveres do

casamento, que serviu de fundamento à separação litigiosa culposa, prestar-se-á

igualmente para legitimar o pedido reparatório do cônjuge afrontado, através de

ação de indenização de direito comum, desde que comprovados prejuízos

resultantes diretamente desse ato ilícito. Entende ainda que o pedido reparatório

independe da existência de uma ação de separação litigiosa culposa.402

Maria Helena Diniz comunga da mesma opinião desta corrente, ao dispor

que na dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, pode ocorrer a violação de

direitos que venha a provocar danos materiais e morais, gerando

responsabilidade civil e conseqüente indenização pecuniária. A exemplo de

Regina Beatriz Tavares da Silva, reconhece a possibilidade de reparabilidade,

tanto de danos decorrentes da violação dos deveres do casamento, como da

ruptura da vida em comum, conforme exemplos colacionados, que entende

399 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

422.400 Yussef Said Cahali. Divórcio e separação, 11. ed., cit., v.2, p. 818.401 Yussef Said Cahali. Dano moral, cit., p. 759.402 Yussef Said Cahali. Dano moral, cit., p. 762-763.

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passíveis de reparação: recusa infundada ao débito conjugal, difamação, calúnia

ou injúria, não-cumprimento dos deveres conjugais de modo geral, assim como

gastos com mudança, perda de rendimentos sobre bens que passaram ao outro

consorte por ocasião da partilha de bens na separação, dificuldade de arrumar

emprego ou de readaptação profissional.403

Para José de Castro Bigi, o cônjuge culpado pela ruptura do casamento,

perante o direito brasileiro, responde pela obrigação alimentar, pelos honorários

advocatícios e pelas custas processuais, esgotando-se nessa enumeração as

conseqüências para o cônjuge responsável pela destruição do casamento e da

família.404

No entanto, esclarece o autor, quando o desfazimento provém da prática

de ato antijurídico, de delito, ou de quase delito que tenham produzido danos

materiais e morais, o cônjuge inocente acaba por suportar os danos produzidos

pelo outro, sem qualquer reparação.

E continua, dizendo que são poucas as decisões judiciais que acolhem o

pedido de reparação, apresentando como justificativa a predominância da

corrente contrária ao ressarcimento dos danos decorrentes da dissolução da

sociedade conjugal, que se funda nos argumentos de que: o ressarcimento seria

contrário à moral e aos bons costumes; não há legislação específica regulando o

assunto; a fixação de indenização por violação dos deveres do casamento estaria

violando o princípio do non bis in idem, pois o cônjuge culpado já estaria sendo

apenado com a prestação de alimentos, honorários e custas processuais.405

Adverte José de Castro Bigi que tal panorama mudou com o advento da

Constituição Federal de 1988 que, ao prever, em seu artigo 5º, inciso X, que “são

invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas,

403 Maria Helena Diniz. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil, São Paulo: Saraiva,

2005, v. 7, p. 177-178.404 José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, in Antônio Carlos Mathias

Coltro (Org.), O direito de família após a Constituição Federal de 1988, São Paulo: InstitutoBrasileiro de Direito Constitucional; Celso Bastos, 2000, p. 50.

405 José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, cit., p. 51.

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assegurado o direito de indenização pelo dano material decorrente de sua

violação”, passou a doutrina a sustentar que os danos morais também devem ser

ressarcidos.

A fim de responder à pergunta de se na dissolução da sociedade conjugal

o cônjuge culpado também deveria responder pela indenização por danos morais

suportados pelo cônjuge inocente, além do pagamento da pensão alimentícia,

esclarece que a ofensa à dignidade constitui um dano moral, injusto, que o

cônjuge culpado deverá indenizar. O fato de inexistir norma expressa nesse

sentido tornou-se irrelevante, ante a existência de norma constitucional e previsão

de indenização no Código Civil.406

Conclui o autor que, no seu entender, basta a comprovação do ato

antijurídico para impor ao cônjuge culpado a obrigação de ressarcimento do dano

moral pela infração aos deveres do casamento. Reconhece a possibilidade de

ser imputado ao cônjuge culpado tanto as sanções decorrentes da separação-

sanção, quanto a indenização com apoio no artigo 187 do atual Código Civil e que

nada impede que o pedido indenizatório seja formulado antes ou depois da

instauração do processo para a obtenção da dissolução contenciosa da

sociedade conjugal ou divórcio.407

No mesmo sentido preleciona Elizabeth Ana Maria Pacca, ao reconhecer

que, na atualidade, os princípios da responsabilidade civil aplicam-se

perfeitamente às relações conjugais, de vez que a legislação impôs aos cônjuges

deveres conjugais que, se violados, e ocorrendo danos ao outro cônjuge, terá

direito ao devido ressarcimento.408

Distingue a autora a ocorrência de duas situações divergentes no caso

das separações litigiosas culposas. A primeira decorre das sanções impostas em

conseqüência do descumprimento dos deveres conjugais, e a segunda se refere à

406 José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, cit., p. 57.407 José de Castro Bigi. Indenização por rompimento de casamento, cit., p. 59.408 Elizabeth Ana Maria Meisels Pacca. A nova família e a responsabilidade civil dos cônjuges,

Revista Jurídica Universidade de Franca, Franca, SP, v. 5, n. 9, p. 96, jul./dez. 2002.

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indenização por danos morais, que tem por fundamento o artigo 159 do Código

Civil de 1916 (atual art. 187 do CC/2002), pois tendo o casamento natureza

contratual, serão aplicadas as regras de responsabilidade civil contratual à

dissolução, sem se indagar se houve ou não culpa nessa dissolução. Para a

autora, a culpa nesses casos é presumida. Logo, todas as infrações aos deveres

decorrentes do casamento estão sujeitas à reparação de danos.409

Carlos Alberto Bittar ensina que “dano moral é a lesão injusta a

componentes do complexo valorativo do homem causada por outrem”410. Assim

sendo, a lesão há de ser injusta, isto é, contra o direito, entendido como princípios

e normas do ordenamento jurídico, e deve atingir componentes do complexo

valorativo do homem, que por sua vez compreendem os aspectos físico, psíquico

e moral da personalidade humana. Além disso, os danos podem atingir o

patrimônio do lesado, que podem ser de ordem moral, quando alcançam o

aspecto pessoal do indivíduo lesado, e de ordem material, quando impactam o

seu patrimônio. Nessas condições, ocorrido o dano, nasce o direito à reparação.

Direito à reparação, continua o autor, “é o direito que o lesado tem de

obter uma resposta do ordenamento jurídico pela lesão sofrida”411. Normalmente,

essa resposta, no ordenamento jurídico, é dada pela responsabilidade civil.

Dessa forma, esse direito surge com a ocorrência de três pressupostos: a

existência de uma ação, a ocorrência do dano e o nexo causal entre a ação e o

dano.

Os ilícitos podem ocorrer em uma esfera contratual ou extracontratual.

Considerando-se que o casamento tem natureza de contrato especial, já que

embora dependa da vontade dos interessados para ser firmado, após a sua

celebração, passa a ser regido por normas de ordem pública constituídas pelo

409 Elizabeth Ana Maria Meisels Pacca. A nova família e a responsabilidade civil dos cônjuges, cit.,

p. 96-97.410 Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit., p.

96.411 Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit., p.

98.

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direito de família, as relações que decorrem do casamento serão relações

contratuais, passíveis, portanto, de ilícitos na esfera contratual.

Nessas condições, tanto na formação como na execução e no

desfazimento do contrato especial de casamento, e especialmente na sua ruptura,

é possível a ocorrência de fenômenos danosos capazes de gerar para o

prejudicado a possibilidade de obter reparação, tanto de danos patrimoniais,

como de danos morais.412

Entende Carlos Alberto Bittar ser possível a reparação dos danos morais

em todas as hipóteses em que a ruptura do casamento seja injusta e que haja

lesão no patrimônio ou na esfera valorativa do outro cônjuge, assim como

entende ser possível também a reparação de danos patrimoniais que decorram

da simples ruptura do vínculo do casamento, indicando como exemplo a perda de

um negócio ou de uma função pública pela perda do estado de casado. De

acordo com seu entendimento, embora a sociedade tenha evoluído bastante, o

estado de casado ainda é um fator importante na vida profissional e negocial das

pessoas.413

Eduardo de Oliveira Leite esclarece ser inquestionável que o casamento é

caracterizado e reconhecível pela duração. Se a permanência, a construção de

projetos comuns e de um projeto de vida são a regra, evidente que a brutal

ruptura, por motivo torpe ou culposo, que causa dor, sofrimento, aflição e martírio

não só pode, mas deve, ser reparada por dano moral. O casamento, enquanto

projeto para o futuro daqueles que o integram, “reveste-se de transcendental

importância na medida em que sua ruptura pode destruir toda e qualquer

possibilidade de reconstrução de vida”.414

412 Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit.,p.

100.413 Carlos Alberto Bittar. Danos morais e materiais decorrentes da ruptura do casamento, cit.,p.

102.414 Eduardo de Oliveira Leite. Reparação do dano moral na ruptura da sociedade conjugal, in

Eduardo de Oliveira Leite (Coord.). Dano moral, Rio de Janeiro: Forense, 2002. p. 163.

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A crescente repersonalização do direito civil, que desloca o eixo de

proteção do patrimônio para a pessoa humana, reforça a nova tendência de que

qualquer dano que se cause, decorrendo dele conseqüências patrimoniais ou

morais, não pode deixar de ser adequadamente reparado, “quer para resgatar a

supremacia do sentimento humano, quer para alcançar a mais ampla garantia da

dignidade da pessoa humana”.415

Fernanda e Victor Hugo Oltramari compartilham da tese da mais ampla

reparabilidade no âmbito das relações conjugais, ao concluir que, diante do

intenso processo de repersonalização pelo qual vêm passando as relações

familiares, desde o advento da Carta Constitucional de 1988, que elevou o

princípio da dignidade e dos direitos da personalidade a preceito constitucional, e

agora integrados ao novo Código Civil, é impossível não reconhecer a

configuração da responsabilidade civil nas relações familiares.416

Esclarecem os autores que não se deve submeter apenas à limitação das

sanções fixadas na lei para os casos de separação culposa, e muito menos

entender-se que a ruptura da sociedade conjugal seja previsível desde a sua

constituição, ou de que se estaria assim monetarizando as relações familiares,

uma vez que o amor não tem preço. Em havendo culpa, danos e liame causal

entre um e outro, a responsabilização indenizatória é de rigor.

Atribuem o pouco sucesso no reconhecimento de tais direitos à

acomodação, tanto das vítimas como dos advogados e do Judiciário em geral,

que deixam de apresentar essa proposta inovadora do reconhecimento e

responsabilização pelos danos causados em qualquer das hipóteses de

dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, que beneficia e estimula o

desrespeito à dignidade da pessoa humana.417

415 Eduardo de Oliveira Leite. Reparação do dano moral na ruptura da sociedade conjugal, cit., p.

164.416 Fernanda Oltramari; Vitor Hugo Oltramari. As tutelas da personalidade e a responsabilidade

civil na jurisprudência do direito de família, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre,Síntese; IBDFAM, ano 4, n. 13, p. 73, abr./jun. 2002.

417 Fernanda Oltramari; Vitor Hugo Oltramari. As tutelas da personalidade e a responsabilidadecivil na jurisprudência do direito de família, cit., p. 74.

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6.3.2.2 Corrente mais restritiva, que reconhece a incidência do

direito à reparabilidade somente nas separações culposas

Integram esta corrente os doutrinadores que acolhem a tese da

reparabilidade, contudo de maneira restritiva, posto que reconhecem como

passíveis de ressarcimento os danos decorrentes da violação dos deveres do

casamento, desde que reconhecida a culpa em sede de separação judicial

litigiosa culposa e que tal violação configure ilícito civil ou penal. Não reconhecem

os integrantes desta corrente a possibilidade de reparação de danos decorrentes

da dissolução da sociedade e do vínculo conjugal por ruptura da vida em comum.

Segundo esta concepção doutrinária, a incidência do dano moral no

âmbito do direito de família não pode e não deve ser indiscriminada, mas limitada

às causas excepcionais de elevada gravidade. Nem sempre a violação dos

deveres do casamento dá ensejo a um dever de indenizar do cônjuge culpado, já

que, por vezes, a violação de tais deveres decorre apenas do desaparecimento

do vínculo afetivo, devendo os deferimentos de indenização ser reservados para

sancionar as hipóteses em que se configuram agravos ao cônjuge inocente.418

Ruy Rosado de Aguiar demonstra a existência de, no campo da

responsabilidade civil nas relações familiares, um conflito de princípios. De um

lado, está o princípio da dignidade da pessoa humana, que reflete o princípio da

supremacia da pessoa, sobre o qual se fundamenta o pedido de indenização para

reparação de toda ofensa à pessoa. Por outro lado, coloca o princípio da

conservação da família e a preservação da intimidade das pessoas.419

Diante de tal colisão, propõe o autor como solução a prevalência da regra

geral da responsabilidade civil do autor do dano, ainda que praticado contra o

cônjuge. O fato de existir casamento não é causa eximente da responsabilidade

civil, nem causa privilegiada de isenção.

418 Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 544.419 Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, in Eliene Ferreira Bastos;

Asiel Henrique de Sousa (Coords.), Família e jurisdição, Belo Horizonte: Del Rey, 2005, p. 319.

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Porém, a ação somente será cabível se e quando demonstrada a

gravidade da ofensa, a justificar o afastamento das restrições, quais sejam, não

destruir valores como a proteção da família, da intimidade dos cônjuges, de

respeito ao interesse dos filhos, de forma a permitir a justa indenização do

ofendido.

Como exemplo, coloca a admissão de indenização em casos em que a lei

indica como infração aos deveres de casamento, desde que demonstrada a

existência de danos materiais e/ou morais e da gravidade do resultado.

Concorda com Rolf Madaleno quanto ao requisito da imediatidade do

pedido indenizatório pela separação.420

Para Ruy Rosado de Aguiar, a abstração do elemento culpa para a

separação e para o divórcio elimina a possibilidade de incidência do instituto da

responsabilidade civil subjetiva.421

Assim sendo, é contra o reconhecimento de pedido indenizatório que

tenha por fundamento o fim do afeto, a menos que essa conduta tenha sido

altamente lesiva. Pode ainda a responsabilidade civil ter por fundamento um ato

ilícito absoluto, previsto nos artigos 186 e 187 do Código Civil, ou ainda por fato

tipificado no direito de família ou no das sucessões.

Reconhece ainda a possibilidade de pedido reparatório nos casos de

separação por culpa recíproca.422

Para Rolf Madaleno, a indenização por dano moral, na separação judicial,

tem por finalidade compensar o sofrimento do cônjuge que foi judicialmente

declarado inocente na ação de separação. Tem por função o ressarcimento da

honra conjugal ferida e a integridade moral de que foi alvo o cônjuge inocente.423

420 Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 319.421 Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 309.422 Ruy Rosado de Aguiar. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 320.423 Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 533.

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Segundo o autor, o dano moral no direito de família deve se pautar pela

deliberada ofensa à dignidade humana, não existindo espaço a permitir ações de

cunho indenizatório quando a separação decorrer da perda de afeto, oriunda da

perda do amor.424

Assim sendo, não aceita o pedido indenizatório quando a dissolução da

sociedade ou do vínculo conjugal teve por fundamento a ruptura da vida em

comum e assevera:

“O tempo age corrosivamente contra o consorte vitimado pelaseparação culposa, que, inerte, não promove a sua ação deseparação judicial causal em prazo hábil, inferior a um ano defática ruptura física do casal; ingressando o feito na esfera dadiscussão meramente temporal da separação ou do divórcio, ondedescabe perquirir da culpa e do dano moral, assim como descabebuscar qualquer prestação compensatória que o direito pátrio nãopode contemplar por haver afastado do processo de rupturaconjugal a sua razão causal.”425

Belmiro Welter comunga do mesmo pensamento, uma vez que admite a

indenização por dano moral somente na ação de separação judicial litigiosa por

culpa, decorrente de grave violação dos deveres do casamento, ou ainda por

conduta desonrosa, reconhecendo ainda a possibilidade do pedido ser formulado

cumulativamente ou não, desde que obedecidos certos requisitos: a) que o pedido

de separação judicial ou de indenização por dano moral seja ajuizado logo após a

ocorrência da conduta culposa; b) a legitimidade da propositura da demanda

indenizatória é exclusiva do cônjuge inocente, considerando inviável o pedido se a

culpa for considerada recíproca, pois, nesse caso, ambos terão parcela de culpa;

c) o pedido indenizatório por dano moral somente poderá ser examinado na

separação judicial litigiosa com culpa, na qual se discute a grave infração aos

deveres do casamento ou conduta desonrosa; d) a conduta do cônjuge culpado

deverá ser tipificada como crime426, ofensiva à integridade moral do cônjuge

424 Rolf Madaleno. Dano moral no direito de família, cit., p. 553.425 Rolf Madaleno. Divórcio e dano moral, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre,

Síntese; IBDFAM, ano 1, n. 2, p. 66, jul./set. 1999.426 Em sentido contrário se posiciona Bernardo Castelo Branco, que entende que limitar a

responsabilidade civil aos casos em que a violação dos deveres do casamento que sejamtipificados como crime significa negar a adoção do instituto da responsabilidade civil comoinstrumento hábil a responder às mais variadas formas de violação dos direitos dapersonalidade, decorrentes de danos produzidos no âmbito matrimonial, de vez que muitos doscomportamentos ilícitos adotados nesse ambiente não são tipificados pelo direito penal (Danomoral no direito de família, cit., p. 58).

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ofendido, que tenha produzido dor martirizante e profundo mal-estar e angústia,

na medida que somente a grave ofensa a bem jurídico, que o legislador

considerou criminosa, é que poderá resultar em indenização por dano moral.427

Por esse mecanismo, entende o autor que não se está reclamando

indenização de amor, mas pagamento contra aquele que se aproveitou da relação

jurídica que envolvia o amor para empreender graves ofensas delituosas, morais

e dor martirizante, em face daquele que jurou amar por toda a vida, que de modo

corrosivo tirou-lhe a honra e a própria dignidade humana.428

Antonio Mathias Coltro entende que se houver grave violação dos

deveres inerentes ao relacionamento do casal, dúvida não há sobre ser possível

ao ofendido ingressar com ação buscando ver-se indenizado pela atitude do

outro, que lhe causou inegável sentimento de dor e, por vezes, humilhação.

Para o autor, o simples fim do amor que unia o casal não é suficiente a

fundamentar o pleito reparatório por dano moral, contudo o mesmo não ocorrerá

se o rompimento tenha resultado ou ocorrido de modo a caracterizar ofensa de

ordem moral ao outro.429

Nara Rúbia Alves de Resende 430 entende que o casamento tem natureza

contratual, mas um contrato de natureza especial, que contém peculiaridades que

destoam da regra geral aplicável aos contratos, em razão do que a

responsabilização a ser adotada nos danos decorrentes da dissolução da

sociedade conjugal dependerá da natureza jurídica que se atribua ao casamento.

Para os contratualistas, continua a autora, não há que se falar na

aplicação do artigo 187 do Código Civil, mas na regra pertinente à quebra

427 Belmiro Pedro Welter. Dano moral na separação judicial, divórcio e união estável,

Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, v. 2, n. 20, p. 72, ago. 2000.428 Belmiro Pedro Welter. Dano moral na separação judicial, divórcio e união estável, cit., p. 75.429 Antônio Carlos Mathias Coltro. A união estável e a responsabilidade por dano moral, in Mário

Luiz Delgado; Jones Figueirêdo Alves (Coords.), O novo Código Civil: questões controvertidas,São Paulo: Método, 2006, p. 34.

430 Nara Rubia Alves de Resende. Da possibilidade de ressarcimento dos danos decorrentes dadissolução da sociedade conjugal, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, Síntese;IBDFAM, ano 5, n. 21, p. 13, dez./jan. 2003/2004.

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contratual. Já para os que vêem no casamento a natureza institucional, ou de

contrato especial, a regra a ser aplicada é a norma geral que conduz ao sistema

de responsabilidade extracontratual.

Acolhendo a autora a doutrina que vê no casamento um contrato especial,

conclui que os danos decorrentes da dissolução das entidades familiares são

passíveis de indenização, mas tão-somente pela via da responsabilidade civil

extracontratual.

Desse modo, a não-observância de um dos deveres de ambos os

cônjuges, fixados no artigo 1.566 do Código Civil, pode ser causa da dissolução

da sociedade conjugal, com fundamento na culpa de um dos consortes, dando

ensejo à separação litigiosa culposa. Entretanto, o dano causado pelo

descumprimento de um dever conjugal pode não se resolver apenas com a

separação e a possível fixação de pensão alimentar, e outras sanções da seara

do direito de família.

Nesse caso, não sendo as normas do direito de família hábeis a indenizar

os danos decorrentes da dissolução da sociedade conjugal por culpa de um dos

cônjuges, aplica-se a regra geral da responsabilidade civil subjetiva, requerendo

em conseqüência a constatação do dano, da culpa e do nexo de causalidade.431

Observa a autora finalmente que essa indenização deve ser vista pelo

aplicador do direito com reservas, sempre tendo em vista a especialidade das

relações conjugais, sob pena de se tabelar financeiramente todos os fatos

ocorridos na dissolução de uma sociedade conjugal, coagindo indiretamente as

pessoas a continuarem casadas, ante o temor de ser responsabilizado por uma

indenização injusta, que estará em conseqüência ferindo o princípio da dignidade

da pessoa humana.432

431 Nara Rubia Alves de Resende. Da possibilidade de ressarcimento dos danos decorrentes da

dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 24.432 Nara Rubia Alves de Resende. Da possibilidade de ressarcimento dos danos decorrentes da

dissolução da sociedade conjugal, cit., p. 30.

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Silvio Venosa433 reconhece apenas a indenização devida na separação e

no divórcio, não reconhecendo o direito autônomo à indenização e nem mesmo

durante a vigência do casamento.

Para o autor, a indenização é devida apenas se houver atos que

extrapolem os limites do normal e aceitável e que tragam prejuízos morais e/ou

materiais ao outro cônjuge, pelo descumprimento dos deveres do casamento, que

entende ser mero negócio jurídico.

Caio Mário da Silva Pereira434 identifica a culpa nas relações de

casamento no conceito de “erro de conduta que leva o indivíduo a lesar um direito

alheio”, inserindo, portanto o dano moral ocorrido nas relações conjugais no

instituto da responsabilidade civil subjetiva.

Reconhece assim a possibilidade da concretização da responsabilidade

ressarcitória no âmbito familiar, desde que se estabeleça a clara interligação entre

a ofensa ao bem jurídico e o prejuízo sofrido, de tal forma que reste incontroverso

ter havido dano, porque o agente agiu contra o direito. Ainda que presentes a

culpa e o dano, se ausente a relação causal, não nascerá a obrigação de

indenizar.

Esclarece o autor que, na atualidade, o desrespeito e a violação à

dignidade humana permeiam todas as formas culposas de separação, capazes,

portanto, de gerar, em tese, obrigação de indenização.

Contudo, espera do cônjuge ofendido imediata reação ao gravame

sofrido, sob pena de interpretar-se o decurso do tempo e sua inércia, como

perdão ou intenção de sublimar os motivos dos desentendimentos.

433 Silvio de Salvo Venosa. Direito civil: responsabilidade civil. 6. ed., atual. de acordo com o

Código Civil de 2002, estudo comparado com o Código Civil de 1916, São Paulo: Atlas, 2006. v.4, p. 268-269.

434 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: direito de família, cit., v. 5, p. 301-305.

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Não vincula o autor o pedido de reparação por danos morais ao pedido de

dissolução da sociedade conjugal, embora reconheça excepcionalmente

situações tais em que seja promovida a ação reparatória de forma independente

da ação separatória.

Não acolhe Caio Mário da Silva Pereira o entendimento de ser possível o

pedido de reparação por danos morais, quando a separação ou o divórcio teve

por fundamento a ruptura da vida em comum, posto que o tempo transcorrido,

aliado à acomodação das partes, induz o desinteresse em perseguir indenização.

Leonardo Barreto Moreira Alves435, como defensor da eliminação da culpa

na dissolução da sociedade conjugal, entende que a indenização por dano moral

na separação somente será cabível em casos excepcionais e patológicos436, em

que um dos cônjuges tripudia e humilha o outro, promovendo publicamente sua

falta com o firme propósito de “manchar” a honra do outro consorte.

Tal entendimento se funda no fato do dano moral decorrer da direta

violação dos direitos da personalidade, de modo que para o reconhecimento do

direito ressarcitório, não é suficiente a prova da violação de um dever conjugal.

Autonomamente, tal fato não constitui ato autorizador de aplicação do instituto da

responsabilidade civil. Faz-se necessário que a conduta do cônjuge produza

prejuízo ao seu consorte.

Desloca assim o autor o cerne da indenização por dano moral entre

cônjuges da culpa pela separação, fazendo com que incida sobre a própria

conduta do consorte que pratica o ato, violando a honra de seu parceiro.

Conclui Leonardo Barreto que a culpa a ser analisada no âmbito da

responsabilidade civil em nada coincide com a que dá ensejo à separação judicial.

435 Leonardo Barreto Moreira Alves. O fim da culpa na separação judicial: uma perspectiva

histórico-jurídica, cit., p. 112-113.436 Tais casos já foram objeto de crítica no item 5.5, in fine.

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Para Bernardo Castelo Branco437, a mera infração aos deveres do

casamento, enquanto fenômeno isolado, não se mostra como instrumento apto a

gerar o dano moral indenizável, de vez que esse só se configura quando o

comportamento adotado, além de autorizar o desfazimento do casamento, trouxer

ao cônjuge inocente inegável sensação de dor, aflição, humilhação e sentimentos

de desamor que, de forma incontroversa, demonstrem os reflexos negativos

suportados pelo cônjuge inocente, capazes de caracterizar a efetiva violação dos

deveres inerentes à personalidade.

Segundo o autor, o dever de reparação, como forma de sanção a uma

conduta nas relações familiares, só surge quando nesse meio ocorrerem

comportamentos de tal modo lesivos que ultrapassem a mera violação dos

deveres do casamento, passando a atingir os direitos primários do ser humano e

a dignidade enquanto pessoa humana. Não aceita ele que o matrimônio seja

transformado em apanágio para a prática indiscriminada de atentados impunes

aos direitos da personalidade.

A jurisprudência tem se mostrado muito renitente na fixação de danos

morais em razão da separação culposa, como se constata das decisões:

“INDENIZAÇÃO – Dano moral e material – Adultério – Nascimentode uma criança na constância do casamento – Paternidadeadmitida pelo marido – Presunção – Pai biológico um terceiro –Indenização devida – Procedência – Sentença reformada- Apeloprovido, em parte; agravo retido improvido.” (TJSP − Ap. Cív. n.103.663-4/Santos, 6ª Câm. Dir. Priv., rel. Des. Octávio Helene, j.31.08.00, v.u.).

“SEPARAÇÃO – Litigiosa – Ação do marido e reconvenção damulher – Improcedência da ação e procedência parcial dareconvenção – Prova satisfatória da culpa do varão pela falênciado casamento, a tornar insuportável a vida em comum – Bens aserem partilhados na proporção de 50% para cada um doscônjuges – Possibilidade, porém, de cumulação do pedido deindenização por danos morais, de procedência inegável, pelagrave injúria cometida pelo marido contra a mulher – Indenizaçãofixada em R$ 35.000,00, correspondentes a atuais 100 (cem)salários mínimos – Presença dos requisitos do artigo 292 eparágrafos do Código de Processo Civil – Agravo retido

437 Bernardo Castelo Branco. Dano moral no direito de família, cit., p. 55-69.

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prejudicado – Recurso de ré-reconvinte provido em parte.” (TJSP− Ap. Cív. n. 485.477-4/9-00/Leme, 2ª Câm. Dir. Priv., rel. Des.José Roberto Bedran, j. 17.04.2007, v.u.).

“INDENIZAÇÃO – Dano moral – Separação judicial – Causadeterminante para a decretação da dissolução da sociedadeconjugal – Verba devida ao cônjuge inocente somente se aviolação do dever de fidelidade extrapolar a normalidade genérica,sob pena de bis in idem – Voto vencido.” (TJSP − Ap. n. 369.581-4/7-00, 6ª Câm., rel des. Des. Sebastião Carlos Garcia, j.17.02.2005, RT 836/173).

“INDENIZAÇÃO – Dano moral – Abandono afetivo – Inviabilidadede reparação pecuniária – Direito a ser indenizado que pressupõea prática de ato ilícito – Verba indevida.” (STJ − RESP n.757.411/MG, 4ªT., rel. Min. Fernando Gonçalves, j. 29.11.2005,m.v., DJU, de 27.03.2006, RT 849/228).

6.3.3 Indenização por danos morais na ruptura do casamento no

direito comparado

Os doutrinadores brasileiros que integram a corrente que defende a

reparabilidade dos danos morais decorrentes da dissolução da sociedade e do

vínculo conjugal, e especialmente os que integram a corrente amplamente

permissiva, se inspiraram no direito alienígena, em especial no francês, no

português e, mais recentemente, no peruano.

Assim, boa parte dos doutrinadores familiaristas que abordam o assunto

analisam a questão da indenização pelo fim do casamento sob a perspectiva das

legislações acima apontadas, pois a codificação de tais países contém

disposições legais expressas quanto à indenização decorrente de ato culposo, por

ocasião da ruptura da sociedade ou do vínculo conjugal.438

6.3.3.1 Direito francês

Antes mesmo da Lei de 02.04.1941, as cortes francesas já se

pronunciavam favoravelmente à condenação do cônjuge responsável pela

438 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 247.

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reparação de danos por ele causados ao outro, por ocasião do fim do casamento,

fundamentando suas decisões na norma geral da responsabilidade civil

estabelecidas nos artigos 1.382 e 1.383439, ainda em vigor, que dispõem:

“Art. 1.382 - Tout fait quelconque de l’homme, qui cause à autruiun dommage, oblige celui par la faute duquel il est arrivé, à leréparer.Art. 1.383 - Chacun est responsable du dommage qu’il a causénon seulement par son fait, mais encore par sa négligence ou parson imprudence.”440

Salienta Inácio de Carvalho Neto que a jurisprudência francesa era

pacífica na admissibilidade de ações de indenização por ato ilícito praticado por

um dos cônjuges contra o outro e também dos resultantes do divórcio e da

separação de corpos, tendo assim a legislação apenas homologado o que já era

assente, tanto na doutrina, como na jurisprudência.441

Contrariamente, como demonstrado no item 6.3.1, supra, a jurisprudência

nacional, embora dispondo de semelhante regra geral de reparação civil – antigo

art. 159, atual art. 927 do CC de 2002 – sempre se mostrou refratária ao

reconhecimento de tal reparabilidade.

A reforma de 1975 estabeleceu em seu artigo266:

“Art. 266 - Quand le divorce est prononcé aux torts exclusifs del’un des époux, celui-ci peut être condamné à des dommages-intérêts en réparation du préjudice matériel ou moral que ladissolution du mariage fair subir à son conjoint.Ce dernier ne peut demander des dommages-intérêts qu’àl’occasion de l’action en divorce.”442

Passou a doutrina francesa a distinguir dois fundamentos legais para a

reparação de danos no divórcio: pelo artigo 266, é reconhecida a

439 Alex Weill. Droit civil: les personnes, la famille, les incapacitès, Paris: Dalloz, 1970, p. 270-271.440 “Artigo 1.382 - Qualquer feito da pessoa que cause a outrém um dano, obrigará àquela por cuja

culpa se causou, a repará-lo. Artigo 1383 - Cada qual será responsável pelo dano que causounão somente por sua atuação, senão também por sua negligência ou por sua imprudência.”(François Jacob. Code Civil, Paris: Dalloz, 2002, p.1.130). (nossa tradução).

441 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 249.442 “Artigo 266 - Quando o divórcio é decretado por culpa exclusiva de um dos cônjuges, este

poderá ser condenado na indenização do prejuízo material ou moral que a dissolução docasamento submeteu ao seu cônjuge. Este último não pode demandar por indenização, a nãoser por ocasião da ação de divórcio.” (François Jacob. Code Civil, cit., p. 282). (nossa tradução).

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responsabilidade civil aplicada às causas dissolutórias do matrimônio e o artigo

1.382 rege os danos decorrentes de grave violação dos deveres conjugais.443

Nesse sentido, dispõe Alain Bénabent que essas perdas e danos têm na

realidade dois fundamentos jurídicos: o artigo 266, pelo prejuízo aliado à

dissolução em si do casamento, mas somente em casos de divórcio por culpa

exclusiva, e não a cargo do demandante, nos casos de ruptura da vida em

comum; e o artigo 1.382, para todos os outros prejuízos.444

Idêntico entendimento é o esposado pelos tribunais franceses:

“DIVÓRCIO, artigo 266 c.civ. O decreto do divórcio e a outorga deuma prestação compensatória não têm por objeto a reparação deum prejuízo, as perdas e danos previstas no artigo 266 c.civ.reparam o prejuízo independentemente da disparidade dascondições de vida dos esposos, e os previstos pelo artigo 1.382reparam o prejuízo resultante de todas as outras circunstâncias.”(Civ. 2ª, 12 jun. 1996: Bull, civ II, n. 1.382 que 149; RTD civ. 1996,886, obs. Hauser).

“O decreto do divórcio por culpa recíproca não afeta o princípio dodireito à reparação de um esposo pela atitude escandalosa de seuconsorte durante o casamento, prejuízo distinto daquele resultanteda dissolução do vínculo conjugal.” (Civ. 2ª, 12 jan. 1984: Gaz.Pal. 1984. 2 Panor. 200. obs. Grimaldi. 28 fev. 1996: Bull. Civ.II n.47, RTD civ. 1996, 372, obs. Hauser, violências cometidas por umcônjuge).445

Os danos patrimoniais que afetam ao ex-cônjuge pela quebra do vínculo

conjugal, que tiveram por fundamento o artigo 266, podem ser cumulados em

suas duas espécies – morais e materiais.446

À primeira vista, tais fundamentos podem parecer idênticos, porém, de

acordo com os doutrinadores franceses, são distintos. A regra do artigo 226

fundamenta a reparação de danos decorrentes da própria ruptura do vínculo

conjugal, exigindo-se como requisitos de sua obtenção que o divórcio tenha sido

443 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,

cit., p. 23.444 Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 285.445 François Jacob. Code Civil, cit., p. 1.132.446 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit.,p.

184.

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164

pronunciado pela culpa exclusiva do cônjuge que causou os prejuízos447. Tal

reparação, nos termos do artigo 266, conforme redação que lhe foi dada pela Lei

2.004-439, de 26.05.2004, não pode ser iniciada senão por ocasião da ação de

divórcio.448

Os danos que se enquadram no artigo 266 são de ordem moral,

consistentes no prejuízo para o cônjuge inocente, diante do fato de ter sofrido

ofensas do outro, assim como na solidão onde ele se encontrou ou se encontra

ainda, por cuidar das crianças.449

Os danos materiais, segundo Bénabent, normalmente são ressarcidos

através da prestação compensatória450. Contudo, há outros elementos materiais

que podem constituir um prejuízo para o cônjuge inocente: verifica-se com certa

freqüência, por exemplo, a perda pelo cônjuge inocente de um certo tipo de

vida.451

Já o artigo 1.382 tem por fundamento a reparação dos danos decorrentes

da própria causa do divórcio, isto é, do descumprimento de um dever conjugal.

Tais danos podem ser de ordem moral ou material, e sua reparação tem

cabimento tanto no divórcio por culpa exclusiva, quanto no de culpa recíproca.452

Constatamos assim que, embora parte dos nossos doutrinadores defenda

tal possibilidade, o fato da legislação nacional não contar com tal norma expressa

tem dificultado o reconhecimento pelos nossos tribunais da possibilidade de

reparabilidade dos danos decorrentes da mera ruptura do vínculo do casamento,

sem a incidência de qualquer ato culposo por parte do cônjuge que pretenda a

separação.

447 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 252.448 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

183.449 Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 285.450 Prestação compensatória, segundo Gérard Cornu, é uma peça matriz da reforma do divórcio,

uma pedra angular da “política de concentração” (Carbonier). Ela é comum ao divórcio por culpa,por dupla confissão e por pedido conjunto. A função legal dessa prestação é compensar, tantoquanto possível, a disparidade que a ruptura do casamento criou entre as condições de vidarespectivas, previstas no artigo 270 do Código Civil (Droit civil: la famille, cit., p. 528).

451 Alain Bénabent. Droit civil: la famille, cit., p. 285.452 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 253.

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Buscando essa reparabilidade, o Projeto de Lei n. 276/2007 propõe a

alteração do artigo 927, para acrescentar-lhe mais um parágrafo com o seguinte

teor: “§ 2º - Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às

relações de família.”453

6.3.3.2 Direito português

O direito de família português adotou desde sua origem o regime

patriarcal, assim como o direito brasileiro, já que este decorreu daquele. Contudo,

passou a codificação civil desse país por uma reforma em 1966, que culminou

com a edição de um novo diploma civil, no qual igualaram-se os cônjuges em

direitos e deveres, tendo sido estabelecida norma expressa de reparação

indenizatória vinculada aos danos por ruptura do casamento.454

Na Constituição da República de 1976, foi consagrado o princípio da

igualdade de direitos e deveres dos cônjuges quanto à capacidade civil e política

e à manutenção e educação dos filhos, nos termos do artigo 36º, n. 3.

Assim, como os novos princípios constitucionais conflitavam com o

regramento das relações matrimoniais estabelecidas no Código Civil português de

1966, em sua versão original, o Decreto-Lei n.496, de 25.11.1977, adaptou aquele

diploma legal à nova ordem constitucional, com profunda revisão da matéria

relativa aos efeitos do matrimônio e sua dissolução.455

Os artigos que tratam das sanções patrimoniais impostas ao cônjuge

culpado pelo divórcio tiveram sua redação alterada pelo Decreto-Lei n. 496/77,

453 Conforme justificativa que acompanha o Projeto de Lei n. 276/2007, a sugestão de alteração é

de Regina Beatriz Tavares da Silva (Disponível em: <www.camara.gov.br>. Acesso em: 09 jan.2008.

454 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,cit., p. 26.

455 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,cit., p. 27.

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tendo sido ela mantida, mesmo após a última reforma pela qual passou o direito

português, em 2003.456

Temos assim que, na reforma de 1977 operada no direito de família,

dedicou o legislador português especial atenção às relações conjugais,

acrescentando os deveres de respeito e cooperação aos já tradicionais deveres

de fidelidade, coabitação e assistência, bem como estabeleceu regras sobre a

reparação de danos não patrimoniais decorrentes da dissolução do casamento,

demonstrando a preocupação da legislação portuguesa, tanto com a igualdade

dos cônjuges, quanto com a responsabilidade que devem ter os consortes no

matrimônio e em sua dissolução.457

Impôs assim a legislação portuguesa, nos artigos 1.790º e 1.791º,

severas penas de ordem pecuniária ao cônjuge considerado único ou principal

culpado pela dissolução do casamento, o que não se confunde com a reparação

de danos prevista no artigo 1.792º, que dispõe que o cônjuge declarado único ou

principal culpado, ou mesmo aquele que pediu o divórcio com fundamento na

ruptura da vida em comum em decorrência de doença mental do outro cônjuge,

prevista no artigo 1.781º, “c”, deve reparar os danos não patrimoniais causados

ao outro cônjuge pela dissolução do casamento.458

Contudo, para uma melhor compreensão das regras sobre a reparação de

danos na dissolução do casamento no direito português, faz-se necessário

conhecer como se processa a separação e o divórcio.459

O divórcio e a separação judicial serão consensuais se requeridos por

ambos os cônjuges; e serão litigiosos, se fundados na violação dos deveres

conjugais, nos termos do artigo 1.779º do Código Civil português, que assim

dispõe:

456 Ana Cecília Parodi. Responsabilidade civil nos relacionamentos afetivos pós-modernos, cit., p.

185-187.457 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,

cit., p. 28.458 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 255.459 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,

cit., p. 30 e ss.

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“Artigo 1.779º (Violação culposa dos deveres conjugais)1. Qualquer dos cônjuges pode requerer o divórcio se o outroviolar culposamente os deveres conjugais, quando a violação,pela sua gravidade ou reiteração, comprometa a possibilidade davida em comum.2. Na apreciação da gravidade dos factos invocados, deve otribunal tomar em conta, nomeadamente, a culpa que possa serimputada ao requerente e o grau de educação e sensibilidademoral dos cônjuges.”460

Porém, não basta qualquer violação de dever conjugal, uma vez que o

próprio artigo citado indica os requisitos necessários: gravidade ou reiteração, e

que comprometa a vida em comum.

Já o artigo 1.787º define o regramento sobre a declaração do cônjuge

culpado, assim dispondo:

“Artigo 1.787º (Declaração do cônjuge culpado)1. Se houver culpa de um ou de ambos os cônjuges, assim odeclarará a sentença; sendo a culpa de um dos cônjugesconsideravelmente superior à do outro, a sentença deve declararainda qual deles é o principal culpado.2. O disposto no número anterior é aplicável mesmo que o réu nãotenha deduzido reconvenção ou já tenha decorrido, relativamenteaos factos alegados, o prazo referido no artigo 1786º.”

Contrariamente à tendência da nossa legislação de enfraquecimento dos

efeitos da culpa na separação, a decretação da culpa no direito português gera

graves conseqüências patrimoniais, como se verá adiante.

Pelo artigo 1.781º, alíneas “a” e “b”, pode ser promovida ação litigiosa

objetivando a extinção da relação matrimonial, em decorrência da falência do

casamento:

“Artigo 1781º (Ruptura da vida em comum)São ainda fundamento do divórcio litigioso:a) A separação de facto por três anos consecutivos;b) A separação de facto por um ano se o divórcio for requerido porum dos cônjuges sem oposição do outro;

460 Código Civil português em texto integral atualizado até a Lei n. 6/2006, de 27.02.2006,

incorporando declaração de retificação 24/2006, de 17.04.2006 Disponível em:<www.portolegal.com/codigocivil.htm>. Acesso em: 06 jan. 2008.

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c) A alteração das faculdades mentais do outro cônjuge, quandodure há mais de três anos e, pela sua gravidade, comprometa apossibilidade de vida em comum;d) A ausência, sem que do ausente haja notícias, por tempo nãoinferior a dois anos.”

O que se percebe é que, embora essa causa de dissolução matrimonial

inspire-se na “falência” da sociedade conjugal, entendida como solução para uma

união fracassada, os artigos 1.782º e 1.783º do código civil português determinam

que na ação respectiva “o juiz deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a

haja”.

Prevê ainda o direito português a possibilidade de um dos cônjuges pedir

o divórcio em razão de alteração das faculdades mentais do outro, desde que

perdure por mais de 3 anos, mas, a exemplo dos direitos francês e alemão, como

visto anteriormente, contém a “cláusula de dureza” no artigo 1.784º, que permite

que o pedido seja indeferido caso se presuma que o divórcio agravará

consideravelmente o estado do enfermo.461

“Artigo 1782º (Separação de facto)1. Entende-se que há separação de facto, para os efeitos daalínea ‘a’ do artigo anterior, quando não existe comunhão de vidaentre os cônjuges e há da parte de ambos, ou de um deles, opropósito de não a restabelecer.2. Na acção de divórcio com fundamento em separação de facto,o juíz deve declarar a culpa dos cônjuges, quando a haja, nostermos do artigo 1.787º.Artigo 1.783º (Ausência)É aplicável ao divórcio decretado com fundamento em ausência odisposto no n. 2 do artigo anterior.”

Conta ainda o direito português, no artigo 1.786, 1 e 2, do Código Civil,

com norma sobre “caducidade da ação de divórcio”, regra essa que não encontra

similar em qualquer outra legislação.

461 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,

cit., p. 35.

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Aliás, a interpretação das normas contidas na legislação pátria corre em

sentido inverso, na medida que um dos requisitos para a propositura da

separação judicial culposa é o imediatismo, posto que, se decorrido o lapso

temporal de separação de fato, exigido tanto para a separação no artigo 1.572º,

parágrafo 1º, quanto para o divórcio direto no artigo 1.580º, parágrafo 2º, a

dissolução só poderá ser apreciada sob o aspecto objetivo, a saber, o decurso do

tempo, tornando-se irrelevantes os fatos que motivaram a ruptura da vida em

comum.

Conhece assim o direito português tanto a separação judicial quanto o

divórcio fundados na causa culposa, das quais decorrerão punições patrimoniais

ao cônjuge que, em razão de sua conduta reprovável, deu causa à separação ou

ao divórcio.462

Desse modo, para o direito português, o reconhecimento de uma dessas

espécies de culpa cresce em importância, no momento de se proceder à partilha

dos bens do casal, na fixação dos alimentos e na indenização dos danos

decorrentes da separação e do divórcio.463

Contrariamente ao que dispõe a legislação brasileira, na qual a culpa pela

separação não exerce qualquer influência na partilha dos bens do casal, no direito

português, conforme o artigo 1.790º, o regime de bens adotado no casamento é

modificado em face da culpa exclusiva ou principal de um dos cônjuges:

“Artigo 1.790º - O cônjuge declarado único ou principal culpadonão pode na partilha receber mais do que receberia se ocasamento tivesse sido celebrado segundo o regime dacomunhão dos adquiridos.”

462 Sob esse aspecto, também o direito brasileiro difere do direito português, uma vez que conhece

a modalidade culposa apenas na separação judicial, e ainda se promovida dentro do prazo deum ano da ruptura da vida em comum.

463 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,cit., p. 36.

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Pires de Lima e Antunes Varela464, ao comentarem esse artigo,

esclarecem que importa, para a correta aplicação da lei, que se confronte o

resultado que advém, para o cônjuge único ou principal culpado da aplicação do

regime que rege o casamento desfeito, na partilha dos bens, porque, só no caso

de o primeiro ser mais favorável à sua posição do que o segundo, é que a lei

manda aplicar o último (comunhão de adquiridos).

“Artigo 1.791º1. O cônjuge declarado único ou principal culpado perde todos osbenefícios recebidos ou que haja de receber do outro cônjuge oude terceiro, em vista do casamento ou em consideração do estadode casado, quer a estipulação seja anterior quer posterior àcelebração do casamento.2. O cônjuge inocente ou que não seja o principal culpadoconserva todos os benefícios recebidos ou que haja de receber dooutro cônjuge ou de terceiro, ainda que tenham sido estipuladoscom cláusula de reciprocidade; pode renunciar a esses benefíciospor declaração unilateral de vontade, mas, havendo filhos docasamento, a renúncia só é permitida em favor destes.”

Eduardo dos Santos, ao comentar o artigo 1791º, dispõe que a alínea n. 1

é uma sanção que a lei aplica ao cônjuge que deu causa ao divórcio e, por isso,

não se mostrou digno dos benefícios recebidos ou que teria a receber do outro

cônjuge ou de terceiro. Cita a definição dada por Pereira Coelho às liberalidades

que o legislador menciona no dispositivo analisado, como sendo: doações entre

pessoas casadas, entre vivos ou por morte, feitas pelo cônjuge inocente ao

culpado, em razão do casamento; doações entre cônjuges, mesmo que sejam

doações indiretas, feitas pelo primeiro ao segundo, já na constância do

casamento; deixas testamentárias, em forma de legado ou de instituição de

herdeiro, com que o cônjuge inocente tenha beneficiado o culpado. E também os

benefícios provenientes de terceiros, “em vista do casamento ou em consideração

do estado de casado”.465

Segundo Eduardo dos Santos, a sanção do artigo 1.790º opera de pleno

direito, sem necessidade de um ato revogação das liberalidades.

464 Pires de Lima; Antunes Varela. Código Civil anotado, 2. ed. rev. actual., Coimbra: Coimbra

Editora, 1992, v. 4, p. 562.465 Eduardo dos Santos. Direito da família, Coimbra: Almedina, 1999, p. 400.

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“Artigo 1.792º1. O cônjuge declarado único ou principal culpado e, bem assim, ocônjuge que pediu o divórcio com o fundamento da alínea ‘c’ doartigo 1.781º, devem reparar os danos não patrimoniais causadosao outro cônjuge pela dissolução do casamento.2. O pedido de indenização deve ser deduzido na própria ação dedivórcio.”

O artigo 1.792º, segundo Pires de Lima e Antunes Varela, é disposição

inteiramente nova introduzida pela reforma de 1977. A novidade traduz-se em

dupla originalidade.466

Primeiro, por prever a reparação dos danos morais, mesmo em casos em

que tenham fundamento a violação dos deveres conjugais, constituindo nessa

medida uma exceção à regra de que só o ilícito extracontratual obriga à reparação

de danos não patrimoniais.

Por outro lado, continuam os autores, admite a lei a ressarcibilidade dos

danos não patrimoniais, quando o divórcio tiver por fundamento a alteração da

saúde mental do outro cônjuge, fora, portanto, do âmbito do divórcio culposo,

admitindo a lei indenização independentemente da conduta ilícita do culpado.

Sob esse aspecto, o direito português se aproxima do brasileiro, ao fixar

sanção ao cônjuge que venha a pedir a separação em razão de doença mental do

outro, prevista no artigo 1.572, parágrafos 2º e 3º do Código Civil de 2002.

Vislumbram Pires de Lima e Antunes Varela a influência exercida pelo

direito francês, em especial o artigo 266 do Código Civil, na reforma do regime do

divórcio operada em Portugal pela reforma de 1977.

Em relação à alínea 2 do artigo 1.792º, esclarecem os autores que ela se

desdobra em duplo efeito. Se, por um lado, ela permite a cumulação do pedido de

dissolução do casamento com pretensão indenizatória, por outro, deduz-se um

princípio de preclusão da indenização, se não for requerida na ação de divórcio.

466 Pires de Lima; Antunes Varela. Código Civil anotado, cit., p. 567.

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Do texto legal, se depreende que os danos morais são os resultantes do

divórcio, não abrangendo os danos causados pelos fatos geradores do pedido de

divórcio.

Contudo, tal dispositivo legal não obsta, dizem os autores, a

ressarcibilidade, quer dos danos provenientes da violação dos deveres relativos

aos cônjuges, quer da violação dos direitos absolutos de que o cônjuge ofendido

já é titular. Esses danos deverão ser apreciados em ação autônoma, e não na de

divórcio, pois esta tem por objetivo fundamental a dissolução da relação

matrimonial.467

Contrariamente à legislação portuguesa e francesa, silente é a legislação

nacional sobre a possibilidade da cumulação das ações de separação litigiosa

culposa e de reparação de danos morais, assim como ainda não se encontra

pacificado pelos nossos tribunais o entendimento sobre a possibilidade de sua

cumulação.

“SEPARAÇÃO JUDICIAL – Litigiosa – Cumulação com pedidos dereparação por danos morais. Possibilidade – Competência daVara da Família para apreciação do pedido de indenização –Formulado pedido cumulado de indenização por danos morais ede separação judicial, decorrentes de violação de deveresconjugais, é competente o juiz da Vara da Família para apreciaros dois pedidos − Recurso parcialmente provido.” (TJSP − Agravode Instrumento n. 475.358-4/8-00/São Paulo, 7ª Câm. Dir. Priv.,rel. Luiz Antonio Costa, j. 28.03.2007, v.u.).

“COMPETÊNCIA – Foro − Pedidos – Cumulação – Indenizaçãopor dano moral fundado na conduta ilícita imputada ao réu epedido de separação judicial (litigiosa) – Ajuizamento perante oJuízo de Família – Impossibilidade – Pedidos que não podem sercumulados – Hipótese em que se busca exclusivamente efeitopatrimonial decorrente de infração aos deveres do casamento,não versando a lide matéria ligada à proteção da família –Competência do Juízo Cível reconhecida – Recurso desprovido.”(TJSP − Agravo de Instrumento n. 496.500-4/0-00/São Paulo, 10ªCâm. Dir. Priv., rel. Testa Marchi, j. 04.09.2007, v.u.).

467 Pires de Lima; Antunes Varela. Código Civil anotado, cit., p. 568.

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“COMPETÊNCIA – Separação judicial litigiosa – Pedido de danosmorais, cumulado com alimentos, veiculado por meio dereconvenção – Causa de pedir decorrente de relações familiares –Competência da Vara de Família e das Sucessões.” (TJSP −Agravo de Instrumento n. 136.366-4/1, 6ª Câm. Dir. Priv., rel.Mohamed Amaro, j. 15.06.2000).468

6.3.3.3 Direito peruano

O direito civil peruano adotou, na reforma pela qual passou em 1984, o

mais alto grau de reparabilidade, ao dispor, no artigo 351 do Código Civil:

“Artigo 351 - Se os fatos que determinaram o divórciocomprometem gravemente o interesse pessoal do cônjugeinocente, o juiz poderá conceder-lhe uma soma de dinheiro a títulode reparação de dano moral.”469

Deu assim o legislador peruano total indenizabilidade ao dano moral

sofrido pelo cônjuge inocente em sentença de separação judicial que reconheceu

ter o outro cônjuge violado gravemente os deveres do casamento, a ponto de ter

atingido sua dignidade e honorabilidade, ou sua auto-estima.470

Tanto o direito francês quanto o português e o peruano trazem norma

expressa sobre a reparabilidade dos danos decorrentes do desfazimento do

casamento.

Contrariamente, o nosso ordenamento legal não contém norma específica

sobre a matéria, mas, por outro lado, também não traz qualquer regra que

desautorize ou vede a reparação de danos morais ou materiais decorrentes do

descumprimento de dever oriundo do casamento.471

468 Revista Brasileira de Direito de Família, n. 7, out./nov./dez. 2000,p. 60.469 Inácio de Carvalho Neto. Responsabilidade civil no direito de família, cit., p. 256.470 Yussef Said Cahali. Dano moral, cit., p. 763-764.471 Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos. Reparação civil na separação e no divórcio,

cit., p. 160.

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Contudo, concordamos com a corrente que considera o casamento como

um contrato especial, dotado de conseqüências peculiares, mais profundas e

extensas do que as convenções de efeitos puramente econômicos, ou contrato de

direito de família, em razão das relações específicas por ele criadas, que envolve

valores fundamentais, dentre os quais a dignidade da pessoa humana.472

Nessas condições, tendo o casamento natureza especial, no qual os

deveres impostos são de ordem pública, posto que fixados em lei, diante de sua

violação, entendemos que deverão ser aplicados os princípios da

responsabilidade extracontratual, e para sua configuração será exigida a

caracterização do ato antijurídico, do dano e do nexo causal entre eles.

A nosso ver, a exclusão da culpa como causa de separação inviabiliza a

possibilidade de se obter a reparação do dano decorrente da violação dos

deveres do casamento, em especial nos casos que eles excederem à

normalidade, deixando o cônjuge agredido em seus direitos pessoais sem a

resposta legal a que faz jus.

472 Caio Mário da Silva Pereira. Instituições de direito civil: direito de família, cit., v. 5, p. 58.

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CONCLUSÃO

Através deste estudo, procuramos demonstrar que a evolução da família

no desenrolar da história da humanidade se confunde com a evolução da própria

sociedade, da qual decorre o Estado, entendido como entidade abstrata e

organizada administrativamente.

Ao longo dos séculos, família e Estado passaram por períodos de intensa

mudança, até chegar à configuração atual.

Assim como o direito, enquanto legitimador das relações humanas, a

sociedade vive em constante mutação, adaptando-se às transformações sociais

pelas quais passaram os povos, no desenvolver da história.

A família é uma instituição perene, natural e indestrutível que, mesmo

estando em constante mutação, posto que inserida num contexto social do qual

absorve as transformações decorrentes da evolução cultural, mantém íntegras as

suas responsabilidades frente à sociedade.

No contexto nacional, a Carta Política promulgada em 1988 atribuiu à

família responsabilidade vinculada à promoção do princípio fundamental da

dignidade humana, e merece especial atenção do Poder Público.

Independentemente da forma através da qual se constituiu a entidade

familiar, o Estado tem a obrigatoriedade de lhe conferir assistência e proteção. A

obrigatoriedade do Poder Público se dá hoje perante a família, considerando

todos seus membros, e não mais em face de um componente do agrupamento de

maneira isolada, como ocorria sob a ordem constitucional anterior.

O direito de família atualmente se encontra sedimentado em preceitos

constitucionais, esculpidos no artigo 226 da Carta Magna, passando pelo novo

Código Civil e demais leis infraconstitucionais pertinentes à matéria, que formam

o arcabouço jurídico responsável pela instrumentalização do direito de família,

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legalizando muitas vezes procedimentos que já desfrutavam de reconhecimento

social, sob o aspecto prático.

Em várias oportunidades, a lei reconheceu direitos que a sociedade já

havia incorporado como certos, e que clamava apenas pela sua regulamentação,

como foi o caso do reconhecimento e legalização do divórcio.

A Carta Política brasileira seguiu esse mecanismo, em especial no âmbito

do direito de família, na medida que reconheceu, além da família formada pelo

casamento, outras entidades familiares.

Fica assim evidente a incumbência do Poder Público de reconhecer os

fenômenos sociais e, através do direito e das normas jurídicas positivas, legitimar

condutas já incorporadas pela sociedade.

Se por um lado os cidadãos, por meio de seus pensamentos e suas lutas,

transformam a sociedade, por outro lado, incumbe ao Estado, através da

elaboração de normas jurídicas, regulamentar as condutas, tornando-as legais.

Assim, entendendo-se a família, o direito e a própria humanidade como

um todo no qual se desenvolvem os acontecimentos sociais que dão forma à

evolução da civilização, o Estado surge como elemento de integração que dá

estrutura formal a todas essas mudanças, transformando-as em normas legais.

Nessa medida, a força estruturante da culpa originalmente se assentava

na religião, que através dela garantia a indissolubilidade do vínculo do casamento,

cujo objetivo primeiro era a manutenção da incolumidade da família, vista como

instituição estruturadora da sociedade.

Em conseqüência da evolução pela qual passou a sociedade, a força

estruturante da culpa deixou de ter natureza religiosa, diante da laicização da

própria sociedade, que provocou a separação entre o Estado e a Igreja.

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Contudo, diante do longo período de influência religiosa exercido sobre a

sociedade, a concepção de culpa restou impregnada na consciência comum do

povo, que ainda conserva a idéia de que o casamento se realiza para ser mantido

até à morte. Aquele que age contrariamente a esse intento será culpado por

descumprimento de uma promessa feita. Nesse sentido, a culpa passa a ter por

fundamento não mais uma imposição religiosa, mas apenas um preceito moral.

Ante a dinâmica social, mesmo essa concepção moral da culpa vem

gradativamente cedendo espaço para a idéia de que o casamento não é mais um

ato celebrado para a eternidade e, portanto, é naturalmente dissolúvel, e que

ninguém pode ser considerado culpado por não mais sentir a afeição que um dia

o uniu ao outro pelos laços do casamento.

Há, portanto, uma evidente mudança na valoração do casamento, tanto

que o constituinte de 1988 foi sensível, a ponto de estender a proteção do Estado

a outros os tipos de família, além da formada pelo matrimônio. A mudança de foco

de proteção da família como instituição, para família como meio para o indivíduo

se realizar como pessoa humana, foi determinante para a ampliação dessa

proteção do Estado.

Contudo, há de se entender que toda mudança passa por um período de

amadurecimento, até sua completa sedimentação. Existem sociedades que

passam por esse processo de maneira mais rápida que outras, como é o caso da

Alemanha que, após longo período de maturação da idéia, e várias consultas à

população, optou por excluir a perquirição da culpa de seu ordenamento jurídico,

deixando como único fundamento à dissolução do casamento a ruptura da vida

em comum, a impossibilidade de continuidade da convivência conjugal.

Mas outras sociedades, como a brasileira, a francesa, a portuguesa e a

italiana, têm necessidade de manter o instituto da culpa, em razão do fundamento

axiológico que lhe dá respaldo.

Diante da análise do direito comparado, ficam evidentes os avanços pelos

quais passou o direito de família brasileiro. Embora a nossa sociedade tenha

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obtido sucesso no reconhecimento legal da possibilidade da dissolução do vínculo

conjugal apenas após atentar às mudanças empreendidas no direito alienígena,

desfrutamos de uma situação, na atualidade, mais avançada que a adotada nos

países que nos serviram de paradigma.

As mudanças trazidas, tanto pela Carta Magna de 1988, como pelo novel

Código Civil e pela legislação especial, dão mostras do grau de evolução pelo

qual vem passando a nossa sociedade, no sentido de diminuir o grau de

importância dado à culpa na dissolução das sociedades conjugais.

A perquirição da culpa no divórcio já foi excluída pela Constituição

Federal, no parágrafo 6º do artigo 226, tendo sido desferido o golpe final pelo

artigo 1.580, parágrafo 2º, do atual Código Civil, ao impedir qualquer referência da

causa da separação por ocasião da conversão em divórcio.

Pela quantidade de opções pelas quais é possível efetivar a dissolução da

sociedade e do vínculo conjugal que não a culposa, é manifesta a tendência da

sociedade em fundamentar, cada vez mais, os pedidos de separação na ruptura

da vida em comum ou na impossibilidade de continuidade da vida conjugal (arts.

1.572, §§ 1º e 2º e 1.573, parágrafo único).

Consideramos assim injustas as críticas lançadas contra o novo Código

Civil, no sentido de que se perdeu uma oportunidade para a completa eliminação

da culpa de nosso ordenamento jurídico, de vez que a espécie de separação

litigiosa fundada na culpa é ainda uma modalidade processual muito prestigiada

pela nossa sociedade, posto que continua sendo motivo de muitos embates

judiciais, longe, portanto, de cair no desuso ou esquecimento do povo.

O próprio dissenso doutrinário e jurisprudencial ainda vivo em nosso

meio, como demonstrado ao longo deste trabalho, deixa patente que a sumária

eliminação do sistema de culpas do direito de família é inoportuna. O consenso

sobre o fim da culpa na separação parecer estar ainda num horizonte distante.

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Razão assistiu a Miguel Reale que, para justificar a introdução de

alterações na codificação civil e a permanência de outras, assim se pronunciou

nos Excertos da Exposição de Motivos do Senhor Ministro de Estado da Justiça,

acerca do Anteprojeto do Código Civil:

“Não dar guarida no Código senão aos institutos e soluçõesnormativas já dotados de certa sedimentação e estabilidade,deixando para a legislação aditiva a disciplina das questões aindaobjeto de fortes dúvidas e contrastes, em virtude de mutaçõessociais em curso, ou na dependência de mais claras colocaçõesdoutrinárias, ou ainda quando fossem previstas alteraçõessucessivas para adaptações da lei a experiência social eeconômica.”

A justificativa apresentada pelo jusfilósofo restou confirmada através da

recém-promulgada Lei n. 11.441/2007 que, ao criar o novo procedimento para a

separação e o divórcio consensuais, abriu aos indivíduos mais uma modalidade

de dissolução da sociedade e do vínculo conjugal, em que não existe campo para

a discussão de eventual culpa entre os cônjuges sobre o fim do casamento.

A sociedade brasileira caminha a passos largos no sentido da completa

eliminação da culpa do cenário familiar brasileiro. Mas, nessa caminhada, todos

os operadores do direito têm grande parcela de responsabilidade. Os profissionais

da área, desde os bancos acadêmicos, são incentivados no sentido da cultura da

litigiosidade, chegando por vezes até mesmo a incentivá-la, em benefício do

processo.

A nosso sentir, essa tendência tem perdido espaço, em especial nas

questões de família, com o crescimento da interdisciplinaridade. O profissional do

direito não pode esquecer que, em matéria de direito de família, sua atuação pode

provocar conseqüências diretas à vida das pessoas, motivo pelo qual é dele

exigida maior sensibilidade do que conhecimento técnico.

Quando um dos cônjuges, em meio de uma crise familiar, busca

orientação jurídica, é fundamental a postura adotada pelo profissional nesse

momento, para que coloque de maneira cristalina ao cidadão que o procura os

caminhos possíveis para solução do conflito, deixando claro que a forma litigiosa

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de buscar um culpado terá como resultado apenas uma maior dor e sofrimento

para todos os envolvidos no litígio, e jamais significará a compensação pelo afeto

e tempo passados.

Compete a ele demonstrar que a melhor maneira de resolver o conflito é

pelo diálogo, pela conciliação, ou mesmo pela conscientização de que aquela vida

em comum chegou ao fim. E, portanto, o melhor a fazer é organizar o que restou

da convivência passada, e então partir para um novo começo. Somente assim se

estará contribuindo para o atendimento ao preceito fundamental de respeito à

dignidade da pessoa humana.

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ANEXOS

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ANEXO I −−−− PROJETO DE LEI N. 276/2007473

Altera o Código Civil, instituído pela Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de

2002.

O Congresso Nacional decreta:

Artigo 1º - Esta lei dá nova redação aos artigos 2º, 11, 12, 43,66, 151, 224, 243,

244, 246, 262, 273, 281, 283, 294, 299, 300, 302, 306, 309, 328, 338, 421, 422,

423, 425, 429, 450, 456, 471, 472, 473, 474, 475, 478, 479, 480, 482, 496, 502,

506, 533, 549, 557, 558, 559, 563, 574, 576, 596, 599, 602, 603, 607, 623, 624,

625, 633, 637, 642, 655, 765, 788, 790, 872, 927, 928, 931, 944, 947, 949, 950,

953, 954, 966, 977, 999, 1053, 1060, 1086, 1094, 1099, 1158, 1160, 1163, 1165,

1166, 1168, 1196, 1197, 1204, 1210, 1228, 1273, 1274, 1276, 1316, 1341, 1347,

1352, 1354, 1362, 1365, 1369, 1371, 1374, 1378, 1379, 1434, 1436, 1456, 1457,

1473, 1479, 1481, 1512, 1515, 1516, 1521, 1526, 1561, 1563, 1573, 1574, 1575,

1576, 1581, 1583, 1586, 1589, 1597, 1601, 1605, 1606, 1609, 1614, 1615, 1618,

1623, 1625, 1626, 1628, 1629, 1641, 1642, 1660, 1665, 1668, 1694, 1700, 1701,

1707, 1709, 1717, 1719, 1721, 1722, 1723, 1725, 1726, 1727, 1729, 1731, 1736,

1768, 1788, 1790, 1800, 1801, 1815, 1829, 1831, 1834, 1835, 1848, 1859, 1860,

1864, 1881, 1909, 1963, 1965, 2002, 2038 e 2045 da Lei n. 10.406, de 10 de

janeiro de 2002, que "institui o Código Civil”, e acrescenta dispositivos ao mesmo

diploma legal.

(...)

“Artigo 927 - (...)

§ 1º - (...)

§ 2º - Os princípios da responsabilidade civil aplicam-se também às relações de

família.” (NR)

“Artigo 1.573 - (...)

I- infidelidade;

(...)

IV - abandono voluntário do lar conjugal;

(...).” (NR)

473 Do deputado Léo Alcântara. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso em: 09 jan.

2008.

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196

“Artigo 1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos

cônjuges, manifestado perante o juiz, sendo por ele devidamente homologada a

convenção.

(...).” (NR)

(...)

“Artigo 1.694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos

outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade.

(...)

§ 3º - A obrigação de prestar alimentos entre parentes independe de ter cessado

a menoridade, se comprovado que o alimentando não tem rendimentos ou meios

próprios de subsistência, necessitando de recursos, especialmente para sua

educação.” (NR)

(...)

“Artigo 1.707 - Tratando-se de alimentos devidos por relação de parentesco, pode

o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar ao direito a alimentos.

Parágrafo único - O crédito de pensão alimentícia, oriundo de relação de

parentesco, de casamento ou de união estável, é insuscetível de cessão, penhora

ou compensação.” (NR)

JUSTIFICAÇÃO

Trata-se de reapresentar proposição da lavra do deputado Ricardo Fiúza, de

perene memória, que tramitou nesta Casa, durante a legislatura passada, à

exceção da modificação então alvitrada para o artigo 1.361, a qual foi por nós

retirada, porquanto entendemos que a matéria encontra-se satisfatoriamente

regrada. Foram retiradas, igualmente, as alterações aos artigos 286 e 369, haja

vista que as mesmas tinham ligação com o artigo 374, o qual foi revogado. Em

homenagem àquele eminente parlamentar, reproduzirmos, adiante, a justificação

então apresentada por ele. “Inicialmente cumpre-me esclarecer que o presente

projeto de lei não tem por objetivo a reforma do Código Civil, o que seria uma

contradição , já que exercemos a relatoria geral do Projeto n. 634/75 , que deu

origem à Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Na verdade, o que se pretende

com a presente proposta é a complementação de alguns dispositivos, cuja

modificação não foi possível fazer anteriormente, face aos impedimentos

regimentais já longamente expostos, quando da votação final do Projeto de Lei n.

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197

634. A apresentação deste projeto de lei foi um compromisso que assumi perante

a sociedade brasileira e especialmente perante o Congresso Nacional.

Comprometi-me a que, logo após sancionado o novo Código Civil,

apresentaríamos um projeto, aperfeiçoando alguns pontos que não poderiam ter

sido alterados naquele momento, pois, ou não haviam sido objeto de emendas

pelo Senado Federal e, portanto, já estavam aprovados pelas duas Casas do

Congresso, ou não se enquadravam nos estreitos limites da Resolução n. 01, de

2000, do Congresso Nacional, que só me permitiu a mera atualização de

dispositivos que estivessem em manifesto descompasso com a legislação editada

posteriormente ao início da tramitação do Projeto de Lei n. 634/75. Ocorre que

muitos artigos, embora não entrassem, necessariamente, em confronto com

qualquer dispositivo de lei posterior, exigiam aprimoramento. Sem falar em várias

omissões que identifiquei e que a Resolução n. 1 não me permitiu suprir. A

continuidade do árduo trabalho empreendido para dotar o país de um Código Civil

moderno, atualizado e pronto para responder aos anseios e necessidades da

sociedade do século XXI impõe-se. É sabido que as leis dirigem-se

preponderantemente ao futuro, e ainda mesmo quando se valem da

retroatividade, não modificam, evidentemente, os fatos pretéritos, mesmo porque

não se pode mudar o passado, mas resumem-se, no dizer de Ferrara, ao início do

seu Tratado, em “atribuir efeitos jurídicos novos a fatos pretéritos” Exige-se,

agora, do Congresso Nacional, a conclusão do processo de codificação, a fim de

possibilitar a completa inserção Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002, no

momento presente, de onde poderá projetar-se para o futuro. Registre-se,

finalmente, que as alterações propostas, antes de desvirtuar, completam e

finalizam o processo de codificação. Lembro que com o Código Civil de 1916

aconteceu a mesma coisa. Ou seja, pouco tempo após a sua entrada em vigor, foi

aprovado o Decreto Legislativo n. 3.725, de 15 de janeiro de 1919, modificando a

redação de mais de 200 (duzentos) dispositivos do velho código. As modificações

propostas, todas modernizadoras do texto aprovado, foram resultado de um longo

trabalho de pesquisa que empreendi, auxiliado por renomados juristas deste País,

aos quais não posso deixar de fazer a devida referência. Reuni em meu escritório

um grupo de notáveis especialistas para , em conjunto com este parlamentar,

discutirmos, tema por tema, o que ainda poderia ser feito para aprimorar o texto,

transformando as sugestões acatadas no presente projeto de lei , que ora

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198

apresento à Câmara dos Deputados, o qual, se aprovado nas duas Casas ainda

no decorrer do ano de 2002, poderá entrar em vigor concomitantemente com o

novo Código Civil, ao fim da vacatio legis. Se alcançarmos esse objetivo,

provando à sociedade brasileira que a proximidade das eleições gerais não

constitui óbice a que seus representantes cumpram com seus deveres, faremos

com que o novo Código Civil entre em vigor no estágio mais próximo possível do

que se poderia chamar de “obra humana perfeita”, em termos de elaboração

legislativa. Entretanto, teria sido absolutamente impossível, não somente face à

magnitude do trabalho, bem como à responsabilidade que o mesmo encerra,

haver concluído o presente projeto de lei, em tão pouco tempo, considerando as

inúmeras questões que a análise suscitou, sem o fundamental concurso de

inúmeros professores, magistrados, Faculdades de Direito e de tantos quantos

emitiram suas críticas pela imprensa ou diretamente a este Deputado remeteram

sugestões por escrito. Mas seria injusta a generalização, sem o destaque especial

e o merecido registro a alguns que, com completo e absoluto desprendimento, me

auxiliaram na análise minuciosa que fiz em cada um dos 2.046 artigos da Lei n.

10.406/2002. Na Parte Geral contribuiu a professora Maria Helena Diniz; no

Direito das Obrigações, destacaram-se o advogado e jurista Mário Luiz Delgado

Régis e o Desembargador Jones Figuerêdo Alves. No tema Responsabilidade

Civil, recebi a colaboração e as inestimáveis sugestões da professora Regina

Beatriz Tavares da Silva; no Direito das Coisas, participaram os professores

Carlos Alberto Dabus Maluf e Joel Dias Figueira Jr. No Direito de Família, o Juiz

Alexandre Guedes Alcoforado Assunção e novamente a professora Regina

Beatriz Tavares da Silva. Finalmente, no Direito das Sucessões, o grande

professor Zeno Veloso. Além dos acima mencionados professores e juristas, devo

destacar ainda a imprescindível participação do professor Alvaro Villaça Azevedo,

sempre presente em todos os momentos da tramitação do projeto de lei que

originou o novo Código Civil e cujas substanciosas sugestões integram o presente

trabalho. Também nos remeteram sugestões os Professores Sérgio Niemeyer,

José Guilherme Braga Teixeira, Hélio Borghi, Rosely Benevides de Oliveira

Schwartz e Márcia Cristina dos Santos Rêgo. Registro específico seja feito ao

IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família que, através de Comissão

coordenada pelos Desembargadores Luiz Felipe Brasil Santos, Maria Berenice

Dias e ainda o advogado Rodrigo da Cunha Pereira, formulou importantes e

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199

construtivas críticas ao nosso trabalho. Igualmente devem ser destacadas as

propostas constantes dos trabalhos elaborados pela OAB - Ordem dos

Advogados do Brasil – Seção de São Paulo e CESA − Centro de Estudos das

Sociedades de Advogados, pela ABPI − Associação Brasileira da Propriedade

Intelectual, ANOREG – Associação dos Notários e Registradores e ainda pelos

advogados Cláudio Taveira, Marcelo José Lomba Valença, Guilherme da Rocha

Zambrano e Davi Lago. Cada um desses especialistas e entidades, em sua

respectiva área de atuação, teve participação ativa e decisiva na elaboração das

justificativas, que vão a seguir expostas:

(...)

49. Artigo 927: O texto que estamos propondo acrescentar como parágrafo ao

artigo 927 é sugestão da professora Regina Beatriz Tavares da Silva. Os

argumentos da citada professora para justificar a necessidade de inclusão desse

novo texto e aos quais me acosto inteiramente, são os seguintes: “Já que a

responsabilidade civil avança conforme progride a civilização, há necessidade de

constante adaptação desse instituto às novas necessidades sociais. Bem por

isso, as leis sobre essa matéria devem ter caráter genérico, como a regra a seguir

sugerida, e aos tribunais cabe delas extrair os preceitos para aplicá-los ao caso

concreto. Em suma, não se pode negar a importância da responsabilidade civil,

que invade todos os domínios da ciência jurídica, sendo o centro do direito civil e

de todos os demais ramos do direito, tanto de natureza pública quanto privada,

por constituir-se em proteção à pessoa em suas mais variadas relações. Dentre

as relações de caráter privado destacam-se as familiares, em que também devem

ser aplicados os princípios da responsabilidade civil, como já reconhecem a

doutrina brasileira (Mário Moacyr Porto, Responsabilidade civil entre marido e

mulher, in Responsabilidade civil: doutrina e jurisprudência, coord. Yussef Said

Cahali, São Paulo, Saraiva, 1984, p. 203; Carlos Alberto Bittar, Reparação Civil

por Danos Morais, 3ª ed., São Paulo, Revista dos Tribunais, 1999, p. 189; Carlos

Roberto Gonçalves, Responsabilidade Civil, 6ª ed., São Paulo, Saraiva, 1995, p.

71; José de Aguiar Dias, Da responsabilidade Civil, 6ª ed., Rio de Janeiro,

Forense, 1.979, v. II, p. 14/16) e a jurisprudência pátria (STJ – 3ª Turma, Recurso

Especial n. 37051, Relator Min. Nilson Naves, j. 17.04.2001; TJSP – 4ª Câmara

Civil, Apelação n. 220.943-1/1, Relator Des. Olavo Silveira, j. 09.03.1995; TJSP –

6ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 272.221.1/2, Relator Des. Testa

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200

Marchi, j. 10.10.1996; TJSP - 10ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Quaglia

Barbosa, j. 23.04.1996, in BAASP 2008/04-m, de 23.06.1997 e RJ 232/71; TJSP -

2ª Câmara de Direito Privado, Relator Des. Ênio Santarelli Zuliani, j. 23.02.1999,

in RT 765/191; TJSP – 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação n. 101.160-4/0,

Rel. Des. Osvaldo Caron, j. 19.09.2000; TJSP – 6ª Câmara de Direito Privado,

Rel. Des. Octavio Helene, j. 31.08.2000, in JTJ/SP 235/47). Embora as relações

familiares sejam repletas de aspectos, especialmente pessoais, afetivos,

sentimentais e religiosos, envolvendo as pessoas num projeto grandioso,

preordenado a durar para sempre, por vezes o sonho acaba, o amor termina, o

rompimento é inevitável. Nestas rupturas, são inúmeras as situações em que os

deveres de família são violados, com desrespeito especialmente aos direitos da

personalidade dos envolvidos nessas relações, a acarretar graves danos aos

membros de uma família. As sevícias, ofensivas à integridade física, e injúrias

graves, violadoras da honra, praticadas por um dos cônjuges contra o outro (v.

Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação Civil na Separação

e no Divórcio, São Paulo, Saraiva, 1999, p. 76- 79, 153 e 163-165); o atentado à

vida do convivente, configurado em contaminação de doença grave e letal ou em

abandono moral e material da companheira (v. Regina Beatriz Tavares da Silva

Papa dos Santos, Responsabilidade Civil dos Conviventes, Revista Brasileira de

Direito de Família, Porto Alegre, Síntese e IBDFAM, v. 1, n. 3, outubro/dezembro

de 1999, p. 36-39); o abandono moral e material pelo filho do pai idoso e enfermo;

a recusa quanto ao reconhecimento da paternidade, com conseqüente negação à

prestação de alimentos, embora haja a certeza desse vínculo de parentesco (v.

Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reflexões sobre o

reconhecimento da filiação extramatrimonial, Revista de Direito Privado, coord.

Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, São Paulo, Revista dos

Tribunais, n. 1, janeiro/março de 2000, p. 83 e 84); estes são alguns exemplos de

desrespeito aos direitos da personalidade no seio familiar. Os lesados nessas

circunstâncias, dentre tantas outras, em obediência ao princípio da proteção à

dignidade da pessoa humana, merecem a devida reparação pelos danos sofridos.

Recorde-se que o princípio da reparação de danos encontra respaldo na defesa

da personalidade, ‘repugnando à consciência humana o dano injusto e sendo

necessária a proteção da individualidade para a própria coexistência pacífica da

sociedade‘, de modo que ‘a teoria da reparação de danos ou da responsabilidade

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201

civil encontra na natureza do homem a sua própria explicação’ (v. Carlos Alberto

Bittar, Reparação Civil por Danos Morais, cit., p. 13-28). Por fim, salientamos que

a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil ao Direito de Família tem

amplo respaldo constitucional, precisamente na cláusula geral de proteção à

dignidade humana, constante do artigo 1º, inciso III da Lei Maior. E outro

relevante dispositivo da Constituição Federal que fundamenta a tese reparatória

no Direito de Família é o artigo 226, parágrafo 8º, ao estabelecer que ‘O Estado

assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram,

criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações.’

Remissão deve ser feita ao artigo 185 do novo Código Civil, que estabelece:

‘Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar

direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato

ilícito’, sendo, evidentemente, ato ilícito aquele praticado em violação a um dever

de família. Inobstante haja a aplicabilidade dos princípios da responsabilidade civil

às relações de família com base nesta regra geral, deve ser explicitamente

estabelecida a regra a seguir proposta, como ocorre no Direito Francês (Código

Civil, art. 266) e Português (Código Civil, art. 1.792), dentre outros ramos do

Direito Comparado. Em suma a responsabilidade civil é verdadeira tutela privada

à dignidade da pessoa humana e a seus direitos da personalidade, inclusive na

família, que é centro de preservação do ser humano, antes mesmo de ser havida

como núcleo essencial da nação. Conclui-se que a teoria da responsabilidade civil

visa ao restabelecimento da ordem ou equilíbrio pessoal e social, inclusive em

relações familiares, por meio da reparação dos danos morais e materiais oriundos

da ação lesiva a interesse alheio, único meio de cumprir-se a própria finalidade do

Direito, que é viabilizar a vida em sociedade, dentro do conhecido ditame de

neminem laedere.”

(...)

98. Artigo 1.573: A sugestão é da professora Regina Beatriz Tavares da Silva. Diz

ela que “deve ser modificado o seu inciso IV, que refere o abandono do lar pelo

prazo de um ano, prazo este que não se aplica desde a Lei n. 6.515/77; anote-se

que esta exigência de duração do abandono do lar por um ano, para possibilitar o

pedido de separação judicial culposa, está em contradição com os requisitos da

união estável, que possibilitam sua constituição diante de separação de fato no

casamento de um dos conviventes (art. 1.723, § 1º); deste modo, o cônjuge pode,

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202

separado de fato, constituir união estável, mas não lhe é possibilitada a

propositura de ação de separação judicial para buscar a regularização de seu

estado civil, se abandonado por período inferior a um ano.” Também procedeu-se,

no inciso I, a substituição da palavra “adultério” por “infidelidade” cujo conceito é

bem mais amplo e bem mais compatível e adequado ao rol meramente

exemplificativo constante do artigo 1.573.

99. Artigo 1.574: A presente proposta foi também encaminhada pela professora

Regina Beatriz Tavares da Silva. Realmente deve ser eliminado o prazo de

duração do casamento para a decretação da separação consensual, inclusive em

face da diretriz do Código Civil de intervenção mínima nas relações familiares.

Saliente-se que embora a Constituição Federal, no artigo 226, parágrafo 6º,

impossibilite a decretação do divórcio direto se não houver separação de fato por

dois anos, esta vedação constitucional inexiste no que se refere à separação

judicial. Observe-se, também, que a separação de fato do casal possibilita a

constituição de união estável, conforme artigo 1.723, parágrafo 1º, não fazendo

sentido, também por isto, vedar a separação consensual por falta do decurso do

prazo de um ano contado do casamento.

(...)

124. Artigo 1.694: Deve ser acolhida a proposta realizada pelo IBDFAM –

INSTITUTO BRASILEIRO DE DIREITO DE FAMÍLIA -, pela qual bem pondera

que é inadequado o atendimento à necessidades de educação do cônjuge ou do

companheiro. Ainda, conforme a mesma proposta, a expressão “compatível com

sua condição social” deve ser alterada e substituída por “digno”, já que a primeira

poderá ser interpretada como impossibilidade de diminuição do padrão de vida,

sabendo-se que, a depender da situação econômica e financeira dos envolvidos,

especialmente dentre aqueles com menos recursos, a diminuição do padrão de

vida é inevitável. No que tange ao parágrafo 3º , o que se propõe já vinha sendo

indicado pela doutrina de ponta. Na jurisprudência, igualmente, pacificou-se o

entendimento de que a prestação alimentar não devia subsistir até os 21 anos,

mas estender-se, com base no princípio da solidariedade familiar, além da

maioridade, se o necessitado não tem bens ou recursos e precisa pagar a sua

educação (RT, 698/156 ; 727/262). Como o Código reduziu para dezoito anos o

começo da maioridade, com maior razão este entendimento deve prosseguir e, ao

meu ver precisa ficar expresso no novo Código Civil.

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203

(...)

127. Artigo 1.707: A renúncia aos alimentos feita por cônjuge ou por companheiro

é legítima. Os alimentos somente são irrenunciáveis se decorrentes de

parentesco (jus sanguinis), sendo que o cônjuge e o companheiro não são

parentes. Esclarece Yussef Said Cahali que “como os cônjuges são maiores e

capazes, podendo eles, de comum acordo, dispensar a prestação, reconhece-se

ser lícito .... renunciar à pensão, sem direito de exigi-la posteriormente” (Yussef

Cahali, Divórcio e Separação, São Paulo, Revista dos Tribunais, 9ª ed., 2000, p.

228). Assim, mesmo com a edição da súmula 379 do STF: “No acordo de

desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados

ulteriormente, verificados os pressupostos legais”, os Tribunais Estaduais e o

Superior Tribunal de Justiça continuaram a decidir de forma diversa do

estabelecido no provimento sumular. A renunciabilidade dos alimentos no

casamento e, evidentemente, na união estável está mais do que consagrada na

jurisprudência, superada a súmula 379 do STF (STJ – 4ª Turma, - Recurso

Especial no. 94121/SP, Relator Min. Ruy Rosado de Aguiar, j. 27.08.1996; STJ –

3ª Turma, Recurso Especial no 85683/SP, Relator Min. Nilson Naves, j.

28.05.1996; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no 48550/SP, Relator Min.

Waldemar Zveiter, j. 25.10.1994; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no.

40408/SP, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 04.10.1994; STJ – 3ª Turma, Recurso

Especial no. 37151/SP, Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 13.06.1994; STJ – 3ª

Turma, Recurso Especial no. 19453/RJ, Relator Min. Waldemar Zveiter, j.

14.04.1992; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 17719/BA, Relator Min.

Eduardo Ribeiro, j. 16.03.1992; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 9286/RJ,

Relator Min. Eduardo Ribeiro, j. 11.11.1991; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial

no. 36749/SP, Relator Min. Carlos Alberto Menezes Direito, j. 23.08.1999. STJ –

4ª Turma, Recurso Especial no. 64449/SP, Relator Min. Bueno de Souza, j.

25.03.1999; STJ – 3ª Turma, Recurso Especial no. 95267/DF, Relator Min.

Waldemar Zveiter, j. 27.10.1997; STJ – 4ª Turma, Recurso Especial no.

33815/SP, Relator Min. Cesar Asfor Rocha, j. 24.06.1997; STJ – 3ª Turma,

Recurso Ordinário em Habeas Corpus no. 11690/DF, Relator Min. Nancy

Andrighi, j. 08.10.2001; STJ – 4ª Turma, Recurso Especial no. 254392/MT,

Relator Min. Cesar Asfor Rocha, j. 13.02.2001; STJ – 4ª Turma, Recurso Especial

no. 70630/SP, Relator Min. Aldir Passarinho Junior, j. 21.09.2000; RT 731/278; RT

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696/99; RT 563/210; TJ/SP – 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação no.

68.603.4/4, Relator Des. Linneu Carvalho, j. 10.03.1998; TJ/SP – 5ª Câmara de

Férias “B” de Direito Privado, Apelação no. 11.350.4/7, Relator Des. Marco César,

j. 09.08.1996; TJ/SP – 2ª Câmara de Direito Privado, Apelação no. 67.402-4/0,

Relator Des. J. Roberto Bedran, j. 10.03.1998; TJ/SP – 3ª Câmara de Direito

Privado, Agravo de Instrumento no. 090.676-4/2, Relator Des. Mattos Faria, j.

23.02.1999). Do jeito que está redigido a artigo 1.707, estaremos retornando ao

sistema da irrenunciabilidade, o que é um retrocesso que precisa ser corrigido,

razão pela qual é formulada a presente proposta.

Sala das Sessões, em 01 de março de 2007.

Deputado LÉO ALCÂNTARA

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ANEXO II −−−− PROJETO DE LEI N. 504/2007474

Altera e revoga dispositivos do Código Civil, que dispõem sobre

alimentos.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Artigo 1º - Esta Lei modifica disposições do Código Civil que tratam de alimentos.

Artigo 2º - Os artigos 1.694, 1.702, 1.709 da Lei 10.406 – Código Civil, de 10 de

janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

Artigo 1.694 - Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir

uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade.

§ 1º - (...)

Artigo 1.702 - Na separação, no divórcio, ou na dissolução da união

estável, sendo um dos cônjuges ou um dos companheiros desprovido de

recursos, prestar-lhe-á o outro a pensão alimentícia que o juiz fixar,

obedecidos os critérios estabelecidos no artigo 1.694.

Artigo 1.707 - O credor pode renunciar o direito a alimentos, salvo quando

a obrigação decorrer de relação de parentesco.

Parágrafo único - O crédito a alimentos é insuscetível de cessão,

compensação ou penhora.

Artigo 1.709 - A nova união do devedor não extingue a obrigação

alimentar anteriormente estabelecida.

Artigo 3º - Revogam-se o parágrafo 2º do artigo 1.964, e os artigos 1.704 e 1.705

da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de 2002.

Artigo 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

O presente Projeto de Lei nos foi sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de

Família, entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça,

psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito

474 Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso

em: 09 jan. 2008.

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das relações de família e na resolução de seus conflitos, idéia também defendida

pelo ilustre Deputado Antonio Carlos Biscaia.

Com efeito, o parágrafo segundo do artigo 1.694 do Código Civil insere na

demanda alimentar entre parentes e companheiros o questionamento da culpa,

criando um problema de difícil solução para o juiz, que será o de apurar se o

necessitado é ou não culpado pela sua necessidade. Além do mais é de

insuportável discriminação, pois estabelece critérios diferenciados para os

credores de alimentos : para uns, a proporção derivada da necessidade versus

possibilidade, para outros o indispensável para sua subsistência.

Cumpre corrigir a disposição do atual artigo 1.702, que prevê a concessão de

alimentos apenas na hipótese de separação judicial litigiosa, esquecendo que o

divórcio pode ser concedido de forma direta, sem prévia separação judicial, além

de o crédito a alimentos decorrer da dissolução da união estável.

Ademais, coerentemente com a tendência para a supressão do ultrapassado

princípio da culpa, cumpre afastar a repercussão desta no dimensionamento da

verba alimentar, o que impõe a revogação do artigo 1.704.

O artigo 1.705 do Código Civil é inteiramente desnecessário, discriminatório e

descontextualizado em um tempo onde estão abolidas quaisquer diferenças entre

os filhos em razão da espécie de relacionamento entretido pelos pais. É claro que

os filhos, havidos ou não de uma relação matrimonial, são, por óbvio, parentes

dos genitores, e, como tal, têm o direito a alimentos assegurado pelo artigo 1.694

do mesmo Código. Trata-se, por evidente, de regra que, originariamente de um

tempo em que tinha real significado, permaneceu indevidamente no Código.

Quanto ao artigo 1.707, é conhecida a controvérsia doutrinária e jurisprudencial

acerca da possibilidade de o cônjuge renunciar ao direito a alimentos, tendo sido

versada na Súmula n. 379 do Supremo Tribunal Federal. Todavia, a

jurisprudência atual e majoritária, inclusive do Superior Tribunal de Justiça,

orienta-se no sentido de admitir a renúncia a esse direito, entre cônjuges e

companheiros. Ressalve-se que a renúncia apenas não é possível em se tratando

de relação de parentesco.

Sala de Sessões, 19 de março de 2007

Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA)

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ANEXO III −−−− PROJETO DE LEI N. 507/2007475

Altera e revoga dispositivos do Código Civil, que dispõem sobre a culpa e

seus efeitos na separação dos cônjuges e dá outras providências

correlatas.

O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Artigo 1º - Esta Lei altera disposições do Código Civil que tratam sobre a culpa e

seus efeitos na separação dos cônjuges.

Artigo 2º - Os artigos 1.564, 1.571, 1.572, 1.578 da Lei n. 10.406 (Código Civil), de

10 de janeiro de 2002, passam a vigorar com a seguinte redação:

Artigo 1.564 - Quando o casamento for anulado por má-fé de um dos

cônjuges, este incorrerá:

I - na perda das vantagens havidas do outro cônjuge;

II - na obrigação de cumprir as promessas que lhe fez no pacto

antenupcial.

(...)

Artigo 1.571 - (...)

§2º - Na separação e no divórcio o juiz deverá incentivar a prática da

mediação familiar.

(...)

Artigo 1.572 - Qualquer dos cônjuges poderá propor a ação de separação

judicial, quando cessar a comunhão de vida.

1.574 - Dar-se-á a separação judicial por mútuo consentimento dos

cônjuges se o manifestarem perante o juiz, sendo por ele devidamente

homologada.

Parágrafo único - (...)

Artigo 1.578 - O cônjuge que tiver adotado o sobrenome do outro poderá

mantê-lo, após a separação judicial ou o divórcio.

475 Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso

em: 09 jan. 2008.

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Artigo 3º - Revogam-se os parágrafos 1º, 2º e 3º do artigo 1.5.72, os artigos

1.573, 1.575, e o inciso II do artigo 1.641 da Lei n. 10.406, de 10 de janeiro de

2002.

Artigo 4º - Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

O presente Projeto de Lei nos foi sugerido pelo Instituto Brasileiro de Direito de

Família, entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça,

psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito

das relações de família e na resolução de seus conflitos, idéia também defendida

pelo ilustre Deputado Antonio Carlos Biscaia.

Com efeito, a averiguação e a identificação de um culpado tem significado quando

o agir de uma pessoa coloca em risco a vida ou a integridade física, moral,

psíquica ou patrimonial de outrem ou de algum bem jurídico tutelado pelo Direito.

Assim, a segregação de quem comete um ato que pode ameaçar a segurança da

sociedade é a maneira eleita pelo Estado para assegurar a organização social.

No entanto, migrar o instituto da culpa para obter-se o desenlace do matrimônio

não tem qualquer justificativa. Revela-se de nítido caráter punitivo vedar ao

“culpado” a iniciativa do processo de separação, assegurando legitimamente

somente ao “inocente” para buscar a desconstituição do casamento (art. 1.572).

Ou seja, quem não tem motivo, quem nada tem a imputar contra o par

simplesmente precisa aguardar o prazo de um ano para buscar a separação (art.

1.572, § 1º) ou o decurso de dois anos para obter o divórcio (art. 1.580, § 2º). De

outro lado, se o autor não logra provar a responsabilidade do réu pelo fim do

casamento, o pedido de separação é desacolhido, ele perde a ação e as partes

continuam casadas mesmo depois de todo o desgaste de um processo judicial.

Não são exclusivamente esses os motivos que evidenciam o absurdo de o novo

Código Civil ter mantido e até tornado mais severa a necessidade de identificar

um culpado pela separação, impondo conseqüências de várias ordens.

A Constituição Federal é chamada de Constituição cidadã por priorizar a

dignidade da pessoa humana, consagrando como fundamentais os direitos à

privacidade e à intimidade, sendo a liberdade o pressuposto do Estado

Democrático de Direito. Há que reconhecer que não é somente paradoxal, mas é

nitidamente inconstitucional impor a quem busca a separação que inçada a

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privacidade e desnude a intimidade do outro, sem que se possa atinar a razão de

o Estado se imiscuir na vida privada de um casal e condicionar a desconstituição

do casamento à identificação de um culpado.

Cresce a perplexidade ao se perceber que tal exigência existe somente por

diminuto tempo. É que somente se impõe a comprovação da causa do fim do

vínculo matrimonial pelo período de um ano, pois, após decorrido esse lapso

temporal, qualquer um pode pedir a separação pelo só decurso desse interstício.

Mas, se o casal esperar mais um ano, é possível a qualquer um pedir o divórcio,

sem que caiba identificar a causa do desenlace do matrimônio. Há outra hipótese

em que a causa da separação perde a razão de ser. Quando da conversão da

separação em divórcio o culpado é absolvido, pois é vedado que a sentença

revele o motivo da separação (art. 1.580, § 1º).

No entanto, a lei não contempla a única causa que pode tornar insuportável a vida

em comum. Nenhuma das diversas hipóteses ressuscitadas pelo novo Código

Civil permite a identificação de um culpado. O que elenca a lei são meras

conseqüências de uma única causa. Somente comete adultério, tenta matar quem

não ama mais. O exaurimento do vínculo de afetividade é a única causa que leva

alguém a agredir, abandonar, manter conduta desonrosa. Tais atitudes são meros

reflexos do fim do amor.

A perquirição da culpa, além de ser de todo impertinente, tem seqüelas perversas,

que evidenciam que o interesse do legislador é simplesmente a mantença dos

sagrados laços do matrimônio, punindo quem dele quer se afastar. O culpado

perde a própria identidade, pois o uso do nome depende da benemerência do

inocente (art. 1.578). Ainda que não mais seja condenado a morrer de fome (art.

19 da Lei n. 6.515/77), o responsável pela separação irá receber alimentos tão-só

para assegurar a sobrevivência (art. 1.574, parágrafo único). Afora tal, a inocência

do sobrevivente garante-lhe direitos sucessórios ainda que separado de fato há

dois anos (art. 1.830).

Não bastasse tudo isso, não deixa de causar estranheza que toda essa

averiguação só cabe no processo de separação, sendo absolutamente

despicienda quando se tratar de união estável. Nada mais é preciso além da

identificação do termo final do período de convívio para a declaração do

desfazimento da entidade familiar extramatrimonial. Ainda que seja dolorido ver o

sonho do amor eterno desfeito, ninguém manda no coração e ninguém pode ser

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condenado por deixar de amar. Portanto, de todo descabida a mantença do

instituto da culpa para se chancelar a desconstituição do casamento, devendo ser

respeitada a vontade de cada um dos cônjuges. Se o amor descabe impor

prejuízos e perdas ou proclamar culpados.

A revogação do artigo 1.575 se impõe porque contraria a jurisprudência brasileira

consagrada e a orientação adotada no artigo 1.581. O seu parágrafo único diz o

óbvio, sendo desnecessário.

O inciso II do artigo 1.641 é atentatório à dignidade humana dos mais velhos, que

ficam impedidos de livremente escolher o regime de bens, ao se casarem, como

punição pela renovação do amor. Esse dispositivo é incompatível com os artigos

1º, III, e 5º, I, X e LIV da Constituição Federal.

Sala de Sessões, 19 de março de 2007

Deputado Sérgio Barradas Carneiro (PT/BA)

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ANEXO IV −−−− PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO N.

33/2007476

Altera o parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal, para

supressão do instituto da separação judicial.

As mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do

artigo60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte Emenda ao texto

constitucional:

Artigo 1º - O parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal passa a vigorar

com a seguinte redação:

Artigo 226 - (...)

§ 6º - O casamento civil pode ser dissolvido pelo divórcio consensual ou litigioso,

na forma da lei.

(...)

Artigo 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor na data de sua publicação.

JUSTIFICATIVA

A presente Proposta de Emenda Constitucional é uma antiga reivindicação não só

da sociedade brasileira, assim como do Instituto Brasileiro de Direito de Família,

entidade que congrega magistrados, advogados, promotores de justiça,

psicólogos, psicanalistas, sociólogos e outros profissionais que atuam no âmbito

das relações de família e na resolução de seus conflitos, idéia também defendida

pelo Nobre Deputado Antonio Carlos Biscaia (Rio de Janeiro).

Não mais se justifica a sobrevivência da separação judicial, em que se converteu

o antigo desquite. Criou-se, desde 1977, com o advento da legislação do divórcio,

uma duplicidade artificial entre dissolução da sociedade conjugal e dissolução do

casamento, como solução de compromisso entre divorcistas e antidivorcistas, o

que não mais se sustenta.

476 Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso

em: 09 jan. 2008.

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212

Impõe-se a unificação no divórcio de todas as hipóteses de separação dos

cônjuges, sejam litigiosos ou consensuais. A submissão a dois processos judiciais

(separação judicial e divórcio por conversão) resulta em acréscimos de despesas

para o casal, além de prolongar sofrimentos evitáveis.

Por outro lado, essa providência salutar, de acordo com valores da sociedade

brasileira atual, evitará que a intimidade e a vida privada dos cônjuges e de suas

famílias sejam revelados e trazidos ao espaço público dos tribunais, como todo o

caudal de constrangimentos que provocam, contribuindo para o agravamento de

suas crises e dificultando o entendimento necessário para a melhor solução dos

problemas decorrentes da separação.

Levantamentos feitos das separações judiciais demonstram que a grande maioria

dos processos são iniciados ou concluídos amigavelmente, sendo insignificantes

os que resultaram em julgamentos de causas culposas imputáveis ao cônjuge

vencido. Por outro lado, a preferência dos casais é nitidamente para divórcio que

apenas prevê a causa objetiva da separação de fato, sem imiscuir-se nos dramas

íntimos. Afinal, qual o interesse público relevante em se investigar a causa do

desaparecimento do afeto ou do desamor?

O que importa é que a lei regule os efeitos jurídicos da separação, quando o casal

não se entender amigavelmente, máxime em relação à guarda dos filhos, aos

alimentos e ao patrimônio familiar. Para tal, não é necessário que haja dois

processos judiciais, bastando o divórcio amigável ou judicial.

Sala de Sessões, 10 de abril de 2007

Deputado Sérgio Barradas Carneiro PT/BA

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ANEXO V −−−− PROJETO DE LEI N. 2.285/2007477

Dispõe sobre o Estatuto das Famílias.

O Congresso Nacional decreta:

TÍTULO I

DAS DISPOSIÇÕES GERAIS

Artigo 1º - Este Estatuto regula os direitos e deveres no âmbito das entidades

familiares.

Artigo 2º - O direito à família é direito fundamental de todos.

Artigo 3º - É protegida como família toda comunhão de vida instituída com a

finalidade de convivência familiar, em qualquer de suas modalidades.

Artigo 4º - Os componentes da entidade familiar devem ser respeitados em sua

integral dignidade pela família, pela sociedade e pelo Estado.

Artigo 5º - Constituem princípios fundamentais para a interpretação e aplicação

deste Estatuto a dignidade da pessoa humana, a solidariedade familiar, a

igualdade de gêneros, de filhos e das entidades familiares, a convivência familiar,

o melhor interesse da criança e do adolescente e a afetividade.

Artigo 6º - São indisponíveis os direitos das crianças, dos adolescentes e dos

incapazes, bem como os direitos referentes ao estado e capacidade das pessoas.

Artigo 7º - É dever da sociedade e do Estado promover o respeito à diversidade

de orientação sexual.

Artigo 8º - A lei do país em que tiver domicílio a entidade familiar determina as

regras dos direitos das famílias.

Parágrafo único. Não se aplica a lei estrangeira se esta contrariar os princípios

fundamentais do direito brasileiro das famílias.

Artigo 9º - Os direitos e garantias expressos nesta lei não excluem outros

decorrentes do regime e dos princípios adotados na Constituição, nos tratados e

convenções internacionais.

(...)

477 Do deputado Sérgio Barradas Carneiro. Disponível em: <http://www.camara.gov.br>. Acesso

em: 09 jan. 2008.

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214

TITULO III – DAS ENTIDADES FAMILIARES

SEÇÃO VII

DO DIVÓRCIO E DA SEPARAÇÃO

SUBSEÇÃO I

DO DIVÓRCIO

Artigo 54 - O divórcio dissolve o casamento civil.

§ 1º - O divórcio direto se dá após a separação de fato por mais de dois anos.

§ 2º - A separação de fato se configura quando cessa a convivência entre os

cônjuges, ainda que residindo sob o mesmo teto.

Artigo 55 - O divórcio pode ser litigioso ou consensual.

Parágrafo único - O divórcio consensual pode ser judicial ou extrajudicial.

Artigo 56 - A separação de fato põe termo aos deveres conjugais e ao regime de

bens.

SUBSEÇÃO II

DA SEPARAÇÃO

Artigo 57 - É facultado aos cônjuges pôr fim à sociedade conjugal, mediante

separação judicial ou extrajudicial.

§ 1º - A iniciativa da separação pode ser de um ou de ambos os cônjuges.

§ 2º - A separação de corpos pode ser deferida pelo juiz antes ou no curso do

processo.

§ 3º - A separação de corpos põe termo aos deveres conjugais e ao regime de

bens.

Artigo 58 - Após um ano da separação de corpos ou da separação judicial ou

extrajudicial, o divórcio pode ser requerido por um ou por ambos os cônjuges.

SUBSEÇÃO III

DISPOSIÇÕES COMUNS AO DIVÓRCIO E À SEPARAÇÃO

Artigo 59 - No divórcio e na separação são necessário:

I - definir a guarda e a convivência com os filhos menores ou incapazes;

II - dispor acerca dos alimentos;

III - deliberar sobre a manutenção ou alteração do nome adotado no casamento; e

IV - descrever e partilhar os bens.

Parágrafo único - A partilha de bens pode ser levada a efeito posteriormente.

Artigo 60 - O divórcio e a separação não modificam os direitos e deveres dos pais

em relação aos filhos.

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215

Artigo 61 - O pedido de divórcio ou de separação compete exclusivamente aos

cônjuges.

Parágrafo único - Quando um dos cônjuges estiver acometido de doença mental

ou transtorno psíquico, somente é possível o divórcio ou a separação judicial,

devendo o incapaz ser representado por curador, ascendente ou irmão.

Artigo 62 - O divórcio e a separação consensuais podem ser realizados por

escritura pública, com a assistência de advogado ou defensor público:

I - não tendo o casal filhos menores ou incapazes; ou

II - quando as questões relativas aos filhos menores ou incapazes já se

encontrarem judicialmente definidas.

(...)

TITULO VII – DO PROCESSO E DO PROCEDIMENTO

CAPÍTULO IV

DA DISSOLUÇÃO DA ENTIDADE FAMILIAR

SEÇÃO I

DA AÇÃO DE DIVÓRCIO

Artigo 168 - A ação de divórcio pode ser intentada por qualquer um dos cônjuges

ou por ambos.

§ 1º - O cônjuge acometido de doença mental ou transtorno psíquico será

representado por curador, ascendente ou irmão.

§ 2º - A inicial deverá ser acompanhada da certidão de casamento e certidão de

nascimento dos filhos.

Artigo 169 - Não tendo havido prévia separação, deve a inicial:

I - indicar a data da separação de fato;

II - identificar o regime de convivência com os filhos menores;

III - declinar a dispensa dos alimentos ou a necessidade de um dos cônjuges de

percebê-los;

IV - indicar o valor dos alimentos necessários à mantença dos filhos.

Artigo 170 - Ao receber a inicial, o juiz deve apreciar o pedido liminar de alimentos

provisórios.

Artigo 171 - Havendo filhos menores ou incapazes, deverá ser designada

audiência conciliatória.

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216

Artigo 172 - No divórcio consensual, não existindo filhos menores ou incapazes,

ou estando judicialmente decididas as questões a eles relativas, é dispensável a

realização de audiência.

SEÇÃO II

DA SEPARAÇÃO

Artigo 173 - Qualquer dos cônjuges pode propor a ação de separação.

Artigo 174 - Qualquer dos cônjuges, conviventes ou parceiros pode propor a ação

de separação de corpos.

§ 1º - A parte autora pode pleitear, justificadamente, sua permanência no lar ou

requerer o afastamento da parte-ré.

§ 2º - Havendo alegação da prática de violência doméstica, aplica-se a legislação

especial.

Artigo 175 - Na inicial da ação de separação deve a parte autora:

I -– indicar o regime de convivência com os filhos menores;

II - declarar que dispensa alimentos ou comprovar a necessidade de percebê-los;

III - indicar o valor dos alimentos necessários à mantença dos filhos.

Parágrafo único - A ação deve ser instruída com a certidão de casamento ou

contrato de convivência, se existir, e a certidão de nascimento dos filhos.

Artigo 176 - Ao receber a petição inicial, o juiz deve apreciar o pedido de

separação de corpos e decidir sobre os alimentos.

Parágrafo único - Não evidenciada a possibilidade de risco à vida ou a saúde das

partes e dos filhos, o juiz pode designar audiência de justificação ou de

conciliação para decidir sobre a separação de corpos.

Artigo 177 - Comparecendo a parte-ré e concordando com a separação de

corpos, pode a ação prosseguir quanto aos pontos em que inexista consenso.

(...)

TÍTULO VI

DOS ALIMENTOS

Artigo 115 - Podem os parentes, cônjuges, conviventes ou parceiros pedir uns aos

outros os alimentos de que necessitem para viver com dignidade e de modo

compatível com a sua condição social.

§ 1º - São devidos os alimentos quando o alimentando não tem bens suficientes a

gerar renda, nem pode prover, pelo seu trabalho, à própria mantença.

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217

§ 2º - Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do

alimentando e dos recursos do alimentante.

§ 3º - Os alimentos devidos aos parentes são apenas os indispensáveis à

subsistência, quando o alimentando der causa à situação de necessidade.

§ 4º - Se houver acordo, o alimentante pode cumprir sua obrigação mediante o

fornecimento de moradia, sustento, assistência à saúde e educação.

Artigo 116 - O direito a alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a

todos os parentes em linha reta, recaindo a obrigação nos mais próximos em

grau, uns em falta de outros, e aos irmãos.

Parágrafo único - A maioridade civil faz cessar a presunção de necessidade

alimentar, salvo se o alimentando comprovadamente se encontrar em formação

educacional, até completar vinte e cinco anos de idade.

Artigo 117 - Se o parente que deve alimentos em primeiro lugar não estiver em

condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de

grau imediato.

§ 1º - Sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem

concorrer na proporção dos respectivos recursos.

§ 2º - A responsabilidade alimentar entre parentes tem natureza complementar

quando o parente de grau mais próximo não puder atender integralmente a

obrigação.

Artigo 118 - Se, fixados os alimentos, sobrevier mudança da situação financeira

do alimentante, ou na do alimentando, pode o interessado requerer a exoneração,

a redução ou majoração do encargo.

Artigo 119 - A obrigação alimentar transmite-se ao espólio, até o limite das forças

da herança.

Artigo 120 - O crédito a alimentos é insuscetível de cessão, compensação ou

penhora.

Artigo 121 - Com o casamento, a união estável ou a união homoafetiva do

alimentando, extingue-se o direito a alimentos.

§ 1º - Com relação ao alimentando, cessa, também, o direito a alimentos, se tiver

procedimento indigno, ofensivo a direito da personalidade do alimentante.

§ 2º - A nova união do alimentante não extingue a sua obrigação alimentar.

(...)

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218

CAPÍTULO IX

DOS PROCEDIMENTOS DOS ATOS EXTRAJUDICIAIS

Artigo 244 - Os atos extrajudiciais devem ser subscritos pelas partes e pelos

advogados.

Parágrafo único - O advogado comum ou de cada uma das partes deve estar

presente no ato da assinatura da respectiva escritura.

SEÇÃO I

DO DIVÓRCIO

Artigo 245 - Os cônjuges podem promover o divórcio por escritura pública.

Parágrafo único - Os cônjuges devem apresentar as certidões de casamento e de

nascimento dos filhos, se houver.

Artigo 246 - Devem os cônjuges declarar:

I - a data da separação de fato;

II - o valor dos alimentos destinado a um dos cônjuges ou a dispensa de ambos

do encargo alimentar;

III - a permanência ou não do uso do nome;

IV - facultativamente, os bens do casal e sua partilha.

Parágrafo único - Não é necessária a partilha dos bens para o divórcio.

Artigo 247 - Havendo filhos menores ou incapazes, é necessário comprovar que

se encontram solvidas judicialmente todas as questões a eles relativas.

Artigo 248 - Lavrada a escritura, deve o tabelião enviar certidão ao Cartório do

Registro Civil em que ocorreu o casamento, para averbação.

§ 1º - A certidão do divórcio deve ser averbada no registro de imóvel onde se

situem os bens e nos registros relativos a outros bens.

§ 2º - O envio da certidão aos respectivos registros pode ser levado a efeito por

meio eletrônico.

Artigo 249 - A eficácia do divórcio se sujeita à averbação no registro do

casamento.

SEÇÃO II

DA SEPARAÇÃO

Artigo 250 - É facultada aos cônjuges a separação consensual extrajudicial.

Artigo 251 - A separação consensual extrajudicial de corpos cabe aos cônjuges,

aos conviventes e aos parceiros.

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Artigo 252 - A separação consensual pode ser levada a efeito por escritura

pública, na hipótese de:

I - Não existir filhos menores ou incapazes do casal;

II - Estarem solvidas judicialmente todas as questões referentes aos filhos

menores ou incapazes.

Artigo 253 - Na escritura deve ficar consignado o que ficou acordado sobre

pensão alimentícia, e, se for o caso, sobre os bens comuns.

JUSTIFICAÇÃO

É com grande satisfação que oferecemos à sociedade este Estatuto das Famílias.

Tal proposta é resultado da luta e esforço de todos os militantes da área de

Direito de Família, consolidada pela Doutrina e Jurisprudência pátria e no

entendimento de que a boa Lei é aquela que consagra uma prática já adotada

pela sociedade.

O Livro de Direito de Família do Código Civil de 2002 foi concebido pela

Comissão coordenada por Miguel Reale no final dos anos 60 e início dos anos 70

do século passado, antes das grandes mudanças legislativas sobre a matéria, nos

países ocidentais, e do advento da Constituição de 1988. O paradigma era o

mesmo: família patriarcal, apenas constituída pelo casamento; desigualdade dos

cônjuges e dos filhos; discriminação a partir da legitimidade da família e dos

filhos; subsistência dos poderes marital e paternal. A partir da Constituição de

1988, operou-se verdadeira revolução copernicana, inaugurando-se paradigma

familiar inteiramente remodelado, segundo as mudanças operadas na sociedade

brasileira, fundada nos seguintes pilares: comunhão de vida consolidada na

afetividade e não no poder marital ou paternal; igualdade de direitos e deveres

entre os cônjuges; liberdade de constituição, desenvolvimento e extinção das

entidades familiares; igualdade dos filhos de origem biológica ou socioafetiva;

garantia de dignidade das pessoas humanas que a integram, inclusive a criança,

o adolescente e o idoso. Nenhum ramo do Direito foi tão profundamente

modificado quanto o Direito de Família ocidental, nas três últimas décadas do

século XX.

Durante a tramitação do projeto do Código Civil no Congresso Nacional, após a

Constituição de 1988, o Senado Federal promoveu esforço hercúleo para adaptar

o texto - antes dela elaborado - às suas diretrizes. Todavia, o esforço resultou

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frustrante, pois não se poderia adaptar institutos que apenas faziam sentido como

expressão do paradigma familiar anterior à nova realidade, exigente de princípios,

categorias e institutos jurídicos diferentes. A doutrina especializada demonstrou à

saciedade a inadequação da aparente nova roupagem normativa, que tem gerado

intensas controvérsias e dificuldades em sua aplicação.

Ciente desse quadro, consultei o Instituto Brasileiro de Direito de Família -

IBDFAM, entidade que congrega cerca de 4.000 especialistas, profissionais e

estudiosos do Direito de Família, e que também tenho a honra de integrar, se uma

revisão sistemática do Livro IV da Parte Especial do Código Civil teria o condão

de superar os problemas que criou. Após vários meses de debates, a comissão

científica do IBDFAM, ouvindo os membros associados, concluiu que, mais do

que uma revisão, seria necessário um estatuto autônomo, desmembrado do

Código Civil, até porque seria imprescindível associar as normas de Direito

Material com as normas especiais de Direito Processual. Não é mais possível

tratar questões visceralmente pessoais da vida familiar, perpassadas por

sentimentos, valendo-se das mesmas normas que regulam as questões

patrimoniais, como propriedades, contratos e demais obrigações. Essa

dificuldade, inerente às peculiaridades das relações familiares, tem estimulado

muitos países a editarem códigos ou leis autônomas dos direitos das famílias.

Outra razão a recomendar a autonomia legal da matéria é o grande número de

projetos de leis específicos, que tramitam nas duas Casas Legislativas, propondo

alterações ao Livro de Direito de Família do Código Civil, alguns modificando

radicalmente o sentido e o alcance das normais atuais. Uma lei que provoca a

demanda por tantas mudanças, em tão pouco tempo de vigência, não pode ser

considerada adequada. Eis porque, também convencido dessas razões, submeto

à apreciação dos ilustres Pares o presente Projeto de Lei, como Estatuto das

Famílias, traduzindo os valores que estão consagrados nos princípios emergentes

dos artigos 226 a 230 da Constituição Federal. A denominação utilizada -

“Estatuto das Famílias” − contempla melhor a opção constitucional de proteção

das variadas entidades familiares. No passado, apenas a família constituída pelo

casamento - portanto única – era objeto do Direito de Família. Optou-se por uma

linguagem mais acessível à pessoa comum do povo, destinatário maior dessas

normas, evitando-se termos excessivamente técnicos ou em desuso. Assim, por

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exemplo, em vez de dizer “idade núbil” alude-se a casamento da pessoa

relativamente incapaz.

Casamento, regime de bens e divórcio - O Capítulo do casamento é o mais

extenso, dada a importância que a sociedade brasileira a ele destina,

sistematizando todas as matérias anexas ou conexas, de modo seqüenciado:

existência, validade, eficácia, regime de bens, divórcio e separação. A separação

dessas matérias feita pelo Código Civil, em direitos pessoais e direitos

patrimoniais, não foi bem recebida pela doutrina especializada, dada a

interconexão entre ele e o papel instrumental dos segundos. Além do mais,

considerando que cada cidadão brasileiro integra ao menos uma família, a lei

deve ser compreensível pelo homem comum do povo e não contemplar discutível

opção doutrinária.

Foram suprimidas as causas suspensivas do casamento, previstas no Código

Civil, porque não suspendem o casamento, representando, ao contrário,

restrições à liberdade de escolha de regime de bens. Os impedimentos aos

casamentos foram atualizados aos valores sociais atuais, com redação mais

clara.

Simplificaram-se as exigências para a celebração do casamento, civil ou religioso,

e para o registro público, com maior atenção aos momentos de sua eficácia.

Procurou-se valorizar a atuação do juiz de paz na celebração do casamento civil.

Suprimiu-se o regime de bens de participação final nos aquestos, introduzido pelo

Código Civil, em virtude de não encontrar nenhuma raiz na cultura brasileira e por

transformar os cônjuges em sócios de ganhos futuros reais ou contábeis,

potencializando litígios. Mantiveram-se, assim, os regimes de comunhão parcial,

comunhão universal e separação total. Por seu caráter discriminatório e

atentatório à dignidade dos cônjuges, também foi suprimido o regime de

separação obrigatório, que a Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal (STF)

tinha praticamente convertido em regime de comunhão parcial. Definiu-se, com

mais clareza, quais os bens ou valores que estão excluídos da comunhão parcial,

tendo em vista as controvérsias jurisprudenciais e a prática de sonegação de

bens que devem ingressar na comunhão.

Privilegiou-se o divórcio, como meio mais adequado para assegurar a paz dos

que não mais desejam continuar casados, definindo em regras simples e

compreensíveis os requisitos para alcançá-lo. Evitou-se, tanto no divórcio quanto

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na separação, a interferência do Estado na intimidade do casal, ficando vedada a

investigação das causas da separação, que não devem ser objeto de publicidade.

O que importa é assegurar-se o modo de guarda dos filhos, no melhor interesse

destes, a fixação ou dispensa dos alimentos entre os cônjuges, a obrigação

alimentar do não guardião em relação aos filhos comuns, a manutenção ou

mudança do nome de família e a partilha dos bens comuns.

A separação, o divórcio e a mudança de regime de bens extrajudiciais, mediante

escritura pública, receberam regulamentação mais detida, quanto à sua

facilitação, seus efeitos e à preservação dos interesses dos cônjuges e de

terceiros.

Alimentos - Os alimentos tiveram como matriz a máxima realização da

solidariedade familiar, eliminando-se os resquícios de causas ou condições

discriminatórias. Manteve-se a obrigação alimentar, infinitamente, entre os

parentes em linha reta e entre irmãos. Limitou-se em 25 anos a presunção de

necessidade alimentar do filho, quando em formação educacional. A partir daí

exige-se a comprovação da necessidade. Esclareceu-se que a obrigação

alimentar dos parentes em grau maior, por exemplo dos avós em relação aos

netos, é complementar, se os pais não puderem atendê-la integralmente. Foi

limitada a irrenunciabilidade dos alimentos à obrigação decorrente do parentesco,

bem como se aboliu a vetusta idéia de valorar a culpa no rompimento das

relações afetivas, eis que nada agrega ao Direito Familiar.

Processo, procedimentos e revogações - O Estatuto das Famílias está dividido

em duas grandes partes, uma de Direito Material e outra de Direito Processual.

Tal providência evita a confusão, ainda existente no Código Civil, entre o que é

constituição, modificação e extinção de direitos e deveres, de um lado, e os

modos de sua tutela, principalmente jurisdicional, de outro.

Na parte destinada ao processo e aos procedimentos, sistematizaram-se os

procedimentos dispersos no próprio Código Civil, no Código de Processo Civil e

em leis especiais, que restarão ab-rogados ou derrogados. Por exemplo, a

habilitação para o casamento, que o Código Civil trata em minúcias, é

procedimento e não Direito Material.

Este Estatuto considera o processo como procedimento em contraditório. Na

ausência de contraditório, tem-se apenas procedimento, em substituição à antiga

jurisdição graciosa ou voluntária. As regras de processo e de procedimentos, nas

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relações de família, não podem ser as mesmas do processo que envolvem

disputas patrimoniais, porque os conflitos familiares exigem resposta diferenciada,

mais rápida e menos formalizada, como ocorreu com o Estatuto da Criança e do

Adolescente − ECA. Daí a necessidade de concretizar os princípios da oralidade,

celeridade, simplicidade, informalidade e economia processual, além de

preferência no julgamento dos tribunais. O Estatuto das Famílias privilegia a

conciliação, a ampla utilização de equipes multidisciplinares e o estímulo à

mediação extrajudicial.

Por fim, são indicadas as leis e demais normas jurídicas que ficam revogadas

expressamente conforme a Lei Complementar n. 95, de 26 de fevereiro de 1998 e

Lei Complementar n. 107, de 26 de abril de 2001. A falta de revogação expressa

de antigas leis sobre relações de família tem levado a dúvidas, a exemplo da

continuidade ou não da vigência do Decreto-Lei n. 3.200/41, apesar do Código

Civil de 2002.

Em face de todo o exposto, conto com o decisivo apoio dos ilustres Pares para a

aprovação deste importante Projeto de Lei, que dispõe sobre o Estatuto das

Famílias.

Sala das Sessões, em 25 de outubro de 2007.

Deputado Sérgio Barradas Carneiro

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