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MEMÓRIA HISTÓRICA DA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - 1918 - 1945 Nelly Martins Ferreira Candeias* INTRODUÇÃO alguns anos, manifestou-se na Faculda- de de Saúde Pública um "esprit de corps" que se traduziu no empenho de preservar e estudar sua memória histórica. Reuniu-se as- sim em uma única sala, hoje denominada de Pró-Memória, cartas, recortes de jornais, fotografias, relatórios, manuscritos pessoais, projetos de leis com comentários, livros, bo- letins e revistas, objetos e gerações de instru- mentos, antes dispersos, que se conside- rou de inestimável valor para a história desta Instituição. Com o tempo, outros interessa- dos, professores aposentados ou membros de diferentes estabelecimentos, passaram a contribuir com pertences e esforços para am- pliar o acervo de documentos desta Faculda- de. Em comemoração ao Cinqüentenário da Universidade de São Paulo, decidiu-se publi- car um artigo, de caráter histórico com o objetivo de dar conhecimento destes achados e, mais importante, preservar fatos, comentá- rios, idéias e aspirações neles contidos. Co- meçamos portanto a ordená-los conforme as- suntos e cronologia, valendo-nos também do material para este fim cedido pela Sra. D. Evangelina Rodrigues de Paula Souza, esposa do fundador e primeiro Diretor desta Escola. Ao reexaminarmos a documentação as- sim organizada, percebemos a existência, mais ou menos velada, de um núcleo co- mum: a disposição de transformar o Labora- tório da Cadeira de Higiene da Faculdade de Medicina e Cirurgia em uma unidade autôno- ma de ensino de Saúde Pública, visando ao preparo de sanitaristas e contribuindo, assim, para o aperfeiçoamento técnico do trabalho sanitário em nosso país. Os elementos que oferecemos ao leitor, para que fique com informações que julga- mos indispensáveis a uma leitura séria, pro- vêm do rigoroso e paciente exame das fontes e de discussões que tivemos com os que vi- veram e acompanharam de perto a evolução deste processo professores aposentados que fizeram parte da Congregação e do Con- selho Técnico Administrativo desta Escola. Acreditamos ter fornecido as indicações mais necessárias a quem se interesse por al- guma. Reconhecemos, contudo, que fossem os pormenores dos eventos, aqui discuti- dos, estudados isoladamente, transformar- -se-iam eles próprios em amplos tratados históricos. Foi esta a razão que nos levou a apresentá-los sob forma às vezes bastante re- sumida. A FORMAÇÃO DE SANITARISTAS Em 1914, o Conselho Geral da Educa- ção, nos Estados Unidos, propôs às autori- dades do país a criação de Centros para pre- paro do pessoal destinado ao ensino, pesqui- sa e prestação de serviços em Saúde Pública. Formou-se, por isso, um grupo de trabalho com representantes das áreas da Educação, Medicina e Saúde Pública que, após cuida- dosa análise, decidiu recomendar a criação, em âmbito universitário, de Faculdades de Higiene e Saúde Pública naquele país. De acordo com esses especialistas, pretendia-se * Do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo - Av. Dr. Arnaldo, 715 - São Paulo, SP - Brasil.

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Page 1: MEMÓRIA HISTÓRICA DA FACULDADE DE SAÚDE PÚBLICA DA ... A FORMAÇÃO DE SANITARISTAS Em 1914, o Conselho Geral da Educa-ção, nos Estados Unidos, propôs às autori-dades do país

MEMÓRIA HISTÓRICA DA FACULDADE DE SAÚDEPÚBLICA DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO - 1918 - 1945

Nelly Martins Ferreira Candeias*

INTRODUÇÃO

Há alguns anos, manifestou-se na Faculda-de de Saúde Pública um "esprit de corps"que se traduziu no empenho de preservar eestudar sua memória histórica. Reuniu-se as-sim em uma única sala, hoje denominada dePró-Memória, cartas, recortes de jornais,fotografias, relatórios, manuscritos pessoais,projetos de leis com comentários, livros, bo-letins e revistas, objetos e gerações de instru-mentos, antes dispersos, que se conside-rou de inestimável valor para a história destaInstituição. Com o tempo, outros interessa-dos, professores aposentados ou membrosde diferentes estabelecimentos, passaram acontribuir com pertences e esforços para am-pliar o acervo de documentos desta Faculda-de.

Em comemoração ao Cinqüentenário daUniversidade de São Paulo, decidiu-se publi-car um artigo, de caráter histórico com oobjetivo de dar conhecimento destes achadose, mais importante, preservar fatos, comentá-rios, idéias e aspirações neles contidos. Co-meçamos portanto a ordená-los conforme as-suntos e cronologia, valendo-nos também domaterial para este fim cedido pela Sra. D.Evangelina Rodrigues de Paula Souza, esposado fundador e primeiro Diretor desta Escola.

Ao reexaminarmos a documentação as-sim organizada, percebemos a existência,mais ou menos velada, de um núcleo co-mum: a disposição de transformar o Labora-tório da Cadeira de Higiene da Faculdade deMedicina e Cirurgia em uma unidade autôno-ma de ensino de Saúde Pública, visando ao

preparo de sanitaristas e contribuindo, assim,para o aperfeiçoamento técnico do trabalhosanitário em nosso país.

Os elementos que oferecemos ao leitor,para que fique com informações que julga-mos indispensáveis a uma leitura séria, pro-vêm do rigoroso e paciente exame das fontese de discussões que tivemos com os que vi-veram e acompanharam de perto a evoluçãodeste processo — professores aposentadosque fizeram parte da Congregação e do Con-selho Técnico Administrativo desta Escola.

Acreditamos ter fornecido as indicaçõesmais necessárias a quem se interesse por al-guma. Reconhecemos, contudo, que fossemos pormenores dos eventos, aqui discuti-dos, estudados isoladamente, transformar--se-iam eles próprios em amplos tratadoshistóricos. Foi esta a razão que nos levou aapresentá-los sob forma às vezes bastante re-sumida.

A FORMAÇÃO DE SANITARISTAS

Em 1914, o Conselho Geral da Educa-ção, nos Estados Unidos, propôs às autori-dades do país a criação de Centros para pre-paro do pessoal destinado ao ensino, pesqui-sa e prestação de serviços em Saúde Pública.Formou-se, por isso, um grupo de trabalhocom representantes das áreas da Educação,Medicina e Saúde Pública que, após cuida-dosa análise, decidiu recomendar a criação,em âmbito universitário, de Faculdades deHigiene e Saúde Pública naquele país. Deacordo com esses especialistas, pretendia-se

* Do Departamento de Prática de Saúde Pública da Faculdade de Saúde Pública da Universidade deSão Paulo - Av. Dr. Arnaldo, 715 - São Paulo, SP - Brasil.

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que estas mantivessem estreita relação comFaculdades de Medicina, permanecendo,contudo, como entidades separadas, cujo nú-cleo deveria constituir um Instituto de Higie-ne5.

Deve-se à Fundação Rockefeller o créditode ter sido a instituição internacional quemais influiu, a partir de 1916 e durante lon-go período de tempo, não só para elevaçãodos padrões de formação do pessoal de saúdepública, como também para o avanço e aper-feiçoamento das técnicas do trabalho sanitá-rio1.

Coube a William Henry Welch, famosobacteriologista da época, e a Wickliffe Rose,então Presidente da Junta Internacional deSaúde da Fundação Rockefeller, estudar oscritérios que deveriam estruturar as Escolasde Saúde Pública nos Estados Unidos e emoutros países. Welch e Rose passaram a ana-lisar as instituições então existentes. Doispaíses apresentavam na época significativodesenvolvimento nesse campo. Na Alemanhapraticamente todas as Faculdades contavamjá com um Departamento ou Instituto deHigiene. O primeiro fora fundado por Pet-tenkoffer em Munich, em 1865. Com im-portantes programas de investigação, parti-cularmente no que dizia respeito a aspectosligados à disseminação de doenças infeccio-sas, cabia-lhe preparar profissionais com só-lidos conhecimentos em Ciências Biomédi-cas. Também na Grã-Bretanha se desenvol-viam programas de treinamento para admi-nistradores na área de Saúde Pública, desta-cando-se o país por essa peculiaridade.

Ao elaborar o relatório que lhes tinhasido solicitado, Welch e Rose passaram a dis-correr sobre as vantagens inerentes à integra-ção dos dois sistemas, aspecto essencial, se-gundo eles, para o desenvolvimento de ins-tituições de alta qualidade. Ao enfatizar aimportância do ensino e da pesquisa na áreada Saúde Pública, passaram a definir Higienecomo Ciência da Saúde ou, complementan-do, "o corpo global de conhecimentos e sua

aplicação no que diz respeito à promoção emelhoria da saúde dos indivíduos e de co-munidades, assim como prevenção de doen-ças". Referiam-se a uma "Faculdade Univer-sitária de Saúde Pública" como o local ondese deveriam encontrar, para trabalhar juntos,docentes de formação multidisciplinar e alu-nos das áreas de Ciências Biológicas, Físicas,Sociais e Comportamentais5.

Deve-se a Welch e Rose, assim, o estabele-cimento dos princípios gerais que deveriamservir de guia à Fundação Rockefeller para acriação e estruturação de Escolas de SaúdePública nos Estados Unidos e em outros paí-ses do mundo.

Os princípios por eles apresentados foramos seguintes(1):

1. atribuição de um mesmo peso tanto aosaspectos científicos da Higiene como àtarefa prática de preparar candidatos paraocupar cargos de Saúde Pública;

2. previsão de cursos teóricos e práticos parasanitaristas, em regime de tempo integral,em serviços de saúde a nível federal, esta-dual e local, segundo necessidades locais;reconhecimento de que o aspecto práticodo preparo do pessoal não deveria obscu-recer a concepção da Higiene como Ciên-cia e Arte, cujo campo se consideravamais amplo do que sua aplicação à admi-nistração da Saúde Pública — deste modo,a função principal da instituição deveriaprender-se ao desenvolvimento do espíri-to de investigação e ao processo do co-nhecimento;

3. acesso aos recursos necessários ao ensinode alunos de medicina e de médicos di-plomados;

4. coordenação entre a Faculdade de SaúdePública e Escolas ou Departamentos deCiências Sociais — tendo em vista os nu-merosos pontos de contato entre proble-mas sociais e problemas de saúde públicae considerando-se o impacto dos fatoressócio-econômicos, sugeria-se que os alu-

(1) Chope, H. D., Princípios fundamentais de Orientação da Fundação Rockefeller em Relação a Escolasde Saúde Pública, Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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nos de Ciências Sociais usufruissem dasfacilidades oferecidas pelo Instituto deHigiene e que os alunos de Higiene se fa-miliarizassem, por sua vez, com CiênciasSociais e Serviço Social;

6. individualidade própria - embora inti-mamente relacionada com a Universidadee a Faculdade de Medicina, a Faculdadede Saúde Pública deveria manter basespróprias, resguardando e acentuando suaprópria individualidade como instituiçãoà parte, devotada exclusivamente a aspec-tos científicos e práticos da higiene e con-tando, além disso, com acesso a edifíciopróprio e a corpo próprio de docentes, as-sim como com meios necessários para odesenvolvimento do ensino e pesquisa.

A PRIMEIRA ESCOLA

Baseada neste estudo, passou a FundaçãoRockefeller a proporcionar assistência finan-ceira a diversos países com o intuito de criare auxiliar escolas e institutos dessa natureza.A primeira instituição a receber auxílio fi-nanceiro para a consecução desse objetivofoi a Universidade de Johns Hopkins emBaltimore, em 1916, e a segunda a Facul-dade de Medicina e Cirurgia em São Paulo,em 1917(1).

As verbas então concedidas pela Funda-ção passaram a subvencionar Universidadesnos Estados Unidos e Secretarias de Saúdena Europa. A esse respeito comentava Geral-do Horácio de Paula Souza, fundador daFaculdade de Saúde Pública e seu primeiroDiretor(2):

"nos Estados Unidos a escolha de Universi-dades em vez de Secretarias de Saúde justi-fica-se não apenas pelo maior grau de cultu-ra dessas instituições, como também pelo seumaior afastamento dos interesses de políti-ca partidária. Na Europa isto não se faz sen-

tir da mesma forma, visto que a estabilidadedas Secretarias de Saúde e a não intromissãoindébita da política partidária representamgarantia suficiente para o andamento harmo-nioso dos serviços a seu cargo ".

Ao examinar, portanto, as condições dasuniversidades americanas de maior prestí-gio, a Fundação Rockefeller, em seu empe-nho de criar a primeira Escola de Higiene eSaúde Pública do mundo, voltou-se para aUniversidade de Johns Hopkins, em Balti-more, não só por suas instalações, como tam-bém pelos altos ideais que então transpare-ciam em sua Faculdade de Medicina. Alémdisso, ali se encontravam dois eminentesprofessores a quem se decidira entregar a ex-periência da primeira direção: William Geor-ge Welch, como Diretor, e William H. Ho-well, como Vice-Diretor.

Freqüentador dos laboratórios de Koch ePasteur e figura de renome internacional,William Henry Welch (1850-1934) fora dis-cípulo de Max Pettenkoffer (1818-1901),médico e higienista alemão. A este devia-se--lhe o mérito de ter sido o primeiro a subme-ter a Higiene à análise laboratorial, dandoinício assim a trabalhos inovadores sobre nu-trição, vestuário, ventilação, água e esgo-tos12,16. Sob influência do mestre, Welch foicapaz de introduzir a Medicina Experimentalnos Estados Unidos. William Henry Howell,o Vice-Diretor, era, na época, notável profes-sor de Fisiologia.

Ao contrário do que iria acontecer conco-mitantemente em São Paulo que a essa altu-ra ainda não contava com sua Universidade,não se tratava apenas de introduzir a Cadeiraou Departamento de Higiene na Faculdadede Medicina de Baltimore. Mais do que isto,pretendia-se ali a criação de uma escola in-dividualizada de Higiene, integrada à Univer-sidade onde se destacava Escola Médicaque, famosa por sua excelência, não ofere-cia ainda a Cadeira de Higiene para seus alu-

(1) Chope, H.D., Princípios Fundamentais da Orientação da Fundação Rockefeller em Relação a Escolasde Saúde Pública. Arquivo Pró-Memória, FSP/USP.

(2) Documento sem data, Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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nos. Por essa razão estes recebiam apenas al-gumas noções dessa matéria durante o pro-grama da Cadeira de Bacteriologia. Muitose deve a Welch por seu estudo a respeitode como deveria ser uma Faculdade de Hi-giene e Saúde Pública. Não admira e é justoque Rosen, em seu famoso livro12, o refiracomo uma das "Figuras Memoráveis da His-tória da Saúde Pública".

A CADEIRA DE HIGIENE DAESCOLA DE MEDICINA

A Faculdade de Medicina e Cirurgia deSão Paulo foi estabelecida pela Lei n.o 1357de 19 de dezembro de 1912, assinada peloPresidente de Estado Francisco de Paula Ro-drigues Alves e pelo Secretário do InteriorAltino Arantes. Seu regulamento foi baixa-do pelo Decreto n.o 2344 de 31 de janeirode 1913, tendo a lei entrado imediatamen-te em vigor2,14.

A administração e a cadeira de HistóriaNatural foram instaladas na Escola de Co-mércio Alvares Penteado e as cadeiras deFísica e Química na Escola Politécnica, cujoDiretor era então Antonio Francisco de Pau-la Souza(1), pai de Geraldo Horácio. Em1914 arrendou-se prédio na Rua BrigadeiroTobias, 42; em 1915 por este não compor-tar a instalação de novas cadeiras, foi arren-dado o prédio n.o 1 da mesma rua14.

Cumpre aqui registrar dois fatos de valorhistórico a respeito dos primeiros contatosda Fundação Rockefeller com o Brasil noano de 1916. O primeiro prende-se à visitafeita por Missão Médica, enviada por aquelafundação, composta por Richard M. Pearce,da Universidade da Pennsylvania, pelo Ma-jor Bailey Ashford, do Corpo Médico doExército dos Estados Unidos, e por John A.Ferrell,(2) da referida instituição. Consta doRelatório da Fundação Rockefeller, para o

ano de 1916, que de tal forma ficara a Comis-são impressionada com os resultados dos tra-balhos realizados no Brasil contra a febre ama-rela, "one of the most brilliant achievementsof modern sanitary administration", que seconsiderou interessante, para ambas as par-tes, estabelecer contato com o país que tan-to havia contribuído para o bem-estar dohemisfério. Reconhecia-se portanto, nessecontato, inestimável valor para as relaçõesmédicas e culturais das duas Américas1.

Dessa visita, segundo fato a relatar, resul-taram entendimentos que, em dezembro des-se mesmo ano, aproximariam a Escola deMedicina e Cirurgia de São Paulo à Funda-ção Rockefeller1,14: a Faculdade de Medi-cina foi representada pelo seu primeiro Di-retor, Arnaldo Vieira de Carvalho (1867-1920), e a Fundação por Pearce, Diretor deEducação Médica. Foi quando se discutiuo provimento das cadeiras de Higiene e Ana-tomia e Histologia Patológica daquela Esco-la. Ao chegar a São Paulo, em Fevereiro de1917, Pearce, com a anuência de WickliffeRose, Diretor da Junta Internacional de Saú-de, apresentou sugestões para acordo refe-rente à criação de um Instituto de Higiene,anexo à Faculdade de Medicina e Cirurgia,assinado este no dia 9 de fevereiro de 191814.Firmara o Governo do Estado de São Paulotermo de ajuste com a Junta Internacionalde Saúde (International Health Board) paraorganizar o Departamento de Higiene ane-xo à Faculdade de Medicina(3). Assinado,quando Altino Arantes ocupava a presidên-cia de São Paulo e Oscar Rodrigues Alves aSecretaria do Interior, deveria o contratovigorar por um período de cinco anos. Obri-gava-se o Governo a fornecer, para a organi-zação e instalação desse Departamento, umprédio adaptado ao seu funcionamento, du-rante o referido período, com acomodaçõesnecessárias para ensino e pesquisa e, além

(1) Antonio Francisco de Paula Souza (1843-1917), pai de Geraldo Horácio, fundou a Escola Politécnicano ano de 1894, tendo sido seu Diretor até o fim de sua vida.

(2) Primeiro indivíduo formado pela Escola de Higiene e Saúde Pública, de Baltimore, em 1919.

(3) O Jornal, 12 de dezembro de 1926: Uma grande e moderna Escola de Saúde Pública.

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disso, quantia equivalente a três mil dólares,como auxílio ao Departamento assim cria-do. Essa quantia foi arbitrada, na época, em12 contos anuais.

Ainda de acordo com o contrato, caberiaà Junta Internacional de Saúde fornecerquantia necessária para equipar a instituição,calculada em aproximadamente dez mildólares; fundos para sua manutenção, duran-te o período estipulado pelo contrato e,finalmente, duas bolsas universitárias paraestudo de higiene e saúde pública. Estasbolsas visavam a custear o preparo de doismédicos brasileiros na recém-criada Escolade Higiene e Saúde Pública da Universidadede Baltimore.

Em se tratando de cursos de higiene, ointeresse da questão levara a Junta Interna-cional de Saúde a cuidar não apenas do pro-vimento de uma Cadeira mas, a partir de

perspectiva mais ampla, da criação de insti-tuto científico destinado ao preparo deprofissionais realmente especializados namatéria, onde se tornasse possível promoverpesquisas sanitárias, métodos e processossanitários de interesse para o país. De fato,pensara criar a Fundação, desde o início,Centro destinado à formação de sanitaristascapazes assim de enfrentar graves desafiosnacionais a Saúde Pública e a substituir, aospoucos, antigos, dedicados, porém insufi-cientemente preparados funcionários dosserviços então existentes. Considerava-se,também, que esse preparo não se deveriadirigir apenas a indivíduos com forma-ção médica.

A Fundação Rockefeller passou a prestarauxílio à Faculdade de Medicina e Cirurgiade várias maneiras. A contribuição total foi aseguinte(1):

Para efeito de complementação cumprereferir que, com seu empenho de contribuirpara a elevação da qualidade da formação dopessoal de saúde pública por meio da cria-ção de escolas de higiene, a Fundação Roc-kefeller concedeu verbas para várias institui-

ções: a Universidade de Johns Hopkins rece-beu 7.000.000 de dólares; Praga 700.000;Zagreb 220.000; Copenhague 200.000; Bu-dapest 150.000; Varsovia 300.000; Oslo200.000; Londres 2.000,000; a Universida-de de Harward 3.500.000; Ancara 80.000,

(1) Chope, H. D. Prncípios Fundamentais da Orientação da Fundação Rockefeller em relação a Escolas deSaúde Pública, Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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e São Paulo, como se viu, 370.000 dólares(1).

As relações do Laboratório de Higienecom a Fundação foram mantidas, de início,com Wickliffe Rose, então Diretor da Seçãode Saúde Pública da Comissão Rockefeller e,em seguida, com Frederick F. Russell queem 1922 veio ao Brasil para visitar o Insti-tuto(2).

PRIMEIROS PROFESSORES DE HIGIENE

Desde a sua fundação até 1921, a Cadeirade Higiene, de acordo com o referido contra-to, foi regida por Samuel Taylor Darling, "dequem o Instituto guarda commovida lem-brança" que, nessa data, regressou aos Esta-dos Unidos por motivo de grave enfermida-de(2). Técnico já consagrado em campanhassanitárias, trabalhara com Gorgas no sanea-mento do Panamá, contribuindo assim paraa abertura do canal, além de executar signi-ficativos estudos na Malásia e na Indonésia.Darling foi, pois, o primeiro professor de Hi-giene da Faculdade de Medicina de São Pau-lo. Sob suas vistas instalou-se a cadeira e oLaboratório de Higiene, do qual foi tambémseu primeiro diretor. Coube a Wilson GeorgeSmillie, graduado em Harvard e discípulo doeminente higienista Milton Rosenau, substi-tui-lo na regência da Cadeira de Higiene e nadireção do recém-criado estabelecimento.Foi, portanto, o segundo professor de Higie-ne e o segundo diretor do Laboratório deHigiene16.

Muito deve este país a estes dois eminen-tes cientistas. A par do prelecionamento dacadeira de Higiene realizaram importantesestudos nas áreas de epidemiologia e profila-xia da ancilostomose4. Foi durante o perío-

do Smillie que se introduziu o primeiro Cur-so de Especialização em Higiene Rural noInstituto de Higiene. Vale a pena referiraqui alguns trabalhos de Darling e Smillie, osquais se encontram nos primeiros númerosdos Boletins do Instituto de Hygiene, publi-cação que abrangeu o período de 1919 a1946(3):

Boletim n.o 1 - Sobre algumas medidas an-timaláricas em Malaya,S.T.,Darling

Boletim n.o 2 — Pesquizas recentes - sobre aopilação na Indonésia, S.T.,Darling

Boletim n.o 3 - Intoxicação pelo Betanaph-tol no tratamento da unci-nariose, W.G. Smillie

Boletim n.o 4- O predomínio da Leptospi-ra ictero-hemorrhagica nosratos de S. Paulo - Bacillossemelhantes aos da peste,encontrados nos ratos da ci-dade de S. Paulo, W.G. Smil-lie

Boletim n.o 7 — Existência e disseminaçãodo ancylostoma duodena-le no Brasil, W.G. Smillie

Boletim n.o11- Investigações sobre a unci-nariose, W.G. Smillie

Logo após a chegada de Darling a SãoPaulo, seguiram para os Estados Unidos, com

. bolsas outorgadas pela Fundação Rockefellera fim de freqüentarem o Curso da recém-criada Escola de Higiene da Universidade de

Johns Hopkins, Geraldo Horácio de PaulaSouza e Francisco Borges Vieira16:

"É com saudade infinita que eu recordo,

(1)Correio da Tarde, 3 de abril de 1931: À margem da reforma do Instituto de Hygiene.Nota: Com exceção das duas universidades americanas, não se especificam, no texto, as instituições que

receberam verbas em outros países.(2) O Jornal, 12 de dezembro de 1926: Uma grande e moderna Escola de Saúde Pública.

(3)Com a criação da Faculdade de Higiene e Saúde Pública a série foi interrompida, tendo dado lugar, em1947, à publicação de "Arquivos da Faculdade de Higiene e Saúde Pública da Universidade de São Pau-lo". Em 1967, a Revista de Saúde Pública procurou atualizar seu órgão de comunicação na área daSaúde Pública.

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e o mesmo se dá com o Prof. Paula Souza, osdois annos que lá passamos, no convívio ami-go de professores, assistentes e funcionáriosdaquela grande Escola, que tudo fizeram afim de que tirássemos o maior proveito denossa estada, para a especialização que abra-çávamos. Em sua congregação brilhavamgrandes nomes, entre eles avultando o do seufamoso organizador e diretor, o Dr. WilliamHenry Welch, antigo discípulo e amigo dePettenkoffer, Cohnheim, Pasteur, Koch e deoutros luminares da ciência".

Com o regresso de Smillie para os EstadosUnidos, em 1922, passou o estabelecimentoa ser dirigido por Paula Souza, professor ca-tedrático da cadeira de Higiene da Faculdadede Medicina e, assim, seu primeiro professorefetivo.

A este respeito comenta Paula Souza(1):

"Em 1918, fui indicado pelo saudoso Dr.Arnaldo Vieira de Carvalho, então Diretor daFaculdade de Medicina e Cirurgia de SãoPaulo, à benemérita Fundação Rockefellerpara, nos Estados Unidos, fazer o curso dedoutoramento em Hygiene e Saúde Pública,que esta instituição acabara de crear na JohnsHopkins University, em Baltimore. Já entãofunccionava em São Paulo o Laboratório deHygiene, no qual eu serviria como professorsubstituto e que, mantido por accordo donosso governo com a Fundação Rockefeller,se destinava ao prelecionamento da cadeirade hygiene da nossa Faculdade de Medicinae Cirurgia para o preparo de especialistas emhygiene e pesquisas de ordem sanitária.

Dois annos depois, tendo concluido aquel-le curso, quando me aprestava para regres-sar ao Brasil, solicitou-me o Dr. G. Vincent,Presidente da Fundação Rockefeller, que lheapresentasse suggestões a fim de que esta sepudesse informar de como mais conveniente

a sua cooperação com o nosso Estado, emmatéria de hygiene.

Respondi-lhe que, ausente de meu paízpor dois annos, esta circunstância me impos-sibilitava de precisar, com segurança, quaisas necessidades do meio a attender.

Regressando a São Paulo, foi-me depois,confiada a direcção desse Laboratório, entãoannexo à Faculdade de Medicina, o qual sedenominava Instituto de Hygiene e, nessaqualidade, passei eu a reger a cadeira respec-tiva e a dirigir a instituição que até entãoestivera a cargo de technicos americanos".

Estatuira-se durante a negociação entre oGoverno e a Junta Internacional de SaúdePública que aquele faria o possível para man-ter o Departamento sem contudo assumirqualquer compromiso. Terminado o prazono início de 1923, quando já o Institutode Higiene estava, como previsto, sob a di-reção de Paula Souza, opinou o Governo porsua renovação por um período de mais doisanos, sendo aceitas por ambas as partes asmesmas bases do contrato anterior(2).

A CASA DA RUABRIGADEIRO TOBIAS

Como se referiu, já em 1918, ao formar-seo acordo entre o Governo de São Paulo e aFundação Rockefeller, concordara aqueleem fornecer prédio apropriado aos fins pro-postos. A Faculdade de Medicina fora insta-lada em casarão alugado de Dona VitóriaPinto de Almeida Lima, na Rua BrigadeiroTobias, antigo n.o 42. O Instituto de Higienefoi situado na mesma rua, antigo n.o 45, (Cai-xa Postal 1985), em prédio pertencente àBaronesa de Piracicaba, que o cedeu median-te arrendamento firmado com a Faculdade14.

(1) Carta enviada por Paula Souza a João Galeão Carvalhal Pinto, Secretário do Interior, no período de6 de maio de 1927 a 13 de julho de 1927. A data não consta na cópia. Arquivo da Pró-Memória,FSP/USP.

Nota: Conservou-se a ortografia da época na grafia das palavras dos textos e cartas aqui reproduzidos.

(2) O Jornal, 12 de dezembro de 1926: Uma grande e moderna Escola de Saúde Pública.

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Constava no contrato de 1922:(1)

"Aos doze de setembro de mil novecentose vinte e dois, na Secretaria de Estado dosNegócios do Interior, perante o respectivoSecretário, Exmo. Snr. Dr. Alarico Silveira,compareceu a Exma. Snra. Da. Maria Joaqui-na de Barros, Baroneza de Piracicaba, pro-prietária, residente nesta Capital, representa-da por seu bastante procurador, Snr. JoãoTobias de Barros, commerciante, residentenesta Capital, conforme procuração quefica archivada nesta Secretaria, declarou quesendo senhora e possuidora do prédio sito àRua Brigadeiro fobias sob n.o 45, livre e de-sembaraçado de qualquer ônus, o dá de ar-rendamento ao Governo do Estado, com to-das as suas dependências e terreno annexo,para nelle funcionar uma das secções da Fa-culdade de Medicina e Cirurgia, declarandomais que acceitava as cláusulas seguintes:

I

O prazo de arrendamento será de 2 (dois)annos, a contar do dia 5 de agosto deste an-no, em que forem entregues as chaves aoSnr. Dr. Celestino Bourrold, director da Fa-culdade de Medicina;

II

A renda mensal do aluguel será de4:000$000 (quatro contos de réis) quantiaessa que será paga pelo Thesouro do Estado,

nos cinco primeiros dias seguintes ao mezvencido"(2)

Situada na Rua Brigadeiro Tobias, ondese localizavam outras entidades de ensino,a casa compunha-se de dois andares. Deproporções harmoniosas, representava beloexemplo dos casarões do fim do século XIX.No andar térreo, a fachada continha, no cor-po central, três portas ladeadas por uma ja-nela. O acesso à casa dava-se por escada bila-teral, com seis degraos, culminando em umterraço, emoldurado por belíssima grade deferro forjado, importado da Europa, prova-velmente da Bélgica de onde provinham asgrades e esquadrias que guarneciam os pala-cetes da época. No andar superior havia qua-tro portas, com seus respectivos terraços or-nados por grades de ferro, dois de cada umdos lados do prédio. No centro, três outrasportas comunicavam-se por terraço comum.Portas e janelas constituiam uma forma deenriquecimento da fachada. O tratamentodo telhado revestia-se de especial impor-tância, considerando-se a linha reta apenascortada por estátuas portuguesas de cerâ-mica do Porto, caracterizando o estilo neo-clássico tipicamente representativo do gostode "fim de século". O casarão era todo cerca-do por jardins de modelo francês, provavel-mente projetado por jardineiro dessa proce-dência ou copiado de outros realizados porjardineiros franceses que imigraram para oBrasil durante o século XIX.(3)

(1) A Cadeira de Higiene permaneceu na Rua Brigadeiro Tobias de 1918 até agosto de 1931. Nessa ocasiãofoi transferida para o prédio atual da Faculdade de Saúde Pública. O arquivo da Pró-Memória da FSPpossui apenas a cópia do contrato de 1922.

(2)Termo de contracto de arrendamento do prédio n. 45, da Rua Brigadeiro Tobias, nesta Capital, cele-brado entre o Governo do Estado e a Exma. Snra. Baroneza de Piracicaba. Arquivo Pró-Memória,FSP/USP.

(3) As Fotografias da casa da Rua Brigadeiro Tobias foram doadas à Comissão Pró-Memória, FSP/USP,pelo Dr. Vicente de Sampaio Lara, professor aposentado, catedrático de Higiene da Criança da Facul-dade de Saúde Pública.

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A OFICIALIZAÇÃO DO INSTITUTODE HIGIENE

Extinto como já se disse, o contratofirmado entre o Governo do Estado e a Jun-ta Internacional de Saúde da Fundação Roc-kefeller — contrato que fora reformado,dois anos antes, por proposta do primeiro eplena acqüiescência do segundo — para ma-nutenção do Laboratório da Cadeira de Hi-giene da Faculade de Medicina por parte des-ta, foi esse estabelecimento oficializado pelaLei n.o 2018 de 26 de dezembro de 1924,a qual dispunha sobre a oficialização do Ins-tituto de Higiene. Desta data em diante, dei-xou o Instituto de Higiene de funcionar co-mo seção da Faculdade de Medicina e Cirur-gia de São Paulo, constituindo-se em repar-tição distinta daquela e com atribuições no-tavelmente acrescidas.

Vejamos o teor desse decreto:"Dispõe sobre a officialização do Institu-

to de Hygiene de São Paulo. O Doutor Car-los de Campos, Presidente do Estado de SãoPaulo. Faço saber que o Congresso Legisla-tivo decretou e eu promulgo a lei seguinte:

Artigo 1.o - De 1.o de janeiro de 1925 emdiante, o Instituto de Hygiene, organizado,installado e mantido pelo Governo de SãoPaulo e pela Junta Internacional de Saúde,nos termos do contrato de 9 de fevereiro de1918, funccionará independente de qualquerindemnização, como departamento adminis-trativo exclusivamente do Estado, sob a de-nominação de Instituto de Hygiene de SãoPaulo e diretamente subordinado ao secretá-rio dos Negócios do Interior".

Deste modo passara o Instituto a ter, en-tre outras, as seguintes finalidades: realizar ocurso de higiene da Faculdade de Medicinade São Paulo de acordo com as exigênciasdo ensino da cadeira, assim como cursos deaperfeiçoamento técnico para funcionáriosdo Serviço Sanitário, de habilitação profis-sional para enfermeiras e visitadoras de saú-de pública e outros especiais que viessem aser instituídos por lei ou considerados deinteresse para o Governo; finalmente, orien-tar o ensino popular de higiene e o que se

denominava, na época, de "propaganda sa-nitária".

Os diplomados pelo Instituto de Higienetinham, com isto, preferência para o provi-mento de cargos técnicos do Serviço Sanitá-rio. Comenta Mascarenhas que, infelizmen-te, não se respeitou essa determinação legalcom graves reflexos para o nível técnicodos serviços de saúde pública de São Paulo8.

Caminhavam assim Paula Souza e BorgesVieira rumo aos objetivos que tão entusiasti-camente haviam se proposto a alcançar: criaruma "verdadeira escola de higiene e de saúdepública", capaz de formar sanitaristas, de al-ta qualidade técnica, provenientes de váriasáreas de conhecimento, a partir de uma pers-pectiva essencialmente multiprofissional. Eis,pois, a primeira proposta de criação de umaequipe de saúde na história da Saúde Públicado nosso país, concepção certamente adian-tada para sua época.

A propósito da oficialização do Institutode Higiene, publicava a "Folha da Tarde"em 30 de novembro de 1924:

". . . Agora que terminou o prazo, o go-verno officializou o Instituto de Hygiene,com o qual quasi nada tem gasto até o mo-mento. O Instituto, como escola de hygieneque é, ficou sob a dependência directa daSecretaria do Interior, pois não só da Facul-dade como também de outras escolas supe-riores depende a collaboração para os seuscursos, pesquizas, installações, etc. Afinal oque o governo paulista acaba de fazer é, por-tanto, tornar official um estabelecimentoque embora viesse sendo mantido por capi-tães vindos de fora do paíz estava, de trêsannos a esta parte, sob a direcção immedia-ta e exclusiva de profissionais brasileiros".

Com esse ato passavam para o exclusivodomínio do Estado todos os bens com que aComissão Rockefeller havia dotado o estabe-lecimento: aparelhos, material de ensino,móveis, instalações, biblioteca, entre outros.

Dera-se, portanto, importante passo —"quiseram os fados que viesseis a trocar Pa-nacea por Higea(1)".

(1) "O Estado de São Paulo", 6 de janeiro de 1944: Escola de Higiene e Saúde Pública - discurso do pa-raninfo, dr. Francisco Borges Vieira, por ocasião da entrega de diplomas.

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CRÍTICAS À OFICIALIZAÇÃO

A proposta da subordinação de Institutode Higiene diretamente ao Secretário dosNegócios do Interior, tal como constavano artigo 1.o da lei 2018 de 1924, além dediscutida foi amplamente criticada nos pe-riódicos da época. Vejamos porquê.

Publicara o Correio Paulistano algunsdias antes, em 18 de dezembro de 1924, aopinião de Piza Sobrinho, em sessão da Câ-mara, a respeito do Projeto n.o 78 que dispu-nha sobre a oficialização do Instituto de Hi-giene:

"Este artigo subordinando directamenteao secretario dos Negócios do Interior, oInstituto de Hygiene que, diga-se de passa-gem, tem, pelo projecto, as mesmas atribui-ções, em geral, que o Serviço Sanitário, traz ograve inconveniente, que já apontei, de esta-belecer no Estado duas directorias do Servi-ço Sanitário, abosolutamente independentes,apenas subordinadas, ambas, ao secretariodo Interior, que estou quasi certo, si issoacontecer com a aprovação do projecto emdiscussão, terá o seu precioso tempo sempretomado em resolver questiúnculas, attritosentre os dois chefes dos mesmos serviços".

Estranhava Piza Sobrinho em sua longaexposição o fato de, a exemplo do que ocor-ria com o Instituto Bacteriológico, InstitutoVacinogênico e Instituto Pasteur, entre ou-tros então subordinados à Directoria Geraldo Serviço Sanitário, não se subordinar aesta o novo Instituto de Higiene:

"Por que excluir dessa natural e lógicasubordinação o Instituto de Hygiene, um ins-tituto eminentemente téchnico? Estará me-lhor sob a immediata superintendência deum secretario de Estado, quasi sempre ba-charel em direito, o Instituto de Hygiene, doque subordinado a um profissional, a umtechnico quasi sempre notável, como deveser o director geral do Serviço Sanitário?

Accresce que o Instituto de Hygiene, coma sua nova organização, será da mesma natu-reza que o Instituo Bacteriológico e Butan-

tan, não sendo plausível que estes estejamsob a direcção superior do Serviço Sanitárioe aquelle não. (Muito bem)."

Além disso criticava Piza Sobrinho algu-mas atribuições do novo Instituto de Higiene:

"(Lê)- estudar planos e methodos de campanha

sanitária e adaptal-os ao meio indicado;- emitir parecer sobre assumptos de hygie-

ne e organizar commições especiaes parao seu estudo mediante requisição do go-

verno, para fins ou casos por este especi-ficados;

- verificar os soros e vaccinas expostos àvenda e estabelecer a padronagem delles;

- fazer estudos de epidemiologia, no inte-resse de pesquisas scientíficas, - do Ser-viço Sanitário - e do ensino professadoem seus cursos de Hygiene;

- orientar o ensino popular de Hygiene e apropaganda sanitária em geral"Comentava aquele que essas atribuições

constituiam já atuais atribuições da DiretoriaGeral do Serviço Sanitário, enumeradas nocapítulo II do Código Sanitário, passando afazer comentários específicos às implicaçõesinerentes a cada uma delas.

A respeito da oficialização do Instituto deHigiene cumpre referir, também, debate en-volvendo Freitas Valle e Rodrigues Alves(1),publicado no "Correio Paulistano" no dia24 de dezembro de 1924:

"O Sr. Freitas Valle - O ponto capital dodiscurso de S. Exc., combatendo os dispositi-vos do projecto, visa a demonstração de quehá uma verdadeira confusão na discrimina-ção das funcções do Serviço Sanitário e doInstituto de Hygiene cuja officialização secogita.

O Sr. Rodrigues Alves - Não é bem umaconfusão. É uma dualidade de funcções: sãofuncções idênticas.

O Sr. Freitas Valle - Não há duplicaçãode funcções. O Instituto de Hygiene é um or-gam pelo qual se apercebem os elementosdo Serviço Sanitário para desempenhar a

(1) Discurso de Oscar Rodrigues Alves, no Senado, contra a oficialização do Instituto de Higiene.

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sua alta funcção de defesa de saúde pública.O fato de, ao mesmo tempo, o Instituto

proceder a certos trabalhos especiais, é expli-cado por não se poder ensinar praticamenteHygiene sem fazer-se o serviço de hygienecorreto com o ensino que se quer praticar.

"Já se foi o tempo em que ensinar hygie-ne se podia fazer pelos compendios e pelasfórmulas mais ou menos empíricas, quetinham apenas o resultado de fadigar a pa-ciência e a memória dos que apprendiam.Hoje a fórmula perfeita da docência do en-sino de hygiene, é ensinar, fazendo trabalharno ensino de hygiene...

. .. Acredito ser certo o que V. Exc. a f f i r -mou, isto é, que vários funccionários que tra-

balham no Instituto de Hygiene são funccionários do Serviço Sanitário. Mas isso em na-

da altera a organização e a orientação peda-gógica do Instituto; isso não altera em nadaos outros serviços prestados pelo Instituto.

O Sr. Rodrigues Alves - Mas trata-se daexecução de serviços que, por lei, pertencema um departamento já organizado, que é o deprophylaxia geral.

O Sr. Freitas Valle - ... Essas circunstân-cias todas mostram que o nobre senador nãotinha perfeita razão, entendendo que no casode virem as funcções especificadas no projec-to para o Instituto de Hygiene havia capitisdiminutio para o Serviço Sanitário.

Em primeiro logar, em matéria scientificanão existe capitis diminutio; em matéria deserviço publico não é possível capitis diminu-tio. Uma disposição legislativa nunca pode di-minuir a quem quer que seja, instituto ouindivíduo".

Segue-se interessante discussão envolven-do o Instituto Butantan, o Hospital de Iso-lamento, onde funcionava também o Institu-to Bacteriológico, e considerações a respeitodos vencimentos mais elevados dos funcioná-rios do Instituto de Higiene, entre outros as-suntos também abordados:

"Freitas Valle - ... Um ponto que im-pressionou o Senado e ao qual vou referir-meé a tabella de vencimentos, na parte em queinscreve:"Uma enfermeira chefe 12:000$ 000por anno". Devo informar, como bem obser-

va o nobre senador, que se fosse uma enfer-meira chefe, tendo sob sua dependência ape-nas uma outra enfermeira, seria realmenteuma cousa extranhável . . Essa enfermeiraé uma enfermeira chefe no sentido de serorientadora, mestra, professora em relaçãoao ensino que ali deve ser feito para as en-fermeiras, e ella recebe uma remuneração pe-los grandes serviços que presta e que, real-mente, em não se tratar de uma simples en-fermeira, como parecera a todos nós, inclusi-ve ao nobre senador...

. . . Há uma disparidade extraordinária,muito bem notada pelo nobre senador, masque posso prometter a S. Exc. será attendi-da, por occasião da revisão geral dos funccio-nários e empregados do Estado...

. . . Para terminar com uma impressãoagradável ao nobre senador e ao Senado,uma vez que não posso pensar tel-o consegui-do com a minha desataviada palavra (nãoapoiados geraes), declarei aceitar a emendan.o 4 no parágrafo 1.o do artigo 8.o, assignadapor vários srs. senadores e por s. exc. apre-sentada, modificando-lhe os termos da se-guinte forma: (Lê): "Poderão ser applicadasaos funccionários do Serviço Sanitário emcondições idênticas ao dispositivos do pre-sente artigo e seus paragraphos 1.o e 2.o.

De sorte que, em logar de somente osmédicos, todos os funccionários do ServiçoSanitário passarão a gosar da vantagem quese estabelecia no projecto apenas para osfunccionários do Instituto de Hygiene.

Eis, sr. presidente, o que eu tinha a dizera respeito do projecto em discussão, propon-do que o Senado rejeite as demais emendas,acceitando a da Commissão e a dos nobressenadores, sob a forma que acabei de ler eque será apresentada, nestas condições, nocaráter de sub-emenda substitutiva.

Vozes - Muito bem! Muito bem!"Para alguns políticos da época, a lei 2018

de 26 de dezembro de 1924 parecia atribuirao Instituto de Higiene atividades pertinen-tes ao Serviço Sanitário. Aquele, por sua vez,representava apenas uma nova instituição,porém análoga a outras já existentes. ParaPaula Souza, ao contrário, não se poderiaconsiderar o Instituto de Higiene, como in-

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sinuava o parecer de Piza Sobrinho, institu-to de natureza eminentemente técnico mas,isto sim, núcleo inicial de futura unidade au-tônoma de ensino de uma Universidade ain-da inexistente.

Além de problemas de ajustamento inter-institucional também se criticava, na época,a atuação da Fundação Rockefeller junto aoInstituto de Higiene, Dizia o "Diário da Me-dicina", do Rio de Janeiro, em suas "Notí-cias de São Paulo", no dia 8 de abril de1925:

"... surge então no Congresso estadual enas columnas dos jornaes, certas accusaçõesà Rockefeller que, segundo os seus gratuitosinimigos, desejaria implantar aqui a influên-cia americana.

Mas o que é certo é que os acontecimen-tos vêm provando justamente o contrário doque então se disse. Pois além de subordinara administração do Instituto de Hygiene ànossa administração, a Rockefeller doou aonosso Estado todas as installações que aquipossuia.

. . . Cumpre notar ainda que todo o pes-soal que trabalha no Instituto é nacional"

O fato é que a Lei n.o 2018 de 1924 permi-tira que o antigo Laboratório da Cadeira deHigiene da Faculdade de Medicina se trans-formasse, segundo manchete de "O Diário daNoite" em 15 de dezembro de 1926(1), em"Uma grande e moderna escola de Saúde Pú-blica:

". . . Perfeito "gentleman", o Dr. PaulaSouza promptamente nos attendeu, não sóencantando-nos com o brilho de sua pales-tra de fino "causer", como ainda mandandodar-nos todas as informações que, sobre oInstituto de Hygiene, a nossa curiosidadepedia."

Informa Paula Souza durante essa entre-vista que, além do curso da cadeira de Higie-

ne da Faculdade de Medicina, o Institutoministrava também os seguintes cursos: dou-tor em higiene destinado a médicos; enge-nheiros sanitários, técnicos de laboratório desaúde pública, visitadoras de saúde públicapara enfermeiras diplomadas, auxiliares dehigiene escolar para professoras do magisté-rio primário e cursos intensivos de aperfei-çoamento técnico sobre assuntos de higiene.

Os serviços técnicos do Instituto conta-vam então com as seguintes seções:

- Seção de Epidemiologia, a cargo de Fran-cisco Borges Vieira;

- Seção de Parasitologia, a cargo de SamuelBarnsley Pessoa;

- Seção de Microbiologia, a cargo de Alber-to Santiago;

— Seção de Psicotécnica, a cargo de Benja-mim Alves Ribeiro;

— Seção de Química e Bioquímica, a cargode Geraldo Horácio de Paula Souza, ten-do como auxiliar Alexandre Wancolle.Anexos ao Instituto passaram a funcionar

o Posto Experimental da Lepra e o Centrode Saúde Modelo(2).

O Posto Experimental da Lepra, informa-va Paula Souza, tinha como principal funçãofornecer campo de pesquisa para médicos deSão Paulo e alunos de Faculdade de Medici-na, os quais não contavam anteriormentecom centro de estudos práticos de lepra. Es-te passara a funcionar como dispensário,atendendo doentes, suspeitos e comunican-tes, e oferecendo oportunidades para estudoda moléstia. Era responsável por esse Servi-ço José Maria Gomes, Chefe do Serviço deProfilaxia da Lepra no Estado de São Paulo,tendo, como auxiliares, os anatomo-patolo-gistas Paes de Azevedo, Pateo Junior e F.Leitão.

O Centro de Saúde Modelo, anexo ao Ins-tituto, passou a ser considerado dispensáriopadrão de outros que, posteriormente, deve-

(1) Nessa época, 1926, Paula Souza ocupava o cargo de Diretor do Serviço de Saúde Pública do Estado.

(2) O Centro de Saúde decorrera de reforma do Código Sanitário realizada por Paula Souza em 1925,como Diretor do Serviço de Saúde Pública do Estado.

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riam ser fundados pelo Serviço Sanitário nacidade de São Paulo.

A par disso, já contava o Instituto de Hi-giene com biblioteca constituída por mais de4.000 volumes, classificados pelo sistemaDewey internacional.

Assim se encontrava o Instituto de Higie-ne seis anos após a sua criação.

O PRÉDIO DA AVENIDA DR. ARNALDOANTIGA AVENIDA MUNICIPAL

A renovação do contrato entre a Funda-ção Rockefeller e o Governo do Estado, as-sim como a Lei 2018 de 1924, haviam per-mitido transformar o Laboratório de Higieneda Faculdade de Medicina no Instituto deHigiene. Ao conceder-lhe a autonomia neces-sária para seu melhor desenvolvimento, nempor isso se rompiam os laços entre a Faculda-de de Medicina e o Instituto de Higiene, comóbvias vantagens para Higea e Panacea. Nãoimplicara isto, entretanto, no distanciamentoentre as duas entidades uma vez que o pró-prio regulamento cuidara por entregar a dire-ção do Instituto à chefia da Cadeira de Hi-giene da Faculdade de Medicina.

Em sinal de apreço por esse gesto do Go-verno, a Fundação Rockefeller renunciou,em favor da Instituição, a seus direitos sobrea propriedade do estabelecimento por elaequipado. Além disso passou a promover ospassos necessários para atender à solicitaçãode Paula Souza que, já em 5 de janeiro de1925, solicitara à Fundação Rockefeller quelhe fosse outorgada a quantia de 1 :500$000contos, destinada a auxiliar a construção deprédio adequado às novas e múltiplas fun-ções de ensino e investigação(1) (2).

Alguns anos antes da promulgação da leide 1924, já após o falecimento de ArnaldoVieira de Carvalho, recebera Paula Souzacarta de Wickliffe Rose, com data de 10 dejaneiro de 1921, onde se discutiam aspectosrelacionados à construção dos novos prédiosda Faculdade de Medicina, à filosofia que

deveria moldar o novo Instituto de Higienee, ponto crucial, o relacionamento ideal en-tre as duas entidades.(3)

"O senhor me perguntou se seria possívelà Fundação Rockefeller conceder fundos pa-ra o Governo de São Paulo para a construçãodos prédios da Faculdade de Medicina, fun-dos estes que seriam pagos mais tarde comjuros.

. . . Concordamos com o senhor que oInstituto de Hygiene deva ser mais do queum Departamento de Hygiene para ensino deestudantes de graduação da Faculdade deMedicina. O Brazil parece estar entrando emum período de desenvolvimento. Está haven-do um sentimento crescente de apoio à Saú-de Pública. Os governos Federal e Estadualestão criando fundos para objetivos de saúdepública; os Departamentos de Saúde estãosendo reorganizados e novas atividades estãosendo desenvolvidas. Tudo isso exigirá pes-soal treinado. É preciso que haja em solobrasileiro uma instituição adequadamenteequipada que cultive a Higiene, como ciên-cia, assim como o treinamento de homens emulheres para trabalho prático de saúde pú-blica. Parece que o jovem Instituto de Hygie-ne, que acaba de surgir em São Paulo, devaaspirar a liderança desse movimento.

É importante, contudo, que o desenvol-vimento do Instituto de Hygiene se ponhalado a lado com o desenvolvimento da admi-nistração da saúde pública, por um lado, e,por outro, com o desenvolvimento da Facul-dade de Medicina e o interesse do governono desenvolvimento desta instituição parti-cular.

Concordamos com o seu ponto de vistaque, o que quer que se faça no presente, noque diz respeito à construção ou equipamen-to para a Faculdade de Hygiene, deve-se tersempre em mente seu desenvolvimento futu-ro mais amplo, deixando espaço para a ne-cessária expansão no futuro.

Além disso, concordamos com seu ponto

(1) Documento sem título e sem data, marcado apenas com o n.o 16, Comissão Pró-Memória, FSP/USP.(2) Carta dirigida por Paula Souza a João Carvalhal Filho, Secretário do Estado dos Negócios do Interior.

Cópia sem data.

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de vista que o Instituto de Hygiene devaestar intimamente relacionado com a Facul-dade de Medicina, por um lado e, por outrodeva ter individualidade própria. Discuti re-centemente esse assunto com o Diretor daFaculdade de Medicina de Harvard em ter-mos da possibilidade de desenvolver um Ins-tituto de Hygiene nessa Universidade. Achaque o Instituto de Hygiene precisa de prédiopróprio; deve contar com indivíduos com de-dicação exclusiva à Hygiene e Saúde Públicae identificados exclusivamente com o Insti-tuto; e, por outro lado, o Instituto deve estarpróximo da Faculdade de Medicina, se pos-sível no seu campus..."

Em 28 de março de 1921, sob a adminis-tração de Edmundo Xavier, Diretor da Fa-culdade de Medicina no período de 21 defevereiro de 1921 a 21 de fevereiro de 1922,iniciaram-se entendimentos para alojar defi-nitivamente as várias cadeiras da Faculda-de14. Em carta dirigida a Wickliffe Rose,solicitou o Diretor a vinda de um técnicopara orientar a construção dos futuros edi-fícios, aconselhando-se junto à Fundação so-bre como organizar e aperfeiçoar a educaçãomédica em São Paulo. Essa carta foi respon-dida por George E. Vincent, mostrando-seeste bastante favorável à idéia. Foi durante agestão de Celestino Bourroul (2 de março de1922 - 11 de dezembro de 1922), em feve-reiro de 1922, que Pearce, Diretor do Depar-tamento de Educação Médica da FundaçãoRockefeller, voltou novamente a São Paulo.Várias foram as sugestões por ele apresenta-das quanto ao aperfeiçoamento do ensinomédico. Aceitas pela Congregação, em ses-são de março de 1922, foram as mesmas en-viadas ao Governo do Estado, tendo a Fun-dação tomado conhecimento, por intermé-dio de Pearce, de que a Faculdade as haviaaceito. De regresso aos Estados Unidos coma notícia de que a Faculdade aceitara a coo-peração da Fundação, concedeu esta, no dia

24 de maio de 1922, o almejado auxílio paraaquela Instituição.

Em 1925, ao ser integrado na adminis-tração do Estado, com o quadro de pessoalbastante acrescido e percebendo vencimen-tos por conta deste, recebeu o Instituto daFundação Rockefeller o valioso auxílio de1.500 contos para construção do novo pré-dio(1).

A idéia da doação devera-se a FrederickF. Russell, Presidente da Junta Internacionalda Saúde, que a propôs a Comissão da Fun-dação em uma de suas reuniões anuais. Coma anuência do Governo, uma vez aceito odonativo, deu-se início aos estudos e tra-balhos preliminares da construção do novoedifício para o então denominado "Institu-to de Hygiene".

Os planos do novo prédio foram delinea-dos por Paula Souza que, ao organizar asplantas dos diversos andares, fundamentouseu trabalho nos mais modernos preceitosa que se deveria submeter uma Escola deHigiene na época. Aprovadas as plantas peloGoverno, foram elas enviadas à FundaçãoRockefeller. Foi quando se fez, para SãoPaulo, a transferência do equivalente a50.000 dólares, cerca de 350:000$000,quantia depositada inicialmente no Bancodo Comércio e Indústrias, passada, emseguida para o Tesouro do Estado.

Um ponto de alta significação foi o cri-tério predominante, sobriedade do acaba-mento interno e externo. As construçõesrealizadas sob auspícios da Fundação Rocke-feller apresentavam essas características. Pau-la Souza traçou o plano do prédio com amais rigorosa simplicidade, especialmente emsua parte interna, tipos de portas e janelas,gênero de pintura e plano das canalizaçõesde eletricidade, água, gás e esgoto, todosaparentes. Isto despertou comentários de en-genheiros civis e de médicos que lamenta-vam, na época, o sacrifício do aspecto inter-

(1) Exposição de Motivos sobre o Projecto de Construcção do Novo Prédio para o Instituto de Hygiene,Accompanhada de Orçamento apresentado pela Firma Siciliano e Silva para Aquelle Fim Escolhida,Arquivo Pró-Memória, FSP/USP.

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no, sem considerar as vantagens daí decor-rentes.

Em 15 de agosto de 1926, noticiava o "Jor-nal do Commercio": "Será lançada breve-mente, no terreiro fronteiro ao novo prédioda Faculdade de Medicina, no Araçá, a pri-meira pedra do Instituto de Higiene". Paraque a memória não se perca, vejamos algu-mas características do prédio que a persis-tência de Paula Souza permitira erguer(1).

Projeto: três pavimentos com área de1 .547 m2 cada um. O Primeiro reservado pa-ra serviços em contato com o público, comoCentro de Saúde, Curso de Educadores Sa-nitários, Sala de Conferências, Portaria, etc.No segundo, além da parte administrativa doInstituto, a Cadeira de Higiene da Faculda-de de Medicina(2) e outros cursos que, porlei, deveriam ser ministrados no Instituto. Noterceiro, a parte técnica do Instituto, consti-tuída pelas seções de Epidemiologia, Bacte-riologia, Psicotécnica, Parasitologia, nasquais seriam executados serviços de pesqui-sas que, por sua natureza, deveriam ficarseparados do ensino propriamente dito. Par-te desse pavimento seria destinado a peque-na dependência hospitalar, com seis leitos,considerada necessária à pesquisa.

Terreno: Locação do Prédio - Procuran-do reunir no Araçá o conjunto de futurosprédios da Faculdade de Medicina, Hospitalda Faculdade, Clínicas Especiais, Isolamen-to, Profilaxia da Lepra e Medicina Legal, Pau-la Souza foi autorizado pelo Governo a locaro Instituto em terreno pertencente ao Esta-do, compreendido pela Avenida Munici-pal(3) e Rua Teodoro Sampaio, enfrente aoterreno destinado à Faculdade de Medicina.

Estrutura Metálica: Depois de rigorosoexame dos diferentes tipos de estrutura, jul-

gou-se de maior vantagem, para o fim a quese destinava o prédio, o tipo "Truscon", oqual se caracterizava pela constituição espe-cial das lajes. Paula Souza foi autorizado pe-lo Secretário do Interior, ofício n.o 1250, de26 de novembro de 1926, a assinar o contra-to de compra.

O pagamento fora efetuado em NovaYork pela Fundação Rockefeller, por con-ta do donativo referido. Em dinheiro brasi-leiro a compra importara em 179:007$500,tendo sido o material adquirido e deposi-tado no Desinfectório Central do ServiçoSanitário do Estado. Quanto à concorrênciapara a Construção, vencera a firma Sicilianoe Silva, por despacho de 15 de março de1927, confirmado por Paula Souza em ofí-cio de 8 de agosto de 1927.

Orçamento: Chegou-se a um orçamentototal de aproximadamente 2.490 contosde reis.

Em 12 de dezembro de 1926, publicava"O Jornal" matéria a respeito do novo pré-dio do Instituto de Hygiene:

"A elaboração das plantas dessa nova edi-ficação foi accompanhada, em todas as suasminúcias, pelo director do estabelecimento,que não se poupou a sacrifício de espéciealguma com o alto intuito de realizar umaobra integral sob todos os pontos de vista "...

. . . Annexo ao Instituto funccionará, co-mo aliás já funcciona actualmente, o PostoExperimental da Lepra, cuja construcção jáestá iniciada em pavilhão separado e o Cen-tro de Saúde Modelo, que terão accomoda-ções muito mais amplas que as actuaes, emais próprias para os serviços a seu cargo''.

Em 2 de agosto de 1928, estava PaulaSouza,em Genebra como técnico da Seção

(1) Exposição de Motivos sobre o Projecto de Construcção do Novo Prédio para o Instituto de Hygiene,Accompanhada de Orçamento apresentado pela Firma Siciliano e Silva para Aquelle Fim Escolhida,Arquivo Pró-Memória, FSP/USP.

(2) As aulas para os alunos do 5.o ano da Faculdade de Medicina eram ministradas na sala que então deno-minavam de "Sala do 5.o ano". Posteriormente, esta sala foi dividida, dando origem às salas Pedro Egy-dio e Borges Vieira.

(3) Atual Avenida Dr. Arnaldo.

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de Higiene da Liga das Nações (1927-1929).Continuava, entretanto, a acompanhar comentusiasmo a construção do novo edifício,escrevendo a Borges Vieira que, em São Pau-lo, supervisionava a obra:

". . . Em addenda ao que aqui disse quan-to à questão da fachada do Instituto - queroque bem comprehendas - que só pelo factode os edifícios da Faculdade serem de umestylo - não é que faço empenho em que onosso seja d'outro. Não necessitamos ficarpresos ao adoptado pelos outros - tambémnada nos impede - se julgarmos mais bonitoe appropriado em termos cousa semelhante.

. . . Confio em teu critério e no auxíliodos nossos engenheiros".

Nesse mesmo ano, escrevia Borges Vieiraa Paula Souza, dando-lhe noticias sobre o an-damento da construção do edifício e de suascomplicações. Fora apresentado o orçamen-to para a construção, dizendo o Secretárioque era "dinheiro demais, que queriamfazer obra de luxo", recomendando por-tanto redução de orçamento. Preocupava-se Borges Vieira com a possibilidade de ne-gar-lhes o Estado o auxílio prometido paracomplementação da obra, restando-lhes ape-nas, nesse caso, o auxílio seguro da Funda-ção Rockefeller. Em outra carta(1), nessemesmo ano, comunica Borges Vieira a PaulaSouza que fora finalmente assinado o contra-to entre o Governo e a Firma Siciliano e Sil-va para a construção do prédio:

"Eu já estava desanimado!"Apesar de todos esses problemas, informa

o Correio da Tarde a seus leitores no dia 17de agosto de 1931:

"Até o fim do mez o Instituto de Hygieneestará installado no novo prédio do Araçá.

Foi essa a informação que nos deu o Dr.Geraldo de Paula Souza, director desse Ins-tituto de Sciências e lente da cadeira de Hy-giene da nossa Faculdade de Medicina".

A REFORMA DO CÓDIGO SANITÁRIOE O CURSO DE EDUCAÇÃO SANITÁRIA

De 1922 a 1927 foi Paula Souza encarre-gado da Direção Geral do Serviço de SaúdePública do Estado. Foi quando estudou epromoveu a reforma do Código Sanitário, aqual se realizou pelo Decreto 3876 de 11 dejulho de 1925, aprovado e submetido a mo-dificações pela Lei 2121 de 30 de dezem-bro desse mesmo ano8. Com ela abriram-senovos caminhos para os serviços de saúdepública do Estado de São Paulo, cujas im-plicações técnico-administrativas, por suacomplexidadade, não se pretende aqui discu-tir. Limitar-nos-emos a registrar apenas duasdas inovações propostas pela referida refor-ma: a primeira foi a criação da "Inspetoriade Educação Sanitária e de Centros de Saú-de" e, a segunda, a inclusão do "Curso deEducação Sanitária" no então Instituto deHigiene. O Curso dirigia-se a professores pri-mários, regentes de classes, de acordo com oartigo 460 da Lei 2121. Seu objetivo era mi-nistrar conhecimentos teóricos e práticos dehigiene, a esses professores, para que estes osintroduzissem, a partir de uma visão essen-cialmente preventiva, em Centros de Saúdee escolas.

Em 1925, durante o afastamento tempo-rário de Paula Souza como Diretor de Servi-ço, o curso para alunos do sexto ano da Fa-culdade de Medicina foi prelecionado por Sa-muel Barnsley Pessoa, assistente interino(2).

(1) Estas duas cartas estão registradas em documento sem título e sem data, onde se lê - "Fundamentadoem Memorial fornecido pelo Prof. Paula Souza sobre o Histórico e Atividades do Instituto". Arquivoda Pró-Memória, FSP/USP.

(2) Relatório apresentado à Sua Excellencia o Senhor Doutor José Manoel Lobo, M.D. Secretário doInterior, pelo Dr. Geraldo de Paula Souza, Director do Instituto de Hygiene de São Paulo - Anno de1925. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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Além desse, três outros cursos foram tam-bém ministrados no Instituto de Higiene.O primeiro foi o curso para Técnicos Espe-cialistas em Análises de Água, regido pelosubstituto da Cadeira de Higiene, oferecido,como especialização, às alunas já treinadasem "Técnica Bacteriológica" pelo Institutode Higiene. As técnicas que o concluiramforam aproveitadas, em seguida, pelo Labo-ratório de Análises do Estado. O segundo foio curso de Técnicas de Laboratório de SaúdePública, compreendendo: Parasitologia a car-go de Samuel Barnsley Pessoa; BacteriologiaGeral a cargo de Alberto Santiago; Bacterio-logia Aplicada à Higiene a cargo de FranciscoBorges Vieira; Micologia a cargo de José Ma-ria Gomes; Noções de Química e Prática deAnálises Químicas Aplicadas aos ProblemasSanitários, Noções de Estatística Vital e Fei-tura de Gráficos a cargo de Benjamim AlvesRibeiro. Finalmente, o Curso para Educado-res de Higiene, com duração de 12 mesespara a parte teórico-prática, exigindo maisseis meses de exercícios de natureza prática.

No relatório apresentado por Paula Souzaa José Manoel Lobo, em 1925, já constavao regulamento do Curso para Educadores Sa-nitários (não mais Educadores de Higiene) aser realizado em 1926, cujo intuito seria for-mar professores públicos do Estado, para queestes contribuissem à disseminação de co-nhecimentos de higiene entre a população e,além disso, cooperassem em campanhas pro-filáticas uma vez devidamente habilita-dos(1)9.

O ensino desse primeiro curso compreen-dia nove cadeiras: 1.a Noções de Bacteriolo-gia aplicada à Higiene; 2.aNoções de Parasito-

logia e Entomologia aplicadas à Higiene; 3.a

Noções de Estatística Vital e de Epidemiolo-gia; 4.a Higiene Pessoal, Nutrição e Dietética;5.a Higiene Infantil; 6.a Higiene Mental, Sociale do Trabalho; 7.a Higiene Municipal e dasHabitações; 8.a Ética, Educação e Adminis-tração Sanitária; 9.a Princípios e Processos deEnfermagem em Saúde Pública.

A seriação das cadeiras seria a seguinte:1 de fevereiro a 15 de março - 1.a e 2.a cadei-ras; 16 de março a 15 de junho - 3.a,4.a e 7.a

cadeiras; 15 de julho a 15 de setembro - 5.a,6.a cadeiras; e 16 de setembro a 30 de novem-bro - 8.a e 9.a cadeiras. Previa-se que o certi-ficado de conclusão do curso fosse conferi-do pelo Diretor do Instituto de Higiene deacordo com especificações do decreto 3.876de 11 de julho de 1925, artigo 418.

"Foi quando nós surgimos - nós as Edu-cadoras Sanitárias. No seu entusiasmo deinovador e pioneiro Paula Souza pede, a Pe-dro Voss, na ocasião Diretor-Geral da Edu-cação, a colaboração de professores para oseu programa de 'Formação da ConsciênciaSanitária da População'. Dezesseis são as es-colhidas. Adrendam, pela primeira vez, ovelho casarão da Baroneza de Piracicaba, naRua Brigadeiro Tobias, em 8 de dezembro de1925"(2).

Comentava o "Correio Paulistano", nodia 9 de setembro de 1927, que se acabarade realizar a cerimônia da entrega de diplo-mas às educadoras sanitárias da primeira tur-ma do curso do Instituto de Higiene. À sole-nidade haviam comparecido, além do repre-sentante do Secretário do Interior, Waldomi-ro de Oliveira(3) . Diretor do Serviço Sanitá-

(1) Relatório apresentado á Sua Excellencia o Senhor Doutor José Manoel Lobo, M.D. Secretário doInterior, pelo Dr. Geraldo de Paula Souza, Director do Instituto de Hygiene de São Paulo — Anno de1925. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

(2) Discurso proferido por Maria Antonietta de Castro por ocasião das "Comemorações do Jubileu deOuro da 1.a Turma de Educadoras Sanitárias no Brasil e do Jubileu de Prata da Turma de EducadoresSanitários de 1949" - Promoção da Associação dos Educadores Sanitários de São Paulo, 16 de agostode 1975.

(3) Chefe da Inspetoria de Educação Sanitária e Centros de Saúde no período que antecedeu a F.Figueirade Mello.

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rio, Pietro Martinez, pelo Diretor da Instru-ção Pública, F. Figueira de Mello, Chefe daInspetoria de Educação Sanitária e Centrosde Saúde, e numerosos médicos, professores,educadores e pessoas das relações das diplo-mandas.

A sessão fora aberta por Borges Vieira,Diretor do Instituto de Higiene que histori-ando a criação do Curso de educadores sani-tários, referira-se a seu valor em um meioonde todos, e principalmente professores darede pública de ensino, precisariam voltarsuas vistas para a obra indispensável pela for-mação da consciência sanitária da população.Em seguida foram entregues os diplomas,"sob as palmas de selecta assistência", às se-guintes professoras normalistas: Maria Anto-nietta Mendes de Castro, Carlota Enout,Aracy Abreu, Itália de Muno, Alzira Gomes,Elizabeth de Oliveira Souza, Zulmira dosSantos Rodrigues, Maria de Lourdes Cala-zans Luz, Maria Graça Rodrigues dos Santos,Maria Conceição dos Santos, Edith ChavesArcher, Monica do Nascimento Silva, Geor-gina Ayrosa Azevedo, Maria Apparecida Co-le, Francisca Duarte e Silva e Carmem Bor-ges. Após a entrega dos diplomas Maria An-tonietta de Castro, em nome das educadoras,proferiu o seguinte discurso:

". . . Faz três annos hoje. Estávamos nosprecalços de uma tarefa nova, de uma activi-dade nova, de uma actividade outra queaquella a que nos acostumaram as lides domagistério, íamos alistar-nos em uma cruza-da nova \ De ânimo forte, com um enthusias-mo grande a nos borbulhar dentro d'alma,com uma vontade immensa de acertar, defazer jus à distincção com que nos honrarao convite de então diretor geral da Instruc-ção Pública, o eminente educador PedroVoss".

". . . Era a floresta a desbravar. E foi lan-çando por terra os troncos annosos dos pre-conceitos e idéias errôneas; calcando aos pésa erva rasteira do "mo paga a pena", quenão tem força de subir pelos galhos altos;

alijando do caminho as pedras de má vonta-de. ..

Os professores seriam os agentes divulga-dores da hygiene entre as classes populares.Era mister oriental-os para a nova missão.

. . . Que formatura "sui generis" a nossalRecebemos hoje os diplomas, já em plenaactividade pratica a que nos capacitou o cur-so por nós realizado.

. . . Dr. Waldomiro de Oliveira, à vossaescolha para paranymfo desta turma obedecea uma imposição: a da vossa bondade; a docarinho, a da proficiência da vossa orienta-ção para com as vossas educadoras; imposi-ção suave que se reflete na homenagem quevos prestamos.

Seja-nos também permittido relembrar,cheias de reconhecimento, a personalidadede Paula Souza, cujas palavras de encoraja-mento e estimulo tanto concorreram paraque não esmorecêssemos na lucta. E ao pro-fessor Pedro Voss, à cuja benemerencia de-vemos a nossa escolha para a tarefa de queora occupamos. E ao Dr, Borges Vieira, quemais de perto seguiu nosso curso, e aos nos-sos lentes, Drs.: Alberto Santiago, AlmeidaJúnior, Nuno Guerner, Garcia Braga, Dalma-cio Azevedo, Samuel Pessoa, Paulo Saes,Paulo Aguiar, José Maria Gomes, Clovis Cor-rêa, Dra. Azalia Machado, a nossa gratidão. Eao Dr. Figueira de Mello, o emérito continua-dor dos trabalhos do seu antecessor, quetudo tem feito para facilitar a nossa tarefa, aexpressão do nosso mais sincero agradecer".

A seguir Waldomiro de Oliveira, paranin-fo da turma, proferiu seu discurso.

A educadora Maria Antonietta de Castro(1822-1984) foi uma eminente sanitarista(1).Logo após sua formatura, assumiu o cargo deEducadora Sanitária-Chefe da recém-criadaInspetoria de Educação Sanitária:

"Após um Curso de Especialização noInstituto de Higiene e um treino no Centrode Saúde, êi-las no próprio Centro, com ini-cio, em principio de 1926, nas escolas, nosdomicílios. . .

(1) Maria Antonietta de Castro fundou, conjuntamente com Pérola Byington, a Cruzada Pró-Infância doEstado de São Paulo. Em 1972 recebeu da Câmara Municipal de São Paulo o título de "Cidadã Paulis-tana".

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. , . Campanhas contra a peste bubônica,contra a febre amarela, esta, em 229 cidadesdo interior; Cursos de Puericultura, nos Gru-pos Escolares; o 1.o Congresso Nacional deSaúde Escolar, em 1941, que reúne mais de1.000 sanitaristas, professores, psicólogos,sociólogos, de todo o Brasil e cujas conclu-sões são consubstanciadas em grosso volumedos "Anais do I Congresso Nacional de Saú-de Escolar".

A propósito da criação da Inspetoria deEducação Sanitária e de Centros de Saúde,comenta Rodolfo Mascarenhas que o fatode se tratar de uma proposta estranha as ati-vidades então desenvolvidas pelo Serviço Sa-nitário, levou Paula Souza a detalhar a legis-lação com minúcias que mais se aproxima-riam a exposição de um novo Regulamento.Contra essa inovação, levantou-se na Câmarados Deputados a voz de Gama Rodrigues8:

"... Vem depois, sr. presidente, uma ins-pectoria completamente nova que é a daeducação sanitária e centros de saúde. Este éum grande aparelho, completamente novo,introduzido em nosso aparelhamento sanitá-rio. O seu fim é fazer a educação sanitáriado povo, mas essa educação se limita à Capi-tal, da maneira por que está organizada nodecreto. Na minha fraca opinião é umadessas fantasias teóricas que se podemaproximar daquilo que em tempos foram asrepúblicas escolares de triste memória".

De acordo com o depoimento de Castro,a Inspetoria não era de fato "completamentenova" uma vez que dava continuidade a es-forços que haviam tido no início do séculoXIX.

Em 1890 surgiam as primeiras tentativasde organizar a assistência médica ao escolarnos Institutos João Kopke e Brasília Buar-que, entregues então a Carlos Botelho, Sér-gio Meira e Arnaldo Vieira de Carvalho(1).Quatro anos depois, no Governo de Bernar-

dino de Campos, surgiu pela primeira vez, noEstado de São Paulo, Código Sanitário baixa-do pelo decreto 233 de 2 de março de 1894.Começam a se registrar, assim, as primeirasmedidas oficiais tendentes à melhoria dascondições da saúde escolar, por meio da fis-calização das condições de iluminação, are-jamento, instalação de prédios escolares eprofilaxia das moléstias transmissíveis(2).

A Lei 1245 de 30 de novembro de 1910,ao estabelecer o orçamento do Estado para1911, autorizou o Governo a reformar o Ser-viço Sanitário do Estado; baseado nesta, oGoverno do Estado reformou o Serviço Sani-tário pelo decreto 2141 de 14 de novembrode 1911. Finalmente, a Lei 1310 de 30 dedezembro de 1911 aprovou o decreto 2141que reorganizou o Serviço Sanitário8. Poresta lei, promulgada durante a administra-ção de Albuquerque Lins, criou-se a Inspec-ção Médico-Escolar sob direção de EmílioRibas. Reorganizada pela Lei 1541 de 30 dedezembro de 1916 -já na Diretoria Geral daInstrução Pública, sob direção de Vieira deMello, reuniu ilustres médicos paulistas(1).

Parece evidenciar-se, no depoimentode Castro, um ponto comum entre a Inspeto-ria da Educação Sanitária e de Centros deSaúde (Decreto 3876 e Lei 2121 de 1925),onde se encontravam serviços de higieneescolar, e os serviços explícitos na "HigieneEscolar", referentes à Inspecção Médico-Es-colar (Lei 1310 de 1911). De acordo comCastro:

"Foi quando apareceu, pela primeira vez,em saúde pública, a Educação Sanitária e,para ministrá-la e divulgá-la, o primeiro gru-po de 16 educadoras sanitárias, que estendeua sua atuação aos Grupos Escolares Prudentede Moraes, Regente Feijó, Marechal Deodo-ro, John Hopke, Casa Verde e Sant'Ana, nosquais se realizaram os primeiros ensaios para

(1) Talvez o interesse de Paula Souza em contribuir para a melhoria da saúde escolar tenha decorrido deseu contato com Vieira de Carvalho. Não há nenhuma evidência a respeito, trata-se, portanto, de meraconjetura da autora.

(2)Palestra proferida por Maria Antonietta de Castro, como Educadora Sanitária-Chefe da Diretoria doServiço de Saúde Escolar, em Itapetininga, no dia 2 de julho de 1960.

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a implantação da Educação Sanitária nasescolas"(1).

Observe-se que a atuação das novas auxi-liares prendia-se não só aos recém-criadosCentros de Saúde mas, também, a unidadesescolares.

A proposta de Paula Souza, fundamenta-da na utilização de Centros de Saúde e pres-supondo a inclusão de novo auxiliar de saúde,provocou, na época, algumas reações contrá-rias. O Serviço Sanitário sob direção de Fran-cisco Salles Gomes Filho, tornaria a ser reor-ganizado pelo decreto 4891 de 13 de feverei-ro de 1931. Com isso, a Inspetoria de Educa-ção Sanitária e de Centros de Saúde passou adenominar-se Inspetoria de Higiene Escolare Educação Sanitária, tendo incorporado aantiga Inspeção Médico-Escolar. Passaram aseducadoras sanitárias a trabalhar no Serviçode Antropometria Pedagógica, no Departa-mento de Educação. É este pois o serviçoque após numerosas reformas, mudanças denome e de subordinação deu origem ao Ser-viço de Saúde Escolar, em 1938, e, mais tar-de, em 1976, ao atual Departamento deAssistência Escolar (DAE) da Secretaria doEstado da Educação. Neste se encontram ho-je ilustres Sanitaristas, especialistas em Edu-cação em Saúde na Escola, sendo justo regis-trar aqui o nome de Dolly Mendes.

Explica Mascarenhas que, ao se consideraros decretos 3876 de 11 de julho de 1925 eo decreto 4891 de 13 de fevereiro de 1931como os que maior influência exerceramnas atividades sanitárias do Estado de SãoPaulo, torna-se evidente o reflexo de duasescolas com diferentes pontos de vista.Uma favorável a centros de saúde, como eixode toda a organização sanitária; outra opon-do-se à formação desse tipo de unidades sa-nitárias. Para Mascarenhas, o desaparecimen-to dos centros de saúde, originado em umaescola que via nesse tipo de unidade sani-tária um "americanismo" impróprio ao nos-so meio, atrazou em dezenas de anos a evolu-

ção dos serviços de saúde pública no Estadode São Paulo .

ALGUNS COMENTÁRIOS A PROPÓSITO

A par da criação dos Centros de Saúdeque, como inovação, levantara séria suspeitana época, a inclusão no sistema de novoauxiliar de saúde, o educador sanitário, cujoperfil técnico se mostrava historicamenteobscuro e impreciso na década de 20, mesmoa nível internacional, não poderia deixar delevantar também certo constrangimento.Além disso, propunha a realização de algu-mas atividades legitimamente atribuídas àEnfermagem(2), o que contribuia para com-prometer sua imagem.

A proposta da atuação de equipe de cará-ter multiprofissional na área da Saúde Públi-ca em que representantes das Ciências Bio-médicas, Ciências Sociais, Educacionais,Comportamentais e da Engenharia, entreoutros, assumiriam na prática igual parce-la de responsabilidade, estava, em seus pri-mórdios, longe de se concretizar. A idéiacomeçara a esboçar-se, tomando forma ape-nas entre observadores mais atentos e sani-taristas por vocação.

Além disso, só mais tarde, como veremosadiante, desenvolver-se-ia, com surpreenden-te vigor, novo campo de conhecimento téc-nico-científico - a Educação em Saúde Pú-blica — em decorrência da emergência deproblemas de origem comportamental, quepassaram a se evidenciar na prática da SaúdePública, tanto a nível da própria equipe téc-nica, quanto a nível das populações às quaisos serviços se dirigiam. Considerou-se a Edu-cação em Saúde, portanto, campo específi-co da prática da Saúde Pública. O termo sur-gira pela primeira vez em 1919, durante arealização do Congresso de Organização daSaúde Infantil, nos Estados Unidos. Só em1938, contudo, um programa comunitá-

(1) Palestra proferida por Maria Antonietta de Castro, Educadora Sanitária-Chefe da Diretoria do Serviçode Saúde Escolar, em Itapetininga, no dia 2 de julho de 1960.

(2) Não existia a Escola de Enfermagem na época. Esta foi criada pelo Decreto-lei 13.040 em 31 de de-zembro de 1942.

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rio, sob direção da educadora Lucy Morgan,acabaria por atrair a atenção a nível nacio-nal. Este foi seguido pela apresentação derelatório sobre "Organização de Comunidadepara a Educação em Saúde", elaborado poruma Comissão da Associação Americana deSaúde Pública10,12,

Essencialmente ligada à prestação de ser-viços, a Educação em Saúde vale-se, entreoutros, da Psicologia Social, Sociologia, An-tropologia, Pedagogia (particularmente a An-dragogia, educação dos adultos), Serviço So-cial e Comunicação. Todos esses ramos deconhecimento científico têm muito a vercom a ciência e arte da Educação em Saúde.Destes se originaram os princípios que, trans-formados em técnicas, contribuiriam para omelhor desempenho do educador de saúdenos vários níveis administrativos3. Este de-senvolvimento técnico-científico que nosEstados Unidos recebeu significativo impul-so, de início com Dorothy Nyswander,Mayhew Derreberry e Lucy Morgan e, a par-tir da década de 70, com Lawrence W. Green,Marshall W. Kreuter, Patricia D. Mullen,Lloyd J. Kolbe, entre outros, viria a ocorrermuitos anos depois de Paula Souza propora inclusão do novo auxiliar no sistema deatendimento médico-sanitário.

Em 1925 não fora sequer criada a Univer-sidade de São Paulo e, quando isso ocorreuem 1934, longo período passaria antes queesta pudesse finalmente oferecer, a nível degraduação, nas várias áreas de conhecimento,programas de ensino necessários à formaçãobásica dos candidatos graduados ao cursoque, como já se disse, passou então a ser de-nominado de "Educação em Saúde Pública".Ora, a proposta de Paula Souza, Diretor doInstituto de Higiene e Diretor do Serviçode Saúde Pública do Estado (1922-1927),em 1925, surgira muitos anos antes. Ele pró-prio se surpreenderia quando, ao visitar di-versas Escolas de Saúde Pública nos Estados

Unidos, em 1943, trocou idéias com Morganem Chapel Hill(1):

" . . . quanto à Educação Sanitária, hápoucos anos, apenas Winslow havia desenvol-vido esse curso na sua escola(3). Agora a Dra.Morgan, aqui (Carolina do Norte) está desen-volvendo, há vários anos, também, essa ativi-dade. Os primeiros três "health educators"foram treinados em 1942 graças à KelloggFoundation. Utilizam-se desses educadorespara atingir a maior massa possível de gente(Block plan ou Channel). Estão abandonan-do os antigos sistemas de propaganda, subs-tituindo-o por educação tanto quanto possí-vel individual (há tanta gente que ou nãosabe ler ou lê mal). Para o curso de PublicHealth Educator requerem Bacharelato(2)

seja em Home Economics ou Equivalente".Comprovando o fato de que realmente,

em São Paulo, o educador era consideradoauxiliar que substituia as então ausentes en-fermeiras, Paula Souza pergunta a Morganporque estavam formando educadores desaúde pública em lugares onde já se tinhaacesso a enfermeiras de saúde pública. Res-ponde-lhe esta que "as enfermeiras não fa-zem o que as educadoras fazem; mesmo queo pudessem fazer não teriam tempo e issorepresentaria uma dispersão(1).

Regressando ao Brasil mostra sua satis-fação em entrevista concedida ao "O Estadode São Paulo" no dia 20 de janeiro de 1944:

"no que se refere à educação sanitária, ti-vemos a grata oportunidade de verificar quea orientação por nós seguida em São Paulo,há 18 anos, com a criação das educadoras sa-nitárias diferenciadas das enfermeiras de saú-de pública, tanto no seu preparo como nasua órbita de ação, vem encontrando agora oamparo dos mais distintos sanitaristas e pro-fessores, a ponto de ter sido organizada essaclasse de auxiliares de saúde pública em vá-rios setores da atividade sanitária norte-ame-

(1) Relatório da Viagem aos Estados Unidos, em 1943. Arquivo Pró-Memória, FSP/USP.(2) O curso de São Paulo era ainda de nível médio.(3) Trata-se de Charles-Edward Amory Winslow (1877-1957), um dos mais notáveis líderes na área da

Saúde Pública nos Estados Unidos e no mundo. Autor de numerosos trabalhos, um dos quais apresentafamosa definição de Saúde Pública.

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ricana. Várias Escolas de Higiene possuemcursos dessa natureza".

O Curso de Educadores Sanitários, de ní-vel médio, foi extinto no ano de 1962. Du-rante sua existência sempre se discutiu, pordesinformação técnica, aspectos de atuaçãoe função ligados à sobreposição das tarefasrealizadas por parte de educadores e enfer-meiros.

Em 1967 teve início o Curso de Educa-ção em Saúde Pública, que passou a receberalunos graduados de áreas bastante diver-sificadas. O conteúdo curricular foi subme-tido a graduais reformulações que, comoseria de esperar, demandariam a modificaçãodas funções a serem exercidas no sistema desaúde nos vários níveis administrativos. Ti-nham passado quarenta e dois anos após osurgimento dos educadores sanitários no Ins-tituto de Higiene e nos Centros de Saúde.Nem este e nem aqueles continuavam osmesmos.

O CURSO DE ESPECIALIZAÇÃOPARA MÉDICOS

No dia 19 de outubro de 1928 foi aprova-do pelo Secretário do Estado dos Negóciosdo Interior, Fábio de Sá Barreto(1) o "Regu-lamento para o Curso de Especialização emHygiene e Saúde Pública para Médicos". Deacordo com o Capítulo I, o curso visava apreparar médicos para o exercício da profis-são sanitária, fornecendo ao Serviço Sanitá-rio do Estado pessoal especializado para odesempenho dos cargos técnicos dessa admi-nistração. O curso destinava-se a médicoscom diplomas registrados na Diretoria Geraldo Serviço do Estado, já trabalhando nesseserviço. Permitia-se, contudo, que médicosestranhos a este pudessem, não obstante,concorrer livremente às vagas do curso queseria professado no Instituto de Higiene si-tuado, como já se disse, na Rua BrigadeiroTobias.

De acordo com seu Regulamento, o cur-so, de caráter técnico-prático, teria a duraçãode um ano, dividido em quatro trimestres deensinos especiais, com a seguinte distribui-ção: 1.o Trimestre - Parasitologia, Químicaaplicada à Higiene, Higiene Pessoal, Nutriçãoe Dietética e estágios em Serviços de Tuber-culose e Venerologia; 2.o Trimestre - Bacte-riologia e Imunologia aplicadas à Higiene,Estatística Vital e Epidemiologia, Adminis-tração Sanitária, e estágios na Inspetoria deMoléstias Infecciosas; 3.o Trimestre - Higie-ne Fisiológica, Higiene Mental, EngenhariaSanitária, Higiene Pré-Natal, Pré-Escolar eEscolar. O quarto trimestre reservava-se paraestágios em determinados Serviços e elabo-ração de trabalho escrito ou de relatório so-bre tema de interesse para a Higiene.

O Curso teria início em qualquer épocade acordo com circunstâncias e recursos daocasião.(2)

Já no dia 14 de dezembro de 1928, pu-blicava o "Correio Paulistano" matéria como título "Viagem de Estudos a S. Vicente":

"Chefiados pelo professor Dr. Samuel B.Pessoa, lente de parasitologia, irão a SãoVicente, terça-feira, dia 18 do corrente, emcarro reservado, cedido pelo Governo doEstado, os médicos que estão fazendo o cur-so de especialização em hygiene e saúde pú-blica.

A partida está marcada para as 6 horas damanhã daquelle dia e o objectivo da viagemé o de visita ao serviço de malaria que se ef-fectua na cidade mencionada. Os médicosque se acham matriculados no curso emapreço, são os seguintes: Rocha Botelho, Es-pírito Santo, Alfredo Cimiello, J. V. de Luc-ca, J. Carvalho Parreira, Luiz Araújo, AlvaroCamera, Jayme Candelaria, AmphilophioMello, C. Pamponet Filho, Nunes Marcon-des, Mendes de Castro, E. Novaes e NogueiraMartins".

Um ano depois, em 22 de dezembro de

(1) Secretário do Estado dos Negócios do Interior no período de 14 de julho de 1927 a 24 de outubro de1930.

(2) O curso de 1928 teve a duração de um ano.

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1929, tornaria o "Correio Paulistano" a refe-rir-se ao "Curso de Especialização em Hygie-ne e Saúde Pública", publicando nessa oca-sião fotografia dos médicos que haviam con-cluído o curso, vendo-se no centro do grupoPaula Souza e à sua direita Borges Vieira.

No dia 18 de janeiro de 1929, informava"O Estado de São Paulo" que haviam termi-nado, a 8 do corrente, as aulas do primeiroperíodo do curso de higiene e saúde públicarealizado no Instituto de Higiene da capitalsob auspícios de Fábio Barreto, Secretáriodo Interior, e de Waldomiro de Oliveira, Di-retor do Serviço Sanitário. Informava aindaque, no trimestre letivo transcorrido, haviamsido lecionadas as cadeiras de parasitologia,por Samuel Pessoa, química sanitária, porBenjamim Ribeiro, e Higiene Pessoal, Dietéti-ca e Nutrição, por Alberto Santiago. Publi-cava ainda os resultados dos exames dosalunos, que constaram de provas escritas eprático-orais.

Vinha pois o Instituto de Higiene minis-trando cursos especializados para médicos, aprincípio irregularmente, como aquele querealizara em 1921(1) durante a administraçãode Smillie e, em 1928, já com regulamentobaixado pelo Governo do Estado16.

PRIMEIROS TEMPOS - O TEMORDA DESCONTINUIDADE

Apesar dos esforços de Paula Souza e Bor-ges Vieira em prol da criação de uma escolaautônoma de Saúde Pública, certas circuns-tâncias ameaçavam romper a continuidadedo recém-criado Instituto de Higiene. Umadelas prendia-se à própria Faculdade de Me-dicina, onde nem todos pareciam concordarcom o desenrolar do processo.

Estava Paula Souza em Genebra onde pas-sou um ano e meio, como técnico da Seçãode Higiene da Liga das Nações, (1927 a1929), quando Borges Vieira, então Diretordo Instituto, dirigiu carta com data de 5 desetembro de 1927 a Frederick F. Russel.Este havia pleiteado, como já se referiu, averba da Fundação Rockefeller para constru-ção do novo edifício na então denominadaAvenida Municipal (hoje Av. Dr. Arnaldo):

"O Dr. Paula Souza escreveu-lhe a respei-to das circunstâncias aqui e cada dia peque-nos eventos mostram que a autonomia doinstituto está ameaçada. A Faculdade de Me-dicina, principalmente, quer anexá-lo e issoseria o fim de nossos planos. A FundaçãoRockefeller, que nos tem auxiliado até ago-ra, poderia instruir seu representante aqui arespeito de seus desejos quanto à indepen-dência do Instituto, de forma a garantir maistarde seu desenvolvimento em uma Escolade Hygiene".

De fato, parecia ser essa uma das circuns-tâncias que conspirava contra a integridadedo Instituto de Higiene, preocupando, emambas as unidades, aqueles que já o perce-biam como futuro órgão autônomo da aindainexistente Universidade de São Paulo.

A respeito do relacionamento entre a Es-cola de Medicina e o Instituto de Higiene,ponto extremamente delicado para ambas aspartes, esclarecera Wickliffe Rose, o já refe-rido Diretor da Fundação Rockefeller emNova York, que este deveria permanecer liga-do à Escola de Medicina, porém sem prejuí-zo de sua individualidade. Em conversa man-tida com o decano da Escola de Medicina deHarvard, uma das muitas instituições quetambém recebera verbas da Fundação paracriar uma Escola de Saúde Pública, afirmaraeste que um Instituto dessa natureza deveria.não só contar com prédio próprio, mas tam-bém com pessoal em regime de tempo inte-gral,(2) portanto com dedicação exclusiva àHigiene e Saúde Pública. Além disso, deveria

(1) O curso de 1921 teve a duração de seis semanas. Foi freqüentado por seis alunos.(2) Cabe a Paula Souza o mérito de ter introduzido, pela primeira vez no país, o regime de tempo integral

nos serviços de saúde pública. O decreto 3876 de 11 de julho de 1925 apresenta no artigo 453 longalista de cargos sob regime de tempo integral.

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o Instituto localizar-se na proximidade ime-diata da Escola de Medicina, valendo-se dosrecursos humanos e materiais aí existentese, em contrapartida, colocando à disposiçãodela suas instalações.

Encontra-se entre os documentos pessoaisde Paula Souza a seguinte afirmação:"existisse a Universidade na ocasião de suaprimitiva organização, não padece dúvidaque a ela seria entregue esse patrimônio, amaneira do que foi feito em outros países,onde havia Universidades organizadas"(1).

Incompreendido por muitos, procuravaPaula Souza cumprir sua missão de fundaruma Faculdade Universitária de Saúde Públi-ca, a partir daqueles princípios que, apóscuidadoso estudo Welch e Rose haviam pro-posto. Não poderia, portanto, deixar desonhar com a criação da Universidade deSão Paulo, pressuposto básico à digna con-tinuidade do Instituto de Higiene e na qualeste se deveria, inexoravelmente, integrar.Quanto a este aspecto, cumpre aqui registraridéias por ele expressas em "O problema doensino universitário", discurso proferido emreunião realizada no Rotary Club de SãoPaulo, no dia 19 de julho de 1929(2):

"Já lembramos estar fora de debate aquestão da oportunidade de criação de uni-versidades no Brasil São acordes todas aspessoas ouvidas até hoje em proclamar a suanecessidade. Uma vez aceito este ponto, dú-vidas poderiam surgir quanto à questão dalocalização de organismos universitários, aquiou acolá.

Não cremos, todavia, que objeção algumapudesse se interpor à lógica, à insofismávelvantagem da localização de uma universidadenesta Capital1-É portanto oportuna a organização de

uma universidade em São Paulo;2 -Esta teria por fim primordial a formação

das elites de que tanto necessitamos e que

devem existir em todo pais que pretendeter individualidade própria.

3-A simples reunião de escolas técnicas su-periores ou de institutos vários, por ven-tura existentes, não basta para se conside-rar organizada uma universidade. Forma-ria, assim, no máximo, um complexoadministrativo, de discutível vantagem,mas não um verdadeiro centro estimula-dor de esforços e de alta cultura ".Cartas e documentos referentes à década

de 30 continuam a refletir a apreensão dePaula Souza pelo futuro do Instituto de Hi-giene. Em dezembro de 1930, manifesta seutemor quanto ao pensamento do novo Dire-tor da Faculdade de Medicina e Cirurgia, Sér-gio de Paiva Meira Filho (22 de dezembro de1930 - 14 de julho de 1932). Diplomado naUniversidade de Genebra, onde fora assisten-te de anatomia do Prof. Laskouski e assisten-te de Cirurgia do Prof. Girard foi, tantoquanto Vieira de Carvalho, um dos mais ar-dorosos e eminentes colaboradores na orga-nização da Faculdade de Medicina de SãoPaulo. Durante sua gestão, como Diretor daFaculdade de Medicina, inaugurou-se o atualedifício da Faculdade6.

Preocupado quanto à sua posição comoDiretor, comenta Paula Souza em carta de19 de dezembro de 1930 dirigida a FrederickL. Soper, representante da Fundação Rocke-feller do Brasil, então residindo no Rio deJaneiro:

"0 Dr. Ernesto Souza Campos deixou adireção da Escola Médica de São Paulo. Ou-tro Diretor será designado, provavelmenteo Dr. Sergio de Paiva Meira, Professor deCirurgia. Como uma das maiores necessida-des em São Paulo é realmente a falta de ins-talações hospitalares temo que o Governoplaneje utilizar o edifício do Instituto paraum hospital. Durante a visita que lhe fiz on-

(1) Documento sem data e sem título, marcado apenas com o número 16, Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

(2) A cópia da Ata publicada, contendo o discurso de Geraldo Horácio Paula Souza, foi gentilmente ce-dida pelo Rotary Club de São Paulo a pedido do Dr. Durval Rosap Borges.

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tem, o Dr. Neiva(1) procurou me convencerque não sabia qual a verdadeira situaçãodo Instituto de Hygiene, pedindo-me que lheescrevesse para lhe dizer quais são os objeti-vos do Instituto de Hygiene e sua orienta-cão e que tipo de trabalho se realizou nosúltimos anos!! Parece-me portanto que vocêpoderia me fazer o favor de escrever umacarta que poderia ser mostrada ao Dr. Neivadizendo-lhe exatamente qual é a posição des-te Instituto e de como a Fundação Rockefel-ler fez uma doação de 1.500.000$000 aoGoverno de São Paulo para a construção deuma Faculdade de Hygiene e de como essadoação foi feita, não como no caso da Facul-dade de Medicina, da verba da Medical Edu-cation Boards Funds, mas do InternationalHealth Board Funds, para que fique perfei-tamente claro que essas instituições são in-dependentes uma da outra e seus objetivosdistintos. Parece ser conveniente tambémlembrar que essas escolas existem em mui-tos outros países, além da Faculdade deMedicina, e que são absolutamente indispen-sáveis para o treinamento adequado de pro-fissionais da saúde, visto que uma instruçãoassim tão especializada não pode ser satis-fatoriamente dada durante o curso usual deMedicina".

No dia 23 de dezembro de 1930, respon-deu Soper à angustiada solicitação do Dire-tor do Instituto de Higiene. Vale a pena re-gistrar aqui, por seu valor histórico, o teordessa correspondência:

"Na fase de organização porque passa SãoPaulo neste momento, e possível como é queo Dr. deseje informar o Governo sobre os finsdo Instituto de Hygiene de São Paulo, a suaorientação, e a parte que representava a Fun-dação Rockefeller na sua criação, julgueiconveniente lhe remeter algumas informa-ções a esse respeito.

Em 18 de fevereiro de 1918, o Governode São Paulo firmou um termo de ajuste por5 anos com o International Health Board pa-

ra a organização de um departamento dehygiene anexo à Faculdade de Medicina deSão Paulo, comprometendo-se o GovernoPaulista a fornecer o prédio adaptado aofuncionamento do Departamento, com aco-modações necessárias aos trabalhos de labo-ratório, preleções, etc. A Fundação Rocke-feller se obrigaria a fornecer a quantia neces-sária para o equipamento do Instituto, cal-culada em cerca de 10.000 dolares; os fun-dos necessários à manutenção da mesma du-rante aquele período; duas bolsas de viagempara estudos de hygiene e saúde pública adois médicos brasileiros; e a cessão de umtécnico americano para Chefe de Departa-mento, com dois auxiliares brasileiros. Assimfoi até 1923, quando o Governo do Estadoopinou pela dilatação do acordo para maisdois anos, o que foi aceito por ambas as par-tes.

Assim nasceu o Instituto de Higiene. Em1922, o Dr. F. Russel, Diretor do Internatio-nal Health Board, após uma visita ao Institu-to, já tendo inúmeras provas de grande inte-resse pelo progresso da instituição, fez aocomitê a proposta da doação de 1.500 con-tos para a construção de um prédio próprio,adaptado a suas múltiplas funções, ao seu de-senvolvimento e aos seus fins.

. . . tal instituição como as que existemem outros países, são absolutamente indis-pensáveis para o treinamento adequado dosmédicos sanitaristas, pois que as Escolas deMedicina existentes não fornecem instruçãosatisfatória em seus cursos usuais a tais es-pecializações. "

Além desse, outros incidentes iriam per-turbar o Diretor e Vice-Diretor do Institutode Higiene no decorrer do agitado ano de1930. Enviou Waldomiro de Oliveira, Diretordo Serviço Sanitário no período de 18 deagosto de 1927 a 24 de outubro de 1930,ofício a Fábio de Sá Barreto, Secretário doInterior (14 de julho a 24 de outubro de1930), em que se lia(2):

(1) Arthur Neiva foi Secretário do Estado dos Negócios do Interior no período de 5 de dezembro de1930 a 13 de fevereiro de 1931. Foi também o primeiro Diretor do Instituto Biológico.

(2) A cópia do ofício encontra-se no Arquivo da Pró-Memória, FSP, USP. Registra apenas o ano (1930).

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"Com o intuito de melhorar as installaçõesdo Serviço Sanitário e suas Secções e, ao mes-mo tempo, supprimir despezas com aluguéisde prédios, mandei organizar uma relaçãodos prédios occupados pelo Serviço Sanitário,com especificação dos aluguéis que são pagospor cada um e das datas em que findam oscontractos de locação.

. . . Não sendo pequena a despeza dessesaluguéis com que arca o Thesouro, seria me-dida econômica, beneficiadora das finançasdo Estado, encontrar-se um meio de elimi-nar esse dispêndio.

Parece-me que esse problema se resolve-ria, cedendo à Directoria do Serviço Sanitárioe algumas de suas dependências, a accomoda-ções no prédio da Avenida Municipal, cujaconstrucção se ultima e é destinada ao Ins-tituto de Hygiene".

Existiam pois circunstâncias que, perió-dica e até concomitantemente, perturbavamas atividades dos responsáveis pelo Institutode Higiene. Também durante a Revolução de1930, fora este invadido por "bisonhas tro-pas do Sul"(1). Além disso cortes e redu-ções de verbas interrompiam periodicamen-te o prosseguimento da construção do pré-dio, apesar das obrigações assumidas peloGoverno em relação à Fundação Rockefeller.

Ameaças dessa natureza repetem-se notranscorrer do tempo. No dia 12 de janeirode 1931, dirige Paula Souza carta ao Secre-tário da Segurança Pública que, arbitraria-mente, decidira aquartelar um batalhão noprédio ainda em construção do Instituto deHigiene.

"Senhor Secretário"Accusando o recebimento de ordem tele-

phonica de V. Excia. afim de entregar ao 3.o

batalhão de policia do Estado o prédio emconstrução, do Instituto de Hygiene, tomoa liberdade de fazer algumas ponderações.

Pelo que V. Excia. teve a oportunidade deme informar, a estadia, muito provisória doreferido batalhão em nosso prédio, seria deduas a tres semanas apenas.

Soubemos, entretanto, agora, que preten-de aquella unidade ali se instalar por espaçode 6 a 8 mezes, tendo já transportado todomaterial e mobiliário, archivos e biblioteca,parecendo portanto, não se tratar de umabreve estadia.

Lembro a V. Excia. que o prédio emquestão constitue obra de collaboração in-ternacional na qual se acha vivamente com-promettido o Governo do Estado perante aFundação Rockefeller. A paralização dasobras do Instituto já causou desagradável im-pressão no seio daquella benemérita corpora-ção, e o desvirtuamento, embora provisóriodos fins a que se destina aquelle prédio, cer-tamente é fadado a causar a mais dolorosaimpressão".

No dia seguinte publicava o "Diário Na-cional":

"Os soldados aquartelados no Instituto deHygiene farão o policiamento do JardimAmérica".

Como registram estes dados, os anos de1930-1931 haviam sido particularmente pe-nosos para o Diretor e Vice-Diretor do Ins-tituto de Higiene, assim como para seus cola-boradores. A construção do edifício estavaquase terminada e isso, naturalmente, nãodeixava também de representar ponderávelrisco. Tornava-se assim urgente efetuar a mu-dança do casarão da Rua Brigadeiro Tobiaspara a Av. Dr. Arnaldo. Apesar disso o efeitodas verbas exíguas fazia-se sentir, comocomprova carta de W. A. Sawer da FundaçãoRockefeller, em 7 de janeiro de 1931, lamen-tando a interrupção das obras do edifíciodestinado à Escola.

Assim se expressou Paula Souza em entre-vista concedida ao "Correio da Tarde" nodia 3 de abril de 1931:

"Um esforço a mais por parte do gover-no viria completar essa obra. Como sabe-mos, está em construcção ao lado da Facul-dade de Medicina, à Av. Dr. Arnaldo, o novoprédio do Instituto de Hygiene, que recebeu

(1) Expressão utilizada por Paula Souza no discurso proferido por ocasião da homenagem póstuma presta-da a Borges Vieira no 30.o dia de seu falecimento.

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da Fundação Rockefeller uma dotação paraa sua edificação mediante compromisso for-mal do Governo do Estado em doar o s u f f i -ciente para que ele seja terminado.

De todas as escolas de hygiene creadas pe-la Fundação Rockefeller, é a nossa a de me-nor vulto. Recebeu, como as demais, donati-vos na mesma occasião, isto é, em 1925.Todas já se acham edificadas e funccionandohá longo tempo. Só a nossa permanece aindaem obras.

. . . Todos os demais paizes entraram comsommas quasi que idênticas às recebidas. SãoPaulo, que recebeu 188.000 dollares, teriaainda que fazer um pequeno esforço. Que ofaça e gaste 60.000 dollares mais.

Estou certo que essa importância virá,para não ficarmos mal collocados perante osdemais paizes que receberam, como São Pau-lo, doações da Fundação Rockefeller."

Não obstante tais contratempos, permiti-ria a persistência de Paula Souza que o Ins-tituto de Higiene fosse transferido para onovo edifício, embora incompleto, em agos-to de 1931. Nessa altura este já se havia trans-formado, veremos a seguir, em Escola de Hi-giene e Saúde Pública.

A ESCOLA DE HIGIENE ESAÚDE PÚBLICA

Pouco antes de Arthur Neiva (1880-1943)se afastar da Secretaria do Estado dos Negó-cios onde permaneceu pouco mais de umano(1), decidiu realizar importantes refor-mas em alguns dos departamentos sujeitosàquela Secretaria, entre os quais se encontra-vam o Serviço Sanitário, o Ensino Normal, oInstituto Butantan e o Instituto de Higiene.Comentava o "Correio da Manhã" em 25de janeiro de 1931 que embora as duas pri-meiras reformas já houvessem sido assina-das pelo Interventor Coronel João AlbertoLins de Barros, as duas últimas, assinadas por

Arthur Neiva, continuavam a aguardar, nãoobstante, a assinatura daquele: "as causasdessa não aprovação por parte do interven-tor, parecem ser a presença de falhas elacunas nesses dois departamentos, decor-rentes da pressa com que foram reformados,quando da saída do Sr. Arthur Neiva daSecretaria do Interior. A serem verdadeirasessas informações que o "Correio da Tarde"colheu em fonte autorizada, não foi dos maisfelizes o trabalho do Sr. Arthur Neiva noseu penúltimo dia de secretariado."

Pouco depois o Decreto 4917 de 3 demarço de 1931 transformou a Secretaria doEstado do Interior em Secretaria do Estadode Educação e Saúde Pública8. Era Diretordo Serviço Sanitário do Estado, naquela oca-sião, João de Barros Barreto(2) que, há al-gum tempo, vinha sentindo a necessidade decriar um órgão capaz de superintender, demodo mais integrado, as atividades de saúdepública do Estado. A partir dessa perspecti-va, estabeleceu o referido decreto como de-pendência da nova Secretaria o Departa-mento de Saúde, cujo Diretor Geral passariaa superintender o Serviço Sanitário, o Insti-tuto Butantã, o Instituto Pasteur, o Hospi-tal do Isolamento, o Instituto Bacteriológi-co, a Assistência a Psicópatas e, finalmente,o Instituto de Higiene. A este propósito, in-formava o Diário Nacional no dia 5 de marçode 1931:

"O Sr. Interventor Federal despachouhontem, pela primeira vez, com o secretariointerino da pasta da Educação e Saúde Pú-blica, antiga Secretaria do Interior, ora a car-go do Sr. Oliveira Coutinho(3) levando aoque soubemos, entre outros, os decretosreorganizando o Instituto de Hygiene e oButantan"...

De fato, a este seguir-se-ia o Decreto 4955de 19 de abril de 1931. Já se referiu que,poucos anos antes, no dia 19 de outubro de1928, o Secretário do Estado dos Negócios

(1) Secretário do Estado dos Negócios do Interior no período de 5 de dezembro de 1930 a 13 de fevereirode 1931.

(2) Diretor do Serviço Sanitário do Estado no período de 6 de março de 1931 a 26 de julho de 1931.(3) Secretário do Estado dos Negócios do Interior do período de 3 a 5 de março de 1931.

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do Interior, Fábio de Sá Barreto(1) paraatender às necessidades do ensino especia-lizado de higiene para médicos, havia aprova-do o "Regulamento para o Curso de Espe-cialização em Higiene e Saúde Pública", aser ministrado no Instituto de Higiene deSão Paulo:

"O curso de especialização em hygiene esaúde pública visa preparar médicos para oexercício da profissão sanitária, fornecendoao Serviço Sanitário do Estado pessoal espe-cializado para o desempenho de cargos técni-cos dessa administração (artigo 1.o)."

Este foi o estabelecimento reformado pe-lo decreto 4955 de 19 de abril que, uma vezassinado por Lins de Barros, propunha areorganização do Instituto de Higiene, trans-formando-o definitivamente em Escola deHigiene e Saúde Pública do Estado, subordi-nado à Secretaria da Educação e Saúde Pú-blica. Vejamos o teor desse decreto:

"O Coronel João Alberto Lins de Barros,interventor Federal no Estado de São Pauloconsiderando que, para o bom desempenhodas funcções sanitárias, o engenheiro, o mé-dico e outros profissionais necessitam de es-tudo especializado; considerando que oactual Instituto de Hygiene, tal como seacha, não corresponde a sua primordial fina-lidade educativa, para a qual foi creado; con-siderando que o seu apparelhamento para oensino especializado de hygiene pode ser en-cetado sem augmento de despesa;

DECRETAArtigo 1.o O Instituto de Hygiene de São

Paulo, criado pelo Governo do Estadoem collaboração com a Fundação Rocke-feller, e officializado pela lei n.o 2018, de26 de Dezembro de 1924, fica reorganizadonos termos do presente decreto.

Artigo 2.o O Instituto de Hygiene de S.Paulo, que é a Escola de Hygiene e SaúdePública do Estado e subordinado à Secreta-ria da Educação e da Saúde Pública, tempor fim:

1) O ensino de Hygiene e Saúde Pública pormeio de cursos regulares e outros deemergência, servindo ao aperfeiçoamentoe habilitação technica para funcções sani-tárias. .."Cabia aos técnicos que por ali se diplo-

massem, preferência, em igualdade de con-dições, para o provimento nas Repartiçõesdo Estado nos cargos técnicos iniciais desuas especialidades."

Criara-se assim núcleo formador de novacarreira. Para esses eminentes ideólogos sani-taristas, como se observa, a saúde pública,por sua problemática multidimensional, nãopoderia contar tão somente com a especia-lização de médicos. Estes representavam im-portante componente na prática da saúdepública, porém apenas parte de um todo eo que se pretendia era a formação de umaequipe multiprofissional de saúde pública10.Além de se tornar irrazoável, por isso, locali-zar esse tipo de ensino em uma escola médi-ca, parecia-lhes agora imprescindível consi-derar o reconhecimento oficial dos diplo-mas ali expedidos.

O Decreto 4955 de 1.o de abril precisariaser posteriormente alterado, veremos adiante,em decorrência de três importantes decretosreferentes à legislação federal do ensino su-perior, assinados pelo Presidente GetúlioVargas e por Francisco Campos7,11. O pri-meiro foi o decreto 19.851, de 11 de abrilde 1931, que regulamentou o estatuto dasuniversidades brasileiras. O segundo foi odecreto 19.852, da mesma data, que dispôssobre a organização da Universidade do Riode Janeiro. Finalmente, o decreto 20.179 de6 de julho de 1931 dispôs sobre a equipara-ção dos institutos de ensino superior man-tidos pelos governos dos Estados e sobre ainspecção de institutos livres para efeito dereconhecimento oficial dos diplomas por elesexpedidos. Tornava-se portanto necessárioque os regulamentos destinados a presidir oscursos já ministrados fossem exarados e queos já existentes, como o do curso para médi-

(1) Secretário do Estado dos Negócios do Interior no período de 14 de julho de 1927 a 24 de outubrode 1930.

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cos, fossem revistos, não só com vistas aadaptá-lo a nova legislação do Instituto, mastambém para que seus títulos se tornassemválidos em todo o país. Isso exigiu mais dezanos de esforços.

Mas voltemos, por questão de ordem, aoDecreto Estadual 4955 de 1931. ExplicavaPaula Souza em entrevista concedida aoCorreio da Tarde, no dia 3 de abril, que omotivo da referida demora fora o extremocuidado e a atenção das pessoas que nosúltimos meses haviam se empenhado no es-tudo da reorganização do Instituto de Higie-ne. Desde a época de José Carlos MacedoSoares(1), informara seu Diretor, sob cujaadministração se realizara o primeiro projetode reorganização, até os últimos dias da ad-ministração de Arthur Neiva, haviam se con-cretizado os pontos mais essenciais da refor-ma. Durante a administração de EdmundoNavarro de Andrade(2), graças aos conhe-cimentos técnicos e ao prestígio de BarrosBarreto, procurava-se conceder a São Paulouma organização à altura das demais con-gêneres no país. Explicava Paula Souza nareferida entrevista:"na forma actual, o que se fez em princípiode importância foi, sobretudo, melhor defi-nir e delimitar as actividades do Instituto deHygiene, dando-lhe caracteres puramente deescola de hygiene moderna. Ahi, sobretudoforam de grande valor as luzes jurídicas doProf. Sampaio Doria. . . Está pois consoli-dada no Brasil, a sua primeira escola de hy-giene, com feição mais ampla que os ante-riores cursos de aperfeiçoamento sanitário.Já era tempo, em nosso meio, de caracte-rizar perfeitamente a profissão sanitáriacomo dividida da prática médica corrente."

A FILOSOFIA DE ENSINO

Em relação aos alunos de medicina e de

engenharia, assim se expressara Paula Souzaem entrevista concedida ao "Correio da Tar-de" em abril de 1931.

"Si por um lado, nos cursos médicos cadavez mais se diffunde, no espírito dos estu-dantes, a idéia prophylactica e social da me-dicina, visando tornal-os mais aptos a coope-rar com as autoridades sanitárias, nem porisso se pensa possuirem os novos médicos,assim orientados, competência para o cabaldesempenho de funções especializadas, deefficiente organização de saúde pública.

. . . Por melhor preparo, entretanto, querecebam os médicos em escola moderna,carecem-lhe elementos que só uma ulteriorespecialização lhes poderia dar, para o bomdesempenho de missões attinentes à saúdepública. O mesmo se pode dizer do engenhei-ro, já que os cursos regulares dessa profissãonecessitam de outros complementares paraos habilitar no concernente à technica sani-tária.

Contudo, tanto o médico não especiali-zado como o engenheiro commum têm sidochamados ao desempenho de funcções sani-tárias, verificando-se que nem sempre a suaboa vontade ou os seus esforços se vêem co-roados de êxito correspondente.

. . . Rosenau(3) o grande professor ame-ricano, a esse respeito, em 1915, assim se ex-pressava: 'Causa dó a observação dos vãosesforços e perda de energia, tempo e dinhei-ro, por parte dos Sanitaristas, que tenhamconhecimentos imperfeitos e incompletosdas sciências de que depende o seu trabalho'.Sobre esse mesmo assumpto, no memorialapresentado ao governo, dizíamos que sepoderia, estudando as demais actividades quecomporta a vida nacional, dizer que, emgrande parte, a difficuldade de solução dosproblemas ou das crises que nos affectam,repousa na falta absoluta do preparo adequa-do daquelles aos quaes estão confiados os

(1) Secretário do Estado dos Negócios do Interior no período de 25 de outubro de 1930 a 4 de dezembrode 1930.

(2) Secretario da Educação e Saúde Pública no período de 5 de março de 1931 a 5 de maio de 1931.

(3) trata-se de Milton J. Rosenau, famoso higienista da Universidade de Harvard e autor do livro intitula-do "Medicina Preventiva e Saúde Pública".

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trabalhos de responsabilidades technicas.Ainda somos um paíz de amadores em

quasi tudo, embora a complexidade dos nos-sos problemas já seja de natureza a desafiaros próprios profissionaes."

Preocupava-se o Diretor da nova escola,explicitamente, não apenas com um cursode aperfeiçoamento para médicos, o quese tornava evidente no teor do Decreto4955, mas com o desenvolvimento históri-co de núcleo formador de uma nova carrei-ra(1):

"Este Instituto, que é a Escola de Higienedo Estado, inaugura hoje o seu primeirocurso de especialização em higiene e saúdepública.

. . . Não se trata apenas de curso de aper-feiçoamento para médicos interessados noassunto, senão de um núcleo formador deuma nova carreira.

. . . Se não mais se admite o médico pou-co versado em assunto de medicina preven-tiva, tão complexas se apresentam com fre-qüência as questões de saúde pública, que omelhor curso das Faculdades de Medicinaé insuficiente para assegurar cabal compe-tência para o perfeito exercido das funçõessanitárias. Um sem número de estudos essen-ciais ao sanitarista fogem à preparação domédico.

Rosenau pondo em relevo o complexo denoções que a higiene moderna envolve e anecessidade de o sanitarista conhecer os por-menores dos problemas que lhe são afeitos,disse ser preciso:"que de tudo saiba alguma coisa e do quecuida especialmente conheça tudo "

Ora o curso médico abrange apenas partedaquele "tudo" de que necessita saber algu-ma coisa e, por vezes, muito pouco daquiloque precisa "tudo conhecer".

Embora filiada à biologia e intimamenteligada à medicina clínica, aborda a higienefreqüentemente o campo da engenharia,quando não do direito e da sociologia; da

educação serve-se como instrumento valioso,utilizando-se de seus métodos. Tem enfimuma individualidade própria que se revelatanto na apreciação teórica do conjunto deconhecimentos de que se compõem, comono exercício prático da profissão que deladeriva.

Winslow - já em 1912 - na Ameri-can Health Association - insistia - no quetem tido quem lhe aprove a idéia - de quenem só aos médicos deveria ser aberta a car-reira sanitária, mas a todos que possuindocultura tivessem também conhecimentosparticulares do assunto. Daqui então: pre-firo o homem que conhece saúde pública enão conhece medicina, ao que conhecendoa medicina não conheça saúde pública.

Estamos em que, sobretudo para o nossopaiz, à parte os engenheiros sanitários queformam profissão distinta, o sanitarista con-vém que seja médico, tanto mais primitivaa região em que deva actuar - mais solicita-da a sua dupla qualidade de médico e dehigienista.

Médico apenas, entretanto, não se concluicapaz para o desempenho das funções espe-cíficas que os serviços de hygiene modernosexigem de seus funcionários. Hemenway -dos mais acatados autores em matéria delegislação e administração sanitárias -afirma que 'durante muito tempo, nos Esta-dos Unidos, pensava-se ser todo médico com-petente para opinar sobre assuntos de higie-ne e dirigir repartições sanitárias, porémnão existe um clínico sobre quinhentos queconheça os rudimentos de saúde pública mo-derna, o preparo, a prática, idéias e objetivosdo bom médico, sendo inteiramente diversosdos de uma autoridade sanitária ideal.

Courmont, o eminente mestre de Lyon,apreciando a complexidade dos problemasque envolvem a conservação de saúde públi-ca diz ser a 'higiene uma sciência social queultrapassa os limites da medicina'.

. . . Creio que assim fica bem evidente po-derem e deverem coexistir as duas preocupa-

(1) Manuscrito de Paula Souza. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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ções - que não são antagônicas mas comple-mentares - a da difusão dos conhecimentosde hygiene e de saúde pública - em todasas camadas sociais - e sobretudo a incenti-vação dos conceitos sanitários no conjuntode conhecimentos dos médicos - e a con-comitante especialização de médicos parafins de saúde pública ".

Os comentários de Paula Souza permitementender, como se observa, a linha de pensa-mento que fundamentara a proposta de cria-ção da Escola de Higiene e Saúde Pública.Dera-se portanto outro importante passo,treze anos após a criação do Laboratóriode Higiene.

A EQUIPARAÇÃO DA ESCOLA

O Decreto 6283 de 25 de janeiro de1934, assinado pelo então Interventor Fede-ral no Estado de São Paulo, Armando de Sal-les Oliveira e seu Secretário de Educação eSaúde Pública, Christiano Altenfelder Silva,criou finalmente a Universidade de São Pau-lo. Nessa altura havia no Estado, além deoutros de menor tradição, quatro centros deensino bem definidos: a Faculdade de Direi-to, a Escola Politécnica, a Faculdade de Me-dicina e a Escola Agrícola Luiz de Queiroz.De acordo com o Artigo 3.o do Título II, pas-saram a fazer parte da Universidade de SãoPaulo os seguintes institutos oficiais: Facul-dade de Direito, Faculdade de Medicina,Faculdade de Farmácia e de Odontologia,Escola Politécnica, Instituto de Educação,Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras,Instituto de Ciências Econômicas e Comer-ciais, Escola de Medicina Veterinária, Esco-la Superior de Agricultura e Escola de BelasArtes.

Além destes, concorriam para ampliar oensino e a ação da Universidade, de acordocom o Artigo 4.o, o Instituto de Higiene, oInstituto Biológico, o Instituto Butantan, oInstituto Agronômico de Campinas, o Insti-tuto Astronômico e Geográfico, o Museude Arqueologia, História e Etnografia, o Ser-

viço Florestal e outras instituições de carátertécnico e científico do Estado2.

Assim se localizava então o Instituto deHigiene em termos da recém-fundada Univer-sidade de São Paulo. Poucos dias antes desua criação, entretanto, já se desencadearaprocesso que visava a pleitear novo regula-mento para o Curso de Especialização emHigiene e Saúde Pública para médicos(1).Cumpre aqui examinar o sentido desta rei-vindicação, tendo como ponto de referênciaos decretos federais de 1931. Vejamos emque medida exigiam estes que os regulamen-tos destinados a presidir os cursos já minis-trados fossem exaurados, como se comen-tou anteriormente. De acordo com o Artigo108 do Decreto 19.852 de 11 de abril de1931 que dispõe sobre a organização deUniversidade do Rio de Janeiro7, "enquan-to não se organizar a Escola de Higiene eSaúde Pública, que fica criada por este De-creto, funcionará como dependência da Fa-culdade de Medicina do Rio de Janeiro ocurso de especialização em higiene e saúdepública, o qual visará o preparo dos médi-cos que se destinam às funções sanitárias edos que nela já se acham investidos. Pará-grafo único - Aos profissionais, que obti-veram o certificado de conclusão do cursode especialização em higiene e saúde pública,será assegurado o direito de preferência abso-luta para o provimento de cargos federais defunção sanitária, efetivos, interinos, contra-tados ou em comissão, excetuados os queexigem competência especializada e tambémos de direito de serviço, cujo provimento de-penda de confiança do Governo."

Em 15 de janeiro de 1934, portanto dezdias antes da criação da Universidade de SãoPaulo, enviou o Interventor Federal no Es-tado de São Paulo ao Ministério da Educaçãoe Saúde Pública documentos referentes aoreconhecimento, a nível federal, da Escolade Higiene e Saúde Pública(1). Esperava-seque o Ministro determinasse as devidas pro-vidências em termos do Decreto n.o 20.179

(1)Ensino Superior - 19.12.34 - App. Unanim. 20.12.34.a) A. Lacombe - Copia. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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de 6 de julho de 1931, anteriormente aoqual já vinha aquela Escola funcionando.Este Decreto dispõe sobre a equiparação deinstitutos de ensino superior mantidos pelosGovernos dos Estados para efeito do reco-nhecimento oficial dos diplomas por eles ex-pedidos7.

Dos documentos apresentados constavaentão ampla exposição destacando que porexistir em São Paulo organização oficial, oInstituto de Higiene, criado pela Funda-ção Rockefeller em colaboração com o Go-verno do Estado, oficializado em 1924 e queconstituia, conforme o Decreto Estadualn.o 4955 de 19 de abril de 1931, a Escola deHigiene e Saúde Pública do Estado, pleitea-va-se seu reconhecimento de acordo com oArtigo 17 do Decreto Federal, 20.179 de 6de julho de 1931, por preencher as condi-ções ali exigidas. Diz o Artigo 17 do referidoDecreto que "os atuais institutos de ensinosuperior mantidos pelos Governos dos Es-tados ficam dispensados da verificação a quese refere o artigo 3.o, podendo desde logoentrar nas prerrogativas do reconhecimentooficial dos diplomas e da equiparação, nostermos deste decreto, uma vez requerida arespectiva concessão"7. Complementava aexposição que, por ocasião do decreto de6 de julho, já a Escola de Higiene realizavacursos gerais e de especialidades destinados àpopulação em geral, a estudantes da Cadei-ra de Higiene da Faculdade de Medicina e àespecialização de técnicos sanitaristas, médi-cos, engenheiros e educadores sanitários.Passava-se depois a argumentar que a Escolacorrespondia, de acordo com dispositivos doartigo 2.o do decreto federal de 6 de julho de1931, aos requisitos exigidos para sua equi-paração a estabelecimentos congêneres daUnião. O ofício de 15 de janeiro de 1934,assinado pelo Interventor de São Paulo, e osdocumentos acima referidos foram enviados,ainda em janeiro, por despacho do Ministro,ao Conselho Nacional de Educação(1), oqual só se pronunciaria a respeito em dezem-bro desse mesmo ano. Enquanto isso o Inter-

ventor Interino do Estado de São Paulo en-viara ao Ministro, em aditamento ao ofíciode 15 de janeiro, exemplar do Diário Oficialdo Estado onde fora publicado o decreto6674 de 19 de setembro de 1934, dando no-vo regulamento não mais à Escola mas aoCurso de Especialização de Higiene e SaúdePública para médicos, que funcionava na Es-cola de Higiene e Saúde Pública de São Paulopara efeito de reconhecimento do referidocurso, conforme Lei Federal. De acordo como artigo 1.o do Capítulo 1, "os cursos de Hy-giene e de Saúde Pública, constantes desteregulamento, serão de ensino seriado e visama especialização dos médicos em geral e da-quelles que se acharem investidos de cargospúblicos relacionados em assumptos dehygiene e saúde pública." Este decreto eramais amplo do que a proposta da Univer-sidade do Rio de Janeiro, visto que esta sedirigia apenas a médicos, enquanto o artigo19 do decreto estadual afirmava: "além docurso regular para médicos de que trata esteregulamento, poderão ser admitidos à matrí-cula, numa ou em algumas disciplinas, osprofissionais que nellas queiram especializar-se, ficando as condições de matrícula a

juízo do diretor do estabelecimento." Des-tacava-se, portanto, a importância não ape-nas do preparo de médico sanitarista, fraçãode um todo, mas de um grupo multiprofis-sional de sanitaristas, pressuposto básico daprática da Saúde Pública.

Voltemos entretanto ao assunto em pau-ta, o curso de especialização para médicos.Referia o parágrafo único do artigo 108 doDecreto Federal, como já se disse, que pro-fissionais que obtivessem certificado de con-clusão do curso de especialização em Higie-ne e Saúde Pública pela Escola do Rio de Ja-neiro teriam o direito de preferência absolu-ta para cargos federais. Para o curso de SãoPaulo se solicitava assim a equiparação aosdos institutos federais congêneres. Existindopois, como então se demonstrava, curso ofi-cial de especialização de Higiene e Saúde Pú-blica na Faculdade de Medicina do Rio de

(1)O Conselho Nacional da Educação foi criado pelo Decreto Federal 19.850 de 11 de abril de 1931. Vi-de Lei 174 de 6 de janeiro de 1936.

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Janeiro, seria este o curso congênere ao qualse teria de equiparar o da Escola de São Pau-lo. Após municioso estudo, propôs a Comis-são encarregada desse parecer que, feitas al-gumas modificações, poderia ser deferida,nos termos do artigo 17 do decreto 20.179de 6 de julho de 1931, a solicitação doreconhecimento constante do processo fei-to pelo Interventor de São Paulo. Esse de-creto dispõe sobre a equiparação dos institu-tos de ensino superior mantidos pelos gover-nos dos Estados, assim como sobre a inspe-ção dos institutos livres para efeito do reco-nhecimento oficial dos diplomas por eles ex-pedidos7: "Artigo 1.o — Serão oficialmentereconhecidos como válidos para o exercícioprofissional no território da República,observadas quaisquer outras disposiçõesadministrativas federais ou estaduais, os di-plomas expedidos pelos institutos de ensinosuperior, congregados ou não em Universida-de, mantidos pelos Governos dos Estados nascondições prescritas por este decreto.

Vejamos agora as modificações introduzi-das pelo Decreto 6674 de 1934 no decretode 1931(1), enviado em aditamento ao refe-rido ofício de 15 de janeiro:

Capítulo I - Objeto dos Cursos - Intro-duzia-se-lhe, à semelhança do curso de Higie-ne e Saúde Pública Federal, parágrafo assegu-rando aos diplomados preferência no preen-chimento de cargos técnicos de função sani-tária..

Capitulo II - Da matrícula - Referia-seà preferência absoluta natural de que deve-riam gozar, para efeito de matrícula, profis-sionais já no exercício de funções públicasde caráter sanitário. Esses funcionários pode-riam ser comissionados junto à Escola duran-te o período do Curso.

Capitulo III - Dos cursos - Com o obje-tivo de tornar o curso, para efeito de equipa-ração, de acordo com o federal, o qual exigiaparte básica a ser realizada no Instituto Os-waldo Cruz, a Escola de Higiene e Saúde Pú-

blica de São Paulo se propunha, como unida-de didática completa, a ministrar o curso bá-sico, ou preliminar, equivalente ao programado referido Instituto, dispensando do mesmoos candidatos que já o houvessem freqüen-tado.

Assim se apresentava o curso para preparode médicos sanitaristas em 1934. Porém,apesar dos esforços dispendidos para reco-nhecimento oficial de diplomas e equipara-ção a nível federal, isso só viria a ocorrer se-te anos depois de iniciados esses esforços,com o Decreto 7198 de 20 de maio de 1941:

"Em 1941, após exame cuidadoso das ati-vidades didáticas do Instituto de Higiene, emprocesso iniciado desde vários anos antes,foi o curso de médicos sanitaristas oficial-mente reconhecido por decreto do Sr. Presi-dente da República, sendo seus diplomas,para todos os efeitos, equiparados aos doCurso que funciona no Rio de Janeiro, comodependência do Departamento Nacional deSaúde"16.

Quanto aos educadores, o Decreto 6321de 28 de fevereiro de 1934 estabelecia novoregulamento para o curso de EducadoresSanitários:

"O Doutor Armando de Salles Oliveira,Interventor Federal no Estado de São Paulo,usando das atribuições que lhe confere o de-creto federal n.o 19.398, de 11 de novembrode 1930; e considerando que a experiênciatem aconselhado algumas modificações naorganização de Educadores Sanitários, decre-ta:

Artigo 1.o - O Curso de Educadores Sani-tários, criado pela lei n.o 2121, de 30 de de-zembro de 1925, art. 460, a cargo do Institu-to de Hygiene de São Paulo, visa ministrar aprofessores diplomados conhecimentos theo-rico-práticos de hygiene, no intuito de con-correr para a formação da consciência sani-tária do povo e cooperar com os serviços desaúde publica nas campanhas prophylati-

(1) Instituto de Higiene de S. Paulo. Escola de Higiene e Saúde Pública do Estado. Modificações propostasao Regulamento atual para o Curso de Especialização em Higiene e Saúde Pública para médicos. Abrilde 1934. Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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cas". Seguem-se considerações a respeito daadmissão ao curso, freqüência, notas deaprovação e certificado de conclusão do cur-so.

Já em 1934, portanto nove anos após asua criação, começara-se a realizar reformasgradativas no curso de Educação Sanitária.Este seria interrompido em 1962. Em 1967,criou-se o Curso de Educação em Saúde Pú-blica, o qual passou a exigir diploma univer-sitário, tornando-se, portanto, de nível supe-rior. Tinham passado quarenta e dois anosdesde o primeiro curso e a proposta de di-ferenciar educadores sanitários de enfermei-ras de saúde pública, tanto em preparo quan-to em campo de ação, já desde 1944 vinharecebendo o amparo dos mais eminentessanitaristas(1).

INCORPORAÇÃO À UNIVERSIDADEDE SÃO PAULO

No início de 1938 o Instituto de Higienecorreu, mais uma vez, sério risco. Passou oGoverno, representado por Francisco SallesGomes Júnior, então Secretário da Educaçãoe Saúde Pública do Estado (21/12/1937 a23/4/1938), a estudar a possibilidade de rea-lizar o que então se denominou de "fusãodos laboratórios do Serviço Sanitário".• A este respeito, publicava o Diário da

Noite, no dia 28 de janeiro de 1938, matériasobre "A Fusão dos Institutos Scientíficosde S. Paulo":

"Conforme foi noticiado, o secretário daEducação e Saúde Pública, sr. Francisco Sal-les Gomes Júnior, nomeou há dias uma Co-missão da qual fazem parte os Srs. Humber-to Pascale, inspetor geral do Serviço Sanitá-rio, no interior; Nicolau Rosseti, médico-auxiliar do Instituto de Hygiene, e J.P. deCarvalho Lima, director do Instituto Bacte-riológico, incumbindo-a de estudar a possi-bilidade de fusão dos institutos scientíficospaulistas que passariam a formar um únicoestabelecimento scientifico de alta pesquisa.

A reportagem do Diário da Noite procurououvir o titular da Educação sobre as razõesque teriam motivado esse plano de uniformi-zação dos núcleos de pesquisas scientíficas,em São Paulo.

. . . - Trata-se de uma iniciativa da qual re-sultam duas grandes e apreciáveis vantagens.Primeiro, uniformiza-se o serviço de pesqui-sas scientificas e, em segundo lugar, é umamedida de alcance econômico.

Com a fusão dos institutos scientíficosnum só estabelecimento desapparece essa si-tuação de multiplicidade existente em SãoPaulo. Assim, qualquer assumpto que sequeira estudar sob o ponto de vista scientifi-co são muitos laboratórios, ao mesmo tem-po, que se encarregam disso. Exemplo fr i -zante temos dessa moléstia que chamam defebre amarela sylvestre. Está sendo estudadapela commissão especial chefiada pelo Dr.Aragão: os Institutos de Hygiene e Bacterio-lógico também pesquisam.

. . . O Rio de Janeiro, nesse ponto, collo-cou-se na vanguarda. Lá todos os institutosde pesquisa médica passaram para o Institutode Manguinhos.

. . . O Serviço Sanitário - prossegue o Dr.Salles Gomes - tem três institutos: o Bacte-riológico, o Serviço de Leite e o da Alimen-tação Pública. Elle também seria attingidopor essa uniformização. Outros estabeleci-mentos são: o Instituto Butantan, Pasteur eo Instituto de Hygiene.

. . . - E quanto tempo durarão os estu-dos? Isso faz pensar que vae levar ainda me-zes.

Sorrindo, retruca o titular da Educação:- Você já me conhece. Isso de muito

tempo não é commigo. Gosto de fazer as cou-sas no mínimo tempo possível. Estamos tra-balhando e em menos de um mez já teremosos estudos necessários para a fusão dos nos-sos institutos de alta pesquisa scientífica".

Cartas e documentos testemunham a in-quietação pela qual passou o então Diretordo Instituto de Higiene. A primeira de que

(1) "Diário da Noite", 19 de janeiro de 1943: A Medicina Preventiva determinou grandes transformaçõesno campo da higiene.

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se tem conhecimento foi dirigida a JoséCarlos de Macedo Soares, Interventor paulis-ta, no dia 14 de fevereiro de 1938:

"Amistoso Saudar. . . Conforme o amigo talvez esteja infor-

mado pela leitura dos jornais, o Governoestuda a possibilidade da fusão de várioslaboratórios do Serviço Sanitário; incluientretanto entre eles o Instituto de Higie-ne, de funções inteiramente diversas e com-pletamente dedicado ao ensino. Contra essareunião do Instituto aos demais laboratóriosé unânime o parecer de quantos desapaixo-nadamente têm estudado a questão.

O Conselho Técnico da Faculdade de Me-dicina já se manifestou a respeito nesse sen-tido; da mesma opinião é o Reitor da Univer-sidade, Professor Reynaldo Porchat. Estouinibido de fazer sentir diretamente esse pon-to de vista ao Secretário da Educação e Saú-de, com quem não mantenho relações pes-soais, embora tenha sido o mesmo, meu se-cretário no Serviço Sanitário.. .

. . . Nenhum professor sequer da Faculda-de de Medicina é membro da referida Comis-são. Acresce ainda que o Instituto de Higie-ne é uma criação do Governo de São Pauloem conjunto com a Fundação Rockefeller.Esta fez ao Estado doações com o fim ex-plícito de servir ao ensino e incluido o Ins-tituto na fusão projetada, ficaria o mesmodesvirtuado da finalidade de doação ".

Dois dias depois de enviar essa carta aoInterventor de São Paulo, escreve Paula Sou-za a Galeno de Revoredo, médico, gaúcho,residente no Rio de Janeiro nessa época,muito provavelmente pessoa com influên-cia junto ao então Presidente Getulio Var-gas:

"Remeto-lhe, por intermédio do nossocolega e amigo Dr. Edmundo Vasconcellos,uma cópia da "representação" lida por mimhoje, perante a Congregação da Faculdadede Medicina. Após a leitura da minha "expo-sição", toda a Congregação acorde, resolveu,unanimente, dirigir por intermédio do Reitor

da Universidade, uma moção ao interventorpaulista, pedindo-lhe que retire o Institutode Higiene do projeto de fusão dos laborató-rios; e que as modificações que por venturavenha a passar o Instituto, sejam resultadode estudo da referida Congregação, não de-vendo de forma alguma ser alterado o espí-rito das doações e a intenção de seus funda-dores, nunca vindo a ter outro destino ouemprego, o prédio, instalações, etc., doInstituto.

Muito grato ficaria, se o colega, com seusbons ofícios, conseguisse que viesse do Riopara o nosso interventor, qualquer deter-minação nesse sentido. Seria de todo o in-teresse que tal medida viesse sem demora,pois o atual Secretário da Educação estáapressando a projetada e inconveniente "fu-são".

De fato, nesse mesmo dia, a pedido docatedrático de Higiene, reunira-se a Congre-gação da Faculdade de Medicina da Univer-sidade de São Paulo, com a presença de vintee dois professores, para que esta se pronun-ciasse a respeito da proposta que visava aincluir o Instituto de Higiene no estudo queentão se fazia na Pasta da Educação, tenden-te à "fusão de laboratórios". Paula Souza en-via, então carta a Porchat, Reitor da Univer-sidade de São Paulo(1):

". . . Compreende-se que se reunam emlaboratórios espaços de finalidade seme-lhante: os de diagnóstico, de preparo de soroe vacinas, de análises bromatológicas, de lei-te, ou dos serviços de lepra, malária, etc., to-dos sob a guarda e direção do Serviço Sani-tário, responsável pela execução de medidasdiretamente de ordem sanitária.

Instituições de ensino não podem formarao lado dessas; sua finalidade é outra e nãofazem duplo emprego. As primeiras cuidamdos problemas imediatos a serem resolvidospelas autoridades competentes; as segundasdo ensino e preparo de sanitaristas e do estu-do de problemas de ordem mais acadêmica,de possível interesse imediato, porém nãoobrigatoriamente sujeitas a soluções rápidas.

(1) A data não consta na cópia da carta. Arquivo Pró-Memória, FSP/USP.

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. . . O que, em última análise, fatalmentese verificaria caso se fizesse a inclusão do Ins-tituto de Higiene no grupo a fundir, seriaapenas a encampação do prédio, instalaçõese material do Instituto, desviados de suasfunções precípuas, deixando nosso organis-mo universitário amputado e retrogradadoem relação a outras instituições, mesmo na-cionais".

Solicitava-se ao Reitor da Universidadeque, na cátedra da Faculdade de Direito, noConselho Universitário e no Conselho Nacio-nal de Educação, vinha firmando o valor desuas virtudes cívicas e morais, considerasse amoção aprovada por unanimidade em respos-ta à proposta apresentada por Pinheiro Cin-tra, Aguiar Pupo e Jayme Pereira, assim con-substanciada: pedir ao Interventor Federalque excluísse o Instituto de Higiene, prolon-gamento da Cadeira de Higiene da Faculda-de, do projeto de fusão de laboratórios deSaúde Pública; solicitar que fosse ouvida aCongregação da Faculdade antes de se pro-mover qualquer reforma ou alteração na es-trutura e organismo do referido Instituto;exprimir desagrado a medidas tendentes aocupar o prédio e a dispor ou reduzir ma-terial e equipamentos indispensáveis ao ensi-no da Cadeira de Higiene, por qualquer re-partição que não fosse dependente da mes-ma:

"A Congregação está certa de que S.Excia., também Professor Universitário, aco-lherá esse apelo da Faculdade de Medicina,como a maior homenagem à confiança quedeposita no seu elevado espírito de magis-trado".

Em 11 de março, dirige-se o Diretor doInstituto de Higiene a Soper, Diretor da Fun-dação Rockefeller no Brasil:

. . . "Aparentemente entra em latência ogolpe preparado. Sei todavia, por várias fon-tes, que o projeto continua a ser estudado deforma a, no papel, respeitaram-se na aparên-cia a integridade e finalidades do Instituto,que entretanto passaria a sofrer as modifica-ções que lhe quisessem introduzir.

Consta que é coisa para breves dias, mas

como tudo se passa em segredo, ignoro asparticularidades. O que transpira pode nãocorresponder à verdade; indica entretantoque não deram por finda a questão.

. . . Peço ao amigo que não descanse paraque por meio de subterfúgios não venha aser mutilada ou disvirtuada esta obra de 20anos de colaboração ".

Em 12 de março de 1938 torna a escre-ver a Galeno de Revoredo:

. . . Os planos atuais de tocar nos Institu-tos são apenas roupagens para coonestar umaúnica intenção, que é atingir de qualquer for-ma a organização do Instituto de Higiene.

Uma vez sustado o primitivo plano de fu-são, que seria a aniquilação completa e defi-nitiva do Instituto de Higiene, uma nova fór-mula foi encontrada para atingir o mesmofim a prazo mais longo. . . a fórmula encon-trada seria a seguinte: mantidos como tais osInstitutos, permaneceriam os mesmos comoentidades distintas, porém sob uma direçãogeral única, que limitaria as atribuições decada um a sua vontade. Outra particularida-de do projeto é que um determinado proje-to, não dispondo de meios em certo setor,poderia requisitar o necessário e ocupar de-pendências, material e pessoal de outro Ins-tituto. Cada Instituto ficaria entretanto como seu Diretor, mero cumpridor de ordens eda orientação que outros lhe quisessem im-por. No caso particular do Instituto de Higie-ne, que é dirigido pelo Professor da Cadeirade Higiene e verdadeiro prolongamento des-ta, ficaria de fato sob duas direções: a da Fa-culdade e a do novo diretor do laboratório,donde inevitáveis conflitos. Aos poucos o ma-terial e pessoal que possui seria distribuídopor outras repartições e assim mutilado nadapoderia produzir. Suas finalidades de ensinoseriam completamente desvirtuadas, poispassaria a simples dependência do ServiçoSanitário. O que se projeta, viria em últimaanálise, a significar a mesma cousa que a fu-são primitivamente intentada."

Resta perguntar que estratégia poderia serutilizada para garantir a transformação doInstituto de Higiene em uma unidade maisde acordo com os princípios então aceitos

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pelo seu corpo docente, defendendo-o assimcontra certas modalidades de absorção. Umasolução seria subordiná-lo novamente à Ca-deira de Higiene, do qual se desligara, comojá se viu, por ocasião da oficialização do Ins-tituto de Higiene, Lei 2018 de 26 de dezem-bro de 1924. E foi isso que aconteceu.

O Decreto 9279 reorganizou o estabele-cimento, incorporando-o à Universidade deSão Paulo e subordinando-o à cadeira de Hi-giene da Faculdade de Medicina:

"O Doutor Adhemar Pereira de Barros,Interventor Federal no Estado de São Paulo,usando de suas atribuições legais e conside-rando as vantagens de dispor o ensino da Hi-giene de um Instituto onde possa desenvol-ver, em todos os seus graus, o máximo deeficiência;

Considerando que o Instituto de Higienede São Paulo já é, por força do Decreto Fe-deral n.° 39, de 3 de setembro de 1934, ins-tituição complementar da Universidade deSão Paulo;

Considerando que o Governo Federal, emcaso idêntico, relativo ao Instituto de Pueri-cultura, o incorporou sob a direção do Cate-drático de Puericultura e Clínica da PrimeiraInfância da Faculdade de Medicina, à Univer-sidade do Brasil, nos termos do Decreto-Lein.o 98 de 23 de dezembro de 1937;

Considerando que o Governo do Estadocriou, em colaboração com a FundaçãoRockefeller, o Instituto de Higiene, e queesta circunstância requer se mantenha oespirito que presidiu a essa iniciativa, princi-palmente no tocante à intima ligação coma Faculdade de Medicina sem prejuízo dosfins que lhe são próprios,

Decreta:Artigo 1.o - Fica incorporado à Univer-

sidade de São Paulo o Instituto de Higienede São Paulo, reorganizado pelo Decreton.o 4.955, de 1.o de abril de 1931, comoEscola de Higiene e Saúde Pública, subor-dinando-se, diretamente, à cátedra de Higie-ne da Faculdade de Medicina, da mesmaUniversidade".

O artigo 2, Parágrafo 1.o, deste Decretomostrava claramente a principal finalidade

da Instituição: "O ensino da Higiene do cur-so normal de ciências médicas; o de especia-lização e de aperfeiçoamento em Higiene eSaúde Pública para diplomados em cursossuperiores da Universidade e outros destina-dos ao aperfeiçoamento e à habilitação téc-nica para funções sanitárias". Cumpre res-saltar que, de acordo com o decreto 9279,os diplomados nos cursos do Instituto teriampreferência para o provimento, nas reparti-ções públicas do Estado, dos cargos técnicosde sua especialidade.

A propósito do Decreto 9279 assim semanifestou Fred F. Soper em carta enviadaa Paula Souza no dia 20 de maio de 1938:

"Tendo estudado juntos a possibilidadede ser reorganizado o Instituto de Higienede São Paulo, anexando-o novamente àFaculdade de Medicina, como representanteque sou da Fundação Rockefeller no Brasil,pediria, afim de não ser alterada fundamen-talmente a organização para a qual desde acreação contribuio a Rockefeller, fosse res-peitados alguns pontos essenciais.

Quando em 1918 a Fundação se dispoz acooperar com o Governo do Estado para oestabelecimento do ensino da Higiene emSão Paulo, quiz dar-lhe oportunidade am-pla de desenvolvimento, contribuindo me-lhor assim para o preparo e treinamentode sanitaristas.

No seu entender, bem como no dosaudoso Professor Samuel Taylor Darling,primeiro Diretor do Instituto, deveria estemanter de um lado a mais íntima ligaçãocom a Faculdade de Medicina, conservando,de outro, ampla possibilidade de desenvolveratividades mesmo a ela estranhas; ter, emuma palavra, sua individualidade distinta, seupessoal inteiramente devotado ao estudo eensino da Higiene, completamente imbuidode espírito próprio.

Por isso foi que quando da elaboração dosplanos para as novas construções, tanto o Dr.Pearce como o Dr. Russell entenderam deverficar separados, embora muito próximos, osedifícios, destinados à Escola Medica e aoInstituto de Higiene, e os trabalhos deste úl-timo inteiramente subordinados ao Professor

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da matéria da Faculdade de Medicina. Aliás,os recursos fornecidos pela Fundação pro-vieram de duas fontes distintas: a divisão da"Medical Education", para a Faculdade, ea "International Health Board" para o Ins-tituto, convergindo no aperfeiçoamento, emSão Paulo, tanto do ensino da medicinacomo do ensino da Higiene.

Funcionou originalmente o Instituto,creado como um anexo da Faculdade, pro-longamento da Cadeira de Higiene, como odesejavam seus fundadores, mais amplo queoutros departamentos fundamentais e tendosempre liberdade administrativa.

Si o Instituto fosse novamente anexado àFaculdade, deveria ser-lhe assegurado não sótodo o ensino destinado ao pessoal superiorsanitarista e pessoal auxiliar de saúde públi-ca, como ainda serem mantidos orçamentosdistintos, usufruindo a faculdade do uso deverbas independentes do resto da EscolaMédica. Manter-se-ia assim para o Institutoo mesmo paralelismo com a Faculdade, quepresidio a sua creação.

O Instituto de Higiene nunca poderá exer-cer a influencia necessária enquanto o Servi-ço Sanitário não exigir diploma dos candi-datos às vagas nesse Serviço "

Temia pois o representante da Fundaçãono Brasil que, uma vez anexada à Cadeirade Higiene da Faculdade de Medicina, per-desse a Escola sua individualidade e, com ela,a primazia quanto à formação de sanitaris-tas e pessoal auxiliar.

Não admira que estivesse Paula Souzapreocupado com o desenrolar do processo ecom o possível desvirtuamento da institui-ção. Pouco depois, o Decreto 9437, de 22de agosto de 1938, tratou realmente da or-ganização do Serviço de Laboratório de Saú-de Pública do Departamento de Saúde, jus-tificando assim suas apreensões. Com issopassaram os Institutos Butantã, Bacterioló-gico e Pasteur a integrar o que então se desig-nou de Serviço de Laboratório de Saúde Pú-blica.

Para Mascarenhas8 "esta foi mais umatentativa de centralização dos laboratóriosde saúde pública fadada ao fracasso, pelos

seguintes motivos: (a) não houve uma com-pleta reorganização dos laboratórios, comuma divisão mais racional dos mesmos. Ca-da laboratório conservou a sua individuali-dade, a sua organização anterior, as suas ins-talações próprias e os seus prédios próprios.O que mudou foi apenas o rótulo; (b) a che-fia do novo serviço foi localizada no longin-qüo bairro do Butantã, identificando-secom o Instituto do mesmo nome. Os Ins-titutos Bacteriológico e Pasteur continua-ram na cidade. Isto veio, aumentar aindamais a burocratização dos serviços adminis-trativos desses dois órgãos; (c) os diretoresdo Instituto Bacteriológico e Pasteur esta-vam acostumados a se entenderem direta-mente com o Diretor Geral do ServiçoSanitário e a tradição fez com que a ten-dência dos mesmo fosse de uma aproxi-mação maior com essa antiga subordina-ção".

Tudo parece indicar que a tentativa deincluir a Escola de Higiene e Saúde Públicano que então se denominou de "fusão doslaboratórios do Serviço Sanitário" e os te-mores que a proposta despertara em seu Di-retor tenham contribuído para sua incor-poração à recém-criada Universidade de SãoPaulo.

Submetida novamente à Cadeira de Higie-ne da Faculdade de Medicina de onde se ori-ginara, mas cuja estrutura atual não mais jus-tificava, apresentava agora a Escola perfil ju-rídico que lhe permitiria reivindicar, em umsegundo tempo, sua transformação em insti-tuto universitário autônomo. Vinte anos ti-nham decorrido desde a criação do Labora-tório de Higiene da Faculdade de Medicina.

O Decreto 9273 da mesma data, 28 dejunho de 1938, organizou o Serviço dos Cen-tros de Saúde da Capital com a finalidade deorientar e superintender os serviços dos Cen-tros de Saúde da Capital, no sentido nãosomente do desenvolvimento dos seus traba-lhos, como também da articulação de suasfunções com a Diretoria do Departamentoda Saúde. De acordo com esse decreto ca-beria ao Centro de Saúde, como unidade co-letiva e polivalente em suas funções, centra-lizar em seu distrito sanitário todas as ativi-

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dades sanitárias compatíveis com sua organi-zação. Este teria como finalidades principaiseducação sanitária, imunização contra as mo-léstias transmissíveis, tratamento dos focos,suscetível de ser feito em dispensários, pes-quisa deste e de outros focos em geral; alémdisso, exame médico periódico, inculcaçãode hábitos sadios e melhoria das condiçõessanitárias.

O Decreto 9341 de 20 de julho de 1938organizou, por sua vez, o Serviço do Interiordo Estado que passou a ser composto de Di-retoria com sede na Capital do Estado e deCentros de Saúde a serem instalados no in-terior do Estado.

Obviamente, pressupunha isto o treina-mento de técnicos na Escola de Higiene eSaúde Pública, não só para ocupar cargosnessas "unidades coletivas e polivalentes",como também em outras instituições re-cém-organizadas ou a serem futuramenteorganizadas por esses e outros dispositivos le-gais.

Outros importantes decretos, que certa-mente mereceriam estudo mais profundo,marcaram os anos de 1938 e 1939. Limitar-nos-emos, contudo, a referi-los brevemente.

O Decreto 9906 de 6 de janeiro de 1939criou o Centro de Estudos sobre Alimenta-ção naquela Escola. Tres meses depois o De-creto 10.090 de 4 de abril passou a exigircurso de especialização para o provimentodos cargos iniciais de médico-sanitarista e deeducador sanitário. No dia 19 de julho dessemesmo ano, o Decreto 10.387 deu novo regu-lamento ao Curso de Educação Sanitária eo Decreto 10.440 de 21 de agosto alterou aredação de alguns artigos. O Decreto 10.617de 24 de outubro de 1939 criou curso des-tinado à formação de nutricionistas. Tal co-mo ocorreu com o Curso de Educação Sani-tária, também este seria interrompido, dandolugar ao Curso de Saúde Pública para Gra-duados em Nutrição. Outros surgiriam, pos-teriormente, concretizando os anseios dos sa-nitaristas da Escola no sentido de preparartécnicos oriundos de várias, porém entrela-çadas áreas de conhecimento.

Na longa evolução do Instituto de Higie-ne de 1918 a 1941, duas datas se revestiramde especial significado em sua evolução his-tórica: em 1924, quando recebeu oficialmen-te a designação de Escola de Higiene e SaúdePública do Estado, designação revigorada,como se viu, em 1938; em 1941 quando oGoverno Federal, após exame da documen-tação existente e de inspecção de sua capaci-dade didática, expediu o decreto 7198 re-conhecendo o Curso de Saúde Pública man-tido pela Escola de Higiene e Saúde Públi-ca da Universidade de São Paulo, baseado noDecreto-Lei 421, o qual regula o funciona-mento dos estabelecimentos de ensino supe-rior16. Isso ocorreu no dia 20 de maio de1941, "120.o da Independência e 539 daRepública".

A LUTA PELA AUTONOMIA

Em 1943 manifestam-se claramente osesforços dispendidos por esse grupo de emi-nentes sanitaristas com vistas a conceder àEscola de Higiene e Saúde Pública situaçãode igualdade em termos das faculdades queentão integravam a Universidade de SãoPaulo. Publica "O Estado de São Paulo, nodia 3 de março de 1943, discurso pronun-ciado pelo Conselheiro Marrey Júnior, noDepartamento Administrativo de São Paulo,cujo Diretor era então Samuel Barnsley Pes-soa (1):

. . . "Ponho, desde logo, em realce, o errocometido pelos governos de, em regra, nãoentregarem a direção do serviço sanitárioa higienistas e, de ordinário, colocarem aténos próprios laboratórios pessoas portadorasde diplomas, todas muito dignas mas quasesempre em jejum em matéria sanitária.

. . . O Brasil não seria o que é hoje se nãofosse a obra de Oswaldo Cruz, no Rio deJaneiro, o saneamento do nordeste no go-verno Vargas, o trabalho de Emílio Ribasem São Paulo, que há de prosseguir no go-verno Fernando Costa, com os conhecimen-tos técnicos do atual diretor do Departamen-to de Saúde e sob a orientação altruísticado ilustre Secretário da Saúde Pública.

(1) Diretor do Departamento de Saúde no período de 3 de dezembro de 1942 a 4 de janeiro de 1944.

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Para isso, porém, Sr. Presidente, afigurou-se-me necessário não só o estudo de higiene

que aos estudantes de medicina ministra oprovecto Professor Paula Souza: é precisoque se especializem os brasileiros que preten-dam exercer os cargos de saúde pública, istoé, que se instituam cursos teóricos e práti-cos de sanitaristas, de engenheiros, de bacte-riologistas, de enfermeiros e de educadoressanitários.

Alguns passos, em tal sentido, tem o Es-tado procurado dar. Em 1924, oficializou-se o Instituto de Higiene, que até então fun-

cionava anexo à Faculdade de Medicina, sub-vencionado pela Fundação Rockefeller. Pas-sou o Instituto de Higiene a realizar o cursode higiene daquele estabelecimento, os cur-sos de aperfeiçoamento para funcionáriosdo Serviço Sanitário, de habilitação profis-sional para enfermeiras e visitadoras de saúdepública. Tentou-se, em 1931, a transforma-ção do Instituto em Escola de Higiene e Saú-de Pública do Estado, na qual se faria o cur-so de Higiene da Faculdade de Medicina ese ensinariam as matérias básicas do curso deSaúde Pública. Em 1938, incorporou-se oInstituto à Universidade, já subordinado di-retamente à cátedra de Higiene. Nele se esta-beleceram certos serviços técnicos e um Cen-tro de Aprendizado para determinado bairroda cidade. A escola de higiene - que a revo-lução idealizara, ficou no tinteiro.

Todavia, Sr. Presidente, à maneira do quese faz principalmente nos Estados Unidos,uma escola de higiene em São Paulo, emperfeita correlação com os institutos univer-sitários de estudos político-sociais, deveráestar forçosamente na cogitação dos que en-caram o problema da higiene como coisa sé-ria, como imperativo de são patriotismo enão como simples passatempo. E se não es-tiver, que deste Departamento parta a suges-tão, hoje principal objeto de minha vinda àtribuna".

O discurso do Conselheiro Marrey Júnior

foi acompanhado por vários outros artigos arespeito: "A criação de uma Escola de Hi-giene destinada a formar profissionais espe-cializados ("Folha da Manhã", 7/3/1943);"Seria ato de justiça dar a Escola de Higienesituação igual à das Faculdades que integrama Universidade" ("Diário da Noite", 6/3/1943); "Associação Paulista de Medicina -Secção de Higiene e Moléstias Tropicais e In-fetuosas" ("Correio Paulistano", 7/4/1943),

No dia 4 de março, portanto logo após apublicação pelo "O Estado de São Paulo" dodiscurso proferido pelo Conselheiro MarreyJúnior, envia-lhe Paula Souza carta em quediz (1):

"A evolução natural de suas atribuiçõesdidáticas vem tornar patente a necessidadede dar à Escola de Higiene já existente maiordesenvolvimento, colocando-a em paridadecom as demais escolas universitárias, confor-me V.Sa. tão bem compreendeu e defendeuno Conselho Administrativo - podendo-semesmo até, conforme idéia expressa peloSr. Ministro da Educação, dar-lhe o títulode Faculdade.

. . . O momento é assaz oportuno, encon-trando-se á testa da Secretaria da Educaçãoilustre Professor Universitário e comoReitor também emérito Professor, ambosconscientes das necessidades do meio. Omesmo se dá em relação à Diretoria do De-partamento de Saúde, cujo diretor é antigocolaborador do Instituto de Higiene e de on-de saiu para a cátedra da Faculdade de Me-dicina".(1)

Pouco depois, no dia 13 de abril de 1943,publica "A Gazeta" entrevista com o Diretordo Departamento de Saúde, Samuel BarnsleyPessoa, para quem a criação de uma Esco-la de Higiene de alto padrão, autônoma e in-tegrada na Universidade, representava neces-sidade inadiável:

"Quando em princípios do ano findo, oProfessor Theotônio Monteiro de Barros Fi-

(1) Paula Souza refere-se a Theotônio Monteiro de Barros Filho, Secretário da Educação e Saúde Pública,no período de 3 de dezembro de 1942 a 12 de novembro de 1943, a Jorge Americano então Reitorda Universidade de São Paulo e a Samuel Barnsley Pessoa.

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lho, eminente Secretário da Educação e Saú-de Pública honrou-me com o convite para di-rigir o Departamento de Saúde, manifestouem troca de idéias que então tivemos, suaconvicção sobre a importância da formaçãode técnicos de Saúde Pública, por intermé-dio de uma Escola Superior, e a esse respeitonosso acordo foi absoluto.

... - Acha que dispomos de elementospara instalar imediatamente semelhante esco-la?

- Sem dúvida. O Estado já conta, porexemplo, com um núcleo bastante aprovei-tável, em material e pessoal, representado pe-lo Instituto de Higiene, atualmente anexo àCadeira de Higiene da nossa Faculdade deMedicina, e onde já vêm sendo ministradosalguns cursos de especialização em higie-ne...

- Pensa que a Escola de Higiene seráorganizada em breve?

- Acredito que sim. Há dias o ilustreConselheiro Marrey Júnior, em luminosaoração proferida no Departamento Admi-nistrativo, salientou a importância e necessi-dade da criação de uma Escola de Higiene...Mais recentemente, ainda, o Professor JorgeAmericano, magnífico Reitor da nossa Uni-versidade, em seu relatório anual, afirmouque a criação de tal Escola constitue um dosmais urgentes problemas de sua administra-ção"...

Em 18 de abril, divulga a "Folha da Ma-nhã" as palavras de Jorge Americano em Ses-são Solene da Assembléia Universitária rea-lizada na Faculdade de Direito:

"a atividade sanitária era julgada até háalguns decênios como função natural dos mé-dicos. Todavia em face do progresso cientí-fico e social, tanto se alargou o âmbito dasfunções protetoras da saúde pública que,para sua execução, são exigidos conheci-mentos especiais.

. . . No médico clínico - prosseguiu - talqual é o mesmo preparado nas faculdades

médicas, predominam como é natural, osrequisitos decorrentes de sua formação co-mo médico.

Reconheceu-se, todavia, freqüentementenão bastarem esses conhecimentos para oexercício da profissão sanitária, exigindo-sedo portador do diploma de médico estudosmais desenvolvidos e especiaes, afim de me-lhor aparelhá-lo àquela função, Tais estudos,além de se aprofundarem em certos setoresdo terreno considerado puramente médico,ultrapassam estes, entrando pelas alçadasda sociologia, da engenharia e mesmo dodireito.

. . . A elevação do Instituto de Higiene,que é a Escola de Higiene e Saúde Pública doEstado à categoria de Faculdade de Higienee Saúde Pública é, a nosso ver, medida dasmais urgentes para a Universidade".

É justo afirmar que a Jorge Americano sedeve realmente, como seria aliás reconhecidoem reunião da primeira Congregação da Fa-culdade de Higiene e Saúde Pública, a cria-ção da nova unidade autônoma da Universi-dade de São Paulo. A ele coube, por idealis-mo e devoção, a coordenação dos estudosque culminariam no Decreto-Lei 14.857 dejulho de 1945.

Mas voltando à luta pela autonomia, al-guns meses depois do discurso de Jorge Ame-ricano, em 6 de janeiro de 1944, publica "OEstado de São Paulo" discurso do paraninfoBorges Vieira por ocasião da entrega dos di-plomas da Escola de Higiene e Saúde Públi-ca:

"Fundado em 1918, pela ação conjuntada Faculdade de Medicina e da FundaçãoRockefeller, tendo, além do ensino da Hi-giene aos estudantes de Medicina, como umade suas principais finalidades, preparar sani-taristas e auxiliares, veio ministrando cursosespecializados para médicos, a princípio irre-gularmente, como o de 1921 e o de 1928,este com regulamento já baixado pelo Gover-no do Estado e, de 1938 para cá, regular-

Nota: Encontram-se no Arquivo da Pró-Memória da FSP/USP, estudos referentes ao projeto de lei paracriação da Faculdade de Saúde Pública. Um deles foi elaborado por Benjamin Alves Ribeiro, em1943, a pedido de Samuel B. Pessoa.

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mente, todos os anos, agora já com os diplo-mas reconhecidos pelo Governo Federal, aolado dos destinados ao preparo de educado-res sanitários (1925) e nutricionistas (1940).

. . . Escola de Saúde Pública do Estado,como já o denomina a lei, justo é efetivar suaelevação de instituição complementar daUniversidade a Instituto Universitário, con-forme tem estado na cogitação de nossas au-toridades didáticas, encarnadas pelas figurasilustres do nosso diretor e do magnífico rei-tor".

A tônica era portanto a mesma.

A CRIAÇÃO DA FACULDADEDE SAÚDE PÚBLICA

Com o desencadear da segunda GuerraMundial, praticamente se interromperam ostrabalhos internacionais de saúde. Em 1944,entretanto, o que restara do antigo Serviçode Epidemiologia da Liga das Nações, foitransferido para outra organização, a ''Uni-ted Nations Relief and Rehabilitation Ad-ministration - UNRRA - agência criadanessa ocasião para tentar solucionar os gra-ves problemas sanitários decorrentes daque-le conflito1. A convite da nova organização,seguiu Paula Souza para Washington a fimde assumir o cargo de Chefe do ControleEpidêmico e, além disso, responder como Se-cretário da Comissão Internacional de Qua-rentena.

Várias cartas lhe foram enviadas por Bor-ges Vieira, informando-o a respeito da evolu-ção do projeto que propunha integrar a Es-cola de Higiene e Saúde Pública à Universi-dade de São Paulo:

"Na última 3.a feira o Instituto, quase emsua totalidade, foi pelo Magnífico Reitor le-vado à presença do Sr. Interventor(1), como qual se congratulou pelo interesse que vemdemonstrando pelo prosseguimento dos trâ-mites. Falei em nome do Instituto e V. Exa.,respondendo, disse esperar que tudo se fará

bem. Foi uma feliz coincidência que a Se-cretaria da Justiça, à qual fiz referência emmeu speech, estava presente, e também medisse que verá com muito prazer a concreti-zação da idéia". (28 de agosto de 1944)

"Sobre o caso da Faculdade de Higiene(2)

nada há a acrescentar à minha última carta.Já na Interventoria, para onde havia encami-nhado o projeto o Dr. Jorge, voltou ao D. S.P. e aí se encontra novamente. Irei em diapróximo, com o Dr. Jorge, ver o Reis, a res-peito disso ". (8 de setembro de 1944)

"Infelizmente, as notícias de agora nãosão aquelas que me alegram comunicar. De-pois de longa e nova via-sacra, chegamos aum novo ponto crítico e desanimador. Comovocê sabe, voltou ao D.S.P. onde estacionoumuito tempo e onde, não obstante o modode pensar do Ministro, sofreu algumas altera-ções, especialmente nos...(?) quemais nos interessam. O Jorge arranjou umafórmula, baseada no art. 110 de E. U., ondeo seu caso ficava o mais satisfatoriamentepossível resolvido. Por outro lado, permane-ceria de pé o preenchimento das cátedraspelo 421, conforme a emenda Leitão da Cu-nha, apenas não figuraria na lei a salvaguar-da explicita para os 'atuais cronistas'."

(15 de novembro de 1944)"Estava esperando para ver se poderia

dar-lhe notícias de maior progresso no anda-mento do projeto. A coisa continua muitolentamente. Após a crítica do Dep. Serv.Pub., que você conhece, foi encaminhadopelo Jorge, que o fez acompanhar do parecerdo Luciano. Voltou entretanto não se sabebem como, para o Reis que, após várias en-trevistas conosco e ouvir novamente suasseções de pessoal e organização, fez unsretoques justamente naqueles dois artigosmais críticos, assim como eliminou outrosque pensa ser da alçada do regulamento. . .

(28 de dezembro de 1944)

(1) Borges Vieira refere-se a Jorge Americano e a Fernando Costa.(2) Note-se que Borges Vieira refere-se à Faculdade de Higiene e não mais à Escola de Higiene e Saúde Pú-

blica.

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A "longa via-sacra" referida por BorgesVieira levaria, finalmente, à incorporação daEscola à Universidade de São Paulo. Istoocorreu mediante o Decreto-Lei 14.857, de10 de julho de 1945, assinado pelo Interven-tor Federal em São Paulo, Fernando Costa.A Escola passou a denominar-se Faculdadede Higiene e Saúde Pública(1) integrando-seassim aos demais estabelecimentos de nívelsuperior como instituto universitário autô-nomo.

Tinham passado vinte e sete anos após acriação do Laboratório de Higiene da Facul-dade de Medicina de São Paulo.

Faziam parte da Escola em julho desseano: Geraldo Horácio de Paula Souza, Dire-tor, comissionado nos Estados Unidos desde19 de junho de 1944; Primeiros Assistentes

— Alexandre Wancolle, Benjamim Alves Ri-beiro, Francisco Borges Vieira, este Diretorem Exercício, Lucas de Assumpção, PedroEgydio de Oliveira Carvalho e Paulo Césarde Azevedo Antunes (posto à disposição doMinistério da Educação); Segundos Assisten-tes - Francisco Antonio Cardoso, John La-ne, Rubens Azzi Leal e Rubens Tavares;Terceiros Assistentes - Dácio de AlmeidaChristovão (comissionado para fins de estu-do nos Estados Unidos) e José Costa Sobri-nho; Assistentes de Clínica - Álvaro Gui-marães Filho, Augusto de Sampaio Dória,João Alves Meira, José Gomes, Octavio Au-gusto Rodovalho, Pedro de Alcântara Ma-chado, Raphael de Paula Souza, RobertoDias Oliva e Vicente de Sampaio Lara;Assistente Odontológico - Alfredo ReisViegas(2), Enfermeira - Iracema Niebler;Educadoras Sanitárias, Coraly Pimentel de

Mello, Helena Savastano, Louisette Gimenes,Cynira Moreira Jardim e Lúcia Jardim.

PRIMEIRA REUNIÃO DACONGREGAÇÃO

"Aos dezesseis dias do mês de Julho demil novecentos e quarenta e cinco, às 11,30horas, realizou-se a Primeira Reunião daCongregação"(3). Pedindo a palavra ÁlvaroGuimarães lembrou ter esta deveres a cum-prir para com aqueles que organizaram efundaram a Faculdade, solicitando a inclu-são na Ata de um voto especial ao Magnífi-co Reitor, a Paula Souza e a Borges Vieira.Aprovados por aclamação os votos propos-tos, processou-se a eleição dos membros daComissão que deveria elaborar o regulamen-to, tendo sido eleitos os professores Francis-co Borges Vieira, Raphael de Paula Souza(4)

e Benjamim Alves Ribeiro, visto os Estatu-tos da Universidade determinarem que fos-sem os mesmos formulados pelas respecti-vas Congregações. Para servir de padrão ànova Faculdade, selecionaram-se os regula-mentos da Faculdade de Medicina e da Es-cola Politécnica, no que fosse aplicável, e noque fossem omissos os Estatutos Universitá-rios. A seguir foram eleitos, como represen-tantes da Congregação junto ao ConselhoUniversitário, Borges Vieira e, como suplen-te, Sampaio Lara.

Na segunda reunião da Congregação, dian-te do volume de trabalhos a serem executa-dos, foram eleitos, para integrar aquela Co-missão, os professores Francisco AntonioCardoso, Pedro Egydio de Carvalho e Paulo

(1) Atualmente Faculdade de Saúde Pública.

(2) O Prof. Alfredo Reis Viegas, Professor-Titular, é atualmente Chefe do Departamento de Prática de Saú-de Pública e Presidente da Comissão de Pós-Graduação da FSP/USP.

(3) Livro de Atas da Congregação da Faculdade de Higiene e de Saúde Pública, vol. I, fl. 2 a 5. A Ata foiredigida por Maria Nogueira (Fajardo) que, por sua dedicação a esta casa, merece aqui ser referida.

(4) O Prof. Raphael de Paula Souza, atualmente aposentado, é primo de Geraldo Horácio de Paula Souza.Conhecido internacionalmente, exerceu em 1946 o cargo de Diretor de Tuberculose e Saúde, tendoorganizado a Campanha Nacional contra a Tuberculose, marco precursor dos programas de luta anti-tu-berculose no Brasil. Foi catedrático de Tisiologia e Diretor da Escola de 1953 a 1956 e de 1961 a1962.

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Cesar de Azevedo Antunes(1). Na terceiraprocedeu-se à eleição da Comissão para estu-do do Regulamento do Curso de EducadoresSanitários, tendo sido eleitos os professoresOliveira Carvalho, Sampaio Lara e BorgesVieira. Para os Curso de Nutricionistas, ele-geram-se Francisco Antonio Cardoso, Ale-xandre Wancolle e Borges Vieira, expressan-do este a disposição de não fazer parte deduas comissões, tendo a Congregação elegidopara substituí-lo, por aclamação, BenjamimAlves Ribeiro(2).

Foi na nona reunião que Borges Vieiramostrou interesse em conhecer a opinião dacasa a respeito da conveniência de se realizar,em sessão solene, a instalação da Faculdade.Concordando a Congregação com a sugestãode seu Diretor, deu-se início a discussões re-ferentes aos passos preliminares. Nessa mes-ma reunião, Borges Vieira referiu-se à neces-sidade de eleger um Conselho Técnico Ad-ministrativo provisório, esclarecendo que,embora na última sessão tivesse a casa resol-vido ainda não elegê-lo por considerar que aprópria Congregação funcionava como tal,parecia-lhe que no futuro surgiriam tantosassuntos a exigir pronta solução, que se lheafigurava indispensável delegar poderes àComissão constituída por três membros. Re-feriu-se então à necessidade de selecionar otimbre a ser utilizado nos diplomas que pas-sariam agora a ser da competência da Facul-dade, desejando que no próximo mês dedezembro já este os marcassem(3).

A INSTALAÇÃO DA FACULDADEDE SAÚDE PÚBLICA

A instalação ocorreu em sessão magna daCongregação, na noite de 29 de novembro de1945. Prestigiaram o ato com sua presença, oInterventor Federal, Embaixador Macedo

Soares, o Ministro da Educação, Raul Leitãoda Cunha, o Diretor da Faculdade de Medici-na e Reitor em exercício, Benedito Montene-gro, o Secretário de Estado da Educação eSaúde, Antonio F. de Almeida Júnior, o Di-retor da Escola Paulista de Medicina, ÁlvaroGuimarães, e altas autoridades civis, milita-res e eclesiásticas, bem como a primeira Con-gregação da Faculdade de Higiene e SaúdePública naquela noite empossada13,15.

Geraldo Horácio de Paula Souza encon-trava-se ausente, razão pela qual foi a soleni-dade presidida pelo Diretor em exercício,Borges Vieira. Vale a pena mencionar, pelomuito que contribuíram e lutaram pela Saú-de Pública, neste País, os ilustres nomes queintegraram esta primeira Congregação: Ge-raldo Horácio de Paula Souza (Diretor),Francisco Borges Vieira (Diretor em Exercí-cio), Paulo Egydio de Oliveira Carvalho, Lu-cas de Assumpção, Alexandre Wancolle,Francisco Antonio Cardoso* Benjamim Al-ves Ribeiro, Paulo Cesar de Azevedo Antu-nes* Raphael de Paula Souza* José MariaGomes, Álvaro Guimarães Filho* Pedro deAlcântara Marcondes Machado, João AlvesMeira, Vicente de Sampaio Lara, RubensAzzi Leal e John Lane.

Abrindo a sessão e iniciando o ato dainstalação do novo instituto de ensino su-perior da Universidade de São Paulo, fezuso da palavra o Prof. Benedito Montene-gro e, em seguida, o Prof. Pedro de Alcân-tara15 :

"A Congregação da Faculdade de Higienee Saúde Pública de São Paulo delegou-me aincumbência - para mim muito honrosa -de traçar as razões desta solenidade e suasignificação. Ela constitui um momento fes-tivo que marca, definitivamente, a transfor-mação do antigo Instituto de Higiene de São

(1) Livro de Atas da Congregação da Faculdade de Saúde Pública, vol. I, fl. 7(2) Livro de Atas da Congregação da Faculdade de Saúde Pública, vol. I, fl. 10(3) Livro de Atas da Congregação da Faculdade de Saúde Pública, vol. I, fl. 39 e 40.* Foram Diretores da FSP/USP.Nota: Tem sido inestimável, para o estudo da memória histórica da Faculdade de Saúde Pública, a contri-

buição dos professores aposentados, membros da Primeira Congregação da FSP - Alexandre Wan-colle, Benjamim Alves Ribeiro, João Alves Meira, Raphael de Paula Souza, Rubens Azzi Leale Vicente Sampaio Lara.

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Paulo na sua feição agora certamente defini-tiva, porque atingiu o grau mais alto da hie-rarquia dos institutos que integram a Univer-sidade.

. . . Efectivamente, desde a sua fundaçãoem 1917, quando a Fundação Rockefellerse prontificou a colaborar com o Governodo Estado na instalação da Cadeira de Higie-ne na Faculdade de Medicina, ficou bem cla-ra a necessidade de, em etapa ulterior, evo-luir a cadeira, então organizada, para umaFaculdade de Higiene. A este Instituto seriadada, então, maior autonomia, para que pu-desse ser convenientemente instruído e pre-parado o pessoal destinado aos trabalhos desaúde pública, composta não só de sanitaris-tas diplomados em Medicina, mas tambémde engenheiros sanitários, laboratoristas, nu-tricionistas, estaticistas e outros com diversaformação básica, todos, porém, com a neces-sária formação no ponto de vista funcionalda saúde pública".

Reflete o texto, vale a pena repetir, oidealismo de um grupo de professores daFaculdade de Medicina que, arautos do fu-turo, vislumbraram na recém-criada Cadeirade Higiene, e em seu Laboratório de Higiene,o ponto de partida para criação de uma uni-dade autônoma e mais ampla da futura Uni-versidade de São Paulo. Seriam estas as suasfunções mais imediatas15:

"realização de cursos de especializaçãoem Higiene e Saúde Pública para médicos,reconhecidos por Sua Excelência, o Senhor.Presidente da República, pelo Decreto n.o

7198, de 20 de maio de 1941, com funda-mento no Art. 23, do Decreto-Lei n.o 421, de11 de maio de 1938; ministração de cursospara estudantes de Medicina, para educado-res sanitários e para nutricionistas, regula-mentados pelo Governo do Estado; impres-cindibilidade legal da conclusão de tais cur-sos para o ingresso em cargos de médicossanitaristas, educadores sanitários, etc".

A este respeito, envia Borges Vieira, cartadirigida a Paula Souza, então nos EstadosUnidos, com data de 3 de dezembro de 1945:

"A Faculdade foi solenemente incorpora-da no dia 29 último, às 9 horas da noite.Veio do Rio, para presidir a cerimônia, o mi-nistro Leitão da Cunha. Também esteve pre-sente o interventor Macedo Soares. A presi-dência de fato coube ao Montenegro, visto oJorge, em vésperas de partir para os EstadosUnidos, já lhe ter antes passado a Reitoria.Mas o Jorge esteve presente e, com ele, nu-merosos professores de várias Faculdades.Todos de beca, inclusive o Macedo Soares.A festa esteve muito bonita. Falou em nomeda Congregação o Pedro de Alcântara, e eucomo diretor em exercido. O seu nome foilembrado. Todos nós sentimos que Você nãoestivesse presente. O Leitão veio do Rio ex-pressa e unicamente para a cerimônia. . ."

Haviam pois os dois colegas e amigos, as-sim como seus colaboradores, alcançado osobjetivos que desde 1918 haviam persisten-temente perseguido. O Decreto-Lei 14.857consubstanciava os princípios preconizadospor Welch e Rose, aqueles que, segundoestes, deveriam estruturar uma verdadeiraFaculdade de Saúde Pública.

Terminara pois, de certa forma, a luta quejamais os abatera, mesmo nos momentos demaior e compreensível apreensão. Durantea revolução de 1930 quando tropas gaúchasocuparam o prédio em construção. Quandodesligados da Fundação Rockefeller temiamo não prosseguimento da obra iniciada porinsuficiência ou corte de verbas. Quando aincompreensão de alguns, em posição demando, tentara desalojá-los do espaço físicoe funcional de uma unidade que ambos con-sideravam como um futuro instituto univer-sitário autônomo, visando a transformá-la,em Hospital das Clínicas, em quartel ou emmais um laboratório do Serviço Sanitário.

Já se disse que Geraldo Horácio de PaulaSouza se encontrava ausente, não tendocomparecido, por isso, à instalação soleneda Faculdade de Saúde Pública. A propósi-to, cumpre aqui intercalar um comentáriode significativo valor para a Saúde Pública in-ternacional e que muito honra esta Faculda-de.

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A CRIAÇÃO DA ORGANIZAÇÃOMUNDIAL DA SAÚDE

Se o Decreto-Lei 14.857 de 1945 marcarao término da longa luta que permitira atransformação do Laboratório de Higiene,criado em 1918, na almejada Faculdade deSaúde Pública, unidade autônoma da Univer-sidade de São Paulo, nem por isso deixariaPaula Souza de investir energias em outraspropostas inovadoras.

Justamente no ano da criação da Facul-dade de Higiene e Saúde Pública fora estedesignado pelo Governo Brasileiro para fa-zer parte de sua delegação na Conferênciade São Francisco. Nessa ocasião submeteu àapreciação dos países participantes memo-rando sugerindo que problemas de saúde pú-blica fossem incluídos na Carta das NaçõesUnidas. Mais tarde, apoiado pela Delega-ção Chinesa, iria propor reunião para estu-do da criação de uma agência internacionalde saúde. Assim nasceu a Organização Mun-dial da Saúde.

Também amparada pela China, resultou aproposta na nomeação pelas Nações Unidasda Comissão que, em Paris, se responsabi-lizou pela elaboração do projeto a ser dis-cutido pela Conferência Internacional deSaúde. Esta reuniu-se em 1946. Paula Sou-za, autor da idéia, compareceu como dele-gado e vice-presidente. Uma vez aprovadosos estatutos da Organização Mundial daSaúde, foi este nomeado membro da comis-são interina dessa entidade e um de seus vi-ce-presidentes. Durante toda a sua vida pas-sou a representar o Brasil como delegado daagência por ele idealizada. Por sua valiosaatuação de interesse internacional, foi con-decorado pelo Governo francês, recebendoa Ordem de Saúde Pública e, em seguida, aLegião de Honra.(1)

Vejamos como se expressou Paula Souzaem entrevista concedida a Rádio Excelsior,no dia 26 de novembro de 1949:(1)

"Pergunta: Gostaria que o Prof. GeraldoHorácio de Paula Souza me dissesse alguma

coisa sobre a Organização Mundial da Saúde.Como foi ela constituída?

Resposta: Quando da Conferência das Na-ções Unidas, realizada em São Francisco, em1945, a delegação brasileira, chefiada pelosaudoso ministro Leão Velloso, incluiu onosso nome no seu quadro a fim de atender-mos as questões de ordem sanitária, porven-tura aventadas naquele certame. Do examedo projeto da Carta das Nações Unidas, ela-borado na reunião de Dumbarton Oaks, no-tamos que apesar do que se verificara re-lativamente à Liga das Nações, que sem-pre se distinguiu pelos trabalhos no campoda saúde pública, o referido projeto não co-gitava desse problema, a tal ponto que nemsequer continha os termos Saúde ou Higiene.

Pergunta: Qual teria sido o motivo dessaomissão?

Resposta: De acordo com indagações quefizemos, não queriam os principais respon-sáveis por aquela nova iniciativa se afastar daquestão puramente de segurança. Além dis-so, devido à insistência de grandes interes-ses em determinados países, em relação àsvárias organizações sanitárias já existentes,desejavam evitar qualquer embate nessesetor.

Pergunta: Como se explica então ter sidoo problema cuidado na Conferência de SãoFrancisco?

Resposta: Diante da exposição que fize-mos ao Ministro Leão Velloso, fomos auto-rizados, em nome da delegação brasileira, apropor a inclusão na Carta de São Franciscoda noção "Higiene e Saúde Pública " nos arti-gos onde melhor se situassem tais conceitos,pois nem sequer o termo "saúde" nela fi-gurava. Após debates acalorados, vimos vito-riosa nossa proposta.

Pergunta: Essa providência, entretanto,não resolvia totalmente a questão, não é exa-to?

Resposta: Realmente, em seguida propu-semos fosse criada uma agência de saúde pú-blica internacional, dependente das NaçõesUnidas ou a elas filiada, que reunisse em um

(1) Arquivo da Pró-Memória, FSP, USP.

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só organismo todas as demais que se encon-travam esparsas, com finalidades parciais aelas afins. Essa medida foi a princípio rejei-tada e só depois de longas conversações e ar-ranjos encontrou-se a fórmula a ser adotadaem que o Brasil, aliando-se a uma das cincograndes potências, resolveu sugerir a cria-ção de tal organismo. Essa sugestão, levada aplenário, foi unanimente aceita e, assim, oBrasil e a China tomaram-se os patrocinado-res oficiais da idéia.

Pergunta: Dai para diante o que sucedeu?Resposta: Uma vez aceita a idéia, ela se

consubstanciou; depois, com iniciativa doConselho Econômico e Social, foi nomeadauma Comissão que elaborou projetos de es-tatutos para essa nova Organização. A apro-vação desses estatutos, em uma conferênciainternacional realizada em Nova York, deuorigem à instalação da Organização Mundialda Saúde, que foi primeiramente regida poruma comissão interina e, desde que ratifica-dos os estatutos pela maioria dos países com-ponentes das Nações Unidas, passou a tervida legal e definitiva."

Homem de formação ecumênica, PaulaSouza não recebera do Governo Brasileiroqualquer orientação dessa natureza.

Com o brilho que lhe era peculiar e como vigor com que advogava grandes causas, le-vou a proposta às comissões da Conferên-cia de São Francisco e, em seguida, à sessãoplenária. Tinha sentido em seu espírito ama-durecido e precursor a necessidade de criarum órgão internacional de saúde, da mesmaforma que, vinte e sete anos antes, sentiratambém a necessidade de transformar o La-boratório de Higiene em unidade autônomade ensino da Saúde Pública.

Feitos estes comentários, voltemos à re-cém-criada Faculdade de Higiene e Saúde Pú-blica - "todos nós sentimos que Você nãoestivesse presente".

O TIMBRE DA FACULDADE

Consta no Livro de Atas do ConselhoTécnico Administrativo da Faculdade de Hi-giene e Saúde Pública que, no dia 7 de mar-ço de 1946, às 10:30 horas, encontravam-se, na 1.a Reunião Ordinária, os Professores

eleitos e nomeados para membros do Conse-lho Técnico Administrativo por ato do Mag-nífico Reitor, nos termos do decreto-lei15.549-A, Pedro Egydio de Oliveira Carva-lho, Francisco Antonio Cardoso(1) e JoãoAlves Meira. Nessa ocasião tornou-se a men-cionar, mais uma vez, a necessidade de defi-nir o emblema da Faculdade de Saúde Públi-ca, decidindo-se entregar a Alves Meira a res-ponsabilidade desse estudo.

Autor de mais de 130 trabalhos, AlvesMeira, atualmente aposentado, foi catedrá-tico de Diagnóstico de Doenças Transmis-síveis da Faculdade de Saúde Pública e ca-tedrático de Clínica de Doenças Tropicais eInfecciosas da Faculdade de Medicina daUniversidade de São Paulo. Ocupou váriasvezes o cargo de Vice-Diretor da Faculdadede Medicina, tendo sido seu Diretor no pe-ríodo de 1963 a 1970. Foi também Vice-Diretor da Faculdade de Saúde Pública. Seu

pai foi o eminente Prof. Domingos RubiãoAlves Meira (1878-1946). Diretor da Facul-dade de Medicina, em 1938, e Reitor da Uni-versidade de São Paulo de junho de 1939 ajunho de 1941. Seu filho, Domingos AlvesMeira, é professor da Faculdade de Medici-na da Universidade do Estado de São Paulo,em Botucatu. Há pois, nessa família, trêsgerações consecutivas de ilustres professoresuniversitários.

Na 8.a sessão extraordinária do ConselhoTécnico Administrativo, no dia 21 de junhode 1946, Alves Meira apresentou, à conside-ração de seus colegas, três diferentes proje-tos, ficando a escolha definitiva para outrareunião, Nessa ocasião, os professores Pedro

(1) O Prof. Francisco Antonio Cardoso foi Secretário de Estado da Secretaria de Saúde Pública e da Assis-tência Social em 1951 e 1952. Nessa ocasião reorganizou a antiga Diretoria Geral da Secretaria de Es-tado, transformando-a em Departamento de Administração .

(2) A discussão sobre o estudo do timbre da FSP encontram-se nas folhas 5, 25, 26 e 36 do Livro de Atasdo Conselho Técnico Administrativo, vol. I.

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Egydio de Oliveira Carvalho e Antonio Fran-cisco Cardoso ofereceram-se para colaborarno prosseguimento desse estudo.

Na 7.a sessão ordinária, no dia 6 de se-tembro de 1946, após cuidadosa análise,aprovou-se o emblema da autoria de PauloLopes Leão, "obtido por gentil intermédiodo Prof. Cardoso".(2) De acordo com préviasugestão de Paula Souza, este destaca a deusaHigea, passando a marcar, de então para cá,os documentos desta Faculdade. E se o quese deseja é perpetuar a memória, parece-nosoportuno incluir aqui poema escrito porMaria Antonietta de Castro, aquela ilustrerepresentante da primeira turma de Educa-doras Sanitárias (1925).

Mas voltando à leitura do livro de Atasda nova Faculdade, visavam as discussões dosprimeiros meses a elaboração do Regulamen-to da Faculdade de Higiene e de Saúde Públi-ca, o qual se concretizou com o Decreto-LeiN.o15.549-A de 15 de janeiro de 1946.

O JURAMENTO DOS SANITARISTAS

Além do timbre, cuidou a Congregação deelaborar a fórmula do Juramento dos Sani-taristas, formados por esta Faculdade:

"Prometo CumprirCom Dignidade, ConsciênciaE ProbidadeOs Deveres do ProfissionalDe Saúde PúblicaE Tudo FareiCom Dedicação e ZeloPela Melhoria do Nível de SaúdeDo Povo do Meu País".

Daqueles que passaram pela Faculdadede Saúde Pública da Universidade de SãoPaulo, como docentes ou alunos, muitos sedistinguiram pela significativa contribuiçãoque deram e têm dado à controvertida áreada Saúde Pública. Foram ou são eméritosprofessores, pesquisadores, autores, direto-

res, consultores, secretários e ministro dasaúde, chefes de serviço, "fellows", bolsistase memorialistas(1). Cumpriram com "Digni-dade, Consciência e Probidade" o juramentodos Sanitaristas.

UM ENCONTRO COM A HISTÓRIA

Borges Vieira faleceu no dia 31 de agostode 1950, aos 57 anos de idade, depois deprolongada doença. Assim se expressou Pau-la Souza em discurso proferido por ocasiãoda homenagem póstuma que lhe foi prestadano 309 dia de seu falecimento(2):

". . . Acariciou conosco a idéia de forma-ção desta casa, lutou pela realização de umousado sonho da nossa mocidade, quandoainda quase todos do mesmo descriam e ar-regimentavam-se em contrário os que dis-punham do poder e dos meios.

Tendo a bondade como fundamento es-sencial de sua personalidade, Borges Vieiranunca, entretanto, permitiu que esse domnatural afrouxasse as normas da justiça. Massabia valer-se da bondade até mesmo na apli-cação da mais rigorosa medida que lhe impu-zesse o sentimento do direito.

. . . Após dois anos de estudo intensivoque tivemos em comum nos Estados Unidos,animados pela idéia de fazermos da Cadeirade Higiene um Instituto capaz de se desen-volver, a seu tempo, em Escola de Higiene,não nos perdíamos em estéreis divagações,mas procurávamos gradualmente os cami-nhos mais acertados para a consecução dofim colimado. E quantos contratempos e di-ficuldades, sobretudo no início, se nos ante-punham !

. . . Conseguiu, entretanto, ver o fruto doseu trabalho na evolução das instituiçõesàs quais se dedicou: o ensino da higienena Faculdade de Medicina, o preparo de mé-dicos e engenheiros para os serviços especiali-zados de saúde pública, dos auxiliares indis-

(1) Cabe aqui referir o nome do Dr. José Antonio Alves dos Santos por sua contribuição á memória histó-rica da Faculdade de Saúde Pública, USP.

(2) Arquivo da Pró-Memória, FSP/USP.

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HIGEA

- Sou Higea -de Aesculapius e Epione - a filha mais dileta,e, das colinas da Grécia,cheias de sol, a rebentar em frutos,- a eleita, a preferida.A que a Serpente deu a beber, na taça da Experiência,o leite - Saber - e assim chegou à metados tesouros da ciênciaque conjura as doenças e rouba, à morte, a vida.

- Sou Higea - a deusa da Saúde,Vem, sobe comigo esta montanha,desde o vale, que jaz ao pé, todo impureza,ao cimo, onde tudo é claridade e luz.Que eu tirarei da Naturezae darei, para teu gozo, a saciedade,o perfume dos lilazes e heliotropios,que o olfato agrada e o olhar prende e seduz.De par em par, teus olhos abrirei, como janelas,para manhãs sem nuvens, claras matinadas.As rosas da madrugada,as mais frescas, mais viçosas e mais belas,transfundirei em teu sangue,que te darão vida - a Vida é plenitude.

- Sou Higea -— Vou, por toda a parte, onde me chamam.Do lodo das sargetas, que transmudona beleza de campinas, de flores esmaltadas.Transformo as cousas todas, tudo,ao toque mágico e encantadoda minha sábia varinha de condão.Bato na choça humilde, na palhoçasem ar, sem bimbalhar de risos, sem limpeza e luz,e penduro manchas de sol pelas paredese a tapeçaria rica, de pensamentos sãos;e abro janelas, rasgo portas e cortinas,por onde mando entrar a claridade, a flux.

- Sou Higea -Dai-me o barulho louco da cidade,que anda por aí a se expandir, atos,que eu te darei sons de ouro, de harmonia infinda,embaladora e doce, embriagadora e linda,que te darão repouso e mente calma e nervos sãos,e uma vida sossegada e boae paz no coração.

- Sou Higea -— Dai-me a entranha das Mães, que é sacrossanta,que sobre ela a desdobrarei meu manto imaculado

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cheia de amor e, com ternura tantae proteção,que banirei do mistério do Nascer, puro e sagrado,- a escuridão -para que só veja a luz do dia, triunfante,a Criança - plena de robustez, de vida, exuberante.- Dai-me a Infância, fraca, doente, desgraçadaque, para sempre e longe, alijarei seu fardo de desgraças,de trabalho e dor,e lhe darei a força aos músculos e a cor da rosa às faces,vivacidade e ardor.

- Sou Higea -Dai-me os Jovens e Donzelas,a louca mocidade,e eu transformarei seus desejos, seus anseios,em um caminho cheiode pensamentos bons, de calma castidade.- Dai-me, Pais aflitos, Mães chorosas,para os quais o sol da alegria está a se pôr,que eu transformarei seu sofrimentoe farei de seus jardins desertos da alegria(de que as rosas se foram, num momento)- reinos de Felicidade e Amor.

- Vem comigo,Vem me ajudar.Não me deixes, magoada e entristecida,chorando e a clamarpor multidões perdidas, transviadas,que deixaram, de vez, conselhos sábios, ensinamentos bons.Ajuda-me a lutarcontra a temível Doença e contra a Morte.Ajuda-me a reconquistar,através de minha Ciência, de meus Dons,vassalos, para meu Reino Forte.

- Desespero, Desgraça e Dor - longe, bem longe.Higea - de Aesculapius e Epione, feliz rebento,

Higea chegou.Vida - toma o lugar da Dor e Sofrimento.Saúde- ressurge, da morte, a Luz, o condenado.Sorriso - volta, de novo, aos lábios descorados.

Higea, espera,Irei contigo.Farei de ti meu Ideal, a minha Estrela, o meu Bordão.Irei contigo.Plantarei em cada vida uma Esperança,em cada alma desolada, a Primavera,em cada Homem, cada Mulher, cada, Criança,

um novo CORAÇÃO.

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pensáveis a essas tarefas, dentre os quaisdevemos destacar, por terem surgido espe-cialmente nesta casa, os educadores sanitá-rios, os Centros de Saúde e o tempo integral

. . . Se podemos afirmar que parte de suavida é parte da nossa, por isso fomos insepa-ráveis na realização do ideal que nos domi-nou no já longínquo 1920, não menos verda-de é que se integrando com a Instituiçãocomo o fez, toda ela compartilha da mesmaforte emoção que sentimos."

De fato, a vida de Borges Vieira represen-tava importante parte da vida de Paula Sou-za, que pouco sobreviveu à perda de seugrande e dedicado amigo. Morreu poucosmeses depois, no dia 2 de maio de 1951, aos61 anos de idade. Como o pai faleceu nocumprimento de seus deveres. Antonio Fran-cisco, fundador da Escola Politécnica, mor-reu aos 74 anos, organizando aula que deve-ria ministrar nesse mesmo dia; Geraldo Ho-

rácio faleceu na véspera de viagem ligada àOrganização Mundial da Saúde. Numero-sas cartas de pêsames foram enviadas à Sra.D. Evangelina Rodrigues de Paula Souza,sua esposa, duas das quais convém aqui re-gistrar por seu inestimável valor histórico(1):

Prezada Senhora Paula SouzaAcabo de saber, com grande pesar, da

morte de Geraldo. Eu o considerava meuamigo pessoal e não posso aceitar a idéia deque tenha morrido.

Era um homem de grande capacidade e degrandes realizações. Seu preparo cientifico,sua imensa dedicação ao trabalho, seu beloidealismo, seu caráter integro e seu profun-do patriotismo, tornaram-no uma das gran-des figuras da Saúde Pública do mundo.

Sentiremos imensamente a sua falta.Wilson G. Smillie

Prezada Senhora SouzaA Assembléia Mundial da Saúde abriu

esta manhã e o Presidente referiu-se expres-sivamente à grande contribuição do Dr. Pau-la Souza para a organização internacional dasaúde.

O nome de seu esposo, na verdade, entra-rá na história como o principal fundador daOrganização Mundial da Saúde. Como mui-tos outros de seus colegas, sinto-me orgulho-so de ter-me associado a ele neste trabalho.Para mim pessoalmente sua morte é umagrande perda, pois - como a senhora sabe -ele foi meu amigo íntimo e colega de longadata.. .

Szeming Sze(2)

Assim partiu Geraldo Horácio "cavaleiroandante dos mais altos ideais"(3) para seumerecido encontro com a História. Há quemafirme que se um indivíduo não tivesse exis-tido, outro certamente teria realizado suaobra. Há quem acredite que a História nãose prende a homens mas a circunstâncias.Não é este o presente caso.

O depoimento de sua vida que neste rela-to se fundamentou em documentos que per-tencem ao acervo da Faculdade de Saúde Pú-blica ou foram cedidos, para este fim, porsua família, seus colegas e amigos, parecerealmente indicar que a história da SaúdePública em nosso meio não teria sido a mes-ma se Paula Souza não tivesse existido. Hajaem vista o fato de que esta Escola represen-ta, ainda hoje, a única Faculdade Universitá-ria de Saúde Pública neste país.

Algumas condições foram certamente ne-cessárias para desencadear o processo que, de1918 a 1945, permitiu transformar o Labo-ratório de Higiene em instituto autônomo daUniversidade de São Paulo. A existência deum ilustre sanitarista e homem público com

(1) As cartas em fac-simile encontram-se no Arq. Fac. Hig. S. Paulo, 17,1963.

(2) Da Delegação Chinesa à Conferência das Nações Unidas, São Francisco, 1945, membro da ComissãoInterina da OMS; representante das Nações Unidas à 1.a Assembléia Mundial da Saúde, Genebra, 1948.

(3) Palavras do Prof. Benjamim Alves Ribeiro, na oração proferida em homenagem ao Prof. Geraldo Horácio de Paula Souza no dia 2 de maio de 1958, aniversário de sua morte.

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vocação de comando, que sabia exatamenteonde queria chegar e, a seu lado, técnicoscompetentes e disciplinados.

"Senhoras e SenhoresVivem por estas salas e paredes

e mais nos nossos corações,a lembrança destes dois amigosque foram o exemplo vivo da honradeze do patriotismo a serviçodo povo de nossa terra.Foram eles os fautores primordiaisde tudo que acabo de vos dizer".4

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