memórias musicais no palácio de sintra · no mesmo ano foi publicado o livro “le divisament dou...
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Re ncontrose- DA IDADE MÉDIA AO RENASCIMENTO -
Memórias Musicais no Palácio de Sintra
SALA DOS CISNES SWAN ROOM | 21:30
- FROM THE MIDDLE AGES TO THE RENAISSANCE -
/ Musical Memories in the Palace of SintraRe ncounterse
3ª TEMPORADA DE MÚSICA DA PARQUES DE SINTRA3rd PARQUES DE SINTRA MUSIC SEASON
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02/06 O LIVRO DAS MARAVILHAS
– UMA VIAGEM MUSICAL PELAS AVENTURAS DE MARCO POLO
THE BOOK OF WONDERS – A MUSICAL JOURNEY THROUGH THE ADVENTURES
OF MARCO POLO
Queremos saber a sua opinião
“Nobilis vir Marchus Paulo Millioni”, como foi definido num
documento de 1305, Marco Polo nasceu em Veneza em 1254. Em
1269, o pai - Nicolo - e o tio – Matteo -, de regresso da sua primeira
longa viagem ao Extremo Oriente, encontraram Marco com mais
quinze anos e órfão de mãe.
Dois anos mais tarde, no verão, deixaram de novo Veneza, desta
vez todos juntos, alcançando a corte mongol de Kublai Khan
(conhecido por Grande Khan) em maio de 1275, após uma longa
viagem por mar rumo a Acre (Palestina Histórica - atualmente
Israel) e em seguida por terra, passando por Bagdade e depois
pela Pérsia, e atravessando toda a Ásia Central. O jovem Marco foi
recebido na corte com todas as honras, tendo sido mandatado
para dirigir atividades diplomáticas e administrativas, graças às
quais continuou a viajar. Só em 1292 os três venezianos reiniciaram
o regresso a casa, onde chegaram em 1295.
Três anos mais tarde, feito prisioneiro pelos genoveses durante
a batalha marítima de Curzola (7 de setembro de 1298), Marco
ficou detido por um ano nas prisões de Génova, onde conhece
Rustichello da Pisa. Confia a história da sua viagem a este poeta, e
no mesmo ano foi publicado o livro “Le Divisament dou monde” (A
Descrição do Mundo), num francês repleto de expressões italianas
e venezianas. Após a primeira edição, seguiram-se-lhe 150 cópias e
LAREVERDIE
O Livro das maravilhas - Uma viagem musical pelas aventuras de Marco Polo
The book of wonders – A musical journeythrough the adventures of Marco Polo
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revisões do manuscrito em várias línguas, como, por exemplo,
o francês Livre des Merveilles (Livro das Maravilhas), com
iluminuras maravilhosas, antes de ser impresso em inúmeras
edições. Alcançada a paz entre as duas repúblicas, Marco Polo
regressou a Veneza em 1299, casou, teve três filhas e dirigiu o seu
negócio até 1324, ano em que ditou o seu testamento e morreu.
Eis a história resumida de um comerciante e aventureiro que
passou a sua juventude e a sua vida adulta viajando pelo Médio
Oriente e Ásia Central, até à China. Tornou-se tão famoso, ao
contrário de muitos outros que ousaram enfrentar viagens longas
e perigosas para fins comerciais, porque deixou abundante
documentação daquela extraordinária experiência de vida, uma
história que, filtrada pela pena hábil de um poeta da Canção
de Gesta como Rustichello da Pisa, alterna descrições de lugares
com eventos históricos e lendas. Os costumese tradições das
diferentes regiões que o protagonista atravessa durante as suas
viagens são descritos com precisão científica, dando voz
ao “maravilhoso” na descrição da magnificência, sem paralelo
no Ocidente, da corte do Grande Khan, bem como na descrição
de animais que parecem sair da Idade Média Fantástica descrita
por Jurgis Baltrušaitis. “Uma vida maravilhosa e quotidiana,
história e lenda, santos e ladrões, reis e súbditos numa prodigiosa
relação de contiguidade com o viajante, que nunca lidou com
obstáculos práticos e culturais inacessíveis”. Ao lermos este
trabalho extraordinário, muito mais conhecido no tempo do seu
protagonista - pelo seu papel de “guia” para o comerciante nas
terras do Oriente - do que hoje em dia, tivemos a ideia de confiar
a uma voz narrativa a leitura de algumas fases da fantástica
viagem de Marco Polo, construindo assim uma espécie de banda
sonora em que laReverdie fornece o som da história.
O ponto de vista de Marco Polo, um homem veneziano, bem
como o do poeta cavaleiresco Rustichello, descrevem um
mundo maravilhoso e exótico com uma lógica e um estilo
profundamente ligados ao mundo ocidental medieval, enquanto
a música que acompanha/comenta a narrativa tem origem
no mundo medieval veneziano e francês. Mas a atmosfera
do lugar, as cores, os aromas, são evocados pela improvisação
de um kamanché persa e pelos ritmos da tabla, interpretados
por dois músicos especializados no repertório oriental, e por um
contraponto vocal que imerge inevitavelmente o ouvinte naquele
mundo maravilhoso e remoto, com o charme irresistível que tão
profundamente impressionou Marco e Rustichello e que continua
a seduzir, ainda hoje, o público.
O repertório improvisado pelo kamanché e pela tabla nasceu do
encontro de duas grandes tradições musicais, persa e indiana, em
busca de um caminho comum rumo à reconstrução de sugestões
de som experimentadas por Marco Polo ao longo da Rota da Seda.
“Nobilis vir Marchus Paulo Millioni”, as he was defined in a document
of 1305, Marco Polo was born in Venice in 1254. In 1269 his father
Nicolo and his uncle Matteo, returning from their first long journey to
the Far East, found Marco fifteen years older and motherless.
Two years later, in the summer, they left again all together from
Venice, reaching the mongolian court of Kublai Kan (called Great
Khan) in May 1275, after a long journey by sea to Acre (Historical
Palestine) and by land through Baghdad, and then Persia from
there through all of Central Asia. To his court the young Marco
was welcomed with honours and was commissioned to conduct
diplomatic and administrative activities for which he continues to
travel. Only in 1292 did the three Venetians restart back home, where
they arrived in 1295.
Three years later, taken prisoner by the Genovese during
the battle at sea in Korcula (7 September 1298), Marco remained for
one year in the prisons of Genova, where he met Rustichello da Pisa.
He entrusts the story of his journey to this poet,
and in the same year the book “Le Divisament dou monde”
(The Description of the World) was compiled, in a French language
full of Italianisms and Venetianisms. After the first edition, there
followed 150 copies and manuscript rearrangements in various
languages, such as the French Livre des Merveilles (The Book
of Wonders), wonderfully illuminated, before being printed in
countless editions. After the peace between the two republics,
Marco Polo went back to Venice in 1299, married, had three
daughters and took care of his business until 1324, when he dictated
his will and died.
This in brief is the story of a merchant and adventurer who spent
his youth and his adulthood travelling through the Middle East and
Central Asia until reaching China. He became so famous, unlike
many others who had dared to face long and dangerous journeys
for commercial purposes, because he left a rich documentation
of this extraordinary life experience, a story that, filtered by the
skillful pen of a poet of Chanson de Geste like Rustichello Da Pisa,
alternated narrative descriptions of places to historical events and
legends. The manners and traditions of the different regions that
the protagonist goes through during his travels are described
with scientific exactitude, while giving voice to the “marvellous” in
explaining the magnificence, unparalleled in the West, of the court
of the Great Khan, but also the description of animals that seem
to come from the “Fantastic Middle Ages” described by Jurgis
Baltrušaitis. “Wonderful and daily life, history and legend, saints
and robbers, kings and subjects were in a prodigious contiguity
relationship with the traveler who never dealt with inaccessible
practical and cultural barriers. “Reading this extraordinary work, far
more known at the time of its protagonist – for his role of “guide” to
the merchant in the lands of the East – than today, we had the idea
of entrusting to a narrating voice the reading of some stages of the
fantastic journey of Marco Polo, to build a sort of soundtrack where
laReverdie provides sound for the story.
The point of view of Marco Polo, Venetian man, as well as the one
of the chivalry poet Rustichello, tell of a wonderful and exotic world
with a logic and a style deeply attached to the medieval Western
world, while the music commenting upon the narration comes from
the Venetian and medieval French world. But the atmosphere of the
place, the colors, the scents, are evoked by the improvisation of a
Persian kamancheh and by the rhythms of the tabla, played by two
musicians specialized in the Oriental repertoire, a voiced counterpart
that inevitably throws the listener into that wonderful and remote
world, with the irresistible charm that so deeply impressed Marco
and Rustichello and that still seduces audiences today.
The repertoire improvised by the kamancheh and the tabla,
is born from the meeting of two great musical traditions, from
Persian and India, searching for a common path towards the
reconstruction of sound suggestions tried by Marco Polo along the
Silk Road.
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02/06 | 21:30
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O Livro das maravilhas - Uma viagem musical pelas aventuras de Marco Polo
The book of wonders – A musical journeythrough the adventures of Marco Polo
Claudia Caffagni voz, alaúde e sinos | voice, lute, bells
Livia Caffagnivoz, viela e flautas de bisel | voice, vielle, recorders
Elisabetta de Mircovich voz, viela, rabeca e sanfona | voice, vielle, rebec, symphonia
Rana Shieh kamancheh
Elena Baldassarri tabla
Matteo Zenatti narrador, voz, harpa e percussões | narrator, voice, harp, percussion
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PROGRAMA PROGRAMME
• Trotto (dança | dance)
anónimo (Itália, séc. XIV) | anonymous (Italy, 14th century)
• Stella splendens (virelai),
anónimo (Espanha, séc. XIV) | anonymous (Spain,
14th century)
• Huic placuit Magi (moteto | motet)
anónimo (França, final séc. XIII) | anonymous (France, late
13th century)
• Puisque je suis fumeux (ballade)
Johannes Symonis Hasprois (1378-1428)
• Belicha (dança | dance)
Anónimo (Itália, séc. XIV) | anonymous (Italy, 14th century)
• Per sparverare (caccia)
Jacopo da Bologna (fl. 1335-1360)
• Pantheon abluitur / Apollinis eclipsatur / Zodiacum signis (moteto | motet)
anónimo (França, séc. XIV) | anonymous (France,
14th century)
• Salterello (dança | dance)
anónimo (Itália, séc. XIV) | anonymous (Italy, 14th century)
• Benedicti e llaudati (lauda)
anónimo (Itália, séc. XIII) | anonymous (Italy, 13th century)
• Pange melos (conductus)
anónimo (França, final séc. XIII) | anonymous (France,
late 13th century)
• Congaudeant Catholici (conductus)
anónimo (Espanha, séc. XII) | anonymous (Spain,
12th century)
• S’on me regarde / Prennés i garde / Hé mi enfant (moteto | motet)
anónimo (França, final séc. XIII) | anonymous (France,
late 13th century)
• Venecie mundi splendor (moteto | motet)
Johannes Ciconia (c. 1370-1412)
No tempo em que Balduíno era imperador de Constantinopla —
no ano de Cristo de 1250 —o senhor Niccolaio Polo e o seu irmão
Matteo encontravam-se na cidade de Constantinopla, vindos de
Veneza com a sua mercadoria. Queriam passar o Grande Mar para
vender a mercadoria, e partiram de Constantinopla num navio
e foram até Soldaya. Passaram o rio Tigre e chegaram a uma cidade
chamada Bucara.
Quando chegaram a esta cidade foram recebidos com grande
espanto, porque nunca ninguém tinha visto um latino;
e perguntaram-lhes se queriam ir até ao Grande Senhor
e Grande Khan, e eles responderam: «Com grande prazer».
O Grande Senhor, de nome Kublai, fez-lhes grande festa.
E perguntou pelo imperador, pelo papa e pela igreja de Roma e por
todas as coisas dos cristãos. E disse que queria enviar mensagem
ao senhor papa. Os dois irmãos responderam: «Com grande prazer».
E despediram-se e partiram. Cavalgaram durante três anos
e chegaram a Acre no mês de Abril do ano de 1272; e aqui souberam
que o papa tinha morrido. Quando tal ouviram, os dois irmãos
decidiram ir a Veneza ver a família; e partiram para Veneza.
E aqui o senhor Niccolao soube que a sua mulher tinha morrido
deixando-lhe um filho de 15 anos, de nome Marco; e este é o Marco
de que fala este livro.
Os dois irmãos ficaram em Veneza 2 anos.
Quando viram que não se escolhia o papa, decidiram voltar para
junto do Grande Khan e levar consigo o jovem Marco.
Senhores imperadores, reis e duques e todas as altas personagens
que quereis conhecer a diversidade das regiões de todo o mundo,
lede este livro e encontrareis todas as grandes maravilhas das gentes
da Arménia, da Pérsia e da Tartária, da Índia e de muitas outras
terras. E isto vos contará o livro, como viu com os seus olhos
o Senhor Marco Polo, sábio e nobre cidadão de Veneza.
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O qual [Marco] mais tarde, estando preso em Génova, mandou
passar a escrito todas estas coisas, e quem o fez foi Rustico da Pisa,
que estava preso no mesmo cárcere no ano de Cristo de 1298.
Eis o prólogo do livro do senhor Marco Polo, que começa aqui.
AGORA VOS CONTAREMOS DA GRANDE CIDADE DE BAGDADE.
Bagdade é uma grande cidade, e está ali o califa de todos
os sarracenos do mundo, como em Roma o papa de todos
os cristãos.
No ano do Senhor de 1255 o grande Tártaro, de nome Alau, veio
e tomou à força Bagdade. Depois encontrou o califa e viu que tinha
uma torre cheia de ouro e prata e tantos tesouros, que nunca tal
se tinha visto.
Quando Alau deu com tão grande tesouro ficou maravilhado
e mandou chamar o califa que estava preso, e disse-lhe: «Califa,
para que juntaste tão grande tesouro? Que pretendias fazer com
ele? Porque não pagaste a cavaleiros e pessoas para defender a tua
terra e a tua gente?» O califa não soube responder. Então disse Alau:
«Califa, já que gostas tanto de bens materiais, vou dar-tos a comer».
E prendeu o califa nessa torre e mandou que não lhe dessem de
comer nem de beber; e disse: «Agora sacia-te com o teu tesouro».
Viveu quatro dias e depois morreu.
Contarei agora uma maravilha que aconteceu em Bagdade e Mossul.
No ano de 1275 havia em Bagdade um califa que muito odiava
os cristãos. E pensou que o melhor era tornar os cristãos sarracenos
ou matá-los a todos.
Mandou buscar os cristãos que lá estavam e ordenou: li num
Evangelho que se um cristão tiver uma fé tão grande como um grão
de mostarda, se prouver a Deus, conseguirá juntar duas montanhas.
E disse o califa: «Entre vós todos deve haver tanta fé quanto num
grão de mostarda; ordeno-vos que movais aquela montanha
ou mato-vos a todos ou tornais-vos sarracenos». E deu-lhes dez dias
para o fazerem.
Quando isto ouviram, os cristãos tiveram grande medo.
E, quando rezava, apareceu ao bispo o anjo, e disse-lhe que
de manhã se dirigisse a um tal sapateiro. Tinha tão boa índole que
um dia veio uma mulher à sua loja, mas era tão bela que ele pecou
com os olhos; e como castigo puniu-se com um golpe da sovela,
e nunca mais viu; e agora era santo.
O bispo pediu ao sapateiro que rogasse a Deus que movesse
a montanha. E tantos cristãos lho pediram que o sapateiro se pôs
a rezar.
De manhã todos os cristãos tiraram a cruz e foram até essa
montanha; e eram 100.000. E o califa veio com muitos sarracenos
armados para matar todos os cristãos, pensando que a montanha
não se moveria.
Stella splendensEstrela que iluminas Montserrat como um raio de sol / atende ao povo com os teus milagres. De todo o mundo acorrem em alegria, / ricos e pobres, grandes e pequenos, / com os nossos olhos vemo-los chegar / e partir cheios de graças. Camponeses, agricultores, mas também notários, / advogados, escultores, carpinteiros, ferreiros, / alfaiates e remendões, tosquiadores, / e todos os artesãos aqui encontram alegria. Nós todos, homens e mulheres, suplicando, / purificando as nossas almas, / rezamos com devoção: / sentimos no coração a Virgem gloriosa, Mãe clemente / cheia de graça no céu.
Estando os cristãos frente à cruz de joelhos rezando a Deus,
a montanha começou a mover-se. Vendo isto, os sarracenos
maravilharam-se e o califa converteu-se, e com ele muitos
sarracenos. E quando o califa morreu, trazia uma cruz
ao pescoço.
DEIXEMOS AGORA BAGDADE E FALEMOS DA PÉRSIA.
Existe na Pérsia uma cidade chamada Sabá, de onde partiram os três
reis Baltasar, Gaspar e Melchior. E quando chegaram ao local onde
tinha nascido Deus ofereceram ouro, incenso e mirra; e o menino
entregou aos três reis um cofre fechado.
Depois de terem cavalgado algumas jornadas os Magos quiseram ver
o que o menino lhes tinha oferecido. Abriram o cofre e encontraram
uma pedra, que significava que deviam estar firmes na sua fé, como
uma pedra. Quando viram a pedra muito se espantaram e jogaram
a pedra para um poço; e estando a pedra no poço desceu ardendo do
céu um fogo, e caiu nesse poço. Quando os três viram essa maravilha
tomaram esse fogo, levaram-no para o seu país e puseram-no numa
igreja. E sempre rezavam a esse fogo como a um deus; e quando se
apaga vão buscar mais ao original, que está sempre aceso.
Por isso as pessoas desse país adoram o fogo; e tudo isto disseram
a Marco Polo, e é verdade.
Huic placuit Magi
Eis ali os três Magos, iluminados pela sua oculta sapiência, / traziam três presentes, / e com maravilha proclamavam o sublime poder d’Aquele que era Rei, / Deus e homem ao mesmo tempo.
DA GRANDE CHINA
No fim da China existe uma planície muito bela, que se chama planície
Formosa [Ormuz, Golfo Pérsico], e a viagem dura duas jornadas
se o tempo estiver de feição; e há abundância de francolins, papagaios
e outros pássaros diferentes dos nossos.
Passadas duas jornadas vê-se o mar e na margem há uma cidade
com um porto, chamado Cormos, e aqui chegam da Índia, por barco,
todo o tipo de especiarias, tecidos de ouro e (dentes de) elefantes e
outras mercadorias; e os mercadores levam-nas para todas as partes
do mundo.
Os barcos têm uma vela, timão, mastro, coberta, e quando estão
carregadas põem por cima os cavalos que levam para a Índia. É
grande perigo navegar nesses navios. Não são isolados com pez mas
untados com uma espécie de óleo de peixe.
Estas gentes adoram Maomé. Faz muito calor, e se não fossem os
jardins abundantes em água fora da cidade não conseguiriam lá
viver. E às vezes, de verão, vem do deserto um vento tão quente que,
se os homens não procurassem a água, não resistiriam ao calor. E
quando alguém morre fazem grandes prantos de dor; e as mulheres
choram os maridos pelo menos uma vez por dia, durante quatro
anos, com os vizinhos e os parentes.
Mas deixemos agora estas partes e vamos para setentrião. Ao fim de
quatro jornadas chegamos à cidade de Alamut.
DO VELHO DA MONTANHA E DE COMO CHEGOU AO PARAÍSO, E DOS ASSASSINOS
Alamut é a terra onde o Velho da Montanha morava antigamente.
Agora vos contarei o caso como o senhor Marco a ouviu de vários
homens.
Na língua deles, o Velho é chamado Aladino. Tinha mandado
construir num vale entre duas montanhas o mais aprazível jardim
do mundo. Havia aqui os mais belos palácios alguma vez vistos,
todos cobertos de ouro, e animais, e pássaros, e donzelas e donzéis,
os mais belos do mundo, e que sabiam cantar, tocar e dançar.
O Velho fazia crer que era ali o paraíso.
Maomé disse que quem fosse para o paraíso teria todas as mais
formosas mulheres que quisesse e encontraria rios de leite, vinho
e mel. E por isso o Velho fez os seus domínios assemelharem-se
ao que tinha dito Maomé; e os sarracenos desse país acreditavam
que aquele era o paraíso. E nesse jardim só podia entrar quem ele
quisesse que se tornasse assassino. O Velho tinha na sua corte
jovens de 12 anos que lhe parecia virem a ser bravos guerreiros.
Dava-lhes a beber ópio, que os fazia dormir até 3 dias; e eram
levados para o jardim e quando estavam lá dentro acordavam-nos.
Puisque je sui fumeux
Pois que estou fumado, de bom fumo, / força é que fume pois se não fumasse, / aos que me chamam cabeça de fumo, / por efeito do fumo, eu negaria; / e nunca, jamais, fumarei / fumo que vá contra a razão; / se fumo, devo-o ao meu temperamento / colérico, que me leva a fumar. Fumarei sem ninguém incomodar, / bom fumo. Não é ofensa / fumar sem a ninguém fazer dano.
Quando os jovens acordavam e viam estas coisas todas pensavam
verdadeiramente que estavam no paraíso. E as donzelas estavam
sempre com eles em grande festança. E tinham tudo o que podiam
desejar, por isso nunca abandonariam o jardim.
E quando o Velho quer mandar um destes rapazes a algum lugar,
dá-lhes uma beberagem que os põe a dormir e manda que os levem
para fora do jardim, ao seu palácio. Quando eles acordam ficam
espantados e muito tristes por estar fora do paraíso. E dirigem-se
ao Velho, pensando que é um grande profeta, e prostram-se. Ele
pergunta-lhes de onde vêm e respondem: «Do paraíso»;
e contam-lhe tudo o que lá se encontra e têm grande ânsia de lá
voltar. E quando o Velho quer que matem alguém escolhe o mais
forte e manda-o matar quem lhe apraz. E os jovens fazem-no de boa
vontade, para regressar ao paraíso. E se são presos querem morrer,
e crêem que vão voltar ao paraíso.
E deste modo nenhum homem faz frente ao Velho da Montanha, e
vários reis, por medo, prestam-lhe tributo.
E é verdade que no ano 1277 Alau, senhor dos Tártaros do Levante,
tentou destruí-lo. Então foi preso e morto o Velho e toda a sua gente.
E daí em diante não houve mais nenhum Velho: com ele acabou-se
toda a sua linhagem.
Fiquemos agora aqui e avancemos.
DE CAMUL
Camul é uma província, mas antes foi um reino. Todos são idólatras;
e são homens de grande folgar, e só querem tocar instrumentos e
cantar e dançar.
E se algum estranho quer aqui pernoitar, ordenam às mulheres que o
satisfaçam de todas as formas possíveis. E o marido sai de casa e vai
para outro lugar durante 2 ou 3 dias; o estrangeiro fica com a mulher
e faz com ela o que lhe apraz, como se fosse a sua própria mulher, e
chegam a grande entendimento. E todos os homens destas partes
são traídos pelas mulheres, mas não se envergonham; e as mulheres
são formosas e alegres e folgam muito com esta usança.
Ora aconteceu que no tempo de Mogu Khan, senhor dos Tártaros,
este, sabendo que todos os homens desta terra punham as mulheres
ao dispor dos estrangeiros, ordenou, descontente, que ninguém
albergasse forasteiros e que não cedessem as mulheres. E quando os
de Camul souberam desta ordem ficaram muito tristes, reuniram-se
e enviaram ao senhor um rico presente, pedindo-lhe que os deixasse
manter os seus usos e dos seus antepassados, e que os seus ídolos
aprovavam, e que era por essa razão que os seus bens terrenos se
tinham multiplicado tanto. E quando estas palavras ouviu, Mogu
Khan respondeu: «Quereis a vossa desonra, e tende-la». E mantêm
ainda esse costume.
DEIXEMOS CAMUL E CONTEMOS COMO GENGIS FOI O PRIMEIRO KHAN.
Aconteceu que no ano de 1187 os Tártaros fizeram seu rei um
chamado Gengis Khan. Era homem de grande bravura, senso e
prudência. Conquistou em pouco tempo oito províncias mas não
fazia mal àqueles que dominava, mas aproveitava-os para conquistar
outras terras, e assim conquistou muita gente. E quando Gengis viu
tantos súbditos disse que queria conquistar todo o mundo.
DA GRANDE BATALHA QUE O GRANDE KHAN TRAVOU COM NAIANO.
O Grande Khan reuniu os seus astrólogos e perguntou-lhes se ia
vencer a batalha, e eles responderam que sim e que mataria os seus
inimigos. O Grande Khan pôs-se a caminho com a sua gente e em 20
jornadas chegou a uma grande planície onde Naiano o esperava com
os seus 300.000 cavaleiros.
E quando o Grande Khan chegou com a sua gente, Naiano estava
deitado com a mulher em grandes manifestações de carinho, pois
lhe queria muito bem. E quando Naiano viu o Grande Khan pegou
nas armas e dispuseram-se as fileiras ordenadamente.
Começaram então a tocar muitos instrumentos e a cantar
em voz alta; mas, segundo os costumes dos tártaros, enquanto
um determinado instrumento não soa, não começam a combater,
e quando soa, tocam todos os outros instrumentos e cantam.
E o alarido é tal que grande maravilha é.
E eis que começam a combater, e começam a ferir-se com lanças
e espadas. E a batalha foi muito cruel e traiçoeira, e as setas caíam
como chuva; os cavaleiros de parte e de outra eram derrubados e era
tanto o rumor que se houvesse trovões não conseguiriam ouvi-los.
Ora sabei que Naiano era cristão e batizado e nesta batalha trazia
a cruz de Cristo nos seus pendões.
Quando o Grande Khan soube que Naiano tinha sido capturado
mandou que o matassem, e deitaram-no numa esteira e foi tão
maltratado e recebeu tantos golpes que acabou por morrer. E fê-lo
porque não queria que o sangue da linhagem do imperador fosse
chorado, e este Naiano era da sua linhagem.
Quando Grande Khan venceu a batalha, os sarracenos mostraram
espanto com a cruz que Naiano tinha nos seus pendões, e diziam
aos cristãos: «Vedes como a cruz do vosso Deus ajudou Naiano e os
seus?». E tanto o disseram que chegou aos ouvidos do Grande Khan,
e ele mandou chamar os cristãos que ali viviam, e disse: «Se o vosso
deus não ajudou Naiano, teve as suas razões, e sendo Deus bom,
teve de fazer valer a sua razão. Naiano era um traidor e foi desleal,
veio contra o seu senhor e por isso Deus fez bem e não o ajudou”.
Os cristãos reconheceram que tinha razão. E estas palavras da cruz
foram ditas entre o Grande Khan e os cristãos.
Mas deixemos agora estes feitos e contarei a grande caçada
organizada pelo Grande Senhor, como ireis ouvir.
Per sparverare
Para caçar trouxe o meu falcão, cães e cadelas, e chamo: «Aqui, aqui, Baratera», «Vai, Varin, vai, vai». Batemos os campos. Vi procurar e beber a minha cadela: «Vem aqui, Varin, aqui». «Busca, Baratera, vai», «Amorosaapanha», «Apanha ali, ali, ali», «Busca além, além!». Para a minha dama cacei perdizes / e não duvidei que se alegrasse.Por ela trouxe o meu falcão no punho, e foi no último dia de Junho.
Sabei que o Grande Senhor vive na cidade de Catai 3 meses por ano,
dezembro, janeiro e fevereiro.
No mês de março parte em direção ao sul e vê o mar ao fim de 2
jornadas. Leva consigo pelo menos 10.000 falcoeiros e uns 500
gerifaltes, e falcões peregrinos em abundância; leva também grande
quantidade de açores para caçar nos rios.
E quando chegou a um lugar chamado Tarcar Mondun, fez aqui
montar os seus pavilhões e as suas tendas. A tenda onde está
a corte é tão grande que cabem lá mil cavaleiros; e aí ficam os barões
e alta gente. Cada sala possui quatro colunas de madeira muito bela:
do lado de fora a tenda é coberta com pele de leão, de modo que a
água não passa; e por dentro é forrada de pelo de arminho e zibelina.
Ao lado desta há outras tendas; e as amigas do senhor têm tendas
e pavilhões também muito ricos. E os próprios pássaros têm tendas,
e nas mais belas estão os gerifaltes. E o senhor demora-se neste
local até à Páscoa, e em todo esse tempo não faz senão caçar.
DA CIDADE DE CAMBALUQUE (PEQUIM)
Na cidade de Cambaluque há cerca de cinco mil astrólogos
e adivinhos e exercem continuamente a sua arte. Possuem um
astrolábio onde estão escritos os signos dos planetas, as horas
e os pontos de todo o ano. Escrevem em pequenos cadernos
as coisas que hão-de acontecer nesse ano e chamam a esses
cadernos: almanaques. Vendem-nos a quem os quer comprar para
saber as coisas futuras. Do mesmo modo, se alguém pretende ir em
mercancia a algum lugar longínquo e quer saber como vai correr
o comércio, consulta um destes astrólogos.
Pantheon abluitur / Apollinis eclipsatur / Zodiacum signis
(Triplum) Purifica-se o Panteão, templo dos falsos deuses, e edifica-se a Igreja dos Santos: o grande erro é corrigido e torna-sebênção. Ali venera-se sobretudo a Santa Trindade, para que o Senhor conceda graças. O canto de Laudes é muito considerado: venerem-se as nove hierarquias dos anjos, exalte-se o ilustre e profético João, os doze apóstolos, a glória dos mártires, o ardor dos confessores e o perfume das virgens – celebre-se em toda a parte a festa de todos os Santos! Ainda que eu não saiba respeitar os mandamentos, vale-me a devoção: os que foram levados a pecar são os primeiros a arrepender-se. Vós, cuja festa celebramos, purificai nossos corações! Tornai-os castos, ó céu, para que o mal não nos domine.
(Duplum) Não se eclipse nunca a luz do sol na sua viagem pelas casas dos doze Astros zodiacais, de cuja arte musical refulge esta Basílica, com muitos músicos de múltiplos talentos. Entre eles distingue-se Johannes de Muris, pela versatilidade do seu estilo, e Philippe de Vitry, autor mais que prolífico. Estão também Enrico di Hellene, experiente na arte de versejar de todas as formas; Dionigi Magno, Renato di Tyromonte, que beberam na fonte de Orfeo; Roberto de Palatio – quando começa uma nova obra, a própria poesia se alegra – Guillaume de Machaut, Egidius de Murino, que canta com voz profunda ao lado de Guarino de Soissons, Arnaldo Martini, rouxinol dos altos ramos, e Goffredo di Barrolio, cujas vozes comovem o mundo inteiro: possam todos eles conquistar a tão merecida fama!
(Contratenor) O número três convém bem aos errantes signos zodiacais, esplêndidos de apolíneas harmonias: e isto com base nas relações musicais de Pitágoras, nos radiosos fundamentos teóricos de Boécio e nos repetidos ensinamentos do assíduo B. de Cluny, que propôs tanto a teoria como a prática da música, e de todos se distingue pela sua autoridade providencial.
DA PROVÍNCIA DO TIBETE
Ao fim de umas 5 jornadas chega-se a uma província a que Mongut
Khan fez guerra, e as vilas e os castelos estão todos destruídos. […]
É verdade que em parte nenhuma do mundo um homem tomaria
donzela por mulher se ela tivesse conhecido muitos homens. Mas
quando os mercadores passam nestas terras as velhas mostram-
lhes as filhas e mandam-nas deitar com eles para depois as casar.
E quando o mercador está satisfeito convém que ofereça uma jóia,
para mostrar como ela foi do seu agrado; e a que tiver mais jóias,
sinal de que se deitou com muitos homens, é a que se casa primeiro.
Convém que cada uma, para se casar, apresente mais de 20 sinais,
para mostrar que muitos homens estiveram com ela; a que tiver mais
é considerada melhor e mais graciosa do que as outras.
DEIXEMOS AGORA ESTA PROVÍNCIA E VOS CONTAREI DE OUTRA.
Na província de Ardandan não há médicos, e quando alguém está
doente mandam chamar os magos e encantadores de demónios.
Quando chegam ao pé do enfermo tocam os seus instrumentos,
cantam e dançam. E depois de dançar um pouco um desses magos
cai por terra a espumar da boca e desfalece e tiram-lhe o diabo
do corpo. E está assim tanto tempo que parece morto, e os outros
magos perguntam a este desmaiado coisas da doença do enfermo.
Para o doente poder curar-se, diz o espírito que está no corpo
do mago: «Matai tantos carneiros de focinho negro, fazei uma
beberagem e sacrificai o animal a tal espírito».
Quando o carneiro está cozido e preparada a beberagem,
recomeçam a cantar e a dançar e a tocar; e deitam caldo pela casa,
aqui e ali, e incenso e mirra, e fumigam e aspergem toda a casa.
Quando um já o fez é a vez de outro, que pergunta ao espírito se
o doente está perdoado. O espírito responde: «Ainda não está
perdoado; fazei tal coisa, e será perdoado». Isto feito, diz: «O enfermo
pode agora curar-se». Dizem então: «O espírito já está pacificado». E
dão grandes mostras de alegria, e comem o carneiro e bebem. Cada
um volta a sua casa e o doente cura-se no mesmo instante.
Já falei desta terra; agora falarei de outra chamada Caugigu.
E depois contar-vos-ei de….
De Signi.
De Ligni.
De Pigni.
De Cigni.
Como o Grande Khan conquistou o reino de Mangi.
De Caygiagui.
De Pauchin.
De Cayn.
De Tingni.
De Nangi.
De sagianfu de sigui de kalgui de cighinsfu e cichingiu e sugni e
quinsai e tapinji dos frurju e zartom
Não conto dos outros reinos, que seria longo enredo. Mas contar-
vos-ei da Índia, que tem belíssimas coisas para recordar e eu, Marco
Polo, detive-me aí tão longamente, que poderei contá-las pela sua
ordem.
Agora ouvireis do corpo de São Tomé apóstolo e do lugar onde se
encontra.
Benedicti e llaudati
Benditos e louvados / sempre sejais a toda a hora, / santos apóstolos beatos, / servos de Nosso Senhor.São Tomé, a Deus serviste / noite e dia, inverno e verão; / a sua morte choraste / com enorme devoção, / da sua ressurreição / fortemente duvidaste, / e enquanto não o viste / não pudeste acreditar.Muita gente converteste / à santa e pura fé, / fizeste cair os ídolos / que das paredes pendiam. / Um pagão então surgiu, / com a faca te atingiu: / então a alma acordou / e em Deus acreditou.
O corpo de São Tomé apóstolo encontra-se na província de Malabar,
e vêm muitos cristãos e muitos sarracenos em peregrinagem, pois os
sarracenos daquelas partes dizem que é grande profeta.
E sabei que ele cura todos os cristãos que estão leprosos.
Agora vos contarei como foi morto, segundo ouvi. São Tomé estava
num eremitério num bosque e dizia as suas orações, e à volta havia
muitos pavões, que naquele país há em maior quantidade que
em todas as outras partes do mundo. E enquanto São Tomé rezava,
um caçador perseguia pavões e, disparando uma flecha a um pavão,
aconteceu que atingiu São Tomé que, estando de costas, não
o viu; e, estando ferido, rezou docemente e assim morreu, orando.
E antes de vir a este eremitério tinha convertido à fé muita gente
na Índia. Partamos agora e vamos a uma província que se chama
dos brâmanes.
DA PROVÍNCIA DE LAR
Digo-vos que estes brâmanes não comem carne nem bebem vinho.
São idólatras e seguem os presságios de aves, mais do que qualquer
outro povo. E têm este costume: quando saem de casa e ouvem
um espirro e não lhes agrada, tornam logo a casa e não continuam
o caminho. São idólatras e tanta esperança têm no boi que o
adoram. E andam nus sem cobrir a natureza e fazem-no por grande
penitência.
E quando lhes perguntam «Porque andais desnudos?» dizem «Não
temos vergonha de mostrar as nossas partes naturais porque com
elas não cometemos qualquer pecado, e não nos envergonhamos de
um membro mais que doutro. Mas vós, que as cobris, é porque usais
essas partes para pecar, e por isso vos envergonhais».
E também vos digo que estes não são capazes de matar nenhum
animal do mundo, nem pulga nem piolho nem mosca nem qualquer
outro, porque dizem que têm alma e seria pecado. E não comem
nada verde, nem erva nem frutos, senão quando estão secos, porque
dizem que também estes têm alma.
Queimam os corpos mortos porque dizem que, se não arderem,
deles nascerão vermes, e quando não tivessem mais que comer
esses vermes morreriam, e seriam eles a razão da morte de tais
vermes. Por isso queimam os corpos, para que não chamem vermes.
Já vos contei dos usos destes idólatras; agora contarei uns feitos da
ilha de Ceilão que tinha esquecido.
DA ILHA DE CEILÃO
Ceilão é uma grande ilha, e nesta ilha há uma grande montanha. E
dizem que nessa montanha há um monumento a Adão, nosso pai;
mas os idólatras dizem que é um monumento a Sergamão Borgano.
Este Sergamão foi filho de um grande rei.
O pai mandou encerrá-lo num belo palácio e com ele estavam 300
donzelas muito belas que o serviam de mesa e cama e sempre
cantavam e dançavam em grande folgança. E este aí ficou, e fazia a
sua vida segundo os costumes deles.
Tinha estado tanto tempo dentro de portas que nunca tinha visto
nem morto nem doente. E o pai decidiu viajar pela terra com este filho.
Iam cavalgando e o filho viu um morto que era levado a enterrar.
E disse o jovem ao pai:
«O que é isto, meu pai?»
«Filho, é um homem morto».
«E todos os homens morrem, meu pai?»
«Sim, filho».
E o jovem não disse mais nada mas ficou pensativo.
E voltou ao palácio e disse que não queria continuar neste mundo
cruel, antes queria buscar Aquele que nunca morre nem envelhece,
Aquele que o tinha criado, e servi-lo. Partiu do palácio e foi a essa
alta montanha e aí viveu o resto da vida, muito honestamente. E é
certo que se fosse cristão e batizado teria sido um grande santo.
Pouco tempo depois morreu e levaram-no ao pai. O rei mandou fazer
uma estátua de ouro à sua imagem, ornada de pedras preciosas,
e chamou todas as gentes do reino e mandou que o adorassem
como se fosse Deus. E disse que o seu filho tinha morrido 84 vezes
e voltava sob a forma de animal, cavalo ou pássaro ou outra besta;
mas ao fim de oitenta e quatro vezes dizem que morreu e se tornou
um deus. E isto aconteceu na ilha de Ceilão, na Índia.
E digo-vos que os adoradores vêm aqui das mais longínquas terras
em peregrinagem, tal como os cristãos vão a Santiago na Galiza.
Congaudeant Catholici
Regozije-se toda a igreja, / alegrem-se anjos e santos / neste dia.O clero faça belos versos / e belos cantos, / neste dia. É este dia digno de louvor, / glorioso pela luz divina, / neste dia.Pois Tiago subiu /à morada celeste, / neste dia.
DA GRANDE TURQUIA
A Turquia tem um rei de nome Kaidu, que é sobrinho do Grande
Khan. Estes são Tártaros, valentes homens de armas. Sabei que
este rei Kaidu tinha uma filha chamada Aigiarme, que significa ‘lua
resplandecente’. Esta donzela era tão forte que ninguém a vencia.
O rei seu pai queria casá-la; mas ela disse que nunca se casaria senão
com um homem que a vencesse ou pela força ou de outro modo.
Então mandou dizer por todas as terras que, se algum
gentil-homem quisesse bater-se com a filha do rei Kaidu, que fosse
à corte, e chegaram muitos homens à corte do rei.
E então apareceu a donzela, vestida com uma túnica de seda muito
justa: a donzela era muito formosa e bem feita e forte.
E mancebo que a vencesse, a donzela devia aceitá-lo e tomá-lo por
marido; mas se vencesse a donzela, o homem teria de lhe dar 100
cavalos. E deste modo a jovem tinha já ganho uns 1000 cavalos.
E não era de espantar, porque a donzela era tão bem proporcionada
e tão preparada que parecia gigante.
Chegou então um mancebo, filho do rei de Pumar, para pedir meças
à donzela. Quando o rei Kaidu viu este donzel, muito desejava o seu
coração que ele a vencesse, pois era um belo jovem e filho de um
grande rei. E então disse à filha que devia deixar este príncipe vencê-la
e ela respondeu: “Sabei, meu pai, que por nada deste mundo farei
uma coisa que não me parece certa”.
S’on me regarde / Prennés i garde / Hé mi enfant
(Triplum) Se alguém me observa, dizei-me. Bem sei que demais sou dada à espada. Não posso deixar de olhar aquele que me
olha e com quem desejo estar. Porque, em verdade, ele tem todo o direito sobre o meu amor. Mas vejo também outro – que arda no inferno! – que me observa com ciúme. Mas eu não renunciarei ao amor. Na verdade, em vão me vigia, a sua vigilância de nada serve, saberei onde me esconder.
(Motetus) Atenção, se alguém me olhar porque sou demasiado bela. Avisai-me, pelo amor de Deus! Pois me lança olhares – bem o vejo – certa pessoa que me faz arder de desejo: mas vejo outro que, pelo contrário (que arda no inferno!) tem ciúmes de mim. Mas não é por causa dele que deixarei de amar quem quero: de nada vale que me olhe assim, são olhares perdidos – porque saberei inventar alguma coisa e o meu amado terá o que merece. Sim, tenho de o fazer: nada de cobardias!
(Tenor) Oh, meu filho!
Então a donzela e o donzel enfrentaram-se e lutaram. Mas a luta
durou pouco, e o donzel perdeu a prova. E então a sala encheu-se
de tristeza porque este mancebo era um dos mais belos homens
alguma vez vistos. E a donzela recebeu 1000 cavalos; e o mancebo
voltou cheio de vergonha para o seu país.
E quero que saibais que o rei Kaidu levou esta sua filha para o
acompanhar em várias batalhas. E quando estava em batalha
combatia os inimigos com tanto denodo que não havia cavaleiro que
não derrubasse; e fazia muitas proezas de armas.
Ouvistes tudo quanto se pode contar dos Tártaros e dos Sarracenos,
e dos costumes deles, e dos outros países que há no mundo, tudo
que se pode procurar e saber.
Da nossa partida, e da forma como nos despedimos do Grande
Khan, já haveis ouvido no início deste livro.
Mas creio que Deus queria que regressássemos, para que se
soubesse as coisas que há pelo mundo, que nunca houve homem,
nem cristão, nem sarraceno, nem tártaro, nem pagão, que andasse
tanto pelo mundo como fez Marco, filho de Niccolò Polo, nobre e
grande cidadão da cidade de Veneza.
Deo Gratias, Amen, Amen.
Venecie mundi splendor
(Cantus I) [Ó] Veneza, maravilha do mundo, / pois és ornamento de Itália, / em ti nascem todos os motivos de inveja / pela perfeição e a pureza. Regozija-te, ó mãe dos mares, salvação, / graças à qual os maus são purificados. / És sustento do mar e da terra, / protetora dos míseros. Regozija-te sempre, ó digna virgem; / levas as insígnias do principado /- a ti, só, se devem - / do domínio ducal. Regozija-te ó vencedora de estrangeiros, / o poder dos venezianos / não cede a nenhum malvado, / nem em terra nem nos mares. [Na verdade], atas as mãos dos fortes, / a paz está dentro das tuas portas, /e salvas da morte / quem em ti confia. Por ti canta com voz piedosa / a tua prosperidade neste mundo / (que Deus e Maria te guardem) / Johannes Ciconia. [Amen].
(Cantus II) Tu, Miguel, que elevas a linhagem dos Steno / à alta qualidade do ducado, / honra a ti pois, como homem bom, / levas uma vida casta.Como Febo, ó alto príncipe, / o mundo te saúda; / aos teus trazes a palma da vitória, / tu, nobre sempre vitorioso. És aclamado clemente e justo, / chamado exemplo dos costumes, / considerado defensor / da fé católica.Aos bons conferes justo prémio, / aos maus impões como pena / merecidas leis, / pela espada da justiça.Pai sagaz, prudente, justo, / se a lei divina é tua mãe, / o vigor do intelecto é teu irmão, / tu, guardião do estado.Oro para que te seja concedido um belo assento / e que no céu estejas ao serviço de Deus, / que sempre estejas ao lado do seu trono / por toda a eternidade. Amen
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LAREVERDIE
Em 1986, as irmãs Claudia e Livia Caffagni
e as irmãs Elisabetta e Ella De Mircovich criaram
o grupo musical medieval laReverdie, que, ao longo
dos últimos quase 30 anos, foi cativando públicos
e críticos pela variedade da sua abordagem a um vasto
repertório da Idade Média e do início da Renascença.
Em 1993, Doron David Sherwin juntou-se ao grupo,
como tocador de corneto e cantor. Em 2008, Ella
de Mircovich deixou o grupo.
Atualmente, laReverdie apresenta-se em formatos
que variam entre os 3 e os 14 músicos, consoante
o repertório. A profunda pesquisa desenvolvida, aliada
à experiência alcançada durante a sua longa e intensa
carreira, tornou o laReverdie um grupo musical único,
tanto pelo entusiasmo que partilha e comunica
ao público como pela confiança e pelo virtuosismo
natural das suas interpretações, testemunhadas por
públicos de toda a Europa e também do México.
A sua discografia inclui vinte CD, 16 dos quais para
a Arcana/WDR, que lhe granjearam inúmeros prémios
ao longo dos anos. A sua gravação mais recente,
intitulada “Venecie Mundi Splendor” (2015), é dedicada
à música celebrativa dos doges de Veneza entre 1330
e 1430.
Desde 1997 que os membros do grupo se dedicam
ao ensino em cursos de verão, como o Curso
Internacional de Música Antiga em Urbino (Itália), bem
como em cursos de mestrado e de formação geral em
instituições como a Civica Scuola di Musica C. Abbado,
em Milão, e a Hochschule Trossingen, na Alemanha.
Projetos especiais levaram o laReverdie a colaborar
com artistas e instituições tão diversos como Franco
Battiato, Carlos Nuñez, Teatro del Vento, Gérard
Dépardieu, Mimmo Cuticchio e David Riondino
LAREVERDIE
In 1986, Caffagni sisters Claudia and Livia and De
Mircovich sisters Elisabetta and Ella created the
Medieval ensemble laReverdie, which for almost 30
years now has been captivating audiences and critics
alike for the variety of their approach to a vast repertoire
from the Middle Ages and early Renaissance. In 1993,
Doron David Sherwin joined the group, both as cornetto
player and singer. In 2008, Ella de Mircovich said farewell
to the group.
Presently laReverdie performs in groups ranging from 3
to 14 musicians, depending on the repertoire. The deep
research coupled with the experience reached during
their long and intense activity, have made laReverdie
a unique ensemble, both for the enthusiasm they
share and communicate to their audiences, as for the
assuredness and natural virtuosity of their performances,
witnessed by audiences all across Europe and also
in Mexico.
Their discography comprises twenty CD’s, 16 of them for
Arcana/WDR, which have earned them numerous awards
over the years. Their latest recording, called “Venecie
Mundi Splendor” (2015) is dedicated to celebrative music
for Venetian doges between 1330-1430.
Since 1997 the group’s members have been involved in
teaching at summer courses such as the International
Early Music Course in Urbino (Italy), as well as
masterclasses and regular instruction at institutions such
as the Civica Scuola di Musica C. Abbado-Milan, or the
Hochschule Trossingen, in Germany.
Special projects have lead laReverdie to collaborate with
artists/institutions as diverse as Franco Battiato, Carlos
Nuñez, Teatro del Vento, Gérard Dépardieu, Mimmo
Cuticchio or David Riondino.
ELENA BALDASSARRI
Nascida em Trieste (Itália), em 1966, Elena Baldassarri
iniciou os seus estudos de tabla em 1993, na Academia
de Música “Ustad Alla Rakha Khan” em Bombaim
(Índia), sob a orientação de dois grandes mestres
deste instrumento: Ustad Alla Rakha e Ustad Zakir
Hussein.
Licenciou-se em tabla na Universidade Hindu de
Benares (Varanasi, Índia) em 2002.
Instrumentista versátil, participou em muitos concertos
e projetos (dança e teatro) em Itália, Alemanha, Suíça
e França. Vive em França desde 2012.
Born in Trieste (Italy) in 1966, Elena Baldassarri began
to study Tabla in 1993 at the Music Academy “Ustad Alla
Rakha Khan” in Bombay (India), under the guidance of
two great masters of this instrument: Ustad Alla Rakha
and Ustad Zakir Hussein.
She graduated in Tabla at the Benares Hindu University
(Benares, India) in 2002.
Versatile performer, she took part in many concerts
and projects (dance and theatre) in Italy, Germany,
Switzerland and in France. She lives in France since 2012.
RANA SHIEH
Música iraniana, musicóloga e estudiosa do pensamento
islâmico, Rana Shieh iniciou a sua educação musical
no Irão, onde teve aulas com alguns dos mestres mais
importantes de música tradicional do Irão
e professores do pensamento e da cultura islâmica
e persa. Após esses primeiros passos no Irão, Rana
Shieh passou mais de sete anos em Itália a estudar
música e musicologia das tradições oriental e ocidental,
bem como filosofia islâmica e sufismo, concluindo o seu
mestrado em musicologia na Universidade de Pádua.
Atualmente, está a prosseguir a sua licenciatura em
estudos islâmicos na Universidade George Washington
e a realizar uma pesquisa sobre a filosofia da música,
a filosofia islâmica e arte sob a orientação do Dr. Seyyed
Hossein Nasr, esperando concluir com distinção
o mestrado em Estudos Islâmicos daquela universidade
em maio de 2017.
Rana Shieh atuou a nível internacional perante muitos
públicos, dando inúmeros concertos de música tanto
europeia medieval como persa, no Irão, Europa
e Estados Unidos.
Iranian musician, musicologist, and scholar of Islamic
thought, Rana Shieh received her early education in
Iran where she trained with some of Iran’s foremost
traditional masters of music and teachers of Islamic and
Persian thought and culture. Following her grounding
in Iran, Ms. Shieh spent more than seven years in Italy
studying music and musicology of the Eastern and
Western traditions, as well as Islamic philosophy and
Sufism, earning her Masters degree in musicology
from the University of Padua. Currently she is pursuing
her graduate studies in Islamic studies at The George
Washington University and doing research on the
philosophy of music, Islamic philosophy, and art under
the direction of Dr. Seyyed Hossein Nasr and she is
expected to receive her master’s degree with honors in
Islamic Studies from this university in May 2017.
Rana Shieh has performed internationally before many
audiences, giving many concerts of both Persian and
medieval European music in Iran, Europe and America.
PSM
L | W
ilson
Per
eira
junho | June [email protected] • Tel.(+351) 21 923 73 00
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