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MEMÓRIAS GUSTATIVAS: HISTÓRIA DA ALIMENTAÇAO EM LONDRINA 1950 a
2008 - POSSIBILIDADES PEDAGÓGICAS
Elizabete Cristina de Souza Tomazini1
Resumo: Este artigo refere-se à parte das atividades desempenhadas no Programa de Desenvolvimento Educacional- PDE, implantado pela Secretaria Estadual de Educação do Estado do Paraná em convênio com as IES, entre elas a Universidade Estadual de Londrina (UEL), através da qual recebemos orientações. Nele relatamos uma experiência da utilização da história da alimentação como uma possibilidade temática para o estudo de História no Ensino Fundamental. Para tanto apresentamos, num primeiro momento, uma contextualização do processo de urbanização e industrialização ocorrido no Brasil nas décadas de 1950 a 2008. Depois estabelecemos alguns pontos históricos da alimentação de Londrina deste período, relacionando-os com o processo citado acima. Finalizamos mostrando a experiência pedagógica que deu suporte a esta implementação, analisando diferentes fontes, as conclusões que os alunos construíram a partir delas e quais mudanças ocorreram nos conceitos que os mesmos tinham inicialmente sobre o tema. Palavras-Chaves: Ensino de História; História local; História da alimentação
Abstract:
This article refers of the activities in educational performed in the Education Development –PDE, implemented bye the State Secretary Departament of Education of the State of Paraná in partnership with IES, including the State University of Londrina (UEL), through which we received guidance. In it we reported an experience of using the history of food as a possibility subject for the study of History in Elementary School. For this we presented, at first, a context of urbanization and industrialization that occurred in Brazil in the 1950s to 2008.After we have established some points of the history of food of Londrina in this period, relating it with procedure mentioned above. We finalizes showing the educational experience that gave support to this implementation, analyzing different sources, the conclusions that students built from them and what changes occurred in the same concepts that they had initially on the theme.
Keywords: teaching history; local history; history of food
1 1 Professora de História do Estado do Paraná- Colégio Estadual “Dr. Gabriel Carneiro Martins” – Ensino Médio e Fundamental. E-mail [email protected]
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Introdução
O ensino de História nas escolas da rede pública do Paraná busca, há
algumas décadas, estar em sintonia com as pesquisas realizadas pela academia.
Nesta busca concentra seus esforços para levar à sala de aula uma “história” que
não se resuma ao simples relato de fatos e personagens, muitas vezes sem sentido
algum para o aluno. Com o PDE e a construção das novas Diretrizes Curriculares,
iniciamos um processo de superação disto, trazendo para a sala de aula novos
objetos históricos. Neste sentido nasce o tema da pesquisa relatada neste artigo, a
história da alimentação, relegada muitas vezes como “curiosidade” dentro dos livros
didáticos, mas que já demonstrava em experiências, em anos anteriores, ser um
bom encaminhamento pedagógico.
Víamos na história da alimentação uma possibilidade de realizar uma
intervenção pedagógica que pudesse dar conta não só da área de história, mas que
aglutinasse outras disciplinas, pois como diz Santo:
o tema da alimentação, finalmente, começa a invadir a História, impulsionando maior diálogo multi, inter e transdisciplinar [...]. As pesquisas acadêmicas – muitas que redundaram em dissertações e teses de pós-graduação – que abrangem processos históricos com enfoque social, cultural, econômico, político, tecnológico, nutricional ou antropológico, e mesmo como monografias sobre determinados alimentos, buscam recuperar os tempos da memória gustativa, possibilitando as desejáveis articulações entre a História e outras disciplinas (SANTOS, 2005, p. 11).
Segundo Rubens Leonardo Panegassi (2008, p. 9), “há cinco enfoques
predominantes entre os estudos dedicados à alimentação: o biológico, o econômico,
o social, o cultural e o filosófico”. Dentre estes, procuramos dar especial atenção ao
aspecto cultural, entendendo a história da alimentação como um eixo a partir do qual
podemos analisar as significações sociais criadas pela alimentação e suas
repercussões em outras áreas. Buscamos com isso sentir o “cheiro” da história
através das memórias gustativas dos alunos e da comunidade onde estamos
inseridos.
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Brasil décadas de 1950 a 2008: contextos
Os anos 1950 do século passado foram, para vários autores, um período de
intensificação da industrialização e urbanização do Brasil. Segundo Mello e Novais
(1998, p. 560), a sociedade brasileira tinha a sensação de que finalmente iria se
tornar uma nação moderna, pautada pelas “conquistas materiais do capitalismo e
com as persistências de traços de caráter que nos singularizavam como povo: a
cordialidade, a criatividade, a tolerância”. Estes mesmos autores, afirmam, que este
processo só se reverteria a partir dos anos 1980 do século XX quando o pessimismo
ganha o lugar da euforia.
Num período de apenas 50 anos, o Brasil experimenta um acelerado
processo de industrialização e urbanização, presidentes como Dutra, Getúlio Vargas
(no seu segundo mandato) e J. K. estimularam a construção de indústrias que
produziam de tudo desde aço a compotas. Isso fez com que, para Mello e Novais
(1998), os brasileiros acreditassem estar finalmente pegando o trem da história e
entrando no mundo industrializado. Neste ínterim, a indústria de alimentos ganha
destaque, porque vem acompanhada também de mudanças de cunho social, já que
a produção de alimentos prontos ou semiprontos liberta as mulheres para a
realização de outras atividades, como a inserção no mercado do trabalho, e tornam
o trabalho doméstico mais prático.
Entre os novos padrões de consumo citados, por Mello e Novais, podemos
destacar uma mudança na forma do preparo dos alimentos em casa, as cozinhas
são inundadas por, Fogão a gás de botijão, que veio tomar o lugar do fogão elétrico, na casa dos ricos, ou do fogão a carvão, do fogão a lenha e da espiriteira, na casa dos remediados ou pobres: em cima dos fogões, estavam, agora, panelas – inclusive a de pressão – ou frigideiras de alumínio e não de barro ou de ferro; [...] o liquidificador e a batedeira de bolo; geladeiras; a torradeira de pão; [...] (MELLO; NOVAIS, 1998, p. 562).
Outro ponto que chama atenção é a utilização cada vez maior de alimentos
industrializados. Arroz, feijão, farinhas passam a ser empacotados em sacos de
plásticos ao invés de serem comprados a granel em lojas de secos e molhados ou
quitandas. Chegam os enlatados: extrato de tomate, ervilha, milho e seleta de
legumes. O leite e fórmulas infantis, objeto de pesquisa de Amorim, são oferecidos
em pó e enlatados (AMORIN, 2005, p. 97). O leite condensado, que cria no Brasil o
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folclórico brigadeiro, doce batizado assim como uma homenagem ao brigadeiro
Eduardo Gomes, político e candidato à presidência da República. As compotas de
doces variados, os refrigerantes, o frango da granja o pão Pullman, bebidas
alcoólicas , chocolates, sorvetes, doces. Tudo isso com uma áurea de moderno, de
melhor, embora nem sempre isso tenha sido acompanhado numa melhoria do sabor
ou da qualidade de vida.
Esses avanços na maneira de produzir os alimentos foram sucedidos de
mudanças na forma de comercializá-lo, surgindo os primeiros supermercados que
agregaram vários itens e superaram em vendas o armazém, o açougue, a peixaria, a
quitanda, a carrocinha e os caminhões, responsáveis pela comercialização de
alimentos no país até então.
Além das transformações na forma de produção e comercialização dos
alimentos, estas também ocorreram no modo de consumo, sendo desta época o
hábito de “comer fora”. Churrascarias, cantinas, pizzarias, lanchonetes, fast food,
essas inovações chegaram para atender a todas as classes sociais. E assim, nas
décadas seguintes, importamos para Brasil modelos alimentares de outros povos,
abrindo espaço cada vez maior para os produtos industrializados e sofrendo com
isso as consequências dos efeitos nocivos trazidos por este novo padrão alimentar.
História da alimentação em Londrina 1950 a 2008: alguns apontamentos
Segundo Vanda Moraes, Londrina é uma cidade de muitas memórias cotidianas, que no seu conjunto formam seu maior patrimônio: a sua historia - na verdade, a nossa história que não é igual a de nenhuma outra cidade, pois só poderia ser construída por estes homens e mulheres que foram escolhidos por Londrina para construírem esta cidade e perpetuarem sua memória (MUSILI; ABRAMO, 2004, p. 4).
A pesquisa sobre a história da alimentação da cidade de Londrina nos faz
observar diversos aspectos, que exploram desde suas condições ambientais até as
origens e classe sociais dos homens e mulheres que nela se estabeleceram.
Segundo Joviniano Pereira da Silva Netto e Márcia Siqueira de Carvalho,
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Apesar de não haver registro sobre a existência de um prato tipicamente londrinense, percebe-se que a cultura alimentar da região foi moldada a partir de significativas interferências dos costumes trazidos pelos grupos estrangeiros e nacionais. Mesclando ingredientes nativos com os de outras nações e regiões do Brasil, muitos imigrantes viram-se, por vezes, obrigados a substituir produtos “originais” por similares no preparo das receitas de seu local de origem. A ausência de matéria-prima levou esses grupos a uma adaptação alimentar desenvolvida com base no cultivo de plantas comestíveis, criação de animais, na troca, e na compra de produtos em lojas de “secos e molhados” (estabelecimentos que vendiam desde tecido para confecção de roupas até gêneros alimentícios como por exemplo, carne, cereais e frutas) (SILVA NETO; CARVALHO, 2005, p. 1).
Os autores sugerem que a alimentação dos londrinenses tenha nascido da mistura
dos sabores dos grupos de diferentes etnias (alemães, japoneses, ucranianos,
espanhóis, árabes) com a tradição e sabores dos mineiros, nordestinos e paulistas,
que se juntos, não criaram um prato típico, construíram uma cultura alimentar.
Neste momento destacavam-se, no comercio de alimentos, as lojas de secos e
molhados, as pensões, os restaurantes dos hotéis.
Nas décadas seguintes (1940-1950), Londrina desponta como importante
produtor cafeeiro, contrariando os planos iniciais dos ingleses que pretendiam
transformá-la num pólo de produção de algodão
Com isso surge a preocupação de construir uma cidade moderna, compatível
com a classe rica que crescia , apontando para uma estética urbana sofisticada, que
acompanhava os grandes centros do Brasil. Mas o processo de ocupação urbana
rapidamente saiu do controle e deu lugar a uma cidade com estética confusa, onde
vários estilos se misturaram.
Confusão que reproduziu a própria diversidade racial e cultural que se estabeleceu em Londrina. Um mostruário do mundo, com habitantes que vinham de países distintos, cada um com sua cultura e tradição. Ao redor desses espaços urbanos vivia um povo inquieto, arrojado, que misturava macarrão com sashimi, tradições que se cruzaram e originaram uma cultura expressiva, que influenciou a própria condução da vida social e cultural vividas nas imediações centrais de Londrina (MUSILI; ABRAMO, 2004, p. 11).
Mas era raro nos jornais locais pesquisados, a referência a estes locais,
poucos se preocupavam em atrair novos clientes com anúncios nos jornais.
As décadas de 1950 são marcadas também pelo processo de urbanização e
industrialização pelo qual o país passa e, segundo Adum (1991) e Arias Neto (1998)
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afirmam em suas pesquisas, Londrina não fica de fora e experimenta neste período
um boom de “modernização” causado pelas riquezas produzidas pelo café.
Destacamos desse processo as construções do Edifício AUTOLON de 1951, a
antiga Estação Rodoviária, o Cine Ouro Verde e a Casa da Criança de 1952 saídos
das pranchetas dos arquitetos Vilanova Artigas e Carlos Castaldi.(GONÇALVES,
2008, p. 2)
O certo é que, apesar desta modernização, muitos londrinenses mantinham
as tradições rurais na forma de se alimentar, uma vez que em 1950 a cidade tinha
por volta de 70 mil habitantes e destes 52% viviam na zona rural2. Paulo de Tarso
Gonçalves destaca o fato de a cidade estar cercada por cafezais e por isso ainda
convivíamos com o costume do campo entrelaçado com o da cidade, conforme
relato retirado do Jornal Panorama
“A duzentos metros de onde é hoje o número 540 da Rua Mato Grosso, já havia cafezal intenso. Havendo sol, Londrina impregna seu pó vermelho, roxo, terra de siena, havendo chuva, as ruas da cidade viram lama que só as charretes conseguem atravessar” (GONÇALVES, 2008, p. 4).
Assim era muito comum ainda, na zona rural, o consumo de alimentos
caseiros, ficando a compra restrita ao sal e açúcar. As famílias tinham que aproveitar
tudo o que produziam como o uso da banha de porco e da sua carne conservada
nessa gordura. Pães, bolos, broas, cada família reproduzia suas memórias
gustativas. O campo tudo fornecia, mas este ritmo seria quebrado nas décadas
seguintes com o processo de industrialização nacional que trouxe mais e mais
produtos industrializados para a mesa dos brasileiros e por consequência a dos
londrinenses também.
Nos anos 1960, conforme dados do IBGE, a população de Londrina atinge a
marca de 131 mil habitantes, sendo que o campo passa a sofrer um processo de
evasão rural o que se reflete no aumento da população urbana para 57% deste total.
Se nas décadas passadas os jornais analisados trazem poucos anúncios de locais
de alimentação, nesta década a urbanização e modernização da cidade fazem com
que surjam anúncios, como este da Folha de Londrina, onde observamos o
restaurante Lord oferecendo comida caseira através do sistema de fornecimento,
6 2 Dados obtidos no Censo Demográfico do IBGE. 1950
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com pagamento mensal. Assim o cliente poderia ter a facilidade da comida caseira
em seu local de trabalho todos os dias.
FOTO 1
Fonte: Jornal Folha de Londrina 16/12/1961 – página 2 do 1º Caderno. Autor: Elizabete C. S. Tomazini
Segundo Fischler (1998, p. 850), esse processo é mundial, pois “no momento
em que a alimentação torna-se um mercado de consumo de massa, as refeições
servidas em restaurantes passam por uma evolução, em parte, comparável”. Dessa
forma a vida moderna faz com que as famílias não tenham mais tempo de preparar
suas próprias refeições , uma vez que, Enquanto ao longo da evolução histórica a casa foi assimilada ao lar-- isto é, à cozinha--, na proximidade do terceiro milênio a alimentação se identifica cada vez menos necessariamente com o universo doméstico (FISCHLER, 1998, p. 850).
Outro ponto que chama a atenção da história da alimentação de Londrina é a
relação das prostitutas com bares e restaurantes da cidade. Lídia Kawazoe relata
em entrevista dada ao jornalista Marcos Feltrin (FELTRIN, 2004) e publicada pela
revista eletrônica Londrix, que no auge da produção cafeeira o bar Seleto (Mato
Grosso esquina com a Sergipe) ficava lotado de prostitutas que faziam ponto na Rua
Mato Grosso, clientes fiéis do bar, onde compravam cigarros, chocolate ou algo para
comer.
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Os anos 1960 marcaram também uma mudança na comercialização dos
gêneros alimentícios, a cidade crescia e os antigos secos e molhados não atendiam
mais as suas necessidades. A fidelização das marcas começaram a se destacar
como demonstra análise dos livros de registro de loja de secos e molhados de
propriedade de Antonio Caparelli, que conforme informação fornecida pela família,
funcionou até 1965. Imagem 1
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Livro de registro de estabelecimento comercial de Antonio Caparelli, dezembro de 1963 - arquivo da familia.
Podemos perceber as marcas preferidas dos clientes do comérico de
Caparelli para alguns produtos do dia a dia: Cica, Moça Lagão, Nestlé, Hemer,
Aviação, amendocrem, coqueiro, entre outros.
Outro destaque importante é a cidade como produtora de bebidas
consumidas não só na região como em outros estados. No livro de registro de
Antonio Caparelli temos referência ao Guaraná e a Soda Londrina. Fato corroborado
por Lélio César (FELTRIN, 2004) que cita também a Cervejaria Londrina, que tinha
como garoto-propaganda o antigo Rei Momo da cidade, Geraldo Júlio (Dinho Preto),
que, dizem o folclore local, consumia 15 garrafas de cerveja por dia.
Imagem 2
Livro de registro de estabelecimento comercial de Antonio Caparelli, Dezembro de 1964 -arquivo da família.
A mecanização da agricultura ocasiona uma grande migração rural que atinge
todas as regiões do país, grandes parcelas da população dirigiram-se aos grandes
centros urbanos em busca de melhores condições de vida. Fato destacado por Mello
e Novais, quando afirmam que Agora, milhões de homens, mulheres e crianças são arrancados do campo pelo trator, pelos implementos agrícolas sofisticados, pelos adubos e inseticidas, pela penetração do crédito, que deve ser honrado sob pena da perda da propriedade ou da posse. (MELLO; NOVAIS, 1998, v. 4, p. 580)
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Isso tornou mais claro a modificação na estrutura econômica brasileira, onde
os investimentos do Estado para a economia urbano-industrial aumentou em
detrimento da economia agrário-exportadora. Assim a cultura do café, nas áreas
onde eram cultivadas, foi drasticamente reduzida e no norte do estado do Paraná, a
ocorrência de fortes geadas, principalmente a que ficou conhecida como "grande
geada de 1974", acelerou o processo de erradicação da cultura do café.
Após os anos de 1970, o percentual de população rural decaiu rapidamente.
Mello e Novais (1998, v.4, 1998, p. 581) destacam que “em três décadas a
espantosa cifra de 39 milhões de pessoas” migraram para a cidade. Este acelerado
crescimento da população, no caso londrinense, culminou com a complexificação do
seu espaço urbano . A cidade não comportava mais ser atendida pelas antigas
mercearias e lojas de secos e molhados, assim, nesta década, recebemos o
primeiro hipermercado da rede PEG PAG, poucos anos depois da idéia rede ter sido
implantada no Brasil pelo grupo Pão de Açúcar em São Paulo.
Tabela 1- Evolução da População de Londrina
ANO POP. URBANA POP. RURAL TOTAL 1970 163.871 64.661 288.532 1980 267.102 34.647 301.749 1991 366.676 23.424 390.100 1996 396.530 16.364 412.894 2000 433.369 13.696 447.065
Fonte: Censos Demográficos do IBGE. 1970, 1980 , 1991 e 2000.Sinopse preliminar do Censo Demográfico 1960, IBGE e Plano diretor de Londrina, 1997. Perfil de Londrina 2008
O aumento da população urbana, que observamos na tabela acima, fez com
que nos anos de 1980 algumas regiões da cidade mudassem suas configurações
originais. Assim a Avenida Higienópolis, local das residências dos grandes
produtores de café dos anos 1950, assume o posto de point para a juventude
londrinense, vários bares e restaurantes são abertos, tirando do lugar
definitivamente o seu perfil residencial. O footing ocorria no final de tarde com os
carros circulando e o flerte rolando solto.
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A chegada ao final do milênio fortaleceu a vocação de Londrina como
prestadora de serviços, com isso grandes redes de “fast-food” como Habib’s, Mc
Donald’s, juntaram-se à tradicional venda de lanches prensados da cidade. A
população jovem passou a ter acesso aos sabores internacionais. Mas observamos
também que em contraposição ao fast-food, surge na Itália um movimento batizado
de slow-food, segundo informações do site www.slowfoodbrasil.com, acessado em
20 de Novembro de 2009,
O slow-food é uma associação internacional sem fins lucrativos fundada em 1989 como resposta aos efeitos padronizantes do fast food; ao ritmo frenético da vida atual; ao desaparecimento das tradições culinárias regionais; ao decrescente interesse das pessoas na sua alimentação, na procedência e sabor dos alimentos e em como nossa escolha alimentar pode afetar o mundo (2009).
Notamos que há, atualmente, um aumento de procura por alimentos
orgânicos, bem como por restaurantes onde, mesmo sem saber, seus donos
empregam alguns conceitos valorizados pela teoria slow-food, entre eles o que
preconiza a valorização dos prazeres sensoriais dos alimentos em sua plenitude.
Nestes locais há ofertas de espaço que alia a alimentação ao descanso, muitos dele
atendendo aos saudosistas dos sabores caseiros da Londrina das primeiras
décadas.
Também o setor de venda de alimentos da cidade recebe a rede de
Hipermercado Carrefour, que vem se juntar às grandes redes locais: Muffato,
Viscardi... Londrina sedimenta-se como polo comercial e da alimentação na região.
O café volta a ser plantado, com novas técnicas, o que estimula o seu
consumo como bebida especial, cafeterias espalham-se pela cidade. Se nas
décadas passadas apostávamos numa vocação industrial, hoje cada vez mais a
cidade fortalece-se como prestadora de serviços e pólo gastronômico da região,
idéia que conta com apoio de importantes políticos locais. Neste processo os
distritos de Warta e Heimtal tornaram-se referência na oferta de sabores caseiros
como o porco no tacho, costela com mandioca e a cozinha dos pioneiros alemães.
Na Zona Rural são comuns as festas do milho, do frango, que têm como
atrativo principal a oferta da comida caseira. Há também restaurantes na Zona Sul
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da cidade que oferecem aos seus frequentadores toda uma infra-estrutura como
redes para descanso, passeios a cavalo e pratos mineiros e paulistas. Torna-se
tradicional também a Festa Nordestina que tenta registrar a presença destes
personagens relegados, muitas vezes esquecidos, nas publicações oficiais da
história da cidade. Além da música, nesta festa ganha destaque os sabores da
moqueca, da tapioca, da buchada, entre outros pratos trazidos do Nordeste.
Exemplo maior desta mistura de etnias, já citadas anteriormente, são as “feiras da
lua”, que proporcionam num mesmo espaço uma viagem gastronômica através de
suas barracas e o crescente aumento de pontos de vendas de produtos específicos
como lojas de produtos orgânicos, nordestinos, japoneses entre outros.
Assim com pouco mais de 70 anos a cidade experimenta um boom de
crescimento e mudanças que a tornou um interessante objeto de pesquisa no que se
refere a observar a trajetória da história da alimentação mostrando o percurso feito
da comida caseira da roça ao fast food da cidade.
MEMÓRIAS GUSTATIVAS : ENCAMINHAMENTOS PEDAGÓGICOS
Ao retornar à escola, no segundo ano do PDE, tínhamos como missão aplicar
um projeto gestado durante o primeiro ano do programa. Pretendíamos, enquanto
proposta pedagógica, mostrar um novo objeto de estudo da historiografia (a história
da alimentação) e criar um ambiente de pesquisa e construção do pensamento
histórico. Intenção referendada pelo J. P. Aron em seu texto “A cozinha: um cardápio
do séc. XIX” publicado em coletânea organizada por Le Goff e Nora. Nele, Aron
(1974, p. 161), coloca que da história da alimentação poderia se extrair várias
perspectivas, pois ela encerraria em si conhecimentos da biologia, medicina,
economia, administração, ou seja, seria um tema que tem caráter interdisciplinar.
Para estes historiadores com a história da alimentação, deixamos de lado a história
factual, baseada nos grandes personagens e encontramos a história do cotidiano,
que numa leitura a contrapelo pode nos mostrar um rico universo a ser desvendado
pelo historiador.
Com essa pesquisa também buscamos exercitar uma prática escolar que
relacione a Teoria da História com a Didática da História, utilizando para isso
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diversas fontes, partindo dos conhecimentos dos alunos, relacionando-os com a
história local que, segundo Circe Bittencourt,
Tem sido indicada como necessária ao ensino por possibilitar a compreensão do entorno do aluno, identificando o passado sempre presente nos vários espaços de convivência – escola, casa, comunidade, trabalho e lazer -, e igualmente por situar os problemas significativos da história do presente (BITTENCOURT, 2004, p. 168).
Pois a História depende da experiência e da interpretação. Devemos,
portanto, relacioná-la com a vida prática e com a aprendizagem, conseguindo assim
que os alunos construam/adquiram a sua consciência histórica, pois é ela quem
Dá estrutura ao conhecimento como um meio de entender o tempo presente e antecipar o futuro. Ela é uma combinação complexa que contém a apreensão do passado regulada pela necessidade de entender o presente e de presumir o futuro (RÜSEN, 2006, p. 14).
Para isso escolhemos, em conjunto com a equipe pedagógica, as turmas de
8ª série do ensino fundamental; em especial a 8ª série B, do Colégio Estadual Dr.
Gabriel Carneiro Martins. Localizado na zona Oeste de Londrina, atende alunos dos
bairros vizinhos da escola e de outras regiões da cidade e municípios vizinhos. A
escolha por esta série foi intencional e baseou-se no fato de que os mesmos já
haviam trabalhado, em anos anteriores, atividades relacionadas à história da
alimentação. Assim ajustamos a temática ao estudo da urbanização e
industrialização do Paraná a partir da década de 1950, estabelecendo como recorte
da implentação a Londrina das décadas de 1950 a 2008. Contemplado com isso as
Diretrizes quando esta afirma que “o estudo das histórias locais é uma opção
metodológica que enriquece e inova a relação de conteúdos a serem abordados,
além de promover a busca de produções historiográficas diversas” (PARANÁ, 2008,
p.71).
Num primeiro momento procuramos investigar o que os alunos conheciam
sobre o tema, utilizando para isso um conjunto de questões, reproduzido abaixo,
onde se destacavam o que os mesmos pensavam sobre o tema e o que já sabiam a
seu respeito. Segundo Barca (2006) esta atividade é muito importante, pois somente
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quando levamos em conta os conhecimentos prévios dos alunos é que podemos
realmente interferir no processo de aprendizagem. Mas é necessário que isso não
seja feito em cima de suposições e para isso o professor deve
Levantar as idéias prévias dos alunos, analisá-las, projetar as tarefas de aula tendo em consideração a mudança ou refinamento dessas ideias prévias, levantar de novo as ideias a posteriori, reanalisá-las e dar aos alunos a possibilidade de refletir, num exercício de metacognição [...]. O professor só poderá mudar o pensamento dos alunos conscientemente se o conhecer (BARCA, 2006, p. 32).
Nome: Idade: Endereço: Nos itens abaixo assinale a década que marca a chegada dos seus familiares em Londrina: ( ) 1920-1930 ( )1931-1940 ( ) 1941-1950 ( ) 1951-1960 ( ) 1961-1970 ( )1971-1980 ( ) 1981-1990 ( ) 1991-2000 ( ) 2001-2008 2- Você acha que a alimentação (alimentos, consumo, formas de produção...) pode ser tema de estudo das aulas de História? Justifique a sua resposta. 3-Liste cinco coisas que conhece sobre a história da alimentação da humanidade. 4- Identifique locais ou pratos que façam parte da história da alimentação de Londrina.
Na análise do instrumento de investigação exposto acima, o qual foi
respondido por 35 alunos, estabeleceu-se que:
-Apenas 1 aluno não mora em bairro próximo ao Colégio.
-13 alunos não souberam informar ( mesmo solicitando que fizessem esta
pesquisa com os pais ou responsáveis previamente) quando seus familiares
chegaram a Londrina. O restante relatou que suas famílias chegaram a Londrina: 1
em 1920-1930; 2 em1931-1940; 3 em 1941-1950; 3 em 1951-1960; 4 em 1961-
1970; 6 em 1971-1980; 2 em 1981-1990; 2 em 1991-2000; e nenhum na década
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que começou em 2001. Neste momento percebemos que o fato de 37% dos alunos
não conseguirem este dado poderia ser um empecilho nesta busca sobre as
memórias gustativas das suas famílias. Outro ponto que vale ressaltar foi as
dificuldades em obter informações com seus pais e avós que ultrapassassem as
décadas de 1990, mesmo quando a família havia chegado antes desta década.
Na análise da questão n. 2, onde pretendíamos fazer uma sondagem
sobre a disposição dos alunos em estudar o tema história da alimentação em
História, 9 alunos responderam NÃO, justificando que este tema pertencia à
Geografia ou Ciências e, que por isso, não seria importante estudá-lo em História.
Alguns apontaram também que ele não seria cobrado em provas e concursos. A
maioria (21 alunos), porém, responderam que SIM, enfatizando que o assunto
poderia ser uma temática interessante, onde eles iriam conhecer as origens de
alguns alimentos e histórias pitorescas.
Nas questões n.3 e n.4 ficou claro que a maioria pouco conhecia sobre o
tema de uma maneira geral e nada sobre a história da cidade do ponto de vista da
sua alimentação, já que muitos nem responderam o que foi pedido.
De posse destas informações optamos por elaborar uma nova etapa de
atividade que mostrasse inicialmente o que é a história da alimentação e seus
temas. Feito isso percebemos que a receptividade dos alunos melhorou e sua
curiosidade também. Assim lemos a história em quadrinhos da revista Magali n. 21
de 2008, onde discutimos o que são memórias gustativas. Nesta história o
personagem Dudu, famoso por sua falta de apetite, trava uma conversa com Deus
onde o mesmo mostra como as lembranças e as histórias pessoais podem vir
acompanhadas de sabores e cheiros relacionados à comida. Deste modo a memória
armazena, cuidadosamente, cheiros e gostos, que são frequentemente ativados pela
saudade.
Como passo seguinte, fizemos a leitura e interpretação do texto “Memórias
gustativas: História da alimentação de Londrina 1950 a 2008” , produzido durante o
primeiro ano do PDE , etapa essa prazerosa por mexer com referência a coisas que
os alunos conheciam, eram frequentes citações, pareciam que as memórias
gustativas deles entravam em ação.
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Mas a aplicação do projeto não foi só feita de entusiasmo. Tivemos também
vários contratempos como dificuldades em realizar as atividades fora da escola por
envolverem gastos que os alunos não se dispuseram a arcar . Assim optamos por
separá-los em grupo onde os mesmos poderiam fazer suas investigações, seguindo
as orientações dadas e não envolvendo gastos tão altos assim.
Para a realização dos trabalhos em grupos houve duas oficinas, a primeira
mostrando como coletar fontes orais. Nesta oficina aproveitamos informações
recebidas ao participar do grupo “Contação de História “ da UEL, dirigidos pelas
professoras Regina Alegro e Ana Heloisa Molina, entre outros, e que primou pelo
incentivo ao estudo da história oral como objeto de estudo nas aulas de História do
ensino regular. Para atender as demandas do projeto, optamos por trabalhar com
entrevistas, onde os alunos elaboraram um roteiro e assim direcionavam os
entrevistados para obter as informações que queríamos. Fizemos desta forma pelo
tempo curto o que não possibilitou a coleta de depoimentos mais longos. Vale
ressaltar que apesar de termos um afastamento de 25% para dedicação ao projeto
para certas atividades, este tempo mostrou-se insuficiente. Como experiência eles
entrevistaram professores e funcionários da escola, sendo que estes últimos foram
os que mais se mostraram empolgados por fazer parte do projeto através de seus
relatos. No retorno à sala de aula, mostramos como a entrevista deveria ser
transcrita, fato que gerou certo descontentamento dos alunos, nem todos
participaram. A falta de gravadores impossibilitou que estas entrevistas fossem feitas
com mais pessoas, o que nos fez permitir que alguns alunos fizessem esta atividade
por escrito.
As entrevistas trazidas pelos alunos seguiram o roteiro descrito abaixo:
1- Nome do entrevistado
2- Idade
3- Data em que chegou a Londrina?
4- Qual a origem da sua família?
5- O que mais gosta de comer?
6- A sua família tem algum prato tradicional? Você conhece as origens dele?
7- Percebe alguma mudança na alimentação que praticamos? (Sabe dizer por
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que isso acontece?)
8- A alimentação tem história?
9- Relate algum episódio sobre as memórias gustativas de sua família?
Na análise das entrevistas que foram entregues, constatamos que a maioria
dos entrevistados eram mulheres, 23 contra 3 homens. A idade dos entrevistados
variavam de 30 a 80 anos, sendo que 38% ficaram na faixa etária de 31 a 40. A
maioria chegou a Londrina entre 1961 a 1990, informação que já havia aparecido na
investigação inicial feita com os alunos. Demonstrando a formação plural da cidade,
encontramos entre os entrevistados descendentes de nordestinos (Alagoas e
Sergipe), cariocas, paulistas e mineiros. Um entrevistado relatou que sua origem é
brasileira e outro destacou o sangue negro e índio. Mas a maioria, 46%, se
posicionou como tendo origens europeias (italianos, espanhóis, portugueses,
alemães).
As respostas para a questão n. 5 apresentaram uma gama de preferências
que variaram dos tradicionais pratos brasileiros, como arroz, feijão, feijoada,
mandioca, pratos feitos com milho, aos de inspiração europeia, como o nhoque, a
polenta e o estrogonofe.
Na questão n.6 prevaleceram uma variedade de sabores com a inspiração
rural como o frango com polenta, que tiveram a sua origem, atribuída pelos
entrevistados, a mineiros e italianos. O macarrão com diferentes molhos: branco,
bolonhesa, gratinado e até uma receita criada pela tia de um entrevistado,
“estrogonofe de macarrão” figuraram entre os pratos tradicionais das famílias
entrevistadas. Complementaram este rol a feijoada, o pão caseiro e o churrasco.
Com as questões n. 7 e n. 8, buscamos investigar o que a comunidade pensa
sobre o tema alimentação, se o mesmo possui uma história, que poderia influenciá-
los e ser um indicador de características culturais de um povo. 60% responderam
que sim para os questionamentos feitos, justificando sua resposta com os trechos
que transcrevemos a seguir,
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“A cultura de cada região é rica em história, obviamente a alimentação das pessoas
sofrem mudanças com o tempo”.
“[...] tudo muda com o passar do tempo inclusive a nossa alimentação”.
“O prato tradicional da minha família passou do meu pai para mim, eu passei pra
minha filha que vai passar para os seus filhos”.
“Os índios faziam paçoca, socavam carne seca com farinha de mandioca no pilão
para fazer farofa, conhecida também como aipim.”
“A polenta com frango vem há décadas na família.”
A análise destas falas contribuiu para que os alunos estabelecessem as noções de
mudanças e permanência que permeiam a história.
Na questão n. 9 buscamos relatos que pudessem compor o livro de Memórias
Gustativas de Londrina. A grande maioria fez comentários curtos e não contribuíram
com as receitas mais detalhadas dos pratos citados. Dois grupos de respostas
aparecem nas falas, aqueles que destacam as lembranças das datas festivas (Natal,
aniversários, Ano Novo) e os que se recordam do cotidiano, aquele carinho que
recebiam com o alimento mais simples,
“Natal [..]. minha vó fazia vários pratos típicos, entre eles, lasanha, macarronada[..].”
“Sempre que íamos para o sítio da nossa bisavó, aos domingos, ela sempre servia
café com leite e broa de fubá [..].”
“O pai contava que em Portugal comia broa de fubá e batata em diversos tipos.
Quando pequena comia mingau, leite, pão [....]”
“Quando eu era criança, não comia porcarias [...] até comia [...] mas não como hoje.
Se alimentava nos horários e a comida era super saudável em casa.”
Para complementar esta etapa lemos o texto do Domingues Pelegrini
publicado no Jornal de Londrina em 14 de dezembro de 2008 e que recebeu o
sugestivo titulo “Natal Cheiroso”, onde o autor relata os natais na casa de sua avó.
19
Quando eu era mais menino, na véspera do Natal Vó Sebastiana varria o forno de barro com a longa vassoura de guanxuma. [...]
Quando a lenha virava braseiro, ela varria para os lados do forno e então, com a longa e fina pá de madeira enfiava as quatro assadeiras de leitoa, que depois tirava douradas e lambuzava com pano molhado de pinga, voltando ao forno para pururucar.
[...]
Já depois do almoço, saíam os frangos e, varridas as cinzas, entravam as assadeiras de pães. Alguns eram recheados com queijo ou goiabada, saíam do forno com o recheio escorrendo borbulhante dos bicos da massa, e a meninada pegava com colher, soprando para esfriar e lamber enquanto a vó repetia: não vão queimar o beiço...
Depois dos pães entravam os bolos e broas, já entardecendinho, o forno ainda bafejando tanta quentura que o turbante dela ensopava, ela trocava por outro sequinho, feito de pano de saco de farinha branquinho ( PELEGRINI, 2008).
Neste momento solicitamos que trouxessem fotos pessoais que tivessem
relações com o tema. Esta proposta de trabalho vem ao encontro das Diretrizes
Curriculares de História para a Educação Básica, do Estado do Paraná, quando esta
afirma que “recorrer ao uso de vestígios e fontes históricas nas aulas de História
pode favorecer o pensamento histórico e a iniciação aos métodos de trabalho do
historiador” (PARANÁ, 2008, p.69). “Uma vez que fotografias imagens, livros, jornais,
histórias em quadrinhos, pinturas, gravuras, museus, filmes, músicas, são
documentos que podem ser transformados em materiais didáticos de grande valia
na constituição do conhecimento histórico”(PARANÁ, 2006, p. 52).
Num primeiro momento vivenciamos a recusa velada em fazer isso, muitos
diziam que não tinham fotos pelos mais variados motivos: mudança de casa,
separação dos pais, as fotos estavam digitalizadas. Mas com jeitinho conseguimos
as primeiras fotos, a vergonha de muitos passou e juntamos um material que gerou
a oficina de análise de fotos. Pudemos perceber a juventude das famílias dos
alunos, a maioria trouxe fotos que não ultrapassavam a década de 1990, o que
dificultou a coleta de dados sobre décadas mais antigas. Mas conseguimos com eles
verificar que a alimentação é algo importante como fator de reunião familiar (Natal,
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Ano Novo, aniversário), conforme vemos nos exemplos reproduzidos abaixo.Nestas
fotos percebemos que,
A função social da refeição continua sendo importante: as pessoas não comem somente para se alimentar, mas também para visitar os pais, amigos e vivenciar um prazer compartilhado. Esse prazer convival necessita dos empregos comuns do tempo e não se faz sem um mínimo de cerimônia. Na verdade, os ritos são muito diferentes, não só segundo o país e o meio social, mas ainda segundo as circunstâncias e o tipo de refeição. No entanto, por mais simples que seja [...] encontra-se aí um pouco mais de cerimônia, de conversação, de sociabilidade do que no saco de pipoca consumido na arquibancada [...] (MONTANARI; FALANDRIN, 1998, p. 866 e 867).
Foto n. 1 do acervo da família da aluna Maria Tereza
Foto n. 2 do acervo da aluna Juliana Quadros
As fotos serviram também para identificar alguns alimentos ou bebidas que
consumíamos e que mudaram ao longo destas últimas décadas, como por exemplo,
na foto abaixo, onde vemos garrafas do refrigerante Tai que não é produzido
mais.O uso de garrafas plásticas, como a que vemos na foto, ocorre de acordo com
Claude Fischler por pressão dos supermercados, uma vez que
As garrafas de PVC implantam-se rapidamente porque são mais fáceis de transportar em paletes, mais leves, menos frágeis, além de serem descartáveis. Somente muito mais tarde as pessoas se deram conta de seus inconvenientes para o meio ambiente (FISCHLER, 1998, p. 850).
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Foto n. 3 do acervo da família de Vitor Ferreira
Elas nos revelaram informações sobre as origens das famílias dos alunos:
gaúchos, sírios, italianos mineiros, nordestinos, portugueses, japoneses. Para
Montanari e Flandrin (1998, p. 867) apesar, da tendência mundial da “ normalização”
dos comportamentos alimentares, as pessoas ainda tem necessidade de preservar
suas culturas particulares, na figura das cozinhas “típicas”, mesmo quando não
estão em seus países de origens, pois ,” atualmente, as cozinhas regionais fazem
parte do patrimônio comum, do qual se tem, sem dúvida, mais consciência “ do
próprio passado. É importante ressaltar, porém, que esse processo não é salvo de
interferências e assimilações uma vez que “ cada cultura é o fruto de
contaminações, cada ‘tradição’ é filha da história – e história nunca é imóvel”(
MONTANARI; FLANDRIN, 1998, P. 868)
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Foto n. 4 do acervo da aluno Tiago Machado
Foto n. 5 do acervo da família da aluna Jéssica Oliveira
Foto n. 6 da família da aluna Rubia
Uma discussão importante travada foi se o tipo de alimentação poderia indicar
ou não as classes sociais. Para os alunos a alimentação pode ser sim um indício de
separação de classes ou grupos sociais dentro de uma mesma sociedade, porque
existem alguns alimentos que pelo preço não são consumidos pela maioria da
população. Tentamos nesta etapa envolver o grupo de professores da escola para
obter fotos de décadas mais antigas, mas o que pudemos observar é que, quando
se trata de fotos, eles reproduziram os mesmos comportamentos dos alunos.
23
Após estas etapas e análises do material, realizamos uma nova pesquisa com
os mesmos critérios da “sondagem” inicial e pudemos perceber com isso as
mudanças dos alunos em relação à temática e ao trabalho realizado. Eles já
conseguiram localizar eventos relacionados à história da alimentação, relataram
conhecer melhor a sua realidade, desenvolvendo, com isso, um raciocínio lógico do
processo de construção do conhecimento histórico e demonstrando uma maior
empatia pelo mesmo.
Por isso esta pesquisa não se encerra com a entrega deste artigo, atividade
final do PDE, pretendemos continuá-la nos próximos anos como uma maneira de
discutir e exercitar a pesquisa historiográfica com os alunos do Colégio Estadual Dr.
Gabriel C. Martins.
Considerações finais
Recentes pesquisas apontam que o aprendizado histórico não pode ser
somente um processo de aquisição de meros fatos , a história deve fazer parte da
vida do aprendiz. Rüsen e Peter Lee defendem que este conhecimento nos
forneceria um senso da “nossa própria identidade” (Lee, 2006,135). A História,
prossegue Lee, “deve ter o compromisso da indagação , e não ser apenas um
acumulo de informações sobre o passado” (LEE, 2006, 136). Estes dois teóricos,
citados acima, junto com Isabel Barca defendem que a pergunta crucial que um
professor deve fazer ao ensinar qualquer conteúdo de história seria “O que pensam
os alunos sobre isso?”. E este foi o cerne desta pesquisa, possibilitar ao aluno a
criação desta identidade, desta empatia com a disciplina, pois a história é feita disso.
Assim a escolha por abordar um tema (Alimentação), utilizando a história
local, mostrou-se ao mesmo tempo ser interessante e viável. Pois, como destaca as
Diretrizes, as ideias históricas dos estudantes são marcadas pelas suas
experiências de vida, por isso ao “analisarmos narrativas produzidas pelos alunos
podemos encontrar as concepções históricas da comunidade à qual pertencem, seja
na forma de adesão a essas ideias, seja na sua crítica”. (PARANÁ, 2008, 72-73)
Neste sentido a história da alimentação, apesar de ser um campo de pesquisa
pouco explorado em Londrina, mostrou-se pertinente, pois serviu a utilização de
novos objetos e fontes. Isto foi útil para a articulação de diferentes conteúdos
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trabalhados em sala de aula, buscando com isso “construir um diálogo entre o
presente e o passado, e não reproduzir conhecimentos neutros e acabados sobre
fatos que ocorreram em outras sociedades e outras épocas” (CAINELLI; SCHMIDT,
2004, p. 52). E este é o grande desafio do professor de História.
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