memórias de uma guerreira

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Esportes 150 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, DOMINGO, 01 DE JULHO DE 2012 LONDRES 2012 RICARDO BUFOLIN/PHOTO&GRAFIA ALEXANDRA Nascimento parte para marcar gol no Mundial da Alemanha FALTAM 26 DIAS HERÓIS OLÍMPICOS Memórias de uma guerreira Capixaba Alexandra Nascimento superou morte do pai, lesões e saudade de casa para buscar medalha inédita do handebol brasileiro Eduardo Fernandes E m uma carteira da escola Jai- ro de Mattos, em Vila Velha, estava a canhota, magrinha e alta Alexandra Nascimento. O instinto do professor de edu- cação física, Lidimar Marquêz, 51 anos, gritou. Desde os primeiros arremessos da garota de 10 anos, era fácil afirmar: nascia um talento do handebol no Estado. Aos 30 anos, Alexandra acumula duas Olimpíadas (Atenas e Pe- quim) e estará em Londres, este ano, em busca de uma conquista inédita para o handebol nacional. “A meta é trazer a medalha olím- pica”, afirma a capixaba. Para poder sonhar tão alto, a bi- campeã pan-americana (Santo Domingo e Guadalajara) teve a ajuda de alguns anjos. Depois de Lidimar, os pais Nelza e Suemar Nascimento entraram em cena. Com cara de bravo, o pai permi- tiu que a filha jogasse competições longe de casa. E nem mesmo a morte dele, em 1993, fez Alexan- dra parar. “Ela jogava até com mais garra. Descontava a tristeza na bo- la”, lembra a mãe. Nelza foi fundamental. Traba- lhava duro e pedia dinheiro a ami- gos para pagar passagens da filha. O tênis de Alexandra era em- prestado pelo irmão, Lúcio Nasci- mento. “Não era o mesmo tama- nho, mas cabia”, brinca Alê. Durante um torneio nacional, em 2000, em São Paulo, comanda- da por Kátia Amanajás, Alexandra foi vista por Rita de Cássia, que treinava o Jundiaí e é supervisora da seleção. “Pelo aquecimento vi que tinha potencial”, lembra Rita. O convite para jogar no Jundiaí veio, e a angústia também. A capi- xaba tinha uma lesão e não podia ser operada no Estado. Se fosse menisco, o Jundiaí pagaria. Se fos- se ligamento, não. Foi menisco. Após ser operada em Jundiaí, começou a brilhar: foi eleita me- lhor ponta-direita do País em 2002, foi convocada e marcou 18 gols no quinto lugar dos Jogos de Atenas e mudou-se para a Áustria. Por lá, joga há oito anos. Nesse tempo, passou frio, saudade, dis- putou as Olimpíadas de Pequim e enriqueceu suas memórias. Parar? “Só depois dos Jogos do Rio, em 2016”, decreta Alexandra. ALEXANDRA NASCIMENTO JOGADORA DE HANDEBOL “Quero disputar Olimpíadas do Rio” A TRIBUNA —Como foi ter jo- gado com a seleção brasileira pela primeira vez no Estado, na semana passada? ALEXANDRA NASCIMENTO — Eu estava com um frio na barriga. Só tenho a agradecer aos capixa- bas, que nos acolheram tão bem. Foi emocionante ver o ginásio lo- tado torcendo por nós. > Qual é a meta da seleção fe- minina em Londres? Estamos trabalhando com o pé no chão, mas a nossa meta é trazer ASSCOM/SESPORT CAPIXABA se emociona em casa Amor pelo esporte passa por pés do pai e mãos do marido Talvez Alexandra Nascimento não soubesse, mas os homens da vida dela seriam esportistas. O pai da atleta, Suemar Nasci- mento, falecido em 1993, foi za- gueiro e defendeu, entre outros clubes, Desportiva, Santos, Inter- nacional (SP) e Coritiba. O exemplo de Suemar estimulou os filhos. Alê se tornou jogadora de handebol e um dos irmãos, An- drews Nascimento, que embarca este mês para jogar no Aschersle- ben da Alemanha, também. Em 2005, Alexandra começou a namorar Patricio Martinez, ponta- direita da seleção chilena. Os dois se conheceram em 2000, em um sul-americano realizado em Cascavel, Paraná. Mas eram comprometidos. Quando terminaram com os parceiros, começaram a trocar mensagens pela internet. Após quatro anos sem se verem, Patricio foi visitá-la no natal de 2005. Era o começo do namoro do casal sul-americano do handebol. “Esperar tanto tempo foi uma prova de amor”, diz a capixaba. Conviveram com a ausência por mais três anos, já que ele jogava na Espanha e ela, na Áustria. Mas, desde 2009, moram juntos em Mödling, Áustria. No dia 9 deste mês, fazem um ano de casados. Para a capixaba, o gélido país eu- ropeu ganhou ares de verão. “A gente se ajuda muito. Agora, não fico mais sozinha. Na Áustria, ele é a minha família e o amo”. No ano passado, eles ganharam duas medalhas no Pan de Guada- lajara. Alexandra conquistou o ou- ro e Patricio, o bronze. uma medalha olímpica. Hoje, a se- leção brasileira está num nível alto comparado às melhores seleções. > Aos 30 anos, passa por sua cabeça parar de jogar? Quero muito disputar as Olim- píadas do Rio, em 2016. Seria lindo se ganhasse uma medalha em Londres e outra no Rio. Não have- ria jeito melhor de encerrar minha carreira. Mas, hoje, minha cabeça só está focada em Londres. > É mais fácil ser esposa de Pa- tricio Martinez, jogador de han- debol da seleção chilena, por ele praticar o mesmo esporte? Sim. Ele é esportista e me dá vá- rios toques. Ele tem um estilo pro- fessorzão e me ajuda muito. Tro- camos muitos conselhos. > O que fará nos dias que an- tecedem às Olimpíadas? Depois dessa etapa de treina- mentos em Vitória e no Maranhão, eu vou, esta semana, para Porto Seguro, com meu marido e minha mãe. Vão ser 10 dias importantes até a reapresentação, dia 11. NA PRIMEIRA foto, Alê está agachada à direita, no time infantil da Desportiva Ferroviária, em 1994. Na segunda foto, é a camisa 10 do clube Jundiaí, em 2000. ATENAS: Alexandra marcou 18 gols GUADALAJARA: casal medalhista

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Matéria de Eduardo Fernandes da série especial "Heróis Olímpicos", veiculada pelo jornal A Tribuna

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Page 1: Memórias de uma Guerreira

Espor tes

150 ATRIBUNA VITÓRIA, ES, DOMINGO, 01 DE JULHO DE 2012

LONDRES 2012

RICARDO BUFOLIN/PHOTO&GRAFIA

ALEXANDRA Nascimento parte para marcar gol no Mundial da Alemanha

FALTAM 26 DIAS

HERÓIS OLÍMPICOS

Memórias de uma guerreiraCapixaba AlexandraNascimento superoumorte do pai, lesões esaudade de casa parabuscar medalha inéditado handebol brasileiro

Eduardo Fernandes

Em uma carteira da escola Jai-ro de Mattos, em Vila Velha,estava a canhota, magrinha e

alta Alexandra Nascimento.O instinto do professor de edu-

cação física, Lidimar Marquêz, 51anos, gritou. Desde os primeirosarremessos da garota de 10 anos,era fácil afirmar: nascia um talentodo handebol no Estado.

Aos 30 anos, Alexandra acumuladuas Olimpíadas (Atenas e Pe-quim) e estará em Londres, esteano, em busca de uma conquistainédita para o handebol nacional.

“A meta é trazer a medalha olím-pica”, afirma a capixaba.

Para poder sonhar tão alto, a bi-campeã pan-americana (SantoDomingo e Guadalajara) teve aajuda de alguns anjos. Depois deLidimar, os pais Nelza e SuemarNascimento entraram em cena.

Com cara de bravo, o pai permi-tiu que a filha jogasse competiçõeslonge de casa. E nem mesmo amorte dele, em 1993, fez Alexan-dra parar. “Ela jogava até com maisgarra. Descontava a tristeza na bo-la”, lembra a mãe.

Nelza foi fundamental. Traba-lhava duro e pedia dinheiro a ami-

gos para pagar passagens da filha.O tênis de Alexandra era em-

prestado pelo irmão, Lúcio Nasci-mento. “Não era o mesmo tama-nho, mas cabia”, brinca Alê.

Durante um torneio nacional,em 2000, em São Paulo, comanda-da por Kátia Amanajás, Alexandrafoi vista por Rita de Cássia, quetreinava o Jundiaí e é supervisorada seleção. “Pelo aquecimento vique tinha potencial”, lembra Rita.

O convite para jogar no Jundiaíveio, e a angústia também. A capi-xaba tinha uma lesão e não podiaser operada no Estado. Se fossemenisco, o Jundiaí pagaria. Se fos-se ligamento, não. Foi menisco.

Após ser operada em Jundiaí,começou a brilhar: foi eleita me-lhor ponta-direita do País em2002, foi convocada e marcou 18gols no quinto lugar dos Jogos deAtenas e mudou-se para a Áustria.

Por lá, joga há oito anos. Nessetempo, passou frio, saudade, dis-putou as Olimpíadas de Pequim eenriqueceu suas memórias. Parar?“Só depois dos Jogos do Rio, em2 0 16 ”, decreta Alexandra.

ALEXANDRA NASCIMENTO JOGADORA DE HANDEBOL

“Quero disputar Olimpíadas do Rio”A TRIBUNA —Como foi ter jo-

gado com a seleção brasileirapela primeira vez no Estado,na semana passada?

ALEXANDRA NASCIMENTO —Eu estava com um frio na barriga.Só tenho a agradecer aos capixa-bas, que nos acolheram tão bem.Foi emocionante ver o ginásio lo-tado torcendo por nós.

> Qual é a meta da seleção fe-minina em Londres?

Estamos trabalhando com o péno chão, mas a nossa meta é trazer

ASS C O M / S E S P O RT

CAPIXABA se emociona em casa

Amor peloesporte passapor pés do pai emãos do marido

Talvez Alexandra Nascimentonão soubesse, mas os homens davida dela seriam esportistas.

O pai da atleta, Suemar Nasci-mento, falecido em 1993, foi za-gueiro e defendeu, entre outrosclubes, Desportiva, Santos, Inter-nacional (SP) e Coritiba.

O exemplo de Suemar estimulouos filhos. Alê se tornou jogadora dehandebol e um dos irmãos, An-drews Nascimento, que embarcaeste mês para jogar no Aschersle-ben da Alemanha, também.

Em 2005, Alexandra começou anamorar Patricio Martinez, ponta-direita da seleção chilena.

Os dois se conheceram em 2000,em um sul-americano realizadoem Cascavel, Paraná. Mas eramc o m p ro m e t i d o s.

Quando terminaram com osparceiros, começaram a trocarmensagens pela internet.

Após quatro anos sem se verem,Patricio foi visitá-la no natal de2005. Era o começo do namoro docasal sul-americano do handebol.

“Esperar tanto tempo foi umaprova de amor”, diz a capixaba.

Conviveram com a ausência pormais três anos, já que ele jogava naEspanha e ela, na Áustria. Mas,desde 2009, moram juntos emMödling, Áustria. No dia 9 destemês, fazem um ano de casados.

Para a capixaba, o gélido país eu-ropeu ganhou ares de verão. “Agente se ajuda muito. Agora, nãofico mais sozinha. Na Áustria, ele éa minha família e o amo”.

No ano passado, eles ganharamduas medalhas no Pan de Guada-lajara. Alexandra conquistou o ou-ro e Patricio, o bronze.

uma medalha olímpica. Hoje, a se-leção brasileira está num nível altocomparado às melhores seleções.

> Aos 30 anos, passa por suacabeça parar de jogar?

Quero muito disputar as Olim-píadas do Rio, em 2016. Seria lindose ganhasse uma medalha emLondres e outra no Rio. Não have-ria jeito melhor de encerrar minhacarreira. Mas, hoje, minha cabeçasó está focada em Londres.

> É mais fácil ser esposa de Pa-tricio Martinez, jogador de han-

debol da seleção chilena, por elepraticar o mesmo esporte?

Sim. Ele é esportista e me dá vá-rios toques. Ele tem um estilo pro-fessorzão e me ajuda muito. Tro-camos muitos conselhos.

> O que fará nos dias que an-tecedem às Olimpíadas?

Depois dessa etapa de treina-mentos em Vitória e no Maranhão,eu vou, esta semana, para PortoSeguro, com meu marido e minhamãe. Vão ser 10 dias importantesaté a reapresentação, dia 11.

NA PRIMEIRAfoto, Alê estáagachada àdireita, no timeinfantil daDespor tivaFerroviária, em1994. Nasegunda foto, éa camisa 10 doclube Jundiaí,em 2000.

ATENAS: Alexandra marcou 18 gols

GUADALAJARA: casal medalhista