esparta - a construÇÃo de uma cidade guerreira

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN SETOR DE CINCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE HISTRIA LABORATRIO DE PESQUISA E ENSINO DE HISTRIA ANTIGA E MEDIEVAL PROFESSORA Dr. FTIMA REGINA FERNANDES

ESPARTA: A CONSTRUO DE UMA CIDADE GUERREIRA

ANDR LUIZ LEME

Curitiba Novembro - 2007

ESPARTAA CONSTRUO DE UMA CIDADE GUERREIRA

Esparta sempre chamou a ateno dos historiadores, antigos e atuais, por suas peculiaridades dentro do panorama da Grcia Antiga. Ainda hoje o estudo de Esparta causa um fascnio enorme, mesclando sentimentos de espanto e admirao. Tais sentimentos ambguos para com Esparta, demonstrados na historiografia ao longo dos anos, contribui para dificultar uma compreenso crtica e reflexiva acerca do surgimento das principais caractersticas pelas quais Esparta denotada na histria. Devemos lembrar que, na escrita da histria da Grcia antiga, pressupostos polticos e ideolgicos estiveram sempre presentes e influenciaram na formao de uma imagem em torno das duas cidades mais importantes daquela poca, Atenas e Esparta. No sculo XIX, a historiografia alem, atravs de Karl Mller, e a francesa, atravs de Gustave Glotz, se contrapunham na hora de dar nfase Esparta ou Atenas. Isso nos fica claro quando pensamos que, imerso no seu tempo, o historiador busca no passado a imagem ideal daquilo que ele quer reafirmar e discutir no seu presente. Mller buscava em Esparta um ideal prussiano, realando a pureza racial, a austeridade e a fora militar espartana. Enquanto isso, a historiografia francesa via em Atenas o modelo da democracia burguesa contempornea, ressaltando suas qualidades. J no comeo do sculo XX, Esparta foi elogiada pelos nazistas graas ao seu fervor militar, e pelos comunistas pelo uso da propriedade pblica e redistribuio da produo agrcola. Aps a Segunda Guerra Mundial, o foco econmico ganha destaque no estudo da Grcia Antiga, destacando-se a influncia marxista nesse processo. Com a desacelerao da Guerra Fria, a histria das mentalidades comea a ganhar terreno, principalmente na Frana, com nomes de destaque como Jean-Pierre Vernant. A partir dos anos 80 at hoje, temos um retorno ao enfoque da histria poltica da Grcia, que visa esclarecer questes acerca do modo de funcionamento das instituies e dos diversos sistemas polticos, como a prpria oligarquia Espartana, numa viso mais questionadora e reflexiva. Destacam-se nesse perodo vrios autores importantes, dentre eles Moses Finley e Claude Moss. Toda essa historiografia de longa data certamente contribuiu para o avano do nosso conhecimento sobre Esparta, mas acabou tambm criando, na sua busca por explicaes, conceitos determinantes, generalizantes e preconceituosos para o estudo em questo. Por isso, precisamos desmistificar vrios aspectos que essa historiografia trouxe at ns, livrando-nos do juzo de valor acentuado, para adotar uma postura revisionista e altamente crtica no sentido de construir uma Esparta cada vez mais histrica e no ideologizada. No seguinte trabalho, nosso objetivo vai ser esclarecer os motivos que contriburam para a formao de uma cidade guerreira em Esparta. Discutiremos alguns elementos que poderiam permitir, ou no, o surgimento da belicosidade espartana, do seu esprito guerreiro, para que possamos entender todas as caractersticas e os motivos do comportamento espartano ao longo de sua histria. Nosso objetivo no criar verdades, mas levantar questes acerca de como Esparta vai torna-se uma cidade to diferente daquelas do seu tempo, um exemplo nico de constituio de comportamentos e idias que fascinou, e ainda fascina, por suas peculiaridades.

A FUNDAO E A ASCENDNCIA DRIA DE ESPARTA Esparta foi fundada no sculo IX, pelos Drios um dos ramos das populaes gregas estabelecidas na pennsula helnica a partir do princpio do segundo milnio. Devemos pensar, portanto, qual seria a contribuio dessa descendncia dria para a futura caracterizao e formao guerreira de Esparta. Esparta vai ser considerada a encarnao do mito drico, e autores como Plato e Iscrates vo mesmo considerar drio como sinnimo de espartano. Para Claude Moss, o mito das invases dricas, assim como o da irredutvel oposio entre drios e jnios, exprime, sobretudo, o antagonismo entre Esparta e Atenas 1 . Ou seja, desde a antiguidade no poderamos descartar a possibilidade, tanto de espartanos como atenienses, buscarem nas suas origens algo que os distinguissem um dos outros, salientando e legitimando a diferena deles no prprio presente. Regio onde os drios se estabeleceram. Esparta, Corinto e Argos so as cidades de origem drica de maior destaque.(http://mkatz.web.wesleyan.edu/thucydides_lectu re/DorianInvasion.gif)

Acreditar que os aguerridos drios, quando chegaram, por volta do sculo XII a.C., simplesmente devastaram tudo por onde passaram uma explicao muito simplista para apontar as causas da decadncia da civilizao micnica e tambm como provvel fonte da belicosidade espartana. A prpria arqueologia, aliada a uma leitura crtica dos textos antigos, nos permite acreditar na ausncia de uma ruptura real e determinista causada pela chegada dos drios. Devemos mesmo acreditar numa possvel miscigenao dos drios, ocorrida de forma gradual, com os povos autctones das regies ocupadas. E, como podemos perceber na figura acima, foram vrias as reas de colonizao dria no entanto, s existiu uma Esparta. Certas caractersticas de origem drica dos espartanos no podem ser negadas. Contudo, devemos comear a ressaltar aqui que os diversos fatores histricos perpassados por Esparta influenciaram muito mais para a sua caracterizao guerreira e, portanto, cultural, do que qualquer ascendncia poderia ocasionar. Ou seja, foi durante seu decurso histrico que Esparta foi adquirindo suas caractersticas mais destacveis ela no nasceu sendo a Esparta militar e belicosa em sua essncia, mas sim uma polis qualquer como as muitas outras que surgiram na Grcia naquele momento.

1

MOSS, C. Dicionrio da Civilizao Grega. 2004.p 101.

A LOCALIZAO DE ESPARTA Para nossa anlise, importante destacarmos as caractersticas geogrficas da regio na qual Esparta se localizava. No estudo da Grcia antiga, fundamental refletirmos sobre a possvel influncia do meio geogrfico condicionando a ao dos homens. Localizada ao sul da pennsula do Peloponeso, na frtil regio do vale do rio Eurotas, a Cidade-Estado de Esparta cercada por uma ngreme, alta e continua cadeia de montanhas, uma forma de proteo natural aos seus habitantes. Mapa fsico do Peloponeso, no qual se percebe claramente a preponderncia do revelo montanhoso e as poucas, mas frteis, plancies.(http://cpmwsrender04.cp.prod.mappoint.net/ren der30/getmap.aspx?key=56C80A8EA75C75532F3 D)

As plancies do Eurotas, com o crescimento da populao, acabam se tornando insuficientes para satisfazer as necessidades dos espartanos, fazendo com que a polis empreenda uma poltica agressiva e expansionista que vise assegurar a sua sustentabilidade e defesa e que, certamente, influenciar muito na sua constituio social, cultura, poltica e econmica para os sculos seguintes. Contudo, no devemos caracterizar esse mpeto espartano como resultado nico de um determinismo geogrfico, s no podemos nunca menosprezar a forte influncia que a geografia exerceu para os espartanos.

Mapa poltico do Peloponeso. Pelo seu crescimento e futuro fortalecimento militar, Esparta vai exercer uma posio preponderante em todo o Peloponeso.(http://alex.edfac.usyd.edu.au/BLP/websites/HOGAN/Sparta%20Hom epage/peloponnese.gif)

A SOLUO A BUSCA POR NOVAS TERRAS Quando Esparta decide expandir seus domnios, devido ao seu problema de escassez de terras, sua histria assumir (devido a todas as conseqncias desse ato) uma particularidade sem precedentes na Grcia antiga. Haja vista Esparta no se localizar no litoral, impossibilitando uma sada natural para o mar, o expansionismo espartano vai se orientar na direo do prprio Peloponeso. A vasta e frtil regio da Messnia vai ser o objetivo de conquista da polis espartana. Para isso, duas grandes guerras tiveram que ser realizadas: a primeira, de 740-720 a.C; e a segunda, decisiva para a conquista daquela regio e para o futuro de Esparta, de 640-620 a.C. O expansionismo de Esparta encontra terreno na vizinha e frtil regio da Messnia. (http://www.satrapa1.com/articulos/antigued ad/itome/mesenia.jpg)

Esparta, at o limiar do sculo VI a.C, era uma cidade-estado comparvel s outras e dominada por uma aristocracia de grandes proprietrios. Contudo, a Guerra da Messnia teve grandes e srias conseqncias como a conquista de novas terras e o domnio sobre uma grande massa de populaes submetidas e que sem dvida vo urgir uma ao por parte de Esparta que vise a adaptao essa nova realidade. Ou seja, garantir a perpetuao e sustentabilidade perante uma nova situao de suposta vantagem. Vamos perceber mudanas, principalmente, no campo poltico e social de Esparta a partir do sculo V a.C. O embrutecimento e militarizao da polis torna-se (para no dizer uma necessidade intrnseca) pea fundamental para a sua prpria defesa, proteo e vigilncia. Tudo isso vai ter um peso crucial na formao guerreira do espartano, especialmente para a sua especializao para a guerra e conflitos do cotidiano.

ESPARTA TORNA-SE UM POLIS DE CARTER MILITAR A conquista da Messnia, ao longo dessas duas longas guerras, permitiu o aumento do nmero daqueles que participavam da funo guerreira naquela sociedade. Desde a primeira guerra da Messnia, os cidados foram beneficiados pela distribuio de lotes, os chamados cleri. Estas terras, localizadas nas regies centrais da Lacnia e da Messnia, passaram a ser de posse e controladas diretamente pelo governo de Esparta, que por sua vez realizava a redistribuio delas para os cidados, a ttulo de usufruto. Conjuntamente, houve a reduo condio de hilotas das populaes messnias. Tais escravos, como aqueles presentes tambm na regio da Lacnia, seriam igualmente de controle e posse estatal. Eles foram remanejados, proporcionalmente, pelos lotes concedidos aos espartanos, e se tornariam a fora de trabalho preponderante no trabalho agrcola (garantindo a independncia econmica e material), possibilitando aos cidados se dedicarem exclusivamente vida militar. A necessidade que se vai impor do controle sobre grande massa de populaes dependentes (hilotas da Lacnia e da Messnia, periecos da Lacnia) urgia a tomada de medidas eficazes de conteno e defesa por parte de Esparta, visando a sua prpria segurana e manuteno do status social vigente. Desse modo, a classe guerreira dos homoii, dos semelhantes, formada pelo conjunto dos cidados espartanos, passa a ser um grupo privilegiado que vive recluso em perptuo estado de defesa o que contribui, progressivamente, na formao do carter austero e agressivo dos espartanos. Ou seja, na sua especializao guerreira. Fica aqui evidenciado a importncia do percurso por tais acontecimentos, aliada ao modo como ela vai enfrent-los, para a caracterizao de Esparta enquanto cidade guerreira. Esttua de bronze de um hoplita espartano, feito na Lacnia, no sculo VI a.C. Esta figura possui uma barba acentuada e um longo cabelo, traos caractersticos de um cidado espartano.(SOUZA,P; HECKEL, W; LLEWELLYN-JONES,L. The Greeks at war. Osprey Publishing Ltd. 2004. p34)

Percebemos que, nesse perodo que se inicia com a guerra da Messnia, o Estado espartano vai desempenhar um papel cada vez mais determinante na vida do cidado. Progressivamente, o controle e o autoritarismo de Esparta vo se expressando de forma mais forte fundamentado, principalmente, na necessidade de abarcar todas as mudanas que estavam ocorrendo naquele perodo, garantindo assim os privilgios alcanados. A profunda hierarquizao da sociedade espartana torna-se o espelho dessas necessidades.

COMPOSIO E REGIMENTAO DA SOCIEDADE As transformaes pelas quais Esparta vinha passando nos ltimos sculos favoreceram, sobretudo com a guerra da Messnia, a composio gradual de uma sociedade altamente rgida, sem grandes possibilidades de mobilidade dentro dela. Podemos caracterizar a sociedade espartana como dividida em trs categorias: os homoii, os periecos e os hilotas: Homoii Eram os cidados espartanos por excelncia, os semelhantes. Detinham as melhores terras da Messnia e da Lacnia, estando proibidos de exercerem qualquer atividade econmica. Seus afazeres englobavam atividades de carter poltico e militar. Relevo espartano demonstrando dois cidados. Estes deveriam honrar sua cidade acima de tudo. (SOUZA,P;HECKEL, W; LLEWELLYN-JONES,L. The Greeks at war. Osprey Publishing Ltd. 2004. p114)

Um cidado, para deter plenos direitos cvicos, deveria contribuir para o preparo das refeies que todos os espartanos do sexo masculino tomavam em comum, a chamada sisstia. Quem no fosse capaz de faz-lo, era considerado inferior. Ou seja, embora fossem designados como iguais, haveria sim algumas distines internas entre eles, sejam pelos cargos ocupados, condies materiais, desempenho militar dentre outros critrios. A superior condio social alcanada pelos espartanos tornara-se possvel graas conquista militar de terras e a reduo de povos servido. Portanto, podemos perceber que os afazeres espartanos voltam-se para a conduo poltica da polis e, principalmente, prtica militar como meio de garantir, pelo uso da fora, os seus direitos e privilgios perante os conquistados. Periecos Submissos aos espartanos, os periecos formavam comunidades autnomas na Lacnia e Messnia. Eram proprietrios de terras, localizadas na periferia. Possuam um estatuto bem melhor do que o de simples servos, pois eram considerados homens livres. Contudo, no detinham direitos polticos. Dedicavam-se agricultura e manufatura. Hilotas Eram os escravos, que trabalhavam nas terras espartanas, e no possuam direitos polticos. Eram de propriedade do governo espartano, sendo distribudos aos cidados, nunca comercializados. Sua homogeneidade tnica e cultural, aliado ao dio pela perda de suas terras, permitiu a unio dos hilotas contra o Estado espartano motivo de grande temor para estes. Foram vrias as revoltas servis, principalmente na Messnia, que foram contidas pelos cidados guerreiros de Esparta. Percebemos que Esparta detinha uma ordem social que favorecia a poucos, em detrimento de muitos. No podemos deixar de pensar tambm que o modelo de formao e composio social que Esparta vai desenvolver (incluindo a a delimitao dos direitos e privilgios que os cidados vo dispor e as atividades que eles vo poder, ou no, realizar) atendia somente aos interesses dos espartanos respondendo, principalmente, aos anseios destes pela preservao de privilgios, que estavam sendo obtidos atravs das conquistas, e que seriam resguardados tambm atravs de uma ordem social rgida e imutvel. E com vistas a essa necessidade de manter a ordem, preservar o status quo, que as instituies da polis tambm vo sendo moldadas.

A POLTICA ESPARTANA Segundo a tradio, a constituio de Esparta teria sido escrita por um legislador chamado Licurgo um personagem de existncia duvidosa, para o qual teria se dado uma aura mtica ao longo dos tempos. Tal constituio, contudo, no foi imutvel: o regime poltico espartano vai tornando-se, progressivamente, mais conservador tendo em vista a prpria necessidade de manuteno do carter esttico da economia e da imobilidade social. O Estado espartano vai ser institucionalizado dessa forma: A diarquia, na qual os dois reis possuem atribuies militares e sacerdotais; A Gersia, composto por 28 cidados, um cargo vitalcio, responsvel por elaborar leis e decidir acerca de assuntos de guerra; a Apela, na qual participavam todos os cidados, mas que detinha apenas carter consultivo; e o Eforato, em nmero de cinco e eleitos anualmente, responsveis por vigiar as aes dos reis e da Gersia, dirigiam a educao e exerciam a justia - de fato, a vida poltica era regida pelos foros. Busto de um guerreiro espartano do sculo V, do qual muitos acreditam se tratar de Lenidas, um rei de Esparta. (SOUZA,P; HECKEL, W; LLEWELLYN-JONES,L. The Greeks at war.Osprey Publishing Ltd. 2004. p64)

Tal forma de governo se demonstra essencialmente oligrquica, haja vista apenas uma minoria dos cidados participarem da prtica poltica efetiva. Devemos ressaltar, porm, que todos os membros desta oligarquia gozavam de direitos iguais. Desse modo, verificamos que o objetivo mesmo de tal arranjo institucional foi o de assegurar o status quo da sociedade, conservando assim os privilgios espartanos e sua contnua dominao dos escravos. Ainda que possamos considerar Esparta como sendo um poder de carter oligrquico, no podemos creditar apenas esse fator poltico a evidncia e razo de todas as caractersticas espartanas. Ou seja, pensar a forma de governo oligarquia como sendo a base para a explicao das diferenas de Esparta cair num dualismo que apenas contrape a Esparta oligrquica com a Atenas democrtica. Para Claude Moss, a despeito de Esparta ser considerada por muitos a cidade oligrquica por excelncia, deveramos sempre considerar que a oligarquia espartana era, contudo, atpica, na medida em que o regime social em Esparta era diferente de todos os outros ento existentes 2 . Dessa forma, pensamos que vai ser o conjunto de leis e modos de comportamento, adotados de forma gradual e se adequando s necessidades da poca, com as instituies servindo para defend-los, que vo conferir aos espartanos o seu perfil austero e militar. J desde o nascimento, os espartanos vo estar submetidos s normas de sua sociedade, e vai ser com a educao espartana a base para a criao da conscincia fsica e psicolgica de seus cidados.2

MOSS, C. Dicionrio da Civilizao Grega. 2004.p 214

A EDUCAO DE UM GUERREIRO A educao dos cidados espartanos, desde a mais tenra idade, era estabelecida e vigiada pela cidade. Esta possua um grande interesse em gerenciar uma educao que criasse, acima de tudo, um soldado para defender a cidade e as conquistas desta. Tratava-se de uma educao austera, acompanhada de castigos fsicos, na qual a criana era obrigada contornar situaes de escassez de roupa e comida atravs de sua destreza, incluindo at mesmo trapaas e roubos. A coragem e os hbitos de obedincia s leis eram sempre reafirmados entre as crianas. Por tudo isso, fica evidenciado o carter exclusivamente atltico dessa educao. Enquanto isso, as meninas tambm receberiam uma educao fsica comparvel ao dos meninos haja vista terem de ser igualmente fortes para gerarem futuramente espartanos saudveis. cidados poderiam sofrer Os fisicamente com as imposies da educao militar de Esparta, mas no devemos acreditar que eles prprios se sentiam oprimidos. Muito das crticas que os Espartanos recebem advm de autores de outras poleis, como Atenas, e que certamente detinham valores educacionais diferentes, por isso as opinies pejorativas. preciso ter em mente que a conscincia adquirida pelos espartanos, no seu meio social, os colocava num patamar moral que no apenas aceitava as regras, mas consentia da necessidade de se passar por tais provaes a fim de garantir um bem maior: a continuidade de Esparta, haja vista estarem se criando, acima de tudo, guerreiros os defensores de Esparta e mantenedores da ordem. Verificamos a formao de uma base cultural na qual certos aspectos, peculiares em relao ao mundo grego, so exaltados, formando assim uma ideologia em torno da atividade guerreira que vai acompanhar os espartanos durante toda sua vida.

Plutarco, filsofo grego que teria vivido entre 46d.C. e 120d.C, nos fornece seu relato acerca da educao espartana:

Quando uma criana nascia, o pai no tinha direito de cri-la: devia lev-la a um lugar chamado lesche. L assentavam-se os Ancio da tribo. Eles examinavam o beb. Se o achavam bem encorpado e robusto, eles o deixavam. Se era mal nascido e defeituoso, jogavam-no [de um penhasco]. Julgavam que era melhor, para ele mesmo e para a cidade, no deixar viver um ente que, desde o nascimento, no estava destinado a ser forte e saudvel [...]. Ningum tinha permisso para criar e educar os filhos a seu gosto. Quando os meninos completavam sete anos, [eram arregimentados] em tropas, [submetidos] a um regulamento e a um regime comunitrio para acostum-los a brincar e trabalhar juntos. [...] Ensinavam a ler e escrever apenas o estritamente necessrio. O resto da educao visava acostuma-los obedincia, torna-los duros adversidade e faze-los vencer no combate.

(Plutarco. A vida de Licurgo. Em: Jaime Pinsky. 100 textos de histria antiga. So Paulo, Contexto, 1998, p. 108-9)

A EXALTAO DO ESPARTANO E SUA IDEOLOGIA Aps constatarmos que a forma educacional dos espartanos era voltada principalmente para o preparo fsico, devemos avaliar ento alguns dos aspectos que contriburam na progressiva construo de uma ideologia guerreira, responsvel por conscientizar os cidados, agora de forma psicolgica e o mais cedo possvel na vida destes, daquilo que era a prtica social e as regras a serem obedecidas com rigor. Como exemplo maior de imposio ideolgica, temos as palavras de Tirteu aos espartanos. Por volta da metade do sculo VII a.C. , quando Esparta estava em luta contra os messnios, o poeta espartano Tirteu comps poemas para exortar seus concidados a lutarem melhor. Nos anos seguintes, a leitura de tais poemas tornou-se parte da educao militar espartana, numa forma mesmo de facilitar a interiorizao dos principais valores sociais espartanos, como a prpria coragem e o dever perene de se lutar pela polis. Tirteu e a exaltao do esprito espartano: belo que o homem bravo, combatendo por sua ptria, tombe na linha de frente; mas o que deserta da sua cidade e de seus campos frteis e vai mendigar, errando com sua querida me, seu velho pai e seus filhos, esse o mais miservel dos homens (...) Ns, corajosamente, combatemos por esta terra; morremos por nossos filhos; no poupamos a nossa vida. jovens!, combatei unidos uns aos outros e no temais seno a vergonha da fuga; estimulai em vossos coraes uma valente e slida coragem e no vos inquieteis com a vida, na luta contra o inimigo (...) Combatemos, pois, com coragem, por esta terra; morramos por nossos filhos, sem jamais poupar nossas vidas. Tirteu. Eunomia. Citado por Arruda, J. Histria Antiga e Medieval. P 139

O crescente isolacionismo de Esparta, aliado a sensao contnua de medo causado pela necessidade de defesa, vai favorecer o surgimento entre os espartanos de um sentimento de averso aos estrangeiros. Isso acaba por favorecer o etnocentrismo espartano, que vai repelir de forma rude qualquer forma de interveno externa em seus assuntos prprios. Esparta vai rechaar um contato freqente com outras poleis, por justamente querer impedir o contato com idias inovadoras e, portanto, consideradas subversivas para a base na qual o sistema espartano se apoiava. Podemos entender tal comportamento como a forma mais evidente de se tentar manter um status quo, evitando qualquer forma de mudana brusca naquela sociedade. Tal anlise torna-se importante para combatemos a idia de que a cidade-estado espartana seria autoritria, controladora, cruel com seus cidados e manipuladora. Ora, tal viso, alm de generalizante, busca apenas simplificar uma situao por demais complexa que ocorrera em torno da construo daquela unidade poltica para ir logo culpando Esparta por seu regime institucional no alinhado s formas democrticas de governo. Por isso, devemos sempre ter em mente o importante papel que o cidado vai desempenhar dentro dessa polis, avaliando sua importncia (e vontade) para colaborar na manuteno ou queda de determinado regime, bem como no encaminhamento da prpria trajetria histrica espartana. Contudo, no devemos pensar que essa ideologia era entendida por todos os cidados da mesma forma, mas era a que possua um carter geral, sendo aceita pela grande maioria, e que caracterizava os espartanos enquanto tais frente aos outros gregos.

ESPARTA EM GUERRA Agora que j demonstramos os vrios elementos que contriburam para a construo de um carter guerreiro em Esparta, devemos igualmente analisar o mbito prtico militar espartano, para que possamos buscar informaes que possam sugerir alguma diferena, ou no, que os espartanos possuam em campo de batalha e que poderiam auferir alguma vantagem para eles. A forma de combate dos espartanos, tal como a de todos os outros gregos, pelo menos a partir do sculo VII a.C., era atravs de uma formao cerrada e de grande disciplina, a chamada falange. O exrcito no era um corpo especializado, pois nela combatiam os prprios cidados. Estes, que participavam das decises polticas da polis, tambm tinham como dever intrnseco combater em p de igualdade na guerra isso evidncia a estreita relao da poltica e da guerra naquela sociedade. A guerra hopltica consistia essencialmente no confronto entre duas falanges de infantes fortemente armados. Ocorre geralmente na plancie, sendo o lado vencedor aquele que domina o terreno. Podemos perceber nesse modelo de guerra uma certa busca de igualdade de condies, uma justeza que busca um panorama que destaque o vencedor pela sua braveza e coragem, campo no qual sabemos que os espartanos se destacavam, e no atravs de tticas de surpresa ou estratgias mais flexveis. Hoplita grego da poca da Guerra do Peloponeso. (Gilbert, A.Enciclopdia das Guerras. 2005. pg 19).

O equipamento utilizado pelos hoplitas consistia em um pesado escudo circular de madeira, de pouco menos de um metro de dimetro, coberto de bronze, alm de um elmo e uma armadura de bronze. O armamento ofensivo se tratava de uma lana afiada com trs metros de comprimento e uma espada curta. Os espartanos se armavam exatamente como os outros gregos da poca, a no ser pelo uso de um peculiar manto escarlate, que logo tornariase o smbolo do militarismo espartano. Portanto, no h nada que justifique a superioridade espartana atravs dos armamentos ou qualquer outra inovao tcnica, somente pequenas variaes que no seriam suficientes para caracterizar qualquer tipo de vantagem.

O nmero total de cidados espartanos disponveis para a guerra nunca foi muito grande. Mesmo quando alcanou seu maior nmero, j em fins do sculo VI a.C., foi de provavelmente menos de dez mil. J no comeo da Guerra do Peloponeso, esse nmero poderia ter cado pela metade. Portanto, a forma de recrutamento militar espartano, para formar a base da sua fora militar, tambm passava pelo recrutamento do restante da populao da Lacnia, os periecos e hilotas, que serviam como regimentos blicos mais leves. O modelo de guerra hopltico, to caracterstico do mundo grego, no persistiu inalterado por muito tempo, nem mesmo em Esparta. J na Guerra do Peloponeso, a falange deixar de ser a nica formao de combate, abrindo espao para a ascenso de uma infantaria ligeira e a tambm da cavalaria, bem como a contratao de mercenrios profissionais de guerra, o que levaria a uma diversificao dos mtodos de combate no mundo grego. Certamente, tais mudanas no favoreceram Esparta, que se via igualmente obrigada a combater de outras formas, perdendo o modelo de combate pelo qual se destacara anteriormente e no qual se empenhava sua fora. Esttua de finais do sculo VI a. C. feita em bronze demonstrando um soldado espartano com sua manta. (CONNOLLY, PeterGreece and Rome at War. Englewood Cliffs: Prentice-Hall Inc., 1981. pag 41).

Nessa anlise, encontramos mais semelhanas do que diferenas entre os espartanos e os outros gregos em termos militares. Tudo isso refora nossa idia de que a eficcia espartana para a guerra no estava em alguma qualidade tcnica de carter material ou qualquer outro fator, mas sim naquilo que cada espartano carregava dentro de si: seus valores, sua coragem e suas crenas. Enquanto o modelo tradicional grego de guerra persistiu, Esparta foi a maior fora militar grega, mesmo com um nmero diminuto de cidados-soldados. Sofreu vrias derrotas ao longo se sua histria, mas sua pujana militar continuou causando temor entre os gregos e criando mesmo uma lenda em torno da fora espartana para a guerra.

CONCLUSO Nosso objetivo neste trabalho foi procurar e destacar alguns elementos que consideramos importantes sobre a histria de Esparta, por justamente possibilitarem a ns uma melhor compreenso de como se deu o processo de construo, em Esparta, de uma cidade voltada para valores e prticas militares. focando nesse processo que pudemos perceber o quo importante foram os vrios acontecimentos enfrentados por Esparta, e sua resposta para tais, para a definio de suas principais caractersticas. Nosso intento foi fugir de qualquer fator determinante (como a ascendncia dria, o meio geogrfico, o regime poltico oligrquico e as condies tcnicas de guerra) para embasar nossas explicaes e argumentos acerca da formao espartana. Por isso, buscamos no conjunto de costumes e idias daquela cidade, que foram se formando paulatinamente e influenciadas pelas necessidades de cada ocasio (como as guerras e a necessidade constante de defesa), a base sobre a qual se estabelece, e se justifica, a construo de uma sociedade guerreira. A histria de Esparta e de sua formao, como demonstramos atravs desse trabalho, continua sendo de difcil reconstituio, mas dever do historiador sempre refletir e questionar sobre tal histria, no se contentando com explicaes generalizantes e pouco crticas que acabam diminuindo a complexidade das situaes. Esttua moderna do rei Espartano, Lenidas, localizada no centro da atual cidade de Esparta, na Grcia.(SOUZA,P; HECKEL, W; LLEWELLYN-JONES,L. The Greeks at war. Osprey Publishing Ltd. 2004. p86)

BIBLIOGRAFIA ARRUDA, J. J. Histria Antiga e Medieval. So Paulo, Editora tica. 1993. AUSTIN, M., VIDAL-NAQUET, P.. Economia e Sociedade na Grcia Antiga. Lisboa, Edies 70, 1986.CONNOLLY, Peter- Greece and Rome at War. Englewood Cliffs: Prentice-Hall Inc., 1981.

FINLEY, M. Os gregos antigos. Imprenta:Lisboa, Portugal: 1984 FLORENZANO, M. B. O mundo antigo: economia e sociedade. So Paulo, Brasiliense.1986. GILBERT, A. Enciclopdias das Guerras. M. Books. 2005 GIORDANI, M. C. Histria da Grcia. Editora Vozes. Petrpolis, 1967. MAGNOLI, D. Histria das Guerras. So Paulo: Contexto, 2006. MOSS, C. Dicionrio da Civilizao Grega. Rio de janeiro. Zahar, 2004. MOSS, C. As instituies polticas gragas. Lisboa, Ed 70, 1996. PINSKY, J. 100 Textos de histria antiga. So Paulo, Contexto, 1998. SEKUNDA , N .Greek Hoplite 480-323 bc. Osprey Publishing Ltd..2000. SEKUNDA , N; McBRIDE, A.The Ancient Greeks.Osprey Publishing Ltd.1986. SOUZA,P; HECKEL, W; LLEWELLYN-JONES,L. The Greeks at war. Osprey Publishing Ltd. 2004.