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1 Centro de Pastoral Vergueiro (CPV) Endereço: Rua Vergueiro, 7290, Vila Firmiano Pinto, SP. Classificação: Centro Cultural Identificação numérica: 072-06.001 O Centro de Pastoral Vergueiro (CPV) foi fundado oficialmente em 15 de novembro de 1973 por frades dominicanos e estudantes universitários e funcionou até 1989 na rua Vergueiro, endereço da Comunidade Cristo Operário, da Ordem dos Dominicanos, localizada na zona sul da cidade de São Paulo. O CPV inicialmente era um centro de pastoral vinculado (mas não subordinado) à Regional Episcopal do Ipiranga, atuando junto à educação popular e às atividades eclesiais locais 1 . Alguns anos depois, a entidade passou a desempenhar também a função de salvaguarda de documentos produzidos pelos (e para os) movimentos populares e sindicais da época. O mote principal dessa atividade era articular a documentação preservada com a comunicação popular, entendida como um processo de comunicação de caráter mobilizador coletivo que emerge a partir da ação dos grupos populares 2 . Por essa proposta, durante a ditadura civil-militar (1964-1985) o 1 O CPV, apesar de não responder oficialmente à hierarquia da Igreja, era parte dessa estrutura através da Ordem dos Dominicanos e das ligações com a Arquidiocese de São Paulo em função da ideologia de seu trabalho. SALLES, Paula Ribeiro. Documentação e Comunicação Popular: a experiência do CPV - Centro de Pastoral Vergueiro (São Paulo/SP, 1973-1989). Dissertação (Mestrado em História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013, p.59. 2 A comunicação popular tem sua origem nos movimentos populares dos anos de 1970 e 1980 no Brasil e na América e foi também denominada de alternativa, participativa, horizontal, comunitária e dialógica, dependendo do lugar social e do tipo de prática em questão. Porém, o sentido político é o mesmo, ou seja, o fato de tratar-se de uma forma de expressão de segmentos excluídos da população, mas em processo de mobilização visando atingir seus interesses e suprir necessidades de sobrevivência e de participação política. Para mais informações ver: PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Revisitando os Conceitos de Comunicação Popular, Alternativa e Comunitária. Apresentação de Trabalho. XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Brasília. Universidade de Brasília, 6 a 9 de setembro de 2006. Disponível em: http://goo.gl/TBYZf4. Acesso em 04/09/2015. Memorial da Resistência de São Paulo PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA

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1

Centro de Pastoral Vergueiro (CPV)

Endereço: Rua Vergueiro, 7290,

Vila Firmiano Pinto, SP.

Classificação: Centro Cultural

Identificação numérica: 072-06.001

O Centro de Pastoral Vergueiro (CPV) foi fundado oficialmente em 15 de

novembro de 1973 por frades dominicanos e estudantes universitários e funcionou até

1989 na rua Vergueiro, endereço da Comunidade Cristo Operário, da Ordem dos

Dominicanos, localizada na zona sul da cidade de São Paulo.

O CPV inicialmente era um centro de pastoral vinculado (mas não subordinado)

à Regional Episcopal do Ipiranga, atuando junto à educação popular e às atividades

eclesiais locais1. Alguns anos depois, a entidade passou a desempenhar também a

função de salvaguarda de documentos produzidos pelos (e para os) movimentos

populares e sindicais da época. O mote principal dessa atividade era articular a

documentação preservada com a comunicação popular, entendida como um processo

de comunicação de caráter mobilizador coletivo que emerge a partir da ação dos

grupos populares2. Por essa proposta, durante a ditadura civil-militar (1964-1985) o

1 O CPV, apesar de não responder oficialmente à hierarquia da Igreja, era parte dessa estrutura através da Ordem dos Dominicanos e das ligações com a Arquidiocese de São Paulo em função da ideologia de seu trabalho. SALLES, Paula Ribeiro. Documentação e Comunicação Popular: a experiência do CPV - Centro de Pastoral Vergueiro (São Paulo/SP, 1973-1989). Dissertação (Mestrado em História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013, p.59. 2 A comunicação popular tem sua origem nos movimentos populares dos anos de 1970 e 1980 no Brasil e na América e foi também denominada de alternativa, participativa, horizontal, comunitária e dialógica, dependendo do lugar social e do tipo de prática em questão. Porém, o sentido político é o mesmo, ou seja, o fato de tratar-se de uma forma de expressão de segmentos excluídos da população, mas em processo de mobilização visando atingir seus interesses e suprir necessidades de sobrevivência e de participação política. Para mais informações ver: PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Revisitando os Conceitos de Comunicação Popular, Alternativa e Comunitária. Apresentação de Trabalho. XXIX Congresso Brasileiro de Ciências da Comunicação. Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação. Brasília. Universidade de Brasília, 6 a 9 de setembro de 2006. Disponível em: http://goo.gl/TBYZf4. Acesso em 04/09/2015.

Memorial da Resistência de São Paulo

PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA

2

CPV, a partir da atuação de religiosos e jovens estudantes, se configurou como uma

importante instância de formação da classe trabalhadora, criando “um departamento

educacional para alfabetização de adultos, organização de biblioteca, cursos,

palestras, formação de grupos de teatro e grupos de documentação e pesquisa” 3.

Vale destacar, no entanto que ainda que o Centro de Pastoral Vergueiro tenha

sido constituído como uma entidade leiga, a participação dos dominicanos foi bastante

presente no funcionamento da entidade durante todo o período ditatorial. Os

dominicanos ofereciam ao Centro tanto um apoio estrutural, a partir da cessão de

terreno, como o suporte financeiro para o funcionamento cotidiano da entidade: “A

Sociedade Impulsionadora da Instrução repassava uma contribuição mensal ao CPV

que, apesar de representar uma pequena porcentagem nas suas receitas, foi uma

colaboração assegurada durante muitos anos”4.

A Ordem dos Dominicanos esteve bastante engajada no combate à ditadura

civil-militar no país, principalmente por sua proximidade com os ideais da Teologia da

Libertação5. A Ordem, junto com a ala progressista da Igreja, se transformou em um

setor de contestação e denúncia das inúmeras violações de direitos humanos

cometidas por agentes do Estado e passou a ter um importante papel aglutinador na

luta contra a ditadura e pela igualdade social6.

A Teologia da Libertação está relacionada com o Concílio Vaticano II,

convocado pelo Papa João XXIII e ocorrido entre 1962 e 1965. Esse Concílio foi

dedicado à atualização da doutrina da Igreja Católica face à sociedade

contemporânea, buscando uma renovação de seus preceitos religiosos. A divulgação

da Carta Encíclica (documento pontifício/circular papal) trazia como exigência “a

Verdade como fundamento, a Justiça como norma, o Amor como motor e a Liberdade

como clima”7. A partir das proposições do Concílio Vaticano II, o processo de

conscientização e mobilização social ganhou novas dimensões ao alinhar os ideais de

3 SALLES, Paula Ribeiro. op. cit, p.30. 4 A Sociedade Impulsionadora da Instrução é a entidade civil que cuida dos bens e das finanças da Ordem dos Dominicanos, cuja sede era, na época, na cidade do Rio de Janeiro. SALLES, Paula Ribeiro, idem. 5 Para uma leitura sobre a Teologia da Libertação ver o artigo de Leonardo Boff, um de seus teólogos. BOFF, Leonardo. Quarenta anos da Teologia da Libertação. Blog do autor. Disponível em: https://leonardoboff.wordpress.com/2011/08/09/quarenta-anos-da-teologia-da-libertacao/. Disponível em 17/09/2015. 6 Os dominicanos chegam ao Brasil no final do século XIX e fundam, em 1938, o Convento Santo Alberto Magno em Perdizes (mais conhecido como o Convento dos Dominicanos), que após o golpe civil-militar de 1964 passou a ser um importante espaço de aglutinação de estudantes e intelectuais. Para uma leitura sobre o Convento conferir o documento produzido pelo Memorial da Resistência de São Paulo. Programa Lugares da Memória. Convento Santo Alberto Magno – Convento dos Dominicanos. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2014. Disponível na página da instituição. 7 SOUZA, Admar Mendes de. Estado e Igreja católica. O movimento social do cristianismo de libertação sob a vigilância do Deops/SP (1954-1974). Tese (Doutorado em História). FFLCH. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009, p.158.

3

renovação e interação da Igreja com o mundo moderno e seus problemas. A abertura

promovida pelo Concílio Vaticano II possibilitou a contínua mudança no modo de

pensar e agir de alguns setores religiosos católicos e, neste contexto, diversos grupos

e movimentos católicos de base passaram a reivindicar, com o apoio dos religiosos

progressistas, melhores condições de vida para todos os homens, a libertação de toda

forma de opressão e a salvaguarda dos valores e direitos humanos. Também como

resultado das Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano de Medellín

(1968) e Puebla (1979), a Igreja católica progressista, apoiada na Teologia da

Libertação, adotou a “opção preferencial pelos pobres” e, no Brasil, passou a ter um

importante papel aglutinador na luta contra a ditadura e pela igualdade social. É neste

período que se desenvolvem também as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) com

o objetivo de constituir núcleos pastorais nos bairros para que as pessoas pudessem

estabelecer laços comunitários entre si e, a partir dos próprios ideais cristãos,

reivindicarem melhorias em suas comunidades relativas à moradia, saúde, transporte,

custo de vida8.

Em resposta à mobilização popular alcançada pelos trabalhos da Igreja

progressista no país, a ditadura civil-militar brasileira se utilizou do argumento de que

esses religiosos estariam alinhados a um projeto comunista de subversão do país,

acusando-a, inclusive, de trair os preceitos da religião católica, e passou a perseguir

os religiosos e outros segmentos que atuavam dentro dessa ala. Assim alguns dos

religiosos que ingressaram em organizações de combate à ditadura acabaram

identificados como opositores do regime e, perseguidos, foram presos e torturados,

sendo um dos casos mais conhecidos o dos padres dominicanos presos pelo

Deops/SP em 19699.

Esse quadro de grande mobilização popular alcançado na década de 1970 se

alterou um pouco ao longo dos anos 1980, quando houve um relativo enfraquecimento

da atuação da Igreja progressista no país; associado a isso, observa-se na Igreja

Católica um “retrocesso na perspectiva [...] dos trabalhos pastorais não vinculados

diretamente à hierarquia da Igreja e sim com os movimentos populares”10. Com essa

restrição sobre a compreensão do trabalho pastoral, as relações do CPV com a Igreja

8 Existem muitas pesquisas relevantes sobre a atuação da Igreja Católica durante a ditadura civil-militar no Brasil e o papel que ela desempenhou na luta contra os militares e a favor dos direitos humanos. Destacamos aqui apenas algumas leituras, como o trabalho de José Cardonha. A Igreja Católica nos "Anos de Chumbo": resistência e deslegitimação do Estado Autoritário Brasileiro 1968-1974. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011; e o Relatório da CNV, volume II, Textos Temáticos, Texto 4 - Violações de direitos humanos nas igrejas cristãs. Disponível em: < http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_2_digital.pdf >. Acesso em 13/05/2015. 9 Este caso foi narrado por Frei Betto no livro Batismo de Sangue: Guerrilha e Morte de Carlos Marighella, com a primeira edição em 1982. 10 SALLES, Paula Ribeiro, op. cit., p.59.

4

se tornaram mais complexas e difíceis, pois as concepções e práticas do CPV

passaram a extrapolar as propostas dos projetos sociais da Igreja. Em um contexto

mais geral destacamos ainda que após-1979, com a aprovação de Lei da Anistia, o

processo de abertura política e a reformulação partidária (com o retorno do

pluripartidarismo), houve uma polarização dentro do próprio CPV. Paula Salles

destaca que no início dos anos 1980 já era possível perceber a formação de dois

grupos com tendências diversas no CPV.

De um lado, estava aquele grupo formado pela grande maioria da

equipe do CPV, que passou a apoiar sistematicamente o movimento

sindical paulistano [...] e que desenvolvia atividades em porta de

fábricas, assembleias, encontros clandestinos, encontros pré-CUT e,

depois de 1983, os encontros da CUT – Central Única de

Trabalhadores. [...] De outro lado, estava o grupo de frei Sérgio

Calixto e José Mentor, que atuava nos movimentos de loteamentos

clandestinos e defendia, por um lado, o maior apoio a esse tipo de

movimento e, por outro, um retorno ao trabalho mais pastoral11.

Assim, em 1989 concretizou-se o rompimento da entidade com a Ordem dos

Dominicanos e, após se desvincular dos religiosos, o Centro, agora totalmente

laicizado, passou a ser denominado Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro

(mantendo a sigla CPV) com nova sede na Rua São Domingos, número 264, no bairro

Bela Vista.

PROJETOS DO CPV

A história do Centro de Pastoral Vergueiro se inicia oficialmente em 1973, mas

se estende até os dias atuais, pois segue sendo uma entidade destinada a reunir e

preservar importante documentação dos movimentos sociais e operários com

destaque para o período ditatorial no Brasil. A seguir, apresentamos uma periodização

resumida da atuação do CPV a partir da pesquisa desenvolvida pela historiadora

Paula Ribeiro Salles.

Salles destaca que os anos que se estenderam de 1973 até 1977 podem ser

considerados como o período de criação e estruturação dos trabalhos do CPV, com

obras de adaptação do prédio e mutirões de organização dos materiais da biblioteca e

recortes de jornais e revistas. A partir de 1975, a direção da entidade se estabilizou e

ficou centralizada na figura do frei Romeu Dale, e o CPV passou a realizar pesquisas e

trabalhos com documentação e estabelecer contato com outras organizações a partir

do seu Departamento de Documentação e Pesquisa. Essa atividade “deu uma nova

vitalidade aos trabalhos da entidade que pôde começar a contratar pessoas, comprar

11 Idem, p.56.

5

equipamentos e desenvolver projetos específicos”12. Em 1976, o Centro já recolhia,

trocava, distribuía e vendia publicações populares, tornando o CPV um reconhecido

centro de documentação e comunicação popular, atuando junto aos movimentos

populares, rede de entidades e movimentos sociais e alcançando abrangência

nacional.

Também em 1975 o CPV, a partir de seu Departamento de Educação de

Adultos, expandiu os trabalhos de educação popular e alfabetização de adultos,

contando com muitos educadores, sendo a maioria estudantes universitários que se

identificavam com o trabalho militante na periferia da cidade.

Segundo José de Rezende Ribeiro, eles [o Departamento de

Educação de Adultos] tinham cerca de vinte classes de suplência e

alfabetização e alcançaram a Vila Morais, Jd. Da Saúde, Arapuá e

Parque Bristol, bairros da zona sul de São Paulo, além da Cidade

Ademar e Americanópolis. Esse trabalho de educação popular foi

durante algum tempo o trabalho mais importante do CPV, porque

envolveu um grande número de educadores, trabalhadores e

trabalhadoras, que receberam formações semanais, e representou a

consolidação de um trabalho inovador na educação de adultos ao

aproximar-se da realidade da população pobre daqueles bairros13.

Além disso, é importante destacar que as atividades eclesiais na Comunidade

Cristo Operário (missas e cursos de catequese) continuaram a ser desenvolvidas e

configuraram-se como espaços para aproximar a comunidade local. “Essas atividades

especificamente religiosas estabeleciam diálogo com as novas ideias e formas de

organização popular estabelecidos nos cursos de alfabetização e em outras atividades

do CPV”14. Paula Salles destaca que nas catequeses havia grande presença de

mulheres, organizadas em clube de mães, e isso demonstra o papel do CPV como

formador de agentes para atuar nas CEBs e paróquias da região sul da cidade15.

Outro importante projeto do CPV foi a produção de publicações próprias de

caráter diversificado. Com o Departamento de Publicações “a produção de boletins

periódicos, panfletos, dossiês e outros tipos de publicações [...] intensificaram as

formas de aproximação dos movimentos populares e sindicais”16. Também a partir do

crescimento deste projeto, ganhou força a articulação do CPV com entidades e

movimentos nacionais, o que resultou em uma ampliação na rede de troca de

experiências, materiais e encontros de formação. “Esse trabalho de divulgação e

distribuição de publicações populares fez confluir para o CPV muitas entidades que

12 Idem, p.42. 13 Idem, p.43. 14 Ibidem. 15 Idem, p.44. 16 Idem, p.47.

6

participavam dos movimentos populares e sindicais, do campo e da cidade, em frentes

de lutas variadas por todo o Brasil”17.

O Departamento de Documentação e Pesquisa e o Departamento de

Publicações do CPV18 acabaram por configurarem-se como as atividades prioritárias

do Centro de Pastoral Vergueiro, que acumulou uma importante documentação sobre

os movimentos populares e operários desde 1973; hoje o CPV está focado na

promoção do acesso digital a essa documentação. Apresentamos abaixo uma planilha

produzida durante a pesquisa de mestrado de Paula Salles que quantifica a produção

de jornais e boletins do CPV entre os anos de 1975 e 1993.

Atualmente o CPV é uma entidade reconhecida por seu patrimônio documental

ganhando destaque principalmente pela forma como esse acervo foi constituído: a

partir de práticas e concepções específicas do fazer documentação, comunicação e

memória das classes populares. Como destaca Paula Salles, o CPV representa um

patrimônio histórico e social que se materializou pela ação de diversos sujeitos sociais:

os frades dominicanos, estudantes universitários, agentes de educação popular,

líderes de movimentos sociais (sindicais e populares) e de organizações de

esquerda19.

17 Ibidem. 18 Para uma leitura detalhada sobre o trabalho de cada um desses Departamentos do CPV, conferir os capítulos 2 e 3 da dissertação de mestrado de Paula Salles. SALLES, Paula Ribeiro. Documentação e Comunicação Popular: a experiência do CPV - Centro de Pastoral Vergueiro (São Paulo/SP, 1973-1989). Dissertação (Mestrado em História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2013. 19 Idem, p.27.

Tabela 01: Jornais e Boletins periódicos encampados e produzidos pelo CPV (1975-1993)

Fonte: Produzido por Paula Ribeiro Salles. Informações retiradas do livro de Atas do CPV

(1973-2000). Acervo de periódicos do CPV.

7

O COMPLEXO ARQUITETÔNICO

O Centro de Pastoral Vergueiro iniciou suas atividades na zona sul de São

Paulo junto à Comunidade Cristo Operário, que tem sua história associada às

transformações ocorridas na postura evangelizadora da Igreja Católica já a partir da

década de 1950. Mas a atuação dos dominicanos na Comunidade Cristo Operário

remonta aos finais da década de 1940, quando frei João Batista Pereira dos Santos

negocia um terreno de 3.500m², onde funcionava o Círculo Operário do Ipiranga.

Seu objetivo era fundar uma Comunidade Dominicana e implantar

um amplo projeto de evangelização junto aos operários. A existência

do Círculo Operário ali demonstra que já havia um trabalho sindical

vinculado à Igreja Católica naquela região, tradição que, de alguma

forma, continuará com a experiência levada a cabo por frei João20.

O primeiro resultado desse projeto foi a criação da Comunidade de Trabalho

Unilabor, constituída por ações culturais, educativas, de catequese religiosa, educação

política e, principalmente, na criação de uma fábrica de móveis modernistas,

funcionando em regime de autogestão na periferia de São Paulo. A Unilabor é

considerada uma experiência social liderada pelo dominicano frei João Batista e que

envolveu a atuação de operários, intelectuais e artistas. A Comunidade funcionou a

partir de agosto de 1954, mas foi dissolvida em fevereiro de 1967 por motivos

ideológicos, econômicos e políticos21. Como experiência social o objetivo da

Comunidade era “a desalienação do trabalhador, a ser obtida por meio de sua

transformação em proprietário coletivo, [...] e, por outro lado, no seu elevamento

espiritual e cultural, num processo de enriquecimento não apenas material, mas

sobretudo moral22.

Além da fábrica de móveis, o conjunto arquitetônico da Comunidade Cristo

Operário da Ordem Dominicana conta com mais cinco edificações entremeadas por

jardins que acompanham o declive do terreno, cujo desenho é atribuído ao paisagista

Burle Marx. Soma-se a esse conjunto a Capela do Cristo Operário, “expressão

material da maior igualdade social proposta pelo projeto [...]. No interior, um conjunto

de obras de arte apresenta a figura de Cristo em atitudes de benção ao trabalho”23. A

Capela, construída pelo frei João Batista no início da década de 1950, é propriedade

20 Idem, p.30-31. 21 Para mais informações sobre a Unilabor, ver: CLARO, Mauro. Dissolução da Unilabor: crise e

falência de uma autogestão operária – São Paulo, 1963-1967. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da Arquitetura e do Urbanismo). FAU, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012. 22 CLARO, Mauro. op. cit, p.17. 23 PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO. Guia de bens culturais da cidade de São Paulo. Departamento do Patrimônio Histórico. Secretaria Municipal de Cultura. São Paulo: Imprensa Oficial, 2012, p.281.

8

da Sociedade Impulsionadora da Instrução da Ordem dos Dominicanos e é adornada

com murais de Alfredo Volpi, Yolanda Mohalyi e Giuliana Segre Giorgi e obras de

Geraldo Barros, Elisabeth Nobiling, Moussia Pinto Alves e Roberto Tatin24.

Devido ao valor cultural e artístico da Capela Cristo Operário e ao valor social

da experiência da Unilabor, a Comunidade Dominicana foi tombada na totalidade de

sua área nos três níveis: municipal, estadual e federal, ou seja, pelo Conselho

Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de

São Paulo (CONPRESP) e pelo Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico,

Arqueológico, Artístico e Turístico (CONDEPHAAT) e obteve a proteção liminar pelo

Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), entre 2002 e 2004. O

processo de tombamento impediu a divisão do terreno e a saída dos dominicanos da

área, intenções da Ordem dos Dominicanos na época, como destacam os

pesquisadores Mauro Claros e Paula Salles.

24 Ibidem.

Imagem 01: Desenho do arquivo da Ordem dos Dominicanos

apresentando um esquema de divisão do lote. Durante os anos de

atuação da Comunidade Unilabor, a fábrica de móveis ocupou a

totalidade desses espaços, já o CPV ocupou apenas a edificação que faz

divisa com a Rua São Daniel. Fonte: Mauro Claro.

9

Imagem 02: Vista panorâmica da Comunidade Cristo Operário. 1) Edifício onde funcionou o

CPV entre 1973-1989; 2) Casa do Capelão; 3) Capela Cristo Operário; 4) casa onde funcionou,

na época da Unilabor, o teatro e depois a administração da fábrica; 5-6) edifício das antigas

oficinas da Unilabor, hoje biblioteca da Escola Dominicana de Teologia (EDT); 7) salas de aula e

administração da EDT e da Ordem dos Dominicanos; A) sobrado alugado em 1980 pelo CPV

que abrigou os departamentos de editoração, audiovisual e livraria. Foto: Google Maps 2013.

Fonte: Paula Ribeiro Salles.

Imagem 03: Placa do Centro de Pastoral Vergueiro. Foto: Paula Ribeiro Salles. Fonte:

Paula Ribeiro Salles.

10

Imagem 04:

Jardins no entorno

da Capela do

Cristo Operário.

Foto: Geraldo de

Barros. Fonte:

Mauro Claro.

Imagem 05: Capela

do Cristo Operário,

tombada como

patrimônio por seu

valor cultural e

artístico Foto: Autor

desconhecido. Fonte:

Portal do Centro de

Documentação e

Pesquisa Vergueiro.

Imagem 06: Mural

“Cristo Operário”

de Alfredo Volpi do

interior da Capela.

Foto: Ivan

Shupikov. Fonte:

Veja São Paulo.

11

ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES:

O CPV, após o rompimento em 1989 com a Ordem dos Dominicanos, mudou

sua sede para o bairro Bela Vista, localizando-se na rua São Domingos, 224. Neste

endereço os pesquisadores e o público geral encontram para consulta documentos de

vários gêneros (textual, bibliográficos, iconográficos e sonoros). “Todos, frutos da ação

e pensamento dos trabalhadores e seus aliados em busca da transformação social.

Um acervo constituído de mais de 200 mil documentos”25.

O complexo arquitetônico da Comunidade Cristo Operário, onde o CPV

funcionou de 1973 até 1989, foi tombado, como mencionado, em três instâncias de

proteção patrimonial: o CONPRESP, da cidade de São Paulo; o CONDEPHAAT, que

cuida do patrimônio do Estado de São Paulo e o IPHAN, órgão federal. O argumento

dos processos de tombamento está associado ao valor cultural e artístico da Capela

Cristo Operário e ao valor social da experiência da Unilabor e do CPV.

ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA

O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a registrar,

por meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos políticos,

familiares de mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que

trabalharam/frequentaram o antigo Deops/SP. O Programa Coleta Regular de

Testemunhos tem a finalidade de formar um acervo, cujo objetivo principal é ampliar o

conhecimento sobre o Deops/SP e outros lugares de memória do Estado de São

Paulo, divulgando, desta forma, o tema da resistência e repressão política no período

da ditadura civil-militar.

- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da

Resistência

BEZERRA, Paulo Sérgio. Entrevista sobre militância, resistência e repressão

durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista

concedida a Karina Alves Teixeira e Paula Salles em 23/10/2014.

REMISSIVAS: Convento Santo Alberto Magno - Convento dos Dominicanos.

25 CPV. Um pouco da nossa história. Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Portal CPV. Disponível em: http://www.cpvsp.org.br/cpv.php. Acesso em 17/09/2015.

12

REFERÊNCIAS

CLARO, Mauro. Dissolução da Unilabor: crise e falência de uma autogestão

operária – São Paulo, 1963-1967. Tese (Doutorado em História e Fundamentos da

Arquitetura e do Urbanismo). FAU, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2012.

CPV. Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro. Portal CPV. Disponível em:

http://www.cpvsp.org.br/index.php. Acesso em 17/09/2015.

PERUZZO, Cicilia Maria Krohling. Revisitando os Conceitos de Comunicação Popular,

Alternativa e Comunitária. Apresentação de Trabalho. XXIX Congresso Brasileiro de

Ciências da Comunicação. Intercom - Sociedade Brasileira de Estudos

Interdisciplinares da Comunicação. Brasília. Universidade de Brasília, 6 a 9 de

setembro de 2006. Disponível em: http://goo.gl/TBYZf4. Acesso em 04/09/2015.

PREFEITURA DA CIDADE DE SÃO PAULO. Guia de bens culturais da cidade de

São Paulo. Departamento do Patrimônio Histórico. Secretaria Municipal de Cultura.

São Paulo: Imprensa Oficial, 2012.

SALLES, Paula Ribeiro. Documentação e Comunicação Popular: a experiência do

CPV - Centro de Pastoral Vergueiro (São Paulo/SP, 1973-1989). Dissertação

(Mestrado em História Social). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São

Paulo, 2013.

SOUZA, Admar Mendes de. Estado e Igreja católica. O movimento social do

cristianismo de libertação sob a vigilância do Deops/SP (1954-1974). Tese

(Doutorado em História). FFLCH. Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Centro de

Pastoral Vergueiro (CPV). Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2015.