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Igreja Nossa Senhora da Consolação
Endereço: Rua da Consolação, 585
Consolação, SP
Classificação: Espaço religioso.
Identificação numérica: 141-10.001
No ano de 1799 os moradores da pantanosa região atualmente conhecida como
Consolação solicitaram ao Bispo Diocesano de São Paulo, Dom Mateus de Abreu
Pereira, autorização para a construção de uma igreja. Em 1801 foi inaugurada a Igreja
Nossa Senhora da Consolação, ou apenas Igreja da Consolação, erguida a partir da
técnica de taipa, bastante comum na época1. A região, denominada “Caminho de
Pinheiros”2 – distante de São Paulo e caminho de tropas de burros vindas de Sorocaba
ou que subiam para o atual bairro de Pinheiros –, ganhava a sua primeira igreja e atraía
fieis com feiras de tropeiros onde se vendiam animais3.
A expansão da área urbana de São Paulo nas décadas seguintes resultou
também no crescimento dos fiéis da Igreja da Consolação. Naquela região pantanosa
começavam a surgir obras públicas visando a melhoria do espaço para as casas e
chácaras localizadas nos arredores da Igreja. Em 1840, a humilde edificação religiosa
recebeu sua primeira reforma de ampliação, que “providenciou cinco janelas, duas
torres, porta principal e duas entradas laterais, largas escadas de acesso e frente
1 A taipa é uma técnica construtiva de origem árabe utilizada na construção de paredes. Consiste
em apiloar terra úmida entre dois pranchões de madeira removíveis que se mantém de pé e afastadas entre si graças a travessas ou escoras. O uso da taipa caracterizou todas as construções paulistas dos séculos XVI, XVII, XVIII e primeira metade do XIX. Verbete. Museu da Cidade de São Paulo. Disponível em <http://www.museudacidade.sp.gov.br/taipadepilao.php>. Acesso em 07/05/2015. 2 Para uma leitura sobre os caminhos de acesso a São Paulo durante os séculos XVI e XVII,
conferir o artigo de Eudes Campos, A vila de São Paulo do Campo e seus caminhos. Publicado pela Revista do Arquivo Histórico Municipal de São Paulo, v. 204, 2006. Disponível em <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/ada0c_Revista_do_Arquivo_n204.pdf#page=11>. Acesso em 07/05/2015. 3 Danilo Janúncio Alves. História dos Bairros Paulistanos – Consolação. Disponível no Banco de
Dados Folha. <http://almanaque.folha.uol.com.br/bairros_consolacao.htm> Acesso em 07/05/2015.
Memorial da Resistência de São Paulo
PROGRAMA LUGARES DA MEMÓRIA
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acolhedora. No altar-mor estava a pequena imagem portuguesa de Nossa Senhora da
Consolação, esculpida em madeira e papel machê”4.
Na segunda metade do século XIX, a região da Consolação já era considerada
um bairro de São Paulo e contava com uma população de “3.577 habitantes, sendo 342
escravos e 8 eleitores”5. A Igreja, já ampliada pela reforma, seguia recebendo cada vez
mais fiéis. Devido a esta crescente importância do bairro em termos populacionais e da
Igreja como referência religiosa local, em 1870 ela foi elevada à condição de Paróquia.
Nesta época, o livro de Tombo da Igreja registrava como limites de sua freguesia a
região compreendida entre o Anhangabaú, a futura Avenida São João e o Rio Tietê6; e
a ela passaram a se subordinar as igrejas da Santa Cruz das Perdizes, da Santa
4 A informação está disponível no site da Paróquia.
<http://www.iparoquia.com/paroquia/historia.php?id=2kTM>. Acesso em 06/05/2015. A fim de preservar a imagem da padroeira do século XVII, ela foi transferida para o Arquivo da Cúria e atualmente se encontra no Museu de Arte Sacra. 5 A informação no site da Paróquia é atribuída a Azevedo Marques.
6 Os detalhes dos limites da freguesia foram disponibilizados pelo Quinto Cartório de Registro de
Imóveis de São Paulo no link <http://www.quinto.com.br/consolacao.htm>. Acesso em 08/05/2015.
Imagem 01: Aquarela de J.
Wasth Rodrigues para o IV
Centenário da Cidade de São
Paulo em 1954. As aquarelas,
reunidas sob o título
"Documentários de São Paulo
Antigo", foram baseadas em
iconografias antigas da cidade.
Autor da aquarela: J. Wasth
Rodrigues. Fonte: Acervo
Fotográfico do Museu da
Cidade de São Paulo.
Imagem 02: Fotografia da
Igreja Nossa Senhora da
Consolação no séc. XIX,
após reforma de ampliação.
Foto: Autor desconhecido.
Fonte: Hagop Garagem -
fotografias históricas.
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Cecília, do Divino Espírito Santo, na Bela Vista, e de Nossa Senhora do Monte Serrate,
em Pinheiros. Em 23 de março de 1870, o bairro da Consolação passa a ser um distrito
da cidade. Nos seus arredores já estavam instaladas famílias da elite paulistana, que
habitavam grandes chácaras ou palacetes, conforme lembranças de Monsenhor
Francisco Bastos7.
A Consolação vivia mergulhada na quietude bucólica de suas
chácaras com os casarões aristocráticos da época, rodeados de
árvores frondosas. E quantas eram! A de Dona Veridiana Prado, que
abrangia toda a parte alta da Consolação, estendendo-se por
Higienópolis e Pacaembu afora; a do General Arouche, que ocupava
parte da Vila Buarque, largo do Arouche até a avenida São João; a da
Marquesa de Santos, que descia da rua Líbero Badaró, alongando se
pelo Vale do Anhangabaú, onde havia uma plantação de chá; o
viaduto construído para transpor esse vale ficou conhecido como
Viaduto do Chá por causa dessa plantação8.
A Prefeitura de São Paulo, através da sua Secretaria Municipal de
Desenvolvimento Urbano realizou, em 2007, um interessante estudo sobre o histórico
demográfico do Município de São Paulo entre 1872 e 2010. Conforme a publicação, que
também fez uma abordagem da fundação da cidade, estima-se que em 1554 não mais
de 100 habitantes viviam nos arredores do colégio erguido pelos padres jesuítas,
constituindo o núcleo inicial da futura cidade. Nos três séculos seguintes, o povoado
conheceu um lento crescimento, somente alterado a partir da década de 1870, quando
o primeiro levantamento censitário realizado no Brasil, em 1872, apontou a presença de
31.385 moradores. Já o último censo do século XIX registrou o crescimento vertiginoso
de São Paulo, que então se transformara numa cidade de 240.000 habitantes. Neste
período, as antigas chácaras ao redor do núcleo histórico da cidade eram loteadas e a
área urbana se expandia continuamente. No ano de 1891 surge a avenida Paulista, que
ajuda o distrito da Consolação a ganhar importância por causa de sua localização,
agora mais central. Na região começaram a ser abertas ruas, avenidas, alamedas e
largos e são criados bairros nobres como os de Higienópolis e Pacaembu. Além do
7 Monsenhor Francisco Bastos nasceu em Piracicaba em 11 de Setembro de 1892. Formado
pela Universidade Gregoriana de Roma em Filosofia e Teologia, assumiu a Paróquia da Nossa Senhora da Consolação em 1921, quando as obras de reconstrução iniciadas em 1907 encontravam-se paralisadas. Bastos esteve à frente da Igreja durante 47 anos. Sobre a Igreja neste período há um fato curioso: em 1935 Francisco Bastos participou na refundação do São Paulo Futebol Clube, sendo eleito inclusive o primeiro presidente do Conselho. Nos primeiros anos do clube, o pároco fez da Igreja o local de “concentração” improvisado do time, enquanto este providenciava a construção de sua sede, o Estádio do Morumbi, inaugurado em 1960. Disponível em <http://www.saopaulofc.net/noticias/noticias/futebol/2010/10/1/m50-morumbi,-um-templo-de-fe/ >. Acesso em 11/05/2015. 8 As memórias de Monsenhor Francisco Bastos estão reunidas da obra de sua autoria:
Reminiscências de um Pároco de Cidade, São Paulo: Paulinas, 1973. O trecho que utilizamos foi citado no site da Paróquia Nossa Senhora da Consolação.
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processo de urbanização, também as ferrovias desempenham um importante papel
para São Paulo neste contexto, pois elas fazem a ligação da cidade com o interior, onde
se produzia o café, e com o porto de Santos, por onde o produto era exportado. No fim
do século XIX São Paulo se firmava como o mais dinâmico centro comercial e financeiro
da nova República9.
Pelo mapa a seguir, também disponibilizado pela publicação da Secretaria
Municipal de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo, é possível verificar a
intensificação do processo de urbanização da cidade entre os anos de 1882 e 1914 em
comparação com o período anterior a 1881. No mapa, chamamos a atenção para o
distrito da Consolação, onde se evidencia que o crescimento da região ocorreu no fim
da segunda metade do século XIX.
9 Histórico Demográfico do Município de São Paulo, 2007. Disponível em <
http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/index.php>. Acesso em 11/05/2015.
Imagem 03: Mapa comparativo sobre a expansão da área urbanizada de São Paulo.
Fonte: Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano da Prefeitura de São Paulo.
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Esse contexto de intensificação urbanística de São Paulo foi acompanhado por
um desejo de renovação e progresso, característicos do início do século XX, e, dentro
deste quadro, a humilde Igreja da Consolação – edificada com paredes de taipa – não
correspondia aos anseios arquitetônicos dos belos edifícios de inspiração europeia que
passaram a compor o cenário da região10. Além disso, aquele antigo templo erguido no
século XVIII já não conseguia abrigar tantas pessoas. Assim, em 1907, o prédio original
foi demolido.
O novo projeto, de 1909, é assinado por Maximilian Emil Hehl, engenheiro-
arquiteto formado pela Escola Politécnica de Hannover na Alemanha11. Erguida em
estilo românico-bizantino, a obra demorou décadas para ficar pronta, sendo que a torre
só foi finalizada em 195912. Isso porque até os anos 1940 a Paróquia passou por sérias
dificuldades financeiras, principalmente devido às crises do café, quando a elite paulista
deixava de fazer doações para as obras de caridade. Segundo notícia de O Estado de
São Paulo, Monsenhor Bastos, ao assumir a administração da paróquia em 1921,
“encontrou a Igreja da Consolação apenas com o telhado, as paredes nuas, o piso de
tijolo e uma dívida de mil contos de réis, quantia astronômica naquela época”13.
Apesar das dificuldades vividas durante o processo de construção, a nova Igreja
da Consolação é bem distinta da anterior e conseguiu ser ricamente adornada – como
efeito das muitas negociações do pároco com os cafeicultores moradores dos
arredores. Destacamos algumas de suas características externas: a torre gótica de 75
metros de altura, que já foi a mais alta de São Paulo; os ladrilhos em mosaico e
mármore que desenham a fachada; o carrilhão de cinco sinos; o relógio da torre,
confeccionado pela mesma empresa que fez o Big Ben londrino; a porta da entrada
trabalhada em ferro forjado batido. No interior da Igreja, vitrais coloridos feitos de
10
Para uma leitura sobre os referenciais arquitetônicos europeus na cidade de São Paulo no séc. XIX, conferir o artigo de Eudes Campos, Nos caminhos da Luz, antigos palacetes da elite paulistana. Publicado nos Anais do Museu Paulista: História e Cultura Material, vol.13, n.1, São Paulo, jan./jun de 2005. Disponível em < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-47142005000100002&script=sci_arttext>. Acesso em 11/05/2015. 11
Hehl nasceu na Alemanha em 1861. Mudou-se para São Paulo em 1890 e começou a trabalhar com o importante arquiteto Francisco de Paula Ramos de Azevedo. Em 1896 iniciou sua carreira como docente na Escola Politécnica de São Paulo. Hehl também foi responsável pelos projetos do Sanatório Santa Catarina, de 1906 – demolido quarenta anos depois para a construção do Hospital Santa Catarina, na avenida Paulista; do Quartel do Corpo de Bombeiros de Santos, em 1907; da Catedral de Santos, em 1909. Em 1912 iniciou o projeto da Catedral da Sé, considerada um dos cinco maiores templos neogóticos do mundo e que foi inaugurada apenas em 1954, durante as comemorações do IV Centenário da cidade de São Paulo. Conferir o Dicionário de Artistas do Brasil. <http://www.brasilartesenciclopedias.com.br/>. Acesso em 12/05/2015. 12
A data de finalização da torre só foi encontrada na reportagem de Ennio Squeff. A ameaça de penhora. O Estado de São Paulo, São Paulo, cinco de setembro de 1971, p.42. 13
A reportagem do dia 12 de setembro de 1982, p.58, foi citada pelo site Ateliê, Arte e Restauração. Disponível em <http://www.ateliearterestauracao.com.br/a-historia-da-igreja-da-consolacao-pelo-jornal/> Acesso em 12/05/2015.
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chumbo e vidro a iluminam juntamente com o lustre central de cinco metros de
diâmetro, confeccionado em ferro batido pelo Liceu de Artes e Ofícios. O altar-mor, de
carvalho, mármore branco e bronze, foi encomendado em Paris. Uma relíquia à parte,
vinda da Itália, é o órgão de tubo14. O interior está decorado com pinturas de passagens
bíblicas e imagens da vida terrena e espiritual dos santos assinadas por artistas como
Benedito Calixto, Oscar Pereira da Silva, Hans Bauer e Edmundo Gagni15.
As fotografias abaixo ilustram etapas do processo de construção da Igreja da
Consolação no século XX.
14
O órgão de tubo é um instrumento musical muito comum em igrejas católicas ocidentais. Para uma leitura sobre o funcionamento deste instrumento, ver a publicação “O que é um Órgão de Tubos do Instituto de Cultura e Arte Organística. Disponível em < http://www.arteorganistica.org.br/artigos/Orgao_de_Tubos.pdf>. Acesso em 12/05/2015. 15
As informações artísticas sobre a Igreja da Consolação estão disponibilizadas no Portal das Artes < http://www.portalartes.com.br/not%C3%ADcias/867-um-pouco-de-historia-da-igreja-da-consolacao.html>. Acesso em 12/05/2015.
Imagem 04: Frontal da Igreja da
Consolação em 1915.
Foto: Autor desconhecido.
Fonte: Acervo Fotográfico do
Museu da Cidade de São Paulo.
Imagem 05: Entrada principal e
lateral da Igreja da Consolação,
ainda sem a torre, no ano de 1931.
Foto: Autor desconhecido.
Fonte: Acervo Fotográfico do
Museu da Cidade de São Paulo.
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Imagem 06: Vista da construção da torre da Igreja no ano de 1948. Ao fundo, à direita, os
edifícios Martinelli e Altino Arantes (o Banespa). Foto: Dmitri Kessel. Fonte: Revista Life.
Imagem 07: Igreja da Consolação, vista dos fundos, em 1954. Em primeiro plano, a Praça
Roosevelt. Foto: Autor desconhecido. Fonte: Acervo Folha de São Paulo.
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Imagem 08: Projeto inicial da Igreja
da Consolação divulgada pelo O
Estado de São Paulo no dia 22 de
novembro de 1909. Entre o projeto
e a execução é possível perceber
algumas modificações, como o
estilo do pórtico e as torres, que
foram substituídas por uma única.
Foto: Autor desconhecido.
Fonte: Acervo O Estado de São
Paulo.
Imagem 09: Igreja da
Consolação com as obras
totalmente finalizadas. Foto:
Gabriel Zellaui.
Fonte: Acervo Fotográfico do
Museu da Cidade de São Paulo
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ALÉM DAS ATIVIDADES RELIGIOSAS
A Igreja da Consolação, nestes mais de 200 anos de ação no bairro que hoje
recebe seu nome, atuou fortemente junto à comunidade no sentido de fornecer amparo
espiritual. Mas não foi apenas para essas atividades que a Igreja foi procurada. Desde
muito cedo, a edificação também recebeu e abrigou parcelas da população em
situações adversas16.
Em 1855, uma epidemia de cólera atingiu a província e, para tratar os doentes, a
Irmandade de Nossa Senhora da Consolação e São João Batista17 teve de improvisar
30 leitos no pátio da Igreja da Consolação para cuidar das vítimas. Foi nesse contexto
que a Câmara Municipal retomou o debate sobre a construção de um cemitério público,
o futuro Cemitério da Consolação, propondo o fim do sepultamento dos corpos em solo
sagrado (no interior das igrejas), prática já condenada pelos higienistas desde o final do
século XVIII18.
No início dos anos 1920 ocorreu em São Paulo um conflito que ficou conhecido
como Revolução de 1924. O episódio foi reflexo do Movimento Tenentista19 e consistiu
resumidamente no enfrentamento entre as tropas legalistas comandadas pelo
presidente Artur Bernardes com setores intermediários das Forças Armadas (tenentes e
capitães) que tentavam afastá-lo do poder.
A população da cidade vivia um clima de insegurança semelhante a
um verdadeiro estado de guerra, pois sofria com a falta de gêneros
alimentícios e com os constantes avisos de bombardeios. Os
16
Os eventos que citamos a seguir são utilizados para exemplificar alguns usos da Igreja pela população como espaço de reunião e abrigo. Citamos em ordem cronológica, mas sabemos que eles não esgotam, de forma alguma, a listagem dos diversos outros encontros realizados na Igreja ou por ela organizados. 17
Irmandade criada na década de 1840 com o objetivo de tratar os enfermos da região do “Caminho de Pinheiros”. 18
Ainda em 1855 é elaborado um estudo que indica que o melhor local para a construção do cemitério público paulistano seria os altos da Consolação por considerar a elevada altitude da região, a direção dos ventos dominantes, a qualidade do solo e a sua “grande distância” da cidade. O Cemitério Público da Consolação foi inaugurado em 1858, por ocasião de uma epidemia de varíola que afligiu a capital. Para mais informações consultar o material produzido pela Prefeitura de São Paulo <http://www.prefeitura.sp.gov.br/cidade/upload/cemiterio_baixa_1219246534.pdf>. Acesso em 12/05/2015. 19
No início dos anos 1920 crescia nos militares de baixa patente do Exército a insatisfação com as condições oferecidas pela corporação e com a política do governo. Organizados em levantes armados, os militares insatisfeitos (sendo a grande maioria Tenentes e por isso o termo “tenentismo” para designar esse movimento) queriam derrubar o governo. Os principais movimentos tenentistas da década de 1920 foram a Revolta dos 18 do Forte de Copacabana (1922), os levantes de 1924, e a Coluna Prestes (1924-1927). Para mais informações e documentos sobre o Movimento Tenentista consultar o CPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Disponível em < https://cpdoc.fgv.br/producao/dossies/AEraVargas1/anos20/CrisePolitica/MovimentoTenentista>.
10
habitantes que tiveram oportunidade fugiram da cidade e refugiaram-
se em Campinas e em outras localidades do interior paulista20.
A população que não tinha condições ou não conseguiu deixar São Paulo
procurava outros locais mais seguros para se abrigar. Ao lado da Igreja da Consolação,
um barracão foi improvisado por iniciativa do Monsenhor Francisco Bastos e utilizado
como abrigo para mais de 500 pessoas vindas de outros bairros, como Cambuci, Mooca
e Brás21. Ali a população recebia refeições preparadas pela paróquia e se protegia dos
bombardeios comandados por Artur Bernardes. No seu livro de memórias, Monsenhor
Francisco Bastos relembra esses dias:
E quando as balas e os petardos começaram a visar a Consolação, foi
dentro da própria igreja que se abrigaram os refugiados,
principalmente à noite, ao recrudescer do bombardeio. Esperavam
que as paredes externas da igreja, feitas de blocos de pedra, fossem
para eles seguro anteparo contra as bombas e o matracar constante
das metralhadoras22.
Já no fim da década de 1960, durante os anos da ditadura civil-militar no Brasil,
era comum que os militantes da esquerda marcassem encontros dentro das igrejas.
Esses locais eram escolhidos por serem espaços públicos, com circulação de pessoas,
mas, ao mesmo tempo, protegidos. Em entrevista concedida para o Memorial da
Resistência, Antonio Oliveira23, ex-preso político, explica porquê os militantes escolhiam
as igrejas como pontos de encontro:
[...] eu ia encontrar ele [outro militante] dentro da Igreja da
Consolação, porque a gente procurava as igrejas porque eram mais
dissimuladas. Porque essas igrejas com aqueles vitrais assim bonitos,
20
Exposição virtual do Arquivo Público do Estado de São Paulo sobre a Revolução de 1924. Disponível em <http://www.arquivoestado.sp.gov.br/exposicao_revolucao/cidade_revolucao.php>. Acesso em 12/05/2015. 21
Reportagem de Ennio Squeff. No início, Estado sustentava igreja. O Estado de São Paulo, São Paulo, 05 de setembro de 1971, p.42. 22
As memórias de Monsenhor Francisco Bastos estão reunidas da obra de sua autoria: Reminiscências de um Pároco de Cidade, São Paulo: Paulinas, 1973. O trecho foi citado pelo Portal das Artes. 23
Antônio Oliveira nasceu na fronteira dos estados da Paraíba e Pernambuco em sete de março de 1946. Sua principal referência na formação política foi um tio que era comunista. Militou no Partido Comunista Brasileiro - PCB, no Partido Operário Revolucionário Trotskista - Port e na VAR-Palmares, onde atuou no setor estratégico. Sempre foi crítico às dissidências entre os militantes. Foi preso três vezes - a primeira na Paraíba e as duas seguintes em São Paulo. Esteve no Deops-SP em 1972 e 1974. Passou também pelos presídios do Hipódromo e Casa de Detenção de São Paulo - Carandiru, além do presídio de Água Santa, no Rio de Janeiro. O trecho citado é da entrevista de Antônio Oliveira para o Memorial da Resistência de São Paulo. OLIVEIRA, Antônio M. Entrevista sobre militância, resistência e repressão durante a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista concedida a Karina Alves e Marcela Boni em 23/10/2013.
11
tipo a Sé, a Consolação, a gente encostava assim e ficava olhando o
vitral, vendo tudo, aí outro encostava e a gente passava a mensagem,
fazendo de conta que a gente estava: “...Bonito isso aqui e tal...” Mas
mentira, a gente estava passando a mensagem que tem que passar.
Às vezes uma mensagem cifrada, entregava e tal, através das igrejas.
Se adotava muito esse sistema de encontro nas igrejas.
Além de seu uso pelos militantes, neste período as igrejas também foram
convertidas em espaços de reunião dos familiares de desaparecidos políticos e locais
de abrigo durante as investidas violentas da polícia. Por meio de ações de sua ala
progressista, incluindo muitos padres e a própria arquidiocese de São Paulo, a Igreja
Católica cumpriu o papel de enfrentamento aos militares e de denúncia sobre as
prisões, torturas, mortes e desaparecimentos que ocorriam no país. Figuras importantes
como Dom Helder Câmara, Dom Pedro Casaldáliga e Dom Paulo Evaristo Arns
celebraram muitas missas em memória aos mortos pelos militares durante a ditadura.
Além de homenageá-los, as missas funcionavam também como ato de denúncia das
arbitrariedades do regime. Algumas das missas que tiveram grande repercussão e
adesão social na cidade foram: a de Alexandre Vannucchi Leme, em março de 1973, a
do jornalista Vladimir Herzog, em outubro de 1975 – ambas realizadas na Catedral da
Sé –, e a do operário Santo Dias, em outubro de 1979, celebrada na Igreja da
Consolação, de onde o corpo seguiu, em cortejo, para a Catedral da Sé.
A PROCISSÃO DA IGREJA DA CONSOLAÇÃO
A Igreja Católica no Brasil foi uma das principais bases de sustentação do golpe
civil-militar de 1964, organizando, inclusive, a Marcha da Família com Deus pela
Liberdade. No entanto, no início dos anos 1970, baseada nos princípios da Teologia da
Libertação, a ala progressista da Igreja se transformou em um setor de contestação e
denúncia das inúmeras violações de direitos humanos cometidas por agentes do
Estado. Neste contexto, alguns padres foram identificados como opositores do regime e
acabaram sendo perseguidos, presos e torturados, sendo um dos casos mais
conhecidos o dos padres dominicanos detidos pelo Deops/SP em 196924. Também
como resultado das Conferências Gerais do Episcopado Latino-Americano de Medellín
(1968) e Puebla (1979), a Igreja adotou a “opção preferencial pelos pobres” e passou a
ter um importante papel aglutinador na luta contra a ditadura e pela igualdade social. É
neste período que se desenvolvem as Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) com o
objetivo de constituir núcleos pastorais nos bairros para que os moradores pudessem
estabelecer laços comunitários entre si e, a partir dos próprios ideais cristãos,
24
Este caso foi narrado por Frei Betto no livro Batismo de Sangue: Guerrilha e Morte de Carlos Marighella, com a primeira edição em 1982.
12
reivindicarem melhorias em suas comunidades relativas a moradia, saúde, transporte,
custo de vida25.
Dom Paulo Evaristo Arns é um nome recorrente neste período por ser o
arcebispo metropolitano de São Paulo, tendo tomado posse em novembro de 1970 e,
em 1973, nomeado Cardeal. Em sua atuação, sempre se guiou pelo princípio da defesa
dos direitos humanos, procurando, muitas vezes, apurar pessoalmente as denúncias de
torturas e abusos policiais; pressionava as autoridades para conseguir visitar os presos
políticos nos presídios e organizava reuniões de familiares de desaparecidos na Cúria,
onde eles trocavam informações, recebiam amparo e orientações de Dom Evaristo. Em
1973 criou na Arquidiocese de São Paulo a Comissão de Justiça e Paz, “organismo
encarregado de cuidar dos assuntos jurídicos em defesa dos direitos da pessoa
humana, [...] e que se constituiria em um dos principais instrumentos de proteção às
vítimas da repressão policial no país”26. E foi ele também quem sugeriu, em outubro de
1979, que o corpo de Santo Dias, operário assassinado por agentes da repressão,
fosse velado na Igreja da Consolação e que depois seguisse, como protesto, uma
procissão até a Catedral da Sé, onde seria rezada uma missa para a vítima.
Santo Dias trabalhava como operário metalúrgico, sendo reconhecido como um
líder operário pelos trabalhadores e homem bastante ativo no movimento sindical, tendo
sido, inclusive, candidato a vice-presidente em uma chapa de oposição à diretoria do
Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo em 1978. Por sua formação católica se
envolveu com as atividades das CEBs na periferia, lutando por transportes, mais
escolas e melhorias nas vilas de trabalhadores. Também participou da coordenação do
Movimento Contra o Custo de Vida, entre 1973 e 1978, ao lado de sua mulher Ana
Maria do Carmo Silva (mais conhecida como Ana Dias), uma liderança feminina neste
meio. Pelas lembranças de Dom Paulo Evaristo Arns, Santo Dias era “um homem de
grande coração e muito amigo dos operários. Ele estava evitando que os operários
reagissem com violência à violência da polícia. A morte dele acabou se transformando
em uma grande manifestação pacífica, mas muito eficiente contra a ditadura”27.
25
Existem muitas pesquisas relevantes sobre a atuação da Igreja Católica durante a ditadura civil-militar no Brasil e o papel que ela desempenhou na luta contra os militares e a favor dos direitos humanos. Destacamos aqui apenas algumas leituras, como o trabalho de José Cardonha. A Igreja Católica nos "Anos de Chumbo": resistência e deslegitimação do Estado Autoritário Brasileiro 1968-1974. Tese (Doutorado em Ciências Sociais). Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2011; e o Relatório da CNV, volume II, Textos Temáticos, Texto 4 - Violações de direitos humanos nas igrejas cristãs. Disponível em: < http://www.cnv.gov.br/images/pdf/relatorio/volume_2_digital.pdf >. Acesso em 13/05/2015. 26
Verbete biográfico sobre Dom Paulo Evaristo Arns produzido pelo CEPDOC da Fundação Getúlio Vargas. Disponível em < http://www.fgv.br/cpdoc/busca/Busca/BuscaConsultar.aspx>. Acesso em 13/05/2015. 27
Entrevista de Dom Paulo Evaristo Arns concedida a Samarone Lima. O São Paulo, São Paulo, 09 de agosto de 1995.
13
Em 30 de outubro de 1979, Santo Dias participava de um piquete de greve na
porta da Fábrica Sylvania28, localizada em Santo Amaro, quando os policiais
começaram a atirar e um dos disparos acertou o operário, que morreu na hora. A polícia
imediatamente recolheu o corpo de Santo Dias e o colocou na viatura, alegando que
seria levado ao Instituto Médico Legal (IML). Numa atitude bastante corajosa, Ana Dias,
esposa de Santo Dias, entra junto com o corpo na viatura e se recusa a descer. A
atitude dela evita que o marido fosse enterrado como indigente ou mesmo que ele
viesse a desaparecer. Em entrevista ao Memorial da Resistência, Ana relata que os
policiais tiraram todas as identificações de Santo Dias antes que ele desse entrada no
IML e que dentro da viatura ouviu ordens entre os policiais para que se “desfizessem”
do corpo.
Quando eu cheguei lá [...] no Instituto Médico Legal, o primeiro
momento que eu cheguei lá, eles queriam que eu [...] arrumasse três
testemunhas pra provar que ele era meu marido. Porque a primeira
coisa que eles fizeram é deixou ele como indigente, ele entrou como
indigente. Eles tiraram a carteira, tiraram aliança, tiraram documento,
tiraram tudo, ele chegou sem camisa. Então ele [o policial] falou: “Não.
É indigente. A senhora prova que esse é seu marido? Esse é o seu
marido?”. Eu ia reivindicar uma pessoa pra quê? [Porque] Que era
meu marido, né? [...] Eles me trancaram dentro de uma sala e era um
perigo aquele tempo, né? Me trancaram dentro de uma salinha e me
deixaram trancada lá dentro. Falou que enquanto eu não provasse,
mas como eu ia provar trancada lá dentro que ele era meu marido? Aí
nisso começou já a chegar gente... [mas antes de ser encaminhado ao
IML, Santo Dias foi levado ao Pronto Socorro de Santo Amaro].
Quando chegou lá no Pronto Socorro [...] um cara do DOPS chegou
pro motorista, todos a paisanos nenhum era de farda, e falou assim:
“Olha, você some com isso.” Isso era o corpo do Santo. “Vocês
somem com isso agora daqui, joga em qualquer lugar, mas tem que se
livrar disso agora”. Aí que eu comecei gritar, mas gritar muito... Eles
tavam querendo sumir com o corpo dele, porque ou eu gritava ou eles
jogava ele e amanhã: ele foi numa briga contra a polícia e ele era um
bandido e foi morto29.
A notícia da morte de Santo Dias se espalhou rapidamente e gerou muita
comoção, causando até mesmo uma intervenção por parte da Arquidiocese para que o
corpo fosse liberado para o velório. No IML, Ana Dias foi procurada por Dom Evaristo
28
Para uma leitura sobre a Fábrica Sylvania, identificada como um lugar da memória sobre a repressão e resistência na ditadura civil-militar, conferir o documento produzido pelo Programa Lugares da Memória, do Memorial da Resistência. Disponível em: http://www.memorialdaresistenciasp.org.br/memorial/default.aspx?c=bancodedados&idlugar=151&mn=59 29
SILVA, Ana Maria do Carmo. Entrevista sobre a Catedral e a Praça da Sé no contexto da ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista concedida a Karina Alves e Ana Paula Brito em 30/09/2014.
14
que, já sabendo da movimentação da população em relação à morte de Dias,
considerou que muita gente iria ao velório e que, portanto, a casa do casal não
suportaria receber a multidão. Sendo assim, sua sugestão foi que o corpo fosse velado
na Igreja da Consolação e que a missa ocorresse na Catedral da Sé, inclusive como
uma precaução frente à possibilidade dos agentes da repressão instalarem, na ampla
Praça da Sé, uma bomba. Além disso, a procissão até a Sé seria uma forma pacífica de
protesto e denúncia. Estes argumentos utilizados pelo arcebispo são narrados por Ana
Dias, que aceitou a sua sugestão.
Na Catedral é perigoso por uma bomba lá, porque do jeito que tava o
clima de guerra e se estourasse uma bomba lá? Era muito mais
perigoso. Então acharam melhor levar pra Praça, pra Igreja da
Consolação onde era uma igreja menor e o povo ficava na Praça da
Consolação, né, e depois era uma maneira ou de mais protesto
porque a gente ia da Consolação até a Praça da Sé caminhando e
todo mundo ia em passeata, e com denúncia, com cartaz e faixa e
tudo, né? Aí foi decidido, aí eu concordei30.
No dia 31 de outubro, milhares de pessoas (as cifras variam entre 15 e 30 mil) se
encontraram na frente da Igreja da Consolação para acompanhar o velório e o cortejo,
que contou com muitas faixas e palavras de ordem contra a morte do líder operário,
pelo livre direito de associação sindical e de greve e contra a ditadura. “Dos prédios
caiam papeis picados, um sinal silencioso de solidariedade. Novos manifestantes se
acresciam ao cortejo e as palavras de ordem se sucediam: ‘A Luta Continua’, ‘A polícia
dos patrões matou um operário’, ‘Você está presente, companheiro Santo’”31. A
passeata conduziu o caixão até a Sé, onde o cardeal Dom Paulo Evaristo Arns celebrou
com vários outros bispos uma missa de corpo presente, antes de o enterro seguir para
o cemitério do Campo Grande, na Zona Sul de São Paulo.
A morte de Santo Dias gerou revolta e as manifestações populares que se
seguiram em sua homenagem foram das maiores do período. A população se indignou
diante da violência utilizada pela polícia no ataque contra trabalhadores desarmados e
em luta por melhores condições de vida e trabalho. Os relatos sobre aquela morte
garantem que Santo Dias foi alvejado enquanto tentava negociar com os policiais após
a prisão de alguns manifestantes. A polícia, além de agir com violência na porta da
fábrica, ainda tentou ocultar o corpo. Fracassada essa opção, os agentes da repressão
30
Idem. 31
Boletim do Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, novembro de 1979, p.4. O documento foi disponibilizado pela Comissão da Verdade “Rubens Paiva” do Estado de São Paulo no site < http://verdadeaberta.org/upload/001-copia-carteira-profissional-e-boletim-sindicato-metalurgicos.pdf>. Acesso em 13/05/2015.
15
acabaram por alterar a causa da morte, que foi registrada no 43º Distrito Policial como
morte por "resistência e agressão"32.
Conforme relatório da Comissão Nacional da Verdade, o policial Herculano
Leonel, autor do disparo que matou Santo Dias, foi julgado em sete de abril de 1982 e
condenado a seis anos de reclusão. Em agosto do mesmo ano, o recurso do acusado
foi aceito pelo tribunal, que também decidiu pela anulação da sentença. A promotoria
recorreu, mas o juiz relator manteve o policial impune. Em setembro de 1984 o
Supremo Tribunal Federal arquivou o processo.
32
Informação disponibilizada pela publicação Tempo e Presença do Centro Ecumênico de Documentação e Informação (CEDI), n 155, novembro de 1979, p.4. Disponível em < http://koinonia.org.br/protestantes/uploads/novidades/Tempo-e-Presenca_155.pdf>. Acesso em 13/05/2015.
Imagem 10: No dia 31 de outubro de 1979, manifestantes se concentram na Igreja da
Consolação, onde está sendo velado o corpo de Santo Dias. Foto: Autor desconhecido.
Fonte: Polícia Civil/SP.
16
Imagem 11: Filho de Santo Dias chora sobre
o caixão do pai. No recorte, à direita, uma
imagem da vítima. Foto: Pedro Martinelli.
Fonte: Acervo Veja.
Imagem 12: Ana Dias junto ao caixão do
marido, durante o velório. Foto: Autor
desconhecido. Fonte: Acervo Jornal da Vila.
Imagem 13: No centro de
São Paulo, uma imensa
procissão acompanha o
corpo do operário Santo
Dias no trajeto da Igreja da
Consolação até a Catedral
da Sé. Esta foi uma das
maiores manifestações no
período. Foto: Autor
desconhecido. Fonte:
Polícia Civil/SP.
17
Considerando a história da Igreja da Consolação apresentada por esta pesquisa,
podemos afirmar que a paróquia conseguiu ajudar a sua população em tempos difíceis
e adversos como nos casos citados. Ela se converteu em leito para doentes durante o
surto de cólera, abrigo na Revolução de 1924 e, durante a ditadura civil-militar, foi palco
de um grande protesto que reuniu milhares de pessoas no velório de Santo Dias e na
procissão que se seguiu até a Catedral da Sé. Neste dia, a população se reuniu para
carregar o caixão do operário assassinado, levando faixas de “abaixo a ditadura” e
outras palavras de ordem contra o regime opressor.
Apesar deste importante evento em 1979, a Igreja não permaneceu como um
Lugar de Memória da resistência contra a ditadura para a população e a memória de
Santo Dias segue viva em outros Lugares, como a Fábrica Sylvania, por exemplo. A
Igreja, no entanto, seguiu sua trajetória, buscando atrair melhorias para quem a
frequenta. Mais recentemente, durante a reforma da Praça Roosevelt (vizinha da
Igreja), a Igreja incluiu em suas demandas construir dentro da sua área um espaço de
convivência, com aparelhos de ginástica e brinquedos para crianças33.
Já a respeito de Santo Dias, a memória de sua luta segue viva a partir dos
militantes das Comunidades Eclesiais de Base, que desde 1979 organizam encontros,
caminhadas e visitam o seu túmulo. Amigos de Santo Dias e militantes dos direitos
humanos também fazem intervenções na rua em frente à fábrica onde o operário foi
assassinado, utilizando tinta vermelha pintam a calçada em representação ao sangue
ali derramado34. Além dessas ações, um dos organismos em defesa dos Direitos
Humanos em São Paulo homenageou o operário, intitulando-se “Centro Santo Dias de
Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo”.
ATUALMENTE E/OU ACONTECIMENTOS RECENTES
A Igreja da Consolação passou, desde os anos 1980, por críticas situações
financeiras e a mídia chamou a atenção para o estado precário de preservação do
prédio. Naquele tempo, o centro degradado de São Paulo ajudava a afastar fiéis,
inibindo ainda mais seu orçamento. A Igreja, sem conseguir angariar verbas através de
doações, via sua dificuldade financeira aumentar. Sem recursos para reparos da
infraestrutura básica (como goteiras e infiltrações) nem restauro das suas obras de arte
e painéis, ela, que dependia de doações dos fiéis para continuar realizando suas
atividades, organiza uma série de rifas, sorteios e festas para receber ajuda e conseguir
conduzir suas reformas. Em 1999, o governo do Estado de São Paulo estava
33
Um histórico sobre a trajetória da Praça Roosevelt pode ser lido na reportagem: ZONTA, Natália. A praça é nova. Folha de São Paulo. São Paulo, 01 de outubro de 2011. Disponível em< http://www1.folha.uol.com.br/revista/saopaulo/sp0210201111.htm>. Acesso em 14/05/2015. 34
A notícia está disponível no Portal Repórter Brasil: < http://reporterbrasil.org.br/2007/11/santo-dias-uma-historia-de-vida-que-promete-nao-ser-esquecida/>. Acesso em 14/05/2015.
18
estabelecendo parcerias com a iniciativa privada para investimento na reforma do
telhado, dutos de água e para arrumar as diversas infiltrações do prédio35; um restauro
artístico também estava sendo orçado.
No que se refere à possibilidade de tombamento deste importante patrimônio
histórico, o Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e
Turístico (Condephaat) afirma que não há nenhum estudo de tombamento da Igreja da
Consolação em aberto. Por sua vez, o Conselho Municipal de Preservação do
Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp)
reconhece a existência de um pedido, em análise e ainda sem conclusão, feito em
2003.
ENTREVISTAS RELACIONADAS AO TEMA O Memorial da Resistência possui um programa especialmente dedicado a registrar, por
meio de entrevistas, os testemunhos de ex-presos e perseguidos políticos, familiares de
mortos e desaparecidos e de outros cidadãos que trabalharam/frequentaram o antigo
Deops/SP. O Programa Coleta Regular de Testemunhos tem a finalidade de formar um
acervo, cujo objetivo principal é ampliar o conhecimento sobre o Deops/SP e outros
lugares de memória do Estado de São Paulo, divulgando, desta forma, o tema da
resistência e repressão política no período da ditadura civil-militar.
- Produzidas pelo Programa Coleta Regular de Testemunhos do Memorial da
Resistência
OLIVEIRA, Antônio M. Entrevista sobre militância, resistência e repressão durante
a ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista concedida a
Karina Alves e Marcela Boni em 23/10/2013.
SILVA, Ana Maria do Carmo. Entrevista sobre a Catedral e a Praça da Sé no
contexto da ditadura civil-militar. Memorial da Resistência de São Paulo, entrevista
concedida a Karina Alves e Ana Paula Brito em 30/09/2014.
REMISSIVAS
Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo; Fábrica Sylvania; Praça da Sé; Departamento
de Operações Internas do Centro de Operações para a Defesa Interna (DOI-Codi);
35
Para uma coletânea de reportagens sobre as reformas e os restauros conduzidos na Igreja da Consolação ao longo desses anos, conferir os seguintes links: < http://www.ateliearterestauracao.com.br/a-historia-da-igreja-da-consolacao-pelo-jornal/>; < http://defender.org.br/tag/igreja-da-consolacao?print=pdf-page>. Para fotos da igreja danificada < http://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/3735-igreja-da-consolacao#foto-71591>. Acessos em 14/05/2015.
19
Departamento Estadual de Ordem Política e Social de São Paulo (Deops/SP); Catedral
Metropolitana Nossa Senhora da Assunção de São Paulo - Catedral da Sé; Instituto
Médico Legal (IML/SP).
PLANTAS E MAPAS
Imagem 14: Planta da parte térrea da Igreja da Consolação. Fonte: Cúria Metropolitana da
Arquidiocese de São Paulo.
Imagem 15: Planta da parte
superior da Igreja.
Fonte: Cúria Metropolitana da
Arquidiocese de São Paulo.
Imagem 16: Desenho da fachada
principal da Igreja.
Fonte: Cúria Metropolitana da
Arquidiocese de São Paulo.
20
SUGESTÕES BIBLIOGRÁFICAS
ARQUIDICIOSE DE SÃO PAULO. Paróquia de Nossa Senhora da Consolação.
História da Paróquia. Disponível em:
<http://www.iparoquia.com/paroquia/historia.php?id=2kTM>. Acesso em 06/05/2015.
ATELIÊ, ARTE E RESTAURAÇÃO. A história da Igreja da Consolação pelo jornal.
Disponível em: <http://www.ateliearterestauracao.com.br/a-historia-da-igreja-da-
consolacao-pelo-jornal/> Acesso em 12/05/2015.
CENTRO ECUMÊNICO DE DOCUMENTAÇÃO E INFORMAÇÃO (CEDI). Tempo e
Presença. Rio de Janeiro, n. 155, novembro de 1979, p.4. Disponível em <
http://koinonia.org.br/protestantes/uploads/novidades/Tempo-e-Presenca_155.pdf>.
Acesso em 13/05/2015.
PORTAL DAS ARTES. Um pouco de história da Igreja da Consolação. Disponível
em: < http://www.portalartes.com.br/not%C3%ADcias/867-um-pouco-de-historia-da-
igreja-da-consolacao.html>. Acesso em 12/05/2015.
PREFEITURA DE SÃO PAULO. Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano.
Histórico Demográfico do Município de São Paulo, 2007. Disponível em <
http://smdu.prefeitura.sp.gov.br/historico_demografico/index.php>. Acesso em
11/05/2015.
SINDICATO DOS METALÚRGICOS DE SÃO PAULO. Boletim do Sindicato dos
Metalúrgicos de São Paulo, São Paulo, novembro de 1979, p.4. In: Comissão da
Verdade “Rubens Paiva” do Estado de São Paulo. Disponível em <
http://verdadeaberta.org/upload/001-copia-carteira-profissional-e-boletim-sindicato-
metalurgicos.pdf>. Acesso em 13/05/2015.
SQUEFF, Ennio. A ameaça de penhora. O Estado de São Paulo, São Paulo, 05 de
setembro de 1971, p.42.
SQUEFF, Ennio. No início, Estado sustentava igreja. O Estado de São Paulo, São
Paulo, 05 de setembro de 1971, p.42.
DADOS DA PRODUÇÃO
Produção do Texto: Thiago Monteiro; Ano: 2012
Atualização de Conteúdo: Julia Gumieri; Ano: 2015
Revisão: Camila Djurovic; Ano: 2017
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COMO CITAR ESTE DOCUMENTO: Programa Lugares da Memória. Igreja Nossa
Senhora da Consolação. Memorial da Resistência de São Paulo, São Paulo, 2015.