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MEME SILVIA MACHETE faz música safada para corações românticos. Viaje pelo mundo sem pagar hospedagem com o Couch Surfing. BRUSCHETTA Aprenda a fazer essa receita italiana e impressione seus amigos. O futuro é ANALÓGICO! Descubra os efeitos do vazamento de luz, possível somente em fotos com filme. Edição 01 - novembro 2010 - R$2,50

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Revista voltada para estudantes universitários, criada como projeto de conclusão do curso de Design gráfico na UNESP de Bauru

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Page 1: MEME ed.1

MEMESILVIA MACHETE faz música safada para corações românticos.

Viaje pelo mundo sem pagar hospedagem com o Couch Surfing.

BRUSCHETTAAprenda a fazer essa receita italiana e impressione seus amigos.

O futuro é ANALÓGICO!Descubra os efeitos do vazamento de luz, possível somente em fotos com filme.

Edição 01 - novembro 2010 - R$2,50

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pontes, placas de trânsito, árvores, nuvens, luz e sombra.

Nada é original.Roube de qualquer lugar que ressoe com inspiração

ou abasteça sua imaginação. Devore filmes antigos, filmes novos, música, livros, pinturas, fotografias,poemas, sonhos, conversas aleatórias, arquitetura

Selecione para roubar somente coisas que falemdiretamente com sua alma. Se fizer isso, seu trabalho(e roubo) será autêntico. Autenticidade é inestimável,originalidade não existe. E não se preocupe em

dissimular seu roubo - celebre-o se você tiver vontade.Em todo caso, lembre-se da frase de Jean-Luc Godard:“Não importa de onde você tira as coisas - o queimporta é para onde você as leva”

- Jim Jarmusch

MEME Ajudando você a escolher seu

próprio caminho

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EditorialNotícias da redação.

AchadosProjetos legais e ideias criativas pra você admirar e se inspirar.

FilosofiaSe você anda angustiado, saiba que isso é resultado da sua liberdade. Confuso? Leia o texto e entenda esse paradoxo.

CinemaFilmes fora de ordem apre-sentam a história de um jeito diferente e costumam ser bem ágeis. Confira alguns exemplos famosos.

Cursos ExtrasDesign e tipografia andam de mãos dadas. Saiba onde você pode aperfeiçoar a técnica de comunicar com as letras.

CapaSilvia Machete encanta o público com sua performance, bom humor e músicas divertidas. Veja o que ela tem a dizer.

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Sumário

ViagemViajar pelo mundo co-nhecendo pessoas e sem pagar hospedagem. Não acredita? Então confira como funciona o Couch Surfing.

18MúsicaNovidades nacionais e internacio-nais e ainda uma banda que você tem que conhecer!

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ReceitaTrouxemos a bruschetta da itália para matar sua fome.

CrônicaAlgumas coisas existem com o único propósito de nos irritar, tipo dente do siso. Mas será mesmo?

EnsaioQuem disse que uma foto tem que ser tecnicamente per-feita para ser bonita? Esse ensaio mostra como o vaza-mento de luz pode causar efeitos lindos e imprevisíveis.

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ExpedienteMEME

DIREÇÃO GERALMarina Burity [email protected]/burity

REPÓRTERESLaís Montagnana

[email protected]/lmontag

Renata [email protected]

www.twitter.com/renatapenzani

COLABORADORESNetto Gomes

[email protected]/netto_gomes

Caroline [email protected]/caroliland

Paulo [email protected]/zpll

Projeto Experimental de Conclusão de Curso apresentado ao Departamento de Design da

Faculdade de Arquitetura, Artes e Comuicação (FAAC) da Universidade Estadual Paulista (UNESP) para obtenção do bacharelado em

Design Gráfico.

ORIENTADORAProf. Dr. Cássia Letícia Carrara

[email protected]

Novembro, 2010

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Você entrou na faculdade, saiu de casa e começou sua vida universitária. Você finalmente se livrou daquelas matérias que odiava e achava totalmente inúteis e tinha que estudar só para passar no vestibular. Mas aí você descobriu que o pacote “facul-dade” traz muito mais que aquilo que você gosta; traz o descon-hecido. Pessoas, referências, gostos, tudo é novo, tudo é ampli-ado e é fácil se sentir perdido. A MEME surgiu então para ser seu guia. Mas não se engane, não estamos aqui para te apontar o caminho certo. Saiba de antemão: não existe caminho certo. Cada um deve ir para onde quiser. A gente está aqui para te ajudar a escolher o seu caminho. Leia a revista e leve com você aquilo que você achar interessante. E depois, faça algo. Respire referências, descubra o que toca você e use tudo isso para criar algo novo, só seu.

Se você não gostou da seleção que fizemos, mande a sua. A MEME é colaborativa e também é feita por você. Compartilhe com a gente suas ideias, seus ideais.

Nessa primeira edição, você poderá descobrir um jeito barato e divertido de viajar, com o Couch Surfing. Na sessão de cine-ma, perca-se nos filmes que inovam por não seguir a ordem cronológica. Entenda qual é a razão da angústia na sessão de Filosofia e aprenda a fazer uma bruschetta e impressione seus amigos com seus dotes culinários. Depois, veja o que a Silvia Machete tem a dizer. Ela é uma cantora que descobriu como juntar dois mundos que faziam parte dela, a música e o circo, e criou algo único. Em resumo: Inspire-se!

Editorial

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MEME novembro 2010

Marina Burity FranciscoDesigner

[email protected]

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Achados

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MEME novembro 2010

O mundo da música não se baseia somente em sons, mas em visões também. Qualquer cantor sabe que é preciso uma gravata fina para combinar com aquele clave agudo e um blazer que sincroniza com sua batida. O projeto “Conjunto: O Estilo da Música” é uma série de pos-ters feitos por Glenn Michael e James Alexander, ilustrando as roupas usadas por ícones da música como Kurt Cobain, Mi-chael Jackson e Elvis Presley.Você pode comprar a versão impressa no site http://bit.ly/estilomusical

O que sai do cruzamento de um João Bobo com uma escova? Uma escova boba - se ela não fosse,

na prática, muito da esperta. Essas aqui ficam em pé graças a um mecanismo parecido com o do boneco que balança, mas não cai, deixando

as cerdas longe das impurezas da pia. Mais informações no site www.7760.org

Estilo Musical

Escova boba

design. novidades. tendências.

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MEME novembro 2010

Imagine receitas interpretadas por ilustradores e desenhistas. Essa é a proposta do “They Draw and Cook”. São dezenas de receitas de dificuldades variadas, cada uma ilustrada em um estilo diferente. O site é em inglês, mas a maioria das receitas dá pra entender só pelos desenhos. Super bacana! http://www.theydrawandcook.com/

Desenho na cozinha

Destruindo o tempoA designer alemã Su-sanna Hertrich criou um calendário que tritura os dias em tempo real e que ela mesmoa define como “uma máquina do tempo poética”. É só conceitual, mas bem que poderia estar à venda.www.susannahertrich.com/

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Música

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MEME novembro 2010

Sunga é um serviço definitivo: mer-gulha em características da música brasileira para dar originalidade a um CD com cara de internacional – como nenhuma banda brasileira fazia de fato, mas bandas gringas como Friendly Fires já estavam cansadas de fazer. Em meio à batucada, os sintetizadores e linhas múltiplas de vocal surgem de forma genuína e imprevisível, com um equilíbrio que pode ser atribuído à produção do brooklyniano Paul Manson. “Transfinite”, “Let ‘em Shine Below”, “No Brakes” e “She Dances” evidenciam que se trata de um CD para dançar. Mas é no rock ‘n’ roll de “Toothhless Turtles”, na aura world music de “Beaver” e no romantismo de “Who Knows” que os corações podem ser fisgados de vez. É bem possível que quem conhecia a banda pelo clima folk e cru do EP The Green Valley também não se decepcione. Maria Joana Avellar

Holger - Sunga

Quantos discos de bandas novas você consegue ouvir do início ao fim? Depois de dois singles fracos, o Delphic surpreendee consegue trazer um álbum autêntico e escutável-por-mais-de-um-ano para o escasso 2010. Mais uma vez, as maiores apostas do ano decep-cionam e temos um grande disco não esperado em mãos. E não é só a alquimia entre rock e música eletrônica que torna a estreia dos britânicos impecável. Acolyte é um disco de estrutura equilibrada e hermética, as faixas se completam. Músicas como “Red Lights” e “This Momentary” lembram Klaxons, Cut Copy e, principalmente, New Order. O resultado é música longe do vazio habitual, synthpop per-feito. Não é mais um álbum para ouvir três músicas no repeat. Ana Malmaceda

Delphic - Acolyte

Funcionalidade não é objetividade. É com uma afirmação tão cafona quanto os anos 80 que começo a falar sobre o novo trabalho do Scissor Sisters. Partindo da época que construiu a nossa imagem de pista de dança, você sabe o objetivo de Night Work a partir da primeira faixa. Talvez este seja o único problema do disco: sonoridade muito óbvia para atingir o patamar de clássico do pop. Apesar do senti-mento de “já-ouvi- -antes” inerente, o Scissor mudou. Está cada vez mais afastado de qualquer som underground, cada vez mais pop. Night Work não traz nada novo, mas é uma transição inevitável para o grupo. Ouvir “Harder You Get” é como ver uma parada gay. E é maravilhoso, é a dedicação total às pistas de dança. Ana Malmaceda

Scissor Sisters - Night Out

O QUE TEM DENOVO?

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NOVO? Sobre somar e multiplicar. É disso que tratam os dois discos – e não o

disco duplo – que lançam Nina Becker em sua aventura solo. A cozinha

criativa e as guitarras da “escola carioca” da “Do Amor” rendem arranjos

memoráveis, que se somam à voz afinada, capaz de convencer o ouvinte

de todo sentimento que ousa transmitir. A produção, que também une os

talentos de Carlos Miranda, Maurício Tagliari e da própria Nina é que

faz a multiplicação dessas adições. O resultado, nas palavras de Miranda,

pode agradar “quem ama música profundamente” ou quem busca “espírito

de aventura, um universo em expansão”. Há, no pop sofisticado Vermelho

e no sutil Azul expansão suficiente para se redefinir estereótipos de vozes

femininas – tarefa realizada com maestria por “De um amor em paz”. É

Nina pura e noturna. A pergunta que fica, no entanto, parte de um engano

admitido: faz de conta que Azul e Vermelho são discos de um álbum duplo.

Não haveria, então, um mix de canções que resultasse ainda mais forte em

um único disco? Fernando Corrêa

Nina Becker - Azul e Vermelho

Devagar, mas constante, Charly Coombes & The New Breed tem mostrado que trabalho duro sempre paga bem no final. Reunida há pouco mais de um ano, a banda de Oxford, Reino Unido, tem um EP e uma turnê nos EUA na bagagem: “Ter um EP é uma maneira boa de atingir as pessoas, é difícil ter impacto na geração iPod; e também foi ótimo trabalhar com Gaz [Coombes, irmão de Charly e líder do Supergrass], ele é um produtor muito talentoso e conseguiu o melhor de nós”, diz Charly. O EP, intitulado Panic, contém quatro faixas que variam entre músicas que são perfeitas para o verão e músicas que seu pai mandaria você abaixar o volume. O disco, que tem a aparência de um vinil anos 60 do Bowie, mostra logo todo o cuidado envolvido no processo de criação: “Gra-var um álbum é como construir uma casa, você não pode sentar depois e desejar que as coisas fossem diferentes, tudo precisa estar certo.” A banda acredita, também, que hoje em dia o sonho de ser descoberto por alguém muito poderoso é mais difícil e que a receita para o sucesso é o velho do it yourself. “Fomos colocados nessa posição, é a natureza dessa indústria. Agora você tem que ser o seu empresário e o seu agente, e isso te ensina muito, ao mesmo tempo que te estressa muito.” Jake, Rory, Charly e Dave encaram agora mais turnês e possivelmente um novo EP no inicio de 2011. Rayana Macedo

Você tem que conhecer!

Charly Coombes & The New Breed myspace.com/charlycoombes

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O Meio

Existem sempre aqueles filmes que deixam um pouco confu-sos... Mas como o mocinho foi parar ali, se ele estava lá agora mesmo? O que acontece, é que muitos roteiristas usam o recurso de não linearidade cronológica na história contada, para poder

colocar o ponto de vista que querem passar para o espectador. Esses roteiros que parecem todos bagunçados no tempo-espaço são conheci-dos como roteiros não-lineares.

Esse tipo de roteiro é freqüentemente utilizado para imitar lembran-ças e memórias, mas tem sido aplicado nas telonas por outras razões também, como ilustrar de forma inesperada e surpreendente certos mo-

mentos marcantes para o filme, como o ápice da ação.É bem difícil conseguir estruturar um roteiro fora da ordem

cronológica sem confundir o espectador. Ainda assim, existem exem-plos de bons filmes cuja estrutura são não-lineares, como “Kill Bill”, “Pulp Fiction – Tempo de Violência” e “Cães de Aluguel”, do diretor Quentin Tarantino, além de “Os Suspeitos”, “Assas-sinos Por Natureza”, “Corra, Lola, Corra!”, “Magnolia”, o clássico “Cidadão Kane”, “Brilho Eterno De Uma Mente Sem Lembran-

ças”, o brasileiro “Cvidade de Deus”, entre vários outros.

O Final

Por exemplo, o mundialmente conhecido “Amnésia” do diretor Christopher Nolan (de “Batman – O Cava-leiro das Trevas”), produção que ficou conhecido também como o “filme de trás pra frente”, vai muito além disso.

Cinema

FORAORDEMOs roteiros não-lineares estão cada

vez mais presentes no cinema

DENetto Gomes

MEME novembro 2010

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Desenvolvendo-se como um thriller psicológico muito bem trabalhado, o filme tem duas linhas narrativas que se cruzam: as cenas coloridas, em ordem inversa, e as cenas em preto-e-branco, em ordem cronológica. Aliás, influen-ciados pelo boca-a-boca gerado pelo longa, grande parte das pessoas nunca repararam na importância das cenas em ordem “normal”, o que é uma pena, pois Amnésia não vale a pena simplesmente pelo fato de ser ao contrário. Vale porque o roteiro é desenvolvido de uma forma tal que o espectador não só se acostuma com aquela forma de ver as coisas como fica tenso para saber o começo da história, algo bizarro, mas digno de aplausos.

Outro que também faz sucesso entre os roteiros fora da ordem cronológica é “Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças”. Também conhecido pelas alcunhas “Aquele filme que o Jim Car-rey é sério” e “Aquele filme com nome comprido”, a produção já é considerada cult, mesmo não tendo nem 10 anos desde seu lan-çamento. Quando isso acontece, pode se ter certeza que o filme vale o título. Foi um dos primeiros filmes a utilizar a técnica da não-linearidade no roteiro para desenvolver um romance, e sem deixar o espectador perdido ao mesmo tempo em que faz com que o mesmo se envolva na história dos dois.

Há produções nacionais que utilizam roteiros não-lineares tam-bém. Melhor filme brasileiro da década de 2000, “Cidade de Deus” é também aclamado por inúmeras pessoas de fora do país. Para se ter uma ideia, é hoje 17º melhor filme da história, segundo o IMDb (In-ternet Movie Database, o maior acervo de informações sobre cinema online do mundo – www.imdb.com). E grande parte desse êxito é devido à narrativa fragmentada, um pouco diferente das citadas acima, mas que definitivamente se encaixa no tema.

Outro filme que virou ícone com este recurso marca a estreia de Quentin Tarantino nos cinemas, e é também seu melhor tra-balho como roteirista. “Cães de Aluguel” conta com uma “cena principal” dentro de um galpão, a partir da qual nós, espectadores, somos lançados a uma história que os personagens conhecem, mas nós não. E aos poucos, a história vai se encaixando de forma perfeita, fazendo com que terminemos o filme com todos os acontecimentos em ordem em nossas cabeças.

O Começo

Os roteiros não-lineares têm ganhado cada vez mais espaço no cinema em todo o mundo. Esse pode ser o início de uma onda de idéias originais e bem montadas para a sétima arte... ou pode estar na metade dessa onda! Será que é o final?

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COUCHsurfingQuer viajar e tá com pouca grana? Quer conhecer mais da cultura local com os nativos? Quer fazer amigos no mundo inteiro? O Couch Surfing proporciona isso e muito mais.

Viagem

Marina Burity

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Não seria bom ter um amigo em cada país do mundo, e poder viajar sem ter que se preocupar com hospedagem? É mais ou menos isso que o Couch Surfing, ou “surfe de sofá”, propõe.

Os surfistas de sofá são pessoas que oferecem suas casas (e sofás) para pessoas do mundo inteiro ficarem hospe-dadas. O site existe desde 2004 e funciona com a ajuda de voluntários e doações. Ele conecta viajantes com mo-radores locais em mais de 230 países e territórios no mundo inteiro e hoje já conta com mais de um milhão de membros.

A missão da organização, mais que oferecer uma alternativa barata de hospedagem, é proporcionar ex-periências inspiradoras. “Nós temos uma visão do mundo em que todos podem explorar e criar conexões significa-tivas com as pessoas e lugares que eles encontram. Cada

“Participe na criação de um mun-do melhor, um sofá de cada vez”experiência trocada por um membro do Couch Surfing nos aproxima dessa visão” declara no site um dos funda-dores, Casey Fenton. Ambos os lados são beneficiados ao participar do Couch Surfing. Anfitriões tem a oportu-nidade de conhecer pessoas de todo o mundo sem sair de casa e os “surfistas”, ou viajantes, podem participar da vida local dos lugares em que eles visitam. Essas trocas são uma forma rica e única de interação cultura.

Se você não tem um sofá para oferecer para ou-tros viajantes, pode participar do site mesmo assim. O único pedido dos organizadores é que você pense em oferecer seu sofá algum dia na sua vida, já que a comu-nidade funciona na base da reciprocidade. E claro, que tenha a mente aberta a diferenças culturais.

Agora, a primeira pergunta que surge na cabeça das pessoas ao saber desse sistema é: “Será que é se-guro?”.

Os membros prezam bastante pela sua segurança e o site é um jeito muito mais seguro para conhecer pes-soas do que parece a princípio. Como uma comunidade, os surfistas ajudam a se proteger compartilhando infor-mações. Com o site, é como se você estivesse conhecen-do um amigo do seu amigo. Você tem a chance de ler as experiências dos outros membros com essa pessoa, tanto positivas como negativas. Cada membro tem um perfil repleto de informações sobre seus interesses e perspec-tivas, e é possível se conectar com eles tanto quanto você quiser antes de conhecê-los pessoalmente.

O site ainda conta com o ícone vouch (garantia). Esse ícone indica um laço forte entre dois membros e é um sinal de confiança. Quando você dá essa garantia a outro membro, você indica que você suporta todas as ações dele. Tudo que ele faz, bom ou mal, reflete nas pessoas que deram essa garantia a ele, portanto é uma

ferramenta usada com bastante discernimento. O site ainda checa o nome e endereço dos membros e disponibi-liza um fórum onde as pessoas compartilham as tentativas de fraude.

O maior atrativo desse esquema é realmente a troca cultural. Se hospedando na casa de um morador local, você será mais que um turista, poderá vivenciar a cidade como ela realmente é. Você poderá receber dicas daqueles lugares que não são mencionados em guias e se inserir na rotina local. Recebendo um morador, você estará em contato com outra cultura e outros hábitos e estará aprendendo ao mesmo tempo que ensina. Além disso você poderá compartilhar um pouco de você e da sua vida com outra pessoa que você normalmente não conheceria.

Se interessou? Veja na próxima página as dicas para se tornar um Couch Surfer. >>>>

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Você pode colocar as regras que quiserDecida os limites que você quer impor e escreva

tudo no seu perfil. É baseado nessas informações

que os viajantes vão fazer os pedidos para se hos-pedar com você.

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Se você vai RECEBER viajantes

Se você vai SE HOSPEDAR no sofá alheio

Para saber mais acesse: www.couchsurfing.org

Antes de ir em frente, confira essas dicas:

Crie um perfil completoCrie sua conta e faça contatos antes de cair na estrada. É bem mais fácil conseguir um sofá quando você tem um feedback de outros mem-bros no seu perfil.

Não deixe pra última horaVocê deve procurar sofás pelo menos uma semana antes de partir. Escreva um pedido personalizado para ter mais chances de ser aceito. No site existem dicas de como escrever um bom pedido.

Planeje flexibilidadeOs membros podem não te hospedar

pelo tempo que você gostaria e em algumas

cidades pode ser muito difícil achar algum

sofá. Couch Surfing pode ser imprevisível -

e essa é parte da graça!

Tenha dinheiro reservaPlaneje-se para a possibilidade de ficar em um hostel caso não consiga um anfitrião ou algo inesperado aconteça. E tenha sempre com você um guia e um mapa da cidade.

Seja francoSe o viajante tomar alguma atitude que te incomode, converse com ele. Na maioria das vezes, a atitude incômoda é resultado de diferenças culturais. Em último caso, você tem o direito de pedir

pra pessoa sair.

Leia os pedidos com atençãoAnalise com cuidado os pedidos e os perfis dos in-teressados. O melhor jeito de evitar problemas é escolher quem você quer e quando você quiser.

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Como foi o seu começo de carreira?Eu vim para o Brasil depois de ter morado muito tempo fora, lá eu trabalhava com teatro de rua e circo. Decidi que queria cantar depois que fiz o papel de uma cantora em uma peça circense em Nova York. Mas eu sempre cantei desde pequena e sempre tive o sonho de ser cantora. E depois de voltar para o Brasil e de ter me separado do meu parceiro de longa data, eu resolvi vir pra cá e realizar esse sonho, e aí foi que eu gravei o meu primeiro CD, o “Bomb of Love”, e depois o DVD “Eu não sou nenhuma santa”, e agora eu estou mo-rando aqui no Brasil.

Já se apresentou fazendo performances em mais de trinta países, como foi a recepção lá fora? No exterior as pessoas respeitam mais os artistas?O público é muito carinhoso sempre, não interessa onde você está. Eu acho que lá fora realmente tem um valor muito forte a cultura, é claro que você é muito bem recebido quando você é de fora, assim como a gente recebe as pessoas de fora. Nós fo-mos muito bem recebidos, é muito bom ser artista brasileiro lá fora.

Como nasceu a ideia de unir música à per-formance?Foi uma coisa muito natural, como eu já fazia a performance, depois que eu fiz esse papel de can-tora numa peça, eu realmente decidi: “Não, eu

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MEME novembro 2010

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Suas músicas têm um bom tom de humor, é esse o jeito que você encontrou para tratar de uma forma mais leve o amor?É, eu acho que eu tento escrever e passar na música um pouco desse amor contemporâneo que a gente vive, que apesar de leve é muito profundo. Eu vou a fundo nas minhas relações, mas tem que também ter leveza, tem que ter humor... Eu acho que amor sem humor não funciona.

O que você definiria que é influência chave na sua música?Ai, eu não sei... Tem uma mistura muito grande, porque ao mesmo tempo em que eu tenho con-tato com algumas músicas que não são brasileiras, eu sou muito brasileira... Eu amo Bororó, Marcos Valle, Hyldon... Eu acho que eu gosto de fazer música feminina e engraçada também.

Você ouvia muita música em casa?Eu ouvi muita música com meus pais, meu pai to-

O repertório do seu primeiro CD é super eclético, você canta até em inglês, por que cantar em inglês?Ah, eu sei falar em inglês então por que não cantar em inglês? E é uma outra forma de cantar, a voz quando você canta em inglês ela está colocada de outra forma, então é legal poder cantar em outras línguas, eu canto em francês, eu pretendo apren-

Você é uma mistura de ritmo e estilos, é “santa e devassa”, como definiria o seu som?Eu ouço muita música, e eu me inspiro em várias coisas, como a Johnny Michel que é uma cantora canadense folk, e ouço coisas que me tocaram muito como David Byrne, mas ouço também som nacional como Caetano Veloso... Eu gosto de música e eu aprendo muito ouvindo música, então na hora de fazer um repertório eu estou tocando aquilo que me toca de alguma forma ou porque eu me divirto muito ou porque eu me identifico com aquilo. Eu tenho a impressão de que meu ultimo CD que acabou de sair é bem mais maduro que o primeiro, então é uma questão de evolução.

O subtítulo do deu primeiro álbum é: “Música safada para corações românticos”, como você explica esse subtítulo?É um pouco de como eu vejo o brasileiro, é um povo muito romântico e ao mesmo tempo safado, mas é uma safadeza muito bonitinha, sem coisas ruins, é uma coisa muito boa.

tenho que ser cantora e fazer um show diferente com essas coisas que eu já faço”. Então juntei todas as coisas que eu sei fazer e coloquei tudo numa coisa só.

der uma música em alemão, eu gosto dessa pos-sibilidade de poder misturar um monte de tipos de músicas.

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Qual é o álbum não sai do seu cd player?No momento eu tenho ouvido o Soft Machine, que é uma banda dos anos 70 bem rock’n’roll que é linda, é incrível. Eu quero até fazer alguma coisa com as músicas deles.

O cenário da MPB atual vive um boom de vozes femininas...É, e eu acho todas umas chatas, confesso logo de uma vez, é sempre a mesma coisa, tirando algumas exceções. Todas cantam bem e são ótimas cantoras, mas falta personalidade, acho que porque elas são muito jovens.

Rio de Janeiro ou Nova York?(Risos) Páreo duro! Deixa-me explicar: quando eu estou em Nova York eu penso no Rio, quando eu estou no Rio eu penso em Nova York!

Quatro anos separam Extravaganza de Bomb of Love - Música Safada para Corações Românticos (2006), disco de estreia da artista, e as incertezas acerca do lançamento se fizeram presentes. “Este é um trabalho que foi desafiador, por ter que me firmar como uma cantora”, conta ela. Machete, contudo, decidiu seguir seu feeling, mesmo tendo a visão de que as vias mais fáceis para o sucesso pos-sivelmente seriam aquelas com as quais o público poderia se encontrar mais familiarizado.

A cantora não quis o básico para seu novo disco. Ao ouvir a faixa “Tropical Extravaganza”, a porção latina do álbum se mostra mais evidente, até em tom de deboche - contando com metais marcantes e diversos “ai, ai, ai”. Entretanto, é em sua versão para “A Cigarra”, homenagem feita à argentina Mercedes Sosa, que Silvia Machete passa por outro tipo de sonoridade, resgatando as influências latinas, mas sem recorrer a estereótipos. A marimba, comumente encontrada nas produções musicais latino-americanas, também marca presença no disco. “É um instru-mento bastante extravagante”, caracteriza.

Segundo ela, montar um álbum que passasse pela latinidade e ao mesmo tempo por faixas com mistura de marchinhas ao rock (como é o “Vou pra Rua”), baladas (“Feminino Frágil”, composta com Erasmo Carlos), um clássico de Itamar Assumpção com cara nova (“Noite Torta”) e aspectos circenses (“Sábado e Domingo”) consistiu em um exercício de quebra-cabeças. “Você levanta várias músicas, ensaia e vê o que é mais coerente”, explica. Além do passeio pelos sons diferenciados, Machete também não se vale do “mais do mesmo” na hora de buscar canções antigas para regravações. Além dos já citados Itamar Assumpção e Mercedes Sosa, ela presta homenagem a Jorge Mautner, com a nada ingênua “Manjar de Reis”. “Adoro procurar as coisas escondidas e há tanto material bom”, diz.

O tropical sacana de Silvia Machete

cava violão e minha família é totalmente musical, meus irmãos são músicos: um toca com o Mar-tinho da Villa outro com Martinália... Então foi quase impossível não entrar para esse mundo, eu até tentei resistir, tanto que eu entrei tarde, aos trinta.

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Ensaio

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Vazamento de luz, ou light leak, é o nome dado quando a luz entra na câmera fotográfica e super expõem o filme, deixando manchas na foto.

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É geralmente considerado um problema grave, que deve ser resolvido com a ve-dação das câmeras. Mas os adeptos da lomografia e proprietários de câmeras como a Holga consideram esses vazamentos artísticos e um imprevisto bem-vindo.

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Lomografia é um mo-vimento mundial de pessoas que não abandonaram as câmeras analógicas e os filmes. Mais que isso, essas pessoas utilizam as chama-das “toy câmeras”, câmeras de plástico sem precisão e sem qualidade técnica, que produzem fotos surreais e fantasiosas. A graça está na imprevisibilidade, em tirar a foto sem pensar e não saber como ela vai ficar.

Para saber mais:www.lomography.com.br/

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http://www.flickr.com/photos/stephaniekac/

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Ao longo do século 20, poucas correntes filosóficas fizeram tanto sucesso quanto o existencialismo – escola de pensamento que sublinha a reflexão sobre o absurdo da vida humana, deixando de lado a busca pela verdade suprema ou o bem absoluto. Após duas guerras mundiais, genocídios, fracassos ideológicos e algumas bombas atômicas, esse ele-gante evangelho do desespero caiu no gosto de pensadores profissionais e leigos. No século passado, a figura mais célebre do cânone existencial foi sem dúvida o materialista Jean-Paul Sartre: graças a ele, o existencialismo acabou associado a um ateísmo militante que, em momentos extremos, beira a intolerância contra qualquer forma de religiosidade. Vale lembrar, no entanto, que o pai do pensamento existencialista moderno não foi um ateu, nem mesmo um agnóstico, mas um homem fervorosamente reli-gioso que via no cristianismo sincero uma afirmação de individualismo e rebeldia: o dinamarquês Soren Kierkegaard (1813-1855).

Inimigo declarado de todos os sistemas, Kierkegaard escreveu uma obra cheia de exaltação, espiritualidade e agonia. Seus livros são, ao mes-mo tempo, um dilacerante testemunho de fé e uma virulenta zombaria contra a sociedade europeia do século 19. Para ele, a triunfante feiura da Revolução Industrial e a empolada moralidade da burguesia estavam criando uma civilização de pseudoindivíduos acostumados a viver sem paixão e conformados com o próprio tédio. Em um de seus textos, ele escreve com delicioso azedume: “A maior parte da humanidade hoje é composta por chatos. E ninguém será tão chato a ponto de negar essa verdade”. Foi por causa de sua arrasadora honestidade intelectual que esse cristão chegou a influenciar, 100 anos após sua morte, toda uma geração de descrentes. Com efeito, o pensamento de Kierkegaard tem ressonâncias que vão muito além da fé (ou da falta dela). Isso porque o

Para o filósofo dinamarquês, a angústia é o fruto eston-teante da liberdade humana. Descubra esse paradoxo

José Francisco Botelho

Filosofia

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tema mais prolífico e eloquente na obra do cris-tianíssimo rebelde dinamarquês é um daqueles assun-tos que jamais envelhecem, e que podemos realmente chamar de universais: a angústia da condição humana.

Mal de família

Para compreender o gênio conturbado de Kierkeg-aard, é preciso entreabrir o baú de sua história familiar. Michael Kierkegaard, pai do filósofo, nasceu na mi-séria nas charnecas gélidas da Jutlândia, no norte da Dinamarca, e passou a infância pastoreando rebanhos alheios debaixo de chuvas, ventanias e granizos. Era um garoto profundamente religioso e, por isso mesmo, não compreendia como Deus podia tratá-lo com tanta indiferença. Rezava constantemente por uma vida me-lhor, mas seus apelos pareciam cair em moucos ouvidos divinos. Certo dia, quando tinha 10 anos, Michael se revoltou contra aquela cósmica falta de consideração: subiu à encosta de um penhasco e, com o punho ergui-do contra o céu ventoso e gelado, lançou uma terrível e solene maldição contra Deus.

Nos anos seguintes, Michael Kierkegaard mudou-se para Copenhague e tornou-se um comerciante imensamente rico. Mas a lembrança de sua épica blasfêmia perseguia-o como uma sombra. Acabou se convencendo de que a maldição se voltaria contra ele: Deus, mais cedo ou mais tarde, haveria de punir sua petulância. A sina familiar sustentou sua paranoia: ele se casou duas vezes, e duas vezes tornou-se viúvo; dos sete filhos que teve, cinco morreram ainda moços. Um dos sobreviventes foi precisamente o caçula Soren – que teve uma infância soturna, marcada pelas mortes consecutivas dos irmãos e assombrada pelo tempera-mento sinistro do pai.

Soren Kierkegaard herdou a religiosidade ator-mentada de Michael e passou a juventude obcecado pelo pecado e a culpa. Sua tábua de salvação foi a filo-sofia. Ainda moço, entregou- se ao estudo dos pen-sadores gregos. Tinha especial apreço por Sócrates – com ele, aprendeu a esgrimir a lâmina da ironia. Nos anos seguintes, o sarcasmo e a maledicência erudita serviriam ao retraído Soren como uma espécie de es-

cudo contra o mundo. Aos 24 anos, Kierkegaard quase conseguiu livrar-se

de sua herança de culpa e melancolia: foi nessa época que se apaixonou por Regine Olsen, uma garota bela, culta e abastada. Após um namoro platônico, ambos noivaram. Dois dias após o noivado, contudo, Kierkeg-aard teve uma misteriosa crise de pânico. Subitamente, o compromisso pareceu-lhe um grande erro – e Soren acabou por repudiar Regine sem qualquer explicação. Até hoje ninguém sabe ao certo por que o filósofo re-jeitou a mulher que amava.

Seja como for, o fato é que Kierkegaard acredita-va-se incapaz de levar uma vida normal. Em vez de lamuriar-se, contudo, ele resolveu transformar sua miséria em objeto de reflexão. Se seu destino era a in-felicidade, ele seria apaixonadamente infeliz – o que, em todo caso, parecia-lhe mais interessante que ser alegremente tedioso.

Existência X essência

Ao longo dos 20 anos seguintes, mergulhado na solidão, remoendo suas frustrações e pensando sempre em Regine Olsen (que se casara com outro homem), Kierkegaard lançou as bases do existencialismo mo-derno em obras como Ou Isso ou Aquilo, Tremor e Te-mor e O Conceito de Angústia. Para compreender sua obra, antes é preciso recapitular duas ideias de imensa importância para toda a história do pensamento: os conceitos de “essência” e “existência”.

Ao escrever seus Diálogos, no século 5 a.C., Platão

E é nessa incapacidade de prever, de explicar

ou de controlar nossa própria estadia sobre a Terra que Kierkegaard

baseia seu conceito de angústia.

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legou à filosofia a divisão entre o mundo das coisas e o mundo das ideias – ou seja, entre os seres con-cretos e os conceitos racionais. Para Platão, as ideias são anteriores (e superiores) às coisas. Os indivíduos seriam apenas manifestações mais ou menos confusas e deturpadas de conceitos gerais, ou “essências” – por isso, esse viés filosófico foi chamado de “essencialis-mo”. Ao longo dos séculos, esse modo de pensar levou à construção de grandes sistemas abstratos em que a existência individual se dilui na generalização: sob tal ponto de vista, a ideia unificada de “humanidade” seria mais importante e significativa do que as estranhezas e particularidades de cada um dos 6 bilhões de seres humanos que hoje habitam a Terra.

Foi contra essa obsessão de unanimidade que Ki-erkegaard se rebelou. Para o filósofo dinamarquês, o que realmente importava não era a essência do todo, mas a existência de cada ser em particular – inclusive naquilo que possa ter de excêntrico, de louco e de inclassificá-vel. A existência é, precisamente, aquilo que escapa ao crivo do pensamento, o cerne irracional que torna cada criatura única, insubstituível. As verdades subjetivas – próprias e inseparáveis de cada ser humano – são mais importantes que as verdades objetivas: a ideia geral de humanidade pode servir para livros de biologia ou manuais psicológicos, mas jamais dará conta de explicar ou definir plenamente um único indivíduo. Nós somos ou fomos criaturas ferozmente singulares, irredutíveis a ideias abstratas. Somos, fomos e seremos, no fundo de nós mesmos, inexplicáveis. E também imprevisíveis: já

que a Razão não nos decifra, já que os conceitos não nos enquadram, como poderíamos quantificar a nós mesmos? E é nessa incapacidade de prever, de explicar ou de controlar nossa própria estadia sobre a Terra que Kierkegaard baseia seu conceito de angústia.

Angústia terapêutica

Segundo Kierkegaard, a angústia é o fruto eston-teante da liberdade humana. Para compreender essa ideia aparentemente contraditória, é preciso esmiuçar a ambígua teologia do cristão mais amado pelos ateus. Kierkegaard acreditava apaixonadamente em Deus, mas também afirmava que sua existência não podia ser provada pela razão. A divindade de Kierkegaard estava além da inteligência humana – e de nada adiantaria recorrer a Ele em busca de dicas ou soluções para nos-sos dilemas. Nesse sentido, o livre arbítrio do ser hu-mano é absoluto e inviolável: Deus jamais interfere em um único ato de suas criaturas, por mais desastrosas que venham a ser suas consequências. Quando Adão mordeu a fruta proibida, cometendo o pecado original e condenando toda sua descendência a uma história de barbaridades e sofrimentos, a mão de Jeová não se es-tendeu para impedi-lo – e a culpa disso tudo não jaz na omissão divina, mas na escolha de nosso tataravô mítico.

Alguém poderia argumentar: mas, antes de comer a fruta proibida, Adão desconhecia o bem e o mal; como poderia adivinhar que sua escolha traria milênios de desgraça? E é precisamente aí que se encontra a origi-nalidade de Kierkegaard. Para ele, a cada momento de nossas vidas, somos como Adão no Paraíso, com o ter-rível pomo nas mãos, obrigados a fazer escolhas poten-cialmente catastróficas – e sem nenhuma força superior que nos guie e coordene, ou que ao menos nos impeça de errar. Distante de Deus, e perante a falência da razão, o homem carece das ferramentas necessárias para se as-segurar de que escolhe o caminho certo. A angústia é, precisamente, a consciência dessa liberdade sem freios, sem bordas e sem qualquer segurança – a tontura diante do abismo de possibilidades que se abre diante de nós a cada segundo.

Se o homem fosse um animal ou um anjo, não sentiria angústia. Mas, sendo uma síntese, an-gustia-se. E tanto mais sente a angústia, quanto mais humano for.

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No entanto, Kierkegaard não vê a angústia como uma patologia a ser curada – para ele, meditar sobre nossa sombria companheira pode ser terapêutico. “Aprender a angustiar-se é uma aventura que todos têm de experi-mentar”, escreve ele. “O homem educado pela angústia chegou ao supremo saber: ele compreende que não pode exigir absolutamente nada da vida; que o horror, o ani-quilamento e a perdição moram ao lado, e que o mesmo ocorre com todos os homens”. A sabedoria existencial está em aceitar nossa insegurança como a outra face de nossa liberdade – uma espécie de barganha entre Deus e suas criaturas. Condenado a dar saltos no escuro, o homem tem de assumir plena responsabilidade pelos inevitáveis erros de sua frágil inteligência – lembrando que, a cada segundo, pode enterrar os dentes no fruto fatídico.

Em seus últimos anos, Kierkegaard afundou ainda mais no ostracismo. Em uma série de artigos publicados na imprensa, lançou ataques à moral protestante, e suas diatribes lhe renderam a execração pública – coisa de pou-ca monta para um homem que sempre fora solitário. O único ser humano cuja opinião lhe importava talvez fosse Regine, a mulher que ele continuara amando por toda vida, sem jamais ter coragem de lhe explicar seus confusos sentimentos. Viu-a pela última vez em 1855, num passeio pelas ruas de Copenhague. Regina estava prestes a sair do país, pois seu marido fora apontado para um posto administrativo no exterior. O filósofo e sua musa cum-primentaram-se cortesmente. “Que Deus o acompanhe, e que tudo corra bem para você”, disse Regine, e se foi. Nunca mais se falaram. Kierkegaard morreu oito meses depois, assombrado até o fim pela misteriosa renúncia à mulher amada – uma dessas escolhas irracionais e arbi-trárias que, segundo o próprio filósofo, norteiam a pas-sagem do homem sobre a Terra. Kierkegaard bebeu até a última gota seu cálice de angústia, seguindo à risca seu próprio ideal de humanidade. Pois, como ele escreveu em um de seus tratados: “Se o homem fosse um animal ou um anjo, não sentiria angústia. Mas, sendo uma síntese, angustia-se. E tanto mais sente a angústia, quanto mais humano for”

A angústia é, precisa-mente, a consciência dessa liberdade sem freios, sem bordas e

sem qualquer seguran-ça – a tontura diante do abismo de possi-

bilidades que se abre diante de nós a cada

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Cursos extras

DESIGNMuitas vezes o que distingue um bom designer do excelente é o bom uso da tipografia. E para isso é necessário conhecer muito bem a família das fontes, a utilização adequada a cada tipo de trabalho, e perceber facilmente como e onde utilizar determi-

nada fonte. São as sutilezas que fazem a diferença.No país existem várias opções de cursos voltados pra essa área.

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Esse é um projeto que busca promover a cultura tipográfica brasileira. Em seis anos, o Tipocracia já passou por mais da metade dos estados brasileiros, e teve edições realizadas em Viena e Portugal. Mais de 1000 pessoas já

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O Curso Básico de Fontlab aborda aspec-tos teóricos e práticos do desenvolvimento de uma fonte digital. O participante será apresentado às ferramentas, técnicas de desenho de caracteres a mão e formatos de fontes, utilizando o software FontLab para realizar exercícios e produzir digitalmente sua tipografia.A grade conta com anatomia básica dos tipos, técnicas de desenho, apresentação e prática do FontLab e noções de espaçamento.O curso é ministrado por Eduílson Coan.www.tipocracia.com.br/mais/fontlab/

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Ingredientes

> pão italiano> tomate> cebola> queijo mussarela> azeite> manjericão

Modo de preparo

Corte o pão italiano em fatias não muito finas e espalhe-as numa assadeira grande. Corte a cebola e o tomate em cubinhos e espalhe nas fatias. Jogue azeite por cima. O queijo vai em seguida. Ele pode ser cortado em cubos ou a fatia fininha pode cobrir todo o pão. Por último coloque o manjericão (que pode ser substituído por oré-gano) e deixe no forno médio de 15 a 20 minutos. Tá pronto!

Essa é uma receita adaptada da Bruschetta. Originária da região central da Itália, a Bruschetta original é frita, mas para torná-la mais saudável, foi convertida à assada. Essa receita é super fácil e rápida de ser feita e serve como aperitivo ou jan-tar, para servir os amigos ou comer sozinho.E você pode ainda ainda fazer a sua própria versão, trocando os ingredientes pelo que você preferir. Fácil e versátil!

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Crônica

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Hoje me sinto ridiculamente hu-mana. Meu dente do siso, chamado “dente do juízo”, irrompeu na minha gengiva. Um pouco tardio, é ver-dade, mas veio, e não é pela demora

que se tornou mais bem quisto, mais necessário. Continua dispensável, fugaz, inútil, avermelhando a gengiva que o rodeia. E, ainda assim, lá está, atrás de todos os dentes, ocupando um espaço morto na minha boca. Um zero à esquerda, não fosse verdade que está à direita. Veio, e veio sozinho. Seus únicos comparsas ainda se escondem, inclusos, fincados nas profundezas do meu abismo bucal, descober-tos apenas por Raio-x, os covarde. O dente do siso faz parte dessa quantidade enorme de coisas que não mudam o curso da humanidade em nenhuma medida, que não fazem bem e não chegam a fazer mal: cócegas na grande trama universal. É como o cravo no beijinho, o dente do siso, absolutamente gratuito. Não consegue nem mesmo angariar uma cárie, como o fazem os outros dentes, que, investi-dos de uma fome insaciável de glicose, se deliciam com todo tipo de açúcar. O dente do siso não dura tanto. E nem mesmo as comidas chegam até onde eles estão, parando nos primeiros dentes, maiores e mais espaçosos. O siso morre virgem, triste, des-respeitado. Pequeno absurdo que nos compõe. Outro mistério sobre ele é que nunca sabem como grafá-lo. Dentes do “cizo” e do “sizo” pululam aos montes em suas ortografias tortas sem que nin-guém dê conta do erro. Nem mesmo os gramáticos os tais dentes parecem abalar. Mas, nesse momento, me abalam, e contrariam toda a lógica das coisas que não fazem mal, mas não chegam a fazer mal. O dente chegou, abalou a rotina dos meus dentes que

Desisto. Morre hoje minha última esperança de dar alguma dignidade à minha raça. Esperei, tive cautela. Vim no momento

em que a serenidade predominava na pessoa em questão, hospedeira de minha odontológica missão pelo bem de meus pares. Só o que consegui foram dores de cabeça, inchaços dolorosos, palavrões. Não entendem que sou imperfeição necessária, que faço parte desses pequenos absurdos que os compõem. Para eles, sou imprestável. Sou como um cravo no beijinho: subestimado e injustiçado. O que é irôni-co é que lamento este pequeno drama enquanto caminho em direção à clínica onde arrancam todos que são como eu. Mas, munido de coragem e anos de repressão acumulada, dou fim ao dilema. Daqui, eu não saio. – pensava o pequeno dente, lembrando Clarice: “até cortar os defeitos pode ser perigoso – nunca se sabe qual o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”.

estavam acostumados a ter espaço para se esticar, me rendeu uma íngua e ainda descansa, ileso, sob as honras de “dente do juízo”. Nem juízo ele trouxe, nem um pouquinho que seja, já que escrevi mais de 1600 caracteres sobre um pequeno pedaço de cál-cio enraizado na minha gengiva – mas temos de ser justos com as bobagens, se quisermos escrever sobre o gênero humano; estaríamos suprimindo grande parte de sua verdade se as ignorássemos sempre. O irônico é que lamento este pequeno drama en-quanto dirijo a caminho do dentista. O dente do juízo me venceu, mudou a minha rotina, mas, agora, munida de espátulas, anestésicos e algodão, dou fim ao dilema.

(pausa para um pequeno absurdo)Renata Penzani

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