melo,lucas.arte urbana pos-fotografia digital e redes sociais
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LUCAS VINÍCIUS DE MELO SOUZA
ARTE URBANA PÓS-FOTOGRAFIA DIGITAL E REDES SOCIAIS
BRASÍLIA
2012
LUCAS VINÍCIUS DE MELO SOUZA
ARTE URBANA PÓS-FOTOGRAFIA DIGITAL E REDES SOCIAIS
Trabalho apresentado à Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em Artes Visuais sob orientação da professora Luciana Paiva.
BRASÍLIA
2012
LUCAS VINÍCIUS DE MELO SOUZA
ARTE URBANA PÓS-FOTOGRAFIA DIGITAL E REDES SOCIAIS
Trabalho apresentado à Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, como requisito parcial à obtenção do título de Licenciado em Artes Visuais sob orientação da professora Luciana Paiva.
Aprovado em: _________ Conceito: _________
BANCA EXAMINADORA
_________________________________________________
Profª. Luciana Paiva Faculdade de Artes Dulcina de Moraes
ORIENTADOR
_________________________________________________
Prof. João Angelini Faculdade de Artes Dulcina de Moraes
EXAMINADOR
_________________________________________________
Profª. Adriana Vignoli Centro Universitário IESB
EXAMINADOR
BRASÍLIA – DEZEMBRO 2012
Ao meu pai,
Amador
A minha mãe,
Magda Suely.
A minha avó,
Hilda.
Em memória de Gilvan Melo (1993 – 2012)
AGRADECIMENTOS
A minha mãe, Magda e a minha avó, Hilda, por TUDO, no sentido mais amplo
da palavra.
Ao meu pai, Amador, por ser meu maior exemplo de pessoa.
A minha família, referência de carinho e dignidade, especialmente para
Jorcileide, dinda, e “vó Maria” por estarem sempre ao meu lado olhando por
mim.
Aos meus amigos Eduardo Calazans e Hadson Fonseca, por me
acompanharem nesta jornada, pelas noites de alegria e estudo, gargalhadas e
desespero, conversas de metrô e lamentos pelo telefone.
Aos meus numerosos professores de inglês, que possibilitaram a realização de
grande parte desta pesquisa.
Aos grandes professores que tive, que atuando ou não no campo das artes me
ajudaram a moldar minha vida acadêmica e por que não, minha vida.
Ao professor João Angelini, pelas inspiradoras aulas ministradas ao longo
desses anos.
E finalmente à professora e orientadora, Luciana Paiva, por me guiar e
acreditar nesta pesquisa.
“Why do you want to climb Mount Everest?"
"Because it's there"
– George Mallory
RESUMO
Este estudo tem o objetivo de investigar a transformação sofrida pela arte
urbana, em um contexto geral, no período posterior a popularização da câmera
digital, aliado às redes sociais. Para isso foi analisada a fotografia em seu
princípio e o conceito da fotografia como registro, levantando questões sobre a
imortalização de obras efêmeras e a possibilidade de desloca-las no
espaço/tempo, a relação da fotografia digital e a internet, a transformação do
espaço urbano em um suporte paralelo a uma realidade virtual, o ciberespaço,
a popularização da arte urbana e por consequência o princípio de
descriminalização e transformação desta arte marginalizada em parte da
cultura pop, também foi analisado o trabalho do artista Shepard Fairey,
influente no processo de popularização da arte urbana e por fim a inserção da
arte urbana em um mercado de arte com alto valor.
Palavras-chave: Arte urbana, fotografia, espaço urbano, compartilhamento,
rede social
ABSTRACT
This study aims to investigate the transformation experienced by urban art in a
general context after the popularization of digital camera allied to social
networks, to comprehend that it was analyzed the concept of photography, as
its principle of recording, raising questions about the immortalization of
ephemeral art works and the possibility of them moving in space and time, the
relation between digital photography and Internet, the transformation of urban
space in a parallel support as a virtual reality, cyberspace, the popularization of
urban art and therefore the principle of decriminalization and transformation of
this marginalized, turned in part of pop culture, was also analyzed the work of
the artist Shepard Fairey, influential in the process of popularization of urban art
and finally the inclusion of urban art in the art market with high value.
Keywords: Urban art, Photography, Urban space, Sharing, Social Network
LISTA DE IMAGENS
Figura 1. Keith Haring, 1983. http://www.munatseng.org/images/KHN
exttoPosterTheKeep.jpg
Pg. 13
Figura 2. Red army, Sofia, 2011. http://www.woostercollective.com/post/s
een-on-the-streets-of-sofia-bulgaria
Pg. 14
Figura 3. Blu, Los Angeles Bills,
2011.
http://www.unurth.com/Blu-Gets-Buffed-
MOCA-Los-Angeles
Pg. 16
Figura 1. Muro em Taguatinga,
Brasil, 2012.
Acervo pessoal Pg. 20
Figura 2. Zezão ao lado de sua obra. http://noarteiro.blogspot.com.br/2009/05/
grafite-zezao.html
Pg. 22
Figura 3. Blu, BIG BANG BIG
BOOM, 2010.
Imagem capturada do video Pg. 24
Figura 4. Joey Skaggs, Father
Anthony Joseph, 1992.
http://artoftheprank.com/press-releases/ Pg. 26
Figura 5. Fotomontagem variada. Pg. 28
Figura 6. Shepard Fairey, OBEY
Icon, 1996.
http://www.citybeat.com/cincinnati/article
-25179-
event_cac_thank_you_party_with_shep
ard_fairey.html
Pg. 29
Figura 7. Shepard Fairey, OG
Sticker, 1989.
http://people.southwestern.edu/~bednar
b/su_netWorks/projects/granger/discour
seone.html
Pg. 30
Figura 8. Shepard Fairey, Obama
HOPE, 2008.
http://seesaw.typepad.com/blog/2008/09
/picture-the-future.html
Pg. 32
Figura 9. Banksy, Existencilism,
2002.
http://www.romaniangraffiti.ro/graffiti-
gallery/europe/united-kingdom-
uk/banksy
Pg. 34
Figura 10. Banksy, Stop and Search,
Bethlehem, 2010.
http://justinsutcliffe.blogspot.com.br/201
1/09/double-edged-sword-of-
contoversy.html
Pg. 35
Figura 11. Placa, Banksy. http://mystilllife.files.wordpress.com/201
2/05/art-dealer-640x456.jpg
Pg. 38
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO ...................................................................................................................11
2. FOTOGRAFIA COMO REGISTRO ..................................................................................13
2.1.1. Do efêmero ao imortal .......................................................................................................15
2.2. Fotografia digital na era do compartilhamento ................................................................17
2.2.1. Experimento .......................................................................................................................19
3. A VIRTUALIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO ..................................................................21
3.1. A necessidade do registro.................................................................................................23
3.2. Limites da arte urbana .......................................................................................................25
4. ARTE URBANA EM ALTA ................................................................................................27
4.1. A arte de Shepard Fairey ..................................................................................................28
4.1.1. Ícone Nacional ...................................................................................................................31
5. MERCANTILIZAÇÃO DA ARTE URBANA ......................................................................33
5.1. Arte em cativeiro ................................................................................................................34
5.2. Exit through the gift shop ..................................................................................................35
5.3. “Arte de rua à venda” .........................................................................................................37
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ..............................................................................................40
7. REFERÊNCIAS..................................................................................................................42
11
1. INTRODUÇÃO
Dado a crescente popularização dos meios digitais de fotografia e a facilidade de
registrar um objeto do cotidiano, cabe-se pensar no desenvolvimento de áreas do
conhecimento que poderiam se beneficiar de tal tecnologia, como a arte urbana,
formada por vertentes de caráter efêmero.
Nesta pesquisa será considerada arte urbana toda arte que por necessidade
estrutural ou contextual necessite do espaço urbano, tais como performance, grafite,
stencil, projeção, inserções de circuito, pôster lambe-lambe, sticker, instalações de
rua e outras formas que cumpram o requisito.
A arte urbana surgiu como uma arte desvinculada de instituições ou partidos
políticos, assumindo um caráter underground e comumente marginalizado pela
sociedade, sendo direcionada aos transeuntes com olhares atentos que passam por
suas imediações, além disso, lida com o caráter efêmero, pois está sujeita ao clima,
agências de limpeza, no caso de obras aplicadas no espaço urbano, e também a
passagem do tempo, que no caso da performance, pode acabar em poucos
instantes, passando a existir apenas na memória daqueles que a viram.
Retornando ao registro fotográfico temos que ao fotografar o referente se torna
imóvel, congelado no espaço, imutável (KOSSOY, 2009). Se considerarmos o modo
de registro digital e a criação das grandes redes sociais pode se considerar que o
registro da obra à garante vida estendida, também garantindo a obra uma
movimentação maior, já que devido ao compartilhamento nas redes, é possível que
uma imagem recém aplicada à rua seja compartilhada com pessoas de todo o
mundo, além de permitir ao artista possuir sua própria obra, que agora, pertencente
12
ao espaço urbano consequentemente será modificada ao longo do tempo,
permitindo avaliar a intenção do artista ao fotografa-la logo após sua realização,
evidenciando uma possível necessidade de tornar imutável a condição pictórica da
obra em seu principio (MCCORMICK, 2010). É também abordado o processo de
virtualização da arte urbana, que transforma o ciberespaço em uma realidade
paralela as ruas (ARAUJO, 2012 Apud GUIMARÃES, 1997 p. 03) gerando uma nova
série de trabalhos de artistas de rua, voltados para o mundo virtual.
Porém, toda a popularização e princípio de descriminalização da arte urbana,
possibilitado pela fotografia digital, geraram efeitos inesperados, como a integração
da arte de rua à cultura pop, gerando um mercado consumidor de objetos inspirados
nesta arte, como: camisetas, bonés, chaveiros, pôsteres entre uma variedade de
acessórios que compõem esse mundo, e porque não, o desenvolvimento de um
estilo de vida criado de maneira quase espontânea devido ao compartilhamento em
redes sociais e exposição dessa arte na mídia, como explorado no segundo capítulo.
Tal exposição gerou uma demanda, esta demanda gerou um produto, que
rapidamente foi agregado ao estilo de vida dos amantes e não amantes da arte,
atitude que chamou atenção de galerias e colecionadores particulares,
transformando a arte de rua socialmente engajada em uma feira de arte sofisticada.
Por finalizar, é identificada ao longo da pesquisa a relevância da fotografia digital,
aliada as redes sociais na propagação desta categoria artística marginalizada,
também são abordadas com um olhar crítico as consequências desta ascendência
da arte urbana no circuito artístico.
13
2. FOTOGRAFIA COMO REGISTRO
No princípio da fotografia, seu uso se assemelhava ao de uma ferramenta, que
posteriormente viria a substituir a pintura clássica, largamente utilizada para
eternizar os rostos de famílias poderosas da época, como afirma GRANGEIRO, “em
seus primórdios, o retrato foi o grande responsável pela disseminação da técnica
fotográfica – não porque o retrato estava circunscrito a um limite técnico (o longo
tempo de fixação da imagem), mas porque se consumiam e produziam mais
imagens das pessoas do que paisagens do mundo”. (DEBIASI, 2010, p. 24 Apud
GRANGEIRO, 2000)
Com seu desenvolvimento e aceitação a fotografia passou de “maquina de
retratos” para um instrumento capaz de documentar acontecimentos tão singulares
que dificilmente poderiam ser reproduzidos, como as imagens de Keith Haring
(1958-1990) desenhando nos painéis de anúncio no metro de Nova Iorque.
Figura 1, Keith Haring, Nova Iorque, 1983.
14
A fotografia com a característica de eternizar momentos, congelar um ponto
único no espaço e tempo, irreproduzível, que segundo KOSSOY torna-se essa
“segunda vida perene e imóvel preservando a imagem miniatura de seu referente:
reflexos de existências/ocorrências conservados congelados pelo registro
fotográfico.” (KOSSOY, 2009, p. 28) e ratifica em “A cena registrada representa a
perpetuação de um momento, em outras palavras, cria memórias. O que foi
registrado não volta mais “o momento vivido”, congelado pelo registro fotográfico, é
irreversível”. (DEBIASI, 2010, p. 13 Apud KOSSOY, 2001)
Com a característica de imortalizar cenas a fotografia abre para as artes um leque
de novas possibilidades, uma dessas é a capacidade de trazer a arte urbana uma
extensão em sua vida, assim como também mobilidade a partir dos registros,
possibilitando que essa imagem seja facilmente espalhada através do globo e possa
ser observada por um número maior de pessoas, mesmo que se encontrem a
centenas de quilômetros/anos da posição geográfica/temporal da obra original, tal
advento poderia dar a tais obras um novo status no campo da robusta e fundada
Figura 2, desconhecido, “Red Army Sofia”, 2011.
15
arte, possibilitando seu armazenamento e manutenção como objeto artístico durável
e com valor agregado, como o monumento do exército vermelho que retrata os
soldados que libertaram a Bulgária em 1944, não fosse o registro fotográfico, teria
durado apenas poucos dias ou horas, deixando nenhum rastro de sua existência e
gerando, consequentemente, nenhum valor agregado a obra artística ou objeto de
recordação.
2.1.1. Do efêmero ao imortal
O caráter efêmero de determinados nichos da arte passou a não ser uma
característica definitiva com a popularização da fotografia, que através do registro
fotográfico prolonga a vida da obra, tal como objetos artísticos tradicionais, quadros
e esculturas, passível de ser exposta em galerias ou comercializada, tal prática seria
improvável caso tais obras não pudessem ser capturadas e mantidas em papel
fotográfico ou bits, já que o próprio contexto da arte urbana nega sua remoção do
espaço e tempo em que foi executada e transportada para um contexto distinto ao
original.
No caso do artista Italiano Blu, seu mural que cobria todo o lado norte do Museu
de arte Contemporânea de Los Angeles foi completamente apagado por ordens da
direção do Museu. Segundo o porta voz do espaço a obra teria sido apagada por
motivos de posicionamento, já que o mural foi feito de frente para o Go for broke1, tal
atitude gerou uma série de questionamentos sobre os limites da censura na arte,
porém, o mais importante para este trabalho é o fato de que por conta da fotografia
1 Monumento que homenageia os Nipo-americanos que lutaram na Segunda Guerra Mundial,
também próximo a este mural se encontra o Veterans Administration healthcare building, local responsável pelos cuidados de veteranos de guerra de Los Angeles.
16
digital a imagem se espalhou mundo afora, mesmo removida em menos de 24 horas
depois de sua realização, ganhando vida no mundo virtual em forma digital. Este
acontecimento levanta questões pertinentes a esta pesquisa, tal como a importância
da fotografia aliada a nichos de arte tão efêmeros, como a arte urbana, e também na
produção de obras que tem a fotografia como uma ferramenta necessária para sua
realização, e não apenas como um meio de registro, como abordado no terceiro
capítulo.
Figura 3, Blu, “Los Angeles bills”, 2011.
Outro ponto válido para este capítulo é indagarmos o porquê do registro
fotográfico por parte do artista de rua, principalmente artistas que lidam com a
aplicação de imagens em superfícies. Segundo (MCCORMICK, 2010) a arte urbana
está para o espectador como uma marca da presença do artista, como um “estive
aqui”, tornando a obra um ponto geográfico pertencente ao percurso do artista, e
17
não ao artista. Ao fotografar, podemos nos questionar, não seria essa a confirmação
do artista à sua necessidade de posse da obra? Como alguém que diz, este quadro
é meu e de minha autoria, não estaria o artista urbano dizendo ao fotografar sua
obra, que pode ser removida rapidamente das ruas, este trabalho é meu, eu o fiz e
ele é/era assim em seu princípio:
“A fotografia funciona em nossas mentes como uma espécie de passado preservado, lembrança imutável de certo momento e situação, de certa luz, de determinado tema, absolutamente congelado contra a marcha do tempo”. (DEBIASI, 2010, p. 15 Apud KOSSOY, 2002)
Diferentemente de casos onde a obra necessita do registro para existir, como no
caso das animações de Blu, que sem o registro fotográfico, analógico ou digital, não
existiriam como animação, e sim como performance ou borrões, como melhor
abordado no tópico 3.1.
2.2. Fotografia digital na era do compartilhamento
A fotografia digital trouxe ao mercado uma maior simplicidade na captura de
imagens se compararmos ao seu passado analógico, como descreve
MIGLIORANZA:
“A câmera analógica você precisa calibrar ela toda, você precisa analisar o ambiente que você vai fotografar, bem diferente das câmeras digitais [...] naquele tempo você tinha que ter uma noção de luz, velocidade do disparo, abertura do obturador [do diafragma na verdade]. Tinha que chegar no ambiente e ter noção de qual a regulagem que eu vou ter que colocar na maquina, calibrar a maquina para esse ambiente, para essa luz. Se eu precisasse de uma luz adicional, um acessório a mais para aquele ambiente”. (DEBIASI, 2010, p. 26 Apud MIGLIORANZA, 2010)
Criada no ano de 1988 como hoje a conhecemos e popularizada nos Estados
Unidos a câmera digital permite o registro de milhares de fotos sem custo elevado,
18
fazendo com que a proliferação das imagens digitais aumentasse a passos largos se
comparado ao registro fotográfico analógico, evento possibilitado pela avalanche de
dispositivos capazes de capturar imagens digitais presentes em aparelhos comuns
ao nosso cotidiano, como celulares, tablets, aparelhos portáteis de som, notebooks
com câmera integrada entre outros, tal capacidade transformou o modo que o
conhecimento2 é armazenado.
Em 1986, as fitas de videocassete eram as que acumulavam mais bytes guardados (54%) e os discos de vinil respondiam por uma parcela significativa da informação armazenada (14%), seguidos por cassetes de áudio (12%) e fotografias impressas (8%). Em 2000, os meios analógicos ainda guardavam cerca de 75% de toda a informação da Humanidade, mas em apenas sete anos, um suspiro em termos históricos, o cenário mudou completamente, com 94% da informação já em formatos digitais. (O GLOBO, 2012)
Aliadas a essa explosão de imagens estão as redes sociais e compartilhamento,
popularizadas mundialmente no ano de 2006, como o MySpace, tais redes
passaram a ser uma tendência crescente na interação interpessoal ao longo dos
anos, possibilitando a comunicação e compartilhamento de arquivos por pessoas de
todo o mundo em tempo real, tais redes ganharam força nos últimos cinco anos,
transformando sites como Facebook na maior rede social e compartilhamento da
história, passando de um bilhão de usuários ativos (FOWLER, 2012). Em redes
como essas o compartilhamento de arquivos, principalmente de fotos, é um dos
fatores que atraem usuários, tal facilidade de compartilhamento permite que mesmo
acontecimentos rápidos e irreproduzíveis como o escorregão de um amigo ou uma
performance artística possam ser registrados e rapidamente compartilhados com
centenas de pessoas, que por sua vez tem a opção de também compartilhar esta
foto/vídeo, assim o número de pessoas que podem visualizar a foto/vídeo aumenta
de forma exponencial, de forma que não exista barreira que limite o alcance do 2 Entende-se por conhecimento formatos de texto, som e imagem.
19
arquivo compartilhado. Com base neste pensamento realizei um experimento rápido
para exemplificar tal facilidade de compartilhamento e alcance da informação.
2.2.1. Experimento
A foto de uma obra executada no muro de uma casa em Taguatinga, DF, Brasil,
na data de 07 de Novembro de 2012, fotografada por um smartphone e inserida
através da rede móvel do celular na data de 09 de Novembro de 2012, foi
compartilhada à 432 pessoas presentes em minha página no facebook até a data da
realização do experimento, destes 432, vinte e sete são estrangeiros de doze países
diferentes pertencentes aos cinco continentes, essas 432 pessoas tem a opção de
compartilhar esta imagem para seus amigos, supondo que em média cada uma
destas pessoas tenha 250 amigos adicionados em suas páginas pessoais,
concluímos que apenas neste primeiro ciclo, podemos somar mais de 108.000
pessoas apitas a visualizar a imagem fotografada a poucos instantes, isto sem
considerarmos que a imagem também foi inserida em uma página no Facebook
dedicada a reunir fotografias de arte urbana espalhadas pelo mundo, a Wooster
Collective, com mais de 50.000 membros. Com este curto experimento é possível
exemplificar a facilidade que se tem em atingir um grande público mundial com
poucos cliques e em um curto espaço de tempo, também é necessário recordar que
todo o experimento foi baseado em apenas uma fotografia, registrada por uma
pessoa e inicialmente inserida em uma página do Facebook.
20
Figura 4, Muro em Taguatinga, Brasil, 2012.
Após 72 horas, constatei que sete pessoas haviam compartilhado a imagem,
destas, seis são moradoras do Distrito Federal e uma da Suíça, assim podemos
concluir que em apenas 72 horas esta imagem estava disponível para visualização
na pagina pessoal de aproximadamente 5.560 pessoas, atingindo dois países e dois
continentes.
21
3. A VIRTUALIZAÇÃO DO ESPAÇO URBANO
Toda arte se transforma com o passar do tempo, no caso da arte urbana uma
dessas transformações chegou junto com a fotografia digital, mudança causada
pelas capacidades da câmera digital. SILVA (2005) afirma que “a comunicação
agora toma outra dimensão. O mundo virtual apresenta-se e o uso das tecnologias
de comunicação, a partir da década de 80, é marcada pela digitalização da
informação.” (ARAUJO, 2012 p. 02 Apud SILVA, 2005)“
Capaz de transformar a antiga informação revelada em bits, a fotografia digital
guia a arte urbana a outro circuito pouco explorado pela arte, deixando de habitar
apenas as ruas e chegando ao Ciberespaço:
O ciberespaço pode ser, portanto, considerado como uma virtualização da realidade, uma migração do mundo real para um mundo de interações virtuais. A desterritorialização, saída do "agora" e do "isto" é uma das vias régias da virtualização, por transformar a coerção do tempo e do espaço em uma variável contingente. Esta migração em direção à uma nova espaço-temporalidade estabelece uma realidade social virtual, que, aparentemente, mantendo as mesmas estruturas da sociedade real, não possui, necessariamente, correspondência total com esta, possuindo seus próprios códigos e estruturas. (ARAUJO, 2012, p. 03 Apud GUIMARÃES, 1997)
O Ciberespaço recentemente vem se tornando uma realidade paralela a que
vivemos, um lugar onde pessoas compartilham suas produções e vidas, tal
possibilidade fez com que artistas passassem a produzir uma arte voltada para o
público que habita esse novo espaço, um lugar sem barreiras, possibilitando a obra
vagar mundo afora, proposta interessante principalmente para artistas de uma arte
tão efêmera e local como a Arte Urbana. Como algumas obras do grafiteiro Zezão,
que realizadas em galerias pluviais e áreas de difícil acesso, são pensadas tendo a
câmera como uma ferramenta necessária para que a obra chegue aos olhos dos
espectadores, transformando a fotografia em uma peça chave para seu trabalho,
22
capaz de influenciar e alterar toda a linha de pensamento do modo que o artista
produz suas obras.
Figura 5, Zezão ao lado de sua obra.
Outro ponto que se pode levantar sobre a virtualização do espaço urbano é a
atitude do artista de rua perante a modernidade e sua efemeridade, BAUDELAIRE
(1996) define a modernidade: “A modernidade é o transitório, o efêmero, o
contingente, é a metade da arte, sendo a outra metade o eterno e o imutável.”
Atitude guiada pela fotografia e a necessidade do registro que prende o artista ao
imutável, quando talvez fosse mais interessante ao artista observar sua obra indo de
encontro ao tempo, assemelhando sua atitude a de um flaneur, um “observador
apaixonado” (BAUDELAIRE, 1996) ou como descreve (GARCIA, 2010 Apud.
BENJAMIN, 2000).
23
“a rua se torna moradia para o flâneur, que, entre as fachadas dos prédios, sente-se em casa tanto quanto o burguês entre suas quatro paredes. Para ele, os letreiros esmaltados e brilhantes das firmas são um adorno de parede tão bom ou melhor que a pintura a óleo no salão do burguês; muros são a escrivaninha onde apoia o bloco de apontamentos; bancas de jornais são suas bibliotecas, e os terraços dos cafés, as sacadas de onde, após o trabalho, observa o ambiente. Que a vida, em toda a sua diversidade, em toda a sua inesgotável riqueza de variações, só se desenvolva entre os paralelepípedos cinzentos e ante o cinzento pano de fundo do despotismo: eis o pensamento político secreto da escritura de que faziam parte as fisiologias.”
Também nos cabe questionar a transformação do flaneur nos tempos modernos,
que ao invés de perambular nas ruas e observar a arte pertencente ao espaço agora
tem a possibilidade de apenas sentar em frente a seu computador e flanar por
espaços urbanos virtuais, transformando seu modo de observação do espaço e o
espaço que é percorrido.
3.1. A necessidade do registro
O artista Italiano Blu é um exemplo desta tendência, responsável por uma série
de animações realizadas em muros de diversas cidades de modo não tradicional,
unindo a efemeridade do grafite com a sequencialidade da animação, tal
característica faz de seu trabalho uma obra singular que apenas os meios de
registro digital poderiam possibilitar sua conclusão e apresentação nos meios
eletrônicos em um menor tempo e investimento, se comparado aos meios
analógicos, após concluí-las o artista as disponibiliza em seu canal do Youtube3 e
VIMEO4, onde em apenas um destes canais seus vídeos somam mais de 20 milhões
de visualizações.
Suas obras ajudam a demonstrar a importância da internet em trabalhos que
compartilham desta característica, que sem a possibilidade de apresentar o trabalho
3 http://www.youtube.com/notblu
4 http://vimeo.com/blu
24
em um espaço alheio à rua, no caso, o ciberespaço, talvez não alcançasse tamanha
notoriedade e deixasse de existir após sua realização, como sintetiza
(MCCORMICK, 2010) “mapeando este tipo de territorialismo estético, a fotografia
digital e vídeo, associados à internet, se tornaram a manifestação mais tangível que
essa efêmera e imaterial arte pode chegar”. 5
Figura 6, Blu, BIG BANG BIG BOOM, 2010.
O processo do artista pode ser exemplificado se pensarmos no muro que recebe
a tinta como uma tela, que repintada várias vezes torna improvável que o espectador
reconheça a primeira imagem aplicada aquele espaço, uma obra refém do tempo,
não por interferência do espectador ou do ambiente, mas sim do próprio artista, que
modifica sua tela em busca de um frame6 final, deixando para trás o rastro do
percurso realizado pelos personagens que ganham vida em sua história, tal
5 Traduzido de “in mapping this kind of aesthetic territorialism, digital photography and video, in league
with the internet, have become as proximate to a tangible manifestation as this immaterialist ephemeral art can get” 6 Termo utilizado na produção audiovisual para designar quadros ou imagens que formam um vídeo.
25
característica agrega a seu trabalho a necessidade do registro, que embora seja
uma imagem realizada nas ruas, carrega suas intenções fundamentadas em um
espaço alheia a ela, neste caso, o ciberespaço, onde o artista sabendo da
efemeridade de sua obra à realiza com suas intenções voltadas para um circuito
diferente, transportada dos muros e asfaltos para o espaço dos bits como em
algumas obras da série Metabiotics (Alexandre Orion).
3.2. Limites da arte urbana
A realização de um trabalho cujo a durabilidade é curta, associada a possibilidade
do registro logo após sua realização, possibilita sua apresentação para um maior
número de pessoas, isso fez com que uma nova geração de artistas de rua desse
início a uma produção não só nas ruas e para as ruas, mas também para o
ciberespaço, maximizando o caráter social da arte urbana, utilizando o mundo virtual
como uma segunda realidade, uma extensão do espaço urbano, ampliando as
possibilidades de telas, se olharmos o espaço da cidade como um suporte. Esta arte
que é registrada por transeuntes ou pelo próprio artista retoma seu caráter social ao
chegar ao mundo virtual, atingindo espectadores como uma arte desgarrada dos
pilares institucionais e aberta ao povo.
Cabe-nos questionar em tempos de transição do analógico para o digital, a
transformação causada à arte urbana, que empresta como caráter urbano o suporte,
mas que por sua vez, só irá ganhar vida e notoriedade no mundo virtual, movidas
para um contexto completamente alheio ao urbano, como uma performance que
duraria poucas horas e seria guardada na memória apenas dos participadores, como
em Father Anthony Joseph de Joey Skaggs (1992) ou a escultura efêmera Minotaur
de Paolo Buggiani (1974), mas ao ser registrada em vídeo ou fotografia e exposta no
26
ciberespaço se torna uma obra atemporal, com novos espectadores, possivelmente
com quantidade superior de espectadores se comparado a obra original no momento
que foi realizada.
Figura 7, Joey Skaggs, Father Anthony Joseph, 1992.
Assim podemos questionar o limiar desta arte que a pouco necessitava das ruas
e dos transeuntes para acontecer, mas que com as transformações ganha uma nova
vida, com talvez, novas características, assim nos cabe questionar se essa ainda
seria uma obra pertencente ao urbano ou teria se transmutado a uma nova categoria
de arte?
27
4. ARTE URBANA EM ALTA
Com a explosão das mídias sociais e o número de usuários chegando a atingir a
casa dos bilhões é possível imaginar o poder que a imagem ganha em um mundo
dominado por pixels e publicidade, ainda mais se considerarmos a quantidade de
imagens compartilhadas entre esses bilhões de pessoas a todo o momento em suas
páginas pessoais ou até mesmo o caráter underground e proibido da arte urbana, ter
tal mídia (internet) como um dos principais meios de divulgação parece contraditório
devido seu passado associado ao vandalismo.
No entanto, esse assédio poderia descriminalizar a arte urbana e dar a ela um
lugar ao lado das grandes escolas das artes plásticas, ou simplesmente transforma-
la em parte da cultura pop, e isso é o que vem acontecendo, como por exemplo
Throwing Flowers (Banksy) que rodou o mundo a ponto de se tornar parte da cultura
pop e estampar roupas, tatuagens e até ganhar sites especializados na venda de
produtos com sua arte, como o BUYBANKSY7, com tantos produtos, sites, blogs,
murais, programas do governo e matérias jornalísticas dedicadas à arte urbana não
seria pretensioso afirmar que a arte urbana em um cenário global deu um grande
salto na descriminalização e consequentemente em sua institucionalização,
tornando cada vez mais comum acharmos acessórios e roupas estampadas com
arte de rua, como é o caso da marca OBEY® CLOTHING, criada pelo artista
Shepard Fairey, além de permitir que estas obras possam ser encontradas em
galerias e coleções particulares como abordado no quinto capítulo.
7 http://www.buybanksy.co.uk
28
“O que é notável na proliferação da arte de rua hoje é que mesmo sendo a mais efêmera forma de arte ela é naturalmente guiada pela nossa necessidade de memorização”.
8 (MCCORMICK, 2010)
Figura 8, Fotomontagem variada.
4.1. A arte de Shepard Fairey
Sempre que surge uma tendência comportamental e cultural existem pessoas que
sabem tirar algum proveito, o artista estadunidense Shepard Fairey foi um destes.
Logo no início dos anos 90 Fairey escreveu seu primeiro Manifesto, denominado
8 Traduzido de “What is remarkable within the proliferation of Street Art today is that this most
ephemeral of art forms is often driven deepyby our cultural need to memorialize”.
29
“uma explicação social e psicológica” 9, nele o artista descreve um experimento da
Fenomenologia10 segundo Heidegger (1889-1976), como o processo de permitir que
o elementos se expressem independentemente de um estímulo, no caso, do artista.
Figura 9, Shepard Fairey, OBEY Icon, 1996.
A fenomenologia permite ao espectador ver elementos que estão presentes
diante de seus olhos, mas ofuscados pela certeza pictórica do objeto,
impossibilitando a observação abstrata do mesmo. Segundo o próprio artista seu
trabalho inicialmente não apresenta outro propósito se não gerar ao espectador a
curiosidade e o questionamento sobre o sticker, eliminando daquela obra qualquer
9 Traduzido de “A social and psychological explanation”
10 A Fenomenologia tem como objeto de estudo o próprio fenômeno, isto é, as coisas em si mesmas
e não o que é dito sobre elas, assim sendo a investigação fenomenológica busca a consciência do sujeito através da expressão das suas experiências internas. A fenomenologia busca a interpretação do mundo através da consciência do sujeito formulada com base em suas experiências.
30
significado maior que sua própria existência no espaço do qual o espectador está
cotidianamente inserido.
Umas das formas que Fairey instiga o espectador a questionar seu trabalho é
retirando qualquer elemento do sticker que possa torna-lo óbvio para aqueles que o
observam, segundo Fairey o motivo das pessoas não questionarem nem prestarem
atenção no que veem é atribuído a saturação de elementos óbvios e de fácil
absorção em propagandas (TV, Outdoor...), fazendo com que um simples rosto em
preto e branco fixado na rua gere a provocação visual necessária para que seu
trabalho funcione.
Figura 10, Shepard Fairey, OG Sticker, 1989.
Outro fenômeno notado por Fairey foi o consumo exagerado da sociedade em
que os stickers estavam inseridos, para ele o simples fato das pessoas possuírem
31
um souvenir com a mesma imagem que aquela fixada nas ruas lhes trazia uma
confortante familiaridade com a imagem de “Andre, The Giant”, um memento11 de
suas vidas cotidianas, desta forma o espectador passa a ter um sentimento de
posse, ele não mais apenas passa e observa a obra, mas a possui.
4.1.1. Ícone Nacional
Shepard Fairey ficou famoso por seus pôsteres com a inscrição OBEY e o rosto
de um lutador em preto e branco, mas foi outra obra que lhe trouxe notoriedade,
obra que acabou transformando um senador desconhecido em um ícone nacional,
famoso por suas ilustrações impressas em pôsteres e stickers Shepard Fairey
aproveitou a campanha presidencial de Barack Obama nos EUA em 2008 e produziu
350 pôsteres com a face de Obama em cores vivas e a palavra do inglês HOPE.
Este trabalho foi espalhado por várias ruas das cidades americanas por cidadãos
que compraram o pôster de Fairey e também pelo próprio artista, rapidamente a
imagem, que obteve grande aceitação do público chegou a internet, este foi o ponto
crucial para que o pôster que pertencia apenas as ruas de algumas cidades dos
Estados Unidos atingisse um público mundial, em questão de poucos dias a imagem
estava rodando o mundo como um ícone da campanha presidencial de Obama,
sites, broches e camisetas foram criados com esta estampa. Em janeiro de 2009,
após a eleição de Barack Obama a famosa imagem foi comprada pela National
Portrait Gallery, galeria de arte histórica que tem como foco imagens de ícones da
historia Estado Unidense. Em entrevista (Outubro, 2008) Fairey explicou que sua
11
Palavra do inglês que significa Lembrança, Recordação, memória.
32
imagem viralizou12 rapidamente e de forma espontânea, basicamente por meio de
mídias sociais e o boca a boca.
Figura 11, Shepard Fairey, Obama HOPE, 2008.
12
Termo ligado ao Marketing, refere-se a forma de propagação de uma informação, que se multiplica de forma exponencial geralmente espalhado pelas próprias pessoas que receberam a informação.
33
5. MERCANTILIZAÇÃO DA ARTE URBANA
A possibilidade de registrar uma obra com facilidade e agilidade associada à
explosão das redes sociais fez com que fosse questão de tempo para que o
burburinho dessa arte chegasse à mídia mundial, um dos grandes nomes e
responsável por todo esse barulho foi o artista Banksy (Exit through the gift shop,
2010), com uma arte subversiva e fortes críticas sociais o artista saiu de Bristol,
Reino Unido, para o mundo ao realizar sua primeira exposição nos EUA, usando a
galeria 33⅓, em Los Angeles e nomeando o que era para ser apenas um pequeno
show de Existencilism, a exposição é inaugurada e para a surpresa do artista, seu
show acabou atraindo multidões de interessados, colecionadores particulares,
estrelas de Hollywood e claro, a mídia local, que parecia mais interessada em
noticiar um enorme elefante pintado de vermelho e dourado que era exposto em um
pequeno cercado dentro da galeria, poucas semanas depois sua arte “ganhou
etiquetas” e surpreendentemente estava sendo vendida em leilões sem o
consentimento do próprio artista, todo o barulho causado em torno de seu mistério
por anos nos jornais do Reino Unido, neste momento passou a ser global, obras
abandonadas na rua como Murdered Phone Booth (2006) atingiu os $455.000,00
(aproximadamente R$944.000,00) em leilões de colecionadores particulares (Exit
through the gift shop, 2010) e mobile home recentemente foi avaliada em
aproximadamente R$1.650.000,00, (BBC UK, 2008) e tudo aquilo que a arte de rua
não era, acabou se transformando, leilões e dinheiro, como descreve Banksy em
seu próprio documentário: “De repente as pessoas estavam vendendo arte de rua,
34
tudo ficou louco, e de uma hora para outra era tudo sobre dinheiro, mas nunca foi
sobre o dinheiro.” 13 (BANKSY, EXIT THROUGH THE GIFT SHOP, 2010)
Figura 12, Banksy, Existencilism, 2002.
5.1. Arte em cativeiro
Com todo o assédio em torno da arte urbana foi questão de tempo para que a
descriminalização desta arte começasse a acontecer e consequentemente, sua
popularização, levando a arte urbana para fora do mundo underground, tal mudança
chamou atenção de galerias e investidores da arte, o que causou a remoção de
obras das ruas e a realocação para galerias de arte, como no caso de Wetdog e
Stop and Search de Banksy, como é apresentado no filme West Banksy, (Justin
13
Traduzido de “All of a sudden they were selling street art and everything was going a bit crazy, and suddenly it all become about the money but never was about the money”
35
Sutcliffe, 2010) obras que atingem preços altíssimos se pensarmos que aquela obra
a pouco pertencia à rua, aos transeuntes e ao local escolhido pelo artista para
“deixar” sua obra, e agora pertence a um local deslocado contextualmente e
geograficamente, assim se pensarmos em obras de arte urbana sendo deslocadas
para galerias podemos associar tal prática à de Zoológicos, que mantém espécimes
alheios aquele local, enjaulados, fora de seu habitat natural, fazendo com que ir a
uma galeria com arte urbana é como ir olhar animais selvagens em um Zoológico.
Figura 13, Banksy, Stop and Search, Bethlehem, 2010.
5.2. Exit through the gift shop
Um bom exemplo dessa mercantilização é o artista Francês Mr. Brainwash,
exposto no filme de Banksy, Exit through the gift shop, que tem como foco denunciar
a comercialização da arte urbana expondo a vida de Thierry Guetta, ou MBW, que
ao tentar fazer um documentário de seu ídolo, acaba se transformando no
36
personagem principal do documentário, apresentando o trajeto de um artista de rua
e o produto que a arte urbana se transformou. O filme demonstra todo o percurso
feito por MBW, desde seus dias como cameraman do famoso artista Invader, seu
primo, até o momento crucial para este tópico, que por conselho de Banksy, Thierry
Guetta inicia sua produção de arte e organiza uma grande exposição de seus
trabalhos, denominada “A vida é bela”14, neste momento podemos assistir o
surgimento de um artista, não irei julgar se foi uma transformação forçada ou não,
mas se nos basearmos no decorrer da cena podemos questionar a legitimidade do
que é aceito como arte de rua para um público geral e também para galerias e
exposições, já que o próprio Thierry Guetta admite esta autotransformação artificial
em artista:
“É como se tornar um artista da noite para o dia, o que está acontecendo comigo. Eu não sou ninguém, eu nunca fiz uma exposição, eu nunca exibi o meu trabalho em qualquer lugar, e agora eu estou fazendo este grande show, é como se eu tivesse inventado tudo“
15 (MBW, EXIT THROUGH THE
GIFT SHOP, 2010)
E para confirmar o sucesso de sua exibição é descrito no filme de Banksy:
"A Vida é Bela", permaneceu aberta por dois meses, e como as obras de MBW foram dispersas, elas apareceram em galerias e exposições em todo o mundo, de Miami a Nova York, Londres, Paris, e até Pequim."
16 (EXIT
THROUGH THE GIFT SHOP, 2010)
Todo o processa de fabricação do artista descrito no documentário aponta a falha
existente no mercado de arte atual, do desconhecido que se torna um artista de
14
Traduzido de “Life is beautiful” 15
Traduzido da transcrição integral de “It’s like been a artist over night, you know, that’s what’s happening to me, you know, I’m nobody, I never did a exposition on a gallery, really, I never show any work anywhere and I’m doing this big show and It’s all a….it’s all a make up kind of way” 16
Traduzido da transcrição integral de “Life is beautiful stayed open for the further two months, and as works about MBW spread, as pieces appeared in galleries and shows around the world, from Miami on New York, to London, Paris, and even Beijing.”
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excelência por mera propaganda e burburinho, valores estipulados sem critério,
como pode se notar no momento que MBW passa a um empregado os valores de
suas obras julgando apenas o tamanho dos impressos e também como o próprio
artista descreve, naquele momento sua arte é como ouro, ele pinta, as pessoas
perguntam o valor e ele responde $18.000,00 - $20.000,00 (MBW, EXIT THROUGH
THE GIFT SHOP, 2010), deixando evidente a transformação da arte em produto, um
objeto rentável, isso fica ainda mais claro quando é apresentado que apenas na
primeira semana, a exibição de MBW, um artista recém-fabricado, gerou mais de um
milhão em vendas.
5.3. “Arte de rua à venda”
Não me preocuparia em denunciar tal pratica neste trabalho se estivesse tratando
de um mercado isolado ou de uma prática registrada em uma pequena galeria, me
empenho em agregar dados sobre tal prática por me deparar com uma longa lista de
sites que comercializam o que é denominado por eles como, arte de rua. Listo
abaixo alguns dos sites que comercializam arte urbana.
38
http://www.saatchionline.com/
http://www.stolenspace.com/
http://www.blkmrktgallery.com/
http://www.lazinc.com/available-art/
http://www.handmadeposters.com/
http://printcave.co.uk/
http://www.prescriptionart.com/
http://www.hanguppictures.com/
http://www.picturesonwalls.com/
http://www.urbanuprising.com.au/
http://www.blackratpress.co.uk/
http://www.airmonkey.co.uk/
http://www.papermonster.net/
http://www.newimageartgallery.com/
http://www.1loveart.com/
http://rarekind.co.uk/category/shop
http://www.thebricklanegallery.com/
http://stealfromwork.org/
http://www.littleartbook.com/
http://www.mutatebritain.co.uk/
Esta lista evidência a demanda de compra que a arte urbana recebe, anúncios
que vão de “arte de rua a venda” a “Arte de rua original, oportunidade única” faz com
que o mercado de arte cada vez mais se assemelhe a uma feira sofisticada,
aparência duvidosa para a arte, ainda mais se pensarmos que em seu princípio a
arte urbana era tida como uma arte social, sem associações a poderes políticos ou
instituições bilionárias, apenas a voz de uma sociedade que precisava se expressar,
hoje tal comércio se transforma até em piada entre artista que se opõem a essa
tendência, como brinca Banksy ao fixar uma placa em uma cerca escrito “Qualquer
pessoa encontrada fazendo grafite nas redondezas será denunciada (ao merchant
mais próximo)”.
"Nós vivemos em uma sociedade do espetáculo, isto é, toda a nossa vida é envolta por uma imensa acumulação de espetáculos. As coisas que eram vivenciadas diretamente agora são vivenciadas através de um intermediário. A partir do momento que uma experiência é tirada do mundo real ela se torna um produto comercial. Como um produto comercial
39
o "espetacular" é desenvolvido em detrimento do real. Ele se torna um substituto da experiência."
17 (LAW, 2009)
Figura 14, “Placa”, Banksy.
17
Traduzido de “We live in a spectacular society, that is, our whole life is surrounded by an immense accumulation of spectacles. Things that were once directly lived are now lived by proxy. Once an experience is taken out of the real world it becomes a commodity. As a commodity the spectacular is developed to the detriment of the real. It becomes a substitute for experience. ”
40
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta pesquisa teve por objetivo investigar o desenvolvimento da arte urbana em
um período posterior a popularização da câmera digital e suas interações com as
redes sociais em um cenário global.
Primeiramente foi estudada a relação do registro fotográfico em momentos
efêmeros da arte urbana, tal como performances, registros dos próprios artistas em
ação e a própria obra, a partir desta primeira fase foi possível concluir tanto a
necessidade que a arte urbana tem do registro fotográfico para que possa prolongar
sua durabilidade, transportando a obra de um suporte efêmero para um durável,
quanto sua maior mobilidade ao somarmos o uso das redes sociais neste processo
de propagação da arte urbana. Também foi percebido que, em consequência deste
processo de registro um fenômeno relacionado a digitalização destas obras teve
início, a “virtualização” do espaço urbano, devido o número crescente de artistas que
utiliza o espaço urbano apenas como um suporte, voltando suas intenções de
propagação da obra para o ciberespaço, assim foi possível reunir informações e
gerar questões sobre tal tendência e suas consequências, tal processo levantou
questões sobre a legitimidade destas obras como arte de rua, já que seu objetivo só
é atingido no espaço virtual.
Outro ponto estudado foi o processo de descriminalização e institucionalização da
arte urbana, ocasionada principalmente pelo fenômeno das redes sociais e as obras
polêmicas de Banksy, como abordado no filme Exit through the gift shop, que após
uma exibição polêmica teve sua arte disseminada no mundo, a ponto de estampar
vestimentas e dorsos tatuados. E por fim um ponto de partida utilizado para
41
exemplificar esta descriminalização foi identificar e coletar imagens de produtos
cotidianos inseridos na cultura pop criados a partir de obras da arte urbana, como
tênis, bonés, pranchas de skate, a marca de roupas OBEY® CLOTHING do artista
Shepard Fairey e outros, também foi estudado tatuagens baseadas em obras da arte
urbana e sites especializados em vendas e estudo desta arte, após este apanhado
de exemplos foi possível levantar questionamentos relacionados a ascensão da arte
urbana, perdendo parcialmente seu caráter vândalo e sendo agregado à cultura pop.
Também ligada a esta descriminalização está a institucionalização da arte urbana e
o mercado de arte gerado em torno dela, com obras atingindo preços nunca
atribuídos a arte de rua, ocasionando a remoção de obras deixadas na rua para a
institucionalizada galeria, tradicionalmente carregada de estimadas obras.
42
7. REFERÊNCIAS
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Faculdade de Artes Dulcina de Moraes, para a obtenção do grau de Licenciatura em Artes Visuais).
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